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Este modelo não pressupõe diferen- a primeira não produz registros, atu-
ças fisiológicas para os tipos de ar- ando apenas como gerenciadora e
mazenamento, apenas sugere dife- manipuladora da memória pelo tem-
renças conceituais. O Modelo de Ní- po necessário até esta ser ou não ar-
veis de Processamento possui um mazenada (Izquierdo, 2014)., já a se-
foco maior em como a memória é gunda se limita a reter informação
processada, e que as características por pouco tempo indiscriminada-
de armazenamento dependem do mente, não havendo qualquer tipo
tipo de processo no qual foi submeti- de edição ou reorganização
da. (Sternberg & Sternberg, 2012) (Diamond, 2013). Tal relação foi
comprovada por estudos de imagem
O Modelo Integrativo é provavel- mostrando que apenas o Córtex Pré
mente o modelo mais aceito atual- Frontal Ventrolateral (Diamond,
mente (Sternberg & Sternberg, 2013) é ativado quando utilizamos a
2012), e propõe uma visão alternati- Memória De Curto Prazo, diferente-
va da memória que tem enfoque nas mente da Memória Operacional que
funções da Memória Operacional é associada principalmente com o
nos processos de codificação e inte- Córtex Pré Frontal Dorso Lateral
gração da memória. (Kane & Engle, 2002)
A Memória Operacional (MO) possui O próprio conceito de Memória Ope-
duas subdivisões, verbal e não- racional é convergente com a ideia
verbal (ou visuoespacial), e corres- de Múltiplos Sistemas da Memória.
pondem a capacidade de reter infor- Endel Tulving (1972) propôs a divisão
mação por um curto período e a ma- entre memória semântica e memó-
nipular mentalmente, como por ria episódica (Sternberg & Stern-
exemplo ao realizar cálculos sem o berg, 2012), categorizadas como ti-
uso de papel, reorganizar sequências pos de memórias declarativas que
ou listas assim como relacionar infor- são diferenciadas de acordo com o
mações (Diamond, 2013; Diamond, seu conteúdo, entretanto, também
2002). Apesar de funcionar no curto há evidências neurológicas de que
prazo a MO se diferencia da Memó- fazem partes de sistemas distintos
ria de Curto Prazo na medida em que
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que se sobrepõe (Sternberg & Stern- Squire (1986) propõe uma sistemati-
berg, 2012). As memórias episódicas zação taxonômica dos tipos de me-
são extraídas de experiências pesso- mórias dividindo-as inicialmente em
ais enquanto as memórias semânti- declarativa (explícita) ou não-
cas envolvem conhecimentos gerais, declarativa (implícita). A memória
como uma língua por exemplo. declarativa é dividida entre semânti-
(Sternberg & Sternberg, 2012; ca e episódica, já a não-declarativa
Izquierdo, 2014) engloba a memória procedural, o
priming, e o condicionamento.
A perspectiva conexionista pressu- (Squire, 1986; Sternberg & Stern-
põe uma rede de conexões paralelas berg, 2012) As memórias procedu-
as quais a ativação de um elemento rais são todas aquelas impossíveis de
em particular pode desencadear a declarar, ou seja, memórias corpo-
ativação de outro elemento rais motoras e sensoriais, como
(Sternberg & Sternberg, 2012). Esse aprender a dirigir, ou a sensação do
efeito é chamado de priming, e é ca- vento no rosto. De acordo com esta
racterizado pela memória evocada divisão todas as memórias declarati-
através de dicas ou fragmentos, e vas são essencialmente explícitas,
têm sua base biológica pautada no entretanto Izquierdo (2014) argu-
córtex pré-frontal e suas conexões. menta que o aprendizado da língua
(Izquierdo, 2014) materna por exemplo de uma memó-
Os diferentes tipos de memória po- ria semântica pode ser classificada
dem ser classificadas como implíci- como implícito e considera também
tas e explícitas, dependendo de co- que memórias explícitas podem ter
mo foi realizado seu armazenamen- características de curto ou longo pra-
to. Nas memórias explícitas o indiví- zo, enquanto as implícitas geralmen-
duo é ativo e consciente na apreen- te são armazenadas durante toda a
são das experiências, já as memórias vida.
implícitas são armazenadas indepen- Ambos os tipos de memória necessi-
dentemente da consciência de se- tam de um bom funcionamento da
rem apreendidas (Izquierdo, 2014). Memória Operacional para que seu
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armazenamento seja feito de forma quando a veracidade de um relato
correta, ou seja, dependem do pleno ou testemunho não é posta a prova.
funcionamento do Córtex Pré Fron- Como pudemos observar, o sistema
tal. As memórias declarativas têm da memória humana é altamente
como principais bases biológicas o complexo, os processos de armaze-
hipocampo e o córtex entorrinal, namento e evocação da memória
bem suas conexões com outras regi- muitas vezes muitas vezes resulta
ões corticais ressaltando a área ba- em falhas e erros que são considera-
solateral da amígdala, o Locus Cerul- das como falsas memórias (Johnson,
leus, a substância negra, o núcleo 2012). Isto é, o ato de lembrar de al-
basal de meyert e os núcleos da rafe go que não é fidedigno à realidade,
para as memórias declarativas e o que pode ocorrer desde a lembrança
núcleo caudau, o cerebelo e o lobo de uma roupa com uma cor diferen-
temporal para as memórias procedu- te, até recordações de situações na
rais (Izquierdo et al, 2013; Izquierdo infância que nunca realmente ocor-
2014) reram, ou ocorreram com outra pes-
soa que não a si próprio.
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compreender melhor a formação das
falsas memórias sendo estes o Cons-
trutivismo, o Monitoramento da Monitoramento da Fonte
Fonte, e a Teoria do Traço Difuso Esse modelo teórico procura explicar
(FTT) (Reyna & Lloyd 1997; Stein & a produção de falsas memórias à
Neufeld, 2001; Alves, & Lopes, 2007) confusão com a fonte da informação,
Construtivismo como por exemplo confundir o estí-
mulo visual com o auditivo quando
Este modelo considera a memória estes se apresentam como concor-
como construída (Stein & Neufeld, rentes. Diferentemente do Construti-
2001) isto é a memória está muito vismo que consideraria uma integra-
mais focada na significação do acon- ção entre ambas as memória (visual
tecimento, do que a realidade do e auditiva) (Reyna & Lloyd 1997), en-
acontecimento propriamente dita, quanto a Teoria do Monitoramento
que está sujeita a interpretação da Fonte considera que ambas se
(Alves, & Lopes, 2007). A memória mantêm intactas e que o erro é ad-
para os construtivistas tem caracte- vindo da dificuldade de estabelecer
rística mutável e maleável, portanto origem da memória (Alves, & Lopes,
postulam que os erros ocorrem 2007), no exemplo anterior se foi ob-
quando há interferência de outras tida através do estímulo verbal ou
experiências do indivíduo, ou do pró- visual. Marcia Johnson (2012) relata
prio pensamento e raciocínio (Alves, que a atribuição errada da fonte po-
& Lopes, 2007). Os modelos posteri- de ocorrer de várias formas, quando
ores ao Construtivismo se contrapõe atribuímos algo da imaginação à per-
de forma que não assumem que a cepção, algo que era apenas uma in-
produção de falsas memórias ocor- tenção para uma ação ocorrida, es-
rem devido à integração de informa- cutar sobre algo e acreditar que real-
ção. (Reyna & Lloyd, 1997) mente tivemos esta experiência.
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Estudos de Neuroimagem sugerem evocadas quando se deseja uma me-
que o Córtex Pré Frontal está intima- mória literal (Alves, & Lopes, 2007;
mente ligado com a codificação das Reyna & Lloyd, 1997).
informações necessárias para a iden-
tificação da fonte durante a evoca- O Paradigma Deese-Roediger-
ção da memória, assim, é possível McDermott (DRM)
correlacionar com a maior ocorrên-
cia de falsas memórias em crianças O paradigma DRM é um procedi-
que possuem o lobo frontal pré de- mento confiável que têm como intui-
senvolvido e idosos que podem de- to gerar as falsas memórias (Thakral,
monstrar neuropatologias devido ao Madore, Devitt & Schacter, 2018) e
envelhecimento (Johnson, 2012). pesquisas utilizam deste paradigma
para correlacionar fatores como car-
Teoria do Traço Difuso ga emocional (Bourscheid, Pinto,
Essa teoria têm uma concepção dual Knijnik & Stein, 2014), meditação de
da memória, sendo esta dividida em mindfulness (Wilson, Mickes, Stolarz
memória literal (específica e detalha- -Fantino, Evrard & Fantino, 2015) e
da) e memória da essência (contexto estímulo psicológico e emocional
mais geral). (Alves, & Lopes, 2007; pós-aprendizagem (Nielson & Corre-
Stein & Neufeld, 2001) Estas memó- ro, 2017) com a ocorrência de falsas
rias não são extraídas uma da outra, memórias.
mas sim são armazenadas e proces- O paradigma DRM fornece uma es-
sadas em paralelo de forma inde- trutura experimental de forma a ava-
pendente e são diferenciadas em du- liar a memória verídica e falsa, atra-
rabilidade e susceptibilidade à inter- vés de um procedimento que consis-
ferência, sendo a memória literal te na apresentação de uma lista de
menos duradoura e mais suscetível. palavras associadas tematicamente a
Os erros, portanto, aconteceriam na um termo não mencionado
medida em que ocorrem erros de (distractor crítico) e posteriormente
evocação da memória literal ou realizar tarefas de recordação e reco-
quando memórias de essência são nhecimento. É frequentemente rela-
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tado que o distrator crítico é muitas crítico são processadas paralelamen-
vezes lembrado em conjunto com as te. (Alves, & Lopes, 2007; Oliveira &
palavras listadas. (Oliveira & Albu- Albuquerque, 2015)
querque, 2015)
A partir do momento em que há a
Para explicar a ocorrência das falsas possibilidade de identificação das
memórias no paradigma DRM, a teo- possíveis causas das falsas memórias
ria da ativação e monitoramento foi se constrói a fundação para a pesqui-
proposta, se baseando em modelos sa não apenas de suas origens, mas
teóricos anteriores que incluem a te- de formas e estratégias para evitá-
oria do monitoramento da fonte. Es- las. Considerando o âmbito jurídico
sa teoria considera que há uma ati- por exemplo, uma testemunha ocu-
vação do distrator crítico que pode lar está sujeita a falsas memórias
acontecer no momento da apresen- tanto espontâneas quanto por su-
tação das palavras associadas ou no gestão por parte do interrogador e,
exercício de recordação. Entretanto, por isso, a entrevista cognitiva é uma
a falsa memória só ocorre se houver forma altamente eficaz de entrevista
um reconhecimento errado da fonte investigativa que visa reduzir a ocor-
do distrator, ou seja se o participante rência desses erros de memória
atribui ter lido algo que apenas asso- (IPEA, 2015). Portanto, estudos pos-
ciou. A teoria do traço difuso citada teriores devem trabalhar tanto a
anteriormente também é utilizada questão teórica relacionada aos sis-
para explicar o paradigma DRM temas da memória e a ocorrência
(Oliveira & Albuquerque, 2015), e das falsas memórias quanto a produ-
considera que na fase de apresenta- ção de estratégias e procedimentos
ção das palavras a memória das pala- que visam a evitação e redução des-
vras lidas e a memória do distrator se fenômeno.
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A neurogênese é o processo de nascimento e integração de novos neurô-
nios (Kempermann, 2011). Sua descoberta em animais adultos foi sem dú-
vida uma importante quebra de paradigma das neurociências no século
XX (Altman, 1962a), ainda mais relevante quando, no fim dos anos 90, se
confirmou a presença desse fenômeno nos seres humanos (Eriksson et al.,
1998). Atualmente os novos métodos científicos estão fazendo as neuroci-
ências reverem seus próprios paradigmas. Um estudo recente aponta que
a neurogênese adulta é indetectável em humanos, e que poderia ocorrer
apenas até a adolescência (Sorrells et al., 2018). Frente às novas e emoci-
onantes descobertas é importante ter um olhar crítico sobre o assunto, o
que passa precisamente pela revisão histórica da evidência científica.
No começo do século XX existia um grande entusiasmo pela medicina e a
anatomia. Usando diferentes métodos, os cientistas tentavam entender
melhor como funcionava o cérebro. Nesta época, Ramon y Cajal, o ganha-
dor do prêmio Nobel, utilizou o método de Golgi e concluiu que não exis-
tia a possibilidade de novos neurônios serem gerados no cérebro adulto
Em suas palavras:
“Una vez que el desarrollo ha concluido, las fuentes de regeneración de
los axones y dendritas se agotan irrevocablemente. Preciso es reconocer
que, en los centros adultos, las vías nerviosas son algo fijo, acabado, in-
mutable. Todo puede morir, nada renacer…corresponde a la ciencia del
futuro cambiar, si es posible, este cruel decreto” (Ramon y Cajal, 1928)
A citação do renomado anatomista poderia ser considerada imensamente
representativa da ideia difundida na sua época de que o cérebro não gera
novos neurônios. Nesse contexto a primeira menção de divisão celular no
cérebro foi feita por Ezra Allem (1912) em ratos de 120 dias de idade. Ou-
tros cientistas como Rydverg (1932) e Kershman (1938) chegariam a sinali-
zar a zona subventricular (SVZ) por sua potencialidade patológica na gera-
ção de tumores sem advertir a capacidade germinativa de células funcio-
nais. Em 1961, Smart e Leblond mostraram a proliferação celular na SVZ
com Timidina, um marcador de mitose radioativo. . Apesar de tais acha-
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dos, de acordo com Smart (1961) esse fenômeno era um resquício do proces-
so de desenvolvimento cerebral sem nenhuma função mais relevante que a
da geração em alguns casos, de neoplasias indesejadas. O autor não voltou
sua atenção para o bulbo olfatório ou hipocampo, regiões neuronais que
apresentam notório índice de neurogênese. e o tivesse feito na época, teria
mudado radicalmente suas percepções sobre as células proliferativas, pois
metodologicamente tinha todas as ferramentas para a descoberta (Smart,
1961).
Um ano depois, em 1962, Joseph Altman publicou o primeiro estudo sobre
neurogênese (Altman, 1962 a) que foi seguido pelo estudo intitulado: Are new
neurons formed in the brains of adult mammals? (Altman, 1962 b) o que re-
sume uma pergunta muito relevante: são formados neurônios novos em cére-
bros de mamíferos adultos? Essa pergunta foi respondida com humildade, tal-
vez,mesmo com abundantes evidências de que a resposta era afirmativa. Este
artigo, foi o começo do um campo fértil das neurociências e foi seguido de ou-
tros trabalhos sobre a migração de novos neurônios, o que concluiria em 1969
com a descrição da via migratória rostral (RMS – rostral migratory stream) - o
caminho que fazem os neurônios novos da SVZ ao bulbo olfatório (Joseph Alt-
man, 1969).
A reação da comunidade científica, que ignorou sistematicamente
os trabalhos de Altman, desestimulou o cientista, que não publicou nada re-
lativo à neurogênese depois de 1970. A neurogênese foi sem dúvida a desco-
berta do século XX e com ela Altman derrubou o “cruel decreto” de Ramon y
Cajal, mostrando para a humanidade que tudo morre e renasce em um eterno
retorno. Porém, em troca da grande quebra de paradigma, Altman recebeu da
comunidade científica o “cruel decreto” do ceticismo dogmático e a rejeição.
Posteriormente, Kaplan confirmou os achados de Altman sobre a neurogêne-
se no hipocampo e no bulbo olfatório (Kaplan & Bell, 1984; Kaplan & Hinds,
1977; Wang et al., 2012) obtendo o mesmo descrédito que seu predecessor
(Kaplan, 2001). Para os anos 80, a neurogênese foi observada em pássaros, e
se estabeleceu que várias espécies de pássaros conseguem cantar pela pre-
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sença e integração de novos neurônios no Centro Vocal Superior (HVC, High
Vocal Center) (Goldman & Nottebohm, 1983; Kirn et al., 1991). Curiosamente,
dentro dos trabalhos de Nottebohm se destacam vários feitos junto a Alvarez-
buylla que descrevem com detalhe a anatomia e integração desses neurônios
novos em pássaros, o que também foi recebido com muito receio pelos cientis-
tas da época (Alvarez-Buylla & Nottebohm, 1988; Alvarez-Buylla, Theelen, &
Nottebohm, 1990; Alvarez‐buylla, Buskirk, & Nottebohm, 1987).
Um dos fatores que mais influenciou a proliferação de evidências foi a desco-
berta e popularização do 5-bromo-2-deoxyuridine mas conhecido como BrdU
(Gratzner, 1982), um marcador de mitose exógeno. O BrdU consegue marcar a
divisão celular que acontece durante a sua incorporação com um nível de toxi-
cidade muito mais baixo que a Timidina, permitindo melhor identificação de
processos de neurogênese
Os anos 90 foram marcados pela redescoberta da RMS (Corotto et al., 1993), a
comprovação do potencial neurogênico das células precursoras da SVZ (Lois &
Alvarez-Buylla, 1994) e a demonstração de que existem células tronco no giro
denteado capazes de gerar células granulares funcionais (van Praag et al.,
2002), ideia sugerida por Altman (1963; 1965; 1969).
A maioria das pesquisas que sucederam foram confirmando as intuições que
tinham Altman e Kaplan sobre a neurogênese no cérebro, e o novo paradigma
de renovação celular foi abraçado (tardiamente) pela comunidade científica.
Porém, ainda não estava claro quais eram as funções dos novos neurônios em
mamíferos e vários grupos de pesquisa passaram a se dedicar à tarefa de des-
vendar tais funções.
Pensando em uma perspectiva funcional, a adição de novos neurônios pode-
ria ter diversas funções de acordo com o local onde acontece. A neurogênese
é uma forma particular de plasticidade porque afeta a estrutura cerebral ao
aumentar a quantidade de células nervosas, promovendo novos nós na rede
que podem mudar, não só em tamanho (quantidade de neurônios) e comple-
xidade (mais sinapses e dendritos), como também na qualidade de acopla-
mento neuronal (Kempermann, 2011).
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Existe um consenso na literatura de que, em mamíferos, as regiões do bulbo
olfatório, giro denteado (Hipocampo) e SVZ são neurogênicas, e que elas rece-
bem essa denominação devido à presença de células precursoras de um mi-
croambiente que promove a maturação (Batis, 2016; Kempermann, 2011).
Sendo o hipocampo uma estrutura vinculada à memória, diversos estudos
mostraram que os neurônio novos tem um papel fundamental na aquisição da
memória e não na evocação (Mouret et al., 2008; Opendak & Gould, 2015;
Vukovic et al., 2013). De fato, a crença de que “mais é melhor” se difundiu ra-
pidamente no campo da neurogênese pois existe uma consistente evidência
de que a diminuição da neurogênese diminui a capacidade cognitiva e aumen-
ta o comportamento do tipo ansioso (Jessberger et al., 2009; Ko et al., 2009).
Nesse sentido, pareceria lógico pensar que se a integração de novos neurô-
nios favorecia a formação de memórias, a maturação dos neurônios novos é
vinculada à capacidade maior destas células em fazer conexões sinápticas
(Ambrogini et al., 2004; Toni et al., 2007, 2008; van Praag et al., 2002), e o es-
tabelecimento de conexões é o mecanismo básico da formação de memórias.
Recentemente, o grupo de Paul Frankland, realizou fortes críticas à posição
da comunidade científica pelo denominado Evangelismo Neurogênico, que ig-
norava algumas evidências negativas da neurogênese sobre a cognição
(provenientes principalmente de animais com genes knockdown e knockout)
(Frankland, 2013). Além disso, este mesmo grupo propôs a hipótese que a
neurogênese causaria a amnésia infantil (Josselyn & Frankland, 2012). Posteri-
ormente, estudos com memórias associadas ao medo demonstraram que o
aumento da neurogênese após a consolidação da memória pode gerar perda
da memória de longo prazo (Akers et al., 2014), contrapondo novamente as
ideias da comunidade científica. Em resumo, esses estudos sugerem que o im-
pacto da neurogênese na cognição e nos comportamentos não é uma questão
unicamente de quantidade, mas também do momento em que ocorre.
Esses estudos, assim como outros tantos da última década, estão incorporan-
do os marcadores endógenos de neurogênese que proveem novas informa-
ções, sendo alguns dos mais importantes o Ki67(Ross, Hall, & PA, 1995),DCX
(Plümpe et al., 2006; Rao & Shetty, 2004), PSN-CAM, Calretinin, dentre outros
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(Brandt et al., 2003). Esses mesmos marcadores, foram usados no grupo de
Alvarez-Buylla em um estudo post-mortem para mostrar que a neurogênese
hipocampal no humano adulto é mínima e portanto não seria equivalente ao
fenômeno observado em roedores (Sorrells et al., 2018). Embora o trabalho
não tenha contado com uma ampla divulgação da imprensa, ele contém vá-
rias particularidades metodológicas que podem ter influenciado na baixa de-
tecção dos novos neurônios.
Finalmente, poucos meses após acontecer o que parecia uma nova revolução,
um novo estudo mostra que a neurogênese em humanos adultos persiste no
hipocampo e que as mudanças com a idade são relativas a angiogênese e
neuroplasticidade (Boldrini et al., 2018). O conhecimento sobre neurogênese
volta sempre a questões básicas e renasce com novas perguntas.
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20
Somos essencialmente uma espécie social e provavelmente nenhum componen-
te da nossa civilização seria possível sem comportamentos coletivos em grande
escala. Ao longo do processo evolutivo, fomos desenvolvendo habilidades que
nos permitem fazer inferências sobre o que está acontecendo com outras pesso-
as – suas intenções, sentimentos, emoções e pensamentos. A esse conjunto de
processos pode-se atribuir o conceito de cognição social.
Elementar para a nossa cognição social é a aquisição, consolidação e eventual
evocação dos atributos de cada indivíduo. Em outras palavras, a identidade de
um indivíduo é dada pelo conjunto de características que este possui como sua
aparência, seu cheiro, sua voz e suas formas. Consequentemente, identificamos
uns aos outros por meio de informações sensoriais provindas dos sistemas visu-
al, olfativo, auditivo e somatossensorial. Então, um traço de memória relativo
àquela pessoa que você acaba de conhecer será armazenado no seu cérebro,
juntamente com as informações do ambiente que estiverem presentes naquele
momento.
Em nossa espécie, a identificação de uns aos outros vai além do simples arsenal
sensorial que cada um carrega consigo. Fazemos associações das pessoas com o
contexto onde a conhecemos. Repetidos encontros com uma mesma pessoa
passam a recrutar nossas emoções. Estabelecemos laços afetivos, positivos ou
negativos, com algumas pessoas. A vinculação intelectual é outro fator que mol-
da o constructo de uma pessoa nas suas memórias. De fato, as relações sociais
são tão essenciais ao nosso cotidiano que podem ser dramaticamente impacta-
das, ou até mesmo serem as genitoras de vários distúrbios neuropsiquiátricos.
Portanto, é imperativo que os correlatos neurais subjacentes à cognição social
sejam desvendados.
Somos uma espécie social, mas estamos longe de ser os únicos. Vários de nossos
companheiros mamíferos desfrutam da companhia de coespecíficos para caçar e
se proteger de predadores. Em contrapartida, interagem, também, ao disputa-
rem pelo mesmo território ou pela mesma fêmea. Independente de ser uma in-
teração social amigável, reconhecer uns aos outros é essencial para tomar a de-
cisão apropriada de interagir ou não.
Em nosso laboratório, temos nos dedicado a compreender de que forma o cére-
bro codifica, processa e armazena memórias relacionadas a um indivíduo. Para
21
tal, usamos camundongos como modelo animal e o paradigma de reconheci-
mento social.
O paradigma de reconhecimento social baseia-se na premissa de que camundon-
gos investigam e interagem mais com indivíduos desconhecidos. Três diferentes
protocolos comportamentais podem ser usados para aferir a memória social. No
primeiro deles, denominado reconhecimento social, um animal adulto é exposto
a um animal juvenil por 5 minutos, o que chamamos de sessão de treino. Medi-
mos o tempo de investigação social, que compreende a investigação olfativa do
juvenil, por parte do animal adulto. Num segundo momento, denominado de
sessão de teste, que pode variar de horas a dias, o mesmo juvenil é reapresenta-
do. Medimos, novamente, o tempo de investigação. Espera-se que esse tempo
diminua estatisticamente no caso de o animal adulto lembrar-se do juvenil.
No segundo protocolo, um mesmo juvenil é apresentado ao adulto durante 2 mi-
nutos, por 4 vezes, sendo estas sessões intercaladas por 15 minutos sem intera-
ção. Espera-se que o tempo de exploração diminua com as apresentações, indi-
cando a habituação. Na quinta sessão apresenta-se um juvenil novo, e então es-
pera-se que o tempo de investigação aumente, indicando que a memória forma-
da foi relativa apenas ao juvenil 1 e não ao evento como um todo.
Por fim, no protocolo de discriminação social, a sessão de treino é semelhante à
de reconhecimento social. Porém na sessão de teste, são apresentados dois ju-
venis, um familiar e outro desconhecido. Espera-se que o animal adulto investi-
gue mais o animal desconhecido, indicando que formou a memória relativa ao
indivíduo familiar.
Os três paradigmas de memória de reconhecimento social são bem estabeleci-
dos na literatura e a combinação deles com manipulações farmacológicas, ele-
trofisiológicas, bioquímicas e moleculares têm nos permitido investigar as bases
neurais deste tipo de memória. Em nosso laboratório, utilizamos o primeiro pro-
tocolo.
Dentro dos critérios de classificação das memórias, a memória de reconheci-
mento social encaixa-se no tipo explícita, ou o equivalente à declarativa episódi-
ca de humanos. Neste caso, trata-se de uma memória dependente de lobo tem-
poral, mais especificamente do hipocampo. Além disso, como camundongos uti-
22
lizam-se essencialmente de seu sistema olfativo para detectar coespecíficos, o
bulbo olfatório é outro forte candidato à substrato neural da memória de reco-
nhecimento social. Em nosso laboratório, temos focado nossos estudos nestas
duas regiões: hipocampo e bulbo olfatório.
Uma das abordagens mais clássicas para o estudo de memórias no domínio da
neurofisiologia é a utilização de inibidores de síntese proteica. Isso porque para
que novas memórias sejam consolidadas são necessárias novas proteínas para
que as alterações plásticas, especialmente nas sinapses, ocorram. Administra-
mos anisomicina (inibidor de síntese proteica) no hipocampo ou bulbo olfatório
de camundongos adultos em diferentes tempos após o treino na tarefa de reco-
nhecimento social. Identificamos que alterações plásticas dependentes de novas
proteínas são necessárias no bulbo olfatório e hipocampo para que a memória
de reconhecimento social dure por 24h. Entretanto, a dinâmica temporal entre
as áreas difere, sendo a síntese proteica necessária no bulbo olfatório imediata-
mente e 6h após o treino, enquanto no hipocampo o pico de 3h após o treino foi
o mais importante. A partir deste resultado, levantamos a hipótese de que a
plasticidade do bulbo olfatório estaria impactando na plasticidade do hipocam-
po, e vice-versa. Para investigar essa possibilidade, a melhor ferramenta é a ele-
trofisiologia que confere uma resolução temporal muito melhor do que os ensai-
os farmacológicos.
Registramos o potencial de campo no bulbo olfatório e hipocampo durante o
treino e teste na tarefa de reconhecimento social. Observamos que há o recruta-
mento do bulbo olfatório durante o treino, porém o hipocampo passa a ser re-
crutado durante o teste de memória. De maneira interessante, o acoplamento
entre estas estruturas parece ser essencial para a evocação da memória social já
que animais isolados socialmente apresentaram uma diminuição deste acopla-
mento e um déficit neste tipo de memória. Em outras palavras, para que a me-
mória relativa a um juvenil seja acessada, a comunicação sincronizada entre o
bulbo olfatório e o hipocampo deve ocorrer.
Num outro estudo, quantificamos o número de neurônios positivos para c-Fos,
cuja expressão é desencadeada pela ativação neuronal. Neste caso, observamos
que o treino na tarefa de reconhecimento social não muda a expressão de c-Fos
23
no bulbo olfatório ou no hipocampo. Porém, após a sessão de teste verificamos
um aumento da expressão de c-Fos no hipocampo e uma diminuição no bulbo
olfatório. Então, mais uma vez, nossos dados mostram a participação do bulbo
olfatório e do hipocampo no processamento da memória de reconhecimento so-
cial.
O glutamato é um dos principais neurotransmissores no sistema nervoso central.
Ou seja, vários neurônios usam o glutamato para comunicarem-se por meio de
sinapses excitatórias. Sabe-se que a sinalização glutamatérgica hipocampal é es-
sencial para a formação de novas memórias. Investigamos, então, se essa sinali-
zação seria importante para a consolidação da memória de reconhecimento soci-
al. Para tal, administramos antagonistas de receptores de glutamato no hipocam-
po de camundongos, logo após o treino na tarefa de reconhecimento social. Nes-
te caso, essas drogas impedem que o glutamato liberado no treino exerça sua
função de sinalizador. Se a memória formada depende desta sinalização, a pre-
sença do antagonista irá prejudicar esta memória e no dia seguinte o animal
adulto irá investigar o juvenil pela mesma quantidade de tempo que fez durante
o treino, o que nos faz inferir que houve um prejuízo de memória social. E foi o
que aconteceu quando bloqueamos especificamente os receptores do tipo AM-
PA. Em contrapartida, nenhum efeito foi observado no bulbo olfatório, sugerindo
que a sinalização glutamatérgica é essencial para a formação da memória social
no hipocampo, mas não no bulbo olfatório.
Em conjunto, estes resultados nos indicam que durante a formação da memória
de longa duração, ambos bulbo olfatório e hipocampo passam por alterações
plásticas (síntese proteica, ativação de receptores glutamatérgicos do tipo AM-
PA) que no momento da evocação desta memória são essenciais para estabele-
cer a comunicação entre estas áreas (acoplamento observado pela eletrofisiolo-
gia).
Muitas perguntas ainda precisam ser respondidas para que possamos expandir o
nosso conhecimento sobre as bases neurobiológicas da memória social em ca-
mundongos. Nossa contribuição até o momento é de que o bulbo olfatório não é
um mero codificador dos odores e sim uma estrutura que sofre alterações plásti-
cas durante o processo de formação destas memórias.
24
Adicionalmente aos experimentos realizados com animais agrupados, o uso de
animais isolados tem nos ajudado a compreender como o cérebro codifica e ar-
mazena memórias de reconhecimento social. Manter animais adultos isolados,
ou seja, sem contato físico com outros animais, durante apenas 1 semana é sufi-
ciente para que eles não apresentem memória social de longa duração (24h),
apenas a de curta-duração (30min a 1h). Acompanhado deste déficit de memó-
ria está a presença de comportamentos relacionados à depressão e ansiedade,
atrofia do bulbo olfatório e diminuição da produção de serotonina no hipocam-
po. De maneira interessante, se estes animais ficam isolados, porém em ambien-
te enriquecido com odores ou estímulos somatossensoriais, tanto o déficit de
memória, quanto os comportamentos emocionais voltam a ficar semelhantes
aos animais que não foram isolados. Além disso, o efeito benéfico do ambiente
enriquecido tem se mostrado dependente de neurogênese. A neurogênese com-
preende a capacidade de formação de novos neurônios em um cérebro maduro.
Em conjunto, estes resultados mostram que o ambiente onde o animal está inse-
rido impacta na capacidade de armazenar memórias sociais.
Por fim, nosso grupo de pesquisa tem investigado os mecanismos envolvidos nos
efeitos que novos neurônios hipocampais exercem sobre a persistência da me-
mória social. Observamos que não se trata de quantidade e sim de maturidade.
Em outras palavras, existe uma correlação positiva entre o número de novos
neurônios que apresentam uma morfologia mais próxima de neurônios maduros
e a duração da memória social.
Mas afinal o que estes achados todos representam em termos concretos? Qual
o impacto em seres humanos de estudos com animais de laboratório?
A visão macroscópica de análise dos processos cognitivos sociais tem sido cada
vez mais complementada pela perspectiva microscópica das neurociências, que
têm detectado e desvendado o funcionamento de substratos neurais subjacen-
tes à cognição social. Apresentado muitas vezes como um paradoxo, as visões
macro e micro da cognição social na verdade se complementam, já que a com-
preensão do indivíduo nos ajuda a interpretar o seu comportamento num con-
texto social mais amplo e complexo.
25
Interessantemente, muito do nosso comportamento social emerge de mecanis-
mos neurobiológicos e psicológicos compartilhados com outras espécies de ma-
míferos. De fato, a perspectiva evolutiva comparada tem auxiliado no entendi-
mento das bases biológicas de comportamentos sociais como empatia, altruís-
mo, pró-sociabilidade, entre outros. Portanto, acreditamos que a produção de
conhecimento na ciência básica serve de norteador para que a condução do raci-
ocínio na ciência aplicada seja baseada em evidências.
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28
Memória é um constructo cognitivo que envolve várias áreas do conhecimento
em seu estudo e definição. Tendo isto em vista, os convidados escolhidos para
abordá-la são psicólogos e professores do curso de psicologia que atuam por
vertentes diferentes: a neuropsicóloga Mônica Vieira, o analista do comporta-
mento Pedro Sampaio e o terapeuta cognitivo-comportamental Ronaldo Santhia-
go.
29
2. Quais são as limitações da neuropsicologia quando o assunto é a reabilita-
ção neuropsicológica em memória?
A reabilitação neuropsicológica visa recuperar habilidades cognitivas comprome-
tidas ou adaptar o paciente a comprometimentos permanentes visando inde-
pendência funcional e o alcance da melhor qualidade de vida possível. No entan-
to, a reabilitação hoje é limitada em relação a técnicas que proporcionem, por
exemplo, estimulação cognitiva ecológica, ou seja, conectada à realidade dos pa-
cientes. Além disso, os estudos sobre reabilitação indicam que os pacientes ge-
neralizam pouco as atividades trabalhadas no contexto clínico para a vida real.
Quando são trabalhadas, por exemplo, atividades de memória operacional em
contexto clínico com os pacientes, estes melhoram o desempenho em testes
neuropsicológicos, mas os ganhos não são observados na rotina diária. Quanto
mais direcionada para os comprometimentos específicos do paciente e para a
sua realidade maior será a eficácia de um processo de reabilitação. E quanto
maior o envolvimento de familiares também.
3. Quando falamos em psicologia, é recorrente identificar um grande desenvol-
vimento no que diz respeito a psicoterapias de tratamento de psicopatologias e
estudos de auxílio para o trabalho com pessoas que estão fora do desenvolvi-
mento normal ou passam por algum tipo de sofrimento psicológico ou dificul-
dade no âmbito intersocial. Tendo isso em vista, um movimento dentro da psi-
cologia que buscou um trabalho complementar foi o da psicologia positiva,
com ações para pessoas saudáveis, visando um melhor desenvolvimento e al-
cance de potencialidades. A neuropsicologia também trabalha com esse enfo-
que, como por exemplo, com aprimoramento da habilidade de memorização
em pessoas que se desenvolveram normalmente e estão dentro do padrão es-
perado de desempenho em memória?
Sim. As intervenções cognitivas consistem em técnicas que visam estimular, habi-
litar ou reabilitar déficits em processos cognitivos e comportamentais. Enquanto
a habilitação consiste em estimular o desenvolvimento de uma função que não
se desenvolveu de forma satisfatória, a reabilitação visa recuperar processos
30
que, anteriormente funcionais, tornaram-se deficitários. A estimulação, por sua
vez, abrange técnicas que visam aprimorar funções já desenvolvidas ou prevenir
seu declínio. Existe uma crescente demanda por melhora do próprio desempe-
nho para a inserção e manutenção no mercado de trabalho. Além disso, as pes-
soas querem aprimorar a eficiência cognitiva ao longo do envelhecimento por-
que permanecem em atividades profissionais por mais anos do que em outras
épocas. Existem instrumentos computadorizados para a estimulação cognitiva e
também planos de estimulação individuais que são construídos de acordo com
as demandas e capacidades de cada indivíduo por um profissional qualificado.
4. Sabe-se que, no Brasil, há escassez de testes padrão ouro para cada compo-
nente cognitivo e também de normatização com populações clínicas. Por que a
neuropsicologia, que é uma das áreas que mais se desenvolve nas neurociên-
cias, ainda apresenta esta dificuldade em produção de instrumentos padrão
ouro? Como essas dificuldades afetam o processo de avaliação e reabilitação
neuropsicológicas no tratamento da memória?
A dificuldade maior não é para construir instrumentos, mas para adaptar, validar
e normatizar para a população brasileira. Isto porque o país tem dimensões con-
tinentais e por isso os custos e a logística para estes processos se tornam muito
altos.
5. Ainda sobre testes, a neuropsicologia tem tido muitos estudos e esforços pa-
ra a informatização de testes neuropsicológicos. Já existe um consenso sobre o
quão eficaz é o uso de testes neuropsicológico informatizados ao invés dos
clássicos em caneta e papel? Já existem testes informatizados ou em processo
de informatização que são úteis para avaliação da memória?
A população brasileira possui algumas especificidades que fazem com que os ins-
trumentos de lápis e papel ou com estímulos físicos sejam mais eficazes. Algu-
mas destas são a exclusão digital e baixa escolarização formal. A população ido-
31
sa, por exemplo, é predominantemente de baixa escolaridade e não teve contato
com computadores durante a vida. Isso dificulta a compreensão e execução de
testes computadorizados. No entanto, estes se mostram boas opções para a ava-
liação de crianças, adolescentes e adultos em localidades onde o acesso à tecno-
logia é difundido. Existem diversos testes computadorizados para a avaliação de
memória como a versão computadorizada do Teste de Cubos de Corsi, baterias
que incluem a evocação de listas de palavras como o Cogstate, no entanto ne-
nhum está adaptado, validado e normatizado para toda a população brasileira.
32
7. Um termo muito popularizado proveniente da psicologia é o de Inconscien-
te, comumente apontado como um registro de informações da vida que não
pode ser acessado por espontânea vontade. Como a neuropsicologia compre-
ende o inconsciente e como ele se relaciona com os atuais conceitos de memó-
ria?
Para a neuropsicologia não existe um construto análogo ao inconsciente. Este
construto funciona em outras vertentes epistemológicas da psicologia como a
Psicanálise. Apesar disso, considerando sua pergunta, temos conteúdos de me-
mória que não são acessados conscientemente como as memórias procedurais e
memórias emocionais. Estas memórias são classificadas como implícitas e há evi-
dências de que são consolidadas em fases diferentes do sono quando compara-
das às memórias explícitas ou acessadas conscientemente.
33
bilitação só de processo, mas também de conteúdo. Vamos pensar em demên-
cia.O quanto uma pessoa pode se sentir quando começa a se esquecer das coi-
sas: “ O que isso diz sobre mim?”; “O que os outros vão pensar sobre mim?”;
“Qual perspectiva eu tenho daqui para frente?”. Se ele puder trabalhar além des-
te processo de avaliação, também estes conteúdos cognitivos do sujeito, seria
fantástico.
34
ideia da reestruturação, a gente consegue, enquanto terapeuta cognitivo, que
esse sujeito tenha uma qualidade de vida e tenha memórias mais saudáveis. A
ideia não é desconstruir aquilo que aconteceu com você, é ressignificar, é rees-
truturar aquilo que aconteceu com você.
4- É importante que o terapeuta cognitivo tenha o entendimento dos diferen-
tes tipos de memória?
Na prática do processo terapêutico, não. Porque você vai trabalhar com aquilo
que o sujeito te traz, aquilo que o sujeito lembra, aquilo que ele coloca ali para
você. É importante entender a função da memória de trabalho,da memória de
curto prazo e da de longo prazo? É, mas isso está mais no nível acadêmico cientí-
fico do que no ambiente clínico. A gente quer saber como esse sujeito percebe
suas memórias de longo prazo, como ele percebe o cuidado da mãe, por exem-
plo. Não estou preocupado se ele tem memória para executar uma tarefa.
5- Existe diferença do entendimento de memória entre a terapia cognitiva e a
psicologia cognitiva?
Existe uma maneira diferente de manejar. Meu interesse enquanto terapeuta
cognitivo é entender que memória é essa, se é adaptativa, desadaptativa, funcio-
nal ou disfuncional para a vida deste sujeito. A terapia cognitiva está preocupada
com o conteúdo da memória. Enquanto psicólogo cognitivo estou preocupado
com o funcionamento dessa memória: com o quanto eu codifico, armazeno, re-
cupero (mais preocupado com o processo do que com o conteúdo).
6- Sendo assim, pode-se afirmar que a neuropsicologia está mais ligada à psico-
logia cognitiva do que com a terapia cognitiva?
Totalmente. Não vejo tanta diferença entre o Sternberg e a neuropsicologia. Tal-
vez tenha na questão de instrumentos e reabilitação. Porque a psicologia cogniti-
va vai querer saber o caminho. Sternberg em seu livro preocupa-se em como a
memória acontece, como é construída. A neuropsicologia, ao meu ver, quer
identificar essa memória e reabilitar caso encontre algum problema em seu fun-
cionamento que esteja trazendo prejuízo à funcionalidade do sujeito. Diferente
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da neuropsicologia, a terapia cognitiva quer saber que conteúdo é esse: “O que
você pensa? O que você sente quando lembra disso?”. A terapia cognitiva se in-
teressa pela percepção do sujeito sobre sua memória.
7- Existe algum ponto relevante que você acha que deveríamos ter abordado?
É legal a gente pensar o quanto não é uma coisa excludente. O quanto tem neu-
ropsicólogo que utiliza a TCC para tratamento. “Faço a avaliação e reabilitação
neuropsicológica, mas na clínica eu faço TCC”. Então, isso comprova o quanto a
gente está falando de coisas que acreditamos juntos, que comungamos da mes-
ma ideia. É legal também difundir a ideia que a TCC é uma terapia que deve ser
popularizada, não é uma terapia acadêmica. A terapia cognitiva sendo feita por
um neuropsicólogo, reforça a ideia do Beck de levar a terapia cognitiva para fora
e que isso possa ser feito para além da clínica, para além do consultório. Não fa-
lo sobre o neuropsicólogo não psicólogo fazer terapia com TCC, porque psicote-
rapia é restritiva ao psicólogo.
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2. O Neuropsicólogo pode ser um Analista do Comportamento? Se sim co-
mo o neuropsicólogo analista do comportamento pode conversar de forma
multidisciplinar com outros neuropsicólogos que se utilizam da vertente
cognitivista?
Sim! O neuropsicólogo pode ser embasado na Análise Comportamental tanto
voltado a estudos teóricos como em atuação prática. A neuropsicologia para
um analista do comportamento envolveria o estudo da parte fisiológica e
componentes biológicos do sujeito, ou seja, o quê acontece fisiologicamente
(principalmente no cérebro) quando alguém está se comportando de deter-
minada forma, e, também, o que é ainda mais relevante, quais variáveis (às
vezes biológicas, e não da história de vida, nem do ambiente) que estão afe-
tando esse comportamento observado?
Existe uma dificuldade de comunicação entre o neuropsicólogo analista do
comportamento e outros neuropsicólogos que não se utilizam dessa vertente
e isso se deve muito à incompreensão dos dois lados. Alguns analistas do
comportamento têm uma visão da neuropsicologia como estando profunda-
mente equivocada por utilizar uma linguagem que é entendida como um er-
ro, por ser mentalista ou metafórica, mas em minha visão são uma minoria
que minimizam as contribuições da neuropsicologia por esta razão. Isso por-
que grande parte entende que, apesar dessa linguagem, se produzem resulta-
dos de pesquisa interessantes e relevantes. Agora, da parte de neuropsicólo-
gos cognitivistas para analistas do comportamento acredito existir muita difi-
culdade no contato imediato, porque o modo de pensar do analista do com-
portamento é contra-intuitivo, não sendo tão simples de entender. Eu mesmo
demorei um tempo para entender as críticas da análise do comportamento,
com argumentos que têm respostas que parecem óbvias, mas que,na verda-
de, não estão certas. Por exemplo, uma pessoa me disse ser equivocado dizer
que não existia memória (como geralmente é conhecida pelas neurociências)
uma vez que o hipocampo é responsável pela memória. Essa seria uma res-
posta óbvia, porém esse conceito de memória tem uma outra visão pela Aná-
lise do Comportamento e em uma discussão acaba sendo um pouco custoso
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levar o outro profissional ao exercício de observar por essa ótica. Um segun-
do ponto está em que muitos cognitivistas têm uma visão da Análise do Com-
portamento como se ela ignorasse a parte biológica e a neuro, o que não é
verdade, existindo inclusive aqueles que a reduzem a trabalhos com ratos e
condicionamento, o que também não é verdade.
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sos de tratamento. A Análise Biocomportamental utiliza algum modelo de
entendimento da memória?
Todos esses estudos são considerados relevantes para nós, e nós não teremos
um modelo da mesma forma. Podemos até pegar os vários conceitos de me-
mória existentes e fazer traduções do quê as pessoas parecem querer dizer
com eles. Mas não é necessário ter esse modelo, dessa forma, pois a memó-
ria e a forma como os pesquisadores a definem, na verdade, se refere ao con-
junto de respostas de lembrar, como, por exemplo, uma dificuldade de me-
mória de curto prazo, na verdade, significa que a pessoa não consegue lem-
brar dos eventos que ocorreram há pouco tempo, ou quando se fala de uma
dificuldade na memória de trabalho, na verdade, seria uma dificuldade de
manter a resposta privada de lembrar após o desaparecimento do estímulo
discriminativo, e por aí vai. Tudo que os neuropsicólogos estudam são ações.
Quando eles vêem modelos fisiológicos e dão nomes para o que está aconte-
cendo em cada parte do cérebro ou o quê afeta cada tipo de memória, eles
estão mapeando a relação da fisiologia dessa parte específica do cérebro com
esse tipo de resposta de lembrar ou qualquer comportamento, como a rela-
ção de determinados danos no cérebro que afetam diferentes formas da lin-
guagem sob a resposta do falar. Isso se mostra possível inclusive em outras
partes do corpo que não o cérebro, como analisar como danos em determi-
nados músculos da perna afetam certos movimentos de uma bailarina e não
outros, etc. Tendo essa analogia da bailarina como exemplo, a neuropsicolo-
gia estaria mapeando como a lesão em determinados músculos afetariam de-
terminados comportamentos Logo, um avaliador físico conseguiria entender
e avaliar o que acontece com movimentos de uma bailarina sabendo sua rela-
ção com cada lesão apresentada nos músculos, mesmo sem que houvesse
um mapeamento com modelos de nomenclatura para essas relações, e esse é
o entendimento da Análise do Comportamento.
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5. Tanto a psicologia quanto a neuropsicologia têm uma linha de crescimen-
to na criação e adaptação de instrumentos de avaliação psicológica. Enten-
dendo a importância da testagem psicológica tanto na consolidação da psi-
cologia como ciência, quanto como ferramenta de trabalho profissional,
qual o motivo de não existirem tantos testes com respaldo na Análise Com-
portamental ou Biocomportamental?
A Análise do Comportamento entende que todos os testes psicológicos estão
medindo, categorizando e comparando comportamentos ou querendo avaliar
o repertório comportamental de alguém. Toda vez que alguém faz um teste,
essa pessoa está se comportando de alguma forma. Esse comportamento du-
rante o teste é medido e avaliado com uma média de comportamento pa-
drão, quer seja em um questionário, teste, etc. Nós conseguimos fazer isso
sem precisar da testagem. Em alguns casos o teste é útil, economizando tem-
po na sessão, intervenção ou em outros momentos, mas em muitos casos ele
não se mostra tão relevante, porque como não estamos interessados na com-
paração do indivíduo com a média, mas dele com ele mesmo, tendemos a
abrir mão dos testes. Mesmo que uma pessoa responda uma escala que ava-
lia depressão, inteligência, memória ou outro constructo, o teste não me
apresentará as experiências que ele teve e que causaram o déficit em um
destes, e é mais provável obter todas essas informações em uma sessão inte-
ragindo com o paciente.
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de predizer disfunções do sistema nervoso ainda no seu início por via destas
tecnologias pode ser delimitador do processo de reabilitação, tal como no
bom desenvolvimento de uma psicoterapia, a Análise Comportamental con-
seguiria intervir clinicamente com eficiência sem o uso dessas tecnologias?
Existem limitações que nenhum psicólogo ou neuropsicólogo conseguiria fa-
zer muita coisa, mesmo com ou sem tecnologia. Logo, a necessidade do exa-
me varia de caso a caso. Por exemplo, em um caso de doença de Alzheimer é
possível diminuir seu avanço ou fazer a pessoa lembrar por mais tempo com
uma série de treinos comportamentais, mas não evitá-lo ou curá-lo. Agora,
supondo que eu não tivesse nenhum exame de visualização de imagem que
me mostrasse a doença de Alzheimer no paciente, ainda assim eu observaria
uma pessoa que está tendo dificuldade de lembrar e que isso está aumentan-
do gradualmente, oferecendo o mesmo tipo de procedimento de interven-
ção, não fazendo diferença esse tipo de exame ou não. Em um caso que aten-
di, precisei mudar o procedimento porque só houve a descoberta do diagnós-
tico, que não foi obtida pelos médicos ou exames neurológicos, por análise
funcional. Observei que o aversivo estava aumentando a frequência do com-
portamento do paciente, o que é muito peculiar (um estímulo aversivo ser
reforçador), e pesquisando sobre isso eu vi que existia uma síndrome que era
compatível com o que ele apresentava, sendo uma síndrome genética que é
descoberta apenas com exame genético. Após isso, o paciente fez o exame e
foi comprovado que realmente era esta síndrome, que não poderia ser obser-
vada por avaliação neuropsicológica ou neurológica.
O avanço dessas tecnologias de visualização do sistema nervoso central não
fizeram tanta coisa por essas pessoas. Embora haja essa impressão, existem
artigos que apresentam hoje a existência de um acúmulo de conhecimento
em detrimento do progresso no tratamento. O progresso no tratamento em
grande parte se dá no tratamento comportamental, como na doença de Al-
zheimer, no autismo, entre outros. Inclusive, por mais que seja utilizada uma
linguagem neurocientífica, a reabilitação neuropsicológica é comportamental,
como por exemplo, as técnicas de reforçamento diferencial, ensino sem erro,
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ensino por tentativas discretas, equivalência de estímulo, treino simbólico, e
por aí vai. Assim, entendo que esse avanço das tecnologias de visualização do
sistema nervoso central, que possibilitam perceber lesões ou alterações, não
acompanham o avanço do processo de tratamento que é supostamente apre-
sentado como fruto dessas tecnologias, por isso tenho minhas dúvidas se es-
se avanço por estas tecnologias ocorre como é apresentando normalmente.
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aquilo que o sujeito faz acontece em determinada situação, e é necessário
um contexto/um estímulo para que o comportamento aconteça, além de que
esta ação é modificada por suas conseqüências. Isso ajuda demais a compre-
ender o problema, avançando muito no diagnóstico, na intervenção e todo
tipo de avaliação a ser feita. A Avaliação Funcional dificilmente ou nunca apa-
rece em testes psicológicos.
Posso citar alguns analistas do comportamento brasileiros que são neuropsi-
cólogos, como: Daniel Foschetti Gontijo – doutorando em neurociências pela
UFMG, Diego Zilios Alves - doutor em Psicologia Experimental pela USP, Gus-
tavo Teixeira - mestre em Psicologia Experimental pela PUC-SP, Riviane
Borghesi Bravo – doutoranda em educação pela UFMG, Maria Teresa Araújo –
pós-doutora em Psicologia Experimental em Harvard, entre outros espalha-
dos pelo país.
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Doutorando em Psicologia: Cognição e Comportamento pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Psicologia do Desenvolvimen-
to Humano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialis-
ta em Gestão em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e em
Docência do Ensino Superior pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais
(INTERVALE). Formação clínica em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental
pelo Instituto WP. Atuou como Psicólogo pelo Ministério da Saúde (MS) e
atualmente é professor e orientador de estágios do curso de psicologia.
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Presidente: Victor Polignano Godoy
Vice-presidente: Lucas Matias Félix
Consultores de Edição:
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Colaboradores:
Alberto Timóteo (MG)
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Lucas Matias Félix (BA)
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