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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Marileni O. de A. Passos, Vívian de Camargo Bastos, Walquíria O. Gomes

Fundamentos e Metodologia

Walquíria O. Gomes
Marileni O. de A. Passos
Vívian de Camargo Bastos
do Ensino Especial
Fundamentos e Metodologia
do Ensino Especial

Marileni O. de A. Passos
Vívian de Camargo Bastos
Walquíria O. Gomes

Curitiba
2011
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Passos, Marileni O. de A.; Bastos, Vívian de Camargo; Gomes,


Walquíria O.
G633f Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial / Marileni O.
de A. Passos, Vívian de Camargo Bastos, Walquíria O. Gomes. –
Curitiba: Editora Fael, 2011.
158 p.: il.
ISBN 85-64224-24-7
Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
1. Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial. 2. Professores
– Formação. I. Título.
CDD 371.9

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL
Diretor Executivo Maurício Emerson Nunes
Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos
Diretor Administrativo-Financeiro Cássio da Silveira Carneiro
Coordenadora do Núcleo de Vívian de Camargo Bastos
Educação a Distância
Coordenadora do Curso de Ana Cristina Gipiela Pienta
Pedagogia EaD
Secretária Geral Dirlei Werle Fávaro

EDITORA FAEL
Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado
Coordenador Editorial William Marlos da Costa
Edição Ivana Valeria Gonçalves
Revisão Thaisa Socher
Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin
Ilustração da Capa Cristian Crescencio
Diagramação Sandro Niemicz
Ilustrações Igor Santos
apresentação
apresentação
Ao ser convidada para fazer a apresentação desta obra, senti‑me
enaltecida, pois, como formadora de professores há muitos anos, reco‑
nheço as dificuldades teóricas e práticas do tema. Para cumprir meu papel
nesse momento, optei por utilizar dois caminhos: a leitura e a coleta de
informações, que auxiliam os leitores no processo de formação continua‑
da. Como momento derradeiro, apresentarei aos apreciadores da filosofia
inclusiva as autoras Marileni, Walquíria e Vívian que, juntas, construíram
uma obra que contribuirá com a formação de docentes e, principalmente,
com a disseminação da inclusão como característica social.
O livro apresenta o percurso histórico na construção da filosofia
inclusiva, buscando vencer o estigma preconceituoso de incapacidade do
ser humano. O processo de construção histórica das políticas públicas
e das mudanças de conceitos éticos e religiosos e da pluralidade dos
povos e culturas estabeleceu novas formas de se compreender os ­seres
­humanos e suas características. Nesta obra, as autoras conseguiram
percorrer as iniciativas legais de inclusão, propostas pela Lei de Dire‑
trizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 4.024/61, que, dentro do
­possível, instituiu a obrigatoriedade da inserção do aluno com deficiência
no sistema geral de educação. O acesso e a permanência no sistema
­público se dá na asseguridade como direito constitucional na atual LDB.
Entende-se que novos cenários e novos desafios estão dando l­ugar
a novas concepções de educação; no entanto, o processo inclusivo de‑
mandará a provisão de auxílios e serviços de apoio pedagógico espe‑
cializado. No livro, as autoras apresentam as principais patologias das
deficiências mental/intelectual, física neuromotora, visual e auditiva, da
surdocegueira, da superdotação e das altas habilidades e, ainda, desta‑
cam a importância da integração entre família e escola, como agentes
inclusivos que ajudam na construção de uma sociedade ética e que res‑
peite as diferenças.
apresentação
apresentação
Proceder à leitura de uma obra e, a partir dela, assumir os princípios
apontados, implica, também, estender os conceitos de vida dos autores,
que debruçaram momentos valorosos de suas vidas, compartilhando com
os leitores suas experiências e conquistas. Nesse sentido, escolher as
palavras para falar de Marileni, Walquíria e Vívian requer mostrar além
do apresentado em seus currículos lattes, pois são p­ rofissionais da edu‑
cação que, há vários anos, batalham para a propagação da educação
inclusiva, realizando palestras em diversos lugares do país, não abando‑
nando o ambiente da sala de aula e acreditando que a reflexão faz parte
da formação continuada dos professores.

Dinamara Pereira Machado*

* Graduada em Letras pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), é Mestre em


­Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atuou como docente nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, na década de 90 do século XX, e, desde 2000, desenvolve e atua
em projetos na área de formação de professores. Atualmente é, também, coordenadora
do curso de Letras das Faculdades Santa Cruz – Inove.
sumário
sumário

Prefácio.........................................................................................7
1 Educação especial: sua história....................................................9
2 Educação inclusiva......................................................................23
3 Deficiência mental/intelectual e
as características biopsicológicas..............................................55
4 Deficiência física neuromotora...................................................69
5 Deficiência visual, deficiência auditiva e surdocegueira............85
6 Altas habilidades, superdotação e
os transtornos globais do desenvolvimento.............................123
7 Família parceira da inclusão escolar........................................145
Referências...............................................................................153
prefácio
prefácio
O anseio por uma educação inclusiva, que possibilite a participação
de todas as pessoas, indistintamente, na comunidade escolar, induziu o
sistema educacional brasileiro a se organizar e instrumentalizar seus
profissionais para receberem alunos com necessidades educacionais es‑
peciais em escolas regulares de ensino.
Sendo assim, esta obra permite ao educador conhecer os recursos
e as interlocuções pedagógicas que viabilizam a participação acadêmica
de alunos que apresentam dificuldades de ordem cognitiva, intelectual,
visual ou física neuromotora, surdez ou altas habilidades nos mesmos 7
programas que são ofertados para alunos sem deficiências.
Por meio de uma viagem que compreende a Idade Antiga até as
recentes conquistas legais e sociais do movimento inclusivo, o primeiro
capítulo mostra, brevemente, a trajetória histórica do processo inclusivo.
O segundo capítulo, por sua vez, contempla os desafios de uma educação
inclusiva. Os capítulos três, quatro, cinco e seis focalizam as áreas das
deficiências. Por fim, o sétimo capítulo ilustra a importância da participa‑
ção da família no processo inclusivo.
As autoras.*
* Marileni O. de A. Passos é Mestre em Educação pela PUCPR e Especialista em E­ ducação
­Especial pela FAFI (Palmas). Atua como professora em escola especializada na área i­ ntelectual,
ministra disciplinas no ensino a distância pela FAEL e cursos presenciais de Pós-graduação em
diversas instituições da rede particular.
Vívian de Camargo Bastos é graduada em Processamento de Dados pela UEPG e em ­Formação
Pedagógica pela UTFPR, Especialista em Educação a Distância pela FAEL. Atua como coorde‑
nadora do Curso de Pedagogia EaD na FAEL.
Walquíria O. Gomes é graduada em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná, Especia‑
lista em E­ ducação Especial pela UFPR, Mestre em Educação pela UFPR. Atua como docente
nos cursos de Graduação e Pós-graduação em instituições particulares. Atualmente, é chefe
do Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional da Secretaria de Estado da
Educação do Estado do Paraná.
1
Educação
especial:
sua história
M esmo com o desenvolvimento histórico da educação especial
no Brasil, com as informações veiculadas pela mídia e com o crescimen-
to da tecnologia e das ciências da saúde, que possibilitam uma melhor
qualidade de vida para o ser humano, ainda há um número significati-
vo de pessoas que não tem informação necessária sobre as implicações
da deficiência. Isso as impede de ter acesso aos programas e cuidados
com a prevenção, o que resulta na marginalização e segregação dessas
pessoas, que ficam sem atendimento educacional e com problemas de 9
convivência social.
A filosofia inclusiva permitiu que os programas de educação es-
pecial fossem reconhecidos como modalidade do ensino regular. Essa
conquista histórica ainda está sendo implementada, mas já permite que
pessoas com deficiências participem da comunidade escolar mais próxi-
ma de sua residência com os mesmos direitos de outros alunos.
O acesso à “escola de todos”, revela o avanço educacional que o
país promove aos que não tiveram ingresso em idade própria, e busca
em suas diretrizes educacionais o atendimento especializado na escola
de ensino regular. No entanto, não se pode negar a contribuição que as
entidades filantrópicas destinam para essa população, no que se refere
ao atendimento educacional, clínico e terapêutico, assumindo, dessa
forma, um compromisso social com essas pessoas.

A deficiência no percurso histórico


Por séculos a humanidade carregou um estigma preconceituoso de
incapacidade das pessoas com deficiência, destinando-as ao isolamento
Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

social sem reconhecimento de humanidade e cidadania. Acreditava-se


que as deficiências eram doenças e que, se não havia cura, então o ideal
seria manter as pessoas portadoras de deficiência afastadas do convívio
comunitário e, em muitas situações, da própria família.
Durante a Idade Antiga eram exterminadas ou, se acreditassem
que os deuses poderiam mostrar-se simpáticos a proteção dessas pesso-
as, isolavam-nas em lugares seguros, porém, sem convívio social.
Carvalho (1997, p. 15) resgata essa história ao descrever o postula-
do romano da Antiguidade.
Nós matamos os cães danados, porcos? Ferozes e indomáveis
degolamos as ovelhas doentes, com medo que infectem o re-
banho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mes-
mo as crianças se forem débeis mentais ou anormais, nós a
afogamos, não se trata de ódio, mas da razão que nos convida
a separar das partes sãs, aquelas que podem ­corrompê-las.

O povo hebreu não aceitava a presença de pessoas com qualquer


tipo de deficiência nas sinagogas, nem permitiam que essas pessoas
10 ­recebessem comunhão.
Os espartanos da antiga Roma tinham o direito garantido pela Lei
das XII Tábuas a rejeitar ou matar filhos com deficiências.
Aristóteles com sua influência sobre os atenienses beneficiou os
deficientes sugerindo que tivessem direito a exercer atividades produti-
vas, o que trouxe uma expectativa de convivência com outras pessoas.

O movimento inclusivo teve origem durante a década de 90 do sécu-


lo XX pela influência de movimentos e acordos internacionais como a
Declaração Mundial de Educação para Todos, realizado na Tailândia em
1990, e pela Declaração de Salamanca promovida pela Unesco e pelo Go-
verno da Espanha, em 1994. No Brasil, ganhou força com a implantação
da Política Nacional de Educação Especial, em 1994, que foi confirmada
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96)
ao incluir artigos específicos para o atendimento educacional a pessoas
com deficiência.

FAEL
Capítulo 1

Dica de Filme
O filme Os 300 de Esparta conta a história do Rei Leônidas mostrando
o rigor da disciplina durante sua infância. Como introdução, a história
é narrada por um orador que apresenta a filosofia espartana e como
era conduzida a educação das crianças ditas “normais” e as com defi-
ciências. Quando a criança sem deficiência atingia sete anos de idade,
era tirada de sua família e iniciava um período de preparação que tinha
como objetivo torná-lo ­cidadão e, para tanto, passava por um longo pe-
ríodo de privações.
Nesse cenário de rigor a criança com deficiência não tinha chance de sobre-
viver e era lançada ao infortúnio e oferecida em sacrifício aos deuses.
OS 300 de Esparta. Direção de Rudolph Maté. EUA: 20th Century Fox,
1962. 1 filme (144 min.).
Dica de Filme
11
Com o advento da idade média surge a igreja cristã, que conce-
bia o homem como imagem e semelhança de Deus. Essa crença não
aceitava que crianças “imperfeitas” pudessem ser filhos do criador e,
por consequência, eram tidas à margem da raça humana por serem
consideradas imorais ou pecadoras. Crianças com má formação eram
isoladas, menosprezadas e estigmatizadas, chamadas de doentes, loucas,
sem possibilidade de conviver com as demais.
Influenciados pelo Cristianismo, alguns feudais criaram e man-
tiveram casas de abrigo onde era ofertada assistência humanitária aos
desfavorecidos. No segundo século da Idade Moderna, Henrique II
criou um programa de assistência social e obrigou a população a pagar
taxas púbicas objetivando manter os atendimentos a essas pessoas.
No Renascentismo, a visão assistencialista perde espaço e inicia-se
uma nova fase com a ideia de integração social. Os movimentos cultu-
rais e intelectuais dessa época estimulam a ciência a pesquisar possíveis
causas da deficiência dentro de um espírito humanístico, mas crítico e
científico. Nessa época já se busca uma legislação capaz de amparar e
ajudar a população com alguma deficiência.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

As contribuições de Lock (considerado pai do Iluminismo) e


Rousseau durante o final do século XVIII foram significativas para um
enfoque educacional
Não se educa a criança para Deus ou para a vida em sociedade,
antes para si mesma, “viver é o que desejo ensinar-lhe”. Quan-
do sair das minhas mãos, ele não será magistrado, soldado ou
sacerdote, ele será, antes de tudo, um homem (ROUSSEAU
apud ARANHA; MARTINS, 1995, p. 226).

Esses pensadores originaram uma visão de educação, baseada na


formação do indivíduo, sem a pretensão de escolarização ou formação
acadêmica. O reconhecimento da pessoa como um ser que deve ser
integrado socialmente, nessa época, ainda não considera a inclusão
de pessoas com deficiências no sistema educacional, principalmen-
te para as que apresentavam
Saiba mais dificuldades significativas de
Em 1799, uma criança – que provavelmente aprendizagem.
por ter deficiência fora abandonada à morte
nas florestas do sul da França – foi encontrada
Outro marco importante
por alguns fazendeiros. Preocupados com o na história aconteceu após a
12
bem estar da criança, descobriram um médico, Revolução Francesa pela Decla-
(...) Jean-Marc-Gaspard Itard, considerado pai ração dos Direitos do Homem
da educação especial. O nome dado ao garoto e do Cidadão1, que promulgou
por Itard foi Victor, (...). princípios de fraternidade, li-
Jean Itard incubiu-se da educação de berdade e igualdade entre to-
Victor e utilizou técnicas de desenho para dos os povos. Ainda é possível
ensiná‑lo a falar algumas poucas palavras, encontrar esses princípios in-
andar na p­ osição vertical, comer fazendo corporados nas constituições
uso de pratos e talheres e interagir com de alguns países.
outras pessoas. Muitas dessas técnicas ainda
são aplicadas na educação especial (SMITH, No final do século XIX e
2008, p. 32). início do século XX, encontra-
mos movimentos com tendên-
cias integradoras que lutam
para a inserção da pessoa com deficiência no mundo do trabalho. Po-
rém, as ações em prol dessa causa ainda foram singelas, ao constatar que

1 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, criada pelo governo francês,
foi inspirada na Revolução Americana de 1776 e sintetiza em 17 artigos os ideais libertários
e liberais da Revolução Francesa. Esse documento proclama a liberdade e os direitos do
homem pela primeira vez na história da humanidade.

FAEL
Capítulo 1

a produção era inferior aos demais e a marginalidade social se agravou


diante desse quadro.
No Brasil, segundo Anache (1994), a primeira proclamação oficial
em prol da educação da pessoa com deficiência deve-se a Cornélio Fer-
reira França, sendo posteriormente arquivada e tornada sem efeito.
Pelo movimento denominado escolanovista durante a década de
20 do século XX, surgem educadores como Dewey, Decroly, Montes-
sori, Antipoff que iniciaram estudos dentro da psicologia experimental
criando métodos de aprendizagem, denominados concretos e ativos e
que tinham a finalidade de ensinar com base no interesse e potenciali-
dade da criança.
Segundo Januzzi (apud PASSOS, 2007, p. 23),
Como ponto de partida, Antipoff, defendeu e enfatizou o diag-
nóstico para encaminhamento no ensino especializado. As bases
educacionais consideravam os conceitos difundidos e aceitos no
sistema escolar regular como: moralidade, disciplina, abandono
social e lesão orgânica. Do professor era exigido embasamen-
to teórico e conhecimento do diagnóstico para uma poste- 13
rior metodologia que deveria ser prioritariamente individual.

Antipoff complementa que “Assim sem ter o direito de pensar que


a educação pode criar ou mesmo
aumentar o potencial nas facul- Saiba mais
dades inatas das crianças, temos A educadora italiana Maria Montessori, ins-
a convicção de que o exercício pirada nos estudos de Séguin (médico fran-
racional e sistemático pode ‘or- cês), trouxe contribuições significativas para
a educação especial ao defender um ensino
ganizá-las” (JANUZZI, 1985,
resultante de ações diretas pela utilização de
p. 91). A autora quis dizer que materiais pedagógicos simples que exploram
os conteúdos trabalhados com conceitos básicos,. Montessori entendia que
as crianças especiais não tinham o caminho do intelecto passa pelas mãos e
a pretensão de estimular ou de- a construção do conhecimento na criança é
senvolver a inteligência, porém, resultante de experiências práticas.
os exercícios, a que denominou
de treino sistemático, poderiam ajudar no processo de alfabetização.
Esses movimentos, apesar de significativos para o avanço educa-
cional especializado, buscavam enquadrar as crianças com deficiências
em instituições especializadas, por entenderem que os mesmos não se

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enquadravam nas normas de ordem e moral da sociedade. Em suma,


a institucionalização poderia amenizar os “problemas” das classes co-
muns e minimizariam a situação social dos considerados “deficientes” e
impossibilitados de permanecerem no ensino regular.
A primeira instituição especializada brasileira foi criada em 1926, em
Canoas (RS), pelo Instituto Pestalozzi que após uma década ampliou seu
atendimento no estado do Rio de Janeiro e logo após em São Paulo. Essas
instituições ofertavam atendimento em regime interno e semi-interno
para crianças e adolescentes que apresentavam deficiência intelectual.
Na década de 50, do século XX, surge o Movimento Apaeano que,
influenciado pela educação europeia defende também o atendimento
de pessoas com deficiências no ensino comum. Contudo, esse movi-
mento também contribuiu de forma extensiva na criação de institui-
ções filantrópicas que pudessem abrigar os mais comprometidos pela
oferta de atendimento especializado em todo o território brasileiro.

Legislação contemporânea: um marco histórico na


14
educação brasileira
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei
n. 4.024/61 sugeriu, em seu Artigo 88, que “dentro do possível” deve‑se
inserir o aluno com deficiência no sistema geral de educação. Aparen-
temente, esse artigo mostra-se positivo quanto às iniciativas públicas
em prol da filosofia inclusiva, no entanto, o texto mostrou-se vago pela
ausên­cia de ações diretas do Estado. Apesar de sua intenção, não h ­ ouve
oferta educacional no sistema público e a escolarização das pessoas conti­
nuou ao encargo da filantropia em instituições especializadas.
Em comentário à legislação, Mazzotta (1999, p. 68) esclarece
[...] na expressão “sistema geral de educação” pode-se inter-
pretar o termo “geral” com um sentido genérico, isto é en-
volvendo situações diversas em condições variáveis, ou ainda,
com um sentido de universal referindo-se à totalidade das
situações. [...] Por outro lado, pode-se interpretar que, quan-
do a educação de excepcionais não se enquadrar no sistema
geral de educação, estará enquadrada em um sistema especial
de educação. Nesse caso se entenderia que as ações educativas
desenvolvidas em situações especiais estariam à margem do
sistema escolar ou “sistema geral de educação”.

FAEL
Capítulo 1

Com a intenção de realizar ajustes econômicos na educação e a


reformulação do Ensino Superior publica-se, uma década após, a Lei
n. 5.692/71 que também contempla diretamente o aluno com defici-
ência, ao garantir sua matrícula no ensino público pelo Artigo 9º com
o seguinte enunciado,
Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os
que se encontram com atraso considerável quanto à idade re-
gular de matrícula e superdotados deverão receber tratamento
especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes
Conselhos de Educação (BRASIL, 1971).
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, percebe-se uma evo-
lução qualitativa para o ensino especial, ao preconizar em seu Artigo 24
a garantia da terminalidade educacional para esta modalidade. “Cabe
a cada instituição de ensino expedir históricos escolares, declaração de
conclusão de séries e diplomas ou certificados de conclusão de cursos,
com as especificações cabíveis.” (BRASIL, 1996).
Ainda, a Lei de Diretrizes e Bases n. 9.394/96 dedica todo o capítulo
V à educação especial. Em seu Artigo 58 diz que o ensino especializado, 15
enquanto modalidade da educação escolar, deve preferencialmente ocorrer
na rede regular de ensino, o que não impede que esse atendimento seja ofer-
tado em instituições especializadas, quando necessário (BRASIL, 1996).
Essas garantias vislumbram legalmente a inserção da pessoa com
deficiência no sistema público de ensino, no entanto, ainda observa‑se
que existem lacunas na legislação quanto ao acesso e permanência desse
aluno, considerando as especificidades de cada deficiência que reque-
rem adaptações curriculares, materiais específicos, apoio técnico e pro-
fissionais especializados da educação.
Mittler (2003, p. 25), ao se referir aos paradigmas do defeito moral ao
modelo social de aprendizagem em que o “defeito” centra o problema na
criança, ou seja, ela é o centro das dificuldades de aprendizagem, alerta que
Este conceito de inclusão envolve um repensar da política e
da prática e reflete um jeito de pensar fundamentalmente di-
ferente sobre as origens da aprendizagem e as dificuldades de
comportamentos [...] Estamos falando sobre uma mudança
de ideia de “defeito” para um “modelo social” [...] O objeti-
vo é auxiliar a criança a se encaixar no sistema educacional e
beneficiá-la com o que a escola possa oferecer-lhe.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Para Mittler (2003), o objetivo da inclusão está, atualmente, no


coração da política educacional e da política social. A garantia legal de
acesso ao ensino regular não as-
Saiba mais segura que todos tenham acesso
Edouard Manet nasceu em Paris, em 1832. Seu a todas as oportunidades ofereci-
pai desejava que ele seguisse a tradição da das aos demais alunos. Para im-
­família e fosse advogado. Mesmo sob protes- pedir ainda mais uma segregação
tos, Manet tornou-se um dos mais famosos e isolamento dentro do aparelho
pintores impressionistas de seu tempo. Possi- escolar, devem ser tomadas me-
velmente voltou-se para a arte em razão de didas pedagógicas como currí-
suas dificuldades na escola. Um reitor consi- culos coerentes, agrupamentos
derou-o “débil”, outro se referiu a ele como
de alunos que beneficiem a inte-
distraído, não estudioso e medíocre.
gração de todos, práticas e opor-
tunidades de esporte, recreação e
lazer com a participação efetiva de alunos com deficiências, tudo isso
sem constrangimento ou impedimento de sua realização.

16 Tendências inclusivas para o mundo do trabalho


O processo de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho, apesar do notável crescimento das últimas décadas, ainda é ig-
norado, mal interpretado e questionado nas várias áreas sociais mesmo
com políticas educacionais e trabalhistas existentes no País. O estigma
de deficiências decorrentes de conceitos pré-concebidos estabelecidos
historicamente e que acabaram culminando na educação pela via filan-
trópica excluem a pessoa com deficiência do mercado de trabalho.
Historicamente, a preocupação com o aproveitamento da mão de
obra de pessoas com deficiência teve seu início ao final da Primeira
Guerra Mundial, por iniciativa da Grã-Bretanha, ao criar programas de
reabilitação que tinham como objetivo inserir socialmente seus solda-
dos mutilados, bem como para readequá-los em atividades rentáveis.
De igual forma, com o advento da Segunda Guerra Mundial, os
Estados Unidos também se obrigaram a criar, implementar e investir
em programas de reabilitação de pessoas com deficiência, bem como
empregar mulheres para suprir a carência de funcionários das fábricas,
indústrias e comércios desfalcados pelos funcionários convocados pelas
forças armadas de seus estados.

FAEL
Capítulo 1

O cenário deixado pela guerra contribuiu para a necessidade de


habilitação e reabilitação de pessoas até então ociosas em decorrência de
condições físicas, sensoriais (corresponde aos órgãos do sentido – visão,
audição) e principalmente sociais. Dessa forma, os países envolvidos
e destroçados pelos combates se empenharam em dinamizar as várias
áreas da ciência como medicina, pedagogia, sociologia, engenharias e
outras para se unirem e desenvolverem programas de atendimento clí-
nico, terapêutico e educacional que dessem conta de promover a habi-
litação dessas pessoas.
Branden (1999, p. 110), ao destacar o trabalho como um meio de
desenvolvimento pessoal, afirma que “o trabalho tem o potencial de ser
uma espécie de disciplina espiritual”, e aponta o trabalho como referen-
cial de autoestima. Para esse autor, o trabalho traz a realização humana,
não se pode pensar em reabilitação ou habilitação, inclusão social, sem
que as portas do emprego não se abram para essas pessoas, seria como
correr para chegar a lugar algum.
No entanto, quando um empregador contrata uma pessoa com
deficiência exclusivamente para cumprir a Lei de Cotas, não quer dizer 17
que está exercendo seu papel social, pois a cidadania consiste em aceitar
as pessoas sem desigualdade, o que também não quer dizer que se deve
ignorar a deficiência, como diria Aristóteles, “Não existe nada mais
desigual do que tratar igualmente todos”. Exercer a cidadania requer
um exercício de ver e buscar alternativas de colaboração, no sentido
de propiciar condições para que as pessoas possam usar de lugares e
situações comuns, adaptando e provendo meios para uma convivência
sem constrangimentos.
Conforme Tomazini (apud BATISTA et al., 1998, p. 9)
Nossa parcela de contribuição para a exclusão aconteceu exa-
tamente no momento em que, através dos diagnósticos, eti-
quetamos esse indivíduo, o denominamos cliente, o inserimos
no interior institucional especial. Pensar em trabalho para os
portadores de deficiências não significa criar oficinas segrega-
das ou treiná-los para uma opção qualquer.

As instituições de ensino especializado em muitas situações tam-


bém falham ao permitir que seus alunos permaneçam anos na esco-
la, quando sua função dentro do movimento inclusivo deve visar à
autonomia dessas pessoas. Outra situação que dificulta o ingresso ao

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

t­ rabalho são as barreiras arquitetônicas e sociais que comprometem sua


colocação e permanência no mercado formal e informal de trabalho.
Conforme a Organização Internacional do Trabalho – OIT (apud
BATISTA et al., 1998, p. 9), “os portadores de deficiência capazes de
realizar trabalhos produtivos, devem ter direito ao emprego como qual-
quer outro trabalhador”. Para que essa pessoa tenha sucesso em sua
atividade laboral, a OIT recomenda que se deve buscar uma atividade
economicamente rentável, que corresponda não tanto às deficiências
do candidato, mas às suas aptidões e ao seu potencial.
Batista et al. (1998), ao pensar no papel da instituição de ensino
no processo de inserção da pessoa com deficiência na sociedade, por
meio do trabalho, indica cinco funções básicas que as escolas deve-
riam desempenhar.
1. Identificar potencialidades e interesses da pessoa com deficiên­cia e
oferecer programas de educação profissional.
2. Capacitar e atualizar os recursos humanos
18 3. Coordenar, inovar e promover programas e parcerias que possam
garantir a qualidade da atividade a ser desenvolvida.
4. Sensibilizar e conscientizar a sociedade, principalmente os empre-
gadores, no sentido de mostrar as potencialidades de trabalho da
pessoa com deficiência.
5. Informar e conscientizar a pessoa com deficiência sobre seus direi-
tos e deveres.
Essa luta não pertence particularmente à educação, à família, à
sociedade ou ao estado, a tarefa em promover a cidadania de pessoas
com deficiências é de toda sociedade, para dessa forma construirmos
uma comunidade justa e solidária.

Conquistas legais para inserção no trabalho


A conferência convocada em Genebra em 1o de junho de 1955
pelo Conselho de Administração do Secretariado do Trabalho em sua
Recomendação n. 99 considera que,
para atender as necessidades de emprego de pessoas com defi-
ciências e para utilizar da melhor maneira possível os recursos
de mão de obra, impõe-se o desenvolvimento e a restauração da

FAEL
Capítulo 1

c­ apacidade de trabalho de pessoas com deficiências combinando


num processo contínuo e coordenada orientação médica, psico-
lógica, social, educacional, treinamento profissional e serviços de
emprego, inclusive acompanhamento (BRASIL, 1997, p. 26).

Essa emenda é ratificada quase três décadas depois pela Recomen-


dação n. 168, também em Genebra. Ao aplicá-la, assim como a Reco-
mendação n. 99 de 1955 relativa à reabilitação profissional (pessoa com
deficiência), os países membros devem considerar a finalidade da reabi-
litação profissional, conforme definido na Recomendação 168: “capa-
citar uma pessoa com deficiência em conseguir e manter um emprego
conveniente e de nele progredir, favorecendo assim sua integração ou
reintegração na sociedade” (BRASIL, 1997, p. 38).
Essas recomendações são significativas quanto ao progresso sobre
as necessidades em matéria de reabilitação e reorganização na legislação
e no desempenho dos países membros da Organização Internacional do
Trabalho. Enfatizando a reabilitação profissional e emprego das pessoas
deficientes com a meta de atingir uma participação plena na sociedade,
o Brasil, pelo Decreto n. 129/91, estabelece que o teor contido na Con-
venção de Genebra “será executado e cumprido tão inteiramente como 19
nela se contém” (PARANÁ, 1994, p. 196).
Destaca-se a Convenção n. 111, de 25 de junho de 1958, que trata
da discriminação do emprego e trabalho, e a Convenção n. 159, de 20 de
junho de 1983, sobre a readaptação profissional e emprego das pessoas
com deficiências, ratificadas pelo governo brasileiro em forma de leis, pro-
mulgadas pelos Decretos n. 62.150/68 e 129/1991, respectivamente.
Coerente com a visão social atual em que prevalecem as potenciali-
dades sobre as limitações das pessoas com deficiências, a Carta Magna,
no item VIII, Art. 37, preconiza a reserva de percentual dos cargos e
empregos públicos federais na administração direta, indireta e funda-
cional. Esses dispositivos irradiam para as constituições estaduais e leis
orgânicas municipais deste país.
A Lei Federal n. 7.853/89, regulamentada pelo Decreto n. 3.298,
de 20 de dezembro de 1999, em seu Artigo 8º, incisos II e III, determi-
na o apoio governamental
à formação de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos
regulares voltados à formação profissional, empenho do poder
público quanto ao surgimento e manutenção de empregos,

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também, em tempo parcial destinados às pessoas com deficiên­


cias que não tenham acesso aos cargos comuns; à promoção de
ações eficazes que propiciem a inserção nos setores públicos e
privados de pessoas com deficiências; à adoção de legislação
específica e reserva de mercado de trabalho em favor dessas
entidades de administração pública e no setor privado e que
regulamente a organização de oficinas congêneres integradas
ao mercado de trabalho e a situação das pessoas com deficiên­
cias, constituindo crime obstar sem justa causa no acesso de
alguém a um cargo público, por problemas de deficiência, ou
negar, por motivos derivados de deficiência, emprego ou tra-
balho (BRASIL, 1989b).

Conforme a Lei Federal n. 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de


Benefícios da Previdência Social, em seu Art. 93, empresas com 100 ou
mais empregados estão obrigadas a preencherem de 2% a 5% dos seus
cargos com beneficiários da previdência reabilitados ou pessoas com
deficiências habilitadas, nas seguintes proporções: até 200 empregados,
2%; de 201 a 500, 3%; de 501 a 1000, 4%; de 1001 em diante, 5%. A
dispensa do trabalhador reabilitado ou do deficiente habilitado ao final
de contrato por prazo determinado de mais de 90 dias só poderá acor-
20 rer após a contratação de substituto de condição semelhante, cabendo
ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social gerar estatística sobre
o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e habi-
litados, fornecendo-a, quando solicitado, aos sindicatos ou entidades
representativas dos empregados (BRASIL, 1991).
A colocação no mercado dependerá de um estágio supervisionado
amparado pela Instrução Normativa n. 5, de 30 de agosto de 1991, do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social/Secretaria Nacional do
Trabalho. Esse documento permite aos empregadores a criação de pro-
gramas de treinamento e qualificação dessas pessoas, em regime de trei-
namento. Por essas medidas, empregadores e técnicos podem negociar
junto aos órgãos especializados a colocação da pessoa com deficiência
no mercado de trabalho, contratando, assim, sua mão de obra.
Vale registrar, no âmbito da garantia dos direitos sociais das pes-
soas com deficiências, a Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre o apoio do
Poder Público e seus órgãos em assegurar os direitos básicos da pessoa
com deficiência. No entanto, verifica-se que, muitas vezes, as entidades
têm enfrentado dificuldades para obter a liberação de documentos, o
que pode inviabilizar seu pleno funcionamento.

FAEL
Capítulo 1

A Lei n. 9.867, dispõe sobre a criação e o funcionamento de


cooperativas sociais, visando à integração social dos cidadãos, sendo
que as mesmas devem ser constituídas com vantagem no mercado
econômico. Por meio do trabalho, fundamentam-se no interesse ge-
ral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração
social dos cidadãos, e incluem entre suas atividades a organização e
a gestão de serviços sociossanitários e educativos e o desenvolvimen-
to de atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços. Na
denominação e razão social das entidades é obrigatório o uso da ex-
pressão “Cooperativa Social”, sendo aplicadas a elas todas as normas
relativas ao setor em que operarem, desde que compatíveis com os
objetivos dessa lei.
No campo das leis internacionais, nacionais e locais, impõe-se
o princípio da integração/inclusão inspirado na Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução
n. 217-A, da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezem-
bro de 1948, a qual reivindica, nos Arts. 22 e 23, para cada homem o
direito ao trabalho, protegendo sua dignidade e livre desenvolvimento 21
da sua personalidade.
O Brasil é detentor da legislação mais completa da Ibero-América,
na área de apoio às pessoas com deficiência.

Depoimento de uma pessoa com deficiência.


“Nós trabalhamos porque precisamos do dinheiro para sobreviver. Mas, tam-
bém, trabalhamos porque isso contribui para nossa dignidade, o nosso valor.
O trabalho nos dá mais controle sobre nossa vida e nos conecta com ou-
tras pessoas. Sinto-me realmente privilegiado em ser remunerado pelo que
adoro fazer.
Toda sociedade que exclui pessoas do trabalho por qualquer motivo – sua
deficiência ou sua cor ou seu gênero – está destruindo a esperança e igno-
rando talentos. Se fizermos isso, colocaremos em risco todo nosso futuro
(WHITE apud BATISTA et al., 1998, p. 5).”

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Da teoria para a prática


Uma sociedade que seleciona seus membros por sua produtivida-
de, também tem o dever de preparar os que apresentam dificuldades.
Faz-se necessário a criação de mecanismos capazes de habilitar pessoas
com deficiências para que não sejam marginalizadas por sua condição.
Não se defende aqui um paternalismo assistencial, antes, busca-se valer
seus direitos que lhes são próprios por serem capazes de exercer plena-
mente sua cidadania.
De que forma podemos contribuir para a socialização e ingresso de
pessoas com deficiências no mercado de trabalho, sem nenhuma forma
de discriminação?

Síntese
22 O movimento inclusivo é resultante de acordos e manifestações
públicas da sociedade em prol dos direitos e deveres da pessoa com
deficiência. No Brasil, é notória a contribuição da filantropia no aten-
dimento à pessoa com deficiência, no entanto, ainda caminhamos para
as adequações e adaptações necessárias no ensino regular para que a
criança tenha acesso e permanência em estabelecimentos de ensino que
ofertem educação regular.
Outro avanço da educação especial está no reconhecimento edu-
cacional enquanto modalidade do ensino regular. Essa conquista pro-
move ao aluno que apresenta dificuldades individuais e que necessita
de apoio especializado o direito de frequentar escolas próximas de sua
comunidade e ainda obter o benefício da escola especial.
O reconhecimento da importância do trabalho, enquanto ativi-
dade vital ao ser humano, trouxe uma nova visão social para a pessoa
com deficiência e estimulou os segmentos da sociedade a garantir legal-
mente seu ingresso no mercado de trabalho, bem como alertou sobre o
papel da família e escola para sua efetivação.

FAEL
Educação inclusiva
2
N este capítulo, destacaremos alguns contributos que emergem na
educação inclusiva, voltados às implicações pedagógicas no E ­ nsino Fun-
damental, ou seja, ações que atendam às necessidades específicas das pes-
soas com características diversificadas. Nessa compreensão, pautada pelo
contexto do século XXI, entende-se que novos cenários, n ­ ovos desafios
estão dando lugar a novas concepções de educação ­sobre a vertente das
transformações sociais e dos avanços científicos. Para t­anto, é emergente
refletir que o processo inclusivo demandará a provisão de auxílios e servi- 23
ços de apoio pedagógico especializado. Nessa dimensão, o processo de in-
clusão necessita de professores especializados para atender todos os alunos.

Educação inclusiva: um olhar sobre as implicações


pedagógicas no Ensino Fundamental

Ressignificando as ações frente à educação inclusiva


Para iniciar a discussão, é necessário entender que a filosofia
i­nclusiva introduziu na educação novos conceitos, novas terminolo-
gias e novas responsabilidades educacionais. Para tanto, convida os
­profissionais da educação, que direta ou indiretamente estão envolvidos
com crianças, jovens e adultos que apresentam histórico de necessida-
des educacionais especiais, sejam elas temporárias ou permanentes, a
participarem dessa leitura e de outras leituras inovadoras que venham
ressignificar a tomada de consciência de sua ação docente e do estabe-
lecimento de intervenções que integram todo o contexto educacional.
Posto isso, elencamos os dispositivos legais que formalizam a ­educação
inclusiva, bem como questões voltadas aos aspectos das adaptações
Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

curricu­lares com vistas aos Parâmetros Curriculares Nacionais e das


­Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Especial.
No entanto, convém ressaltar que não existe receita pronta para
trabalhar com alunos que apresentam qualquer necessidade educacional
especial. Assim sendo, sinalizamos e justificamos que o profissional da
educação, compreendido nesse contexto, como professor especializado
em educação especial, pedagogo, professor de apoio à comunicação al-
ternativa, intérprete, guia intérprete, entre outros, deverão mediar o pro-
cesso de ensino e aprendizagem baseados nas adaptações curriculares.
O termo adaptações curriculares é uma resultante das novas estra-
tégias educacionais voltadas à diversidade.
Para se ter entendimento da educação inclusiva, é imprescindível co-
nhecermos a ideia básica sobre os direitos humanos. Em tempos de uma
sociedade contemporânea que perpassa o amadurecimento da democra-
cia, o parágrafo inicial do Programa Nacional de Direitos Humanos, pu-
blicado pelo Ministério da Justiça, em 1996, faz a seguinte menção: “Não
há como conciliar democracia com as sérias injustiças sociais, com as
24 formas variadas de exclusão e com as reiteradas violações aos direitos hu-
manos que ocorrem em nosso país” (apud CARVALHO, 1998, p. 15).
A partir disso, encontramos resposta na dissertação de Ross (1999),
que afirma que a partir dos anos 70 do século XX, os modelos segregacio-
nistas cedem lugar aos modelos da integração das pessoas com deficiência.
Para esse pesquisador (1999, p. 64),
O conceito de necessidades educacionais especiais desloca o
ponto de referência para possibilidades de escolarização apre-
sentadas por suas características diferenciais e necessidades
específicas dos alunos, de um lado, e a capacidade de dar res-
postas educativas apresentadas pela escola, de outro.

Sob essa ótica, é importante entender que a inclusão do aluno com ne-
cessidades especiais em classes comuns é vista como uma tendência dos sis-
temas de ensino e de acordo com os dispositivos da LDB, Lei n. 9.394/96,
o atendimento em classes e escolas especializadas somente deve ser ofer-
tado quando for mais indicado para suprir a necessidades desse aluno.
É importante mencionar que a inclusão dos alunos no Ensino
­ undamental é regulamentada pela Constituição Federal de 1988,
F
Art. 208, inciso III, fazendo parte da política governamental. Ainda

FAEL
Capítulo 2

que aparentemente, apesar de Saiba mais


todos os esforços e do perío- Cumpre-nos estabelecer um consenso
do relativamente longo, todos sobre o sentido e o significado do vocá-
esses dispositivos legais que bulo “diretrizes”. Segundo o dicionário,
contextualizam-se em diretri- diretriz significa orientação, guia, rumo.
zes ainda não produziram a É como o sentido de propor rumos para
mudança necessária no contex- elaboração de currículo, projeto político-
to educacional. Para tanto, os pedagógico e plano de ação docente.
sistemas educacionais devem
subsidiar as instituições de ensino, tanto em caráter estrutural e or-
ganizacional, como pedagógico e social, para que se efetive essa ação
de que todas as crianças, jovens e adultos com necessidades educa-
cionais especiais sejam matriculados em escolas regulares, de acordo
com as especificidades.
Atualmente, sob o discurso da educação inclusiva, para as pessoas
que apresentam um histórico de necessidades especiais, foi criada uma
política pública de acesso à educação, de responsabilidade da União,
dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, para atingir uma con-
25
dição que assegure seus direitos à educação.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC (BRASIL,
2002, p. 17), os movimentos em prol da escola inclusiva evidenciam
[...] grande impulso desde a década de 90 no que se refere à
colocação de alunos com deficiência na rede regular de ensi-
no e têm avançado aceleradamente em alguns países desen-
volvidos, constatando-se que a inclusão bem-sucedida desses
educandos requer um sistema educacional diferente do que
atualmente disponível.
Implicam a inserção de todos, sem distinção de condições
linguísticas, sensoriais, cognitivas, físicas, emocionais, étni-
cas, socioeconômicas ou outras e requer sistemas educacionais
planejados e organizados que deem conta da diversidade dos
alunos e ofereçam respostas adequadas às suas características
e necessidade.

Ainda sobre esse aspecto, Gomes (2005, p. 69-70) parte da premis-


sa de que, didaticamente, pode-se abranger a política inclusiva em dois
aspectos: o âmbito social e o educacional. No social, é o ­reconhecimento
de que a pessoa com necessidades especiais é cidadã, tendo o direito de
estar integrada na sociedade o mais plenamente possível.

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Nessa perspectiva, tem-se Mazzotta (1998, p. 5), um dos teóricos mais


­conhecidos na educação especial, que diz haver a necessidade de rever a
concepção sobre o portador de deficiência e o papel da escola, seja pelas
pessoas individualmente, por grupos organizados, pelos serviços estrutu­
rados, pelas campanhas de esclarecimento da população, etc. Ainda, é
­preciso redimensionar as diretrizes norteadoras da ação dos órgãos públi-
cos, a partir da visão dinâmica das condições do portador de deficiência.

Já no âmbito educacional, a pessoa tem direito tanto à adequação


do espaço escolar quanto a acessibilidade de equipamentos e materiais
pedagógicos, estendendo-se também a formação inicial e continuada
com vistas a qualificação dos alunos, professores e demais profissio-
nais envolvidos.
Ainda, nessa trilha de pensamento, Mazzotta (1998, p. 6) funda-
menta que
26 [...] é oportuno ressaltar que um conjunto de indicações, de
instruções coerentes e precisas se faz necessário para permitir
que as ações educativas se desenvolvam de modo a preservar a
organicidade e coerência do sistema escolar e, ao mesmo tem-
po, assegurar ao professor as condições necessárias ao desen-
volvimento de seu trabalho, de tal modo que o seu papel de
educador não seja diminuído.

À luz dessas concepções, é fundamental propor uma escola inclusi-


va que esteja aberta à diversidade dos alunos, com disposição e compe-
tência, de modo a articular uma comunidade participativa. Conforme
Carvalho (2007, p. 34-35),
Uma escola inclusiva não “prepara” para a vida. Ela é a pró-
pria vida que flui devendo possibilitar, do ponto de vista po-
lítico, ético e estético, o desenvolvimento da sensibilidade e
da capacidade crítica e construtiva dos alunos-cidadãos que
nela estão, em qualquer das etapas do fluxo escolar ou das
modalidades de atendimento educacional oferecidas. Para
tanto, precisa ser prazerosa, adaptando-se às necessidades de
cada aluno, promovendo a integração dos aprendizes entre si,
com a cultura e demais objetos do conhecimento, oferecendo
ensino-aprendizagem de boa qualidade para todos, com todos
e para toda a vida.

FAEL
Capítulo 2

A educação inclusiva tem como meta evitar que as diferenças se


transformem em desigualdades para aprendizagem e para a participação.
Dessa forma, todas as crianças de uma comunidade aprendem juntas, in-
dependentemente de suas condições sociais, culturais e individuais. “Para
incluir, basta ver no indivíduo sua essência, aceitar seus defeitos e diferen-
ças e respeitar suas características próprias” (CORSI, 2001, p. 108).
Ainda na esteira das reflexões sobre a educação inclusiva, esse autor
destaca que toda pessoa tem o direito de pertencer a um grupo, a uma
sociedade. E pertencer não é fazer parte ou estar inserido; é conviver e par-
ticipar efetivamente. “À discriminação e o preconceito marcaram a perso-
nalidade da sociedade e vem sendo transmitidas há muitas gerações, preci-
samos estar conscientes e preparados para encarar as diferentes formas de
sua manifestação e modificar esta postura.” (CORSI, 2001, p. 108).
Avançando mais nessa linha de pensamento da educação inclusiva,
busca-se Mantoan (2001, p. 2), a qual postula que
[...] incluir significa muito mais do que simplesmente colocar
juntas crianças ‘deficientes’ com crianças ‘normais’ em sala de
aula. Trata-se de uma ‘mexida’ bem maior. [...] uma transfor-
mação positiva e profunda, além de trazer noções básicas de 27
respeito ao ser humano e de seus direitos fundamentais.
Talvez esteja até muito aquém da inclusão, no momento em que se
nega a diferença para facilitar a forma de trabalhar com o ensino.

Ao conceito de escola inclusiva, é importante integrar os conceitos de


escola para todos e escola de qualidade.

Diante da pluralidade que é vivenciada a cada dia no âmbito escolar,


no que tange ao processo inclusivo, faz-se necessário concretizarmos a
escola para todos e a escola de qualidade que, muito mais do que incluir,
deve integrar, tanto socialmente quanto em seu programa curricular,
todas as crianças, jovens e adultos, sejam deficientes ou não deficientes.
Segundo uma importante contribuição de Morin (2000, p. 14), a
qual diz que:
o ensino de qualidade envolve três variáveis, a saber; a pri-
meira, que a instituição deve ser inovadora, aberta, dinâmica,

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

cujo projeto pedagógico seja coerente, aberto, participativo,


com infraestrutura adequada e tecnologias de ponta acessíveis.
A segunda envolve a questão dos docentes, os quais devem
estar bem preparados seja intelectual, emocional e moralmen-
te, bem remunerados e num ambiente propício ao acompa-
nhamento e orientação dos alunos. A terceira diz respeito aos
próprios alunos, os quais devem estar motivados e preparados
e com possibilidades de gerenciamento pessoal e grupal.
A sociedade inclusiva e a escola inclusiva congregam com respon-
sabilidade as simpatias dos pais, dos educadores e da sociedade em ge-
ral. A questão da formação de professores é comentada por Werneck
(1997, p. 61)
o professor do ensino básico é a principal figura da sociedade
inclusiva. Ainda enfatiza, que os cursos e as universidades que
formam professores devem ter como ponto de honra cons-
cientizá-los, de que alunos com deficiência são responsabilida-
de de todos os educadores, e não apenas do profissional que se
interessa por educação especial.
Barbosa apud Gomes (2005) situa a falta de informação e conhe-
cimento que educadores e administradores têm em respeito da reali-
28 dade social e cultural, como também do processo de desenvolvimento
cognitivo-afetivo das crianças atendidas pelas escolas, afirmando que
conhecer seus alunos, suas capacidades, também implica não ignorar as
dificuldades para se pensar em uma resposta educativa, que contemple
cada aluno em especial e a todos por consequência.
Stainback e Stainback (1999, p. 219) pontuam:
O ensino denominado pelo professor, a ênfase na competição
e não na colaboração entre os alunos, o enfoque no desenvol-
vimento acadêmico em vez de desenvolvimento da compe-
tência social, o ensino segregado e os currículos baseados no
aproveitamento são todos exemplos de práticas educacionais
que virão a ser consideradas arcaicas, neste século.
Nessa concepção, Gomes (2005, p. 78) afirma
que há uma busca para se reverter a situação de exclusão e discri-
minação, em diversos pontos do mundo, os quais m ­ obilizaram
movimentos em favor de que toda criança tem direito
f­undamental à educação e, principalmente, com a possibili-
dade de atingir e manter um nível adequado de aprendizagem.
Gomes (2005, p. 78) menciona, ainda, que “toda criança tem
­características próprias, voltadas a interesses, habilidades e necessidades

FAEL
Capítulo 2

de aprendizagem que são únicas”. Formaliza também, que “os siste-


mas e programas de ensino devem adotar a implementação de ações
significativas ao processo de aprendizagem, voltadas às características e
necessidades que os alunos demandam”.
Destaca-se que, na década de 90 do século XX, inúmeras e sig-
nificativas têm sido as reflexões acerca da educação escolar voltada à
prática inclusiva, que vem alicerçada em leis, acordos e conferências
mundiais: Constituição Federal do Brasil (1988), Educação para Todos,
em Jomtien (1990), Declaração de Salamanca (1994), Declaração de
Guatemala (1990), D ­ iretrizes e Bases da Educação Especial (2001).
Nessa perspectiva, faz-se necessário apresentar algumas contribuições
tratadas em documentos que formalizam as ações da educação inclusiva.
Em 1990, na Tailândia, na Conferência Mundial de Jomtien,
de Educação para Todos, destacaram-se alguns objetivos, com
implicações diretas para a educação especial, dentre eles: o
estabelecimento de metas claras para aumentar o número de
crianças na escola, assegurando a sua permanência por um
tempo que possibilite obter um real benefício da sua escola-
rização, e reformas educacionais que propiciem serviços que 29
correspondam às necessidades de seus alunos, das famílias e
das comunidades locais. Como consequência, a educação es-
pecial passa a estar incluída dentro da perspectiva de educação
para todos, surgindo um novo conceito, desta vez, amplo, o de
necessidades educativas especiais (SANTOS, 1996, p. 12).
A partir da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas
Especiais, a qual versa a respeito do acesso e qualidade na educação,
realizada entre 7 e 10 de junho de 1994, em Salamanca, na Espanha,
onde também foi tecida a Declaração de Salamanca e a Linha de Ação,
que formaliza o entendimento da escola inclusiva:
[...] o princípio fundamental que rege as escolas integradoras é de
que todas as crianças, sempre que possível, devem aprender jun-
tas, independentemente de suas dificuldades ou diferenças. As
escolas integradoras devem reconhecer as diferentes necessidades
de seus alunos e a elas atender; adaptar-se aos diferentes estilos
e ritmos de aprendizagem das crianças e assegurar um ensino
de qualidade por meio de um adequado programa de estudos,
de boa organização escolar, criteriosa organizada dos recursos e
entrosamento com suas comunidades (BRASIL, 1994, p. 23).
Dos estudos de Carvalho (2007, p. 145) extraímos a contribui-
ção referente a esse dispositivo: “Dispomos de um documento oficial

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

c­ontendo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Edu-


cação Básica, decorrente do Parecer CNE/CEB n. 17 de 2001 e que
inspirou a Resolução n. 2, de 11 de setembro de 2001”.
No intuito de expandir o entendimento desse documento, salien-
ta-se que é de cunho político-científico que tem em vista orientar, res-
significar e subsidiar as ações de trabalho aos profissionais da educação,
saúde, ação social e trabalho.
Nesse sentido, concebe-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional – Lei n. 9.394/96, também garante e reforça a matrí-
cula, sem discriminação de turnos, a todas as pessoas com necessidades
educacionais especiais. Essa, por sua vez, tem como objetivo integrar
equipes de todos os níveis e graus de ensino com as equipes de educação
especial, em todas as esferas de dependências administrativas e pedagó-
gicas do sistema educativo, desenvolvendo ações integradoras nas áreas
de ação social, educação, saúde e trabalho.
Nos Artigos 58 e 59, referentes à educação especial, infere para
efeitos dessa lei que essa é uma modalidade de educação escolar ofere-
cida, preferencialmente, na rede regular de ensino, apoiando-as no sen-
30
tido de criar condições de integração e conscientização da necessidade
escolar dessas crianças (BRASIL, 1996).

Reflita
Reflita
No início da história da humanidade, os seres animalescos, indiferen-
ciados, que mal sabiam andar, que se comunicavam com ­grunhidos,
como mostra Jean-Jacques Annaud (1976) no filme A guerra
do  fogo, dividiram-se em tribos numa tentativa de iniciar uma dife-
renciação. Aqueles que possuíam mais pelos no corpo faziam par-
te de um grupo mais agressivo e mais ousado, enquanto aqueles
que descobriram o fogo, acidentalmente, formavam outro grupo,
um pouco mais humanizado.
Dica: entendemos que somos diferentes uns dos outros, para tanto,
sugere-se que o leitor assista esse filme, no intuito de contextualizar
seu entendimento com vistas ao processo de inclusão.
Agora atenção: a expressão necessidades especiais foi legalizada no
Art. 58 da LDB n. 9.394/96, em seu Capítulo V, que trata do alunado

FAEL
Capítulo 2

da educação especial. Considerando-se que a nova LDB fundamenta


todo um movimento em prol de uma escola inclusiva – uma escola de
boa qualidade para todos –, a expressão tornou-se mais abrangente,
aplicando-se não só aos alunos com deficiências como a todos aqueles
“excluídos” por diversas razões.
Reflita
Reflita
Já na Resolução n. 2, de 11 de setembro de 2001, o Art. 5 deixa
clara essa abrangência, na medida em que se consideram como educan-
dos com necessidades especiais
todos os que, durante o pro-
Saiba mais
cesso educacional, apresentam É relevante mencionar o significado adotado às
dificuldades de aprendizagem expressões “pessoa portadora de deficiência” e
“pessoa com necessidades especiais”. A “pessoa
vinculadas, ou não, a uma cau-
portadora de deficiência” configura a ­pessoa
sa orgânica específica; os que que carrega (porta, possui) uma deficiên­cia, já
apresentam dificuldades de co- a “pessoa com necessidades especiais” eviden-
municação e sinalização dife- cia a responsabilidade social de prever e prover
31
renciadas dos demais alunos e meios e condições de satisfazê-las.
os de altas habilidades
Pensando na inclusão escolar, a partir de uma conscientização
sobre as complexas e abrangentes mudanças que exigem práti-
cas éticas e sociais adequadas e decorrentes de profundas ressig-
nificações. A luz desse pensamento foi proposto a substituição
dos seguintes termos: “excepcional”, “deficiente”,“portador de
deficiência”, “pessoa com deficiência” e outros, pela expressão
“necessidades especiais”, o qual objetiva com isso a substitui-
ção do paradigma reducionista atrelado a estes indivíduos an-
teriormente. (BRASIL, 2001, p. 70)

Serviços de apoio pedagógico especializado


A inclusão de crianças com deficiências físicas, sensoriais, inte-
lectuais e comportamentais vem sendo operacionalizada a partir da
­inserção destas em salas de aula comuns ou, excepcionalmente, em salas
de recursos multifuncionais, existentes nas escolas de educação básica,
estaduais e municipais.
O processo inclusivo nas salas de aula comuns viabiliza-se mediante
“os serviços de apoio pedagógico especializado”, conforme p ­ reconizado

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica


(BRASIL, 2001, p. 50).
De acordo com a legislação vigente, infere-se que os “serviços de
apoio pedagógico especializado” exercem as seguintes funções:
●● Nas classes comuns – atender “as necessidades educacionais
especiais dos alunos durante o processo de ensino e aprendi-
zagem” (BRASIL, 2001, p. 50).
●● Nas salas de recursos – suplementar (no caso dos superdo-
tados) e complementar em relação aos demais alunos o aten-
dimento educacional realizado em classes comuns da rede
regular de ensino.
●● Na itinerância – prestar orientação e supervisão pedagógica
periódica, por meio de visitas às escolas de modo a atender aos
alunos em situação de deficiências.
●● Professores/intérpretes – apoiar alunos surdos, cegos e ou-
32 tros com acentuados comprometimentos de comunicação
e sinalização.
Cabe destacar o caráter transitório das salas de recursos, que podem
ser criadas extraordinariamente, conforme o que preconiza o Capítulo
2 da LDBEN, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Bá‑
sica, bem como os Referenciais e Parâmetros Curriculares Nacionais, de
modo a atender aos alunos que apresentem dificuldades acentuadas de
aprendizagem ou condições de comunicação e sinalização diferenciadas
dos demais alunos e demandem subsídio e apoio intensos.
O texto da lei menciona claramente que esse “lócus” se destina a
cegos, surdos, quadros de transtornos globais do desenvolvimento2,
de síndromes, quadros psicológicos, neurológicos, psiquiátricos e alu-
2 Expressão proposta pela CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças),
para referenciar crianças e adolescentes, também identificadas como com autismo ou psi‑
cose infantil, que apresentam alterações qualitativas nas interações sociais recíprocas, nas
modalidades de comunicação e um repertório de interesses e atividades restrito, estereo­
tipado e repetitivo (CID-10, 1993). Visando à leitura mais fluida do texto, utilizou-se os
­termos transtornos globais do desenvolvimento, autismo e psicose infantil alternadamente.
Anteriormente, esses termos eram conhecidos como condutas típicas.

FAEL
Capítulo 2

nos que apresentam casos graves de deficiência intelectual3 ou múlti-


pla. Para esse último, assegura-se aos alunos o atendimento em classes
especiais (BRASIL, 2001, p. 50):
●● professores especializados em educação especial;
●● organização de classes por necessidades educacionais especiais
apresentadas, sem agrupar alunos com diferentes tipos de de-
ficiências;
●● equipamentos e materiais específicos;
●● adaptações de acesso ao currículo e adaptações nos elementos
curriculares;
●● atividades da vida autônoma e social no turno inverso, quan-
do necessário.
Salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se
realiza o atendimento educacional especializado para alunos com ne-
cessidades educacionais especiais, por meio do desenvolvimento de
estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico 33
que favoreça a construção de conhecimentos pelos alunos, subsidian-
do-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida escolar
(­BRASIL, 2006).
No tocante ao atendimento educacional especializado, poderá ocor-
rer excepcionalmente fora do espaço escolar, com a devida garantia de
certificação de frequência, em dois ambientes distintos (BRASIL, 2001):
●● Classes hospitalares – destinado à educação de alunos im-
possibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento
de saúde que implique em internação hospitalar ou atendi-
mento ambulatorial.
●● Atendimento domiciliar – viabilizar atendimento educacional
especializado a alunos que, em decorrência de tratamento de
saúde, necessitem de permanência prolongada em domicílio.

3 O termo deficiência mental deixa de ser utilizado por entender que a área responsável
pela aprendizagem é o intelecto, sendo que as demais áreas podem estar preservadas, per‑
mitindo ao sujeito desenvolver outras habilidades no tocante a atividades laborais, convívio
social, autonomia e independência.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Diante do exposto, tem-se o desdobramento prático e o atendi-


mento educacional especializado no Brasil, por meio de alguns indi-
cadores do quadro de referência e dos apoios previstos na legislação
educacional brasileira. Esses, por sua vez, podem ser representados pela
metáfora da cascata, proposta pelo Relatório Copex, de 1976:
_________________________________________________
Nível 1
Aula regular com professor regular, primeiro responsável
pela prevenção, identificação, avaliação e correção
de dificuldades menores do aluno.
-------------------------------------------------------------------------
Nível 2
Aula regular com serviços de assistência
ao professor regular.
------------------------------------------------------------------
Nível 3
Aula regular com serviços de assistência
34 ao ­professor regular e à criança.
--------------------------------------------------------------
Nível 4
Aula regular com participação da
criança em sala de aula de apoio.
--------------------------------------------------------
Nível 5
Aula especial na escola regular com
participação nas atividades
gerais da escola.
--------------------------------------------------
Nível 6
Escola especial.
----------------------------------------------
Nível 7
Ensino a domicílio.
------------------------------------------
Nível 8
Ensino em instituição/hospital.
_________________________

FAEL
Capítulo 2

A leitura desses indicadores correspondem a cinco variantes que


priorizam o atendimento a crianças especiais em escolas regulares, ca-
bendo certa restrição nos últimos três segmentos: escola especial, ensi-
no domiciliar e classe hospitalar.

Vamos entender e aprender um pouco mais sobre educação inclusiva?


Acessando o portal do MEC no endereço eletrônico <http://portal.mec.gov.
br/>, na seção da Secretaria de Educação Especial, você irá encontrar vários
links relacionados a esse assunto.
Outra indicação interessante é o artigo “Interdisciplinaridade e trans-
tornos globais do desenvolvimento: uma perspectiva de análise”, de
Maria Eloisa Famá D´Antino, da Universidade Presbiteriana. Para aces-
sar o artigo é só entrar no site: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/
Graduacao/CCBS/Pos-Graduacao/Docs/Cadernos/Caderno_vol_8/7_
INTERDISCIPLINARIDADE_E_TRANSTORNOS_GLOBAIS_DO_DE-
SENVOLVIMENTO_UMA_PERSPECTIVA_DE_ANALISE.pdf>.. 35

Adaptação curricular na perspectiva das


necessidades educacionais especiais
O Ministério da Educação postula que o processo de construção
da educação inclusiva se constitui numa tarefa de sensibilização para a
mudança de paradigma, envolvendo ações junto à população, à admi-
nistração pública nas diferentes instâncias do poder, assim como todos
os profissionais envolvidos em todas as esferas de atuação, estenden-
do‑se às famílias e à escola.
Nesse sentido, a recomendação inclusiva está diretamente ligada a
novos conceitos, a novas terminologias e também a novas responsabili-
dades educacionais. Diante disso, entende-se por adaptações curricula-
res estratégias educacionais que contemplem a diversidade.
Sob esta ótica, a escola é o espaço que sofre o impacto das inter‑re-
lações pessoais e grupais no que tange às questões étnicas/raciais, de
orientação sexual, de gênero, de classe, religiosas, entre outros. S­ endo

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

assim, é necessário iniciar o combate às diferenças antropológicas e


culturais. É nesse contexto que se deve buscar a aproximação máxima
entre as pessoas, independentemente de suas características biopsicos-
sociais apresentadas.

Reflita
Reflita
Os desafios apresentados pelas diferenças humanas é o grande
questionamento que se interpõe à educação contemporânea. Partindo
­desse pressuposto, como podemos vencer esses desafios?
Reflita
Reflita
Considerando a proposta curricular dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, que traz na sua estrutura a preocupação com a “educação de
massa”, sem perder de vista as preocupações com as particularidades da
36 aprendizagem, que diferem de uma para outra criança.
O Ministério da Educação, ao adotar a concepção de “adaptações
curriculares”, não se preocupou em elaborar uma proposta localizada
a partir da engenharia de currículo. No entanto, para compreender as
estruturas de tais propostas, nos obrigamos a buscar explicações na lite-
ratura internacional que alavanca a proposta de adaptações curriculares
no cenário brasileiro, destacando-se, entre outros, os estudos realizados
por Giné e Ruiz (COLL, 1995, p. 298-301), Torres Gonzáles (2002,
p. 127-188) e Manjoan, Gil e Garrido (BAUTISTA, 1997, p. 13).
Ao incorporar o ideário da educação inclusiva, o Ministério de Edu-
cação, no que tange às necessidades educativas especiais, ressignificou os
termos empregados por Blanco (1999), adotando no contexto da educa-
ção brasileira os termos adaptações de pequeno e grande porte, manten-
do em algumas publicações oficiais os termos sugeridos por essa autora.
O documento original dos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais – adaptações curriculares (1999) esclarece que essas são
chamadas de adaptações curriculares significativas, mantendo-
se a denominação utilizada na Espanha. Considerando que
o vocábulo “significativo” em espanhol tem um significado
diferente do que tem em português (vide Aurélio), optou-se

FAEL
Capítulo 2

por adotar “de grande porte” por melhor descrever o que se


pretende. Ainda nesse documento, está contemplado que as
adaptações curriculares não significativas com vistas da deno-
minação utilizada na Espanha. Considerando que “não signi-
ficativo”, em português, tem um significado diferente do que
tem no espanhol, referindo-se a algo que “não significa”, que
“não expressa (o significado) com clareza”, optou-se pela utili-
zação do termo adaptações curriculares de pequeno porte, por
considerar que descreve melhor a natureza do fenômeno em
questão (BRASIL, 2000, p. 9).

Assim, as adaptações de pequeno porte são categorizadas em or-


ganizativas de agrupamentos – didática e do espaço.
No que se refere aos objetivos e conteúdos, esses devem priorizar
o conteúdo propriamente dito, sem perder de vista os objetivos ou até
mesmo a eliminação de conteúdos secundários. Já as questões avaliati-
vas envolvem adaptação e modificação de técnicas e instrumentos.
Em se tratando dos procedimentos didáticos e das atividades, devem
prever a modificação de procedimentos, assim como a introdução de ati-
vidades e materiais pedagógicos complementares que venham subsidiar
37
os diversos níveis de aprendizagem. Quanto à temporalidade, determina
os objetivos e os conteúdos previstos frente às diferenças apresentadas.
Por outro lado, as adaptações de grande porte dizem respeito ao
currículo, o qual deve contemplar as necessidades específicas dos alunos
como forma de evitar exclusão educacional.
Para tanto, fazem parte dessas características os elementos curricu-
lares e as modalidades adaptativas com vistas à eliminação e/ou intro-
dução de objetivos, conteúdos, métodos e recursos específicos, assim
como a eliminação e/ou introdução de adaptações e modificações de
critérios de avaliação, promoção e prolongamento do tempo de perma-
nência na mesma série.
Segundo Gomes (2005), a elaboração das adaptações curriculares
de grande porte está diretamente ligada àqueles professores que es-
tão comprometidos com as ideias de educação para todos, com os que
trabalham com as necessidades educacionais especiais e com os que
defendem a inclusão.
Nesse âmbito, concebe-se que as adaptações curriculares de grande
porte consistem num processo a ser desenvolvido no contexto escolar,

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

visando remover as barreiras de aprendizagem apresentadas pelos alu-


nos com necessidades educacionais especiais.
Sendo assim, Carvalho (1999, p. 11) elucida que:
para remover as barreiras, há que examinar todas as variá-
veis do processo educativo escolar, envolvendo as pessoas, o
ambiente físico os recursos financeiros e materiais, os graus
de participação da família e da comunidade e o projeto cur-
ricular adotado.

Remover barreiras à aprendizagem é considerar todos os alunos como se-


res em processo de crescimento e de desenvolvimento, que experimentarão
a aprendizagem escolar como desagradável, como uma verdadeira barrei-
ra se estiverem desmotivados, se não encontrarem sentido e significado
para o que lhes ensinam na escola. Mas será extremamente agradável se a
prática pedagógica estiver centrada no sucesso da aprendizagem de todos
(­CARVALHO, 2004, p. 61).
38

Acertadamente, Sánchez e Romeu (1996, p. 69) afirmam que:


O professor requer uma série de estratégias organizativas e
metodológicas em sala de aula. Estratégias capazes de guiar
sua intervenção desde os processos reflexivos, que facilitem a
construção de uma escola onde se favoreça a aprendizagem
dos alunos como uma reinterpretação do conhecimento e não
como uma mera transmissão da cultura.

Nessa perspectiva, entende-se que a aprendizagem de qualquer


aluno implica, para o professor, saber o que é o processo de aprendi-
zagem e do como ele se dá. Igualmente é importante conhecer sobre o
processo de desenvolvimento humano em suas diversas facetas, exami-
nando suas relações com a aprendizagem.
Gomes ainda destaca a importância da leitura crítica dos Parâme‑
tros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999), sem desconsiderar sua con-
tribuição. No entanto, pode-se perceber que no texto completo apenas
tangencia o que há de específico – de especial – nas necessidades educa-
cionais de alguns desses alunos, o que dessa forma, além de reproduzir
a nossa dificuldade cultural de confronto com as múltiplas deficiências,

FAEL
Capítulo 2

restringe a possibilidade de produção. Nesse sentido, concebe-se que


as práticas educativas e de conhecimentos são especialmente frutíferas
para a superação das dificuldades apresentadas.
Diante dessa realidade social, as adaptações se organizam na inte-
ração da dicotomia entre o individual e o social, entre as necessidades
do educando e as respostas que devem ser frente a elas organizadas. Ou
seja, nesse cenário, as necessidades são apenas dos alunos e as respostas
são da escola, e não de que as necessidades de resposta/pergunta se for-
jam, nas quais o confronto entre limites e condições de ação, entre os
poderes e saberes, entre os diferentes papéis vividos por cada indivíduo,
nada tem de harmonioso.
A luz da leitura não critica os Parâmetros Curriculares Nacionais,
pode-se conduzir à equivocada hipótese de que, na escola, o que pla-
nejamos acontece como planejamos; que as orientações sugeridas as-
seguram a implementação do projeto político-pedagógico. Assevera-se
que embora os PCN façam alusão ao caráter subjetivo das práticas
educativas, o protagonismo atribuído às “adaptações curriculares” en-
fatiza que as estratégias tornam-se mais importantes que os princípios 39
que as justificam.
Diante da pluralidade apresentada a cada dia no contexto escolar,
deve-se refletir sobre o que, por que, para quem, quando e como ensi-
nar, pode-se ainda superar a dimensão instrumental do currículo e ele
passa a ser mais que um instrumento de apoio no processo educativo.
Portanto, o currículo, mais que ponte entre a teoria e a prática, é síntese
desses aspectos, síntese que se efetiva nas formas como se organizam as
relações/práticas educativas na escola.
Diante de tal experiência, acreditamos que nesse processo de en-
sinar e aprender fazemos viva a proposta curricular que construímos e/
ou assumimos como nossa. Essas relações de ensino e aprendizagem
nos transformam e se transformam, assim as formas de sua organização
não estão estagnadas. O currículo, por sua vez, se desenvolve, se trans-
forma, enfim, existe nessas práticas. Nesses termos, a flexibilidade lhe é
intrínseca. O currículo não apenas indica o que, como, e quando ensi-
nar e avaliar, mas nos ressignifica em nossas ações, na medida em que
(re)produz a cultura escolar que, em sua essência, nos constitui como
sujeitos, com saberes, papéis e funções específicas.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Conforme já previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, as


adaptações curriculares realizam-se em três níveis (BRASIL, 1999):
1. No âmbito do projeto político-pedagógico – organização esco-
lar e serviços de apoio possibilitam:
●● flexibilização de critérios e procedimentos pedagógicos, le-
vando em conta a diversidade dos alunos;
●● diversificação de técnicas, procedimentos e estratégias de
ensino;
●● avaliação de contextos que interferem no processo pedagógico;
●● identificação e avaliação de alunos com possíveis necessidades
educacionais especiais;
●● elaboração de documentos informativos elucidativos para a
comunidade;
●● definição de objetivos gerais, levando em conta a diversidade
dos alunos;
40
●● priorização, sequenciação e eliminação de objetivos para aten-
der às diferenças individuais.
2. No âmbito da sala de aula – destinam-se à programação da classe.
Visam à real participação do aluno e sua aprendizagem.
3. No âmbito individual – focalizam a atuação do professor na
avaliação e no atendimento do aluno. Consideram seu nível de
competência curricular e os fatores que interferem no processo de
ensino-aprendizagem.
Alguns aspectos devem ser previamente considerados para se iden-
tificar a necessidade de utilização das adaptações curriculares, em qual-
quer nível:
a) a real necessidade;
b) a avaliação do nível de competência curricular do aluno, tendo
como referência o currículo regular;
c) seu caráter processual, permitindo alterações constantes e graduais
nas tomadas de decisão.

FAEL
Capítulo 2

Sendo assim, as adaptações curriculares incidem sobre diferentes


elementos curriculares. Já em relação ao acesso à aprendizagem, consi-
dera-se a relevância dos seguintes aspectos:
●● condições físicas, ambientais e materiais para o aluno;
●● melhores níveis de comunicação e interação com as pessoas na
comunidade escolar;
●● condições de participação do aluno nas atividades escolares;
●● mobiliário específico necessário;
●● equipamentos e recursos materiais específicos necessários;
●● materiais de uso comum em sala de aula;
●● sistemas de comunicação alternativos para os alunos impedi-
dos de comunicação oral e escrita.
Quanto ao processo avaliativo, é fruto da aplicação de adaptações
curriculares, diante disso, considera-se:
●● atitudes e expectativas em relação ao aluno em diferentes
41
­contextos:
●● sistemas de apoio ao aluno e à família;
●● engajamento e participação social do aluno;
●● condições socioeconômicas;
●● dinâmica familiar.
No tocante aos aspectos que dizem respeito à avaliação e progressão
escolar do aluno na série, etapa, ciclo ou outros níveis, cabe inferir que:
●● possibilidades de o aluno ter acesso às situações escolares e
com menor necessidade de apoio especial;
●● valorização de sua permanência com os colegas e grupos que
favoreçam o seu desenvolvimento, comunicação, autonomia
e aprendizagem;
●● competência curricular, no que se refere à possibilidade de atin-
gir aos critérios de avaliação previstos no currículo adaptado;
●● efeito emocional da promoção ou da retenção para o aluno e
sua família.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


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A reflexão mencionada exige que as mudanças se efetivem pri-


meiramente em uma tomada de consciência dos educadores, os quais
precisam conceber a capacidade de aprender dos alunos para, então,
transformarem as ações pedagógicas.
Com isso, espera-se que cada educador encontre uma maneira de tri-
lhar sua caminhada, com vistas de transformar a sua prática metodológica.
Nas palavras de González (2002, p. 162)
[...] as adaptações curriculares relacionam-se com afirmações
conceituais que fundamentam a necessidade de um currículo
comum, geral, como resposta curricular à diversidade e respei-
to às diferenças individuais. Essas adaptações podem ser con-
sideradas como resposta adequada ao conceito de necessidades
educativas especiais e ao reconhecimento, numa sociedade
democrática, dos princípios de igualdade e diversidade.

Considera-se, ainda, que ações que atendam às necessidades espe-


cíficas das pessoas com características diversificadas envolvem o ensino
individualizado e os recursos necessários de âmbito material, metodoló-
42 gico, humano, os quais vão sendo postos a funcionar frente às necessi-
dades educativas do grupo ou individuais. Na prática, no cotidiano das
escolas, em respeito à política educacional, esses recursos e necessidades
podem ser transitórios e afetar somente as vias de acesso ao currículo –
adaptações metodológicas, adaptações dos conteúdos; em outros casos,
podem ser mais acentuados e permanentes, e será necessário intervir
nos objetivos.
Para tanto, convém mencionar que, nesse âmbito curricular, o cur-
rículo é comum a todos os alunos. Por sua vez, esse suscita que a inter-
venção educativa deixa de estar centrada nas diferenças para se radicar
na capacidade de aprendizagem do aluno a partir de suas características
individuais, assim como na capacidade das instituições escolares para
responder às necessidades dos alunos.
De acordo com López (1990), a elaboração de adaptações curricu-
lares será feita em função:
●● das necessidades dos alunos;
●● das circunstâncias e possibilidades da escola;
●● dos meios e recursos disponíveis.

FAEL
Capítulo 2

Na busca de uma linha de raciocínio a respeito da adaptação


curricular, essa dever ser concebida como um processo de tomada de
decisões sobre os elementos do currículo, estabelecendo-se, com base
nisso, diversos tipos de adaptação em função de diferentes critérios. Tal
adaptação está sempre centrada e relacionada com as dificuldades de
aprendizagem, qualquer que seja sua origem.
A partir disso, as dificuldades tornam-se distintas em sua forma e
intensidade, as adaptações também o serão, como diz Salvador (1997,
p. 56), “adaptação, portanto, se situa em um continuum”.
A conjectura da adaptação curricular é promover oportunidades
de aprendizagem a todos indistintamente, respeitando as especificida-
des. Essa intenção deve estar explícita no projeto pedagógico da escola,
de modo que o currículo proposto seja dinâmico e flexível, permitindo
ajustes do fazer pedagógico às peculiaridades de cada aluno.
Dessa maneira, há necessidade de estabelecer critérios na elabora-
ção das adaptações curriculares individualizadas.
Nessa visão, a construção processual das adaptações curriculares 43
individualizadas é norteada por fases assim distribuídas (GONZÁLEZ,
2002, p. 169‑171):

Fase 1
Diagnóstico de alunos que apresentam dificuldades: avaliação ini-
cial, histórico escolar, relatórios de orientação, informação da família,
avaliações das equipes multiprofissionais, entre outros.

Fase 2
O professor observa e avalia os fatores que dificultam os processos
de aprendizagem: tal avaliação deve levar à realização de adaptações não
específicas, com pouco grau de significância, por intermédio dos recur-
sos habituais que os professores costumam empregar – mudanças em
alguns conteúdos, diversificação de materiais, atividades alternativas,
mudanças na localização, entre outras.
É relevante acrescentar que em ambas as fases não se produzem
fatos que conduzam à rotulação de alunos. Se com essas medidas for so-
lucionada a problemática do aluno, este acompanharia a programação

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

da aula planejada com os ajustes realizados e, portanto, não estaríamos


diante de um aluno com necessidades educacionais especiais. Essa fase
implica igualmente o estabelecimento de colaboração em que devem
se integrar o professor de apoio à integração e os outros professores da
série frequentada pelo aluno.

Fase 3
Se as medidas adotadas não forem suficientes para o aluno poder
acompanhar a programação comum, deve-se recorrer à incorporação
da equipe técnico-pedagógica ao processo de colaboração iniciado na
segunda fase. É o momento de operacionalizar o processo de decisão
que abarcaria uma série de atividades relacionadas com as funções e
competências de cada um dos membros, internos e externos, da comu-
nidade que intervém no processo. Nessa fase considera-se necessária
uma nova incorporação: o núcleo familiar.
As atividades do processo de avaliação, que a maioria dos autores
denomina psicopedagógicas, girariam em torno das seguintes questões
44 (EVANS, 1989):
●● O que o aluno não sabe fazer e o que esperamos que seja capaz
de fazer?
●● Quais os aspectos de seu desenvolvimento biológico, intelec-
tual, motor, afetivo, de relacionamento e de comunicação po-
dem influir sobre o processo de aprendizagem?
●● Qual é o ponto de partida? O que é que o aluno sabe? Implica
determinar o nível de competência curricular do aluno nas
áreas em que apresenta maiores dificuldades?
●● Qual é o seu estilo de aprendizagem e a sua motivação para
aprender?
●● Quais as estratégias de ensino mais adequadas às característi-
cas do aluno?
●● Análise do contexto socioeducativo e familiar. Sessões de re-
flexão e questionamento dos dados fornecidos.
Com os dados obtidos, pode-se determinar o tipo de necessidade
educacional do aluno, o que, sem dúvida, constitui um avanço qualita-

FAEL
Capítulo 2

tivo importante no processo de tomada de decisões. Deve-se, portanto,


decidir sobre a pertinência da adaptação curricular, quais elementos
devem ser modificados e se afetam a todos ou alguns em cada etapa/
série/aula.

Fase 4
Projeto da adaptação curricular: tem como marco referencial a
proposta curricular da série em que se encontra o aluno. É necessário
chegar a um consenso, por meio de um modelo de trabalho interdisci-
plinar, sobre:
●● a formulação dos objetivos de área;
●● a sequência e priorização de conteúdos;
●● a graduação e tipos de atividades;
●● a metodologia a empregar;
●● horários e distribuição de tempos;
45
●● critérios de avaliação e promoção.

Fase 5
Desenvolvimento curricular: delimitação de responsabilidades no
desenvolvimento do processo que afetará os três níveis de intervenção,
já resumidos e o papel desempenhado pela família. Será estabelecido,
de forma clara e precisa, o processo de intervenção que se relacionará
aos seguintes aspectos:
●● Modalidade de apoio: na aula comum ou fora dela?
●● Quais aspectos o aluno trabalhará na orientação?
●● Como vinculamos o seu trabalho à aula de apoio?
●● Mecanismos de relação.
●● Modificações na programação da aula para ajustar a intervenção.
●● Confecção de materiais curriculares adequados.
●● Assessoramento externo sistemático.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


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Fase 6
Avaliação da adaptação curricular individualizada e resultados: es-
calas de registro e observação, nas quais deverão ser destacados aspec-
tos referentes à evolução do aluno, às modificações sobre as decisões
curriculares adotadas, mudanças nas modalidades de apoio, linhas de
colaboração familiar e decisões sobre a promoção do aluno.
Os diferentes acordos feitos em cada uma das fases constituirão o
documento de adaptação curricular, que pode apresentar diferentes for-
matos, tanto em termos de Ministério de Educação e Cultura como nos
diferentes segmentos que fazem parte dos estados. Acredita-se que o
documento já elaborado pode retirar autonomia e realismo do trabalho
docente. Por isso, considera-se que esse venha a contribuir com uma
reflexão compartilhada entre os membros da comunidade educativa em
relação às diferentes fases descritas.
Segundo Pérez (2003, p. 76), “as adaptações curriculares são re-
ferenciais de um processo na tomada de decisões, compartida para
46 ajustar, modificar e complementar o currículo comum as necessidades
educativas dos alunos com objetivo de conseguir seu máximo desenvol-
vimento pessoal e social”.
Para que o lócus das adaptações curriculares se estabeleça como
inovador, é preciso conhecer, também, os tipos de adaptações curricu-
lares propostas por Pérez (2003). Existem vários pontos a serem tocados
sobre as adaptações curriculares, a saber, os principais:
1. Adaptações de acesso ao currículo – são modificações que se rea­
lizam para adequar os espaços e a provisão de recursos técnicos,
materiais, de comunicação, para facilitar aos alunos que têm di-
ficuldades (físicas e de comunicação) consentir as experiências de
ensino e aprendizagem. As adaptações de acesso podem ser de:
a) espaços – suprimento das barreiras arquitetônicas, adaptação
de aulas (sonorização e luminosidade) para favorecer a mobi-
lidade e autonomia;
b) materiais – adaptação ou provisão de mobiliário, equipa-
mentos específicos ou ajudas técnicas para favorecer o deslo-
camento, reeducação visual e auditiva;

FAEL
Capítulo 2

c) comunicação – aprendizagem de um sistema de comuni­


cação complementar – linguagem oral (linguagem de signos),
para favorecer a comunicação dos alunos.
2. Adaptações curriculares – são modificações que se realizam nos
objetivos, conteúdos, metodologia, critérios e nos procedimentos
de avaliação para atender as diferenças individuais. As adaptações
curriculares podem ser:
a) adaptações curriculares não significativas – modificações
que se realizam nos distintos elementos de uma programação,
para responder às diferenças individuais sem afetar o ensino
básico do currículo. É uma medida de atenção à diversidade
que o professor realiza para que seus alunos possam conseguir
as capacidades expressadas no currículo. Em geral, essas mo-
dificações podem ser de dois tipos: modificar o tempo previs-
to para conseguir os objetivos e priorizar algum elemento;
b) adaptações curriculares significativas – modificações que se
realizam e que implicam na eliminação de alguns ensinos bá-
47
sicos do currículo: objetivos básicos nas diferentes áreas, con-
teúdos essenciais, modificação de critérios e procedimentos de
avaliação, para atender às diferenças individuais dos alunos.
Como um todo, as adaptações curriculares devem ser realizadas
sempre que as necessidades educativas dos alunos não puderem ser
atendidas com os recursos comuns que o mesmo dispõe para resolver
as dificuldades.
Nessa perspectiva, Pérez (2003, p. 77) afirma que
em função das necessidades que apresentam nossos alunos, se
realizarão as ações educativas necessárias, que podem ir desde
o mínimo ajuste das estratégias educativas (dar-se mais tem-
po, explicar de outra forma, ajudar na execução, etc.) até as
adaptações mais significativas que podem afetar os objetivos
e conteúdos.

O professor e o processo de inclusão


Um dos marcos teóricos da nova concepção da aprendizagem está
diretamente calcado na adequação do processo inclusivo escolar, na qual
a diversidade dos alunos está inserida. Nesse sentido, busca-se resgatar

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

o professor, no que tange ao seu papel na educação e a sua formação


diante do processo de inclusão.
Nessa linha de pensamento, entende-se que o professor é o parceiro
maior do aluno. Esse, por sua vez, além dos conhecimentos básicos para
o desempenho de sua função docente, deve deter os conhecimentos
específicos que possibilitarão observar as especificidades e necessidades
que o aluno apresenta. Visando, então, possibilitar o desenvolvimento
da criança para que possa vivenciar o sucesso de suas aprendizagens.
Frente a essa concepção, entende-se que o professor mediador da
aprendizagem é o protagonista do desenvolvimento curricular, com
responsabilidade que vai além de simples executor, assumindo o pa-
pel prático, bem como de tomada de consciência sobre o seu fazer.
Dessa forma, o professor, ao mediar o processo de aprendizagem inte-
rativamente com seu aluno, dá vida, forma, significado e importância
ao conhecimento apresentado. Logo, a tomada de consciência sobre
a ação é um componente essencial no fazer pedagógico do professor
mediador. Por outro lado, quando a sua prática se torna repetitiva e o
48 conhecimento cada vez mais mecânico, o profissional corre o risco de
reproduzir as ações, perdendo valiosas oportunidades de aprendizagem
pela reflexão na e sobre a ação (GÓMEZ, 1992).
Nessa mesma linha, Mantoan (apud GAIO; MENEGHETTI,
2009) infere que o ato de ensinar é, de fato, uma tarefa complexa que
exige dos professores conhecimentos novos que, muitas vezes, contradi-
zem o que lhes foi ensinado e o que utilizam em sala de aula.

Já no contexto escolar, o verbo “ensinar” deve estar diretamente


ligado à ação principal do professor, distanciando-se do papel de mero
transmissor de conhecimentos, o qual fornece receitas prontas.

Contrariando essas últimas linhas por meio de uma reflexão, con-


cebe-se que o eixo vertebrador do processo educativo é o ensino, pauta-
do no papel do professor que vai além da transmissão de informações.
Nesse sentido, o conhecimento é apresentado, preferencialmente, de
maneira contextualizada, a fim de solucionar quaisquer problemas.

FAEL
Capítulo 2

Sugestão de Leitura
O livro Aprendendo a incluir e incluindo para aprender fundamenta indaga-
ções sobre a capacitação dos profissionais da educação para aprenderem
o que e como fazer a inclusão na escola, preferencialmente nas salas de
aula do ensino comum, bem como das preocupações dos educadores que se
sentem despreparados, mas muito estimulados a aprenderem a lidar com
esses alunos, ao longo do processo educacional escolar.
PAROLIN, I. C. H. Aprendendo a incluir e incluindo para aprender. São
José dos Campos: Pulso Editorial, 2006.
Sugestão de Leitura
Permite-se ilustrar, ainda, a partir desse pequeno parágrafo, que o
professor é a chave do processo pedagógico e o modelo a ser espelhado
em diversas situações pelos alunos. Sob essa ótica, o processo de inclusão
necessita de professores especializados e comprometidos com todos os alu-
49
nos. Para tanto, esses devem estar voltados à práxis, no sentido de ressigni-
ficar as suas práticas e buscar metodologias inovadoras para o ensino.
O aluno, por sua vez, é o sujeito do processo ensino-aprendiza-
gem. Nesse âmbito, a qualidade de ensino vai depender do processo
interativo aluno-professor. Com isso, o educando aprende a refletir e
a discernir sobre as questões/conhecimentos e a ter competência para
lidar com as situações de aprendizagem.
Frente às diferenças das capacidades acadêmicas observadas em
sala de aula, Carvalho (apud GOMES, 2005, p. 53) comenta que é
[...] necessário que todos os professores assumam que as diferenças
individuais no processo de aprendizagem são inerentes à condi-
ção humana, explicam porque alguns alunos são mais dedicados
e esforçados; outros dão preferência a determinados conteúdos;
há aqueles que são mais lentos, enquanto que outros realizam
a transferência de aprendizagem com enorme facilidade. Alguns
exigem muitos estímulos para se manterem atentos e interessados
enquanto há os que aprendem com, sem ou apesar do professor.

Atualmente, apesar de estarem à disposição dos alunos estímulos e


recursos tecnológicos, os quais facilitam e enriquecem a aprendizagem,

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esses não podem substituir o conhecimento mediado interativamente


pelo professor. O professor, nessa perspectiva, elabora seu plano do-
cente, lançando mão de decisões quando necessárias, em relevância às
especificidades em torno de cada aluno.
Sob esse enfoque, o teórico Morin (2000, p. 16) afirmou que “o
educador autêntico é humilde e confiante. Mostra o que sabe e, ao
mesmo tempo, está atento ao que não sabe, ao novo. Mostra para o
aluno a complexidade do aprender, a nossa ignorância, as nossas difi-
culdades”. Ao mesmo tempo em que ensina, aprende a relativizar e a
valorizar a ­diferença, aceitando todo o aprendizado como provisório.
Morin (2000, p. 16) diz que “Aprender é passar da incerteza a uma
certeza provisória que dá lugar a novas descobertas e a novas sínteses”.
Do mesmo modo, Delors (1996, p. 139-140) explicita que se os pro-
fessores necessitam aprender o que ensinar e como ensinar, alguns apon-
tamentos deverão ser considerados. A profissão docente impõe que o pro-
fessor nunca deixe de estudar, de aprender, já que a prática educativa exige
ressignificação de saberes e adaptação a novas situações; por conseguinte,
50 não basta somente a formação inicial, deve haver equilíbrio qualitativo
entre a competência de ser e estar na profissão. Assim, os elementos nor-
teadores da prática docente devem ampliar as qualidades de ordem ética,
intelectual e afetiva para que se tenha conteúdo próprio a transmitir.

Sobre o campo de atuação, é importante que o professor desenvolva uma


reflexão crítica do seu fazer pedagógico, que transcenda o utilitário, que
ele incuta em si a vontade de investigação de pesquisas científicas e de uso
de tecnologias, participando dos pressupostos relacionados com a educa-
ção, não somente no âmbito escolar, mas no momento de decisões amplas
de diretrizes maiores.

À guisa dessas possibilidades, ao professor será dada a oportuni-


dade de desenvolvimento do potencial próprio e de seus alunos, con-
siderando-se que o saber e o saber fazer estão intimamente ligados
ao saber ser e, s­ egundo Morin (2000, p. 16), “são poucos os modelos
vivos de aprendizagem integradora, que junta teoria e prática, que
aproxima o pensar do viver”.

FAEL
Capítulo 2

Diante disso, o professor aprende a reproduzir, com maior ou menor


fidedignidade, os ensinamentos que lhe são transmitidos em cursos de gra-
duação, pós-graduação, capacitação e aprimoramento, os quais proporcio-
nam melhoria da qualidade profissional. Entretanto, essa capacitação, na
maioria das vezes, apenas atinge conteúdos relacionados à área cognitiva.
Para se pensar no envolvimento do professor, não basta que esse domine
o conteúdo a ser ministrado, que conheça e aplique de forma adequada
as técnicas de ensino, que saiba sobre as diferenças humanas presentes no
espaço escolar. É mister entender sobre a interação humana, abrangendo
os aspectos de emoção e o vínculo afetivo no momento de ensinar.

O atual contexto educacional inclusivo exige um novo profissional atuan-


te na educação, que demonstre dinamizar a aprendizagem tanto
no âmbito da razão como da afetividade do ser humano.

Aprofundando as reflexões em torno das relações dos seres huma- 51


nos, Davis e Oliveira (1993, p. 84) comentam que os fatores afetivos e
cognitivos do professor e alunos exercem influência decisiva na intera-
ção que se estabelece na escola:
Na interação, cada parceiro busca o atendimento de alguns
dos seus desejos: de proteção, de subordinação, de realização,
etc. Através dela, tanto os alunos quanto o professor vão cons-
truindo imagens de seu interlocutor, atribuindo-lhe determi-
nadas características, intenções e significados. Cria-se, assim,
uma rede de expectativas recíprocas entre professor e alunos,
que pode ser ou não harmoniosa.

Reflita
Reflita
A formação docente atual corresponde às expectativas inclusivistas?
Pode-se pensar em algumas alternativas para essa pergunta. Na pri-
meira, o professor que não possui experiência educacional pode se
deixar dominar pelas instituições e pelos programas a serem seguidos,
tolhendo ou limitando a sua prática. Algumas vezes, por não ter sido

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capacitado durante a formação, não consegue adaptar o ensino às con-


dições dos seus alunos, deixando de respeitar as necessidades que sur-
gem no seu campo de atividade, e ainda, em outras, ele não acredita na
sua capacidade de educador.
Reflita
Reflita
Corsi (2001, p. 106) acredita que “é importante respeitar a criança
com histórico de deficiência e conhecer suas especificidades para com-
preender suas necessidades. A deficiência é uma das características que
compõem o indivíduo”.
Continuando nesse mesmo enfoque, Sá (2000, p. 2) entende que:
a crença de que os educadores necessitam de conhecimentos
e habilidades específicos sobre cada tipo de deficiência predo-
mina sobre a possibilidade de ampliar e construir competên-
cias acerca de diferentes estilos de aprendizagem e perceber a
escola como espaço de formação e de construção do conheci-
mento a partir do aluno real e não imaginário.
52
Dentro dessa perspectiva, em que o desenvolvimento objetiva a
realização humana em todas as suas dimensões, entende-se que a educa-
ção formal tem seu papel importante de englobar os requisitos básicos
ao acesso a outros níveis de formação/aquisição, respeitando sempre a
natureza e o ritmo de cada pessoa.
Assim, o processo de desenvolvimento deve provocar o despertar
do potencial do ser humano para que ele possa ser ator e autor da sua
própria existência.
Enfim, atualmente defendemos o ideário de uma política educa-
cional de cunho democrático, referendado pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2002, p. 17), o qual diz que os professores das clas-
ses regulares “precisam ser efetivamente capacitados para transformar
sua prática educativa. A formação e a capacitação docente impõem-se
como meta principal a ser alcançada na concretização do sistema edu-
cacional que inclua a todos, verdadeiramente”.
Conforme Nóvoa (1992, p. 25), a formação deve fornecer:
aos professores os meios de um pensamento autônomo
e que facilita as dinâmicas de autoformação participada.

FAEL
Capítulo 2

Estar em formação implica um investimento pessoal,


um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os pro-
jetos próprios, com vistas à construção de uma identida-
de, que é também uma identidade profissional.
Para tanto, o processo de inclusão necessita de professores espe-
cializados em todos os alunos. Nessa perspectiva, eles terão que voltar
a estudar, pesquisar e refletir sobre suas práticas, com vistas a buscar
metodologias inovadoras de ensino.

Da teoria para a prática


Roberto apresenta deficiência intelectual e uma leve deformidade
no crânio, provavelmente originada durante o parto. Ele tem 13 anos e
cursa o quarto ano em uma escola pública. Roberto vive numa institui-
ção para crianças/adolescentes órfãos.
Ele se encontra em estágio inicial do desenvolvimento da lingua- 53
gem escrita. Nas atividades de leitura e escrita, apresenta comporta-
mento que ora oscila entre um interesse maior e um interesse menor
por tais atividades. Roberto apresenta dificuldade de concentração per-
manecendo um curto espaço de tempo interessado pelas atividades.
Em sala de aula apresenta uma agitação permanente, mas manifesta
grande interesse por jogos, e apresenta uma sagacidade particular para
compreender regras de jogo e delas se beneficiar para ser o vencedor.
Do ponto de vista motor, ele apresenta dificuldade em sua marcha
e, ao andar, arrasta os pés sem flexionar os joelhos. Na motricidade fina,
apresenta dificuldades no traçado das letras e no desenho. Na escrita do
nome próprio ele faz tentativas de copiar seu nome.
Roberto apresenta linguagem oral bem articulada, e certa facilida-
de em se expressar e compreender o que lhe é solicitado. Ele se relaciona
bem com os colegas e com a professora e é bastante ligado a dois colegas
da turma, os quais ele diz que são seus irmãos.
Como futuro(a) gestor(a) administrador(a) e pedagogo(a) perten-
cente a uma escola elabore uma proposta de intervenção na área da

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Educação, faça a partir do referencial teórico trabalhado. Considere os


aspectos de natureza ética nela envolvidos.
Para realizar essa tarefa indique, na proposta, os seguintes elementos:
●● problema a ser trabalhado;
●● ações que serão realizadas.

Síntese
O desafio pedagógico que a inclusão nos apresenta é muito mais
amplo do que aquilo que se revela no contexto educacional regular.
Nessa concepção, requer consciência social e política dos gestores, pais,
profissionais da educação e comunidade, mas, especialmente, uma ati-
tude ética com os alunos.
O desenvolvimento da aprendizagem de qualquer aluno implica,
54 para o professor, saber o que é o processo ensino-aprendizagem e de
como ele se dá. Partindo desse pressuposto, faz-se necessário que esse
conheça o processo de desenvolvimento humano, em suas diversas fa-
cetas, contextualizando suas relações com a aprendizagem.
No lastro do entendimento de que a prática pedagógica esteja
centrada no respeito ao desenvolvimento biopsicossocial e cultural da
criança, o sucesso da aprendizagem dela vai depender da intencionali-
dade e da ação do professor.
Portanto, o contexto educacional deverá ressignificar as suas ações,
com vistas à tomada de consciência à luz de uma postura pedagógica re-
almente preocupada com o desenvolvimento cognitivo de seus alunos,
bem como a formação inicial e continuada dos professores autores do
processo de ensino-aprendizagem.

FAEL
Deficiência
mental/intelectual
e as características
biopsicológicas
3
N este capítulo, temos a intenção de destacar conceitos impor-
tantes acerca da deficiência mental/intelectual por meio de renoma-
dos pesquisadores da área da educação especial, os quais, acrescidos
aos conceitos contemporâneos, permitiram-se vislumbrar a evolução
conceitual à luz das variáveis neles contidas e que permaneceram inal-
teradas ao longo do tempo.

Conhecendo o aluno com deficiência mental/ 55


intelectual e suas características biopsicológicas

Panorama das concepções teóricas a respeito da deficiência


mental/intelectual
Levando em conta todos os fundamentos teóricos pesquisados, os
quais apontam significativas evoluções frente ao conceito de deficiência
mental. Tais avanços compreendem aos aspectos científicos, genéticos,
neurológicos, bioquímicos, psiquiátricos, psicológicos e pedagógicos
que favorecem o cenário do século XXI, ressignificando a caracteriza-
ção do retardamento mental.
Realizando uma revisão literária a respeito da deficiência mental,
a qual sempre teve a sua marca na literatura, pôde-se verificar que o
tecido dessa compreensão teve registros em livros religiosos, entre eles
o Alcorão e a Bíblia. A primeira descrição antiga encontrada na história
da deficiência mental foi na Opera Omnia, de Paracelsus.
Já no ponto de vista contemporâneo, cada vez mais está se substi-
tuindo o adjetivo do termo deficiência mental por deficiência intelectu-
al. Por ora, faz-se necessário acrescentar que já existiram outros termos
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como: débeis mentais, idiotas, imbecis, retardado mental e ­excepcional.


É importante ressaltar que na década de 80 do século XX o termo fala-
do e diagnosticado era deficiência mental.
Para Grossman (apud KIRK; GALLAGHER, 1987, p. 121), “a de-
ficiência mental refere-se ao funcionamento intelectual geral significati-
vamente abaixo da média, que coexiste com falhas no comportamento
adaptador e se manifesta durante o período de desenvolvimento”.
Concebe-se que a deficiência mental foi exposta por Doll (apud
KIRK; GALLAGHER, 1987, p. 123) como:
1. incompetência social e ocupacional com incapacidade
para dirigir negócios a nível de adulto;
2. subnormalidade mental;
3. retardo intelectual desde o nascimento ou primeira infância;
4. retardo na maturidade;
5. resultado de origem constitucional por hereditariedade ou
doença;
6. incurabilidade essencial.
56 Na perspectiva do pesquisador Krinski (1969), referido por As-
sumpção Jr. (1991, p. 16), a deficiência mental, “não corresponde a
moléstia única, mas um complexo de síndromes que tem como única
característica comum a insuficiência intelectual”.
Mesmo com a substituição do termo “deficiência mental” por “de-
ficiência intelectual”, este continua sendo um desafio para os profissio-
nais da educação e da saúde, mesmo com os avanços tecnológicos.
Nessa mesma linha de pensamento, a recomendação inclusiva aden-
tra em uma ressignificação do conceito de deficiência mental, a qual é
vista não mais pelo aspecto das limitações apresentadas pela pessoa, mas
sob os aspectos de suas potencialidades, de suas habilidades e do seu de-
sempenho, no que tange ao desenvolvimento como pessoa e cidadã.
Para além dos conceitos abordados anteriormente a respeito da de-
ficiência mental, buscou-se a contribuição de Marcucci (2003, p. 44), a
qual infere que o termo deficiência mental utilizado no Brasil, no lugar
de retardo mental – forma mais utilizada internacionalmente (mental re‑
tardation), em países de língua inglesa; “retraso mental”, em países latino-
americanos e Espanha; “retardamento mental”, em Portugal. Para essa au-
tora, essas terminologias não passam de uma mera discussão semântica.

FAEL
Capítulo 3

Já nas palavras de Fonseca (1995), o termo deficiência mental


(DM) é de origem médica, explicado em termos de sintomas, s­ índromes
e desordens mentais, mas o que existe por trás são sempre critérios so-
ciais, de ordem ética, moral, legal e psicológica, em confronto com
problemas ideológicos, econômicos e políticos, que impõem a repro-
dução e preservação de uma sociedade baseada na homogeneidade, na
eficácia e na rentabilidade que, fatalmente, tende a segregar quem não
corresponde às exigências.
Nesse sentido, o retardo mental é definido como sendo o funcio-
namento intelectual significativamente abaixo da média, observado du-
rante o período de desenvolvimento integral do organismo, e que leva
a deficiências no comportamento adaptativo, conforme a Associação
Americana de Retardo Mental (AAMR), uma organização que congre-
ga profissionais de várias áreas da ciência, entre elas, medicina, direito e
educação (HARDMAN et. al., 1990).
Sob esse enfoque, o conceito de deficiência mental está diretamen-
te ligado à medicina e também à área educacional, e proposta pela As-
sociação Americana de Retardo Mental como:
57
[...] funcionamento intelectual significativamente inferior à
média, acompanhado de limitações significativas no funcio-
namento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas
de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica,
habilidades sociais, relacionamento interpessoal, uso de recur-
sos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas,
trabalho, lazer, saúde e segurança (AMERICAN PSYCHIA-
TRIC ASSOCIATION, 1995, p. 39).
Interpretando e compreendendo o conceito de deficiência mental
sob a ótica da Associação Americana de Retardo Mental (AAMR):
●● É caracterizado por funcionamento intelectual significati-
vamente inferior à média, isto é, é definido como escore pa-
dronizado de QI de aproximadamente 70 a 75 ou abaixo dis-
so, baseado em avaliação que inclui a aplicação de um ou mais
testes de inteligência aplicados individualmente com o objeti-
vo de avaliar o funcionamento intelectual. Esses dados devem
ser revisados por uma equipe multidisciplinar e validados por
testes adicionais ou informação avaliativa. Os testes, embora
co locados sob suspeita pelos estudiosos, se constituem no úni-
co instrumento para avaliar se a criança é ou não p­ ortadora do

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deficit cognitivo. Se utilizado isoladamente poderá apresentar


equívocos, daí a necessidade de seu atrelamento às demais ca-
racterísticas evidenciadas no contexto da AAMR.
●● Acompanhado de limitações significativas ao funciona-
mento adaptativo. As limitações em habilidades adaptativas
estão mais relacionadas com a limitação intelectual do que
com alguma outra circunstância, como: diversidades linguís-
ticas e culturais ou limitações sensoriais.
●● Associadas em pelo menos duas das seguintes áreas de habili-
dades adaptativas. É necessário evidência de limitação em con-
dutas adaptativas porque o funcionamento intelectual sozinho é
insuficiente para o diagnóstico de retardo mental. O impacto do
funcionamento dessas limitações deve ser suficientemente com-
preensivo para incluir, pelo menos, duas áreas de habilidades
adaptativas, demonstrando, assim, uma limitação generalizada à
redução de probabilidade de erro na mensuração.
●● Comunicação, cuidados pessoais, vida no lar, habilidades
58 sociais, desempenho na comunidade, independência na lo-
comoção, saúde e segurança, habilidades acadêmicas fun-
cionais, lazer e trabalho. Essas habilidades são importantes
para o sucesso funcional e estão, frequentemente, relacionadas
à necessidade de apoio que as pessoas com retardo mental apre-
sentam. Devido à relevância de cada habilidade das condutas
adaptativas que podem variar, a avaliação do funcionamento
deve ter como referência a idade cronológica da pessoa.

Convém destacar que a deficiência mental se manifesta antes dos 18 anos,


sendo esta uma característica implícita a esse conceito.

Diante disso, os conceitos apresentados demonstram a evolução na


maneira de compreender e interpretar a deficiência mental, colocando
esse fenômeno em evidência, o qual se constitui em um intrincamento
complexo voltado à caracterização das dimensões biológicas, psicomé-
tricas e sociais.

FAEL
Capítulo 3

Nesse contexto, ratifica-se que a atual tendência inclusivista de


educação recai sobre a ênfase conceitual dos aspectos referentes às po-
tencialidades, habilidades e do desempenho do indivíduo para desen-
volver-se como pessoa e como cidadão.
Assim, a deficiência mental vem sendo submetida a pesquisas e
estudos, que apresentam a possibilidade de encaminhamentos teóricos
diferenciados, os quais devem variar de acordo com os pressupostos
teóricos que versam sobre a educação e a deficiência.
Tal conceito aglutina componentes psicométricos, sociológicos e
médicos voltados especificamente para o contexto sociocultural. Nesse
sentido, acolher tais pressupostos significa, de antemão, redimensionar
a avaliação do sujeito, que era anteriormente realizada pela psicometria
comportamental, com vistas à linguagem e ilustrações descontextuali-
zadas da realidade do educando.
Já para a Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme citado
por Marcucci (2003, p. 47), a deficiência mental se manifesta em dife-
rentes níveis, a saber:
59
●● Leve (QI entre 50 e 69).
●● Moderado (QI entre 35 e 49).
●● Severo (QI entre 20 e 34).
●● Profundo (QI inferior a 20).
Sob essa ótica, faz-se necessário abordar as características da deficiê­
ncia mental por níveis de classificação:
a) As pessoas em situação de deficiência mental leve represen-
tam a maioria (cerca de 85%) da população com deficiência
mental. A criança apresenta atraso leve no seu desenvolvi-
mento, mas, geralmente, até a idade escolar, não se dife-
rencia de seus pares considerados normais. Ao ingressar na
escola, no entanto, é identificado revelar dificuldades gerais
ou específicas para responder às expectativas educacionais,
principalmente em relação aos aspectos acadêmicos referen-
tes à leitura, escrita e conteúdos matemáticos. Esses alunos,
recebendo atendimento especializado, se beneficiam satisfa-
toriamente dos conteúdos acadêmicos, atingindo níveis de

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complexidade compatíveis com suas possibilidades intelec-


tuais. Na adolescência e idade adulta podem ser capazes de
desempenhar atividades profissionais, adquirindo indepen-
dência econômica e social.
b) As pessoas com deficiência mental moderada representam
cerca de 10% da população com deficiência mental. A crian-
ça geralmente é identificada nos primeiros anos de vida,
visto que os atrasos nas áreas de desenvolvimento social,
mental, motor e de linguagem são facilmente percebidos.
Essas crianças, recebendo atendimento especializado desde
os primeiros anos de vida, podem desenvolver habilidades
básicas em termos de autocuidados, comunicação, adapta-
ção social e de auxílio nas tarefas caseiras e rotineiras. Na
idade escolar, podem evidenciar progressos em conteúdos
escolares apresentados em abordagem funcional. Na adoles-
cência e vida adulta, são capazes de realizar tarefas simples
de trabalho produtivo, contribuindo para sua manutenção
econômica e  social.
60
c) As pessoas com histórico de deficiência mental severa se
constituem de 3% a 4% da população com deficiência men-
tal. As pessoas apresentam atrasos significativos em todas as
áreas de desenvolvimento, necessitando de trabalho sistemá-
tico para aquisição de habilidades sociais, no que se refere a
cuidados pessoais, comunicação e independência pessoal. Na
adolescência e na idade adulta, podem realizar tarefas simples
e rotineiras, mas necessitam de supervisão permanente, sendo
dependentes em situações sociais e econômicas.
d) O grupo de pessoas com deficiência mental profunda cons-
titui aproximadamente 1% a 2% da população com defici-
ência mental. Devido ao atraso intenso em todas as áreas do
desenvolvimento, as pessoas geralmente apresentam capacida-
des restritas de aprendizagem de habilidades básicas. Na ado-
lescência e na vida adulta, em nível limitado, podem adquirir
hábitos de cuidados pessoais, porém, não conseguem atingir
padrões de independência suficientes para a manutenção so-
cial e econômica, necessitando de cuidados permanentes du-
rante toda a vida.

FAEL
Capítulo 3

Nesse contexto, concebe-se que a Organização Mundial da Saú-


de (OMS) vem se destacando ao longo dos tempos em referência
­educacional, com vistas à prática pedagógica voltada aos alunos que
apresentam histórico de necessidades especiais.

Perpassando um olhar: da terminologia “deficiência


mental” para “deficiência intelectual”
No Simpósio Intellectual Disability: Programs, Politics, and Plan-
ning for the Future, da Organização das Nações Unidas (ONU), em
1995, o qual altera o termo deficiência mental para deficiência inte-
lectual, no sentido de diferenciar mais claramente a deficiência mental
da doença mental – quadros psiquiátricos não necessariamente associa-
dos a deficit intelectual.

Na Conferência Internacional sobre deficiência intelectual, realizado


pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Ameri- 61
cana da Saúde (OPAS), nos dias 5 e 6 de outubro de 2004, em Montreal,
Canadá, o termo deficiência é consagrado com o documento Declaração
de Montreal sobre Deficiência Intelectual.

No entendimento dessa declaração, a pessoa com deficiência intelec-


tual tem, como qualquer outra, dificuldades e potencialidades. Nesse
sentido, as intervenções consistem em reforçar e favorecer o desenvol-
vimento dessas potencialidades e proporcionar o apoio necessário às
suas dificuldades.

ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL


Causas O que são O que pode ocorrer
Doenças infecto-contagiosas (rubéola
congênita, varicela, citomegalovírus, sífilis,
Desnutrição HIV, infecção por streptococus grupo B,
Pré-natais toxoplasmose congênita entre outras).
materna
Incompatibilidade sanguínea (RH) e questões
hereditáriais.

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ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL


Causas O que são O que pode ocorrer
Fatores genéticos – alterações
cromossômicas que podem ser numéricas ou
estruturais (Síndrome de Down, Síndrome
de Willian, esclerose tuberosa, alterações
gênicas, erros inatos do metabolismo
­conhecido como fenilcetonúria).

Desnutrição Radiações (RX).


Pré-natais
materna Hipotireoidismo, diabetes, hipertensão,
entre outros.
Fatores tóxicos na mãe: alcoolismo,
­tabagismo, consumo de drogas, uso de
medicamentos sem prescrição médica que
provocam efeitos colaterais, poluição am-
biental (inseticidas e agrotóxicos).
Trauma com lesão no SNC.
Infecções acometidas por meningite,
62 ­sarampo, sinusite, entre outras.
Oxigênio utilizado na incubadeira (­produto
químico).
Desnutrição,
desidratação Intoxicação (envenenamento) por
Pós-natais grave, carência ­remédios, inseticidas, produtos químicos
de estimulação (chumbo e mercúrio).
global Acidentes ocasionados em trânsito, afoga-
mentos, choques elétricos, quedas, asfixia,
brinquedos inadequados à idade, entre
outros.
Infestação de parasita (larva da Taenia
Sollium).
Fonte: adaptado de Lyra-Neto (1991).

Por lei, o teste do pezinho é obrigatório em todo o Brasil, afinal, com esse
exame, doenças irreparáveis podem ser detectadas e tratadas muito antes
do aparecimento dos sintomas. A deficiência, uma vez presente no corpo,
não poderá ser curada.

FAEL
Capítulo 3

O teste trata-se de uma pesquisa efetiva, no âmbito de prevenir a deficiên­


cia intelectual em casos de

Divulgação
­fenilcetonúria, hipotireoi-
dismo congênito, anemia
falciforme e fibrose cística.
Existe uma nova versão do
teste do pezinho, em que é
possível detectar mais de
30 tipos de doenças antes
dos sintomas aparecerem.
Além de eficaz, é um recur-
so muito caro, o qual não
está disponível na rede pública de saúde.

Sugestão de Leitura 63

Sugerimos a leitura da obra Retardo mental: definição, classificação e sistemas


de apoio. Esse livro apresenta uma estrutura para diagnosticar e classificar
o retardo mental.
AMERICAN ASSOCIATION ON MENTAL RETARDATION. Retardo
mental: definição, classificação e sistema de apoio. 10. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
Sugestão de Leitura

O deficiente intelectual e a aprendizagem escolar


No atual contexto educacional, os educadores devem rever suas
práticas educativas no sentido de torná-las mais eficazes, inteligentes e
menos individualizadas. Nessa linha de pensamento, a aprendizagem
vem sendo, sistematicamente, estudada e contextualizada nos três gran-
des eixos que promovem a educação contemporânea: condutual, cogni-
tivo e ecológico contextual.

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Nesse sentido, esse livro ocupa lugar central na prática de ensinar


e aprender, pois promove a tomada de consciência do fazer pedagógi-
co, da troca de conhecimentos, o envolvimento dos autores e atores no
processo educativo e a flexibilidade nos métodos de aprendizagem.
O paradigma condutual baseia-se nos estudos de Watson, Skin-
ner e outros, que consolidaram uma prática empregada por psicólogos
e educadores até os dias atuais. Decorre dessa vertente paradigmática
a prática dos testes psicométricos, amplamente utilizados pelos psicó-
logos e pedagogicamente pelo emprego dos currículos fechados, nos
quais a aprendizagem se opera pela prática da repetição. Na sala de aula,
o professor, mediante disciplina rígida, acaba modificando o comporta-
mento dos educandos.
Diante disso, as escolas de educação especial – voltadas ao traba-
lho educacional com pessoas que apresentam histórico de deficiência
mental de alta especificidade – aplicaram, ao longo dos anos, a análise
de tarefas, entendida como um sistema de observação e de avaliação
de acordo com o desenvolvimento do educando, evitando colocá-lo
64 em tarefas demasiado difíceis, o que acarretaria frustração ao aluno;
ou demasiado fáceis, gerando-lhe desinteresse (FONSECA, 1995).
Para esse autor, essa metodologia é válida para as situações ideais e
reais de aprendizagem e/ou para situações de insucesso. A sua estrutu-
ração do trabalho implica na observação de duas variáveis: no compor-
tamento desviante da curva de aprendizagem normal e do delineamen-
to do perfil intraindividual, focando áreas fortes e fracas (FONSECA,
1995, p. 61).
Portanto, considera-se que tais condicionantes favorecerão a ela-
boração dos objetivos, a sequenciação das tarefas, bem como a estrutu-
ração das subtarefas, até atingir
Saiba mais a mudança de comportamento.
O pesquisador Feuerstein (1980, p. 60) propôs Do mesmo modo, o para-
uma metodologia que permeia o Programa digma cognitivo assumiu rele-
Educacional Individualizado (PEI), o qual se
vância no contexto educacional
constitui em situações que favorecem, perma-
a partir de estudos de Piaget.
nentemente, o sucesso do educando, condi-
ção motivacional imprescindível ao êxito e
Esse, por sua vez, contrapõe
à ­eficácia do programa. ao comportamentalismo, para
quem os estímulos externos e

FAEL
Capítulo 3

irracionais são determinantes do comportamento humano. Nessa pers-


pectiva, a mente humana prevalece e dirige a pessoa. A inteligência, a
criatividade, o pensamento reflexivo e crítico norteiam essa vertente
paradigmática (COLL; MÁRTI, 1996, p. 105-114).
Nessa concepção, a educação sofre grandes transformações à luz
dos novos princípios, contextualizados pelos teóricos contemporâneos
Ausubel – aprendizagem significativa; Bruner – aprendizagem por des-
cobrimento; Piaget – defendendo o construtivismo; e Rauven Feurstein
– enfatizando a mediação da aprendizagem.
Sob essa ótica, Gomes (2005) tece importante colaboração desses
tais postulados teóricos, assume relevância no processo ensino-apren-
dizagem a mediação entre professor e aluno. Tanto o aluno quanto o
professor constroem, de forma interativa e contextualizada, valores e
crenças, aspectos culturais, bem como o contexto ecológico, compreen-
dendo recursos, circunstâncias, limitações administrativas.
Para essa estudiosa, tais circunstâncias se remetem a uma proposta
de um currículo único, aberto e flexível, tendo como modelo mais vi-
65
sado na atual política educacional o aspecto ecológico, com ênfase na
aprendizagem contextualizada nos estudo etnográficos, nas demandas
do entorno sociocultural e nas múltiplas formas de adaptação do ser
humano (PÉREZ; LOPES, 1989, p. 40-41).
Nesse âmbito, o cenário educacional é valorizado pelo ecossistema
do educando, interpretado como a família, a cidade, o bairro, a cultura,
a escola e como estrutura social, tendo o professor como mediador do
processo de ensino-aprendizagem.
Nesse raciocínio, Gomes (2005) enfatiza que a aprendizagem con-
textual e compartilhada vem a ser uma das características pedagógicas
evidentes nesse aparato teórico. Entretanto, os caracteres evidenciados
demonstram que o processo ensino-aprendizagem não é apenas situ-
acional, mas também pessoal e psicossocial, assumindo relevância no
currículo aberto flexibilizado.
Essa autora ainda faz menção de que a metodologia subjacente a
essa teoria investiga a gestão escolar, assim como as tomadas de d
­ ecisões,
as relações internas do pessoal, a identidade dos alunos e professores,
seus interesses e seu contexto pessoal, social e cultural.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Dica de Filme
O filme Meu nome é rádio tem Ed Harris no papel de Harold Jones, um treina-
dor local de futebol americano. Ele fica tão envolvido em preparar o time que
passa pouco tempo com sua filha, Mary Helen (Sarah Drew), e sua esposa Lin-
da (Debra Winger). Jones conhece um jovem “lento”, James ­Robert Kennedy
(Cuba Gooding Jr.). James não falava e só perambulava em volta do campo de
treinamento. Por não saber o nome do jovem e ­observar que ele gostava muito
de rádios, Jones passa a chamá-lo de Rádio. Para não repetir uma omissão que
cometera quando garoto, Jones acaba colocando James sob sua proteção.
MEU nome é Rádio. Direção de Michael Tollin. EUA: Columbia Pictures
Corporation, 2003. 1 filme (109 min.), color.
Outra sugestão é Gilbert Grape – aprendiz de sonhador. A história se ­passa em
uma pequena cidade do interior dos EUA, onde vive Gilbert Grape (Johnny
Depp), um adolescente comum que sustenta a família desde a morte do pai.
Além das duas irmãs, Gilbert cuida do irmão deficiente ­mental (Leonardo
Di Caprio) e da mãe obesa. O filme expõe o tédio da vida de cidades provin-
66
cianas, como no clássico A última sessão de cinema, e o drama trágico do
jovem adolescente que sustenta o fardo familiar.
GILBERT Grape – aprendiz de sonhador. Direção de Lasse Hallström. EUA:
Editora NBO, 1993. 1 filme (118 min.), color.
Dica de Filme

Da teoria para a prática


Ana Cristina é uma criança muito bonita, mas com olhar distante.
Desde pequena apresenta um pequeno atraso em seu desenvolvimento,
andou com um ano e seis meses, e começou a emitir as primeiras pa-
lavras perto dos dois anos. Não gosta de brincar com outras crianças,
quase sempre está sozinha. Quando está com outras crianças em uma
­atividade ou jogo, não participa ativamente. Desde a pré-escola os pais
são chamados para que procurassem ajuda profissional especializada para
um diagnóstico diferenciado. Os pais mostram-se bastante resistentes e

FAEL
Capítulo 3

dizem que não percebem nada de errado na filha, mas a ajudam com as
lições de casa. Sabemos que essa é a terceira escola particular que Ana
frequenta. Hoje ela está com nove anos e na terceira série. Tem muitas
dificuldades em realizar as atividades, está sempre atrasada e distraída. As
professoras relatam que ela fica muito isolada, às vezes abana as mãos e a
cabeça. Fala consigo mesma e com frequência repete as últimas palavras
que lhe são ditas. Perturba muito o andamento da sala, fazendo coisas
“estranhas” enquanto a professora explica, tirando a atenção dos colegas.
Essa semana ela cortou uma grande quantidade de cabelo da colega que
senta à sua frente. A coordenadora pedagógica diz que a professora fica
tão nervosa com ela que às vezes chora, pedindo ajuda.
Como pedagogo pertencente a essa escola, elabore uma proposta de
intervenção na área da educação. Faça-o a partir do referencial teórico
de sua escolha e considere os aspectos de natureza ética nela envolvidos.
Para realizar essa tarefa, indique na proposta os seguintes elementos:
●● problema a ser trabalhado;
●● ações que serão realizadas.
67
Agora reflita sobre as diferentes trajetórias históricas que construí­
ram os conceitos de deficiência intelectual elaborando um pequeno
texto, evidenciando as questões mais significativas de cada tempo. É
necessário registrar as considerações.

Síntese
Em decorrência dos avanços científicos que refletiram diretamente
nas ações frente à educação, especificamente na educação especial, sobre o
enfoque da deficiência intelectual, bem como no processo ensino-apren-
dizagem do aluno que apresenta em sua historia de vida a deficiência
intelectual. Nesse sentido, concebe-se que o contexto do século XXI per-
meia ações voltadas à inclusão, seja ela em qualquer instância e níveis de
escolaridade. Para tanto, se fez necessária a ressignificação dos conceitos
que caracterizavam e estigmatizavam os sujeitos ditos d ­ eficientes mentais,
assim como os encaminhamentos educacionais a que esses vinham sendo
submetidos, excluindo-os dos direitos como pessoa e cidadão.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Deficiência física
neuromotora 4
E ste capítulo pretende apresentar as principais patologias da de-
ficiência física neuromotora, tais como: distrofia muscular, distúrbios
da medula espinhal, pólio, convulsões, lesão medular, esclerose múlti-
pla e em especial a paralisia cerebral, que será abordada com mais ênfase
por ser o dano mais recorrente no ambiente escolar.
Sabe-se que crianças com lesão cerebral podem apresentar capaci-
dades intelectuais dentro dos padrões de normalidade ou apenas alguns
prejuízos de cognição, o que não impede condições mínimas ou até 69
mesmo satisfatórias de aprendizagem.
A dificuldade de mensuração da capacidade intelectual das pessoas
com deficiência pela ausência de investigação neurológica ou pela difi-
culdade de aplicação de testes padronizados que aferem a inteligência,
prejudicam os encaminhamentos e mascaram seu potencial real. Há
crianças lesadas fisicamente que não recebem nenhum tipo de assis-
tência e muitas são encaminhadas a atendimentos inadequados e se
frustram ao se depararem com programas impróprios, que resultam em
descrédito até mesmo para o ensino especializado.

Conhecendo as deficiências físicas


As informações sobre as características físicas, motoras, sensoriais
e cognitivas do aluno com quadro de deficiência física são importan-
tes para uma avaliação educacional e posterior encaminhamento aos
programas mais adequados, bem como para auxiliar o profissional de
educação na escolha dos recursos de comunicação, adaptação e desen-
volvimento das atividades pedagógicas.
Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Segundo Smith (2008) as deficiências físicas estão agrupadas em


duas categorias: condições musculares ósseas e danos neuromotores.
Na categoria denominada condições musculares ósseas encontram‑se
as artrites juvenis, as deficiências dos membros e distúrbios ósseos. Essas
condições apresentam dificuldades musculares, o que dificulta os movi-
mentos globais do corpo, porém, as causas não são de origem neuroló-
gica, portanto, a estrutura cognitiva mostra-se preservada, sem prejuízo
acadêmico, necessitando apenas de atendimento terapêutico e uso de
equipamentos especiais e tecnológicos para controle dos movimentos.
Os danos motores são decorrentes de prejuízo no sistema nervo-
so central. Nessa categoria encontram-se a esclerose múltipla, distrofia
muscular, poliomielite, distúrbios convulsivos, distúrbios da medula es-
pinhal e paralisia cerebral que trataremos mais detalhadamente a seguir.

Paralisia cerebral
A paralisia cerebral, anteriormente denominada “encefalite crôni-
ca”, foi descrita em termos médicos no ano de 1843, pelo ortopedista
70
Willian John Little. No entanto, devido à mortalidade de crianças com
a síndrome, associou-se esta a um grave atraso mental, acreditando-se
que pouco se podia fazer por essas crianças. Após cinco décadas, Sig-
mund Freud criou o termo “paralisia cerebral”, sendo este aceito uni-
versalmente (TELFORD; SAWREY apud GOMES, 2009).
Embora os termos tenham sido descritos precocemente à inves-
tigação profunda nessa área, os estudos só tiveram início nos Estados
Unidos, a partir de 1930, por Heinz Werner e Alfred Straus, que traba-
lharam associados durante 10 anos numa instituição, buscando compre-
ender o impacto da lesão cerebral sobre o desenvolvimento psicológico
em crianças de vários níveis intelectuais, que resultou na publicação de
dois volumes de seu trabalho inicial, que ainda traz contribuições na
área educacional para pessoas com lesão cerebral (GOMES, 2009).
Bobath (apud GOMES, 2009, p. 206) apresenta a seguinte definição:
Paralisia cerebral é o resultado de uma lesão ou mau desen-
volvimento do cérebro, de caráter não progressivo, existindo
desde a infância. A deficiência motora se expressa em padrões
anormais de postura e movimentos associados a um tônus
postural anormal.

FAEL
Capítulo 4

Com essa definição é possível entender que a má formação ocorre


no cérebro em desenvolvimento, ou seja, em um cérebro ainda imatu-
ro. É importante destacar que, apesar de seu caráter não progressivo, a
lesão também é irreversível, não havendo possibilidade de cura para sua
comorbidade, o que não descarta a possibilidade de melhora do quadro
por meio de intervenções terapêuticas, clínicas e pedagógicas.
Entre as principais comorbidades da paralisia cerebral estão os pro-
blemas de comunicação verbal, distúrbios do funcionamento motor e al-
guns casos de cognição. Considerando as áreas envolvidas, há necessidade
de um atendimento integrado de profissionais como: fisioterapeuta; fono-
audiólogo; terapeuta ocupacional; psicólogo; psicopedagogo; pedagogo;
assistente social, que devem trabalhar integrados tanto no estabelecimento
de um diagnóstico quanto no atendimento p ­ edagógico e terapêutico.
Cruickhank (1992) cita outros estudiosos que podem ser menciona-
dos no campo da educação e da psicologia, como Helmer R. Myklebust,
que estudou crianças com lesão cerebral enfocando o desenvolvimento
da linguagem, Clemente Quaglio, Ray H. Barsch, Lauretta Bender e
outros que prosseguem estudos no Canadá, Estados Unidos e alguns 71
países da Europa. Essas pesquisas sinalizam uma melhora significativa
na articulação da linguagem, bem como no desenvolvimento cognitivo,
o que beneficia a aprendizagem e a autoestima dessas crianças, desde que
o processo de reabilitação ocorra o mais precocemente possível.

Etiologia da paralisia cerebral


No que se refere a antecedentes, as causas da paralisia cerebral são
complexas, numerosas e não tem sido determinadas com absoluta se-
gurança. Segundo Routlede (1980), 10% dos casos afetados durantes
os primeiros anos de vida são decorrentes de infecções e que a maior
incidência de pessoas com paralisia cerebral é em crianças do sexo mas-
culino. Ressalta também que o cérebro pode ser lesionado através da
mãe doente, por fatores pré-natais.
Smith (2008) concorda com Routlede (1980) no que se refere a
fatores pré-natais e afirma, ainda, que a falta de oxigênio na corrente
sanguínea da mãe mostra-se predisponente à lesão cerebral, assim como
as hemorragias causadas pela incompatibilidade sanguínea devido ao
fator RH, como forte probabilidade à lesão.

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

O parto prolongado tem sido apontado como uma das possíveis


causas de paralisia cerebral acompanhada de deficiência intelectual.
Opiniões a respeito do que seja considerado parto prolongado são
bastante divergentes. Rezende (2008) cita que alguns autores clássicos
limitam o prazo em 24 horas, porém, ele refere-se a outros autores
mais contemporâneos que atestam que a maioria dos partos normais
se completa após 6 horas de trabalho de parto e que todos os casos não
devem ultrapassar 12 horas.
Pesquisas realizadas em Boston sobre os efeitos de parto prolonga-
do, segundo Rezende (2008), evidenciam ser a mortalidade pré-natal
de 5,4% com influência das horas de parto e sinalizam a hipoxia (as-
fixia intrauterina e hemorragias cranianas) como responsável por esses
óbitos. A morbidade foi significativa, 20,5%, em que as crianças ao
nascerem necessitaram de reanimação ou pareciam apresentar lesões
do sistema nervoso central, destacando-se a paralisia cerebral acompa-
nhada de deficiência intelectual com sintomalogia transitória (cianose
episódica). Esses percentuais atingiram quase o dobro (39,7%) nas pri-
míparas com mais de 30 anos.
72
Por outro lado, as cesáreas rápidas demais e os partos bruscos são
fatores de riscos neonatais. Segundo Duarte apud Rezende (2008), a fi-
siopatologia nos dois casos é semelhante, em que a criança passa muito
depressa da pressão intrauterina para a pressão atmosférica do ambiente
que é bem menor, sem a necessária adaptação de pelo menos alguns
minutos. Ainda esse autor salienta que a prematuridade por si só não
seria a causa da lesão cerebral, mas se constitui em fator predisponente
pela debilidade com que nasce a criança, estando sujeita a hemorragia
craniana e a compressão de certas áreas do crânio.
Silveira e Kroeff apud Gomes (2009, p. 207) apontam como fatores
intrínsecos os de ordem genética e hormonais, e como fatores extrínse-
cos os nutricionais, ambientais, psicológicos maternos e os de causas
desconhecidas. As autoras afirmam que as intercorrências internas e ex-
ternas podem comprometer o feto e apontam entre as causas já citadas
as que acontecem antes, durante a após o nascimento e outras situações
que podem causar deficiência física e em especial a paralisia cerebral.
●● Causas antes do nascimento: ameaça de aborto, aborto
espontâneo, gestação gemelar, ciclos menstruais longos e

FAEL
Capítulo 4

­irregulares, exposição a Raios X, incompatibilidade de RH,


infecções materna (rubéola, sífilis, toxoplasmose), diabetes,
pressão alta e intervalos de até três meses entre gestações.
●● Causas durante o parto: falta de oxigênio ao nascer, sofri-
mento fetal, trabalho de parto prolongado, fórceps, manobras
obstétricas, prematuridade e intercorrência clínica.
●● Causas após o nascimento: sarampo, meningite, encefa-
lite, traumatismos, falta de oxigênio, convulsões, desidrata-
ção, desnutrição, intoxicação por medicamentos ou venenos,
­drogas e álcool.
Alvarenga (1983) cita que 10% da incidência da paralisia cerebral
advém de causas pós-natais. Entre as mais frequentes cita: traumatismo
craniano, infecções bacterianas ou virais (meningite, meningoencefali-
tes, intoxicações e lesões vasculares). Essas etiologias são encontradas do
nascimento aos dois anos e meio e podem causar lesões tão graves que
comprometem o sistema nervoso, ainda em desenvolvimento. O diag-
nóstico desses casos normalmente se efetiva após os primeiros meses,
quando serão apresentadas anomalias no desenvolvimento psicomotor 73
da criança. Segundo o autor, os sinais apresentados nesses casos não
têm caráter evolutivo.

Prevenção
O quadro a seguir apresenta as causas e prevenção da deficiência
física e transtornos e dados de saúde, apresentados por Smith (2008).
CAUSAS PREVENÇÃO
Equipamentos para criança

Acidentes com veículos Cintos de segurança


motorizados Air bags
Capacetes para motocicleta
Acidentes na água Dispositivo de segurança para mergulho
(mergulho) Dispositivo de segurança para natação
Controle de arma
Ferimentos com arma
Treinamento do uso de arma de fogo
de fogo
Munição com local isolado

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CAUSAS PREVENÇÃO
Equipamentos de proteção, boné
Lesão por esportes
Roupas e locais seguros
(boxe, esqui, futebol)
Condicionamento, treinamento
Serviços de apoio familiar
Maus tratos infantis
Treinamento dos pais
Conhecimento de recursos nas emergências
Envenenamento, tóxicos
Local seguro para veneno
Doenças como pólio,
Vacinações
sarampo
Nascimento prematuro Cuidados pré-natais
Vacinações
Doenças infecciosas
Boa higiene
Abstinência, ou sexo seguro
Evitar drogas
Infecção por HIV
Não dividir seringas
74
Selecionar suprimento de sangue e plasma
Deficiências genéticas Seleção genética
Ataques Medicação
Hidrocefalia Cirurgia e tecnologia médica
Asma Eliminação de alergênicos no ambiente
Fonte: Smith (2008, p. 277).

Pode-se observar que algumas dessas deficiências poderiam ser evi-


tadas por medidas simples de prevenção. O conhecimento básico dessas
causas, segundo Smith (2008), depende de bons cuidados pré-natais,
programas de imunização universal e prevenção de lesões. A vacinação
infantil mostra-se como uma forte aliada na prevenção de deficiências
decorrentes de doenças infecciosas, o que minimiza os gastos públicos
e proporciona qualidade de vida à população.

A inteligência do paralisado cerebral


Mensurar a capacidade cognitiva da pessoa com paralisia cerebral é
tarefa complexa, considerando as áreas comprometidas pela deficiência
motora que interferem na comunicação verbal destas pessoas. As dúvi-

FAEL
Capítulo 4

das nas respostas decorrentes da comunicação entre o avaliador e a pes-


soa paralisada dificultam um diagnóstico preciso, bem como os testes
padronizados que medem a inteligência não estão plenamente adapta-
dos a esta população e podem,
por sua leitura e interpretação, Saiba mais
mascarar seu potencial inte- Relatos de alguns cientistas desmistificam
lectual (GOMES, 2009). e comprovam a capacidade intelectual de
algumas pessoas com deficiência física, como
Um estudo realizado em é o caso de Stephen Hawking, que desde os
Nova Jersey e relatado por 21 anos de idade convive com uma doença
Pereira (1980) deduz que neurodegenerativa chamada esclerose lateral
­
50% das crianças paralisa- amiotrófica. Contudo, ele é Doutor em Cosmo-
das apresentam um QI com logia e Gravidade Quântica, propôs as quatro
­escore inferior a 70, sendo que Leis da Mecânica do Buraco Negro, é um dos
nos tipos de rigidez e ataxia a mais consagrados físicos teóricos da atualidade
porcentagem é variavelmen- e foi professor de matemática na Universida-
te maior que nos espásticos e de de Cambridge, cadeira que foi ocupada
atetósicos. Também 50% dos por Isaac Newton.
espasmos apresentaram pro-
blemas de fonação, enquanto que nos casos de atetose o índice sobe 75
para 90%. ­Desses, um terço tinha ataques e poucos tinham problemas
visuais. Outro dado é que a maioria dessas crianças eram canhotas e,
conforme relatos dos professores dessa pesquisa, as maiores dificuldades
desses alunos se encontravam na coordenação visomotora, seguidos de
­problemas de fonação.
Kirk e Gallager (1996) citam outros estudos, como o de Holman
e Freedheim (1958), que testaram mais de mil crianças e concluíram
que 59% dos paralisados apresentavam escores rebaixados, compatíveis
com deficiência intelectual. Os autores ainda citam Schonell (1956)
que testou 354 pessoas com paralisia cerebral e concluiu que 45% se
enquadravam na faixa da deficiência intelectual.
Ainda, Pereira (1980) ressalta que pesquisas sobre o desenvolvi-
mento intelectual apontam controvérsias entre as questões de QI, em
que a competência social pode ser expressa quantitativamente pelo
quociente intelectual, e que estão surgindo testes psicológicos específi-
cos que serão capazes de medir as aptidões e habilidades do paralisado
cerebral. Há uma tendência nesses estudos em considerar análise de
tarefas (aprendizagem por sequência de atividades) como instrumento

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

de avaliação, capaz de medir níveis de desempenho em casos de dificul-


dades motoras, de expressão corporal, linguagem e outras áreas.
Esses dados indicam que apesar de limiares baixos de inteligência
detectados em 50% das pessoas com paralisia cerebral, a faixa dos de-
mais é muito ampla, o que favorece ao aluno a oportunidade de obter
conhecimentos capazes de torná-los produtivos e independentes.

Dica de Filme
Segundo comentários de Smith (2008, p. 294), o filme X-Men foi baseado
em uma história em quadrinhos do final dos anos de 1960 e fala sobre pes-
soas chamadas de mutantes que são tratadas, arrebanhadas, numeradas
e colocadas em centros específicos. A escola para mutantes, desenvolvida
pelo Dr. Xavier e seus mutantes mais importantes (os X-Men), é um lugar
seguro onde as pessoas mutantes supostamente vivem juntas e em paz.
Contudo, um grupo abominável de mutantes não concorda e parte para a
guerra com as pessoas ”normais”.
76
O líder dos X-Men é um homem que precisa de cadeira de rodas para se lo-
comover, mas seus comandos são perfeitos. O maior significado desse filme
é que as pessoas que são diferentes não devem ser vistas como párias ou
banidas da sociedade. A história em quadrinhos na qual o filme foi baseado
data de trinta anos atrás e tenta promover a tolerância.
X-MEN. Direção de Bryan Singer. EUA: Fox Film, 2000. 1 filme (104 min.), color.
Dica de Filme

Quadro motor da deficiência física neuromotora


Neste item focaremos os quadros clínicos e sequelas presentes na
­ aralisia cerebral. Segundo Souza apud Ferranato (2001), as alterações mo-
p
toras mostram-se bastante diferenciadas e são estabelecidas em três critérios:
1. alteração do tônus e nos movimentos, ou tipo clínico;
2. membros do corpo que foram afetados;
3. a gravidade do caso.

FAEL
Capítulo 4

Silveira e Kroeff apud Gomes (2009) apresentam a classificação da


paralisia cerebral de acordo com o quadro clínico da lesão:
●● Paralisia cerebral espástica – denominada cientificamen-
te de hipertonia. É a mais comum entre as paralisias de le-
são, em que são encontrados 70% dos casos. Esse quadro,
­segundo Gomes (2001) é identificado por “um grau de ten-
são em um grupo muscular, que pode ser sentido na palpação
e quando alongamos ou encurtamos passivamente”, o que
ocorre quando o músculo mostra maior resistência do que o
normal, trazendo como consequência o aumento do tônus
muscular, definido como tônus espástico. O padrão postural
da paralisia cerebral espástica pode ser observado pela posi-
ção de joelhos, cotovelos, punhos e dedos, que se mostram
habitualmente flexionados.
●● Paralisia cerebral atáxica – nesta modalidade o tônus mos-
tra‑se hipotônico com dificuldades de movimentos, o que
compromete a motricidade fina. Nesse caso, a criança tem di-
ficuldades para realizar movimentos rápidos, a marcha é inse- 77
gura, os membros inferiores permanecem afastados e seu equi-
líbrio é instável. Ainda são percebidos tremores involuntários,
o que interfere na coordenação de movimentos. Esse tipo pode
vir associado à espasticidade, atetose ou nas duas situações.
●● Paralisia cerebral coreoatetósica – denominada também de
extrapiramidal é o segundo tipo mais comum de paralisia.
Caracteriza-se por um sistema muscular instável decorrente
de tônus postural flutuante, ou seja, de movimentos involun-
tários com alterações rápidas e imprevisíveis.
●● Paralisia cerebral mista – decorrente da combinação simul-
tânea de dois tipos de paralisia, sendo que geralmente se com-
põe pelo tipo espástico e coreotetósico, que são observados
com maior frequência em crianças paralisadas.
Gomes (2009) descreve cinco tipos de comprometimento neu-
romuscular da paralisia cerebral, conforme classificação de membros
afetados (comprometimento decorrentes de má formação, prematuri-
dades, sofrimento cerebral, etc.).

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

●● Quadriplegia ou tetraplegia: todos os membros são afetados.


Esse tipo geralmente decorre de sofrimento cerebral d­ ifuso
grave ou má formação cerebral grave.

●● Triplegia: os movimentos de três membros são afetados con-


forme a área lesada, podendo ser os membros superiores e um
inferior, ou o inverso.
78

FAEL
Capítulo 4

●● Hemiplegia: é afetado apenas um lado do corpo, como mão


e pé esquerdo ou direito.

●● Monoplegia: apenas um membro é afetado, podendo ser su-


perior ou inferior.

79

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

●● Diplegia: os membros inferiores são mais afetados do que os su-


periores. Em sua maioria, esse tipo é decorrente da prematurida-
de, porém, o controle do tronco e cabeça é mais leve do que na
triplegia e a criança pode adquirir marcha até oito anos de idade.

Educação da criança com deficiência física


Fonseca (1990, p. 40) diz que “a aprendizagem é o comportamen-
80 to mais importante dos animais superiores“, o que implica em compor-
tamento modificado, estável, durável, interiorizado e consolidado no
cérebro do indivíduo.
Um programa educacional para a pessoa com deficiência física re-
quer profissionais conscientes, preparados cientificamente e com expe-
riência prática necessária para o atendimento individual e coletivo des-
sa população. Ao se organizar uma proposta de atendimento, deve-se
observar seu diagnóstico e assegurar-se de como age uma criança com
lesão cerebral, tendo o cuidado de entender que apesar de diagnósticos
idênticos, cada criança tem seu quadro funcional diferenciado, resul-
tante de fatores ambientais ou sociais.
O atendimento educacional da criança com deficiência física r­ equer
adaptações e recursos específicos pela condição motora e pelas reações
involuntárias que apresentam ao serem movidos. A criança espástica
tem como característica a rigidez, e se o manuseio for inadequado, essa
rigidez se tornará mais evidente. A criança atáxica, por seus movimen-
tos voluntários e constantes, provoca mudanças de tônus e perde facil-
mente o equilíbrio, o que a torna mais insegura desencadeando outros
movimentos voluntários. O trabalho com a criança paralisada deve ser

FAEL
Capítulo 4

realizado calmamente, expressando oralmente cada atividade proposta,


dessa forma ela participará de seu aprendizado cooperando e auxiliando
no trabalho a ser desenvolvido.
Considerando as dificuldades motoras e em alguns casos as cogni-
tivas, o atendimento a essas crianças deve iniciar-se o mais cedo possí-
vel. Gomes (2009) sugere que o início do atendimento em programas
de estimulação precoce ocorra até o sexto mês de vida, levando em con-
ta a teoria da plasticidade neuronal, nesta fase o cérebro tem maiores
probabilidades de desenvolvimento. Conforme preconiza Gomes,
Pelo surgimento de novas sinapses, o cérebro se reorganiza e
responde a estimulação na idade inicial. No entanto, apesar
de contarmos com a ajuda da plasticidade neuronal, a criança
com disfunção motora ainda apresenta limitações para explo-
rar seu meio ambiente, consequentemente o deficit sensorial
está presente e diretamente relacionado com o deficit percep-
tual e cognitivo (GOMES, 2009, p. 211).

Ao pensarmos em desenvolvimento cognitivo, precisamos alçar


objetivos a serem alcançados. O primeiro passo para o processo de ensi-
no consiste na avaliação inicial da criança. Ela indicará as reais necessi- 81
dades e sinalizará os recursos necessários para o processo de ensino. Por
recursos entende-se a utilização do material concreto, manipulável com
fins pedagógicos. A tecnologia assistiva, enquanto recurso pedagógico,
auxilia a operacionalização da tarefa proposta.

Tecnologia assistiva
O Caderno de Recursos Pedagógicos Adaptados, divulgado pela
Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação (apud
­MANZINI, 2007), diz que a tecnologia assistiva pode ser entendida
como recursos que ajudam o desempenho de atividade. Lauand (apud
MANZINI, 2007, p. 10) define tecnologia assistiva como
[...] variedade de recursos destinados a dar suporte (mecâni-
co, elétrico, eletrônico, computadorizado, etc.) a pessoas com
deficiência física, visual, auditiva, mental ou múltipla. Esses
suportes podem ser, por exemplo, uma cadeira de rodas [...],
uma prótese, uma órtese, e uma série infindável de adaptações,
aparelhos e equipamentos nas mais diversas áreas de necessida-
de pessoal (comunicação, alimentação, transporte, educação,
lazer, esporte, trabalho, elementos arquitetônicos e outros).

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

O quadro a seguir apresenta a classificação de recursos e serviços


da tecnologia assistiva, desenvolvida pelo Sistema Nacional de Classi-
ficação para Recursos e Serviços de Tecnologia Assistiva dos Estados
Unidos (apud MANZINI, 2007).
Quadro Classificação dos recursos e serviços de tecnologia assitiva.

CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS
Barras de apoio em paredes, vasos sanitários,
Elementos arquitetônicos fecha­duras, torneiras, rampas, elevadores,
pisos, etc.
Recursos ópticos, auditivos, sistema de
Elementos sensoriais comunicação alternativa ou complementar,
aparelho de amplificação sonora, etc.
Computadores Hardware e software.
Acionadoress para cortinas, acionadores
Controles ambientais para diminuir ou aumentar luminosidade,
acionadores para TV e som, etc.
Adaptações para alimentação, vestuário
82 Vida independente adaptado, dispositivos para auxiliar na
higiene pessoal.
Carros adaptados, carrinhos especiais,
Mobilidade andadores, bengalas, muletas, cadeiras de
rodas, etc.
Próteses e órteses Abdutor de joelhos, perna mecânica, etc.
Brinquedos, equipamentos para recreação e
Recreação, lazer, esporte
lazer, pesca, etc.
Mobiliário modificado Mesas, cadeiras, camas, etc.
Serviços de tecnologia
Serviços de agência de empregos.
assistiva
Fonte: Manzini (2007, p. 10).

Os recursos pedagógicos apresentados pela tecnologia assistiva po-


dem ser considerados como ajuda ou apoio técnico a ser implementado
individualmente e com objetivos definidos, que devem ser traçados após
avaliação da equipe de multiprofissionais (ortopedista, fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional e profissionais especializados da educação, entre
outros) que buscam a superação de barreiras de comunicação, mobili-
dade e apoio escolar.

FAEL
Capítulo 4

Da teoria para a prática


Smith (2008, p. 285) aponta algumas adaptações para ambientes
inclusivos.
Sobre o ambiente físico
●● Remova os perigos;
●● Crie mais espaços de trabalho;
●● Demarque espaços para guardar equipamentos;
●● Utilize e reorganize móveis de forma acessível;
●● Alargue corredores;
●● Use suportes para posicionamento físico;
●● Mude os apoios das cadeiras.
Sobre as atividades e sua execução
●● Permita mais tempo para completar as tarefas; 83

●● Abrevie as atividades;
●● Crie um programa flexível;
●● Eleja tutores e convoque familiares para ajudar;
●● Providencie lápis grossos e prenda a folha de tarefas;
●● Procure gravar tarefas e peça que um colega faça cópia usando
papel carbono.
Aproveitando esses apontamentos, crie um ambiente e atividades a
serem trabalhadas com seus alunos.

Síntese
Neste capítulo, desmistificamos o prejuízo cognitivo decorrente da
deficiência neuromotora, em que constata-se que 50% das pessoas com
paralisia cerebral possuem inteligência dentro da média esperada.

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A dificuldade no diagnóstico da capacidade intelectual mostra-se


prejudicada, em muitas situações, pela ausência de respostas ou falhas
de comunicação durante a aplicação de testes padronizados.
O atendimento educacional à criança com paralisia cerebral, quando
iniciado precocemente, segundo a teoria da plasticidade neuronal, tem
mostrado resultados positivos no que se refere ao desenvolvimento cogni-
tivo, refletindo, consequentemente, em uma aprendizagem mais efetiva.
Os recursos pedagógicos adaptados da tecnologia assistida são su-
portes a serem utilizados na aprendizagem e no desenvolvimento motor
da criança com deficiência física neuromotora.

84

FAEL
Deficiência visual,
deficiência auditiva
e surdocegueira
5
O trabalho com a educação especial, em virtude das políticas
de inclusão, tem sido alvo de inúmeras discussões e até mesmo polê-
micas no âmbito da escola. Professores com lacunas em suas formações
buscam subsídios que possibilitem promover a inclusão educacional de
todos aqueles que, marginalizados, têm seu direito subjetivo à educação
resgatado em virtude de tais políticas inclusivas.
Nesse contexto, destacamos aqueles que, primeiramente, levanta-
ram a bandeira da inclusão, ou seja, as pessoas com deficiência. Neste 85
capítulo, em especial, trataremos da deficiência visual, deficiência audi-
tiva e a associação destas, denominada surdocegueira.
É importante salientar que as deficiências visual e auditiva e a
surdocegueira enquadram-se nas chamadas deficiências sensoriais,
visto que sua manifestação decorre do comprometimento de um ou
mais sentidos, diferenciando-se dessa forma das deficiências físicas e/
ou intelectuais.

A visão e a deficiência visual


A visão é o mais complexo e mais precioso dos sentidos, visto que
é o canal mais importante de relacionamento do indivíduo com o mun-
do exterior, pois lhe fornece, ao mesmo tempo, informações relativas à
cor, forma, distância, posicionamento de objetos e pessoas. Portanto,
trata-se de um meio de grande estímulo ao desenvolvimento integral
da criança, promovendo sua percepção do mundo, conquistando seu
espaço e relacionando-se com o mesmo, criando assim seu vocabulá-
rio corporal (DIEHL, 2006). Tal como a audição, que capta registros
Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

­ róximos ou distantes e permite organizar, no nível cerebral, as infor-


p
mações trazidas pelos outros órgãos dos sentidos.
Estudos disponibilizados pelo MEC (BRASIL, 2002) nos Cadernos
Pedagógicos, sobre a deficiência visual, revelam que enxergar não é uma
habilidade inata, ou seja, ao nascer ainda não sabemos enxergar: é preciso
aprender a ver. Não é um processo consciente. Embora nem pensemos nis-
so, estamos ensinando um bebê a enxergar quando, ao carregá-lo no colo,
vamos mostrando-lhe o mundo, identificando objetos, pessoas, lugares.
O desenvolvimento das funções visuais ocorre nos primeiros anos
de vida. Graças a testes de acuidade visual recentemente desenvolvidos,
hoje é possível fazer a avaliação funcional da visão de um recém-nasci-
do, ainda no berçário, o chamado teste do olhinho.
A capacidade visual do ser humano tem seu desenvolvimento con-
tínuo e progressivo nos primeiros anos de vida, alcançando sua plenitu-
de em torno dos 5 aos 6 anos. Torna-se fundamental a observação aten-
ta das primeiras semanas de vida
Saiba mais do bebê, visto que a cada semana
86
O teste do olhinho foi estabelecido recente- pode-se observar a evolução das
mente como um dos principais exames a serem funções visuais.
realizados no recém-nascido. Trata-se de um
Na segunda semana de vida,
exame simples e indolor no qual o médico
especializado utiliza um aparelho denominado
o bebê movimenta os olhos inde-
oftalmoscópio (lanterninha), que emite feixes pendentemente de objetos, mas
de luz nos olhos do bebê. Tais estímulos lumi- ainda é um movimento desorde-
nosos, quando aplicados em olhos saudáveis, nado, pisca ao estímulo luminoso
emitem reflexos vermelhos, laranjas ou amare- e tem, nesse momento, boa visão
los, indicando a boa saúde visual do bebê, caso periférica. Na terceira semana já
contrário, é um importante indicador de que fixa o olhar nas coisas que o cer-
exames mais específicos devem ser realizados. cam. A partir da sexta semana os
Saiba mais sobre esse assunto em: <http:// olhos se mexem na linha media-
guiadobebe.uol.com.br/recemnasc/teste_do_­ na do corpo e, aos dois meses, já
olhinho.htm>. olha para baixo e para cima, tem
fixação momentânea, há boa co-
ordenação dos olhos e responde efetivamente a estímulos. Aos três me-
ses o reflexo da visão está bem desenvolvido, segue objetos e esforça-se
para manter a imagem na área macular. Já aos quatro meses coordena os
dois olhos, usa a visão para localizar pessoas e objetos, associa a fixação

FAEL
Capítulo 5

ocular e os movimentos das mãos. A criança deve ser estimulada a ver, a


perceber diferentes cores, luzes, detalhes nos ambientes. Além da visão,
utiliza-se de todos os outros sentidos para desvendar o mundo.
Diehl (2006, p. 62) afirma que “a criança privada da capacidade
de enxergar sente curiosidade e procura satisfazê-la. Porém, em vez de
utilizar a visão, sua atenção será desviada para o som, servindo-se da
audição para desvendar sua cinestesia espacial”. Sendo assim, a visão
constitui o mais importante sistema-guia do indivíduo, pois cerca de
80% das informações nos chegam por meio dela. Assim, os cegos preci-
sam recorrer a outros tipos de sistemas-guia, como por exemplo, o tato,
o olfato e principalmente a audição.
De acordo com Diehl (2006), quando a criança tem resquício vi-
sual, a família e a escola devem procurar aproveitar o máximo de sua
possibilidade de percepção visual, focando sua atenção não no deficit,
na perda visual, mas nas potencialidades, buscando meios de estimula-
ção que permitam o desenvolvimento e a inserção produtiva na família,
na escola e na sociedade.
87
Conceitos e classificação da deficiência visual
A deficiência visual é uma limitação ou perda de uma ou mais fun-
ções básicas do olho e do sistema visual, podendo se referir à acuidade
visual e/ou ao campo visual. Diehl (2006, p. 65) complementa que
“deficiência visual é a redução ou perda total da capacidade de ver com
o melhor olho, mesmo após a melhor correção ótica”.
Os distúrbios acarretados pela perda e/ou limitação na visão cen-
tral referem-se aos da acuidade visual. Já os acarretados pela perda e/ou
limitação na visão periférica referem-se aos ocorridos no campo visual.
O campo visual do ser humano é em média de 180 graus e tem capaci-
dade de enxergar a 120 metros de distância (DIEHL, 2006).
Esses dados estão estritamente ligados aos fatores de ordem quan-
titativa, na qual as aferições de medidas do campo visual e da acuidade
visual são verificadas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (2003) os distúrbios
relativos à acuidade visual estão divididos em dois grupos: as pessoas
com baixa visão e as pessoas com cegueira.

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São consideradas com baixa visão, segundo Diehl (2006 p. 23), as


pessoas “com resquícios visuais não suficientes para dispensar a utili-
zação de técnicas de orientação, caso não sejam feitas as devidas adap-
tações”. No enfoque educacional ocorre quando o indivíduo possui
resíduo visual, tal que permite ao educando ler material impresso a
tinta, desde que se empreguem recursos didáticos e equipamentos es-
peciais e, ao mesmo tempo, lentes de óculos que facilmente corrijam
algumas deficiências.
A baixa visão, quanto à acuidade visual, está classificada da seguin-
te forma:
CLASSIFICAÇÃO VISÃO MÍNIMA VISÃO MÁXIMA
Leve 20/30 20/60
Moderada 20/80 10/100
20/400 ou a contar dedos
Severa 20/200
a 3 metros*
Profunda 20/500 20/1000 conta dedos a 1 metro
88 *Considerada em alguns países como cegueira legal para efeitos de aposentadoria.
Fonte: Diehl (2006 p. 24).

A acuidade visual é utilizada como medida padrão, segundo parâ-


metros mundialmente seguidos com a utilização do referencial 20/20,
que corresponde ao seguinte: uma pessoa enxerga a 20 pés o estímulo
que seria visto a 20 pés. Esse indivíduo é portador de visão normal. Se
transformássemos em metros, teríamos o seguinte correspondente 6/6.
Isso significaria que o individuo vê a 6 metros o estímulo que deveria
ser visto a 6 metros. A medida de 20 pés equivale a 6 metros utilizados
no Brasil. A partir da situação em que o denominador do referencial
utilizado aumenta, há diminuição da visão.
O campo visual do ser humano com visão normal é 180º, que
corresponde ao nível de desempenho no qual o indivíduo é capaz de
visualizar estímulos na periferia da visão, olhando em direção a um
ponto fixo de frente.
Por cegueira, Diehl (2006, p. 23) define como sendo “a incapaci-
dade total de ver a qualquer distância, ou com capacidade de distinguir
a luminosidade, porém não as formas”.

FAEL
Capítulo 5

Outra definição trazida por Diehl (2006, p. 25): “cegueira é a au-


sência ou perda da visão em ambos os olhos, ou um campo visual infe-
rior a 0,1 grau no melhor olho, mesmo após correção, não excedendo
a 20 graus no maior mediano do melhor olho, mesmo com o uso de
lentes de correção”.
A cegueira, de acordo com sua abrangência, classifica-se da seguin-
te forma:
CLASSIFICAÇÃO COMPROMETIMENTO VISUAL
Cegueira intensa Há percepção de luz
Há perda da projeção de luz até ausência
Cegueira total
do globo ocular
Fonte: Diehl (2006, p. 26).

Os distúrbios do campo visual estão classificados da seguinte forma:


CLASSIFICAÇÃO CAMPO VISUAL CORRESPONDENTE
Leve 120º – 80º
Moderada 60º – 30º
89

Severa 20º – 15º*


Total 0º

*Em alguns países serve para aposentadoria, é chamada de cegueira legal.


Fonte: Diehl (2006, p. 26).

Causas da deficiência visual


As causas da deficiência visual são diversas e podem ser pré-natais,
peri-natais ou pós-natais, congênitas ou adquiridas, além daquelas pró-
prias da vida adulta. Entre as causas mais comuns destacam-se as ques-
tões hereditárias; a incompatibilidade sanguínea; doenças infectoconta-
giosas (tanto como causa pré-natal como pós-natal); a prematuridade, o
sofrimento fetal; traumatismos; acidentes; além de outras.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define as causas da de-
ficiência visual como congênitas, hereditárias, metabólicas, infecciosas,
vasculares, tumorais, traumáticas e idiopáticas, ou seja, doenças que
não possuem causa certa ou conhecida.

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As causas congênitas dizem respeito ao desenvolvimento do em-


brião, quando este se apresenta fora dos padrões normais; as idiopáticas
resultam em perdas permanentes como as apresentadas pelo nistagmo,
estrabismo, colobomas, opacificação da córnea, má formação do nervo
óptico; entre as hereditárias, a Organização Mundial da Saúde (20063)
destaca a catarata, atrofia do nervo óptico, albinismo e glaucoma. Nas
doenças infecciosas citam-se a sífilis, rubéola, toxoplasmose, herpes,
causas de infecções congênitas que podem ocasionar danos visuais além
de outros comprometimentos; as causas traumáticas estão relacionadas
a lesões causadas por ferimentos, produtos químicos e por instrumen-
tos agudos. Nas tumorais cita-se a retinoblastoma, tumor cancerígeno
ocular que aparece nos primeiros anos de vida.
Os bebês que nascem prematuramente e precisam receber oxigênio
na incubadora necessitam de grande atenção, visto que o excesso de oxi-
gênio pode ocasionar o que se denomina retinopatia da prematuridade,
ou seja, a opacificação do corpo vítreo, acompanhado da degeneração
da retina. Na criança vítima de retinopatia da prematuridade pode-se
90
notar, entre a sexta e a décima semana de vida, o que popularmente se
chama de “pupila branca” (leucocoria), o que representa a fase terminal
da doença com a cegueira total (FUNDAÇÃO HILTON ROCHA).
Há algumas infecções que ocorrem durante a gravidez que podem
causar a cegueira. Entre elas a toxoplasmose e a rubéola que, se adqui-
ridas no início da gravidez, podem ser fatais, causando lesões irreversí-
veis que afetam consideravelmente a visão e em muitos casos levam a
cegueira total. Ao surgirem infecções, quanto mais avançada a gravidez,
menores são os riscos, mas em geral as sequelas são inevitáveis.
Os tumores intraoculares, denominados retinoblastoma, são mais
comuns na infância, antes dos quatro anos. É conhecida popularmente
como “olho de gato”, pelo fato de o olho acometido apresentar clarão
causado pelo reflexo da luz. Outros sintomas como olhos vermelhos,
estrabismo, dores oculares e pupila esbranquiçada são objetos de obser-
vação e investigação.
A retinose pigmentar representa a degeneração progressiva das células
da retina, levando à atrofia geral de toda a membrana. Inicia-se por volta
de 12 anos de idade, evoluindo à cegueira total, por volta dos 60 anos. É
hereditária, mas não congênita. O diagnóstico é específico, feito por meio

FAEL
Capítulo 5

de exames oftalmológicos do campo visual, a palidez pupilar, afinamento


vascular e a pigmentação (FUNDAÇÃO HILTON ROCHA).
Na vida adulta, uma das principais causas da cegueira é o glauco-
ma, que de forma resumida pode ser definido como sendo a elevação
da pressão intraocular, somado às alterações papilares e alterações do
campo visual. A pressão intraocular é causada quando a drenagem do
aquoso (substância líquida que se encontra no interior da cavidade ocu-
lar) não se realiza adequadamente, acumulando-se, o que provoca uma
grande tensão intraocular, causando o aumento significativo das pare-
des do globo ocular, comprimindo o nervo óptico, provocando dores
e até mesmo rompimento do globo. Quando esse extremo não acon-
tece, o aquoso torna-se turvo, o que ocasiona grande perda visual. É
uma doença que evolui silenciosamente e que pode ser controlada por
meio de medicamentos e constante observação da pressão intraocular
(­FUNDAÇÃO HILTON ROCHA).
Além das causas já citadas, o diabetes aparece como um dos prin-
cipais fatores de cegueira na vida adulta. O diabetes caracteriza-se pela
dificuldade de metabolização e aproveitamento de alimentos, ocasio- 91
nando acúmulo de grande quantidade de açúcar no sangue (DIEHL,
2006). Quando não tratado adequadamente, o diabetes pode provocar
inúmeras complicações orgânicas, dentre elas a retinopatia diabética,
que pode levar à cegueira. A retinopatia diabética apresenta-se em dois
tipos distintos: a não proliferativa, a qual provoca um estreitamento ou
enfraquecimento gradual dos pequenos vasos sanguíneos; e a prolifera-
tiva, que se caracteriza pelo entupimento dos vasos sanguíneos do olho,
podendo evoluir para um vazamento para o interior do globo ocular. O
diagnóstico é feito pela análise de fundo do olho (DIEHL, 2006).
Uma vez instalada, a doença é irreversível, e seja ela progressiva
ou não, é importante buscar minimizar as consequências, sejam físicas,
sensoriais ou emocionais. Aprender a ver o mundo e a decifrá-lo por
meio dos demais recursos que o próprio corpo disponibiliza e aprender
a utilizar os demais sentidos e os resíduos visuais, muitas vezes, fazem a
diferença entre a limitação e a potencialidade.
Segundo Diehl (2006, p. 45), “a pessoa cega pode ter uma per-
cepção auditiva e tátil aguçada (por necessitar mais desses sentidos),
sendo assim, seu desenvolvimento motor é estimulado através de in-
formações sensoriais sonoras e táteis”. A pessoa com baixa visão tem

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maiores possibilidades de desenvolvimento normal, visto que possui


resquícios ­visuais que lhe permitem utilizar-se, mesmo que precaria-
mente, do ­sentido da visão. No entanto, saber utilizar o resíduo visual
é tão importante quanto aprender a enxergar. Nesse sentido, surge a
possibilidade da reeducação visual, conceito que trataremos a seguir.

Reeducação visual
Aprendemos a ver, e esse processo se efetiva em torno dos 5 aos 6 anos,
na chamada idade sensorial. À medida que há estímulo conduzido através
do sistema visual, há condições do indivíduo aprender a utilizar-se plena-
mente de seus recursos visuais. Se há, nesse percurso, comprometimento
de estruturas oculares ou do sistema visual dificultado, tanto no nível de
sistema nervoso central e/ou periférico, isso causará dificuldades visuais que
podem ser no nível de captação de imagem ou de associação e interpretação.
Esses fatores esclarecem porque o ato de ver depende de aprendizado.
Levando em conta que a aprendizagem acontece durante toda nos-
sa vida, o ato de ver alcança o ápice na chamada idade sensorial, em
92 torno dos seis anos, e os progressos são mais satisfatórios, mas, durante
toda a vida, podemos dispor de mecanismos que nos conduzem a en-
xergar com eficiência, independentemente da faixa etária
A reeducação visual consiste no ato de utilizar a visão residual por
meio de exercícios específicos, baseados no funcionamento da visão.
Objetiva alcançar o mais alto potencial possível, a eficiência que con-
duz ao bom desempenho visual. Portanto, o tempo e a intensidade
do trabalho necessitam ser mais constantes na faixa etária posterior à
sensorial, visto que o tempo e o ritmo individual de cada um precisam
ser considerados no ato de aprender a ver.
Quanto antes perceber-se a perda visual, antes se pode iniciar um
processo de aproveitamento e desenvolvimento visual. Para tanto, é pre-
ciso atentar para o desenvolvimento do bebê e para os sinais que podem
representar uma limitação. É preciso observar se a criança percebe e
procura fontes de luz, se acompanha visualmente pessoas e objetos, mo-
vimenta as mãos frente aos olhos, vira-se no berço da posição frontal
para dorsal, reage aos estímulos visuais (como cor, intensidade de luz),
se estende os braços, se reconhece visualmente familiares e responde
a sorrisos. São sinais ­simples que muitas vezes passam despercebidos

FAEL
Capítulo 5

quando do desenvolvimento normal do bebê, mas que, se ausentes, são


grandes indícios de perda visual, podendo, quando detectados, oportu-
nizar a intervenção precoce.
Na infância, outros sinais devem ser observados, principalmen-
te no período escolar: quando a criança aproxima demasiadamente os
objetos dos olhos, não apresenta expressões faciais, não busca objetos
caídos no chão, tropeça ao caminhar, na escrita omite letras, pula linhas
e comete muitos erros ao copiar do quadro-de-giz.
Diehl (2006, p. 47) afirma que “o indivíduo com comprometi-
mento visual segue a mesma ordem de evolução ontogênica dos indiví-
duos que enxergam, embora possa ter seu desenvolvimento comprome-
tido se não for estimulado”.
A falta ou limitação da visão diminui a captação de estímulos e,
certamente, restringe as experiências práticas de contato e manipulação
de objetos visualmente percebidos, cores, formas, estados, expressões, o
que provoca uma defasagem no nível cognitivo, visto a dificuldade bá-
sica de formação de conceitos. De acordo com Conde (apud DIEHL,
2006, p. 47), “A defasagem cognitiva é uma situação conjuntural e não 93
estrutural no desenvolvimento da pessoa cega”. Além da defasagem
cognitiva, pode-se observar alguma defasagem no que diz respeito ao
desenvolvimento psicomotor, à autoconfiança e autoestima. No entan-
to, o estímulo a que a pessoa com deficiência visual é exposta define o
grau de defasagem e até mesmo a inexistência desta.
Expor a criança cega ou com baixa visão a situações reais do contex-
to em que vive, inseri-la nas atividades diárias da casa, da escola e da so-
ciedade, são formas de ativá-la para a exploração do seu espaço corporal,
do conhecimento de si e do seu entorno, evitando que se feche em seu
mundo, criando barreiras e limitações para além das visuais. Permitir a
essa criança a conquista do seu espaço exige desprendimento e compre-
ensão de pais, familiares e professores de que a limitação sensorial não
impõe a limitação do ser humano na conquista de sua autonomia.

Orientação e mobilidade
A pessoa privada da visão não possui referenciais visuais que lhe per-
mitam construir uma imagem corporal e nem uma percepção i­ntegral
dos ambientes. Ela constrói tais referenciais a partir das ­sensações táteis,

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olfativas e auditivas, as quais são mais ou menos completas e comple-


xas, em decorrência do nível de experiências vivenciadas pela pessoa.
Pessoas cegas que são superprotegidas, que não vivenciam situações
cotidianas, que não realizam as atividades da vida diária, têm menos
condições de construir estes referenciais.
Segundo Diehl (2006, p. 52), “mobilidade é a resposta, através de
movimentos, a estímulos de origem interna e externa e a orientação é
a utilização dos sentidos remanescentes para estabelecer a posição do
próprio corpo e o relacionamento com todos os outros objetos signifi-
cativos do ambiente”.
Na busca da conquista da autonomia de locomoção da pessoa cega,
explicitaremos, a seguir, as três principais técnicas de orientação e mobili-
dade utilizadas: o guia humano (vidente), o uso da bengala e o cão-guia.
O guia humano (vidente) é a técnica de orientação e mobilidade
mais utilizada no início do processo de construção da autonomia da
pessoa cega. É, portanto, a técnica que tem por objetivo oportunizar
a locomoção da pessoa cega, sem que a mesma tenha sua integridade
94
física ameaçada. Consiste em a pessoa cega ser guiada e orientada por
uma pessoa que enxerga.
Ser guia humano exige conhecimento da técnica e disponibilidade
para acompanhar a pessoa cega em suas atividades. Em primeiro lugar,
o guia humano não deve impor-se e nem submeter-se à pessoa cega,
é uma ação de parceria e cumplicidade. Sobre a técnica, é importante
observar que a pessoa que está guiando deve se colocar meio passo à
frente do cego, que segurará pouco acima do cotovelo do guia. Essa
posição dá segurança ao cego de que os obstáculos do percurso serão
percebidos e superados primeiramente pelo guia que lhe indicará o ca-
minho, descrevendo-o oralmente. Ao subir ou descer escadas, o guia
ficará sempre um degrau a frente do cego, e quando houver, lhe ofere-
cerá o corrimão. Em estreitamento do percurso, o guia ficará à frente
do cego e este perceberá que deve ficar atrás do guia para passar com
segurança. É importante conhecer a técnica correta, visto que ainda vê-
se cegos andando de braços dados ou com a mão no ombro do guia, o
que dificulta a autonomia de ambos e, estando no mesmo plano, coloca
em risco a integridade física da pessoa cega por não poder antecipar
possíveis obstáculos.

FAEL
Capítulo 5

O uso da bengala pela pessoa cega exige conhecimento da técni-


ca e treinamento, saber usar a bengala é imprescindível na conquista da
autonomia. A bengala utilizada deve ter altura adequada à estatura da
pessoa cega, ou seja, deve ter o comprimento que vai da altura do peito
até o chão. A pessoa cega deve segurar a bengala na altura da cintura e
movimentá-la à sua frente, de um lado para outro, tocando levemente o
chão, em movimentos alternados com os pés, ou seja, enquanto a bengala
rastreia um lado, o pé oposto estará avançando um passo à frente. O mo-
vimento da bengala permite perceber obstáculos, dando maior segurança
e agilidade à pessoa cega, permitindo-lhe caminhar de forma mais rápida
e regular. Não se usa a bengala quando se opta pelo guia humano.
O uso do cão-guia é sempre de grande aceitação, pois ele passa a ser
companheiro constante da pessoa cega, tornando-se parte integrante do
seu processo de autonomia. Os cães passam por longo processo de adap-
tação social e de adestramento para poderem exercer a função de cão-guia.
É importante salientar que o cão-guia não sabe os caminhos, é necessário
que a pessoa cega lhe indique os percursos a serem realizados. O cão-guia,
assim como a bengala, apenas indica os espaços em que a pessoa cega 95
pode deslocar-se com segurança. Apesar da grande aceitação e até mesmo
legislação própria que permite ao cão-guia entrar em todos os ambientes,
apenas 5% dos cegos têm acesso ou optam por essa técnica por ser econo-
micamente desfavorável, visto que o cão-guia exige cuidados e atenção.
A utilização das diferentes técnicas de orientação e mobilidade
apresentadas devem ser introduzidas o mais cedo possível a fim de de-
senvolver a autoconfiança, a autoestima e o sentido de cooperação da
pessoa cega, além de possibilitar precocemente sua integração social,
ajudando-lhe a superar barreiras impostas.
Além das técnicas de orientação e mobilidade, destinadas à cons-
trução da autonomia da pessoa cega, há outros recursos que possibili-
tam sua inserção social e seu desenvolvimento autônomo.

Recursos para o trabalho escolar com a pessoa


com deficiência visual
O trabalho com a pessoa com baixa visão ou cega exige uma série de
recursos pedagógicos, a fim de que suas limitações sensoriais não sejam

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impeditivas de seu desenvolvimento escolar. Entre esses recursos, citamos


o uso de materiais ampliados, em relevo, em Braille e o uso do sorobã.
Com relação à ampliação de material, dois aspectos devem ser
observados: a fonte (tamanho) indicada para cada pessoa, de acordo
com sua capacidade visual, deve ser determinada por meio de testes
realizados por profissional habilitado; e a seleção de materiais a serem
ampliados, de forma que sejam feitas as adaptações curriculares, evitan-
do-se a produção de materiais inadequados que possam desestimular
o educando com baixa visão. Atualmente, o uso do computador para
a ampliação de material tem sido fator de inclusão educacional para
pessoas com baixa visão que necessitam desse auxílio.
Em uma sociedade letrada como a que vivemos, saber ler e escrever
são pré-requisitos para o exercício da cidadania. A pessoa cega é um
cidadão, cujos direitos são assegurados pela legislação. Ela tem o direi-
to de aprender a ler e a escrever, respeitando-se as suas possibilidades
sensoriais. Nesse sentido, aprender e apropriar-se do sistema Braille é
indispensável à pessoa cega, visto que esse se constitui em um dos prin-
96 cipais recursos que lhe permite a comunicação.
A primeira tentativa conhecida no sentido de desenvolver um sis-
tema de leitura para pessoas sem visão ocorreu em 1580, quando letras
do alfabeto romano foram gravadas em baixo-relevo, sobre pedacinhos
de madeira.
Em 1825, Louis Braille inventou um eficiente sistema de leitura
e escrita para cegos, que levou seu nome e ainda hoje é usado no
mundo inteiro.
O sistema Braille, inscrito em relevo, é explorado por meio do tato.
Cada “cela” é formada por um conjunto de seis pontos, permitindo 63
diferentes combinações para obter todos os sinais necessários à escrita;
letras do alfabeto, sinais de pontuação, maiúsculas e minúsculas, sím-
bolos de matemática, física, química e notas musicais.
Os seis pontos são dispostos em duas colunas, com três pontos em
cada uma, formando um retângulo, ou “cela”. Para facilitar sua iden-
tificação os pontos são numerados de um a seis, contribuindo para a
memorização não só do posicionamento, por meio do tato, mas de sua
combinação numérica, o que facilita a escrita.

FAEL
Capítulo 5

De acordo com publicação do MEC (BRASIL, 2006), as pessoas


com deficiência visual nem sempre conseguem ter suficiente velocida-
de de leitura para conseguir ler de forma eficiente e prazerosa. Para o
cego, a atividade de leitura envolve dificudades bem peculiares, como
o cansaço nos dedos indicadores (os mais utilizados para ler), que vão
perdendo a sensibilidade e tornando difícil a identificação de palavras e
letras. Pesquisas comprovam que a leitura tátil é três vezes mais fatigante
que a leitura visual. A tempera-
tura também influencia, no tem- Saiba mais
po frio é comum a sensação de Uma das grandes dificuldades do aluno cego é
amortecimento nos dedos, o que que poucas pessoas conhecem o sistema Braille
prejudica o tato. e sabem trabalhar com ele. Podemos afirmar,
com segurança, que para uma pessoa que vê
O Braille foi escrito ini- é muito fácil aprender Braille, pois nada mais
cialmente utilizando-se de dois é do que uma combinação de pontos. Alguns
elementos: a reglete e o punção. videntes julgam que, ao trabalharem com o
Posteriormente surgiu a máqui- Braille, o fazem como a pessoa cega, quando
na Braille, e atualmente as im- na verdade utilizam a visão e não o tato para
pressoras Braille, que facilitam e a leitura, visto que reconhecem a posição das
agilizam a reprodução de mate- saliências (pontos) e não necessitam senti-las 97
riais destinados às pessoas cegas. por meio do tato. A Universidade de São Paulo
(USP) desenvolveu um curso virtual de Braille,
Além do Braille, há ou- que prepara pessoas para trabalhar com viden-
tros recursos que visam facilitar tes ou não videntes. Consulte o link: <http://
a vida dos deficientes visuais, www.braillevirtual.fe.usp.br/pt/index.html>.
como o sorobã (ábaco), utiliza-
do para os cálculos matemáticos; a bengala longa; os livros falados; os
sinais sonoros nos ônibus e semáforos. Porém, ainda há muito a ser fei-
to para promover a real inclusão dos deficientes visuais na sociedade.

Como se relacionar com a pessoa que apresenta deficiência visual


O convívio com uma pessoa com deficiência visual exige que alguns pon-
tos sejam observados. Muito mais do que normas ou regras, devem nortear
o trabalho e a convivência com o deficiente visual o uso do bom senso, de
ações de cooperação e solidariedade e a ética nas relações. Pontua-se a seguir
aspectos da convivência que, quando atentados, podem facilitar o relaciona-
mento e a inclusão da pessoa com deficiência no âmbito escolar e social.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


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• Não a pegue pelo braço inesperadamente para não assustá-la.


• Ofereça ajuda, perguntando, antes de agir, se ela necessita de auxílio.
• Para guiá-la, segure-lhe o braço no ombro ou no cotovelo ou apenas
deixe-a segurar em seu braço e acompanhá-lo.
• Oriente-a ao encontrar degraus, meios-fios e outros obstáculos.
• Em lugares estreitos, vá à frente, dando-lhe o braço ou a mão para que
ela possa lhe seguir.
• Ao afastar-se ou sair do recinto, comunique-a.
• Explicite direções o mais objetivamente possível.
• Guie sua mão para o encosto da cadeira, informando se a cadeira tem
braços ou não.
• Não a exclua de participar das atividades cotidianas, dos contatos so-
ciais. Deixe que a pessoa decida como participar.
• Fale-lhe em tom natural diretamente.
98
• Apresente-a para outra pessoa de frente para ela, para que estenda a
mão corretamente.
• Se necessário falar-lhe de cuidados com relação à sua aparência física ou
vestuário, faça-o com delicadeza e naturalidade.
• Chegando pela primeira vez a um ambiente, leve-a conhecer as
­dependências e a posição dos móveis para que possa aprender a loco-
mover‑se sozinha.
• Coloque-lhe a mão na lateral da porta do carro para que suba com
mais segurança e tome cuidado para não prender seus dedos ao fechar
a porta.
• Dê-lhe a mão ao cumprimentá-la e ao despedir-se, substituindo o sorri-
so cordial.
• Chame-a pelo nome ao chegar num recinto em que se encontra para
que possa identificá-lo pela voz; não deixe de apresentar-se.
• Não precisa evitar palavras como “olhar” e “ver”, o cego vê o mundo por
outros canais (BRASIL, 2000, p. 23-24).

FAEL
Capítulo 5

A audição e a deficiência auditiva


Neste item trataremos da deficiência auditiva, suas especificida-
des, causas, consequências e as diferentes formas de se trabalhar com a
pessoa com deficiência auditiva, nos seus diversos níveis, das pequenas
perdas auditivas à surdez.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (apud BRASIL,
2006), é considerado deficiente auditivo o indivíduo que apresenta per-
da parcial ou total, bilateral de no mínimo 25 decibéis (dB), resultante
da média aritmética do audiograma. A perda auditiva classifica-se da
seguinte forma:
●● Surdez leve – a pessoa apresenta perda auditiva de até 40 dB,
o que lhe impede de perceber todos os fonemas das palavras de
maneira uniforme; o som mais fraco ou distante não é ouvido,
o que dificulta as relações interpessoais. Muitas vezes, a perda
não é notada nem pelo indivíduo, nem pelos familiares. O
indivíduo é considerado desatento, visto que solicita constan-
temente a repetição daquilo que lhe falam. Essa perda auditiva
não impede a aquisição normal da língua oral, mas poderá 99
causar problemas articulatórios na leitura e/ou na escrita.
●● Surdez moderada – ocorre perda de até 70 dB. Recurso au-
ditivo: Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI),
que possibilita o processamento de informações linguísticas
pela audição, tendo possibilidade plena de desenvolver a lin-
guagem. Apresentando perda auditiva entre 40 e 60 dB, nível
que interfere na percepção da palavra, tem necessidade de ser
tratado com voz mais intensa para que seja convenientemente
percebida. Mesmo tendo consciência auditiva, é frequente o
atraso na linguagem e as alterações articulatórias, havendo,
em alguns casos, maiores problemas linguísticos. A pessoa
tem mais dificuldade de discriminação auditiva em ambientes
ruidosos. Em geral, identifica as palavras mais significantes,
tendo dificuldade em compreender certos termos de relação
e/ou formas gramaticais complexas. Sua compreensão verbal
está ligada à sua aptidão para a percepção visual.
●● Surdez severa – perdas auditivas acima de 71 dB a 90 dB.
A pessoa apresenta grande dificuldade para desenvolver a

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l­inguagem. Mesmo com essa perda auditiva, é capaz de iden-


tificar alguns sons familiares e até perceber a voz forte. Quan-
do congênita ou adquirida na primeira infância, pode chegar
aos quatro ou cinco anos sem aprender a falar, caso não haja
intervenção precoce. Se a família estiver atenta e precocemen-
te for orientada pela área da saúde e da educação, a criança
poderá adquirir a linguagem oral, necessitando de acompa-
nhamento fonoaudiológico. A compreensão verbal vai depen-
der, em grande parte, de sua aptidão para utilizar a percepção
visual e para observar o contexto das situações.
●● Surdez profunda – indivíduo que apresenta perda superior a
90 dB. A gravidade dessa perda é tal que a pessoa é privada das
informações auditivas necessárias para perceber e identificar a
voz humana, impedindo-a de adquirir a língua oral. Nesses
casos, muitas vezes o indivíduo é erroneamente chamado de
surdo-mudo.
O início do desenvolvimento do bebê com perda auditiva, mesmo
100 sendo surdo, é idêntico ao dos demais bebês, balbucia como qualquer
outro. No entanto, à medida que
Saiba mais não tem acesso às estimulações
O teste da orelhinha, ou triagem auditiva auditivas do meio, perde essa ca-
neonatal, trata-se de um teste rápido, fácil e
pacidade e deixa de desenvolver
indolor. O teste consiste na colocação de um
a linguagem. Nesse sentido, a
fone na orelha do bebê, acoplado a um com-
putador que emite sons de fraca intensidade
atenção dos pais e demais fami-
e analisa as respostas do bebê aos estímulos liares à evolução do desenvolvi-
sonoros. O teste é feito com o bebê dormindo mento da criança nos primeiros
em sono natural e leva cerca de três a quatro meses é de vital importância, vis-
minutos. Encontre mais detalhes no link: to que, quanto antes seja iden-
<http://guiadobebe.uol.com.br/recemnasc/­ tificada a perda auditiva, antes
teste_da_orelhinha.htm>. tenha a possibilidade de inter-
venção especializada que lhe pos-
sibilite desenvolver ao máximo a sua possibilidade de comunicação e
percepção auditiva.
Cabe aos pais o constante estímulo aos bebês com deficiência
ou não, para que possam desenvolver suas potencialidades. Estimu-
lar é permitir o contato com os diferentes sons, nos mais variados

FAEL
Capítulo 5

a­ mbientes. É estar atento às reações do bebê, aos estímulos, visto que a


criança com perda auditiva, quando não estimulada adequadamente,
perde a oportunidade de aquisição da fala, uma vez que não a perce-
bendo se desinteressa por ela e, inexistindo o retorno auditivo, não
possui modelo para suas emissões. A fala passa a ser ignorada e até
mesmo substituída pela linguagem gestual e/ou por linguagem própria
de sinais, como a Libras (Língua Brasileira de Sinais), considerando a
possibilidade do bilinguismo.
É por meio da linguagem que o ser humano manifesta a sua ca-
pacidade de abstração, no que se refere à representação de objetos au-
sentes, fatos, eventos, objetivos a serem perseguidos, planejamentos a
serem realizados. Portanto, é indispensável no trabalho com surdos que
a aquisição da língua seja considerada, sobretudo porque é uma questão
cultural, visto que a língua materna é aquela adquirida naturalmente
nas primeiras relações familiares. A criança ouvinte, imersa no ambien-
te linguístico, desenvolve plenamente sua capacidade de comunicação,
podendo interagir socialmente. A criança ouvinte chega à escola domi-
nando completamente a comunicação oral, cabendo à escola apenas a 101
sistematização desta.
A criança surda, privada da linguagem oral e da imersão linguísti-
ca, desenvolve uma linguagem própria baseada em sinais o que, muitas
vezes, é um dificultador para posterior aquisição da Libras. Cabe à
escola assumir a difícil função de dar condições à criança surda de uti-
lizar-se da Língua Brasileira de Sinais para comunicar-se amplamente
e aprender a língua portuguesa, visto a importância desta no contexto
escolar e social.
Essa nova incumbência da escola torna a formação do professor
cada vez mais abrangente e as exigências profissionais mais amplas, já
que a escola, como espaço democrático, deve receber a todos, e a todos
atender independentemente de suas particularidades.
O atendimento aos alunos com surdez está extremamente susce-
tível às condições culturais do indivíduo e do núcleo familiar. Quanto
mais conhecimento e informações sobre a perda auditiva, intensidade,
idade e condições em que essa ocorreu, maiores são as condições de
acesso a atendimento especializado e, consequentemente, a relação des-
se com resultados favoráveis.

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Aceitar a deficiência e as novas condições de aprendizado que essa


sugere é o primeiro passo para enfrentar as dificuldades que se apresen-
tam. A criança surda precisa ser aceita, assim como suas possibilidades
de aprendizado, principalmente no que diz respeito à Língua Brasileira
de Sinais. Aceitar a língua de sinais é aceitar a própria condição do sur-
do como cidadão integral, pleno.

Sinais que podem indicar uma perda auditiva


Os primeiros momentos da vida de um bebê são repletos de expec-
tativas, estar atento aos seus sinais vitais é fator decisivo quando se trata
de agir precocemente. A reação da criança aos estímulos indica sinais
a serem observados nas diversas etapas do desenvolvimento da criança.
Observar atentamente pode fazer a diferença.
Quando bebê, o balbuciar e o seu evoluir, a reação diante de ba-
rulhos próximos e distantes, indicam um desenvolvimento normal ou
não, em relação à audição. A criança que não evolui o balbuciar, ou
102 interrompe-o após os seis meses, quando não acorda com facilidade
em ambientes com barulho ou conversas e apresenta maior atenção aos
estímulos visuais do que aos estímulos sonoros, deve ser atentamente
observado para que, havendo indícios de perda auditiva, seja precoce-
mente encaminhado a atendimentos especializados.
Muitas vezes os pais ignoram esses primeiros sinais de perda au-
ditiva e a criança adentra a infância com indícios cada vez mais abran-
gentes. A criança que grita muito; fala muito baixo; ouve música ou
assiste televisão com som muito acima do normal; que muitas vezes
não reage aos estímulos sonoros normais, mas apenas a sons muito
altos; apresenta dificuldade de acompanhar a conversa; solicita com
constância que frases sejam repetidas; fixa o olhar nos lábios de seu in-
terlocutor; gesticula muito ao expressar-se; prefere os sinais às palavras
e inclina a cabeça procurando ouvir melhor apresenta um conjunto
de indícios de que há dificuldade auditiva. No entanto, é preciso ficar
claro que essas características de comportamento, isoladamente, não
são alvo de maiores preocupações, e sim quando o conjunto ou parte
delas se apresentam atitudes de análise e investigação devem ser ime-
diatamente tomadas.

FAEL
Capítulo 5

Na fase escolar, a dificuldade auditiva, muitas vezes não percebida


pelos pais e demais familiares, se evidencia quando a criança apresenta
dificuldade de comunicação com os colegas, demonstrando-se retraído
ou tímido. Busca constantemente o isolamento, preferindo as ativida-
des individuais em relação às coletivas. O extremo contrário também
deve ser observado: criança que não aceita ordens; que ignora as de-
terminações dos professores; que insiste em atividades em grupo; que
não apresenta resultados individualmente; que apresenta dificuldade na
pronúncia das palavras – troca fonemas semelhantes na fala (p/b, t/d,
f/v) ou letras na escrita; usa palavras inadequadas ou incorretas quando
comparadas às palavras utilizadas por outras crianças da mesma idade.
O primeiro diagnóstico advém da observação atenta de pais e fa-
miliares ao desenvolvimento global da criança. Olhar atentamente é,
sim, a melhor forma de antecipar possíveis dificuldades e, então, poder
agir precocemente.

Causas e prevenção da surdez


A surdez pode ser congênita ou adquirida. As principais causas da 103
deficiência congênita são: hereditariedade, viroses maternas, doenças
da gestante, ingestão de medicamentos sem acompanhamento médi-
co. É adquirida quando existe uma pré-disposição genética, quando
ocorrem doenças infecciosas, uso de medicamentos, exposição a sons
impactantes e viroses, por exemplo.
Ao pensar em surdez e nas limitações que lhe são associadas, é natural
que se procure conhecer as causas que a provocam e os meios de evitá-las.
Durante muito tempo, e mesmo em nossos dias, a deficiência au-
ditiva foi erroneamente relacionada com a deficiência mental e até com
possessões demoníacas, o que imprimiu à pessoa surda rótulos como
“doidinhos”, mudos ou surdos-mudos.
Muitos alimentaram essas crenças, já superadas visto os estudos na
área que indicam que são várias e diferenciadas as etiologias (causas)
que originam a surdez, embora o conhecimento científico atual ainda
seja insuficiente para identificá-las na totalidade, algumas condições
têm se destacado, como causas potenciais da deficiência auditiva ou a
ela associadas, principalmente as apontadas por estudos biomédicos.

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A maior parte das pessoas com deficiência auditiva, cerca de 70%


(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006), apresenta a de-
ficiência em decorrência de causas pré-natais, ou seja, a criança adquire
a surdez ainda no seu período intrauterino, por causas variadas. Muitas
vezes, a surdez é decorrente de desordens genéticas ou hereditárias; fa-
tores relativos à consanguinidade; ao fator Rh; doenças infectoconta-
giosas, em especial a sífilis, toxoplasmose, herpes.
Deve-se, ainda, considerar fatores decorrentes do comportamento
da mãe gestante ou da situação nutricional em que esta se apresenta,
como causas de deficiências diversas, entre elas a auditiva. O uso de
drogas, álcool e a automedicação, a desnutrição materna, o diabetes,
a hipertensão e a exposição à radiação, são fatores que tornam o feto
suscetível à má formação e, portanto, às deficiências.
Nesse sentido, os exames pré-natais e o acompanhamento médico
da gravidez são indispensáveis para que muitas das deficiências sejam
evitadas, além da tomada de consciência da própria mulher de sua con-
dição de gestante e da consequência de suas escolhas antes e durante a
104 gravidez e o parto.
O poder público também deve assumir sua parcela de responsa-
bilidade, buscando viabilizar a todas as gestantes condições plenas de
acompanhamento pré-natal, campanhas efetivas de prevenção a doen-
ças infectocontagiosas, como o sarampo, a sífilis e a rubéola materna
em período de gestação e outras, grandes causadoras de problemas irre-
paráveis ao desenvolvimento pré-natal.
Aponta-se, ainda, como causas das deficiências em geral, àquelas
que a criança adquire em decorrência de problemas que surgem no mo-
mento do parto, chamadas perinatais. Entre elas aponta-se a pré‑ma-
turidade ou pós-maturidade da criança, a anóxia, o uso de fórceps, o
sofrimento fetal durante o parto e as infecções hospitalares.
Causas pós-natais são inúmeras, pois são aquelas que ocasionam a
surdez após o nascimento e ao longo de toda a vida do sujeito. Em espe-
cial, citam-se doenças como sarampo, toxoplasmose, rubéola, meningi-
te, encefalites e outras, uso indevido ou em excesso de medicamentos,
exposição contínua a ruídos ou sons muito altos, traumatismos crania-
nos, traumatismos pelo uso indevido de objetos pontiagudos, introdu-
zidos no canal auditivo e ainda infecções graves do aparelho auditivo.

FAEL
Capítulo 5

O estudo das etiologias demonstra a importância da prevenção


primária na área da saúde, uma vez que, segundo dados da Organi-
zação Mundial de Saúde (OMS), 1,5% da população dos países em
desenvolvimento tem problemas relativos à audição. O documento do
MEC, Saberes e práticas da inclusão , (BRASIL, 2006, p. 34), identifica
três níveis diferenciados de prevenção, conforme segue:
●● A prevenção primária refere-se às ações preventivas à surdez,
evitando sua ocorrência, e deve ser realizada por meio de cam-
panhas de vacinação contra as doenças infectocontagiosas,
em especial a rubéola, realização de exames pré-nupciais para
análise dos fatores sanguíneos e constatação do estado geral
de saúde do casal, acompanhamento à gestante (pré-natal),
campanhas de vacinação infantil contra sarampo, meningite,
caxumba e outras, e principalmente por meio da divulgação
das informações a respeito, palestras e orientações às mães.
●● A prevenção secundária refere-se às ações que buscam ame-
nizar as consequências da surdez e são realizadas tanto na
área da saúde como na área da educação. Na área da saúde 105
apresentam-se por meio de diagnóstico, da indicação e uso de
próteses o mais precocemente possível e do atendimento fo-
noaudiológico; na área da educação por meio do atendimento
especializado desde a Educação Infantil, principalmente atra-
vés do Programa de Estimulação Precoce (para crianças de
zero a três anos).
●● A prevenção terciária refere-se às ações que limitam as con-
sequências do problema da surdez e melhoram o nível de de-
sempenho da pessoa, como aquelas que compõem o atendi-
mento realizado pela educação especial.

O desenvolvimento da linguagem e a surdez


O ser humano, ao longo de seu processo evolutivo, fez da lingua-
gem seu grande instrumento de hominização, pois sendo um animal
social, a linguagem surge como possibilidade de organização e estrutu-
ração do pensamento, bem como forma de registro e expressão do que
sente, pensa, conhece, percebe em relação ao meio e aos elementos que
o compõem. Mas, além dessa função de extensão da própria memória,

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a linguagem possibilita a comunicação, fazendo do homem um ser cul-


tural que, por viver em sociedade e comunicar-se, é capaz de produzir
cultura e reproduzi-la por meio da linguagem.
A criança nasce envolta no mundo da linguagem. Para a criança
ouvinte, o processo da linguagem acontece de forma assistemática, vis-
to que a comunicação no seio familiar acontece espontaneamente em
sua dimensão verbal e não verbal em face do processo maior da comu-
nicação. Gestos, palavras, músicas, expressões corporais e faciais, falam
e representam o mundo à sua volta, a criança aprende a comunicar-se a
partir de seus referenciais familiares.
No entanto, a criança surda, cuja surdez é congênita ou adquirida
na fase pré-verbal, é privada, muitas vezes, da aquisição e, portanto,
da utilização plena da linguagem, visto que esta fica prejudicada pela
dificuldade de expressar e compreender formas abstratas, conceitos ge-
néricos que fogem ao seu contexto real, concreto, observável.
Nesse sentido, a proposta bilíngue – na qual a Libras é aceita como
primeira língua do sujeito surdo, como língua completa, respeitada em
106 sua forma e estrutura, com toda a abrangência de uma língua oral –
traz grande contribuições ao desenvolvimento da criança surda e ao seu
processo de comunicação, visto que lhe possibilita expressar-se a partir
de suas percepções e da forma como lhe é natural a expressão.
Aceitar a Libras, o bilinguismo, é aceitar a cultura surda, con-
tribuindo não para diferenciar a criança surda, ou para acentuar essa
diferença, mas para que essa tenha sua identidade preservada e res-
peitada. Dar ao surdo o direito de ser surdo e, portanto, de buscar
formas naturais de comunicação que se adéquem às suas necessidades
e possibilidades. O bilinguismo não é tão somente uma opção para a
ampliação das possibilidades comunicativas, é também uma impor-
tante forma de promover o desenvolvimento cognitivo, alargando os
horizontes comunicacionais.
A escola que se quer inclusiva não pode negar essa identidade
e essa cultura distinta, no sentido de instrumentalizar-se de forma a
poder oferecer uma formação integral, que vise o desenvolvimento de
todas as potencialidades do indivíduo, que busca novas formas de lin-
guagens que lhe permitam comunicar-se e integrar-se à sociedade com
possibilidades de nela interferir, modificando-a.

FAEL
Capítulo 5

O sujeito surdo, que se integra à rede pública ou privada de ensi-


no, deve ter seu direito assegurado, no sentido de poder ser alfabetizado
na sua língua materna, no caso a Libras, para posteriormente ou conco-
mitantemente, de acordo com o grau de desenvolvimento da criança,
alfabetizar-se em língua portuguesa.
Em relação à surdez, a educação bilíngue se efetiva ao oportunizar-
se às crianças brasileiras o conhecimento efetivo e a utilização da Lín-
gua Brasileira de Sinais como forma primeira de expressão e a língua
portuguesa na modalidade oral e escrita, sendo a Libras considerada a
primeira língua (língua materna) e a língua portuguesa a segunda. De
acordo com Skliar (1999, p. 185),
é fundamental que se entenda que promover uma abordagem
educacional bilíngue envolve considerar não somente a neces-
sidade de duas línguas, mas dar espaço privilegiado à língua
natural dos surdos, bem como considerar a identidade e cul-
tura surda como eixo fundamental.

Oferecer essa possibilidade exige grandes esforços da família, da


escola e do poder público, visto que, pelas especificidades de cada
107
uma das línguas, essas devem ser trabalhadas por professores diferen-
tes e em diferentes momentos, exigindo demanda de profissionais
com formação específica, compreendendo que a Libras é uma língua
com estrutura própria e não representa a tradução gestual da lín-
gua portuguesa.
A opção pela educação bilíngue, para sua real efetivação, exige
que a criança seja colocada em contato com a Libras desde os primei-
ros anos de vida, visto que, de acordo com as teorias atuais de apren-
dizagem, a criança, nos seus três primeiros anos de vida, tem estru-
turas cognitivas mais favoráveis para o aprendizado de línguas, o que
facilitaria o aprendizado bilíngue. Além da tenra idade de introdução
à cultura bilíngue, outro fator a ser considerado é a significação da
aprendizagem, visto que tanto para crianças ouvintes quanto para as
crianças surdas, a contextualização, a problematização da realidade, a
significação do conteúdo é imprescindível. É preciso colocar a criança
em contato com as duas línguas mostrando-lhe a sua utilização em
diferentes momentos e situações, visto que as línguas adquiridas são
utilizadas para diferentes objetivos e funções, em contextos e ambien-
tes específicos.

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A proposta bilíngue visa oportunizar ao sujeito surdo o exercício


do direito de ser respeitado em sua singularidade, permitindo-lhe ex-
pressar-se igualmente em duas línguas, e que essas sejam igualmente
aceitas efetivamente. No ambiente escolar, no processo ensino-apren-
dizagem, o uso da Libras deve ser considerado em todas as suas dimen-
sões, inclusive no processo avaliativo, não podendo haver contradição
entre o processo de ensinar, o aprender e o avaliar.
Para a concretização dessa proposta, a necessidade do aprendizado
da Libras estende-se aos professores de sala regular, aos pais e a comu-
nidade, visto que esses têm o compromisso de buscar mecanismos que
propiciem a verdadeira inclusão social da pessoa com deficiência. À
rede de educação cabe promover ações que viabilizem o aprendizado da
Libras, bem como formas de integração das pessoas surdas na escola e
na sociedade como um todo.
A inclusão da criança com surdez leve e moderada pode acontecer
naturalmente desde a mais tenra idade em creches e pré-escolas, em
classes comuns regulares, onde a língua portuguesa é a língua utiliza-
108 da para a comunicação em geral. No entanto, é necessário um apoio
contínuo com profissional especializado que possibilite, se necessário,
o aprendizado da Libras, assim como o desenvolvimento da língua
portuguesa tanto na oralidade como na escrita. Tal trabalho, por sua
especificidade, deve ser desenvolvido em local adequado com recursos
apropriados, daí a importância das salas de recursos e salas de atendi-
mento multifuncional.
Nas salas de atendimento especializado, sugere-se que o trabalho
seja feito por professor/instrutor com surdez, visando proporcionar à
criança a aquisição, o domínio e o uso da Libras, bem como a identifi-
cação com seus pares, aspecto fundamental para o autorreconhecimen-
to e aceitação da diferença.
Ações relevantes podem e devem ser promovidas na escola, visando
a integração entre ouvintes e surdos. Há uma grande predisposição entre
as crianças para que a comunicação aconteça. Despojadas do preconcei-
to que cerca os alunos com necessidades especiais, as crianças encaram-
nos apenas como diferentes, nem melhores, nem menos capacitados,
apenas diferentes. A criança surda aprende a língua portuguesa com a
criança ouvinte e a criança ouvinte se apropria da Libras com a criança

FAEL
Capítulo 5

surda, nas suas diversas interações. A comunicação nessa relação é o fator


de maior relevância e ela acontece de forma contínua e crescente.
No trabalho pedagógico com as pessoas com surdez, alguns aspec-
tos devem ser observados, além de adaptações do trabalho em virtude
de não poder contar com a percepção auditiva. Evitar poluição visual,
visto que cartazes com apelos visuais intensos acabam por desviar a
atenção do aluno. Recomenda-se que os cartazes sejam usados nas la-
terais e no fundo da sala, os quais devem ser objetivos, claros e precisos
nas informações.
Os professores, assim como toda a equipe pedagógica, devem es-
tar preparados para trabalhar com a especificidade desses alunos, co-
nhecendo e aceitando suas diferentes linguagens e necessidades, tendo
como principal objetivo promover a aprendizagem, repudiando toda
forma de desvalorização da cultura surda e de discriminação.
No entanto, é imprescindível a assunção da família, da sociedade,
de todos os membros da escola e do próprio aluno, dentro de suas pos-
sibilidades, da responsabilidade pela sua formação acadêmica. O aluno 109
surdo, assim como a família deste, precisa ajudar a escola a buscar cami-
nhos, auxiliar os professores na construção de sua prática. Pensar a for-
mação escolar do aluno surdo passa, inevitavelmente, por pensar o pro-
cesso de avaliação, o qual deve ser pensado e implementado de forma a
avaliar, além da evolução acadêmica do educando, seu desenvolvimento
integral e suas potencialidades em vencer desafios cotidianos. Para tan-
to, o processo avaliativo deve ser realmente contínuo e formativo.

Surdocegueira
Gabriel Chalita (2005), em seu trabalho Mulheres que mudaram o
mundo, apresenta de forma simples a história de Helen Keller e Anne
Sullivan, mulheres que realmente mudaram o mundo com sua coragem
e determinação. Não inventaram ferramentas tecnológicas, nem armas
poderosas, nem cura para uma doença grave. Helen Keller (surdocega)
e Anne Sullivan (professora de Helen Keller) mostraram ao mundo o
que é o potencial humano de superação, de vencer obstáculos ditos
intransponíveis. Pautando-nos nessa história iniciamos este item refe-
rente à surdocegueira.

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Mas o que é surdocegueira?


Segundo o documento Saberes e práticas da inclusão, publicado
pelo Ministério da Educação, em 2004, a criança surdocega não é uma
criança surda que não pode ver e nem uma criança cega que não pode
ouvir. A surdocegueira engloba um estado no qual o comprometimen-
to da visão e da audição trazem sensíveis problemas relacionados à
aprendizagem, bem como compromete a aquisição de comportamen-
Saiba mais tos socialmente desejáveis, difi-
cultando sua adaptação ao meio
Helen Keller, criança saudável, de família de
(BRASIL, 2004).
classe média americana, perde simultanea­
mente a audição e a visão antes dos dois Buscamos algumas defini-
anos de idade, em decorrência de uma grave ções de surdocegueira. A adota-
doença infecciosa. Anne Sullivan entra na vida da pela 1ª Conferência Mundial
de H
­ elen pouco antes desta completar sete Helen Keller, em 1977, tem sido
anos, e juntas constroem uma história digna
a mais utilizada: “Surdocegos
das mais belas histórias de amor fraterno e de
são os indivíduos que têm uma
perseverança. Além do livro de Gabriel Chalita,
há alguns sites com relatos a respeito como:
perda substancial de audição
­
110 e de visão, de tal modo que a
<http://helenkeller1880.vilabol.uol.com.br/> combinação das suas deficiências
<http://www.dicionariolibras.com.br/ causam extrema dificuldades na
website/artigo.asp?cod=124&ssl_pedido_ conquista de habilidades edu-
id=981277&idi=1&moe=6&id=798>. cacionais, vocacionais de lazer e
social” (­KINNEY, 1977, p. 21).
Kinney (1977, p. 22) afirma ainda que,
Uma pessoa com perda substancial de visão pode, ainda assim,
escutar e ouvir. Outra pessoa com perda substancial de audi-
ção pode, ainda assim, ver e observar. Mas uma pessoa com
perdas substanciais de ambos os sentidos, experimenta uma
gama de privacidade que pode causar extremas dificuldades.

A criança que nasce e cresce com padrões normais de percepção senso-


rial desenvolve um contato com o mundo e com ele estabelece relações,
de forma que o fato de introduzir-se no meio social é, muitas vezes,
percebido como próprio da natureza humana. A adaptação ao meio
muitas vezes não é percebida como aprendizado e adaptação cultural,
visto a naturalidade pela qual esse processo acontece para as crianças em
padrões normais de desenvolvimento.

FAEL
Capítulo 5

Diferentemente, a criança surdocega, tendo a limitação sensorial


da visão e da audição, tem grande dificuldade de interagir com o mun-
do à sua volta, visto que a privação de sua capacidade de antecipar faz
com que cada situação lhe pareça inédita, o que muitos vezes causa-lhe
insegurança, a desencoraja a explorar o mundo e a estabelecer e manter
relações interpessoais. A criança movida por seus instintos primitivos
retrai-se para não correr riscos.
Segundo Waterhouse (1977, p. 27), a surdocegueira pode ser
c­ lassificada em dois grupos: a surdocegueira pré-linguística e a surdo-
cegueira pós-linguística. O primeiro caso refere-se àqueles que nasce-
ram surdocegos ou que adquiriram a surdocegueira antes do período de
­estruturação e aquisição da linguagem e de suas significações. A segun-
da classificação refere-se à surdocegueira adquirida após a estruturação
da linguagem.
Ainda, Waterhouse (1977, p. 27) afirma que a grande maioria dos
casos enquadra-se na segunda classificação, tendo o educador e os de-
mais profissionais envolvidos no desenvolvimento da criança que agir
sobre os resquícios da visão e audição, se houverem e, sobretudo, sobre 111
os demais sentidos remanescestes, possibilitando diferentes contatos
com o mundo ao seu redor.
Essas crianças precisam precocemente ser encorajadas a desenvol-
verem modos próprios de percepção do mundo e formas diferenciadas
de comunicação e interação, além disso, é preciso conhecer a criança,
de modo que possa ser estimulada em suas particularidades.
Telford e Sawrey (1984, p. 389) salientam que é preciso vencer o
isolamento do indivíduo surdocego e só depois de ter sido estabelecido
o contato efetivo é que a instrução formal pode ser pensada, tornan-
do se possível
Pensando-se em educação formal, alvo de nossas reflexões em um
curso de formação de docentes, é preciso definir como certo o fato de
que o primeiro passo nesse processo com a criança surdocega depende
da efetividade das formas de comunicação estabelecidas entre o educan-
do e seus diferentes interlocutores. Tanto a criança surdocega quanto
seus professores devem buscar formas de comunicação inteligíveis, que
possibilitem a aprendizagem pela repetição e estimulação orientada,

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visto que na criança surdocega a capacidade de aprendizagem espontâ-


nea e a imitação são extremamente limitadas.
Na efetivação dessa comunicação, é importante que o professor
busque conhecer e utilizar toques, objetos e procedimentos já utiliza-
dos pela família, pois a familiaridade é um fator importante no sucesso
das interações.
Da qualidade e quantidade de estímulos e interações decorre o
maior ou menor desenvolvimento da criança. É comum a criança sur-
docega apresentar dificuldade em elaborar a consciência corporal em
relação a si e ao outro, bem como em relação ao meio. Quadros de atraso
no desenvolvimento motor e afetivo são comuns, visto a criança não
possuir condições imediatas para responder e compreender as demandas
do meio da mesma forma e com os mesmos significados, precisando que
esses sejam ensinados. Podemos dizer que a criança, em normalidade
física, motora e sensorial aprende “espontaneamente” com o meio e a
criança surdocega precisa ser ensinada para poder melhor interagir.
Para tanto, o principal papel do professor, que atua com a criança
112 surdocega, será buscar suprir sua carência sensorial por meio da estimula-
ção constante e progressiva, promovendo junto com a criança a constru-
ção de sua consciência e imagem corporal, seu desenvolvimento motor e
afetivo e também sua autonomia (ERIKSON apud MASINI, 2002).
Não há modelos estabelecidos para o trabalho com a criança sur-
docega, pois assim como as demais crianças elas apresentam perfis e
desenvolvimento diferenciados, de acordo com a estimulação e intera-
ção que mantém com o meio e a intensidade e precocidade dessas; o
grau da perda visual; o grau da perda auditiva; a existência ou não de
outros comprometimentos motores e/ou neurológicos; e o período de
aquisição da surdocegueira, assim como o meio socioeconômico e cul-
tural no qual a criança está inserida, que exerce influência sobre o seu
desenvolvimento global.
Há diferentes abordagens teóricas sobre as crianças surdocegas,
que devem ser consultadas e analisadas quando da necessidade desse
atendimento especializado. Destacamos os estudos de Van Dijk (apud
MEC, 2006), que indicam que as experiências motoras realizadas pela
criança, em conjunto com o adulto (professor ou instrutor), são a base
do desenvolvimento e da aprendizagem da criança surdocega.

FAEL
Capítulo 5

Jan Van Dijk (apud MEC, 2006), aponta em seus estudos seis fases
essenciais para viabilizar a interação, a comunicação e a aprendizagem
da criança surdocega.
a) Primeira fase: relação de apego e confiança – vínculo afetivo entre
a criança e o adulto. Considera que a primeira linguagem utilizada
pela criança é a emocional.
b) Segunda fase: fenômeno da ressonância – vínculo corporal entre
o adulto e a criança. O adulto passa a fazer parte do mundo da
criança, o contato corporal estabelece um diálogo por meio do
movimento. Criança e adulto formam um único corpo, sendo um
a extensão do outro.
c) Terceira fase: movimento coativo – mão sobre mão; lado a lado.
Objetiva ampliar os recursos de comunicação e a ação motora
dando maior segurança para a exploração espacial e temporal dos
acontecimentos (início e fim das atividades). Assemelha-se aos mo-
vimentos de ressonância, mas busca desvincular o corpo do adulto
do corpo da criança, ampliando-lhe a consciência corporal.
113
d) Quarta fase: referência não representativa – após a exploração e
reconhecimento do próprio corpo, o professor indicará referências
naturais do ambiente e, posteriormente, referências não represen-
tativas com o uso de representações mais abstratas, mediante uti-
lização de objetos de referência, com equivalências simbólicas. Por
exemplo, quando pelo tato a criança consegue associar as partes
do corpo de um boneco tridimensional e as partes de seu próprio
corpo.
e) Quinta fase: imitação, que é o prolongamento do movimento
coativo, diferenciando-se desse pelo fato de que, na imitação,
a criança realiza ação após demonstração do adulto e no movi-
mento coativo o movimento é simultâneo. Nessa fase, a criança
deve ser estimulada em suas iniciativas e até mesmo imitada pelo
adulto, a fim de ampliar seus recursos de comunicação.
f ) Sexta fase: gestos naturais, aqueles que surgem, segundo Van Dijk
(apud MEC, 2006a), a partir das experiências da criança nas fases
anteriores e que se assemelham aos gestos culturalmente cons-
truídos e aceitos pela sociedade na qual a criança está inserida.

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Os gestos também precisam ser construídos pela criança a partir


de inúmeras experiências proporcionadas pelo adulto. Imagine o
gesto indicativo de sede, de querer beber água, ele é resultado de
inúmeras experiências de se levar o copo à boca, de tal forma que
este gesto identifica o ato em questão.

Sugestão de Leitura
O trabalho com a surdocegueira tem sido alvo de atenção de muitos profis-
sionais da educação, preocupados com as questões da inclusão educacional,
no entanto, há poucos documentos oficiais que tratam dessa temática. O
MEC disponibiliza em seu site um valioso documento da série “Saberes e
práticas da inclusão”, confira:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Difi-
culdades de comunicação e sinalização: surdocegueira/múlti-
pla deficiência sensorial. Brasília, 2006. (Saberes e práticas da inclusão.).
­Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=860&catid
114 =192%3Aseesp‑esducacao-especial&id=12654%3Asaberes-e-praticas-
da-inclusao-educacao-infantil&option=com_content&view=article>.
Acesso em: 9 dez. 2010.
Sugestão de Leitura

O processo comunicativo com a criança surdocega


A comunicação é a essência da socialização do ser humano, seja
este dotado de todos os seus sentidos ou não. Sobre a comunicação,
Nunes (apud BRASIL, 2004, p. 48) afirma que:
[...] o processo comunicativo envolve a recepção da infor-
mação e a respectiva compreensão da mensagem. Desde
muito cedo, a criança começa a perceber o que é fala, os
diferentes tons de voz, as expressões faciais, os gestos, os
toques, pretendem dizer-lhe algo, ou seja, que esse compor-
tamento tem significado.

No entanto, com a criança surdocega, esse processo de comuni-


cação deve ser cuidadosamente construído de acordo com suas possi-
bilidades internacionais. Muitas crianças surdocegas não desenvolvem

FAEL
Capítulo 5

a fala, mas, mesmo assim, podem se expressar por meio de outras vias
sensoriais. A comunicação pode ser receptiva e expressiva. Por comu-
nicação receptiva entende-se o processo de recepção e compreensão de
mensagens, e por comunicação expressiva a forma pela qual a criança
expressa suas necessidades, vontades e sentimentos.
Os recursos de comunicação usados pelas crianças surdocegas são
variados, sendo a língua de sinais a mais utilizada, além dos gestos na-
turais, a linguagem oral, a leitura labial, sinais do corpo e outros, sendo
que os contatos táteis são os mais utilizados e eficientes no estabeleci-
mento das interações com o meio.
São muitos os meios desenvolvidos para a comunicação com a
criança surdocega. Na sequência, apontaremos alguns deles, salientan-
do que não são os únicos, mas que são indicações a serem aprofundadas
quando de sua necessária aplicação.
Dividimos, para fins didáticos, as formas de comunicação para o
surdocego em comunicação receptiva e expressiva na fase pós-linguísti-
ca, e comunicação receptiva e expressiva na fase pré-linguística.
115

Comunicação receptiva em fase pré-linguística


Quando a surdocegueira manifesta-se em fase pré-linguística, a
comunicação receptiva acontece primeiramente por pistas do contexto
natural, visto que o reconhecimento do ambiente natural em que a
criança se encontra pode ser percebido por meio de pistas como sons,
cheiros, espaços e obstáculos.
Em um nível mais elevado de comunicação, utilizam-se pistas
táteis representadas por toques no corpo da criança que, pelo uso e
rotina estabelecida, associam-se a ações. Por exemplo, tocar os lábios
da criança com a colher para indicar a hora de comer, deitar a cabeça
da criança sobre o ombro para indicar a hora de dormir e outros ges-
tos rotineiros.
Os objetos de referência são utilizados para a antecipação de ações
e acontecimentos, como dar uma caneca para a criança para que ela
aguarde a hora do café, uma bola indicando que é hora de brincar, a
toalha de banho, a escova de dentes, que são indicadores dos momentos
de higiene pessoal.

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Esses objetos devem ser utilizados em diferentes momentos e em


espaços diferenciados. Há objetos de referência no ambiente familiar
que indicam ações rotineiras, assim como há objetos de referência no
âmbito escolar, os quais fazem referência às ações escolares.
A criança surdocega desenvolve diferentes formas de comu-
nicar‑se, de expressar suas vontades e necessidades. A comunicação
expressiva da criança acontece por meio de estratégias variadas, di-
ferenciados gestos, sons, objetos, expressões faciais e corporais. Em
uma fase pré-linguística, há formas básicas de comunicação que são
usualmente utilizadas, como:
●● comunicação por reconhecimento – a criança indica, por
expressões faciais e gestos, que percebeu a presença de uma
outra pessoa, e demonstra prazer ou desconforto nessa ativi-
dade de reconhecimento.
●● comunicação contingente – são comportamentos voluntá-
rios, vocalizações ou movimentos do corpo com intenção co-
116 municativa. Sejam quais forem esses comportamentos, devem
ser incentivados pelo professor e pela família, visto que são
canais de expressão e comunicação da criança.
●● comunicação instrumental – utiliza objetos e pessoas
como instrumentos de comunicação. O toque em objetos
pode servir para fazer pedidos, expressar sentimentos. Por
exemplo, se levar as mãos ou um objeto à boca pode indicar
sede ou fome.
●● comunicação convencional – a criança utiliza-se de objetos,
gestos e pessoas, simultaneamente, para expressar mais preci-
samente o que deseja. Utiliza gestos convencionais como pe-
gar a mão de uma pessoa e apontar a porta para indicar que
quer sair.
●● comunicação simbólica emergente – utiliza-se de gestos
complexos, objetos e sinais táteis para comunicar processos
mais abstratos. Essa forma de comunicação ocorre em níveis
mais avançados de desenvolvimento comunicativo da criança
ou em níveis de menor comprometimento sensorial.

FAEL
Capítulo 5

Comunicação receptiva pós-linguística


As principais formas de comunicação receptiva pós-linguística
apresentam-se como:
a) linguagem de sinais tátil – refere-se à língua de sinais adaptada
ao tato da criança surdocega. Consiste em realizar o sinal tátil em
uma ou em ambas as mãos da criança.
b) língua de sinais em campo visual reduzido.
Havendo campo visual, mesmo reduzido, o professor utiliza-se da
língua de sinais, adequando o espaço de sinalização às possibilidades
visuais da criança.
●● Alfabeto manual tátil: refere-se à utilização do alfabeto ma-
nual comumente usado pelos surdos com adaptações, visto
que as letras são feitas sobre as palmas das mãos da criança
surdocega, possibilitando a percepção tátil.
●● Sistema Braille tátil ou manual: adaptação do sistema Braille
com a combinação de pontos associados às falanges dos dedos
indicadores e médios, os quais representam a cela Braille. Sua 117
utilização ocorre no próprio corpo da pessoa surdocega e esta
pode fazer a marcação dos pontos que representam letras e
que compõem cada uma das palavras.
●● Escrita na palma da mão: consiste em escrever com o dedo
indicador na palma da mão ou no braço da criança surdocega
cada uma das letras que compõem a palavra. As letras devem
ser desenhadas em caixa alta para que a criança perceba, por
meio do toque, cada letra, e na sequência, a palavra formada.
●● Método tadoma: a criança surdocega pode utilizar-se de uma
ou das duas mãos para a percepção tátil da língua oral. Essa
percepção ocorre pelo posicionamento do dedo polegar da
criança surdocega sobre os lábios do interlocutor, e os demais
dedos sobre a bochecha, a mandíbula e a garganta do interlo-
cutor. Pela vibração sonora a criança surdocega identifica os
fonemas e a comunicação efetiva-se.
●● Escrita em tinta: quando há resíduos visuais, há a possibilida-
de de leitura de mensagens escritas em tinta, em tipos amplia-
dos, de acordo com a necessidade e possibilidade da criança.

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Há, ainda, outras formas de comunicação receptiva, como a lei-


tura labial, a linguagem oral amplificada, e outras. No entanto, o mais
importante é oportunizar diferentes possibilidades de comunicação, de
forma que a criança surdocega possa utilizar-se dessas para interagir
com os outros e com o meio.
Quando a surdocegueira manifesta-se em fase pós-linguística, a
comunicação expressiva tem por base as peculiaridades do sistema co-
municativo já desenvolvido pela criança, anteriormente adquirido. A
criança já domina formas efetivas de expressar-se por meio do movi-
mento do corpo como, por exemplo, dizer sim ou não com o movi-
mento da cabeça. Suas expressões faciais indicam satisfação ou insatis-
fação, suas rotinas devem ser continuamente executadas como forma de
fixação de ideias a elas associadas.
O toque, os gestos, as expressões emocionais já existentes em um
período anterior a surdocegueira devem ser reforçados e acrescidos de
outros sinais que servirão para a ampliação dos elementos comuni-
cativos. A criança acometida pela surdocegueira, após a aquisição da
118
linguagem oral, deve ser estimulada à expressão oral, visto que essa é
uma importante forma de expressividade. O conhecimento de Libras
também é de grande valia, uma vez que é um instrumento tanto de
comunicação receptiva como de comunicação expressiva.

Reflita
Reflita
O que você olharia se tivesse apenas três dias de visão?
Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de re-
pente, ficasse cego e surdo por alguns dias no princípio da vida adulta.
As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as
alegrias do som.
Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo pas-
seio pelo bosque que ela observara. “Nada de especial”, foi a resposta.
Pensei: como é possível caminhar durante uma hora pelos bosques e
não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tato
encontro centenas de objetos que me interessam. Sinto a delicada
­simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca lisa de uma pétala ou

FAEL
Capítulo 5

pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos das


árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natu-
reza despertando após o sono do inverno. Por vezes, quando eu tenho
muita sorte, pouso suavemente a mão em uma arvorezinha e sinto o
palpitar feliz de um pássaro cantando.
Às vezes meu coração anseia por ver tudo isso. Se consigo ter tanto
prazer com um simples toque, quanta beleza poderia ser revelada pela
visão! E imaginei o que mais gostaria de ver se pudesse enxergar, diga-
mos por apenas três dias.
Eu dividiria esse período em três partes. No primeiro dia gostaria de ver
as pessoas cuja bondade e companhias fizeram minha vida valer a pena.
Não sei o que é olhar dentro do coração de um amigo pelas “janelas da
alma”, os olhos. Só consigo “ver” as linhas de um rosto por meio das pon-
tas dos dedos. Posso perceber o riso, a tristeza e muitas outras emoções.
Será que a maioria de vocês que enxergam não se limita a ver por alto as
feições externas de uma fisionomia e se dar por satisfeitas?
Ah, tudo que eu veria se tivesse o dom da visão por apenas três dias!
119
No dia seguinte eu me levantaria ao amanhecer para assistir o em-
polgante milagre da noite se transformando em dia. Contemplaria
assombrado o magnífico panorama de luz com que o Sol desperta a
Terra adormecida.
Esse dia eu dedicaria a uma breve visão do mundo, passado e presen-
te. Como gostaria de ver o desfile do progresso do homem, visitaria
os museus.
Na manhã seguinte, ávida por conhecer novos deleites, novas revela-
ções de beleza, mais uma vez receberia a aurora.
O terceiro dia passaria no mundo do trabalho, nos ambientes dos ho-
mens que tratam do negócio da vida. A cidade é o meu destino.
Tudo o quanto visse pareceria novo. Meus olhos tocariam e abraçariam
cada objeto que surgisse em meu campo visual. Então, finalmente, ve-
ria de verdade, e um novo mundo de beleza se abriria.
Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que veem: usem seus
olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica
aos outros sentidos. Ouça a música das vozes, o canto dos pássaros,

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os p­ ossantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem ficar


surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tato. Sin-
tam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã
não sentissem aromas, nem gosto.
Enfim, busquem as inúmeras possibilidades, pelas quais a aprendiza-
gem possa se manifestar.
KELLER, H. O que você olharia se tivesse apenas três dias de
visão? Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/por-
tals/pde/arquivo>. Acesso em: ago. de 2010.
Reflita
Reflita

Da teoria para a prática


120 A melhor forma de compreender o universo da pessoa com
deficiên­cia é pensar nas nossas próprias limitações e, em alguns casos,
como forma de vivência, sentir-se na pele, mesmo que hipoteticamente,
da pessoa com deficiência. Pode-se, em sala de aula, promover algumas
situações que levem à reflexão sobre o tema da exclusão e da inclusão
educacional. De forma descontraída, pode-se, em grupo, realizar algu-
mas dinâmicas e refletir sobre as situações vivenciadas.
a) Dividir a turma em dois grupos. O primeiro grupo usará ­venda
nos olhos e tentará realizar algumas atividades orientadas pelo ou-
tro grupo. Tentar subir escada, passar em uma porta, encontrar um
objeto. Será uma grande experiência ­tanto para quem está com os
olhos vendados como para quem orientará a pessoa vendada.
b) Solicitar a uma pessoa que coloque uma colher entre os dentes e,
sem soltá-la, tente conversar com os demais elementos do grupo.
As pequenas dificuldades, mesmo de dicção são, muitas vezes, alvo
de discriminação e exclusão.
c) Em uma primeira etapa, combinar com alguns elementos do grupo
sinais que representem ações. Posteriormente, buscar comunicar‑se
por meio dos sinais estabelecidos. Os elementos que não partici-

FAEL
Capítulo 5

param da primeira etapa, tentarão acompanhar e compreender o


que está sendo informado. A dificuldade de comunicação reflete a
situação daqueles que, sendo surdos ou não, não compreendem a
Libras e a importância de se estabelecer padrões para as diferentes
formas de comunicação.
d) Um elemento do grupo deve colocar uma meia bem justa nas mãos
e tentar abotoar uma camisa rapidamente. O ideal é contextualizar
a situação para que todos possam perceber as dificuldades motoras,
fazendo a transposição da situação para as atividades de sala de aula,
como escrever, desenhar e outras.

Síntese
Os caminhos da inclusão educacional passam, necessariamente,
por práticas inclusivas na escola, de forma que o aluno com deficiência
possa sentir-se respeitado em suas peculiaridades. A deficiência é vista
121
como característica individual e não como rótulo classificatório, que
designa aqueles que farão parte ativa da sociedade e aqueles que ficarão
à margem desta.
Nesse sentido, este capítulo explicitou, de maneira geral, o que
são as deficiências visual e auditiva e o que é a surdocegueira, de modo
que o leitor possa instrumentalizar-se teoricamente nas áreas aborda-
das, da mesma forma que toma consciência de que o tema não se es-
gota, que o capítulo apenas indica caminhos possíveis e que no campo
da educação especial, não há receita, não há via de mão única, é um ir
e vir constante.
Buscou-se, além de discutir as características e especificidades das
áreas abordadas, mostrar quais as principais metodologias utilizadas,
quais ferramentas pedagógicas e linhas teóricas que sustentam as práti-
cas apresentadas.

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Altas habilidades,
superdotação e os
transtornos globais
do desenvolvimento
6
E stima-se que 3% a 5% dos alunos presentes no ensino r­ egular
apresentam capacidade intelectual acima da média (GUENTHER
apud GOMES, 2009). Ao detectar essa capacidade, espera-se que a
produção acadêmica do aluno seja superior a dos demais de sua turma
e preconiza-se um futuro brilhante para ele. Empiricamente, observa-se
que, apesar dos limiares altos de inteligência, essas crianças apresentam
problemas sociais e pessoais que comprometem seu talento por não
encontrarem apoio necessário às suas necessidades. 123
O conhecimento sobre a caracterização da inteligência e as particu-
laridades da criança superdotada ou com altas habilidades pode contri-
buir para o desenvolvimento das capacidades e no rendimento escolar.
O objetivo principal deste capítulo consiste na descrição e carac-
terização da inteligência, independentemente de uma comprovação
psicométrica de inteligência. Nessa perspectiva, serão apresentadas as
características e descrições da criança superdotada e estudos das múlti-
plas inteligências, como as que possibilitam ao aluno, nessas condições,
poder resolver problemas e tarefas com originalidade e criatividade sem
os possíveis impasses encontrados nessa população.

Conhecendo o aluno com altas habilidades


e superdotado

O que é inteligência
Segundo Gomes (2009), inteligência refere-se à capacidade intelectu-
al enraizada na função cognitiva do cérebro, localizada no córtex frontal.
Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Esse domínio inclui habilidades mentais que conduzem, a


­conhecer, entender, aprender – pensamento analítico e uso
da observação (indução, dedução, transposição), pensamen-
to verbal (linear) e espacial (não linear), estabelecimento de
relações, memória, julgamento, metacognição (GOMES,
2009, p. 220).

Segundo Cool (2004, p. 132) o conceito de inteligência na perspec-


tiva do processamento de informação, diz que a inteligência centra-se na
análise das diversas capacidades e dos muitos processos envolvidos na
resolução inteligente de problemas e de tarefas em diversos domínios.
Esse conceito implica no desenvolvimento e na execução de tarefas
de forma criativa e eficaz, e com originalidade responde aos desafios
surgidos em habilidades práticas e conceituais.
Piaget afirma que “a inteligência é um caso particular de adaptação
biológica equivale,portanto a supor que ela é, essencialmente, uma or-
ganização e que sua função consiste em estruturar o universo tal como
o organismo estrutura o meio imediato” (PIAGET, 1966, p. 15).
124 Esse autor vê a inteligência como uma atividade orgânica que sofre
interferências de invariantes funcionais, dessa forma, um determina-
do grupo pode mostrar diferentes níveis de execução em determinada
tarefa, apesar de biologicamente apresentar características biológicas
idênticas ou próximas.
As interações realizadas por grupos afins colaboram ou aprimo-
ram o desempenho funcional dos indivíduos. O que significa dizer
que apesar da base biológica, epistemológica e lógica matemática da
teoria piagetiana, a influência do objeto e das relações sociais pode
aprimorar o resultado das ações individuais e, por consequência,
contribuir com o desempenho coletivo de determinados grupos ou
organizações sociais.
Piaget (1966) teoriza a inteligência pela coordenação das ações e
operações do sujeito, a que denomina de processo de assimilação, aco-
modação e adaptação, em que a inteligência é assimilação ao incorporar
dados da experiência que, por sua vez, produz no meio uma adaptação.
Dessa forma, o equilíbrio ou resultado entre a assimilação e a acomo-
dação resulta em adaptação. Daí a importância em promover relações
positivas entre a criança, educador, família e objeto.

FAEL
Capítulo 6

Dica de Filme
Para melhor compreender a superdotação, uma boa dica é o filme Mentes
que brilham. Ele conta a história de um garoto (Tate) de sete anos que é
­notável em várias áreas. O garoto é descoberto por Jane, diretora de uma
escola para crianças superdotadas. Tate tinha dificuldade em se ajustar
a outras crianças de sua idade e, consequentemente, era muito infeliz e
­depressivo. Jane é prodigiosa na música e oferece a Tate a oportunidade de
frequentar uma escola que permita a ele crescer acadêmica e socialmente.
Esse filme transmite conceitos sobre a alienação normalmente vivida por
jovens superdotados. Incapaz de se ajustar a outras crianças de sua idade,
Tate matricula-se em um curso de férias que o desafia academicamente, mas
demonstra que estar alienado a um grupo da mesma idade pode conduzir
ao isolamento social. Uma vez no programa para crianças superdotadas,
Tate começa a se sentir bem com suas habilidades excepcionais, pois muitos
de seus colegas vivenciam situações similares (SMITH, 2008, p. 224).
MENTES que brilham. Direção de Jodie Foster. EUA: Orion Pictures 125
­Corporation, 1991. 1 filme (99 min.), sonoro, dublado, col.
Dica de Filme

Características da criança talentosa


As primeiras definições da criança superdotada baseavam-se na
aplicação de testes formais de inteligência. Entre os mais utilizados está
o Stanford-Binet Inteligence Test, desenvolvido por Lewis Terman, logo
após a Primeira Guerra Mundial. Conforme Kirk e Gallagher (1996),
os escores esperados para designar superdotação encontram-se entre
130 ou 140 de QI (quociente de inteligência).
Atualmente, o conceito de superdotação busca outras dimensões
de identificação e avaliação em que são observadas as capacidades
intelectuais da criança, sem necessariamente comprová-las por testes
padronizados de inteligência. Esse critério baseia-se no desempenho
e/ou capacidade nas seguintes áreas descritas por Kirk e Gallagher
(1996, p. 67):

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Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

1. Capacidade intelectual geral.


2. Aptidão acadêmica específica.
3. Pensamento criativo ou produtivo.
4. Capacidade de liderança.
5. Artes visuais e de representação.

Sob essa ótica, a criança pode ser considerada talentosa se apresen-


tar habilidades especiais em uma única situação ou em áreas combina-
das, ou até mesmo em todas as áreas. Esse conceito desmistifica a ideia
de que o aluno superdotado tem desempenho superior em todas as
situações, as que podem eventualmente sobressair-se em alguns setores
mais do que em outros.
Outro fator a ser considerado está na preocupação em avaliar
as necessidades pessoais dessas crianças. A condição de superdota-
ção não as tornam autossuficientes em todas as áreas de sua vida.
Uma das dificuldades encontradas nos superdotados está nas relações
­pessoais e interpessoais.
126 O quadro a seguir, apresentado por Smith (2008), descreve as ca-
racterísticas mais comuns da criança superdotada nas áreas intelectual/
acadêmica e social/emocional:
INTELECTUAL/ACADÊMICA SOCIAL/EMOCIONAL
Pensa abstratamente; Faz autocrítica;
Conceitualiza e sintetiza; Destaca-se;
Administra e processa informação Brinca com amigos mais velhos;
rápida e significativamente;
É persistente;
Resolve problemas;
É ativa;
Aprende rapidamente;
Demonstra individualismo;
Demonstra curiosidade intelectual;
Tem força de caráter;
É bastante interessada;
Rejeita repetições e rotina; Demonstra habilidades e liderança;

Pode agir de modo caprichoso; Preocupa-se com questões éticas;

Faz transferência de aprendizagem; Corre riscos;


Lembra-se de muitos assuntos; É independente e autônoma;
Demonstra alto nível de habilidade É muito sensível com os outros e
verbal; consigo mesma;

FAEL
Capítulo 6

INTELECTUAL/ACADÊMICA SOCIAL/EMOCIONAL
Prefere aprender em ambiente Tem um senso de humor maduro;
silencioso; É dissidente;
Adapta-se a novas situações de Usa expressões diferentes;
aprendizagem;
Busca perfeição;
Aplica várias habilidades de
pensamento e raciocínio; Vivem grande estresse em razão de
falhas.
Usa grupos de informações não
padronizadas;
É altamente motivada pelas tarefas
acadêmicas;
Focaliza e concentra-se em um
assunto ou em uma ideia por
­longo tempo.
Fonte: Smith (2008, p. 209).

Piechowski (apud SMITH, 2008) reconhece três características


peculiares encontradas nesses alunos: sensibilidade, perfeccionismo e
intensidade. Esses traços, apesar de parecerem positivos ao ponto de
127
vista acadêmico e de produção, podem desencadear reações adversas,
por exemplo, a perfeição em seu extremo provoca ansiedade e com-
promete o desenvolvimento de determinada tarefa. A intensidade pode
provocar situações de estresse que contribui para o baixo rendimento
escolar, e a sensibilidade, apesar de seu lado positivo, pode torná-lo
intolerante a uma pequena crítica. No entanto, essas manifestações po-
dem ser amenizadas quando o profissional da educação e familiares en-
tenderem e ajudarem a criança a superar esses obstáculos, contribuindo
para que essa criança consiga ter sucesso com sua habilidade e alcance
um melhor desempenho educacional.
Contudo, não se pode generalizar a genialidade ao fracasso, ao
contrário, pessoas mais inteligentes são mais saudáveis, segundo pes-
quisas feitas por Terman (apud SHAFFER, 2005) que relata um estudo
realizado com mais de 1,5 mil crianças em idade escolar que possuíam
escores de QIs em torno de 140 ou mais. Os resultados apontaram
que essas crianças eram excepcionais em vários aspectos, por exemplo,
andaram e falaram mais cedo, o que as capacita a ajustarem-se emocio-
nalmente e moralmente, assumindo posição de liderança e tornando-se
mais populares em seus grupos. Em determinadas situações, escondiam

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suas habilidades para se adequarem aos colegas. Relatos médicos apon-


tam que, em geral, essas crianças também são mais saudáveis do que a
média, o que desmistifica a ideia de fragilidade, socialmente inadequa-
das e emocionalmente imaturas.
Essas posições, apesar de antagônicas, mostram as situações encon-
tradas em crianças com altas habilidades, talentosas ou superdotadas. Os
possíveis problemas encontrados em parte dessa população não devem de-
sanimar nem amedrontar educadores e familiares a trabalharem com essas
crianças, mas tem o intuito de alertá-los a ajudarem na superação dos obs-
táculos encontrados para que as crianças sejam felizes e bem-sucedidas.

Teoria das inteligências múltiplas de Gardner


Howard Gardner iniciou suas pesquisas sobre a inteligência estu-
dando crianças que apresentavam algum dano cerebral, que culminou
na publicação de Estruturas da mente, em 1983. No entanto, esse tra-
balho o levou a observar os inúmeros talentos do ser humano, quando
decidiu escrever a respeito das inteligências múltiplas com o objetivo de
128 salientar que existem capacidades além das aferidas por testes formais
de inteligência. Suas pesquisas são reconhecidas nas áreas da psicologia
e educação por trazerem um novo foco na questão da inteligência. Ao
indicar oito habilidades e capacidades, abriu um leque de possibilidades
para que o ser humano desenvolva esses talentos e produza academica-
mente e laboralmente dentro de seu interesse e aptidão.
Gardner (2000), sobre inteligência e talento, esboça uma definição
a que ele chama de provisória, considerando que essa teoria ainda está
sendo pesquisada e estudada:
A inteligência é um potencial biopsicológico. O fato de um
indivíduo ser ou não considerado inteligente e em que aspec-
tos é um produto em primeiro lugar de sua herança genética e
de suas propriedades psicológicas, variando seus poderes cog-
nitivos às suas disposições de personalidade. O talento é sinal
de um potencial biopsicológico precoce, em alguns domínios
existentes numa cultura (GARDNER, 2000, p. 50).

Em seu trabalho sobre as inteligências múltiplas, Gardner (2000)


utiliza o termo prodigiosidade como forma extrema de talento em al-
gum domínio e cita Mozart, na esfera musical, o matemático Carl Gauss,
o pintor inglês Everett Millais, entre outros. Já o termo gênio atribui a

FAEL
Capítulo 6

pessoas que, além de peritos, trouxeram contribuições universais para a


ciência, como é o caso de Isaac Newton e Charles Darwin, e aos gênios
da arte como Shakespeare, Goethe, Rembrandt e Mozart, que trans-
cenderam sua época.
As inteligências múltiplas de Gardner foram adaptadas e descritas
por Smith (2008) no quadro a seguir:
RESULTADO
INTELIGÊNCIA EXPLICAÇÃO
NO ADULTO
Autor, poeta,
Habilidade para pensar em
jornalista, leitor,
Linguística palavras e usar a língua de
advogado, compositor,
forma complexa.
locutor de rádio.
Matemático, físico,
Habilidade para calcular,
cientista, contador,
Lógico‑ma­te­mática quantificar, imaginar e
programador de
reconhecer modelos.
computador.
Arquiteto, engenheiro,
Capacidade de pensar mecânico, navegador,
Espacial
tridimensionalmente. piloto, escultor,
pintor, marinheiro. 129
Capacidade de usar
Dançarino, atleta,
Corporal‑cinestésica habilmente o corpo e as
cirurgião.
mãos.
Sensibilidade ao ritmo, Músico, compositor,
Musical altura do som, melodia e cantor, maestro ou
tom. ouvinte sensível.
A habilidade para entender
Professor, terapeuta,
e agir produtivamente nas
Interpessoal membros do clero,
ações e nas motivações de
político, vendedor.
outras pessoas.
A habilidade para entender
Teólogo, psicólogo,
Intrapessoal seus próprios sentimentos e
filósofo.
suas capacidades.
A habilidade para
Fazendeiro, botânico,
observar modelos, criar
Naturalística caçador, ecologista,
classificações, desenvolver
jardineiro.
e entender sistemas.
Fonte: Smith (2008, p. 203).

Para Gardner (2000), as inteligências são independentes. Pode


haver duas ou mais inteligências que se sobressaem mais do que as

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outras ou uma única inteligência mostra-se evidente. O autor salienta


que certas pessoas são excepcionais em algumas áreas e péssimas em
outras. Outro aspecto a ser considerado é que cada inteligência está
ligada a uma área do cérebro, portanto, se de alguma forma o cérebro
sofrer alguma lesão, não será prejudicado em sua totalidade, tendo
prejuízo intelectual somente na parte afetada. Essa teoria mostra que
uma pessoa, para ser inteligente, não precisa ser 100% eficiente em
todas as áreas do desenvolvimento, já que a inteligência pode ser esti-
mulada e desenvolvida.

Inteligência emocional de Goleman


Daniel Goleman (1995) declara que pesquisou e escreveu sobre
a inteligência emocional em meio à sensação de crises civis nos Esta-
dos Unidos, decorrentes de altos índices de criminalidade, suicídios,
abusos de drogas e outros transtornos sociais que ocorriam princi-
palmente na população mais jovem. O crescente desconforto emo-
cional que se inicia na infância contribui para a formação do adulto,
merecendo, segundo o autor, estudos capazes de responder a dilemas
130
na busca por compreender e amenizar os transtornos decorrentes de
emoções não estáveis.
Nossa herança genética nos dota de uma série de pontos-chave
que determinam nosso temperamento. Mas, os circuitos ce-
rebrais envolvidos são extraordinariamente maleáveis – tem-
peramento não é destino [...] a infância e a adolescência são
janelas críticas de oportunidade para determinar os hábitos
emocionais básicos que irão governar nossas vidas (GOLE-
MAN, 1995, p. 13).

Salovey e Sluyter (1999) destacam que o cérebro é o último órgão


do corpo a amadurecer sua forma anatômica. Os circuitos responsáveis
pela maturação emocional crescem e se desenvolvem durante o período
da infância até a adolescência. Considerando a teoria da plasticidade
neuronal, que preconiza que os circuitos neuronais se estabelecem e se
fortalecem durante esse período, pode-se dizer que as situações viven-
ciadas nas fases da infância à adolescência são marcantes para o desen-
volvimento emocional da criança. Traumas psicológicos que aconte-
cem nesses períodos são extremamente significativos e farão parte do
complexo emocional dessas crianças, podendo perdurar por toda sua
existência, seja de caráter positivo ou não.

FAEL
Capítulo 6

O autor alerta que existe


uma tendência mundial da atual Saiba mais
geração infantil estar mais su- Infância, momento de boas oportunidades
jeita a perturbações emocionais O cérebro humano não está totalmente
do que as gerações passadas, em ­formado no nascimento. Continua a moldar‑se
que a educação desempenha um durante a vida, com um ritmo mais intenso
papel fundamental na instilação de crescimento durante a infância. As crianças
de aptidões humanas, no desen- nascem com muito mais neurônios do que
volvimento da autoaceitação, reterá o seu cérebro maduro; por um pro-
empatia, autocontrole, enfim, cesso conhecido como “poda”, o cérebro, na
­verdade, perde as ligações neuronais menos
no controle de emoções e orien-
usadas e forma outras, fortes, nos circui-
tação de valores e condutas so- tos sinápticos mais utilizados (GOLEMAN,
ciais adequadas. 1995, p. 238).
A definição de inteligência
emocional delineada por Salovey e Sluyter (1999), e endossada por
­Goleman (1995), diz que
A inteligência emocional envolve a capacidade de perceber
acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacida- 131
de de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam
o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o
conhecimento emocional; e a capacidade de controlar emo-
ções para promover o crescimento emocional e intelectual
(­SALOVEY; SLUYTER, 1999, p. 23).

Pode-se avaliar a inteligência emocional da criança quando ela


consegue o autocontrole diante de sentimentos de tristeza, raiva, medo,
alegria ou outras situações ao se organizar e atribuir o que sente aos ob-
jetos, pessoas ou animais. Nesse processo, ela permite que se canalizem
anseios em outrem. Por exemplo, é comum vermos crianças conversan-
do com bichos de pelúcia, animais ou até mesmo sozinhas, na tentativa
de organizar seus pensamentos para resolver conflitos ou até mesmo
para efetivar uma aprendizagem.
A educação pode auxiliar o aluno a fortalecer suas emoções. Um
ensino que utiliza o afeto para transmitir conhecimentos contribui para
que o aluno aprenda com tranquilidade e muito mais eficiência; pro-
move a autoestima; ajuda-o a solucionar problemas; a enfrentar frus-
trações; a administrar seus sentimentos e, por consequência, obter bom
desempenho acadêmico.

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Alunos com Transtornos Globais


do Desenvolvimento – TGD
Os Transtornos Globais do Desenvolvimento são descritos no
CID 10 (Classificação Internacional de Doenças) pelo código F84, que
classifica e descreve esses transtornos como: autismo infantil/transtorno
autista, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância, sín-
drome de Asperger e cita ainda outros transtornos globais do desen-
volvimento e transtornos globais não especificados do desenvolvimen-
to. Cada transtorno tem um critério diagnóstico específico, apesar de
apresentarem similaridades entre si, há diferenças que os identificam
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997b).

Definição
Kaplan; Sadoke; Grebb (1997), ao se referirem aos transtornos do
desenvolvimento, o definem como:
Um grupo de condições psiquiátricas nas quais as habilidades
sociais, o desenvolvimento da linguagem e o repertório com-
132 portamental esperados não se desenvolvem adequadamente
ou são perdidos no início da infância. Em geral, os transtor-
nos afetam múltiplas áreas do desenvolvimento, manifestam-
se precocemente e causam disfunção persistente (KAPLAN;
SADOKE; GREBB, 1997, p. 979).

Stephen Wiltshire é um artista com autismo. Ele era “mudo” quando crian-
ça e, aos cinco anos, começou a se comunicar por meio de desenhos em
pedaços de papel. Agora, fala com repórteres e com outras pessoas que que-
rem entrevistá-lo sobre seu trabalho. Wiltshire vive na Inglaterra, mas tem
viajado muito para os Estados Unidos. Essas viagens tornaram-no muito
conhecido e estimularam sua série artística “sonho americano”. Ele utiliza
sua memória visual para relembrar cenas que quer desenhar posteriormen-
te. Raras vezes desenha ou pinta quando vê uma imagem pela primeira vez.
Muitos de seus primeiros trabalhos eram feitos a bico de pena, mas há pou-
co tempo ele completou o curso na escola de arte onde aprendeu as técnicas
de usar cor e tinta. Desenho de St. Peters, Kensington Park Road.
Fonte: Smith (2008, p. 354).

FAEL
Capítulo 6

Autismo infantil
Esse transtorno foi observado inicialmente pelo psiquiatra Henry
Maudsley, em 1867, ao analisar o comportamento de crianças pequenas
que apresentavam transtornos mentais severos com distorções nos proces-
sos de desenvolvimento, considerados anteriormente como psicoses. Em
1943, a síndrome foi denominada de “autismo infantil” por Leo Kanner,
ao descrever crianças com extrema solidão e atrasos na linguagem.
A taxa de incidência do transtorno autístico, segundo Kaplan; Sa-
doke; Grebb (1997), pode ocorrer na taxa de dois a cinco casos a cada
10 mil crianças com idade até 12 anos. Em situações de deficiência
intelectual com aspecto autista, essa taxa pode ser de 20 casos por 10
mil crianças. O autismo em crianças pode surgir antes dos três anos, no
entanto, o laudo dificilmente poderá ser aferido nesse período, exceto
em casos graves do transtorno.
Gomes (2009) refere-se ao DSM IV (Manual Diagnóstico e Esta­
tístico de Transtornos Mentais, 1995) para identificar um comprome-
timento severo em três áreas do desenvolvimento: habilidades de inte-
ração social recíproca, comunicação, presença de comportamentos e
133
interesses e atividades estereotipadas. As habilidades de interação são
caracterizadas pela dificuldade de relacionamentos sociais, ausência de
imitação e desenvolvimento nas brincadeiras. Nas habilidades de co-
municação, apresentam atraso na aquisição da fala, gestos, estereotipias
na linguagem (repetição de palavras ou frases). Nas atividades estereoti-
padas aparecem comportamentos repetitivos, como juntar brinquedos
de uma mesma forma repetindo este movimento diariamente.
A descrição do autismo apresentada pelo U. S. Department of
Education (apud SMITH, 2008, p. 357) define-se como:
Um transtorno do desenvolvimento que afeta significativamente
a comunicação verbal e não verbal e a interação social, em geral
evidente antes dos 3 anos de idade; que afeta de várias maneiras
o desempenho da criança. Outras características, muitas vezes,
estão associadas ao autismo e envolvidas em atividades repeti-
tivas e movimentos estereotipados, em resistências à mudança
ambiental ou mudança na rotina diária e em respostas incomuns
a experiências sensoriais. O termo não se aplica no caso do de-
sempenho educacional estar, a princípio, afetado, em razão de
um sério distúrbio emocional apresentado pela criança.
Uma das características predominantes do transtorno autístico é
a ausência da verbalização ou a troca dela por uma comunicação não

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convencional. Conforme Sturmey e Sevin apud Smith (2008), cerca de


50% das crianças com autismo não falam para se comunicar, as outras
50% são verbais, mas apresentam ecolalia (repetição do que acabaram
de ouvir). Elas também apresentam dificuldades no emprego de prono-
mes pessoais ou problemas nas categorias semânticas.
Outro dado levantado por esses autores refere-se aos quocientes de
inteligência: 75% apresentam deficiência intelectual, o que nos faz pre-
sumir que 25% dessa população tem inteligência dentro dos padrões
de normalidade. Nesse percentual de normalidade encontram-se 5%
de autistas inteligentes, o que significa um baixo índice comparado aos
que apresentam deficiência associada ou que se encontram dentro dos
padrões de normalidade.
O quadro apresentado por Smith (2008) mostra os critérios para o
transtorno autista, segundo o DSM IV.
DSM IV – CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO PARA
O TRANSTORNO AUTÍSTICO
134 A. Um total de seis (ou mais) itens dos grupos (1), (2) e (3), com pelo
menos dois do grupo (1) e um de cada grupo (2) e (3):
(1)Prejuízos qualitativos na interação social, manifestados pelo menos
dois dos seguintes itens:
a. prejuízo marcante no uso dos comportamentos não verbais
múltiplos, como contato olho no olho, expressão facial, posturas
corporais e gestos para regular a interação social.;
b. falha no desenvolvimento das relações com outras crianças;
c. lacuna na procura espontânea para dividir diversões, interesses ou
uma tarefa com outras pessoas (falta de mostrar, trazer ou apontar
objetos);
d. falta de reciprocidade emocional ou social.
(2) Prejuízos qualitativos na comunicação, manifestados por pelo menos
um dos seguintes itens:
a. atraso ou falta de desenvolvimento da linguagem;
b. em indivíduos com fala apropriada, prejuízo no diálogo;
c. uso estereotipado ou repetitivo da linguagem idiossincrática;
d. falta de brincadeira espontânea e variada de faz-de-conta ou de
imitação social, apropriada para o nível de desenvolvimento.

FAEL
Capítulo 6

DSM IV – CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO PARA


O TRANSTORNO AUTÍSTICO
(3) Modelos de comportamentos restritos, repetitivos e estereotipados, in-
teresses e atividades manifestadas em pelo menos um dos seguintes itens:
a. demonstração de um ou mais modelos estereotipados;
b. aparentemente uma adesão inflexível a rituais ou rotinas não
funcionais específicas;
c. hábitos motores repetitivos e estereotipados;
d. preocupação persistente com partes dos objetos.
B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das s­ eguintes
áreas, com acometimento antes dos 3 anos de idade: (1) interação
social, (2) linguagem usada na comunicação social, (3) brincadeiras
­

simbólicas ou imaginativas.
C. O transtorno não é bem explicado pela Síndrome de Rett ou pelo
transtorno desintegrativo da infância.
Fonte: Smith (2008, p. 359).

O quadro de autismo gera muito desconforto, ansiedade e até mes- 135


mo onipotência de professores que se deparam com esse aluno em sala
de aula. O mito da ausência de socialização permanente soa como um
destino fatídico que induz o profissional a relutar contra uma possível
adaptação no ensino regular. Segundo Gomes (2009, p. 200), ”o de-
senvolvimento do comportamento social requer, entre outros aspectos,
oportunidades de troca com o meio”. A criança só poderá superar sua
limitação se houver oportunidade em ambientes menos restritos que
ofereçam condição de desenvolvimento e vivência social. Para que esse
objetivo se realize, precisamos mudar o foco do problema, tirar o centro
da dificuldade centrada no aluno e visualizar uma ”transformação” da
escola para recebermos essa criança.

Apresentaremos, a seguir, um estudo de caso sobre Paulo.


Paulo, apesar de ter cinco anos, ainda não aprendeu a falar. Tem um diag-
nóstico de autismo e está na Educação Infantil há 10 meses. Nas primeiras
semanas chorava muito e batia em si próprio, quando a professora insistia

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para que fizesse uma atividade. Sempre que tinha oportunidade, saía
constantemente da sala de aula. Nos momentos de brincadeira em g­ rupo,
atirava os brinquedos, observando a queda. Não aceitava atividades de
lápis e papel ou jogos de construção. Na hora do recreio isolava-se e não
suportava pisar na areia ou grama. Chorava muito quando chegava a hora
do recreio, mas em outros momentos chorava ainda mais quando tinha
que voltar para a sala.
No final do ano, Paulo já aceitava explorar todo o pátio e permitia a apro-
ximação de outras crianças. Buscava alguns colegas espontaneamente,
em brincadeiras de “pega-pega” ou com blocos grandes de madeira, os
quais empilhava ou enfileirava. Gostava de música e aceitava permane-
cer na ­rodinha, folheando livros. Ia e retornava do recreio sem grandes
dificuldades. Demonstrava muito interesse por letras, números e figuras
geométricas, embora sua representação gráfica estivesse ainda na fase
de garatujas.
Fonte: Gomes (2009, p. 200).
136

No estudo de caso apresentado no texto acima do relato de Paulo,


pode-se observar que o choro constante da criança no início do ano
escolar deve-se, primeiramente, ao impacto da mudança de ambiente,
em que a ruptura entre o conhecido e dominado abrem espaço para o
desconhecido. As saídas de sala de aula funcionavam como um alívio
no momento de pressão criado pelo ambiente não familiar e as tarefas
impostas, as quais se mostravam distantes de seu domínio causando
ansiedade, frustração e provavelmente ”terror”, o que pode explicar o
choro ao sair da sala de aula e muito mais ao retornar.
Ao retornarmos às dificuldades sinalizadas por Smith (2008) na
interação social, comunicação e comportamentos restritos nos qua-
dros da conduta autista, poderemos entender a dificuldade de Paulo
principalmente se todo esse comprometimento estiver associado a um
possível prejuízo cognitivo. Conforme o relato apresentado, provavel-
mente a idade cronológica do aluno não corresponde à cognitiva e,
nesse caso, as atividades precisam ser adaptadas à sua compreensão de
forma ­gradativa. Outra situação que pode amenizar esse quadro é a an-

FAEL
Capítulo 6

tecipação das tarefas pela sinalização com objetos ou imagens relativos


à tarefa, por exemplo, fazer um calendário diário com a sequência de
atividades. Imagine que a hora do recreio seja após a tarefa de artes,
então se sinaliza esse momento com figuras do pátio ou brinquedos de
areia, se estes fizerem parte da atividade.
A criança autista precisa de organização e sequência rotineira de
atividades, o ”novo” assusta e compromete as relações sociais e as ativi-
dades pedagógicas. Outra situação que pode incomodá-la é o barulho,
e a fuga do ambiente que lhe é hostil torna-se importante para ela na-
quele momento. O importante é que o educador entenda os recursos
de defesa criados pela criança e a estimule progressivamente a superar
os obstáculos do momento. Pata tanto, o educador precisa conhecer
o quadro autista e promover situações que desembaracem as possíveis
reações desencadeadas por seu quadro.
Acreditar na potencialidade do aluno e assumir o compromisso de
compreender e buscar alternativas pedagógicas e sociais pode mudar o
quadro da síndrome e inibir o desencadeamento de outros comporta-
mentos de reação. 137

Síndrome de Asperger
A Síndrome de Asperger, do espectro autista foi descrita pelo mé-
dico austríaco Hans Asperger, que a denominou de psicopatia autista.
Inicialmente a descreveu como pessoas com inteligência normal, com-
portamento social estranho e sem atrasos na linguagem.
Na CID 10 (OMS, 1997a), o transtorno é denominado de ­Asperger
e caracterizado por comportamento social qualitativo, ausência de lin-
guagem e sem atrasos significativos da cognição. Observa-se a prevalên-
cia no sexo masculino. O resumo do quadro do DSM IV (­Manual Diag-
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 1995) a ­seguir descreve os
critérios de diagnóstico para a Síndrome de Asperger:
• comprometimento qualitativo na interação social;
• padrões de comportamento, de interesses e de atividades estereotipa-
das, restritos e repetitivos;
• o transtorno causa prejuízo clínico significante nas áreas social e
ocupacional ou em outras áreas vitais;

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• não há atraso geral na linguagem que seja clinicamente significati-


vo (por exemplo, palavras isoladas usadas aos dois anos de idade e
frases comunicativas aos três anos);
• os critérios não se destinam a outras doenças do comportamento ou à
esquizofrenia.

Síndrome de Rett
A Síndrome de Rett foi descrita em 1965, pelo médico austríaco
Andreas Rett, ao verificar uma similaridade entre 22 meninas atendidas
durante um período de seis meses de acompanhamento. Na descrição ini-
cial, o médico observou que ao nascer a criança aparentava normalidade e
durante seu desenvolvimento surgiam sinais da síndrome. A síndrome ca-
racteriza-se por movimentos rotatórios e repetitivos das mãos, dificuldade
no controle muscular, problemas de comunicação verbal e carência social.
Segundo Kaplan; Sadock; Grebb (1997), a síndrome de Rett é
observada em meninas e sua incidência indica uma prevalência de seis a
sete casos a cada nascimento de 100 mil crianças do sexo feminino.
138
Do nascimento aos cinco primeiros meses, o bebê apresenta desen-
volvimento motor adequado à sua idade e dos seis meses aos dois anos
já surge um declínio cognitivo, perda de movimentos voluntários das
mãos e, simultaneamente, surgem movimentos estereotipados como
retorcer as mãos, declínio da fala adquirida até o momento, retardo
psicomotor e ataxia. Nesse período já surge microcefalia, em que 75%
dos casos são acompanhados de convulsões.

Transtorno desintegrativo da infância


Conhecido como Síndrome de Heller e psicose desintegrativa de
caso raro, o transtorno desintegrativo da infância foi descrito inicialmen-
te em 1908.. Conforme o DSM IV, (Manual Diagnóstico e E ­ statístico de
Transtornos Mentais, 1995) a criança que apresenta este transtorno tem
seu desenvolvimento como as demais até os cinco ou seis anos de idade,
período em que se inicia a regressão do desenvolvimento, perdendo ha-
bilidades sociais, linguísticas e comportamentais que vão se complicando
durante o desenvolvimento. Estima-se que esse transtorno ocorra em um
a cada 100 mil nascimentos e sua prevalência está em crianças do sexo
masculino, na proporção de 4-8 entre meninos para uma menina.

FAEL
Capítulo 6

Transtorno invasivo ou global do desenvolvimento – não


­especificado em outra categoria
Conforme descrito por Smith (2008), esse transtorno envolve
problemas nas áreas de comunicação, habilidades sociais e compor-
tamentos incomuns, que também são características presentes no au-
tismo, Síndrome de Asperger ou Síndrome de Rett. No entanto, a
diferença do diagnóstico do transtorno invasivo de desenvolvimento
das demais síndromes está nos critérios estabelecidos para um laudo,
em razão do perfil de comportamentos presentes ou quando a criança
não apresenta problemas nas três áreas descritas durante sua infância
ou, ainda, quando esses problemas são mais leves comparados aos das
síndromes descritas.

Dica de Filme
O filme Enigma das cartas mostra a história de uma menina que desen-
volveu os sintomas do autismo após a morte de pai. Ruth, sua mãe, leva-a
139
a um especialista em autismo infantil chamado Jake, que emprega um mé-
todo de terapia estritamente tradicional em sua escola especial. Contudo,
Ruth não aceita que o método de Jake seja o único meio de tratamento.
Então, ela procura se unir à filha para ver o mundo através de seus olhos.
Com exames mais completos, Ruth e Jake descobrem que a pequena garota
não era realmente autista, mas estava se protegendo da perda do pai de
uma maneira não muito convencional.

ENIGMA das cartas. Direção de Michael Lessac. EUA: MiramaxFilms, 1993.


1 filme (109 min), color.

O filme Rain man explora uma forma rara de autismo, na qual a pessoa que
é superdotada (autista inteligente) em matemática apresenta um extremo
baixo funcionamento em habilidades adaptativas. Embora Raymond seja
mais verbal do que muitas pessoas com autismo, muitas cenas ilustram o
“desligamento” que eles, em geral, demonstram.

RAIN Man. Direção de Barry Levinson. EUA (1988). 1 filme. (133 min), color.
Dica de Filme
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O aluno com TGD na visão inclusiva


Estudos sobre a educação de crianças com transtornos globais do
desenvolvimento no ensino regular revelam, segundo Gomes (2009),
que os professores mostram-se ansiosos ou relutantes quanto à sua in-
clusão educacional frente às dificuldades de comunicação e comporta-
mentos decorrentes de quadros neurológicos ou psicológicos.
A ideia de trabalhar com o “diferente” conduz os profissionais da
educação a buscar uma grande quantidade de atividades e estratégias
para mantê-los ocupados, envolvendo integralmente o aluno nas várias
tarefas, isso por acreditarem que esses recursos podem inibir os possí-
veis transtornos suscetíveis ao quadro, o que acaba comprometendo o
desenvolvimento natural das capacidades dessas crianças.
Por outro lado, pesquisas de Goldberg apud Gomes (2009) ana-
lisam sentimentos de professores que enfrentam a frustração pela ex-
pectativa de rendimentos imediatos do aluno com condutas típicas, e
enfrentam o desafio de estabelecer uma comunicação alternativa e uma
socialização gradativa por meio da modificação de estratégias pedagó-
140 gicas diferenciadas. Essas pesquisas relatam que alunos de professores
otimistas obtêm resultados positivos nas áreas acadêmicas. Esse enfren-
tamento requer um redimensionamento do foco do problema, geral-
mente centrado no aluno, para a busca de soluções quanto à adequação
do ambiente com acessibilidade da criança e estratégias pedagógicas
favoráveis ao seu desempenho. Dessa forma, a escola se adéqua para
receber o aluno sem esperar que ele esteja “preparado” para o enfrenta-
mento da inclusão.
Conforme declara Smith (2009, p. 368),
Embora nenhum programa tenha sido totalmente aprovado,
a pesquisa identificou algumas características-chave da eficá-
cia dos programas para os pré-escolares. Essas características-
chave são aparentes mesmo entre os programas que diferem
na filosofia, na origem teórica, na intensidade de sérvios e no
tempo de instrução com estas crianças.

Os elementos-chave indicados por Dawson e Osterling; Harris e


Handleman apud Smith (2009) são:
●● ambientes de ensino com apoio;
●● planejamento para a generalização;

FAEL
Capítulo 6

●● programação provável de rotina;


●● métodos práticos para controlar os problemas de comporta-
mento;
●● apoio para os programas de transição;
●● envolvimento da família e apoio.
No ensino especial são utilizados programas específicos, princi-
palmente para a criança em fase pré-escolar, que também podem ser
adaptados para o Ensino Fundamental e Médio, como é o caso do
método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Commu‑
nication‑Handicapped Children) e do YAP (Young Autism Program),
descritos a seguir (SMITH, 2008, p. 368).
O método TEACCH consiste no desenvolvimento de um ensino
estruturado, envolvendo adaptação de materiais e ambientes que tra-
balham o desenvolvimento de habilidades específicas. Esse programa
utiliza fichas ou cartões para sinalizar ou conduzir a determinada tarefa.
Pela visualização, o aluno recebe a mensagem que deverá executar do
início ao fim. As tarefas do dia são identificadas por um cronograma 141
de execução elaborado em forma de rotina sistemática, em que ele terá
uma agenda que deverá estar bem visível. As atividades pressupõem
uma ordem cronológica, como é o caso da rotina do dia. A criança
deverá cumprir criteriosamente essa sequência e, nesse caso, a rotina é a
chave para um desempenho favorável.
Nesse programa, a participação da família é imprescindível, que deve-
rá utilizar em casa o mesmo sistema para a rotina diária, inclusive para ati-
vidades elementares como é o caso de rotinas de higiene (escovar os dentes,
lavar o rosto, lavar as mãos) e, após tomar café, levar as xícaras para a pia e
assim por diante; sempre ilustrado pelo apoio visual de fichas ou cartões.
O programa YAP é mais intensivo. Baseia-se na análise de com-
portamento aplicado, mais conhecido por “análise de tarefas”, que uti-
liza reforços, geralmente positivos, para a extinção de comportamentos
não desejados ou para aquisição de habilidades que são realizadas em
treinamentos individuais. Esse programa tem como objetivo a aquisi-
ção de habilidades específicas da vida diária, comportamentos, ou para
o desenvolvimento de habilidades necessárias à autonomia e indepen-
dência do aluno, seja de ordem pessoal ou comunitária.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Conforme Smith (2008), as crianças com autismo devem ter aces-


so a ambientes menos restritos o possível. Os professores do ensino
regular podem contar com o apoio de profissionais especializados na
busca de um atendimento multidisciplinar com vistas à identificação
de adaptações necessárias para uma inclusão satisfatória. A convivência
com alunos sem deficiências possibilita a incorporação de papéis sociais
que, proporcionados pela experiência de modelos positivos de compor-
tamento, são favoráveis à integração em programas menos segregados.
A inclusão dessas crianças no ensino regular será possível se houver
colaboração e todos envolvidos nessa dinâmica, a começar pela família,
os contatos como gestão escolar, terapeutas e outros setores que enten-
dem a importância da integração para o desenvolvimento socioeduca-
cional dessas crianças.

Da teoria para a prática


142
Analise a história de Paulo descrita na página 135 e pense nos pro-
cedimentos pedagógicos que podem ser adaptados para auxiliar o aluno
autista a superar sua dificuldade social.

Síntese
Neste capítulo, pudemos analisar a força das emoções no desenvol-
vimento pessoal e social da criança refletidas na aprendizagem. Crian-
ças que têm a oportunidade de crescer e se desenvolver em ambientes
estruturados, que recebem afeto da família e dos educadores, têm mais
oportunidades de sucesso em sua vida presente e futura.
As teorias apresentadas, das inteligências múltiplas de Gardner
(2000) e da inteligência emocional de Goleman (1995), abrem leques
de oportunidades para que pessoas não consideradas inteligentes, por
testes padronizados de QI, vislumbrem novas áreas de habilidades e de-
senvolvam competências acadêmicas ou laborais dentro de seus ”dons”
ou capacidades.

FAEL
Capítulo 6

Os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) são des-


critos pelo comprometimento em três áreas distintas do desenvolvi-
mento: habilidades de interação social, comunicação e presença de
comportamentos e atividades estereotipadas. Os comprometimentos
dessas áreas estão presentes nas síndromes de Asperger e Rett, no trans-
torno autístico e desintegrativo da infância, e no transtorno invasivo
ou global do desenvolvimento.
Considerando o desencadeamento de comportamentos estereotipa-
dos e pela ausência de comunicação, são observados certos receios de pro-
fessores em atender crianças com estes diagnósticos, no entanto, pesquisas
têm mostrado que ambientes menos restritos com adaptações necessárias
são importantes para o desenvolvimento de crianças com TGD.

143

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


7
Família parceira
da inclusão
escolar
E studos de Rodrigo e Palácios (1998) assinalam que o desen-
volvimento das crianças com deficiência não depende só do grau em
que são afetadas, pois, numa visão mais sistêmica, consideram-se vários
fatores que interferem no desenvolvimento, dos quais o princípio é o
ambiente familiar.
Nessa perspectiva, enquanto profissionais da aprendizagem, conheci-
dos como: professores, pedagogos, agentes de serviços gerais, psicólogos,
psicopedagogos, entre outros, devemos conhecer a organização e a estru- 145
turação da vida cotidiana familiar e o contexto familiar, em especial a mãe,
que reconhece a dependência da criança e se adapta às suas necessidades.
Para tanto, concebe-se que o papel da família é uma forma de in-
clusão necessária e que possibilita à escola, como um todo, se transfor-
mar e redesenhar seu perfil no caminho de uma educação de qualidade
para todos.
Este capítulo foi organizado no intuito de difundir a família como
parte do processo inclusivo em suas peculiaridades, bem como somar
alicerces que fundamentam subsídios para a ação docente.

A família e o processo de desenvolvimento


biopsicossocial
O núcleo familiar, pai, mãe, irmãos, outras pessoas que habitam a
casa, objetos, animais entre outros, é o primeiro grupo a que pertence
a criança. É, portanto, um grupo social natural que administra seus
membros dos estímulos internos e externos. Nessa tessitura, entende-se
que a criança “aprende os valores do grupo”.
Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Entre os grupos sociais, a família, quando bem estruturada, dis-


põe das melhores condições e dos recursos mais eficazes para educar as
novas gerações. Quando unido e espiritualizado pelos laços de amor,
confiança, compreensão da solidariedade, o grupo familiar é o grupo
ideal para a educação da criança.
Escola e família participam
Saiba mais do processo de desenvolvimento
A família é um sistema social que se organiza
bio­psi­cossocial como matrizes de
com regras próprias oriundas de regras usadas
formação. Constitui-se, então,
no sistema sociocultural. É um sistema podero-
um elo entre elas cuja figura de
so de educação e treino de funções e papéis.
ligação é a criança – o aprendiz,
O termo família é derivado do latim famulus, o filho, o estudante.
que significa “escravo doméstico”. Esse termo
foi criado na Roma Antiga para designar um Nessa perspectiva, conce-
novo grupo social que surgiu entre as tribos be‑se que o relacionamento com
latinas, ao serem introduzidas à agricultura e figuras parentais é visto como
também à escravidão legalizada. um fator de influência na for-
mação da personalidade do in-
146 divíduo e, em decorrência, como fonte dos processos de ajustamento
pessoal, ou seja, ajudando-o a manter um bom contato consigo mesmo
e um relacionamento interpessoal.
Sob a dimensão dos direitos educativos da família, sabe-se que o
direito dos pais de educar os filhos não é ilimitado e absoluto. Porém, em
uma sociedade de classes como a nossa, marcada pela dominação e por
um modelo predominantemente capitalista, entende-se que não compete
aos pais educar os filhos, quer contra seus direitos de personalidade, quer
contra os seus direitos do bem comum. Daí decorre o direito do Estado
em matéria de educação. A ele compete a função de educar quando a
família revela-se inexistente ou omissa na tarefa educativa, ou quando
essa fere os direitos da pessoa humana ou da sociedade. Sob essa ótica, a
função do Estado é sempre prover, auxiliar e mediar as ações educativas.
Por outra ótica, é certo que os pais possuem como que um instin-
to natural para a educação. Sem dúvida, a escola ideal ainda é a casa
paterna. Entretanto, não basta esse instinto. A educação é uma tarefa
complexa, delicada e sutil, exige conhecimento, dedicação e amor.
Com propriedade, Gomes (2005) destaca que todas as crianças
são indivíduos e, como tais, únicas em si mesmas e com suas próprias

FAEL
Capítulo 7

­ ecessidades e características. Nesse sentido, toda e qualquer criança é


n
especial. Mas o termo “especial” está, hoje, sendo utilizado para desig-
nar um grupo de indivíduos, sejam crianças, adolescentes ou adultos,
os quais possuem alguma necessidade educacional especial, sendo, de
um modo geral, reservado esse termo “especial” para aquelas crianças
cujas necessidades fogem do usual. Essas necessidades encontram-se as-
sociadas tanto às crianças que estejam particularmente adiantadas em
uma ou mais áreas.
Para essa autora, o nascimento de uma criança com necessidades
especiais traz consigo a necessidade de uma porção de cuidados também
especiais. Na concepção dos pais, sempre surge a seguinte questão: o que
é afinal o normal? Quando se fala de normal, fala-se de corpo e mente
sã. Fala-se também de comportamento, e aqui entra a parte complexa da
questão: por que se chama “anormal” uma pessoa que tem um determi-
nado comportamento, se o comportamento das pessoas ditas “normais”
tem variantes que nem a ciência conseguiu descobrir ainda?
Conforme Carvalho (1996, p. 105), “quando se espera um filho,
geralmente os pais costumam depositar todas as suas ilusões e algumas 147
de suas frustrações nesse ser que cresce no ventre materno”. Com essa
colocação, percebe-se, resumidamente, qual é o pensamento e as ex-
pectativas dos pais que esperam um bebê. Porém, devido a múltiplas
razões, muitas vezes desconhecidas, nascem bebês com algum proble-
ma neuropatológico e físico, o que acaba sempre por afetar, de algum
modo, a família e sua estrutura já constituída ou ainda por constituir.
Cabe ressaltar e lembrar que a família passa por diversas fases
a­ ntes do reconhecimento da necessidade especial. Ou seja, a certeza da
deficiên­cia desencadeia reações emocionais que se conhecem: negação,
raiva, busca do culpado, depressão e aceitação.
Aprofundando as reflexões em torno do núcleo familiar, citamos
Cavalcante (1995, p. 12-13), para quem estudos sobre a natureza da
família implicam na importância dos liames (vínculos):
É a família um dos aspectos mais importantes a ser considera-
do, em primeiro lugar por ser a primeira vivência socioafetiva
de qualquer criança, onde ela tem a oportunidade de aprender
através de experiências positivas e negativas, e, em segundo,
pelos fatores dominantes que influem em seu desenvolvimen-
to e formação como indivíduos.

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

Sendo esse o núcleo básico, para facilitar o processo de integra-


ção e participação da criança nos diferentes grupos sociais da comuni-
dade/sociedade, ela necessita ser aceita e amada em qualquer situação
do nascimento.
Avançando mais nessa linha de reflexão em torno das relações do
núcleo familiar, Cortez (2002, p. 7) afirma que,
Ao nascer, a criança apresenta algum tipo de problema.
Não há tempo para se preparar; pai e mãe também terão que
aprender a ser pai e mãe de uma criança diferente. Diante des-
ta situação, aos profissionais, tanto da área clínica, quanto da
educacional, caberão orientações para que os pais não percam
a credibilidade em si mesmos e no próprio filho.

Ainda na esteira das reflexões, citamos a relevante contribuição de


Corsi apud Gomes (2005, p. 36):
Para que o convívio social seja agradável, é preciso que os pais su-
perem os sentimentos negativos frente à deficiência, como meio
de preservarem a autoestima da criança, a fim de se prepararem
para enfrentar desafios. Com atitudes positivas, os pais agirão
como elementos transformadores. Promover a autonomia e in-
148
dependência do indivíduo com deficiência modifica a atitude
da sociedade, impedindo a superproteção e o paternalismo.

Nas trilhas desse entendimento, são consideradas e respeitadas as neces-


sidades educacionais especiais de um aluno, seus pais e demais familiares.
Nesse âmbito, esses devem assumir seus papéis como corresponsáveis pela
escolarização do aluno e dos apoios que este necessite mediante a sua espe-
cificidade. Necessário se faz sensibilizá-los, orientá-los e fortalecê-los para
serem inseridos no programa educativo.

Nessa perspectiva, concebe-se que além de serem elementos faci-


litadores para o bom desenvolvimento do aluno, são os que conhecem
melhor e serão, com certeza, os primeiros beneficiados quando de sua
independência e melhoria no convívio familiar e social.
Gomes faz um alerta, nem sempre estão na família nuclear os
maiores obstáculos que o aluno tem de enfrentar; contudo, faz-se ne-
cessário desvelar a sua história e compreendê-la serão procedimentos a

FAEL
Capítulo 7

serem adotados, diminuindo assim os preconceitos e rótulos atribuídos


à família, esta por sua vez, carrega maior parcela de culpa pelas difi-
culdades encontradas pelo aluno na escola. Quando a escola assumir
a responsabilidade de escutar, orientar e subsidiar, a família do aluno
poderá, então, almejar um trabalho conjunto, que poderá surgir através
da mudança de postura do próprio aluno e da aproximação da família.
Em suma, mediante esse pressuposto, concebe-se que a ação da
família deve completar-se com a atuação da equipe técnica pedagógica
da escola e/ou dos centros de atendimento especializado, para que essa
parceria seja realmente eficaz, ela deve ser cuidadosamente orientada
pelos técnicos, destas instituições.
Ainda, espera-se que o professor seja um habilidoso observador
e mediador do processo de desenvolvimento da criança e que a famí-
lia desempenhe seu papel de copartícipe no processo educacional. Só
assim a criança em situação de necessidades especiais encontrará um
ambiente favorável ao seu desenvolvimento biopsicossocial.

149
“A escola, em parceria com a família, é eleita para promover o desenvolvi-
mento infantil, é a instituição social que se apresenta como responsável pela
educação sistemática das crianças, jovens e até mesmo adultos.” (­DAVIS;
OLIVEIRA, 1994, p. 23).

Essa análise, contudo, retrata que é a escola que dá sentido às infor-


mações e as transforma em conhecimento, tendo em vista que, nos dias
de hoje, o acesso às informações é facilitado e agilizado pela internet, a
interação professor-aluno resulta em aprendizagem, aprendizagem esta
voltada à produção de conhecimento.

Dica de Filme
Powaqqatsi – uma vida em transformação é um filme corajoso, pertur-
bador e épico em sua grandeza, que coloca em discussão tudo o que pensa-
mos saber sobre a sociedade contemporânea. Por meio da justaposição de

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial

imagens de culturas antigas com as da vida moderna, esse filme expõe o cur-
so do progresso humano. É um filme que fala à alma, assim como à mente.
POWAQQATSI – uma vida em transformação. Direção de Godfrey ­Reggio.
EUA: Fox Home Entertainment, 1988. 1 documentário (100 min.), sono-
ro, color.
Dica de Filme

Da teoria para a prática


As professoras, Ana e Luci, começaram a trabalhar com turmas da
mesma série em uma escola situada numa comunidade de baixa renda.
Entre seus alunos tinham alguns em situação de deficiência i­ntelectual,
150 alguns com distorção de idade/série e, outros, em anos anteriores,
­tiveram baixo rendimento.
Após algum tempo, era evidente o progresso dos alunos da
­ rofessora Luci. Ela, constantemente, os estimulava e organizava o seu
p
planejamento didático em torno das atividades preferidas dos alunos.
A professora Ana, indagada por que tal progresso não ocorrera com sua
turma, respondeu: “meus alunos são pobres, têm muitas dificuldades e
não vão conseguir aprender mesmo”.
Em sua opinião, como pedagogo, o que distingue fundamental-
mente essas duas professoras?

Síntese
O processo de democratização da educação inclusiva tem sido de-
finido no Brasil de forma mais intensa nas últimas décadas, tanto na
questão familiar quanto no acesso e na permanência na escola das crian-
ças que apresentam histórico de necessidades educacionais especiais.

FAEL
Capítulo 7

Nessa perspectiva, a família e a escola são consideradas como os


grandes agentes de socialização, e que na convivência da diversidade e
na valorização dos pequenos e grandes acertos todos serão beneficiados,
ou seja, a família, aluno, escola e os profissionais da aprendizagem.
Assim, pode-se ressaltar que o papel da família é uma forma de in-
clusão necessária e que possibilita à escola, como um todo, se transfor-
mar e redesenhar seu perfil no caminho de uma educação de qualidade
para todos.
Conclui-se, para tanto, que construir um novo ser e um novo
mundo a partir de uma nova relação é a chave da função social do edu-
cador, seja ele pai, mãe ou professor. O vínculo que se estabelece abre
possibilidades para novas formas de sentir, querer e agir.

151

Fundamentos e Metodologia do Ensino Especial


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FAEL
Fundamentos e
Metodologia

do Ensino Especial
A amplitude do ensino a distância permite que um contin­
gente significativo de pessoas receba a informação nos
mais longínquos lugares deste país, onde a educação
­presencial esteja longe do alcance dos estudantes, seja
por locais distantes dos centros urbanos ou em comuni‑
dades de difícil acesso.
O conhecimento das peculiaridades das pessoas com necessi­
dades educacionais especiais, proporcionado pela infor­
mação, no contexto educacional do Ensino Superior, contribui
de forma significativa para a inclusão educacional e social
desta população, bem como minimiza as incidências de casos
de deficiências que podem ser evitados pela informação dos
procedimentos necessários de prevenção.
Com uma linguagem clara e objetiva, a produção deste livro
contempla a informação e a instrumentalização da prática
pedagógica necessária aos futuros profissionais da edu‑
cação para que possam atender alunos com algum tipo de
­deficiência no contexto educacional do ensino regular.

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