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Área: Atuação
Cuiabá, MT
2019
MT ESCOLA DE TEATRO
É sobre o signo dessa urgência e aposta então que será feito o debate
do vídeo.
1
Antonio Negri, (Pádua, 1 de agosto de 1933), é um filósofo político marxista italiano. Tradutor dos escritos de
Filosofia do Direito de Hegel, especialista em Descartes, Kant, Espinosa, Leopardi, Marx e Dilthey, Negri tornou-se
conhecido no meio universitário sobretudo por seu trabalho sobre Espinosa, mas sua atividade acadêmica sempre foi
mobilização política com sua inteligência, lucidez e energia. Foi candidata em
2018 a deputada federal do PSOL pelo Rio de Janeiro.
intimamente ligada à atividade política. Negri ganhou notoriedade internacional nos primeiros anos do século XXI, após
o lançamento do livro Império - que se tornou um manifesto do movimento anti-globalização - e de sua sequência,
Multidão, ambos escritos em co-autoria com seu ex-aluno Michael Hardt.
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Carl Schmitt foi um jurista, filósofo político e professor universitário alemão.É considerado um dos mais significativos
e controversos especialistas em direito constitucional e internacional da Europa do século XX. A sua carreira foi
manchada pela sua proximidade com o regime Nazista O seu pensamento foi influenciado pela teologia católica, tendo
girado em torno das questões do poder, da violência, bem como da materialização dos direitos.
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Gilles Deleuze (Paris, 18 de janeiro de 1925 — Paris, 4 de novembro de 1995) foi um filósofo francês.
isso, somos forçados a pensar, estamos diante de um filósofo que nos força a
pensar em busca de novos conceitos, novas bússolas.
E aí são três aspectos, se a gente pensar o que ele vai dizer na Crítica
da Razão Negra, pra fazer um link com a Necropolítica, ele vai dizer: O negro
passa na categoria semântica e existencial, porque isso vai definir o que é um
negro, ele passa por três momentos. O momento da escravidão transatlântica
do século XV ao XIX que ele é um corpo, um homem objeto, um homem
mercadoria, um homem moeda. E depois desse momento há uma insurreição
que esse próprio negro, esse corpo, que já é no início do século XVIII, ele vai
se insurgindo pelos seus próprios traços negro, consegue articular uma
linguagem para si, reinvidicando o estatuto de sujeitos completos do mundo
vivo.
Quando a gente pensa na, e aí o Mbembe vai dizer: Esse devir negro,
nós temos uma terceira etapa da trajetória do Negro, Negro como substantivo
próprio, que ele vai escrever com “N” maiúsculo, que é essa etapa da
globalização do mercado, da privatização do mundo, sob a égide do
neoliberalismo, onde há uma ficção de um novo ser humano em que todas as
situações elas podem deter um valor no mercado, e aí ele vai dizer que é esse
corpo plástico, é esse corpo em que tudo deve ser convertido numa moeda de
troca, mas paradoxalmente, é nesse deserto, que é esse neoliberalismo , que a
gente pode dizer que é o capitalismo no seu estado bruto, quando a gente
pensa a reforma da previdência, a reforma trabalhista que vai atingir as
mulheres negras em cheio, as questões de gênero, as políticas de gênero, os
direitos civis, sexuais e produtivos, que atingem mulheres em grande medida,
mulheres negras, a gente vai ver o que que se tem nesse governo golpista de
plantão, é um flerte de fato com o capitalismo no seu estado bruto, sem férias,
a gente brinca, se eles pudessem revogariam até a lei áurea. Isso é uma frase
que corre muito no facebook, mas são frases que de certa forma guardam
alguma correspondência com a realidade. E o Mbembe vai dizer o seguinte:
nesse terceiro estágio, esse estágio do mundo neoliberal, ele vai nos chamar a
atenção que o neoliberalismo ele é tão desértico, que todos os outros não
negros passarão a experimentar uma condição universal da negritude, porque
foi só esse corpo, que na sociedade moderna foi escravizado.
Então ele vai dizer que o que a gente tem hoje em termos de
precarização do trabalho, a gente fala em uberização do trabalho, ele diz, o que
a gente tem hoje, na verdade, é uma extensão do que só o corpo negro
experimentou no mundo moderno. Os não negros vão carregar, de uma certa
forma, signos da destituição, da humanidade subalternizada, da negação, da
retirada quase total dos direitos, etc. aí quando a gente pensa a idéia de devir
negro, pra fazer a conexão com a Necropolítica, ele diz o seguinte,
exatamente:
Ora, em que que a gente pode pensar isso, com essa ideia que tá na
crítica da Razão negra, de pensar uma razão negra, que são as imagens do
saber, um modo disso, um paradigma da exploração com a necropolítica?
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Em sociologia, racialização ou etnização é o processo de atribuir identidades raciais ou étnicas a um relacionamento,
prática social ou grupo que não se identificou como tal.
pensar os desdobramentos dessas máquinas da morte. Tanto que ele vai dizer,
não que ele desconsidere, ele vai dialogar com o nazismo, ele vai dialogar com
a ideias de estado de exceção, mas ele diz ser preciso que a gente pense em
todas as questões a partir da biologização5 da política, e biologização da
política supõe raça, e raça pro mundo europeu, em grande medida, supôs o
termo negro, não só, mas supôs em grande medida essa definição do que é
ser negro.
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Robert Kurz - A biologização... O mundo moderno define a relação das antigas sociedades com a natureza como
irracional. A noção de que montanhas e rios, animais e plantas possuam alma parece à consciência moderna tão
feérica quanto a idéia de que alguém possa ser enfeitiçado pela magia.
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A África subsariana ou subsaariana, antes impropriamente chamada África negra, corresponde à parte do continente
africano situada ao sul do Deserto do Saara. Chamada de subsaariana por estar ao sul (sub-) do Saara (-saariana). É
constituída de quarenta e oito Estados, cujas fronteiras resultaram da descolonização.
quando o medo no Brasil passa a ser a grande arma dos reacionários. Muita
gente diz: Esses caras são isso...! mas o fascismo, a primeira condição pro
fascismo florescer, é uma condição de vítima. Os regimes totalitários primeiro
pensa< nós fomos vitimados, olha o que foi a Alemanha. Porque o nazismo
floresceu ali. A história tá aí. Mas havia uma condição prévia de vitimização
que foi a primeira guerra, os judeus, etc. e passado esse primeiro passo, vem a
reação. Quando a gente vê um cidadão de bem, quem fala perto de mim que é
um cidadão de bem eu atravesso. Eu não fico. Porque os cidadãos de bem são
capazes de fazer coisas terríveis. Quando a gente vê aquelas imagens dos
cidadãos de bem, a ku klux klan, enforcando os negros na árvore, e tem lá as
senhorinhas todas de bíblia debaixo do braço, com seus tubinhos, com seus
tailleur, os homens também de terno, eles estão o que? “Há, mas não eram
eles, era a ku klux klan”! mas eles todos estão olhando aquele “espetáculo”.
Todos cidadãos de bem. Indo ou voltando do culto.
Então essa ideia que a gente tem hoje da segurança, que a gente deve
proteger nossas famílias, esses pedófilos, é toda uma situação de medo. Nós
somos vítimas, nós temos que nos proteger contra eles. Agora quem são esses
eles, quem são esses outros. Mbembe vai nos dizer que são humanidades
subalternizadas, que são o grande alvo da política da morte, da necropolítica. É
teleológica7, no sentido, a finalidade, vejamos: porque o exército nos incomoda
tanto quando se diz que o exército está nas ruas? Porque não é papel do
exército usar a força moderada. O exército é pra bater em inimigos, e em
inimigos você não exerce força moderada. Você pode até dar risada e dizer:
mas a polícia não usa força moderada, nem ela usa, ela mata no Brasil. Mas
ela não é para matar. A constituição da polícia, é que a morte é algo, tanto que
eles justificam o extermínio da juventude negra com “autos de resistência”.
Todo policial vai dizer: Ele resistiu. A polícia não é pra matar. Exército é pra
matar. Então vejam vocês, num país em que o recurso da intervenção militar
parece ser como único possível do Estado, significa dizer que, de fato, o
inimigo, que é esse outro, e esse outro não é o branco, não é normalmente, ou
seja, não são os estabelecidos no mundo, mas são outsider 8, se a gente usar
7
Capaz de relacionar um acontecimento com seu efeito final.teleologia, ciência que tem a finalidade
(causas finais) como essencial na explicação das modificações que ocorrem na realidade.
8
indivíduo que não pertence a um grupo determinado.
uma expressão que está até em desuso, não ouço mais ninguém falando
nesses termos, mas todos os outros, a gente vê que a necropolítica, da forma
que o Foucaut nos ensina, ela nos leva a tomar como princípio ético, como
urgência política. O nosso país, a racialização que não veio com as cotas, o
nosso país já é racializado, e todas as políticas repressoras, opressoras,
tomam a raça como nexo importante de contenção do que eles chamam das
massas.
Tatiana Roque.
A gente vive hoje um certo impasse desse sujeito político, quem são os
sujeitos e as sujeitas, os atores e atrizes da política hoje, no momento em que
a gente vive a crise dos universais, e que a gente sabe que a noção de classe
j´pa não basta e ao mesmo tempo a gente se vê diante de uma fragmentação
dessas lutas minoritárias, que muitas vezes também causam alguns percalços
na ação política. Fragmentação não só entre elas, mas também dentro delas e
aqui eu to falando mesmo do feminismo, em que há o feminismo A, B, C ou D,
que brigam entre si, e que muitas vezes isso nos angustia, e que a gente tenta
dizer que é preciso unificar as lutas, isso produz divisão, é preciso unificar
porque, na verdade, nós temos um inimigo comum.
Mas talvez não seja mais possível falar desse inimigo comum. Até
porque a gente sabe que, a partir dessas questões que incidem sobre o corpo,
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Félix Guattari (Villeneuve-les-Sablons, Oise, 30 de abril de 1930 — Cour-Cheverny, 29 de agosto de 1992) foi
um filósofo, psicanalista e militante revolucionário, francês, praticamente autodidata que não chegou a cumprir a
burocracia de nenhum título universitário. Produziu uma grande quantidade de textos, relacionou-se de forma produtiva
com muitas das figuras mais importantes das ultimas três duas ou quatro décadas, militou política e ativamente tanto
nas organizações tradicionais, como na maioria das alternativas importantes do seu tempo cronológico, foi criador de
uma série de movimentos e fundador de uma série de dispositivos políticos que tiveram um papel importantíssimo nas
tentativas de transformação do que é o mundo moderno e pós-moderno. Wikipédia.
da mulher, dos negros, muitas vezes o inimigo tá ali do lado. A gente pode tá
sofrendo machismo, a gente pode tá sofrendo racismo de um companheiro, de
uma companheira de luta. Então já não dá mais unificar as lutas a partir dessa
figura abstrata do inimigo em comum. Então permanece em aberto esse
problema da fragmentação, e que é na verdade um sintoma de uma dificuldade
mais profunda que é a dificuldade da organização política no mundo atual, que
a gente vive uma crise de representação, uma crise dos partidos, uma crise da
esquerda, que foi a quem a gente sempre atribuiu esse papel de luta contra as
opressões, e como pensar então esse impasse pra gente pensar em novos
tipos de organização em uma possível agenda comum.
Então em primeiro lugar, um dos impasses que a gente vive nessa crise
da esquerda é o esgotamento da noção de classe, pelo menos a noção de
classe, como suficiente pra pensar o sujeito político. E aqui eu acho que vale a
pena retomar um pouco o modo como Deleuze e Guattari falam da questão de
classe, porque eles retomam a noção de classe como uma invenção, ou seja,
não como uma condição nem sociológica, nem econômica, mas como uma
criação de um dispositivo, pra fundar um antagonismo, que é algo que já é um
pouco estranho a marxismo. No marxismo, de certa forma, desde lá no
manifesto comunista, era como se fosse a partir das contradições internas do
capitalismo, da contradição o capital x trabalho, por exemplo, é que pudesse
surgir esse sujeito antagônico, que seria o proletário em antagonismo em
relação ao burguês. E o Deleuze e Guattari, colocam isso de uma outra
maneira. Eles dizem: Não! Na verdade a noção de classe foi um dispositivo pra
criar esse antagonismo. Esse antagonismo não procede naturalmente de uma
contradição interna do capitalismo. É preciso que ele seja criado. Até porque, o
sujeito trabalhador, esse proletário, o sindicalista, é uma figura ambígua.
Porque ele é uma figura que, ao mesmo tempo que ele luta contra o burguês,
luta contra o patrão, ele também quer para si, tem uma luta de interesses, quer
para si algum ganho, alguma condição de sobrevida diante daquele conflito,
diante desse antagonismo. É uma posição ambígua que por si só, não gera o
conflito suficiente pra colocar em risco o capital. É preciso que esse
antagonismo seja produzido, e ele é produzido, quando é produzido a partir
desse dispositivo de classe, eles retomam um pouco a discussão que o Lenin
faz lá no o que fazer, que o Lenin fala exatamente desse impasse em relação a
social democracia, em relação a esse sujeito trabalhador sindicalista que ainda
não se vê como revolucionário, e eles dizem que essa criação é importante,
porque, na verdade, o que a noção de classe cria é um plano de produção de
uma subjetividade antagonista. Então esse proletário não preexiste. Ele não
surge de uma projeção interna do capitalismo. Ele é a criação de um
mecanismo, surge a partir da criação de uma ferramenta, de um mecanismo,
que é essa ferramenta da divisão de classes.
Então hoje, acho que a gente pode retomar essa questão, de certa
forma, a partir dos impasses da luta política de hoje, que acho que também
surgem do esgotamento dessa noção de classe, que é retomada a partir dessa
noção de minorias que o Deleuze e Guattari colocam e que a gente tá vendo
proliferar em diversos movimentos e que é relativa justamente a esse problema
da politização e de que forças são capazes de fissurar essa máquina social
capitalista.
O problema que trás essa multiplicação das minorias, das lutas dos
movimentos sociais, é justamente que elas não permitem mais garantir um
sujeito político unificado, como foi na época o trabalhador, a classe
trabalhadora. Agora você tem uma proliferação de sujeitos que obviamente tem
relação com as questões do mundo do trabalho, mas que essa relação já não é
tão direta, tão fácil de traçar, até porque existem hierarquias, opressões,
subalternidades dentro da classe trabalhadora a partir da condição de mulher,
de negritude, etc. Então já não é mais possível esse sujeito unificado, e essa é
uma das limitações políticas que a gente vive inclusive até hoje. Grande parte
dos impasses da esquerda também se dão por uma certa fixação da esquerda
na noção de classe. A gente vê hoje ainda no discurso da esquerda, uma
oposição entre a noção de classe e as minorias.
A partir daí tem duas questões que a gente pode pensar como isso
permite sair da dicotomia entre individual e universal, ou individual ou coletivo.
E por outro lado como isso pode trazer alguma possibilidade de pensar uma
maneira de se colocar em relação à causa do outro. Que é algo que também
produz muito desconforto. O que um branco pode fazer diante da causa dos
negros? O que um homem pode fazer diante da causa das mulheres? Que
muitas vezes é algo que produz um desconforto tamanho que vira reatividade,
vira reação, vira conservadorismo, vira ataque.
A mulher fica mais em casa, sair pra trabalhar sempre foi um problema,
os negros ficam na senzala. Sempre restrito a um espaço que não é o espaço
público. O espaço público é o espaço do homem adulto, branco, etc.
Então, essa reação, também, como a gente pode lidar com esse mal
estar, de modo que isso não provoque uma cisão completa, eu acho que é
10
Carlos José "Cacá" Fontes Diegues (Maceió, 19 de maio de 1940) é um cineasta brasileiro. Foi um dos
fundadores do Cinema Novo. Wikipédia.
importante o conflito, mas que também a gente pode aprender com isso,
aprender alguma coisa.
E aqui a gente possa retomar também pra esses sujeitos brancos, eu, no
caso, e homens, no caso, daqueles a quem eu muitas vezes interpelo pelo
machismo, etc, porque não se colocar diante da causa do outro, nesse lugar da
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Jacques Rancière (Argel, 1940) é um filósofo francês, professor da European Graduate School de Saas-
Fee e professor emérito da Universidade Paris VIII (Vincennes-Saint-Denis). Seu trabalho se concentra sobretudo nas
áreas de estética e política. Wikipédia.
12
Frantz Omar Fanon (Fort-de-France, Martinica, 20 de julho de 1925 – Bethesda, Maryland, 6 de dezembro de 1961)
foi um psiquiatra, filósofo e ensaísta marxista francês da Martinica, de ascendência francesa e africana. Wikipédia.
13 Pierre Félix Bourdieu (Denguin, França, 1 de agosto de 1930 — Paris, França, 23 de janeiro de 2002) foi um
sociólogo francês. De origem campesina, filósofo de formação, foi docente na École de Sociologie du Collège de
France. Desenvolveu, ao longo de sua vida, diversos trabalhos abordando a questão da dominação e é um dos autores
mais lidos, em todo o mundo, nos campos da antropologia e sociologia, cuja contribuição alcança as mais variadas
áreas do conhecimento humano, discutindo em sua obra temas como educação, cultura, literatura, arte, mídia,
linguística e política.
desidentificação, ou seja, de uma experiência de se desprover de toda essa
cosmologia, de toda essa epistemologia, de todos esses ferramentais em
regime de verdade que a gente produz a partir do lugar histórico que a gente
ocupou. Então talvez seja o momento da gente tentar abrir mão disso, e ver o
que que dá. E a partir talvez desse abrir mão, desse desprovimento, a gente
possa encontrar em algum lugar, uma possibilidade de conexão e de
transversalidade entre essas diferentes minorias, essas diferentes lutas, esses
diferentes movimentos que hoje estão tão fragmentados, e muitas vezes geram
uma postura reativa.
É, então, é, é, isso é uma coisa que também me, que também me tem
feito muito pensar na própria ação política, na militância, etc, porque eu tenho
me debatido muito nos meus ativismos, na minha militância política, tenho me
debatido muito com a esquerda tradicional, claro que eu me acho de esquerda,
mas a esquerda mais tradicional ela irrita muito, muitas vezes, a gente... e que
tem a ver, com eu acho, que talvez a gente possa colocar desta forma, talvez o
devir mulher do fazer político e o devir negro do fazer político possam indicar
dois elementos que estão faltando pra esquerda e que produzem essa irritação,
essa dureza, essa insuficiência, essa desconexão que a esquerda parece ter
do tempo presente.
14
Herbert Marcuse (Berlim, 19 de julho de 1898 — Starnberg, 29 de julho de 1979) foi um sociólogo e
filósofo alemão naturalizado norte-americano, pertencente à Escola de Frankfurt. Eros and Civilization,
1955 (Eros e Civilização, Zahar Editores, Rio de Janeiro). Wikipédia.
danada. Dentro do feminismo, uma feminista brigando com outra feminista,
todo mundo brigando.
Esse lugar talvez não seja mais possível na política. Esse lugar de onde
se assume que você sabe o que se deve fazer, e que você não se implica e
que você não corre o risco do não saber o que fazer.
Então talvez seja esse lugar do risco que eu estou falando aqui, que é
um risco de ser interpelado ao fazer político, ser interpelado aqui, não há outra
alternativa hoje do que fazer política, porque o mundo tá como tá. E que a
gente precisa correr o risco de fazer, ainda que a gente não saiba bem o que
fazer, nem como fazer, nem o que dizer aos outros o que eles devem fazer. É
isso.
José Fernando Azevedo.
Eu acho esses casos exemplares porque de, certo modo, eles explicitam
o que pode um corpo. Porque eu tenho a impressão que a gente vive hoje um
momento muito complexo, problematizada nessa idéia do inimigo, mas eu acho
que, as vezes, a gente corre o risco de confundir o inimigo com os seus modos,
porque o inimigo existe. O que a gente nem sempre reconhece são os seus
modos. E muitas vezes a gente confunde uma coisa com a outra, embora,
talvez, não vale a pensa nomear o que seja este inimigo, o fato é que todos nós
reconhecemos o inimigo no modo como sua ação incide sobre os corpos.
Fui uma vez, fui duas vezes, três vezes, fiquei um mês sem ir, fui de
novo, de novo, de novo, até que um dia “bolei” num santo, e de repente tinha
um filósofo bolando no santo. E essa experiência me fez, evidentemente,
pensar uma série de coisas, porque depois que você bola não tem mais jeito.
Não tem retorno, e então eu tinha que misturar Hegel15 e transe.
15
Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi um filósofo alemão. É unanimemente considerado um dos mais importantes e
influentes filósofos da história. Wikipédia.
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Terra em Transe é um filme brasileiro de 1967, do gênero drama, roteirizado e dirigido por Glauber Rocha e
coproduzido pela Mapa Filmes do Brasil. Em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira
de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.[1] Foi listado por Jeanne O
Santos, do Cinema em Cena, como "clássicos nacionais". Wikipédia.
configurou como espetáculo, e pra além de todo debate sobre a revolução
francesa, e o fato de que eles imaginavam que estavam continuando a
revolução francesa, e pra além do fato de terem produzido a primeira grande
derrota de Napoleão, talvez a verdadeira grande derrota de Napoleão, eu
aprendi uma coisa com os haitianos, duas coisa, muitas coisas, mas duas coisa
que eu quero falar. A primeira é a seguinte: os haitianos produziram uma língua
chamada crioulo, que é uma espécie de subversão do francês, e essa era uma
língua do preto haitiano que era usada contra o francês, que ouvia aquele
francês e não entendia nada.
Essa definição do negro como humano foi pra mim reveladora. E tudo
quilo que não era humano era branco, como diria o Baldwin 17, o branco não é
esta pessoa que está aqui, mas é uma metáfora do poder.
Até que depois de dois anos de convívio eu descobri que o que estava
em jogo não era nem o documento nem a ficção, mas a imaginação como força
produtiva. Essa dimensão é concreta e era concreta no cotidiano com os
haitianos.
17
James Arthur Baldwin (Nova Iorque, 2 de agosto de 1924 — Saint-Paul de Vence, 1 de dezembro de 1987) foi um
romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta e crítico social sionista estadunidense.
A quarta experiência que pra mim foi decisiva, foi o ano passado, no
início do ano, quando, com uma turma de alunos da EAD, nós nos pusemos a
fazer um trabalho sobre a luta indígena, sobre a experiência indígena, e por ter
muitos amigos antropólogos, nós fomos parar numa aldeia Guarani, na periferia
de São Paulo, aldeia Tenondé Porã, uma espécie de continuidade dessa
aldeia, chamada Kalipety. E lá nós travamos contato com duas coisas muito
fantásticas. Primeiro uma experiência de renovação política. Nessa aldeia eles
aboliram a figura do cacique e estabeleceram uma espécie de conselho. Neste
conselho existe uma mulher de trinta e cinco anos, chamada Dierá, que é um
gênio da política. E essa mulher, ela simplesmente redimensionou o
funcionamento da aldeia.
Se você não esta alegre, você deve circular. Você deve mudar. Porque
se você não está alegre é porque você está no lugar e numa relação que
produz tristeza e a tristeza é anulação do ser, é a ruptura do contato com o
Divino, e é aquilo que te faz morrer em vida. E a política pro guarani é definida
por um conceito que eles experimentam corporalmente num ritual que é o ritual
do Xondaro, Xondaro é o guerreiro, e esta política se dá a partir de uma noção
que é a noção de esquiva. Para guarani apolítica é esquiva, e como eles
explicam isso? Eles dizem: nós estamos a 500 anos convivendo com os
brancos, e nós escolhemos isso. Porque nós podíamos ir 0pro mato e ficar
lá.mas nós guaranis nós escolhemos ficar perto. Porque? Porque nós
entendemos porque estamos doentes de branco. E o que é estar doentes de
branco? É conviver com o branco. E a doença produz uma diferença. Isto é um
guarani falando. Não é Espinosa nem Deleuze. E essa diferença é a garantia
18
Baruch de Espinosa[1], nascido Benedito de Espinosa (Amsterdão, 24 de novembro de 1632 — Haia, 21 de
fevereiro de 1677), foi um dos grandes racionalistas e filósofos do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna,
ao lado de René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu nos Países Baixos, no seio de uma família judaica
portuguesa que havia fugido da inquisição lusitana, e é considerado o fundador da crítica bíblica moderna. Wikipédia.
de que nós nunca esqueceremos o que somos. Porque um doente quer se
curar. Portanto ele imagina o que pode ser a cura. Ou um doente sabe o que
ele era antes da cura. Portanto ele sabe o que ele pode ser.
Mas todas elas revelam pra mim, digamos, a dimensão real, daquilo que
nesse textinho que está neste cordel, eu chamo de inconsciente escravocrata.
Porque eu acho que nós temos que, o tempo todo, nossos corpos revelam isso,
nós nos defrontamos com os sintomas, ou com as imagens desse inconsciente
escravocrata, que define a forma de convívio e a sociabilidade nesse país, que
a gente chama de Brasil, que, não por acaso, tem o nome de uma mercadoria.
Antes, e eu posso lhes garantir isso, antes de saber que eu era negro,
alguém me disse que eu era negro.
Eu até brinco no cordel, porque eu sou preto, filho de Oxóssi, gay, filho
de origem proletária, enfim, eu sou uma mistura, mas a mistura aqui ela não é
nem miscigenação, nem hibridismo, no sentido que tanto nos impingem, mas
ela é uma mistura que é violência. E se nós não entendermos que os nossos
corpos são resultado, e expressão e atualização constante de violência, nós
não entendemos o que é a vida que nos concerne, e como ela nos concerne,
nesse presente de exceção, cuja a imagem do golpe, neste momento, apenas
faz ver, sem nenhuma cortina, já que um desfile de uma escola de samba pode
ter o efeito de uma peça didática, que é o fato de que, no Brasil, como diria
Roberto Schwarz19, no Brasil o passado não passa. E a ideia de que o passado
não passa pode ser vivida de muitas maneiras. O passado não passa porque a
escravidão nos atravessa, e isto é um fato. Mas o passado também não passa,
porque talvez a ideai de futura que nos moveu até agora, seja algo a
reinventar. Porque, em alguma medida, a compreensão do passado, ela é
também uma restituição do nosso presente.
É isso.
20
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738-1794), um aristocrata milanês, é considerado o principal
representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal. Imbuído pelos valores e ideais iluministas,
tornou-se reconhecido por contestar a triste condição em que se encontrava a esfera punitiva de Direito na Europa dos
déspotas - sem, contudo, contestar como um todo a ordem social vigente. Suas obras, mais especificamente a
intitulada "Dos Delitos e Das Penas", são consideradas as bases do Direito penal moderno.
anarquismo. Então toda esse esfera dos cuidados e da autonomia, que esses
movimentos hoje trazem no campo da reprodução social, trazem também uma
alternativa, à centralidade dessas políticas a partir da ação do estado.
Então, o racismo é assim, tanto que, quando ele vem, hoje menos, mas
até pouco tempo, as denúncias de racismo, olha, como fulana de tal foi
discriminada!
Aí, eu acho que há uma tradição que não começa com ele, esse
deslocamento, qual é o grande, digamos, se pensar em termos de
deslocamento a partir do Mbembe, é como ele vai pensar uma razão negra, e é
um lugar da filosofia, eu vou brincar o que a gente fez na sua banca, (doutora
recente, foi quem fez a pergunta), eu acho que o Mbembe faz isso, que é dizer
pra uma filosofia o que tá morrendo que precisa ser dito no campo filosófico.
Como de certa forma fez o Deleuze, como fez o Foucaut, a filosofia tá
morrendo, ela precisa dizer algumas coisas.
Eu acho que pensar estado é pensar tudo isso. Porque quando a gente
tem, e aí eu vou insistir, eu falei pra vocês, parecia meio exagerado,
grandiloquente, eu to insistindo com isso, que se houver uma mudança radical
neste país, em termos de formas de organização, vem das cabeças e das
ações dos movimentos negros e dos feminismos negros, é porque, a partir do
que o Mbembe nos ensina, fomos nós em 2015, por exemplo que marchamos
em Brasília, e a gente não foi apenas dizer pra Dilma: nós mulheres negras não
21 William Cuthbert Faulkner (New Albany, 25 de setembro de 1897 — Byhalia, 6 de julho de 1962) foi um
escritor norte-americano, considerado um dos maiores romancistas do século XX.
Recebeu o Nobel de Literatura de 1949. Posteriormente, ganhou o National Book Awards em 1951, por Collected
Stories e em 1955, pelo romance Uma Fábula. Foi vencedor de dois prêmios Pulitzer de Ficção, o primeiro em 1955
por Uma Fábula e o segundo em 1962 por Os Desgarrados.
Utilizando a técnica do fluxo de consciência, consagrada por James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust e Thomas
Mann, Faulkner narrou a decadência do sul dos Estados Unidos, interiorizando-a em seus personagens, a maioria
deles vivendo situações desesperadoras no condado imaginário de Yoknapatawpha. Por muitas vezes descrever
múltiplos pontos de vista (não raro, simultaneamente) e impor bruscas mudanças de tempo narrativo, a obra
faulkneriana é tida como extremamente complexa e desafiadora. Wikipédia.
estamos sendo contempladas cm políticas públicas, a mulher negra que é o
alvo da violência obstétrica, qual é o primeiro tópico do documento das
mulheres negras que eu colaborei na produção? Nós queremos o direito à vida.
Então quando você tem um documento que é radicalíssimo que diz: Não
basta apenas fazer política para a população negra. É preciso inclusive pensar
outra concepção de estado. E quem tá elaborando documentos, se eu tiver
errada, me corrija, foi o movimento de mulheres negras que, ao longo desses
últimos anos, ousou dizer, não só dialogar com o estado em termos de políticas
públicas, claro que avançamos muito nesse campos, secretaria, SEPIR
(Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial), SPM (Secretaria de
Políticas para as Mulheres), mas a gente foi além desse campo. Quando o
governo Lula era “céu de brigadeiro”, a gente tava dizendo não. Olha a
radicalidade. Quando tava todo mundo se achando com cotas, classe média,
nova classe média, etc, a gente dizia, mas isso também a gente não quer. É
racismo.
Quando Lula faz a primeira viajem dele pra África e esquece, quando tá
lá, mãe Nitinha, toda paramentada, e o Fernando, como todos nós sabemos,
uma mãe de santo é tudo, menos invisível quando ela tá paramentada. Então
estava uma mãe paramentada com suas contas todas. E aí disseram que, a
primeira viajem de Lula para a África, que ela tinha que ficar num lugar
reservado, só pra comitiva do Lula, isso em 2003, 2004. E ela ficou sentada.
Quando o avião já estava em plena viajem de cruzeiro, conta a anedota, mas
não é só anedota, é história mesmo, o Lula pergunta pro Gilberto de Carvalho:
Cadê a mãe Nitinha? Foi o constrangedor “esqueceram dela”.
Porque que esquecem de uma mulher negra num espaço, ela não
estava no saguão da do aeroporto como a gente na fila da GOL ou da TAM.
Ela estava num espaço recortado pra viajar com a comitiva do Lula. Porque
que eu to dando esse exemplo, porque que se combina quando você está
falando do anarquismo e do estado? É que pensar essas questões só, e aí foi
uma carta do movimento de mulheres. É racismo. Foi racismo. Ou seja, não
esqueceriam o Dom de Lorscheider22.
22
Provavelmente Dom Frei Aloísio Leo Arlindo Lorscheider foi um sacerdote frade franciscano e cardeal brasileiro,
além de ter sido presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Ou Dom José Ivo Lorscheiter foi
um bispo católico brasileiro. Foi bispo auxiliar de Porto Alegre e o sexto bispo diocesano de Santa Maria. Dom Ivo
Lorscheiter nasceu numa família simples e religiosa. Wikipédia.
23
Luiza Helena de Bairros (Porto Alegre, 27 de março de 1953 — Porto Alegre, 12 de julho de 2016) foi
uma administradora brasileira. Foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil
entre 2011 e 2014. Wikipédia.
Isso significa dizer que, no lugar em que homens negros morrem, a
democracia não só está ameaçada, isso não é democracia. Porque democracia
não pode conviver com o racismo nesse nível cruel, em que a necropolítica é a
única feição do estado que está nesses lugares. As pessoas falam que é falta
de estado no Rio, nas periferias. Não. É excesso de estado. O estado está
muito presente.
24
Fred Moten é um poeta e estudioso americano cujo trabalho explora a teoria crítica, os estudos negros e os estudos
da performance. Wikipedia.
Referência
Wikipédia.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipédia:Página_principal