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ABORTO

Livro Bioética – Um Guia para os Cristãos – Gilbert Mailaender

Desde a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o caso Roe vs. Wade em
1973, talvez nenhum outro assunto tenha sido debatido com tanta exaltação quanto o
abono.
Todavia, para os cristãos, essa questão deveria ser relativamente simples, embora, é
claro, as mulheres vítimas de gravidez indesejada e tentadas pela idéia do aborto passem
por uma angústia íntima muito grande.
As questões morais em torno do abono são penso eu, menos embaraçosas do que outras
suscitadas pela reprodução assistida ou alguns dos problemas (a serem discutidos
posteriormente) relacionados com a eutanásia.
Sabemos o que temos de fazer, porém achamos difícil agir conforme esse conhecimento.
Se há muitos cristãos que já não tem mais certeza quanto á moralidade do aborto, essa
falta de clareza representa nosso fracasso em face da pressão da cultura que nos rodeia.
O poder e a importância da lei são mostrados precisamente no fato de que muitos de nós,
mesmo quando deveríamos ser mais esclarecidos, permitimos que nossos julgamentos
morais sejam moldados pela formulação atual de nossas leis —na suposição, errônea, de
que se a lei permite algo, isso deve ser moralmente permissível.
Desde o princípio os cristãos se opuseram ao aborto. Em sua History of European
morals [história das morais européias], W. E. H. Lecky, ao observar que "o aborto era
uma prática perante a qual poucos dos antigos manifestavam um sentimento de
profunda reprovação", acrescenta que "a linguagem dos cristãos, desde o princípio,
foi diferente. Com uma firmeza inabalável e grande veemência, os cristãos
denunciaram a prática, não simplesmente como desumana, mas como um assassínio
consumado".
Às vezes, os críticos gostam de ressaltar que os cristãos nem sempre consideravam os
abortos precoces com tanta seriedade quanto os abortos tardios (depois da "animação").
Tais observações, entretanto, não procedem. Os cristãos utilizavam as melhores
informações de que dispunham para determinar o momento em que um ser humano
passava a existir, portanto, seu ponto de vista ia mudando paulatinamente á medida que
aumentava o conhecimento sobre o desenvolvimento fetal.
Todavia, independentemente do momento em que os cristãos afirmavam que o ser
humano passava a ter existência própria, sempre consideraram o aborto como um pecado
grave, permissível somente em raras circunstâncias.
Para os judeus, o ser humano só passa a existir a partir de seu nascimento, isto é,
quando recebe o "fôlego da vida", por isso nem sempre consideraram pecaminoso o
aborto, como os cristãos.
Ainda assim, para muitos deles —certamente para os judeus ortodoxos— o aborto é
considerado pecado grave na maioria dos casos. Embora, de modo geral, não somente
consintam com o aborto como o exijam quando a vida e a saúde da mãe o requeiram, não
o vêem como meio contraceptivo ou como opção justificável em face de motivos
econômicos ou de estilo de vida (no caso de crianças indesejadas).
A história dos judeus no século xx tem feito com que muitos encarem com sérias
reservas a necessidade de abortar os fetos cujas anomalias podem tornar sua vida menos
digna. Portanto, embora seja este um ponto em que o hífen do composto "judeu-cristão"
deva ser retirado, a diferença entre judeus e cristãos consiste principalmente na sua
discordância quanto ao momento em que começa a vida do ser humano. Esse será o
tópico que discutiremos a seguir.

O começo da vida

Quando é que o ser humano passa a existir?


As respostas cristãs a essa pergunta sempre foram calcadas na interação entre os aspectos
bíblicos e teológicos e o conhecimento filosófico e científico em constante evolução.
Os cristãos refletiram sobre o significado das histórias bíblicas de Esaú e Jacó, João
Batista e Jesus no ventre materno. Tomaram em conta o significado do pecado original e
da necessidade, do batismo. Meditaram sobre o fato de ter Jesus assumido a vida humana
em sua totalidade.
Foram influenciados por teorias que faziam distinção entre o feto formado e o informe;
por teorias pré-formacionistas segundo as quais todas as partes do organismo têm
existência prévia em seu estado germinal e desenvolvem-se ao longo do tempo (uma
teoria antiga que, em suas implicações morais, não difere da ênfase moderna na
estrutu¬ra genética).
Discutiram se a alma da nova pessoa era criada por Deus do nada e infundida no embrião
num momento determinado, ou (de acordo com a teoria traducionista) se a alma e o
corpo, como entidade única, era transmitida no ato sexual pelos pais aos filhos.
O pensamento católico medieval, fortemente influenciado por Tomás de Aquino,
inclinava-se por uma diferenciação entre o feto formado e o informe e pela visão
criacionista de que a alma era infundida por Deus no feto formado.
Com o passar do tempo, porém, sob pressão tanto do argumento teológico (i.e., pontos
de vista traducionistas, que tornavam relativamente irrelevantes as distinções entre os
estágios de desenvolvimento fetal) e os novos dados do conhecimento cientifico, a
criação da alma retrocedeu ao momento da concepção, amenizando assim a importância
de qualquer distinção entre o feto formado e o informe.
George H. Williams observa que "em sua modificação do criacionismo de Aquino a Pio
XII, a teologia moral católica manteve-se na realidade muito próxima dos fatos genéticos
e embriológicos" á medida que a compreensão desses fatos foi mudando.
Por motivos bíblicos e teológicos, as atenções tem se voltado para o momento inicial da
vida, ao mesmo tempo em que o acúmulo de conhecimento científico tem esclarecido a
natureza desse momento.
Não podemos, penso eu, afirmar que a Bíblia fixa o ponto exato em que se dá o
começo da vida, embora certamente dirija nossa atenção para o valor da vida fetal.
“Pois tu formaste o meu interior,
tu me teceste no seio de minha mãe.
Graças te dou,
visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são
admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos,
quando no oculto fui formado,
e entretecido nas profundezas da terra.
Os teus olhos me viram a substância ainda informe,
e no teu livro foram escritos todos os meus dias,
cada um deles escrito e determinado,
quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.13-16)
A linguagem poética do salmista é vigorosa, porém pretender que o texto aponte o
momento inicial da vida é pedir demais dele, uma vez que fala de dias que foram
formados para nós antes mesmo que cada um deles viesse a existir.
O que o salmo faz de forma eficaz, entretanto, é descrever um Deus para quem a
realização não sobrepuja o potencial; que se importa até mesmo com o mais frágil e
menos desenvolvido de nós.
Mais importante ainda, ao menos para o cristão, é o ensinamento cristológico de
que Deus viveu em Jesus de Nazaré e redimiu toda a vida humana, desde os seus
momentos iniciais até a morte que nos aguarda a todos.
Ele esteve conosco na escuridão do ventre materno e conosco também estará na
escuridão da sepultura. Não importa se nossas capacidades são grandes ou
limitadas, tampouco se são fabulosas ou insignificantes as nossas realizações, somos
todos —na sugestiva frase de Paul Ramsey— "fetos-irmãos".
Não temos diante de Deus quaisquer direitos ou realizações de que nos gabar;
apresentamo-nos com confiança diante dele unicamente porque toda a nossa vida
foi atingida pela morte e ressurreição de Jesus.
Temos, portanto, uma boa razão teológica para defender a continuidade da vida desde os
«seus primeiros momentos até o último suspiro.
Tais questões pressionam os cristãos no sentido de identificar a concepção ou a
fertilização como o instante em que um novo ser humano passa a existir, podendo-
se ainda apelar ao nosso conhecimento acerca do desenvolvimento humano para
ratificar esse dado.
Quando o esperma e o óvulo se unem para formar o zigoto, estabelece-se o fenótipo do
indivíduo. Nele subsiste o caráter único, a novidade do Indivíduo; assim, podemos
considerar o restante da vida como um desdobramento e desenvolvimento daquilo
que foi estabelecido na concepção.
Na verdade, as indagações que muitos fazem atualmente acerca da "engenharia
genética", especialmente sobre as possíveis alterações nas células germinais que são
passadas para as gerações seguin¬tes, indicam como nosso sentido de identidade
individual está vincula¬do ao genótipo. Depois da fertilização, é difícil localizar uma
outra ruptura igualmente decisiva no processo de desenvolvimento.
Não obstante, existem bons motivos para hesitação, motivos pelos quais podemos
identificar como o início da vida do ser humano um momento ligeiramente posterior ao
da concepção.
Isso porque o óvulo fertilizado precisa implantar-se com sucesso no útero antes que a
gravidez se consolide e, segundo as pesquisas parecem indicar, aproximadamente metade
dos óvulos fertilizados fracassam em sua tentativa de implantação. Se essa estatística for
correta, ao menos aproximada, e se a vida do indivíduo começa na fertilização, seremos
forçados a concluir que metade da raça humana morre depois de quatro ou cinco dias de
vida.
Embora não haja nenhum impedimento lógico nisso, parece ir contra a intuição. Além do
mais, durante os primeiros catorze dias, a individualidade do ser em desenvolvimento
não está ainda firmemente estabelecida.
Até esse ponto, o blastócito em desenvolvimento pode "segmentar-se" —isto é, pode
haver "geminação" se o blastócito dividir-se em dois (ou mais) de mesmo genótipo.
Portanto, é difícil postular a existência do indivíduo humano antes desse momento.
Se afirmarmos que deve haver ao menos um indivíduo, embora possa haver mais de um,
será difícil explicar o que teria acontecido aquele indivíduo no caso da concepção de
gêmeos.
É praticamente impossível dizer que deu a luz a outro, porque não é assim que se
processa a procriação humana. Se fosse demonstrado que a segmentação —quando
ocorre— já foi geneticamente "programada" no momento da fertilização, os fatos seriam
diferentes e a fertilização seria, uma vez mais, o momento decisivo de fixação da
individualidade.
Todavia, ao menos por enquanto, é melhor conceder que o ser' humano passa a existir
algum tempo depois da fertilização. Não se trata de uma deci¬são de somenos, porém
terá efetivamente pouco impacto na questão do aborto.
Mas isso certamente significa que a intervenção médica após o estupro com o objetivo de
impedir a implantação de algum óvulo fertilizado e as pílulas ou os dispositivos intra-
uterinos que evitam a implantação serão meios mais contraceptivos que abortivos.

A pessoalidade

Se o posicionamento explicitado acima for correto, isso quer dizer que pouco depois da
concepção (não mais que duas semanas) um novo ser humano começará a se
desenvolver. Essa pessoa ainda não se parece muito conosco, mas parece-se muito
conosco quando tínhamos aquela idade. Faltam-lhe muitas das capacidades que tomamos
como certas em adultos, porém, quando tínhamos sua idade, também não as tínhamos —
e provavelmente nos faltarão novamente numa fase mais avan¬çada da vida.
Nas últimas décadas, todavia, o termo "pessoalidade" tem sido usado com freqüência
para negar proteção ao feto em desenvolvimento.
O termo indica um conjunto de capacidades —que compreende, normalmente, a
consciência e a autoconsciência, a capacidade de sen¬tir dor, ao menos uma
capacidade mínima de se relacionar com os outros e, talvez, alguma capacidade de
atividade automotivada.
A "pessoalidade" torna-se algo que o ser humano pode ou não possuir, de modo que o
conjunto de pessoas torna-se cada vez menor —talvez consideravelmente menor— do
que o conjunto dos seres humanos vivos.
Se acrescentarmos a isso o fato de que somente as pessoas têm direito a uma vida
protegida —ou, ao menos, que somente as pessoas têm direito de proteção igual ao
nosso— estaremos, é claro, oferecendo uma justificativa para o aborto. A vida fetal pode
ter seu valor, porém, se faltar a pessoalidade, seu direito á vida não pode ser suficien¬te
para excluir a possibilidade de aborto.
Por mais popularizados que estejam os argumentos da "pessoalidade", há dificuldades
óbvias que ocorrem a muitos que refletem so¬bre o tema. De modo especial, tais
argumentos costumam suscitar in¬dagações muito traiçoeiras.
Se são justificativas para o abono, não poderiam justificar também outras coisas mais?
Dada a descrição de pessoalidade acima esboçada, haverá muitos recém-nascidos,
diversas pessoas idosas e outras com retardamento mental que não se enqua¬drarão no
conceito de "pessoa" e que, portanto, não exigirão de nós tanta proteção e cuidado quanto
as pessoas "plenas".
Uma filósofa, ao defender esse argumento num artigo muito citado, afirmou certa
ocasião que um feto não teria mais direito á vida do que um peixe guppy recém-nascido."
Os argumentos em torno da pessoalidade, que se tra¬duz por seu caráter exclusivo e não
inclusivo no que se refere á comunidade humana, parece, sob muitos aspectos, ter-se
virado contra a longa e árdua história durante a qual aprendemos paulatinamente a
valorizar e proteger os "pequeninos" entre todos —ou, para os cristãos, a ver Cristo nos
pequeninos.
Essas, é claro, são preocupações que podem sobrevir a qualquer pessoa, porém os
problemas têm peso ainda maior.
Sabendo que Deus nos criou não simplesmente como espíritos livres, mas como
criaturas encarnadas; sabendo que na criança que Maria concebeu, gestou e deu á
luz, Deus assumiu toda a nossa vida física em sua própria vida; e sabendo que
mesmo antes que tivéssemos a capacidade de falar, o Espírito intercedia por nós,
dificilmente nos veríamos levados a acatar o argumento da pessoalidade.
É verdade, naturalmente, que determinadas capacidades e características distinguem os
seres humanos de outras espécies. Todavia, o argumento da pessoalidade postula
erroneamente que essas características diferenciadoras constituem-se pré-re¬quisitos
para entrada na comunidade humana.
Para ser membro de nossa comunidade, com direito a um tratamento semelhante ao que
você ou eu recebemos, não é necessário, porém, que o indivíduo possua essas qualidades.
Para alguém ser "qualificado" como membro dessa comunidade, basta que tenha nascido
de pais humanos.
Os que nunca tiveram ou os que perderam certas capacidades tipicamente huma¬nas não
devem ser descritos como não-pessoas; em vez disso, são simplesmente os membros
mais frágeis e desfavorecidos da comunidade humana.
Como nós, tal pessoa é alguém que tem uma história. Todas as nossas histórias pessoais
começam com capacidades muito limitadas e podem ter um fim semelhante. A
pessoalidade não é algo que possuí¬mos somente em alguns momentos dessa história;
somos pessoas durante todo esse processo.

Privacidade

A afirmação de uma mulher grávida, "Posso fazer do meu corpo o que eu quiser;
posso abortar se quiser", torna-se obviamente menos persuasiva a partir do
momento em que rejeitamos o argumento da pessoalidade. Se seu corpo está agora
alimentando outra vida humana cuja dignidade é igual á dela ou á nossa, será
muito mais difícil justificar o aborto.
Não obstante, disseminou-se em nossa sociedade outro argumento —fundamentado não
em declarações acerca da falta de pessoalidade do feto, mas sim no direito da mulher á
privacidade. Na verdade, esse argumento —expresso formalmente pela linguagem da
"viabilidade" fetal— foi imprescindível para que a Suprema Corte dos Estados Unidos
fizesse prevalecer a decisão de Roe vs. Wade em 1973.
Embora ligeiramente modificada em casos recentes, a determinação central
daquela decisão permanece válida: ao menos até que o feto seja "viável" e tenha
condições de viver fora do útero da mãe, a mulher grávida não pode ser legalmente
impedida de abortar.
Não creio que esse argumento prevaleça —pelo menos como um argumento genérico
segundo o qual a mulher jamais deva ser obrigada a levar sua gravidez até o fim. Na
realidade, o que se observa aí é a aceitação de um individualismo tão acabado que nos
faz supor que só temos obrigações para com os outros se estivermos de acordo com
elas.
A despeito da utilidade que possa ter esse modelo de contrato social para o
entendimento de alguns aspectos da sociedade civil, trata-se de um modelo muito
pobre para a compreensão do vínculo entre pais e filhos. O argumento da privacidade,
porém, é útil de certo ângulo.
Ao passo que o argumento da pessoalidade dirige nossa atenção unicamente para o feto,
cuja condição procura determinar, este argumento traz á nossa atenção o vínculo entre
mãe e filho. Há duas vidas humanas distintas implicadas aqui. Porém, estão de tal
modo unidas que realmente não temos em nossa experiência nada análogo capaz de
descrever essa união.
Será injusto pedir á mãe que sempre preserve esse vínculo? Afinal, mesmo depois do
nascimento, a criança depende dos cuidados da mãe, e não poderíamos garantir que ela
não tentaria matá-la para livrar-se de tal fardo.
Por que deveria ser diferente com o aborto —que seria matar antes do
nascimento? Porém num aspecto é diferente. Depois do nascimento da criança,
todos nós podemos assumir algumas ou todas as responsabilidades inerentes á
sua proteção. Não podemos fazê-lo antes do nascimento. Não há, conforme já disse,
nenhuma analogia em nossa experiência que se compare ao relacionamento entre
mãe e feto.
Portanto, é preciso que indaguemos novamente: será injusto para com a mãe se
afirmarmos que ela deve preservar esse vínculo com a criança, um vínculo que ela
talvez não tenha desejado nem buscado?
Para os cristãos pacifistas, a resposta a essa pergunta decorrerá de uma oposição mais
generalizada ao extermínio da vida humana. Sua oposição ao aborto brotará do simples
fato de que se empenham para dar guarida á vida humana, nunca matá-la.
Quanto ao restante de nós, porém, creio que há algumas circunstancias —muito
restritas— em que não devemos negar á mulher o direito ao aborto se assim for seu dese-
jo. Devemos ser gratos porque em nossa época tais circunstancias são bem raras.
Todavia, se a gravidez constituir uma ameaça para a vida da mãe, de modo que ou a mãe
ou a criança deva morrer, não temos o direito de pedir-lhe que a mãe de
prosseguimento á raça humana á custa de sua própria vida.
Tampouco devemos simplesmente esperar para ver o que acontece, como se Deus
agisse unicamente por meio de eventos naturais e não por intermédio de seres humanos;
como se ele não nos usasse como instrumentos de cuidados e de cura mesmo num
inundo radicalmente corrompido por nosso pecado. É possível que ela se disponha a
assumir o risco por causa da criança, levando até o fim a vocação para o discipulado, a
vocação de encarnar Cristo para esse próximo a quem se acha tão intimamente
ligada.
Podemos admirar sua decisão, podemos tentar imitá-la como ela a Cristo, mas não
podemos afirmar que seja esse o único modo de seguir a Cristo. Se ela puder tomar tal
cruz, cabe-nos dar prioridade á sua vida, reconhecendo que a criança, na realidade, vive
sugando a vida da mãe. É claro que tais circunstancias não são freqüentes e, a essa altura,
estamos muito longe do argumento da privacidade.
Deveríamos, penso eu, agir de modo semelhante nos casos —muito raros também— de
gravidez resultante de relação forçada ou incestuosa. De modo geral, naturalmente, a
vida da mulher não é ameaçada por esse tipo de gravidez. Há, porém, analogias
importantes entre esse caso e aquele em que existe conflito de vidas.
Nesse caso, embora o feto seja sem dúvida alguma formalmente inocente, a
preservação de sua vida no útero da mulher pode significar para ela a
materialização do ataque de que foi vítima.
O feto, formalmente inocente, continua a representar de forma viva a violência
cometida contra a mulher. Mais uma vez, é claro, é possível que ela encontre
coragem e forças para preservar e amar até mesmo aquele cuja presença encarna
o inimigo. Todavia, reiteramos, não se pode afirmar que seja essa a única maneira
de seguir a Cristo.
Tais exceções á norma cristã mais genérica que proíbe o aborto são raras. Trata-
se de casos em que a vida compete com ela mesma, seja porque a vida da mãe corre
perigo se a gravidez for levada em frente seja porque a presença do feto
materializa, por assim dizer, a continuidade da agressão sofrida pela mulher.
O argumento da privacidade, entretanto, em sua aplicação mais generalizada, não é
convincente.
Se admitirmos que o feto, em todos os estágios de desenvolvimento, como um de
nós, de dignidade igual á nossa, não poderemos concordar com a idéia de que o
desejo da mulher grávida de se ver livre do feto pode —exceto em casos
genuinamente escassos— dar-nos um bom motivo para o aborto.
Na verdade, suspeito que os que defendem argumento da privacidade em situações
outras que não as excepcionais estão, além do mais, pressupondo a verdade do
argumento da pessoalidade —admitindo que o feto não é, de fato, um de nós, e por isso
não exige nosso carinho e nossa proteção.
Além disso, quando se usa o argumento da privacidade não somente nos casos
excepcionais, mas também como princípio geral que regula as decisões referentes ao
aborto, fica estabelecida a visão (muito atraente, de modo geral, para os homens) de que
a gravidez e os filhos são responsabilidades da mulher. A perspectiva dos cristãos opõe-
se a essa visão, já que para eles a união entre o homem e a mulher personifica-se na
criança, por quem ambos tornam-se então responsáveis.

Filhos bem-vindos

Na maior parte dos casos, todavia, a rejeição cristã ao aborto não se baseia
principalmente numa crítica aos argumentos da pessoalidade e da privacidade. Em vez
disso, procuramos apreender a vida como um todo á luz da atividade criadora e
redentora de Deus.
A vida da criança no útero materno é criação de Deus; ela pertence ao mundo que
Cristo veio redimir.
O valor e a dignidade de sua vida, portanto, independem de nossa avaliação —de
"querermos" ou não, em determinado momento, aquela criança. Na verdade, os
sentimentos dos pais estão sujeitos a mudanças tanto antes quanto depois do parto, já
que ás vezes desejam o filho, outras vezes, não. Os rabis compreendiam isso perfei-
tamente, conforme podemos perceber por estas poucas e encantadoras palavras de
David Feldman:
A prescrição bíblica exige que a mulher, logo após o parto, leve ao santuário a sua oferta
(Lv 12.6). O propósito disso, de acordo com o Talmude, era que servisse de expiação
por um voto que jamais seria cumprido: no momento em que as dores de parto tornavam-se
mais agudas, a mulher provavelmente jurava: "nunca mais"; pouco depois esquecia seu
juramento; a alegria expulsava a angústia.

Nossa missão perene, portanto, consiste em lutar para que nossos julgamentos e
sentimentos estejam em conformidade com o agir de Deus —de modo que nossa
estima pela criança seja moldada e talhada pela estima que Deus tem por ela.

Quando procuramos fazê-lo de todo o coração, aprendemos a conhecer nossas


limitações. Não forjamos, em última instancia as condições de nossa existência; em
vez disso, vivemos sob o governo misterioso, porém providencial, de Deus. Os
acontecimentos inesperados —e até mesmo indesejados— da vida proporcionam
ocasiões e oportunidades para a obediência em lealdade ao apelo divino.

Por vezes, e com muita freqüência até, isso exigirá que assumamos tarefas e fardo que
não havíamos previsto ou desejado, os quais, por sua vez, trará consigo certa dose de
sofrimento.

É claro que no âmbito da comunhão na igreja, devemos procurar levar as cargas uns dos
outros, e não sã poucas às vezes em que falhamos nesse empenho. Mas mesmo quando
pensamos que somos os únicos a sofrer, nos enganamos, uma vez que Deus assumiu em
sua própria vida esse sofrimento.

Quando aconselhamos que os indesejados sejam aceitos —e aceitos também os


sofrimentos que os acompanham— não estamos com isso encorajando os pais e as mães
a fazerem-se de "vítimas”. Ante procuramos despertar-lhes a força requerida pela a ação
virtuosa.

Não é preciso ser cristão para concordar com Sócrates, entendendo que melhor
sofrer o mal do que praticá-lo, mas com certeza os cristãos devem entender essa
afirmativa.

Se procuramos nos poupar desfazendo-nos do filho indesejado, entregamo-nos ás


forças destruidoras do mundo no esforço de fugirmos delas. Agimos como se elas
fossem, afinal, dignas de nossa adoração, como se pudessem salvar-nos.

Tomamos posição, é bom perceber isso, idêntica ao do rei Herodes logo que ouviu
as novas trazidas pelos magos. Creio que não é bem esse o lugar onde queremos
estar.

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