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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
Resumo
Este texto enfoca o papel da história da Matemática na Educação Matemática. Dialogamos com Ginzburg e Legoff a
fim de nortear nossas reflexões sobre o papel da história da matemática na educação matemática. Apoiados nas
propostas metodológicas de Fauvel e Van Maanen, apresentamos algumas maneiras da implementação da história no
ensino. Incluímos exemplos de sua utilização no ensino da álgebra, com destaque ao uso de fontes primárias.
Introdução
Partiremos do pressuposto de que a História da Matemática desempenha um papel na Educação Matemática.
A Matemática como uma atividade cultural e humana acontece sempre num determinado local e tempo e
portanto está relacionada a um certo contexto, assim seu ensino-aprendizagem não deve estar desvinculado
de sua história. Apresentaremos neste texto algumas reflexões sobre o papel da história da matemática na
educação matemática, bem como exemplos de sua utilização em sala de aula.
Pesquisadores de várias partes do mundo têm escrito e difundido suas pesquisas em História da Matemática
e muitos têm defendido sobre suas potencialidades didáticas. Em 1998, sessenta e dois pesquisadores de
vinte e seis países1 de todos os continentes, que acreditam que a história da matemática pode desempenhar
um papel relevante na educação matemática, reuniram-se num evento patrocinado pelo Comitê
Internacional de Instrução Matemática (ICMI), em Luminy (França) com o objetivo de produzir um livro
sobre esse tema. O resultado deste trabalho intitulado History in Mathematics Education foi publicado em
2000. Nessa obra, estão apresentadas diversas experiências realizadas com a história da Matemática em sala
de aula, bem como reflexões teóricas sobre o tema. Na primeira década do corrente século, constatamos a
continuidade e ampliação destas investigações por pesquisadores de todos os continentes, o que pode ser
verificado pelo número crescente de eventos científicos e publicações na área.
1
Argentina, Austria, Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Colombia, China, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Israel,
Itália, Ingaterra, Japão, Lituânia, Mozambique, Marrocos, Noruega, Nova Zelândia, Polonia, Portugal, Taiwan, USA.
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Podemos abordar a história da matemática a partir de vários pontos de vista. Preferimos iniciar discutindo
sobre as razões de inclusão da história da matemática em sala de aula. A seguir, apresentamos algumas
maneiras de introduzi-la na matemática escolar e finalmente, alguns exemplos de sua utilização no ensino
da álgebra.
Não é apenas expondo oralmente episódios da história da matemática, como o surgimento da álgebra ou da
vida de matemáticos que podemos trabalhar a história. A proposta é criar em sala de aula momentos de
discussão e reflexão em torno de questões como: Quem constrói a Matemática? Como e onde a Matemática
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se desenvolve? Para que serve a Matemática? Para isso, há muitas maneiras de implementação da história da
matemática no ensino. Apoiados em Fauvel e Van Maanen (2000), apontamos as seguintes possibilidades:
1. Fragmentos históricos.
Muitos livros textos incluem fragmentos da História da Matemática. Os mesmos podem ser incorporados
em um contexto matemático de forma introdutória para explorar a origem de algum conceito, por exemplo,
o surgimento dos logaritmos, o uso do teorema de Pitágoras. etc.
3. Fontes primárias.
Mostrar a história da Matemática a partir de seus próprios criadores, evitando resíduos de intérpretes ou
comentadores. Existem textos acessíveis como geometria de Euclides, geometria de Descartes, matemática
dos babilônios, dos quais podem ser extraídos pequenos fragmentos.
4. Fichários.
Os fichários podem conter uma coleção de fichas com exercícios para desenvolver a compreensão
matemática por meio da integração com a História. Elas são usualmente extratos históricos curtos,
acompanhados por informação histórica para descrever seu contexto seguido por sugestões que dêem
suporte a compreensão de conteúdos matemáticos envolvidos. Exemplos: Álgebra geométrica grega,
matrizes e determinantes (sugestão ver livro Baumgart).
5. Pacotes históricos.
Os pacotes históricos consistem numa coleção de materiais que focam sobre o mesmo tópico, com forte
ligação ao programa de ensino e que está pronto para ser usado. Pode incluir indicação direcionada para
acesso a internet, fontes primárias, problemas históricos, etc. Exemplos: aritmética no Egito, π e a
circunferência do círculo, problemas narrativos e equações, prova dos nove, etc.
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7. Problemas históricos.
A História da Matemática fornece um amplo repertório de problemas que podem ser estimulantes e
produtivos para alunos e professores. Eles são de vários tipos: problemas sem solução, problemas clássicos,
problemas recreativos, problemas ainda não resolvidos. Exemplos: duplicação do cubo, trisecção do ângulo,
conjectura de Goldbach: cada número natural é a soma de dois números primos.
8. Instrumentos mecânicos.
A introdução de instrumentos mecânicos na sala de aula interconecta dois problemas da educação
matemática: a consciência do desenvolvimento sócio-cultural da matemática e a construção de uma base
empírica para as provas matemáticas. Exemplo: construção das cônicas com uso de pregos e cordas.
10. Jogos.
Os jogos podem ser usados para reexperimentar atividades da vida de matemáticos do passado, que usaram
e inventaram muitos jogos, como um modo de apreciar o lado humano da atividade matemática. Exemplo:
quadrados mágicos.
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13. A internet.
A internet pode auxiliar a integração da história na educação matemática pelo menos de dois modos: como
uma fonte e como uma forma de comunicação.
Alguns sites importantes de referência nas línguas inglesa e portuguesa são: Mac Tutor History of
Mathematics - http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/;
Nonius - www.mat.uc.pt/~jaimecs/
A abordagem histórica da Álgebra, assim como de outros tópicos da matemática, pode ser realizada de
muitas maneiras. Vamos usar os itens 1, 3, 7 e 13 anteriores como ilustração para o ensino de equações.
Problema: Qual deve ser o quadrado que, quando se lhe acrescenta 10 vezes o seu lado, é igual a 39?
A solução apresentada por ele não incluía nenhum simbolismo e era dada como segue: Dividir por 2
o número de vezes que o lado foi acrescentado, o que dá 5; multiplicar este número por ele próprio, o
produto é 25. Acrescentar isto a 39; a soma é 64. Tomar a raiz quadrada deste número; é 8, e subtrair-lhe a
metade do número de lados, ficam 3; é o lado do quadrado procurado, que é portanto igual a 9.
Não é de se admirar que uma solução dada desta forma assustasse os iniciantes, o que faltava era
uma linguagem mais adequada que traduzisse o processo.
x2 + 10x = 39
10 : 2 = 5 e 52 = 25
x2 + 10x + 25 = 39 +25 = 64
(x + 5)2 = 82
Observe que a outra raiz, negativa, não era levada em consideração na solução do problema.
Discutir a resolução do problema na versão desse autor e propor outro problema similar para que seja
resolvido da mesma maneira. Mostrar a resolução geométrica do autor (figura 1), sugerir que os alunos
desenhem e representem outras equações nessa forma:
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Usar a internet como fonte de consulta para aprofundar sobre o contexto e vida –obra de Al-Khwarizmi.
Havia 2 vasilhas, uma de 5 “canadas” e uma de 3 “canadas” e uma fonte, posso despejar as vasilhas e enchê-
las quando quiser, mas devo obter exactamente 4 “canadas”... Como é que devo fazer?
Propor a sua resolução e após, consultar outras versões do mesmo problema. Comparar estes problemas com
os apresentados em livros didáticos atuais. O que mudou e o que permanece?
O uso de fontes primárias em História da Matemática é um recurso ainda pouco utilizado pelos professores
em sala de aula. Alguns desconhecem textos de fonte primária, outros sentem-se limitados porque a maioria
deles encontra-se em língua estrangeira. Usamos, aqui, um extrato do livro Elementos de Álgebra2 de Euler,
cuja primeira parte foi traduzida para o português em 1809, publicada no Rio de Janeiro e usado pelos
alunos da Academia Militar do Rio de Janeiro. Muitas vezes, o trabalho com fontes originais é árduo.
Como afirma Ginzburg (2007), grande parte de uma investigação é a procura dos rastros daquilo que
podemos chamar de pistas que nos permitam ir pouco a pouco cercando o nosso objeto, puxando a ponta do
fio para desvendar o novelo. O caminho que percorremos foi um pouco assim: tínhamos a informação de
que a tradução existia. Procuramos por ela durante vários anos em sebos, acervos de bibliotecas
universitárias e também na Biblioteca Nacional. A descoberta do exemplar datado de 1809, na Biblioteca de
Obras Raras da UFRJ, em 2006, foi uma agradável surpresa pois começávamos a duvidar de sua existência.
Ao manusearmos o livro em precário estado de conservação, tivemos a confirmação definitiva de que a
obra, de fato, foi traduzida e impressa no Brasil. Foi publicado na Impressão Régia, por ordem do imperador
D. João VI.
Na capa de rosto do livro (figura 3) lê-se: Elementos d’Algebra, de Leonardo Euler, por ordem de Sua
Alteza Real o Príncipe Regente, Nosso Senhor. Postos em linguagem para o uso dos alunos da Academia
Militar desta corte. Tomo primeiro. Da Analyse determinada. Rio de Janeiro, 1809, na Impressão Régia, Por
Ordem de S.A. R.
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Título original: Vollständige Anleitung zur Algebra, publicado em 1770.
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“Em Álgebra, quando nós temos uma questão para resolver, nós representamos o número procurado por
uma das últimas letras do alfabeto, e então, consideramos de que maneira as condições dadas podem
estabelecer uma igualdade entre essas duas quantidades. Esta igualdade é representada por um tipo de
fórmula chamada equação, que nos permite finalmente determinar o valor da quantidade procurada e
consequentemente resolver a questão. As vezes, vários números são procurados, mas eles são encontrados
da mesma maneira por equações” (p. 187)
Após expor o que ele entende por uma equação, apresenta alguns exemplos resolvidos em que partindo de
um problema, chega a uma equação.
Segundo exemplo: “Suponhamos que 20 mulheres e homens visitaram uma taverna. Os homens gastaram
juntos 24 Fl. e as mulheres juntas os mesmos 24 Fl. Sabe-se que os homens precisam pagar um Gulden a
mais que cada mulher. Qual o número de homens e mulheres?”
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Resolução apresentada:
“Seja o número de homens representado por x
O número de mulheres será 20-x
24
Como os homens gastaram 24 Fl. então cada homem pagará .
x
24
Então 20-x mulheres pagarão
20 − x
Mas, cada homem precisa pagar 1 Gulden a mais que cada mulher então
24 24 24
-1. Então -1 = ”
x x 20 − x
Nesse momento, em lugar de continuar a manipulação da equação a fim de calcular o valor da
desconhecida, ele afirma simplesmente que não é simples encontrar o valor de x. Neste caso, por
manipulações algébricas chegaríamos numa equação do segundo grau ( x 2 + 68x − 480 = 0), cuja forma de
resolução ainda não foi apresentada ao leitor. Ele completa dizendo: “ Em continuidade nós veremos que
24 24
x=8 é um valor que pode ser encontrado resolvendo a equação. Assim −1 = o que resulta 2=2”.
8 12
O que podemos aprender deste pequeno fragmento? Acredito que muitas coisas. A primeira é a clareza com
que o autor escreve. Ele inicia afirmando o que entende por equação, qual a simbologia que irá usar, e a
simplicidade com que traz os exemplos. Nota-se uma preocupação em mostrar ao iniciante passo a passo,
como transformar a linguagem narrativa numa expressão matemática. O uso adequado dos símbolos, testar
para ver se a resposta serve como solução ao problema. Todavia, observa-se também que o exemplo não é
um “verdadeiro problema real”, mas um problema escolar que serve apenas para ilustrar uma suposta
situação de desconhecimento do número de homens e mulheres numa taverna. Esse tipo de “problema” já
introduzido nos livros didáticos da época, continua a aparecer nos livros atuais e podemos dizer que eles são
pseudo-problemas, mas que podem servir para propósitos didáticos.
Se desejarmos aprofundar o tema, a internet poderá ser útil mais uma vez. Para ter acesso on line aos
trabalhos de Euler, o site http://math.dartmouth.edu/~euler/ é muito interessante. O livro de Álgebra de
Euler pode ser encontrado, assim como uma lista de toda sua obra, a sua correspondência, fotografias,
pinturas, várias biografias, etc.
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Considerações Finais
Concordamos com Jean Pierre Legoff (1994) quando este afirma ser o professor também um pesquisador e
um intelectual, que pode encontrar na História da Matemática o prazer de ensinar. Nesse processo, pouco a
pouco ele constatará que ao recorrermos à história, somos capazes de entender melhor as dificuldades
vividas pelo aluno diante de cada novo conceito, com a vantagem de que, em se tratando de Matemática, o
novo sempre vem esclarecer, completar ou transformar conhecimentos antigos, o que estabelece um elo
entre o presente e o passado. Esse elo não é composto apenas por um mundo de números, figuras e
símbolos, mas também por homens e mulheres que, aos poucos, vêm construindo essa ciência, que encanta e
fascina tantas pessoas. Assim, a Matemática deixa de ser apenas uma ciência exata para se tornar uma
ciência humana (SILVA e ARAUJO, 2001).
As reflexões e exemplos aqui apresentados não são suficientes para tratar a complexidade que este tema
envolve, assim, as sugestões do texto e a leitura na bibliografia recomendada são um primeiro passo para se
entrar na fascinante aventura de trazer a história da matemática para dentro da sala de aula.
Bibliografia
BAUMGART, J. Tópicos de História da Matemática para uso em sala de aula. Álgebra. São Paulo:
Atual, 2002.
EULER, L. Elementos d’Algebra. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1809.
____. Elements of Álgebra. Londresm printed for Longman, 1840.
FAUVEL, J.; VAN MAANEN, J. History in Mathematics Education. Dordrech: Kluwer, 2000.
GINSBURG, C. O fio e os rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
LEGOFF, J. P. Le troisème degree en second cycle: lê fil d’Euler. In. Repères IREM, n. 17, 1994.
SILVA, C. M. S. Bibliografia Comentada Em Historia da Matemática. CADERNOS CEDES. , v.40, 1996.
SILVA, C. M. S. Explorando as operações aritméticas com recursos da História da Matemática.
Brasília: Editora Plano, 2003.
SILVA, C. M. S. ; ARAUJO, C. A. C. . Conhecendo e usando a história da Matemática. Educação e
Matemática, Lisboa, v. 61, p. 19-21, 2001.
SILVA, C. M. S.; SAD, L. A. Uma abordagem pedagógica do uso de fontes originais em História da
Matemática. Rio Claro : Gráfica Universitária, 2007, v.1, p. 57.
SMITH, D. E. Rara Arithmetica. Chelsea: Library of Congress, 1
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