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MT ESCOLA DE TEATRO

RELATÓRIO DO VÍDEO MESA REDONDA: O DEVIR NEGRO DO


MUNDO

Aprendiz: Waltair França da Silva

Área: Atuação

Cuiabá, MT

2019
MT ESCOLA DE TEATRO

Relatório do vídeo da MIT SP – Mostra Internacional de Teatro de São


Paulo – Mesa redonda: O devir negro do mundo, debate com Rosane Borges,
Tatiana Roque e José Fernando Azevedo, no lançamento do livro
Necropolítica, de Achille Mbembe. Mediação de Peter Pál Pelbart. Atividade
para registro de freqüência da aula EAD do dia 26 de setembro de 2019.

O vídeo começa com um vídeo, que já havia começado, com algumas


pessoas com os nomes identificados, falando sobre o Itaú cultural e um
narrador que cita o nome das pessoas no vídeo e depois continua falando
sobre algumas atividades do Itaú cultural.

“A criatividade, o pensamento critico, a interação com diferentes percepções do mundo


são a energia que movimenta o Itaú Cultural. Nosso foco é possibilitar encontro de pessoas,
estimular o diálogo e a criação colaborativa na qual o sujeito seja a base para a transformação
da sociedade”. Milú Villela - Presidente Itaú Cultural

Alguns trechos da 5ª Mostra Internacional de São Paulo, do teatro


nacional e internacional são exibidos no telão: Sal, Palmira, Campo Minado, A
gente se vê por aí, Suíte N° 2, King Size, Hamlet, Árvores Abatidas, País
Clandestino.

Tem início a mesa redonda.

O telão sobe e quatro cadeiras dispostas à frente são ocupadas por


quatro pessoas na ordem: a partir do mediador Peter Pál Pelbart, Rosane
Borges, José Fernando Azevedo e Tatiana Roque.

O mediador Peter introduz mencionando a peça que assistiu na Vila


Itororó, peça do José Fernando de Azevedo, “Cidade Vodu”, onde imigrantes
haitianos faziam parte do elenco e o tema da peça era a revolução haitiana,
quando algumas perguntas lhe veio à cabeça, que são: Como essa primeira
revolução de escravos nas américas era tão pouco tematizada entre nós, como
os negros haitianos conseguiram derrubar seus capatazes, venceram as tropas
francesas, invocando por vezes o mesmo ideário da revolução francesa que os
franceses, supostamente defensores dessa mesma revolução, traíam
abertamente, ao manterem intacta a escravidão apesar do lema de liberdade,
igualdade e fraternidade, e assim tentaram sufocar a revolução que vinha dos
escravos sob seu domínio. E depois da peça foi sugerido pelo José Fernandes
uma bibliografia sobre o assunto, e fez um relato sobre como surgiu a peça e o
encontro com os haitianos. Ressalta Achille Mbembe como o mais agudo
pensador do planeta hoje. Cita que Achille fala da África com profundidade
abissal, da negritude com compreensão e complexidade e fineza únicas, da
escravidão mostrando que o negro é o primeiro a ter seu corpo transformado
em mercadoria, sendo essa a condição para o surgimento do próprio
capitalismo, que as políticas genocidas tiveram sua origem na colonização, e
fala das políticas de morte hoje, como poucos autores. Enfim, o horizonte que
ele abarca é imenso e abre pra nós uma perspectiva inesgotável, pois vira do
avesso o nosso ocidente a partir de sua perspectiva que ele mesmo chama de
afropolitana. Daí a absoluta urgência em publicá-lo. Primeiro, este livro hoje,
Necropolítica, ao mesmo tempo esse cordel chamado o Fardo da raça, que
conjuga duas entrevistas estupendas do Achille Mbembe. Em segundo lugar, o
José Fernandes lança hoje esse cordel fortíssimo chamado “Eu, um Crioulo”.

É sobre o signo dessa urgência e aposta então que será feito o debate
do vídeo.

José Fernando é dramaturgo e diretor e professor na Escola de Arte


Dramática (EAD-ECA/USP), Rosana Borges, jornalista, ativista nas redes
sociais, pós doutora em ciências da comunicação, professora universitária,
integrante da comissão de jornalistas pela igualdade racial, autora de “Esboços
de um tempo presente”, “Mídia e Racismo”, “Espelho infiel”, “Um negro no
jornalismo brasileiro”. Recentemente, num ato em defesa do direito de Lula a
se candidatar à presidência na Casa Portugal, coube a ela fazer uma das
intervenções mais belas e contundentes ao lado dele. E por fim Tatiana Roque,
professora do Instituto de Matemática da Universidade federal do Rio de
Janeiro, com títulos e inserções internacionais e livros científicos publicados,
sobretudo, está aqui por seu engajamento admirável há décadas em todo tipo
de movimentos sociais com a visão abrangente sobre seu papel no contexto
global hoje. Amiga de Toni Negri1, entre outros pensadores, nutre o campo da

1
Antonio Negri, (Pádua, 1 de agosto de 1933), é um filósofo político marxista italiano. Tradutor dos escritos de
Filosofia do Direito de Hegel, especialista em Descartes, Kant, Espinosa, Leopardi, Marx e Dilthey, Negri tornou-se
conhecido no meio universitário sobretudo por seu trabalho sobre Espinosa, mas sua atividade acadêmica sempre foi
mobilização política com sua inteligência, lucidez e energia. Foi candidata em
2018 a deputada federal do PSOL pelo Rio de Janeiro.

A primeira participação é de Rosane Borges.

O que o Mbembe pode nos instruir, orientar nesses tempos difíceis em


que a política ganha na sua expressão mais violenta, concretiza o conceito do
jurista Carl Schmitt2, que a política se distingue entre amigos e inimigos, entre a
estética entre belo e o feio, a moral entre o bom e o mal. Se a gente pensar
essa definição de política e pensar o que é o Brasil de hoje, o Mbembe pode
nos escurecer (invertendo propositadamente o termo esclarecer para
escurecer) muitas questões para um Brasil em busca de bússola, de
pensamento e de novas formas de imaginação. E sem nenhum exagero, sem
ser grandiloquente, não há dúvida que, se há algo de novo, o que vem desse
solo, do pensamento, da reflexão, vem formado a partir da população negra e,
particularmente das mulheres negras. Esse é o ponto de partida para a gente
pensar os dois livros que estão sendo lançados, Necropolítica e Crítica da
Razão Negra de Achille Mbembe e (embora, por motivos de logística, o Crítica
da Razão Negra foi lançado na Feira Plana na Cinemateca em outro debate),
um assunto que já é meio que “arroz de festa”, a biopolítica, de Foucaut se
tornou uma categoria chave pra gente pensar na soberania, o dever, o poder
do soberano sobre a vida e sobre a morte. Muita gente considera o livro do
Mbembe como se fosse uma contraposição à biopolítica do Foucaut, que na
verdade não é. O que ele questiona é o seguinte: será que a categoria
biopolítica é mais precisa, circunscreve, alcança de maneira miúda o que são
os campos de morte, o que são as topografias da crueldade, o que é essa
reedição da política do inimigo e da inimizade? O termo, e é preciso, já que, em
tempos difíceis, o Deleuze3 diz que a gente é obrigado a pensar, mais do que

intimamente ligada à atividade política. Negri ganhou notoriedade internacional nos primeiros anos do século XXI, após
o lançamento do livro Império - que se tornou um manifesto do movimento anti-globalização - e de sua sequência,
Multidão, ambos escritos em co-autoria com seu ex-aluno Michael Hardt.

2
Carl Schmitt foi um jurista, filósofo político e professor universitário alemão.É considerado um dos mais significativos
e controversos especialistas em direito constitucional e internacional da Europa do século XX. A sua carreira foi
manchada pela sua proximidade com o regime Nazista O seu pensamento foi influenciado pela teologia católica, tendo
girado em torno das questões do poder, da violência, bem como da materialização dos direitos.
3
Gilles Deleuze (Paris, 18 de janeiro de 1925 — Paris, 4 de novembro de 1995) foi um filósofo francês.
isso, somos forçados a pensar, estamos diante de um filósofo que nos força a
pensar em busca de novos conceitos, novas bússolas.

A Necropolítica se adéqua, não só pra situação brasileira, como pro


mundo, pra gente tentar dimensionar, com todas as nossas limitações, com as
nossas dificuldades, de pensar avaliar o que é o presente, o que significa, por
exemplo, o extermínio da juventude negra no Brasil. O que significa as
chamadas guerras em nosso tempo, as guerras contemporâneas. O que
significa essas linhas divisórias entre o nós e o outro, o que é a chamada
alterofobia no seu sentido, já que muita gente insiste em dizer, nossos traços, o
Brasil que era um país tão cordial, o brasileiro boa praça, a gente se descobre
que a gente também tem um lado odioso, violento. Mas, como que uma
provocação, se diz que, para a população negra, esse lado odioso ele nunca foi
oculto. Existe um segmento deste país que sempre conheceu a perversão
desse lado odioso. A imagem daquela mulher, daquela mãe, na década de 70,
quando o filho dela é executado pela polícia, e ela tem a coragem, ainda no
regime militar, na ouvidoria da polícia, ela grita, e aí o que o batalhão da PM do
Rio faz? Leva essa mulher e diz: a senhora vai ter que apontar quem foi então
que matou o seu filho. E ela tem a coragem de passar o pelotão e dizer: Foi
esse. Foi esse. Foi esse. Foi esse. Foi esse. Eu não sei se vocês sabem a
história dessa mulher. Essa mulher sumiu. Quem mandou ela apontar também
foi quem mandou a matar.

Se a gente pegar esses exemplos dessas mortes, dos 111 tiros, e eu


insisto muito, um pouco pra gente pensar no que o Mbembe vai nos trazer,
essa história do parâmetro do caminhão na França, como é possível, uma
pergunta muito foucautiana, como foi possível, como a gente pode, porque a
gente fala muito em estado de exceção, estado de sítio, que são termos que
são apropriados, mas se a gente não for um pouco criterioso no que diz
respeito ao que esses conceitos eles dizem, a gente também não consegue
dimensionar o que esse fundamento racial no Brasil e no mundo o que o
Mbembe, de certa forma vai nos colocar. Aquela morte daqueles jovens, dos
111 tiros, quando um dos pais daqueles jovens vai pra televisão com a voz
muito embargada, e ele dá uma entrevista, isso passa no jornal nacional, ele
diz, a repórter faz uma pergunta, e ele diz o seguinte, não tem corpo, é um pai
destroçado na frente da televisão, ele primeiro diz: “Acabou. A vida na nossa
família acabou”. E a repórter faz uma segunda pergunta, ele devolve, ele diz
assim: “Você imagina, alcança o que são 111 tiros em cinco jovens em um
carro?” ele falou: “Não existe isso” e nesse momento cai a ficha da repórter, e
ela não consegue mais fazer a terceira pergunta. Essa imagem é tão
impactante, porque quando ele devolve, ele diz: “Tá fora de qualquer parâmetro
de, digamos de humanidade, de civilidade. Mas ainda assim não houve nem
por parte da nossa imprensa algum artigo que dissesse: como é possível o
estado brasileiro alvejar um carro de pessoas civis com 111 tiros e isso não dá
em nada?

E o parâmetro paralelo que sempre utilizo a partir da conversa com Ge


de Oliveira, é que quando a gente lembra dos atentados dos chamados
atentados terroristas na Europa, por exemplo, o caminhão em Paris, que foram
em várias cidades, quando ele começa a atropelar pessoas, aquele caminhão
tá em Paris, em Londres, em algumas outras cidades francesas, ele tá sendo
monitorado, e a gente tenta estabelecer que nem aquele caminhão levou 111
tiros. Era um caminhão possante, grande, não era um carro de passeio, com
terroristas atropelando pessoas. Se a gente utilizar de maneira muito banal
esse conceito de humanidade, não há parâmetros no nosso tempo presente,
na nossa contemporaneidade, que nos façam compreender essa situação toda
que acontece no Brasil e nas outras do ????? mundo se a gente não adotar
raça, o racismo como nexo prioritário pra gente pensar como essas máquinas
de mortes elas só são azeitadas porque esse negro, essa categoria negra
continua sendo o corpo matável, no dizer do Mbembe.

E aí são três aspectos, se a gente pensar o que ele vai dizer na Crítica
da Razão Negra, pra fazer um link com a Necropolítica, ele vai dizer: O negro
passa na categoria semântica e existencial, porque isso vai definir o que é um
negro, ele passa por três momentos. O momento da escravidão transatlântica
do século XV ao XIX que ele é um corpo, um homem objeto, um homem
mercadoria, um homem moeda. E depois desse momento há uma insurreição
que esse próprio negro, esse corpo, que já é no início do século XVIII, ele vai
se insurgindo pelos seus próprios traços negro, consegue articular uma
linguagem para si, reinvidicando o estatuto de sujeitos completos do mundo
vivo.

Aí ele vai se referir os chamados movimentos de abolicionistas, as


revoluções negras. Esse como eu costumo brincar com a peça do
Shakespeare que diz o seguinte pro dominado: Já que me ensinaste a tua
língua, eu tenho como te amaldiçoar.

É esse negro que, ao aprender a língua de quem o escravizou e de


quem o dominou diz, dessa maldição, porque foi uma revolução em que eles
tomaram pra si o protagonismo na sua própria história. E o Haiti paga até hoje
por essa ousadia.

Quando a gente pensa na, e aí o Mbembe vai dizer: Esse devir negro,
nós temos uma terceira etapa da trajetória do Negro, Negro como substantivo
próprio, que ele vai escrever com “N” maiúsculo, que é essa etapa da
globalização do mercado, da privatização do mundo, sob a égide do
neoliberalismo, onde há uma ficção de um novo ser humano em que todas as
situações elas podem deter um valor no mercado, e aí ele vai dizer que é esse
corpo plástico, é esse corpo em que tudo deve ser convertido numa moeda de
troca, mas paradoxalmente, é nesse deserto, que é esse neoliberalismo , que a
gente pode dizer que é o capitalismo no seu estado bruto, quando a gente
pensa a reforma da previdência, a reforma trabalhista que vai atingir as
mulheres negras em cheio, as questões de gênero, as políticas de gênero, os
direitos civis, sexuais e produtivos, que atingem mulheres em grande medida,
mulheres negras, a gente vai ver o que que se tem nesse governo golpista de
plantão, é um flerte de fato com o capitalismo no seu estado bruto, sem férias,
a gente brinca, se eles pudessem revogariam até a lei áurea. Isso é uma frase
que corre muito no facebook, mas são frases que de certa forma guardam
alguma correspondência com a realidade. E o Mbembe vai dizer o seguinte:
nesse terceiro estágio, esse estágio do mundo neoliberal, ele vai nos chamar a
atenção que o neoliberalismo ele é tão desértico, que todos os outros não
negros passarão a experimentar uma condição universal da negritude, porque
foi só esse corpo, que na sociedade moderna foi escravizado.

Então ele vai dizer que o que a gente tem hoje em termos de
precarização do trabalho, a gente fala em uberização do trabalho, ele diz, o que
a gente tem hoje, na verdade, é uma extensão do que só o corpo negro
experimentou no mundo moderno. Os não negros vão carregar, de uma certa
forma, signos da destituição, da humanidade subalternizada, da negação, da
retirada quase total dos direitos, etc. aí quando a gente pensa a idéia de devir
negro, pra fazer a conexão com a Necropolítica, ele diz o seguinte,
exatamente:

Essa ideia, que é paradoxal, ao mesmo tempo que nós insurgimos no


mundo, esse negro que foi espoliado, que foi traficado, que foi escravizado,
pela primeira vez na história humana, o nome negro deixa de ter unicamente
para a condição atribuída aos genes de origem africana durante o primeiro
capitalismo, predações de toda espécie, desapossamento da
autodeterminação, e sobretudo, das duas matrizes do possível, que são o
futuro e o tempo. A este novo caráter descartável e solúvel, a sua
institucionalização, enquanto padrão de vida, e a sua generalização ao mundo
inteiro, chamamos o devir negro no mundo, e aí ele vai trabalhar com toda ideia
de razão negra.

Ora, em que que a gente pode pensar isso, com essa ideia que tá na
crítica da Razão negra, de pensar uma razão negra, que são as imagens do
saber, um modo disso, um paradigma da exploração com a necropolítica?

Cortando agora, focando mais na ideia de necropolítica, e quando ele


diz, ele provoca, se de fato a biopolítica seria suficiente pra gente pensar nas
máquinas de morte da contemporaneidade, o Mbembe ele faz uma inversão na
equação foucautiana, porque ele vai dizer que é preciso que a gente remonte
esse quadro da topografia da crueldade a esse lugar que é geográfico, que é
real, as esse lugar simbólico que é negro. Porque corpos matáveis, porque a
ideia do Foucaut, do deslocamento, foi a grande preocupação do Foucaut,
como é que cada momento da história, as relações de poder funcionava, e o
Foucaut vai pensar as mudanças e as configurações de cada tempo. E o
Mbembe vai dizer, pra gente pensar as mudanças e as configurações de cada
tempo, se a gente tomar, como princípio, a ventura da modernidade, é preciso
que raça, racialização4 negro sejam componentes irrevogáveis pra gente

4
Em sociologia, racialização ou etnização é o processo de atribuir identidades raciais ou étnicas a um relacionamento,
prática social ou grupo que não se identificou como tal.
pensar os desdobramentos dessas máquinas da morte. Tanto que ele vai dizer,
não que ele desconsidere, ele vai dialogar com o nazismo, ele vai dialogar com
a ideias de estado de exceção, mas ele diz ser preciso que a gente pense em
todas as questões a partir da biologização5 da política, e biologização da
política supõe raça, e raça pro mundo europeu, em grande medida, supôs o
termo negro, não só, mas supôs em grande medida essa definição do que é
ser negro.

Ora, quando a gente pensa todos os países que foram atravessados


pela tragédia da chamada escravidão transatlântica, da chamada escravidão
moderna, o que a ONU diz? Que a escravidão transatlântica, a escravidão
moderna, por isso que o nosso recurso meio psicológico de dizer: olha na
Africa também tinha escravidão. A gente tem que dizer: Olha caro amigo
branco. Não vale dizer isso, porque o que a ONU vai dizer? Foi a pior tragédia
de toda a humanidade. Porque escravidão é uma experiência que acompanha
o mundo. Sabemos que o mundo foi riscado pela escravidão. Dizer isso a
gente não tá querendo dizer que existe escravidão melhor ou pior. O que se
quer discutir é que a escravidão que tomou o corpo negro, não foi nem o corpo
africano, porque na África existem pessoas não negras, como a gente sabe,
tomou o corpo negro, como esse corpo que pode se fazer tudo sem se pedir
perdão. O que é escravidão na Líbia com os negros subsarianos6, ninguém faz
nada, ninguém diz nada, é o que o Mbembe diz, sobre esse corpo se pode
espoliar, se pode escravizar, se pode matar, sem que se faça nada, nem que
se peça perdão.

Então a ideia da política da morte pro Mbembe associado com a questão


racial, nos leva, e aí deve-se pensar um pouco o quadro do que é o Brasil, a
tragédia, voltando a ideia da tragédia da escravidão, foi a pior tragédia da
humanidade, se a gente toma como crível o que a ONU disse, que foi a pior
tragédia da humanidade, a gente tem alguns desafios nesse momento, por
exemplo, intervenção militar no Rio de Janeiro. A gente tem alguns desafios

5
Robert Kurz - A biologização... O mundo moderno define a relação das antigas sociedades com a natureza como
irracional. A noção de que montanhas e rios, animais e plantas possuam alma parece à consciência moderna tão
feérica quanto a idéia de que alguém possa ser enfeitiçado pela magia.
6
A África subsariana ou subsaariana, antes impropriamente chamada África negra, corresponde à parte do continente
africano situada ao sul do Deserto do Saara. Chamada de subsaariana por estar ao sul (sub-) do Saara (-saariana). É
constituída de quarenta e oito Estados, cujas fronteiras resultaram da descolonização.
quando o medo no Brasil passa a ser a grande arma dos reacionários. Muita
gente diz: Esses caras são isso...! mas o fascismo, a primeira condição pro
fascismo florescer, é uma condição de vítima. Os regimes totalitários primeiro
pensa< nós fomos vitimados, olha o que foi a Alemanha. Porque o nazismo
floresceu ali. A história tá aí. Mas havia uma condição prévia de vitimização
que foi a primeira guerra, os judeus, etc. e passado esse primeiro passo, vem a
reação. Quando a gente vê um cidadão de bem, quem fala perto de mim que é
um cidadão de bem eu atravesso. Eu não fico. Porque os cidadãos de bem são
capazes de fazer coisas terríveis. Quando a gente vê aquelas imagens dos
cidadãos de bem, a ku klux klan, enforcando os negros na árvore, e tem lá as
senhorinhas todas de bíblia debaixo do braço, com seus tubinhos, com seus
tailleur, os homens também de terno, eles estão o que? “Há, mas não eram
eles, era a ku klux klan”! mas eles todos estão olhando aquele “espetáculo”.
Todos cidadãos de bem. Indo ou voltando do culto.

Então essa ideia que a gente tem hoje da segurança, que a gente deve
proteger nossas famílias, esses pedófilos, é toda uma situação de medo. Nós
somos vítimas, nós temos que nos proteger contra eles. Agora quem são esses
eles, quem são esses outros. Mbembe vai nos dizer que são humanidades
subalternizadas, que são o grande alvo da política da morte, da necropolítica. É
teleológica7, no sentido, a finalidade, vejamos: porque o exército nos incomoda
tanto quando se diz que o exército está nas ruas? Porque não é papel do
exército usar a força moderada. O exército é pra bater em inimigos, e em
inimigos você não exerce força moderada. Você pode até dar risada e dizer:
mas a polícia não usa força moderada, nem ela usa, ela mata no Brasil. Mas
ela não é para matar. A constituição da polícia, é que a morte é algo, tanto que
eles justificam o extermínio da juventude negra com “autos de resistência”.
Todo policial vai dizer: Ele resistiu. A polícia não é pra matar. Exército é pra
matar. Então vejam vocês, num país em que o recurso da intervenção militar
parece ser como único possível do Estado, significa dizer que, de fato, o
inimigo, que é esse outro, e esse outro não é o branco, não é normalmente, ou
seja, não são os estabelecidos no mundo, mas são outsider 8, se a gente usar

7
Capaz de relacionar um acontecimento com seu efeito final.teleologia, ciência que tem a finalidade
(causas finais) como essencial na explicação das modificações que ocorrem na realidade.
8
indivíduo que não pertence a um grupo determinado.
uma expressão que está até em desuso, não ouço mais ninguém falando
nesses termos, mas todos os outros, a gente vê que a necropolítica, da forma
que o Foucaut nos ensina, ela nos leva a tomar como princípio ético, como
urgência política. O nosso país, a racialização que não veio com as cotas, o
nosso país já é racializado, e todas as políticas repressoras, opressoras,
tomam a raça como nexo importante de contenção do que eles chamam das
massas.

O que a gente vê no Rio de Janeiro, quem tá morando no Rio de


Janeiro, a morte da juventude negra, porque muita gente brinca e diz assim,
mas em São Paulo não tem intervenção na periferia porque tem uma morte.
Porque São Paulo não precisa, porque a polícia aqui já é militarizada. Ao
contrário do Rio. Em São Paulo não se precisa do exército porque a polícia se
militarizou. Então se a gente não pensar nesses nuances, dificilmente a gente
alcançará o que a filosofia do Mbembe, a partir da necropolítica nos ensina e
pode, de fato, nos oferecer instrumentais pra esse momento perigoso em que o
Brasil está vivendo.

Tem a brincadeira do “Nunca antes” nesse país. Eu acho que não é


nunca antes, a gente tem momentos de gradação dessa destituição, dessa
morte, desse extermínio. Foi um movimento negro que, por sua própria conta,
sem o apoio da esquerda, que conseguiu introduzir o termo genocídio da
juventude negra, que até hoje tem muita resistência, olha não é genocídio,
porque genocídio supõe que o estado quer matar negros, isso não existe.
Existem vários reparos em torno dessa terminologia, mas ela acaba sendo uma
expressão importante pra gente repensar o que são essa políticas de
extermínio, onde esses corpos matáveis moram, utilizando o termo do
Mbembe, que são as topografias da crueldade, a gente terá, a partir desses
corpos que tombam, alguns indicativos para que de fato a insurreição venha.
Porque se a gente insistir com o que esta acontecendo no Rio, eu vou com
certa freqüência no Rio, e eu tava muito preocupada, eu disse pra um amigo
que alguma coisa vai acontecer no Rio. Ou as pessoas vão se insurgir ou ali
vai ser o caos total. E eu tava achando que era mais o caos total do que a
insurreição. Então antes que o caos total viesse, veio a intervenção militar, que
não deixa de ser outro tipo de caos.
Quando o presidente diz que o Rio é um laboratório, que isso, na
verdade, pode ser estendido a todo Brasil, a gente tem um grande problema
pra pensar como a elite, e isso é desde a escravidão, a gente tem as raízes
arcaicas, o que faz o Brasil, elas ganham uma densidade na superfície
contemporânea, e voltando essa ideia do ódio, porque nós sempre odiamos,
esse medo, o outro como inimigo, o negro como inimigo... ora, mas na
escravidão já foi assim. Se a gente tem o exemplo, a Maria Célia tem um livro
interessante, que se chama Onda Negra, Medo Branco, e ela vai pensar o
movimento pré libertação dos escravos no Brasil, que ela vai dizer: porque o
debate ficou muito polarizado entre abolicionistas e os imigrantistas? Porque
eles tinham medo que acontecesse no Brasil o que aconteceu no Haiti. Então
nossas elites elas sempre tem medo e raiva do subalternizado, que na nossa
raiz e escravizado, é um negro que não era gente. E essa ideia, esse medo,
esse ódio, esse desprezo, ele não mudou, ele ganhou novas tintas. E o que a
gente tem hoje, a partir do que Mbembe, que é um autor que é considerado
pós colonial, embora não goste de ser reconhecido como um autor dos estudos
pós coloniais, um autor do sul, um autor africano, que nasceu em Camarões,
que hoje dá aula na Africa do Sul, teve passagens pela Europa, que dá aula
numa universidade americana, portanto tá vendo o mundo a partir de lentes
muito renovadas, muito atualizadas, e que, certamente ele nos presta um
serviço pra pensar o nosso Brasil de hoje, e o tema da segurança não é
apenas o tema da segurança que ameaça os coitadinhos, as coitadinhas dos
nossos cidadãos de bens. O que tá em jogo novamente é uma reacomodação
com fundamento racial explícito nesse país, e a gente tomar isso como a
grande questão é a gente pensar que não é uma situação que envolve apenas
a juventude negra, mas que tá em jogo o nosso país. Que país a gente quer,
quais são as perspectivas, que tipo de lutas que a gente pode travar a partir
desse estado de coisas, e fundamentalmente, a gente, sem nenhum tipo de
preocupação, assumir de fato, que essa face racista, que desde a hora
moderna, adotou o negro como o grande outro, não o grande outro no sentido
psicanalista, definir o outro como oposto diametralmente a mim, aquele a quem
eu posso espoliar, eu posso destituir..., basta a gente ver as tonalidades de
pele em sua maioria das pessoas que desempenham papeis subalternizados
no nosso querido e amado Brasil do samba, do futebol e do carnaval, e não foi
à toa que foi pelo carnaval que o Temer disse: olha, chega! Tá na hora da
gente colocar ordem nessa bagunça. Acho que essas coisas são muito
instrutivas, essa intervenção, além da reforma da previdência, mas o grande
mote foi como foi o carnaval do Rio. Ele diz, a gente vai ter que tomar uma
solução contundente pra resolver esse problema. Mas a pergunta é: Qual
efetivamente é o problema?

Tatiana Roque.

A Rosane ligou as questões contemporâneas com a obra do Achille


Mbembe, e, no papel de fazer uma ponte entre essa ideia da mesa do devir
negro do mundo com as noções de devir, minoria, etc, do campo comum, a
filosofia do direito de Guattari9 sobre devir, etc. e também pensando em como
introduzir esses conceitos em alguns impasses da política contemporânea, do
fazer político contemporâneo.

Como a gente pode pensar o fazer político, e os impasses do sujeito


político, das sujeitas políticas, no presente, a partir de noções como devir
negro, devir mulher, etc.

A gente vive hoje um certo impasse desse sujeito político, quem são os
sujeitos e as sujeitas, os atores e atrizes da política hoje, no momento em que
a gente vive a crise dos universais, e que a gente sabe que a noção de classe
j´pa não basta e ao mesmo tempo a gente se vê diante de uma fragmentação
dessas lutas minoritárias, que muitas vezes também causam alguns percalços
na ação política. Fragmentação não só entre elas, mas também dentro delas e
aqui eu to falando mesmo do feminismo, em que há o feminismo A, B, C ou D,
que brigam entre si, e que muitas vezes isso nos angustia, e que a gente tenta
dizer que é preciso unificar as lutas, isso produz divisão, é preciso unificar
porque, na verdade, nós temos um inimigo comum.

Mas talvez não seja mais possível falar desse inimigo comum. Até
porque a gente sabe que, a partir dessas questões que incidem sobre o corpo,

9
Félix Guattari (Villeneuve-les-Sablons, Oise, 30 de abril de 1930 — Cour-Cheverny, 29 de agosto de 1992) foi
um filósofo, psicanalista e militante revolucionário, francês, praticamente autodidata que não chegou a cumprir a
burocracia de nenhum título universitário. Produziu uma grande quantidade de textos, relacionou-se de forma produtiva
com muitas das figuras mais importantes das ultimas três duas ou quatro décadas, militou política e ativamente tanto
nas organizações tradicionais, como na maioria das alternativas importantes do seu tempo cronológico, foi criador de
uma série de movimentos e fundador de uma série de dispositivos políticos que tiveram um papel importantíssimo nas
tentativas de transformação do que é o mundo moderno e pós-moderno. Wikipédia.
da mulher, dos negros, muitas vezes o inimigo tá ali do lado. A gente pode tá
sofrendo machismo, a gente pode tá sofrendo racismo de um companheiro, de
uma companheira de luta. Então já não dá mais unificar as lutas a partir dessa
figura abstrata do inimigo em comum. Então permanece em aberto esse
problema da fragmentação, e que é na verdade um sintoma de uma dificuldade
mais profunda que é a dificuldade da organização política no mundo atual, que
a gente vive uma crise de representação, uma crise dos partidos, uma crise da
esquerda, que foi a quem a gente sempre atribuiu esse papel de luta contra as
opressões, e como pensar então esse impasse pra gente pensar em novos
tipos de organização em uma possível agenda comum.

Então em primeiro lugar, um dos impasses que a gente vive nessa crise
da esquerda é o esgotamento da noção de classe, pelo menos a noção de
classe, como suficiente pra pensar o sujeito político. E aqui eu acho que vale a
pena retomar um pouco o modo como Deleuze e Guattari falam da questão de
classe, porque eles retomam a noção de classe como uma invenção, ou seja,
não como uma condição nem sociológica, nem econômica, mas como uma
criação de um dispositivo, pra fundar um antagonismo, que é algo que já é um
pouco estranho a marxismo. No marxismo, de certa forma, desde lá no
manifesto comunista, era como se fosse a partir das contradições internas do
capitalismo, da contradição o capital x trabalho, por exemplo, é que pudesse
surgir esse sujeito antagônico, que seria o proletário em antagonismo em
relação ao burguês. E o Deleuze e Guattari, colocam isso de uma outra
maneira. Eles dizem: Não! Na verdade a noção de classe foi um dispositivo pra
criar esse antagonismo. Esse antagonismo não procede naturalmente de uma
contradição interna do capitalismo. É preciso que ele seja criado. Até porque, o
sujeito trabalhador, esse proletário, o sindicalista, é uma figura ambígua.
Porque ele é uma figura que, ao mesmo tempo que ele luta contra o burguês,
luta contra o patrão, ele também quer para si, tem uma luta de interesses, quer
para si algum ganho, alguma condição de sobrevida diante daquele conflito,
diante desse antagonismo. É uma posição ambígua que por si só, não gera o
conflito suficiente pra colocar em risco o capital. É preciso que esse
antagonismo seja produzido, e ele é produzido, quando é produzido a partir
desse dispositivo de classe, eles retomam um pouco a discussão que o Lenin
faz lá no o que fazer, que o Lenin fala exatamente desse impasse em relação a
social democracia, em relação a esse sujeito trabalhador sindicalista que ainda
não se vê como revolucionário, e eles dizem que essa criação é importante,
porque, na verdade, o que a noção de classe cria é um plano de produção de
uma subjetividade antagonista. Então esse proletário não preexiste. Ele não
surge de uma projeção interna do capitalismo. Ele é a criação de um
mecanismo, surge a partir da criação de uma ferramenta, de um mecanismo,
que é essa ferramenta da divisão de classes.

Ou seja, esse sujeito revolucionário não preexiste ao dispositivo, à


organização, à classe. Ele nunca foi uma condição sócio-econômica. Ele é
portanto, dessa maneira como se retraça a noção de classe, uma categoria
essencialmente política. Que na verdade, o que essa categoria responde à
impasses, à questões que surgem da luta política propriamente dita naquele
momento.

Então hoje, acho que a gente pode retomar essa questão, de certa
forma, a partir dos impasses da luta política de hoje, que acho que também
surgem do esgotamento dessa noção de classe, que é retomada a partir dessa
noção de minorias que o Deleuze e Guattari colocam e que a gente tá vendo
proliferar em diversos movimentos e que é relativa justamente a esse problema
da politização e de que forças são capazes de fissurar essa máquina social
capitalista.

Isso se inspira de lutas efetivas que colocaram em questão o modo


tradicional de organização da esquerda a partir de 68 justamente da noção de
classe, da divisão em classe trabalhadora, burguesia, etc, inspiradas nessas
lutas de 68, que eram lutas de negros, mulheres, imigrantes, gays, mas
também rádios livres, ecologistas, etc, e que fazem proliferar uma série de lutas
pontuais de movimentos sociais que já não se inserem mais de uma maneira
tão confortável naqueles dispositivos clássicos da esquerda que foi importante
pra história da esquerda até ali.

O problema que trás essa multiplicação das minorias, das lutas dos
movimentos sociais, é justamente que elas não permitem mais garantir um
sujeito político unificado, como foi na época o trabalhador, a classe
trabalhadora. Agora você tem uma proliferação de sujeitos que obviamente tem
relação com as questões do mundo do trabalho, mas que essa relação já não é
tão direta, tão fácil de traçar, até porque existem hierarquias, opressões,
subalternidades dentro da classe trabalhadora a partir da condição de mulher,
de negritude, etc. Então já não é mais possível esse sujeito unificado, e essa é
uma das limitações políticas que a gente vive inclusive até hoje. Grande parte
dos impasses da esquerda também se dão por uma certa fixação da esquerda
na noção de classe. A gente vê hoje ainda no discurso da esquerda, uma
oposição entre a noção de classe e as minorias.

Não é raro a gente ver militantes de esquerda dizendo que as minorias,


o movimento negro, feminismo, estão na verdade desmobilizando a esquerda,
as organizações tradicionais da esquerda, porque estão fragilizando a noção
de classe. Como se fosse possível ainda pensar a noção de classe sem pensar
a questão das minorias e o modo como as minorias se colocam na luta política.

Se por um lado essa noção de devir minoritário, devir negro, devir


mulher, eles dizem que não existe devir homem, devir branco, homem branco é
uma maioria, o devir é sempre minoritário, porque eles partem da história
dessas lutas. Parte-se dos desafios que 68 colocou pra esse padrão macho,
branco, adulto, etc, e que se concretizava nessas lutas que eram as lutas
feministas, do movimento negro, etc.

A partir daí tem duas questões que a gente pode pensar como isso
permite sair da dicotomia entre individual e universal, ou individual ou coletivo.
E por outro lado como isso pode trazer alguma possibilidade de pensar uma
maneira de se colocar em relação à causa do outro. Que é algo que também
produz muito desconforto. O que um branco pode fazer diante da causa dos
negros? O que um homem pode fazer diante da causa das mulheres? Que
muitas vezes é algo que produz um desconforto tamanho que vira reatividade,
vira reação, vira conservadorismo, vira ataque.

Primeira a questão da dicotomia individual x universal, ou individual x


coletivo, o universal, pra retomar um pouco essa história, que o Mbembe
também retoma na Crítica da Razão Negra, universal, o público sempre foi
esse padrão majoritário, o homem, branco, adulto, como aquele que tem direito
de existir no espaço público. Tudo o que difere disso é privado. Não é à toa que
se diz hoje: Pode ate beijar na boca homem com homem, mulher com mulher,
mas não no espaço público. O conservadorismo gosta de dizer isso. Existe
espaço pra isso, mas no privado, no público não.

A mulher fica mais em casa, sair pra trabalhar sempre foi um problema,
os negros ficam na senzala. Sempre restrito a um espaço que não é o espaço
público. O espaço público é o espaço do homem adulto, branco, etc.

E quando então as minorias irrompem nessa cena pública, eles trazem


imediatamente, uma reversão dessa separação ente o individual e o coletivo.
Uma vez que a sua individualidade sempre esteve associada ao espaço
privado, quando se entra na cena pública na se entra mais como indivíduo. E
aqui é algo que desafia por si só a repartição entre individual e coletivo u entre
individual e universal.

Então quando irrompe na cena pública as mulheres, os negros, é


sempre colocando em questão essa divisão. É sempre a partir de um lugar que
é o coletivo que foi privatizado, que foi individualizado. Então não é a toa que
quando os negros entram na cena pública, trazem consigo a questão da
ancestralidade, a questão da africalidade, questão da religiosidade, questões
que são imediatamente coletivas. No caso das mulheres a questão da
sexualidade que sempre foi aquela relegada ao privado, relegada ao indivíduo,
relegada a casa, e que quando entra na cena pública ela se torna uma questão
coletiva imediatamente.

Então se torna impossível a partir daí, interiorizar esse acontecimentos,


da sexualidade em cena pública, da ancestralidade, da religiosidade, como
estereótipos. Porque justamente quando eles irrompem na cena pública eles
trazem para a cena pública uma coletivização imediata de questões que foram
relegadas historicamente ao privado quando da afirmação da civilização
eurocêntrica, branca, macha, etc.

Essa é uma primeira questão. E acho isso em grande parte responsável


por todo frisson que a gente tá vendo por aí e que produz uma grande
reatividade. Eu costumo dizer que piorou porque melhorou. Sem querer ser
muito otimista. Mas eu acho que esse aumento do conservadorismo, de
manifestações racistas, machistas é também em parte, claro que há outras
questões, porque em parte é insuportável pra esse padrão majoritário o
aparecimento, o acontecimento dessa intrusão na cena pública do que as
mulheres, os negros, os gays, trazem consigo e que tinha sido recalcado
durante tantos anos da história dessa civilização que a gente sabe.

Essa é a primeira questão do individual e do coletivo.

Uma segunda questão de como a gente pode pensar de um modo


diferente esses impasses da subjetivação política, do sujeito político, das
subjetividades políticas, que é o que eu queria chamar de a causa do outro.o
que que a gente faz, o que que a gente pode fazer em relação à causa do
outro. Como se colocar a partir de um mal estar? Porque isso claramente tá
gerando um mal estar. Não é a toa que tem tanta reação, muitas vezes de
pessoas próximas, eu não to nem falando só de bolsomínions, mas as vezes
livros, reações contra os feminismos, contra o movimento negro, de pessoas
dentro da esquerda de pessoas próximas, a gente viu um livro aí, “A Vítima
Tem Sempre Razão?” BOSCO, Francisco, 2017, Editora Todavia, uma
tentativa de reagir, uma coisa reativa em relação a esse mal estar que esses
movimentos têm provocado, manifestações que vem desse lugar de mal estar
com a causa do outro, quer dizer, aquela pessoa que não é o protagonista
daquela questão, que não tem o lugar de fala se incomoda, porque não sabe
mais da onde ele vai falar. Então ele vai tentar reagir de alguma forma. Como
lidar com esse mal estar, que não seja tentando retomar a palavra do mesmo
lugar, como a gente vê muitas vezes, nem calando, nem falando demais,
porque eu fico boba de ver, sempre que eu vejo essas manifestações reativas,
outra dia mesmo eu li no artigo um artigo no jornal do Cacá Diegues 10, dizendo
que, “Puxa! O pessoal aí no lugar de fala, eles não querem mais que a gente
fala”, mas ele tava escrevendo isso no Globo! Como assim ele não pode mais
falar? Ele tem a coluna dele no Globo, e ele usa a coluna dele no Globo pra
dizer que os movimentos minoritários o estão impedindo de falar. ou seja, eles
falam demais.

Então, essa reação, também, como a gente pode lidar com esse mal
estar, de modo que isso não provoque uma cisão completa, eu acho que é

10
Carlos José "Cacá" Fontes Diegues (Maceió, 19 de maio de 1940) é um cineasta brasileiro. Foi um dos
fundadores do Cinema Novo. Wikipédia.
importante o conflito, mas que também a gente pode aprender com isso,
aprender alguma coisa.

E tem um texto que eu gosto muito, um texto do Ranciere11 chamado


justamente “A causa do outro”, que ele retoma, faz uma crítica às reações da
intelectualidade francesa, ao livro do Fanon12. E o Sartre faz o prefácio ao livro
do Fanon, e o Rancière faz uma crítica ao prefácio do Sartre e a algumas
posições ao Pierre Bourdieu13 sobre o livro do Fanon. Ele diz o seguinte que, o
modo como o Sartre e Bourdieu se colocam diante das questões que o livro do
Fanon traz, é um modo que, ainda que queira manifestar uma certa
solidariedade, é como se fosse uma solidariedade moral. Porque os termos em
que são colocadas à exposições desses intelectuais franceses, ainda são
termos que pertencem a uma cosmologia do político que foi construída para
abafar aquelas vozes. Para que aquelas vozes, ao dizer, digam sempre de um
lugar subalterno, tutelado. A partir de um campo de significação de termos
como humanidade, verdade, cidadania, que são termos erigidos dentro de uma
epistemologia branca, de uma cosmologia do político branca. Então, ele
também como branco, intelectual francês branco, achava que podia ser muito
mais impactante, e até politicamente interessante e mobilizador, colocar a
questão de uma outra forma. Ou seja, a causa do outro, no caso, dos argelinos,
que é disso que ele tá falando ali naquele momento e a partir da publicação do
livro do Fanon, tudo ao mesmo tempo, o que ela produz nele, francês, é uma
possibilidade de desidentificação do sujeito francês. Então a causa do outro é
aquilo que pode produzir no francês a desidentificação do francês em relação
ao seu ser francês.

E aqui a gente possa retomar também pra esses sujeitos brancos, eu, no
caso, e homens, no caso, daqueles a quem eu muitas vezes interpelo pelo
machismo, etc, porque não se colocar diante da causa do outro, nesse lugar da
11
Jacques Rancière (Argel, 1940) é um filósofo francês, professor da European Graduate School de Saas-
Fee e professor emérito da Universidade Paris VIII (Vincennes-Saint-Denis). Seu trabalho se concentra sobretudo nas
áreas de estética e política. Wikipédia.
12
Frantz Omar Fanon (Fort-de-France, Martinica, 20 de julho de 1925 – Bethesda, Maryland, 6 de dezembro de 1961)
foi um psiquiatra, filósofo e ensaísta marxista francês da Martinica, de ascendência francesa e africana. Wikipédia.
13 Pierre Félix Bourdieu (Denguin, França, 1 de agosto de 1930 — Paris, França, 23 de janeiro de 2002) foi um
sociólogo francês. De origem campesina, filósofo de formação, foi docente na École de Sociologie du Collège de
France. Desenvolveu, ao longo de sua vida, diversos trabalhos abordando a questão da dominação e é um dos autores
mais lidos, em todo o mundo, nos campos da antropologia e sociologia, cuja contribuição alcança as mais variadas
áreas do conhecimento humano, discutindo em sua obra temas como educação, cultura, literatura, arte, mídia,
linguística e política.
desidentificação, ou seja, de uma experiência de se desprover de toda essa
cosmologia, de toda essa epistemologia, de todos esses ferramentais em
regime de verdade que a gente produz a partir do lugar histórico que a gente
ocupou. Então talvez seja o momento da gente tentar abrir mão disso, e ver o
que que dá. E a partir talvez desse abrir mão, desse desprovimento, a gente
possa encontrar em algum lugar, uma possibilidade de conexão e de
transversalidade entre essas diferentes minorias, essas diferentes lutas, esses
diferentes movimentos que hoje estão tão fragmentados, e muitas vezes geram
uma postura reativa.

É, então, é, é, isso é uma coisa que também me, que também me tem
feito muito pensar na própria ação política, na militância, etc, porque eu tenho
me debatido muito nos meus ativismos, na minha militância política, tenho me
debatido muito com a esquerda tradicional, claro que eu me acho de esquerda,
mas a esquerda mais tradicional ela irrita muito, muitas vezes, a gente... e que
tem a ver, com eu acho, que talvez a gente possa colocar desta forma, talvez o
devir mulher do fazer político e o devir negro do fazer político possam indicar
dois elementos que estão faltando pra esquerda e que produzem essa irritação,
essa dureza, essa insuficiência, essa desconexão que a esquerda parece ter
do tempo presente.

Eu diria que, no caso, do devir mulher, se trata de uma erotização da


política. Talvez essa possibilidade de tratar as questões políticas relacionadas
à fragmentação, relacionadas a uma certa neurose do político, elas possam ser
encaradas de uma maneira mais erótica nesse sentido da vida mesmo, no
sentido em que Eros não se opõe à civilização. Talvez a gente precise aí de um
novo Marcuse14 pra pensar essa questão de Eros e Civilização.

Então, talvez o devir mulher irrompa na política a partir de um acerta


terapia do político da qual a gente precisa e que, a erotização pode exercer um
papel. Isso, inclusive, internamente ao movimento feminista. Agora está tendo
todo um debate sobre a organização do 8M lá no Rio e tá uma brigalhada

14
Herbert Marcuse (Berlim, 19 de julho de 1898 — Starnberg, 29 de julho de 1979) foi um sociólogo e
filósofo alemão naturalizado norte-americano, pertencente à Escola de Frankfurt. Eros and Civilization,
1955 (Eros e Civilização, Zahar Editores, Rio de Janeiro). Wikipédia.
danada. Dentro do feminismo, uma feminista brigando com outra feminista,
todo mundo brigando.

Então como sair dessa neurose de grupo, dessa maneira de se colocar


nesses movimentos, fragmentando; não que a gente possa se livrar do
ressentimento, isso é impossível. Com toda a situação de opressão que esses
grupos vivem, as mulheres, os negros, etc, também não vai dizer que a gente
não vai ser ressentido. A gente vai. Mas é preciso ter um dispositivo à mão pra
tratar imediatamente do ressentimento. É isso que eu to chamando desse
erotismo que talvez seja o devir mulher do fazer político.

E no caso do devir negro, mas aqui falando a partir do lugar de branca,


mas o que eu me coloco como branca, ao ser interpelada por esse devir negro
da política, talvez seja uma impossibilidade de se colocar no fazer político sem
o corpo, sem assumir os riscos de fazer, de estar e de dizer algo a partir desse
lugar. E esse risco, essa impossibilidade de proferir enunciados, sem que o
corpo esteja no enunciado, é também um mal, é também uma doença da
esquerda. Tenho aqui até um trechinho do Foucaut, que eu acho interessante,
que é um trechinho que ele fala da irritação dele em relação aos comunistas.
Ele diz assim:

“Não se é radical porque se pronuncia algumas formas. Não. A radicalidade é física. A


radicalidade concerne à existência. Falando dos comunistas eu diria que é desse tipo de
radicalidade que eles são desprovidos. E o são porque, pra eles, o problema do intelectual não
consiste em dizer a verdade. Porque jamais se pediu aos intelectuais do partido que dissessem
a verdade. Pede-se que eles assumam uma posição profética de dizer: eis o que se deve
fazer”.

Esse lugar talvez não seja mais possível na política. Esse lugar de onde
se assume que você sabe o que se deve fazer, e que você não se implica e
que você não corre o risco do não saber o que fazer.

Então talvez seja esse lugar do risco que eu estou falando aqui, que é
um risco de ser interpelado ao fazer político, ser interpelado aqui, não há outra
alternativa hoje do que fazer política, porque o mundo tá como tá. E que a
gente precisa correr o risco de fazer, ainda que a gente não saiba bem o que
fazer, nem como fazer, nem o que dizer aos outros o que eles devem fazer. É
isso.
José Fernando Azevedo.

Na quarta-feira de cinzas, um aluno negro da Escola de Artes


Dramáticas da Universidade de São Paulo, voltando pra casa, no final da noite
depois de ir ao cinema, foi abordado por um casal, um homem branco e uma
mulher negra, que gritavam: Você neguinho me roubou e agrediu a minha
mulher e você vai apanhar. E esse rapaz começou a bater nesse garoto negro,
até que ele ficasse desacordado. E algumas pessoas em volta não fizeram
nada. Não fizeram nada porque era negro, se é negro é possível que tenha
roubado, se roubou então tem que apanhar.

No sábado, no último sábado, um aluno e negro, se diz negro, voltando


pra casa, também da EAD, foi abordado na rua Treze de maio, o primeiro caso
acontece aqui na Paulista, saindo inclusive do Itaú Cultural. O segundo caso
aconteceu no sábado, na Treze de Maio, ele foi atacado por dois rapazes, esse
rapaz apanhou, tentou reagir, e ao reagir, os assaltantes gritaram: você quer
me bater, você quer me roubar...e as pessoas em volta se voltaram contra o
rapaz que até então apanhava. Nos dois casos os celulares foram levados.

Esse casos, que talvez nós que saímos da periferia, ou estamos na


periferia conhecemos como cotidianos, assustaram muito os meus colegas da
Universidade de São Paulo. Em parte porque são casos que incidem sobre
corpos que estão chegando na Universidade de São Paulo. E sobretudo, são
corpos ditos marginais e quando chegam na Universidade de São Paulo,
explicitam um fato que, nós, que fazemos teatro, performance, e arte, enfim,
sabemos, que é, as margens se movem. Elas produzem coreum política, sendo
vítimas que são de coreum polícias. E nesse movimento, no modo como essas
margens se movem, outras centralidades são produzidas, outras relações são
produzidas, e talvez a gente viva neste momento uma espécie de explosão.
Porque a margem , a periferia não expande, o que expande é o capitalismo. A
margem explode, e essa lógica da explosão é talvez algo sobre o qual a gente
pode falar como uma espécie de contra dispositivo na relação com aquelo que
o Achille chama de necropolítica.

Eu acho esses casos exemplares porque de, certo modo, eles explicitam
o que pode um corpo. Porque eu tenho a impressão que a gente vive hoje um
momento muito complexo, problematizada nessa idéia do inimigo, mas eu acho
que, as vezes, a gente corre o risco de confundir o inimigo com os seus modos,
porque o inimigo existe. O que a gente nem sempre reconhece são os seus
modos. E muitas vezes a gente confunde uma coisa com a outra, embora,
talvez, não vale a pensa nomear o que seja este inimigo, o fato é que todos nós
reconhecemos o inimigo no modo como sua ação incide sobre os corpos.

E eu aprendi sobre isso a partir de quatro experiências que muito em


brevemente eu vou narrar.

A primeira delas foi a experiência que eu tive com um grupo de atores


negros chamado “Os Crespos”.

Os Crespos é um grupo de atores que se formou na Universidade de


São Paulo e eu fui professor deles e coincidiu que eu entrei na EAD no mesmo
ano em que boa parte desses alunos também entraram. Eu era o primeiro
professor negro da escola e era a primeira vez que numa turma, um grupo se
reconhecia como negros juntos naquele lugar.

E de lá pra cá eu escrevi três peças dos Crespos e dirigi duas. E com Os


Crespos eu entendi uma coisa que, mesmo vindo da periferia, do campo limpo,
os meus anos de filosofia, de filosofia alemã, na Universidade de São Paulo,
me fizeram, não esquecer, mas esfumaçar, porque apagar nunca apaga,
porque o meu corpo tem uma ginga que eu não consegui apagar. Mas o fato é
que esfumaçou. E há algo que na experiência com Os Crespos se explicitou
pra mim, é que um corpo negro não representa um corpo negro. Um corpo
negro é um corpo negro.

E diante disso, a discussão sobre representação ganha uma outra


dimensão. Porque se um corpo é simplesmente um corpo negro, o que é que
pode este corpo?

Há toda uma discussão sobre corpo: o corpo. Ma há o corpo que é


negro. E diante disso a gente precisa repensar o que a gente tá chamando de
corpo. Porque a gente fala do corpo em abstrato, mas quando o negro aparece
em cena a gente diz: é um corpo negro.

E essa diferença apareceu no trabalho com os Crespos quando Os


Crespos precisaram colocar em cena a imagem do branco. Como esses corpos
negros representam um branco?
A segunda experiência que pra mim foi bastante decisiva, foi quando,
por conta de uma pesquisa artística, antropológica, enfim, eu fui parar num
terreiro de Candomblé, porque embora seja negro eu era da filosofia alemã, e
embora seja neto de uma mãe de santo, aos trinta anos eu fui parar num
terreiro da umbanda pra ver como era, porque a gente queria, a gente tá
fazendo uma adaptação da Odisséia e a gente queria misturar com mitologia
africana dos Orixás, e eu fui a um terreiro de candomblé.

Fui uma vez, fui duas vezes, três vezes, fiquei um mês sem ir, fui de
novo, de novo, de novo, até que um dia “bolei” num santo, e de repente tinha
um filósofo bolando no santo. E essa experiência me fez, evidentemente,
pensar uma série de coisas, porque depois que você bola não tem mais jeito.
Não tem retorno, e então eu tinha que misturar Hegel15 e transe.

E nessa experiência que é concreta, é real, e que, de certo modo


interditou um pouco a minha relação com a filosofia como enunciado durante
alguns anos, ela me fez pensar o transe de uma maneira que pra mim se
tornou muito produtiva, porque eu sempre lidei com a ideia do transe como
uma espécie de metáfora da alienação. Lembrando do “Terra em Transe” 16 de
Glauber Rocha, enfim. E o que entendi, a partir dessa experiência, é que o
transe pode ser lido, pode ser vivido como uma forma de convívio entre o
presente e o passado, na verdade é uma presentificação do passado que se dá
como uma conversa que atravessa corpos. Porque quando você vive uma
experiência do transe você escuta vozes de um passado que voltam porque
reclamam justiça. E eu posso lhes garantir que poucos pais ou mães de santo
leram Benjamim.

Então essa dimensão do transe como uma forma de escuta me fez, de


certo modo, reconectar as duas coisas, e essa foi uma experiência
extremamente produtiva.

A terceira experiência foi a experiência que o Peter descreveu, quando


nós encontramos os haitianos, e essa experiência durou dois anos até que se

15
Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi um filósofo alemão. É unanimemente considerado um dos mais importantes e
influentes filósofos da história. Wikipédia.
16
Terra em Transe é um filme brasileiro de 1967, do gênero drama, roteirizado e dirigido por Glauber Rocha e
coproduzido pela Mapa Filmes do Brasil. Em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira
de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.[1] Foi listado por Jeanne O
Santos, do Cinema em Cena, como "clássicos nacionais". Wikipédia.
configurou como espetáculo, e pra além de todo debate sobre a revolução
francesa, e o fato de que eles imaginavam que estavam continuando a
revolução francesa, e pra além do fato de terem produzido a primeira grande
derrota de Napoleão, talvez a verdadeira grande derrota de Napoleão, eu
aprendi uma coisa com os haitianos, duas coisa, muitas coisas, mas duas coisa
que eu quero falar. A primeira é a seguinte: os haitianos produziram uma língua
chamada crioulo, que é uma espécie de subversão do francês, e essa era uma
língua do preto haitiano que era usada contra o francês, que ouvia aquele
francês e não entendia nada.

E quando houve a revolução e eles se puseram a escrever a sua


constituição, logo no início eles definem o que é negro: Nek. E para o haitiano,
para o crioulo, Nek tem três significados que se sobrepõe. Nek é Negro,
Humano e haitiano. Tudo aquilo que não é nek é blank.

Essa definição do negro como humano foi pra mim reveladora. E tudo
quilo que não era humano era branco, como diria o Baldwin 17, o branco não é
esta pessoa que está aqui, mas é uma metáfora do poder.

A segunda coisa que os haitianos me ensinaram, e que tem a ver com a


experiência do transe, e que, quando eu ouvia os haitianos, as vezes eu dizia,
esses haitianos estão mentindo, estão inventando umas histórias, eles
contavam umas histórias muito fantásticas. E todo haitiano com quem eu
conversei, seja o que está na universidade, seja o cara que tá chegando do
campo, acredita em zumbi. E eu aprendi, inclusive, como se faz um zumbi. E
tinha um mix, na minha inocência de quem faz teatro e vem da filosofia alemã,
um mix entre documento e ficção que era muito tenso pra mim. E eu não sabia
como resolver isso num espetáculo, porque na época eu precisava fazer um
espetáculo.

Até que depois de dois anos de convívio eu descobri que o que estava
em jogo não era nem o documento nem a ficção, mas a imaginação como força
produtiva. Essa dimensão é concreta e era concreta no cotidiano com os
haitianos.

17
James Arthur Baldwin (Nova Iorque, 2 de agosto de 1924 — Saint-Paul de Vence, 1 de dezembro de 1987) foi um
romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta e crítico social sionista estadunidense.
A quarta experiência que pra mim foi decisiva, foi o ano passado, no
início do ano, quando, com uma turma de alunos da EAD, nós nos pusemos a
fazer um trabalho sobre a luta indígena, sobre a experiência indígena, e por ter
muitos amigos antropólogos, nós fomos parar numa aldeia Guarani, na periferia
de São Paulo, aldeia Tenondé Porã, uma espécie de continuidade dessa
aldeia, chamada Kalipety. E lá nós travamos contato com duas coisas muito
fantásticas. Primeiro uma experiência de renovação política. Nessa aldeia eles
aboliram a figura do cacique e estabeleceram uma espécie de conselho. Neste
conselho existe uma mulher de trinta e cinco anos, chamada Dierá, que é um
gênio da política. E essa mulher, ela simplesmente redimensionou o
funcionamento da aldeia.

E um dia ela me explicando com era a luta na aldeia ela me explicou


como se define a existência pra um guarani. E a existência pra um guarani se
define a partir de uma noção, não vou dizer em guarani porque o meu guarani
não dá conta, mas é uma noção que se traduz por alegria, e eu posso lhes
garantir que eles não leram Espinosa18.

E o que e alegria? Alegria é aquilo que define a existência.

Se você não esta alegre, você deve circular. Você deve mudar. Porque
se você não está alegre é porque você está no lugar e numa relação que
produz tristeza e a tristeza é anulação do ser, é a ruptura do contato com o
Divino, e é aquilo que te faz morrer em vida. E a política pro guarani é definida
por um conceito que eles experimentam corporalmente num ritual que é o ritual
do Xondaro, Xondaro é o guerreiro, e esta política se dá a partir de uma noção
que é a noção de esquiva. Para guarani apolítica é esquiva, e como eles
explicam isso? Eles dizem: nós estamos a 500 anos convivendo com os
brancos, e nós escolhemos isso. Porque nós podíamos ir 0pro mato e ficar
lá.mas nós guaranis nós escolhemos ficar perto. Porque? Porque nós
entendemos porque estamos doentes de branco. E o que é estar doentes de
branco? É conviver com o branco. E a doença produz uma diferença. Isto é um
guarani falando. Não é Espinosa nem Deleuze. E essa diferença é a garantia

18
Baruch de Espinosa[1], nascido Benedito de Espinosa (Amsterdão, 24 de novembro de 1632 — Haia, 21 de
fevereiro de 1677), foi um dos grandes racionalistas e filósofos do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna,
ao lado de René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu nos Países Baixos, no seio de uma família judaica
portuguesa que havia fugido da inquisição lusitana, e é considerado o fundador da crítica bíblica moderna. Wikipédia.
de que nós nunca esqueceremos o que somos. Porque um doente quer se
curar. Portanto ele imagina o que pode ser a cura. Ou um doente sabe o que
ele era antes da cura. Portanto ele sabe o que ele pode ser.

Essas quatro experiências são experiências muito concretas. São


experiências de trabalho. Que eu tive ao me pôr na prática e ao tentar fazer
teatro.

Mas todas elas revelam pra mim, digamos, a dimensão real, daquilo que
nesse textinho que está neste cordel, eu chamo de inconsciente escravocrata.
Porque eu acho que nós temos que, o tempo todo, nossos corpos revelam isso,
nós nos defrontamos com os sintomas, ou com as imagens desse inconsciente
escravocrata, que define a forma de convívio e a sociabilidade nesse país, que
a gente chama de Brasil, que, não por acaso, tem o nome de uma mercadoria.

E me parece que foi isso que a leitura do Mbembe, de certo modo, me


revelou, é que essa existência, ela é, no modo como ela parece, ela é o contra
dispositivo dessa necropolítica. Porque, na verdade, o que nós precisamos
aprender, na verdade, acho que a grande questão pra nós, é como nós
deixamos, nós que somos quase todos pretos, como é que nós, que somos
quase todos, ainda permitimos ser tratados como minoria. Porque nós não
somos a minoria.nós somos quase todos. E essa lógica que, de certo modo,
subordina os corpos e as nossas presenças, talvez, o momento em que a
gente vive, seja o momento de emergência de práticas, de formas de vida que
revelam o limite da exceção. Eu acho que em alguma medida, o nosso
trabalho, diante exceção, é produzir emergências. Corpos emergentes, práticas
de emergência, que possam, senão responder ao que está posto, explodir com
o que está posto.

Porque eu faço teatro e entendo o teatro como uma produção de escuta.


Mas o meu problema é que eu parto de práticas que são práticas de destituição
da fala. E o nosso problema é como produzir escuta a partir de falas
destituídas.

Portanto o teatro é sempre o exercício de restituição de alguma coisa. E


essa restituição, ela, de certo modo, não é a afirmação de algo, mas a
produção de algo. Eu nã acho que se trata de afirmar a minha pretidão, mas é
o exercício constante de produzir essa pretidão como relação com o mundo. E
nesse sentido, o que me interessa no Mbembe é exatamente a conexão que
ele faz entre raça e classe. Ele que não é exatamente um marxista, ele
redimensiona essa relação, e acho que aí talvez esteja a grande potência do
Mbembe pra pensar o futuro. Porque a gente sempre pensa no futuro como
resultado da história, do desenvolvimento do progresso, mas talvez a gente
seja convocado nesse momento a pensar o futuro como a saída dessa história.
O futuro como a saída da história, se a gente entende história como história do
progresso, como história do desenvolvimento.

E pra fechar, me parece que a gente vive o momento muito próximo


daquilo que o Pasolini, nos anos 60 percebia como emergência de um novo
fascismo, em que ele dizia, a situação é tal, que aquele que não pode mover
ações numa bolsa, move na rua uma barra de ferro. Entre a barra de ferro e a
ação na bolsa, talvez a distância seja curta e o índice seja mimético.

A gente precisa entender o que imita o que nessa dinâmica.

E diante dessa situação, eu sei e eu aprendi, que nós como pretos, ou


como corpos tratados minoritariamente, somos aquilo que somos em situação.
Eu só sei que eu sou negro, porque eu estou numa situação que me diz o
tempo todo que eu sou negro.

Antes, e eu posso lhes garantir isso, antes de saber que eu era negro,
alguém me disse que eu era negro.

E essa dimensão ela não só produz violência, como ela é a violência. Eu


sou a expressão da violência.

Eu até brinco no cordel, porque eu sou preto, filho de Oxóssi, gay, filho
de origem proletária, enfim, eu sou uma mistura, mas a mistura aqui ela não é
nem miscigenação, nem hibridismo, no sentido que tanto nos impingem, mas
ela é uma mistura que é violência. E se nós não entendermos que os nossos
corpos são resultado, e expressão e atualização constante de violência, nós
não entendemos o que é a vida que nos concerne, e como ela nos concerne,
nesse presente de exceção, cuja a imagem do golpe, neste momento, apenas
faz ver, sem nenhuma cortina, já que um desfile de uma escola de samba pode
ter o efeito de uma peça didática, que é o fato de que, no Brasil, como diria
Roberto Schwarz19, no Brasil o passado não passa. E a ideia de que o passado
não passa pode ser vivida de muitas maneiras. O passado não passa porque a
escravidão nos atravessa, e isto é um fato. Mas o passado também não passa,
porque talvez a ideai de futura que nos moveu até agora, seja algo a
reinventar. Porque, em alguma medida, a compreensão do passado, ela é
também uma restituição do nosso presente.

Nós sempre falamos de futuro e o que nós estamos tentando neste


momento é reinventar o nosso presente, na medida em que a gente consegue
ver esse passado.

O que o trabalho do Achille nos permite essa devolução pra nós


mesmos. Porque eu, como preto, sei que não vou voltar pra África. Eu, como
preto, sei que não sou africano. E eu sei que a diáspora está aqui expressa no
meu corpo. E assim como ele, se põe a pensar a partir da África, essa
dimensão afropolitana, talvez o trabalho dele nos convoque a pensar aquilo
que somos, na criolagem que nos faz, como exercício de autodeterminação, de
autodefiniçao e de criação de uma imagem de nós mesmos.

É isso.

Finalizando, o mediador abre espaço para três perguntas:

O movimento negro tem sido muito eficiente na denúncia do genocídio


da população negra, e nos ajuda “desvelar” o que é a necropolítica, e aí eu
queria saber, uma vez que a gente consegue entender o que é necropolítica,
de que modo a gente consegue, de alguma maneira, esgarçar a noção de
democracia racial e como é que o desvelamento da necropolítica nos ajuda a
caminhar também no sentido da superação da democracia racial indo na
direção da democracia da abolição?

Como é que você entendem a noção de lumpenradicalismo a partir do


Mbembe?

Ashanti Alston, e Lorenzo Kom’boa, ex Pantera Negra, colocam a


questão: todo preso é um preso político. A diferença é que o preso político
sabe que é, e o chamado preso comum muitas vezes não entende isso. Como
19
Roberto Schwarz é um crítico literário e professor aposentado de Teoria Literária brasileiro. Um dos principais
continuadores do trabalho crítico de Antonio Candido, redigiu estudos sobre Machado de Assis elencados entre os
mais representativos na fortuna crítica sobre o autor das Memórias Póstumas de Brás Cubas. Wikipédia.
é possível, talvez a gente pensar todas essas questões, considerando o fato de
que, por exemplo, a crítica que o anarquismo coloca pro estado é que a guerra
é a saúde do estado. A reivindicação do estado do monopólio da violência,
coloca um problema enorme pro povo preto.

Então, como é que a gente pensa uma ampliação de uma política


pública abolicionista, e que questiona essa estrutura que em si precisa
reproduzir a violência?

Outra questão: lembrando do discurso sobre a colonização do Cesare 20,


quando coloca que a Europa é indefensável, e que um povo que não é capaz
de resolver os próprios problemas, está fadado ao sofrimento e de certa forma
à extinção, lembrando também o lugar do mito, inspirado pelo livro do Ford, o
herói de rosto africano, que coloca que a diáspora é em si um lugar de
sobrevivência daqueles que fizeram a grande travessia.

Uma questão mais conceitual: lendo Mbembe, uma das grandes


contribuições ou provocações foi justamente o deslocamento do próprio
conceito de racismo que a gente tende a pensar em termos morais, o racista, o
outro, o racismo como moral, pensado numa perspectiva moral, ou ideológica,
eu preciso ter uma consciência racial, nesses termos. E lendo Mbembe, a
potência pra mim, é justamente como ele rasura o racismo pra pensar em
termos de racismo de racionalidade que mobiliza afetos, afecções como medo,
ressentimento. Eu gostaria que a mesa, se possível, explorasse um pouco,
esse deslocamento conceitual, essas contribuições conceituais do Mbembe pro
racismo.

Tatiana Roque responde: Quanto a questão do estado, uma outra


contribuição que tanto o movimento feminista quanto o movimento negro
trazem pra política hoje, é tentar sair dessa matriz que só consegue pensar
políticas a partir da ação do estado, porque tem todo esse campo dos
cuidados, da autonomia, que é algo que remete inclusiva a história do

20
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738-1794), um aristocrata milanês, é considerado o principal
representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal. Imbuído pelos valores e ideais iluministas,
tornou-se reconhecido por contestar a triste condição em que se encontrava a esfera punitiva de Direito na Europa dos
déspotas - sem, contudo, contestar como um todo a ordem social vigente. Suas obras, mais especificamente a
intitulada "Dos Delitos e Das Penas", são consideradas as bases do Direito penal moderno.
anarquismo. Então toda esse esfera dos cuidados e da autonomia, que esses
movimentos hoje trazem no campo da reprodução social, trazem também uma
alternativa, à centralidade dessas políticas a partir da ação do estado.

Rosana Borges responde a última pergunta: a pergunta é interessante


em relação a esse deslocamento, mas eu não viria essa cena como marca do
Achille Mbembe, outros teóricos fizeram isso. Aqui mesmo, se a gente pegar
em solo brasileiro, pensar toda a discussão do racismo, claro, a gente pode
dizer: mas essa é uma leitura do senso comum, meio rasteira, que a nossa
tendência, qual foi um dos grandes pilares de dizer que nós não éramos
racistas? É que, ao invés, primeiro de dizer, usar racismo, a gente sempre
adotou preconceito. E ele sempre foi visto, em larga escala, até em círculos
acadêmicos, universitários, quase, mas é uma verdade, por determinada
linhagem, como algo episódico ou fenomênico.

Então, o racismo é assim, tanto que, quando ele vem, hoje menos, mas
até pouco tempo, as denúncias de racismo, olha, como fulana de tal foi
discriminada!

Sempre quando me pergunta, minha trajetória de professora, e que


tenha alguma colega de profissão, porque eu sou jornalista, e fala assim: você
já sofre racismo? Eu não respondo essa pergunta, essa pergunta é a melhor
armadilha que você pode fazer pra um negro, uma mulher negro ou um homem
negro. Porque nós somos derivadas do racismo.

Significa dizer que quando eu digo que o porteiro da universidade, o


porteiro do meu prédio me discriminou, é que dá ao racismo como se ele fosse
um episódio, um fenômeno que eu posso ao longo da minha trajetória pensar:
olha, lá na USP... Não! Eu sou o que eu sou, eu vivo como eu vivo porque
existe racismo.

Aí, eu acho que há uma tradição que não começa com ele, esse
deslocamento, qual é o grande, digamos, se pensar em termos de
deslocamento a partir do Mbembe, é como ele vai pensar uma razão negra, e é
um lugar da filosofia, eu vou brincar o que a gente fez na sua banca, (doutora
recente, foi quem fez a pergunta), eu acho que o Mbembe faz isso, que é dizer
pra uma filosofia o que tá morrendo que precisa ser dito no campo filosófico.
Como de certa forma fez o Deleuze, como fez o Foucaut, a filosofia tá
morrendo, ela precisa dizer algumas coisas.

E o Mbembe é a voz que, da filosofia diz, é preciso que, do ponto de


vista da discussão antológica, existencial, que é política que algumas coisas
sejam ditas. Eu acho que é essa, eu diria, se a gente pode pensar em alguma
marca dos deslocamentos, é a ideia que ele vai trazer de razão negra, e aí a
razão negra, tanto do ponto de vista do paradigma da exploração pro mundo
moderno, pra gente pensar num mundo moderno, pra gente pensar
capitalismo, pra gente pensar desigualdade, ele vai dizer, tem que pensar em
termos dessa razão negra, porque foi ela que foi um discurso fundante, não um
discurso inicial, porque de fato eu não sou genezista, ele não fala em discurso
fundante, mas ali o Mbembe vai dizer, não é um discurso fundante, no sentido
de dizer foi uma matriz que até hoje move o mundo da forma que o mundo se
movimenta, com sua variações capitalismo, liberalismo, neo liberalismo, mas
essa matriz permanece. E aí eu acho que quando você, e aí eu acho que é
interessante pensar em termos de deslocamentos, que é um pouco assim,
como é que a teoria pode servir pra ação política, que o Fernando trabalhou co
essa ideia que a gente é assim, que é um passado que não passa, que
também Willian Faulkner21 vai dizer isso. Eu acho que o nosso passado só não
passa porque a gente nunca acertou contas com a escravidão.

Eu acho que pensar estado é pensar tudo isso. Porque quando a gente
tem, e aí eu vou insistir, eu falei pra vocês, parecia meio exagerado,
grandiloquente, eu to insistindo com isso, que se houver uma mudança radical
neste país, em termos de formas de organização, vem das cabeças e das
ações dos movimentos negros e dos feminismos negros, é porque, a partir do
que o Mbembe nos ensina, fomos nós em 2015, por exemplo que marchamos
em Brasília, e a gente não foi apenas dizer pra Dilma: nós mulheres negras não

21 William Cuthbert Faulkner (New Albany, 25 de setembro de 1897 — Byhalia, 6 de julho de 1962) foi um
escritor norte-americano, considerado um dos maiores romancistas do século XX.
Recebeu o Nobel de Literatura de 1949. Posteriormente, ganhou o National Book Awards em 1951, por Collected
Stories e em 1955, pelo romance Uma Fábula. Foi vencedor de dois prêmios Pulitzer de Ficção, o primeiro em 1955
por Uma Fábula e o segundo em 1962 por Os Desgarrados.
Utilizando a técnica do fluxo de consciência, consagrada por James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust e Thomas
Mann, Faulkner narrou a decadência do sul dos Estados Unidos, interiorizando-a em seus personagens, a maioria
deles vivendo situações desesperadoras no condado imaginário de Yoknapatawpha. Por muitas vezes descrever
múltiplos pontos de vista (não raro, simultaneamente) e impor bruscas mudanças de tempo narrativo, a obra
faulkneriana é tida como extremamente complexa e desafiadora. Wikipédia.
estamos sendo contempladas cm políticas públicas, a mulher negra que é o
alvo da violência obstétrica, qual é o primeiro tópico do documento das
mulheres negras que eu colaborei na produção? Nós queremos o direito à vida.

Não há um movimento social no Brasil que entrega uma carta à


presidenta da república e diz, e não é qualquer vida, a gente inclusive
questiona, não é uma vida qualquer, são as formas de organização. O que a
gente disse na época, já no momento pré golpe, e fiemos uma marcha com
muito cuidado, e falamos: olha, a nossa marcha não pactua, a Dilma já vinha
sendo cercada, etc, mas no que a gente dizia: “Esse governo também não nos
contempla. É um governo que pensa desenvolvimento a partir da morte de
saberes ancestrais etc.

Então quando você tem um documento que é radicalíssimo que diz: Não
basta apenas fazer política para a população negra. É preciso inclusive pensar
outra concepção de estado. E quem tá elaborando documentos, se eu tiver
errada, me corrija, foi o movimento de mulheres negras que, ao longo desses
últimos anos, ousou dizer, não só dialogar com o estado em termos de políticas
públicas, claro que avançamos muito nesse campos, secretaria, SEPIR
(Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial), SPM (Secretaria de
Políticas para as Mulheres), mas a gente foi além desse campo. Quando o
governo Lula era “céu de brigadeiro”, a gente tava dizendo não. Olha a
radicalidade. Quando tava todo mundo se achando com cotas, classe média,
nova classe média, etc, a gente dizia, mas isso também a gente não quer. É
racismo.

Quando Lula faz a primeira viajem dele pra África e esquece, quando tá
lá, mãe Nitinha, toda paramentada, e o Fernando, como todos nós sabemos,
uma mãe de santo é tudo, menos invisível quando ela tá paramentada. Então
estava uma mãe paramentada com suas contas todas. E aí disseram que, a
primeira viajem de Lula para a África, que ela tinha que ficar num lugar
reservado, só pra comitiva do Lula, isso em 2003, 2004. E ela ficou sentada.
Quando o avião já estava em plena viajem de cruzeiro, conta a anedota, mas
não é só anedota, é história mesmo, o Lula pergunta pro Gilberto de Carvalho:
Cadê a mãe Nitinha? Foi o constrangedor “esqueceram dela”.
Porque que esquecem de uma mulher negra num espaço, ela não
estava no saguão da do aeroporto como a gente na fila da GOL ou da TAM.
Ela estava num espaço recortado pra viajar com a comitiva do Lula. Porque
que eu to dando esse exemplo, porque que se combina quando você está
falando do anarquismo e do estado? É que pensar essas questões só, e aí foi
uma carta do movimento de mulheres. É racismo. Foi racismo. Ou seja, não
esqueceriam o Dom de Lorscheider22.

Demanda reprimida da voz, homem branco querendo me calar. (brinca


ao ser interpelada pelo mediador e segue).

O extermínio da juventude negra não é síndrome da megalomaníaca, foi


o movimento negro que diz: um país que exibe dados exorbitantes da morte de
jovens negros, de dez jovens mortos no Brasil, oito são negros, e a gente
coloca um parêntese que é ridículo, e seis não tem passagem pela polícia,
repito, polícia não é pra matar ninguém, absolutamente ninguém, ora, o que
que o movimento negro diz? Um país com esses índices não pode ser
chamado de democrático. A desdemocracia, que muita gente tá dizendo que a
gente tá vivendo agora com golpe, ela não se iniciou com golpe. Nós somos,
digamos, menos democracia quando o racismo aparece nesses índices
terríveis de morte, do feminicídio que atinge as mulheres negras.

Quando você fala do extermínio da juventude negra e como isso de


certa forma pressionou, e tinha um slogan, “Democracia Sem Racismo”, na
época da ministra Luíza Bairros23, porque a Tatiana falou do Ranciere, na
democracia grega só poucos podiam falar. As mulheres não podiam falar, as
crianças, os escravizados. Ora, num lugar, num país, até no chamado
experiência de esquerda que a gente teve, a partilha do comum não foi
equitativa, porque se a gente tem, qual é a grande experiência do governo Lula
em termo de políticas públicas? Avançou muito, mas negros, mulheres,
transexuais foram destinatários de políticas públicas, não foram sujeitos da
política. Isso significa dizer que isso é menos democracia.

22
Provavelmente Dom Frei Aloísio Leo Arlindo Lorscheider foi um sacerdote frade franciscano e cardeal brasileiro,
além de ter sido presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Ou Dom José Ivo Lorscheiter foi
um bispo católico brasileiro. Foi bispo auxiliar de Porto Alegre e o sexto bispo diocesano de Santa Maria. Dom Ivo
Lorscheiter nasceu numa família simples e religiosa. Wikipédia.
23
Luiza Helena de Bairros (Porto Alegre, 27 de março de 1953 — Porto Alegre, 12 de julho de 2016) foi
uma administradora brasileira. Foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil
entre 2011 e 2014. Wikipédia.
Isso significa dizer que, no lugar em que homens negros morrem, a
democracia não só está ameaçada, isso não é democracia. Porque democracia
não pode conviver com o racismo nesse nível cruel, em que a necropolítica é a
única feição do estado que está nesses lugares. As pessoas falam que é falta
de estado no Rio, nas periferias. Não. É excesso de estado. O estado está
muito presente.

Fernando responde sobre o Cesare. Eu tenho a impressão que a


diáspora não é algo que aconteceu, ela é algo que está acontecendo, ela é
produção. Produção de vida, de experiência. Isso me faz lembrar um pouco o
que o Fred Moten24, poeta e teórico americano diz que esses corpos pra viver,
tiveram que fugir, tiveram que escapar, na medida em que existem, produzem
outras fugas, outras formas de existência, nós somos corpos em fuga, e acho
que isso define o que a gente chama de diáspora. Que não por acaso é uma
apropriação disso, essa ideia de diáspora.

Isso me faz lembrar um pouco o que o Mário de Andrade escreveu um


ensaio, ele tinha um projeto de um livro que era um ensaio sobre o negro, e ele
dá uma palestra, que é o inicio desse livro, e ele chega a uma definição muito
próxima do Mbembe, ele diz, o negro, essa palavra, e ele faz a maior história
da palavra e diz, isso é uma invenção, e é uma invenção da modernidade. É
quase o Mbembe. Só que a certa altura ele diz: No Brasil isso é muito
complicado. Até a mim já chamaram negro.

E acho que com essa experiência do Mário de Andrade, a gente pode


entender um pouco o que significa pensar como fuga, e fuga no sentido
guarani, da esquiva, como tentativa de produzir maneiras de escapar.

Eu acho que é isso que a gente precisa imaginar, e se nós formos


capazes de imaginar isso juntos, talvez alguma outra coisa possa acontecer.

24
Fred Moten é um poeta e estudioso americano cujo trabalho explora a teoria crítica, os estudos negros e os estudos
da performance. Wikipedia.
Referência

#MITspAoVivo Mesa redonda O devir negro do mundo


https://www.youtube.com/watch?v=2eZYJVKKRn4

Wikipédia.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipédia:Página_principal

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