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Fundamentos Gerais da

Fundamentos
Educação Gerais da

Fu ndament o s G e r ai s da Educação
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-3722-3
Educação
Elizabete dos Santos
Agnes Cordeiro de Carvalho
Aldemara Pereira de Melo
Elisabeth Sanfelice
Jairo Marçal

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A,


mais informações www.iesde.com.br
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Elizabete dos Santos
Agnes Cordeiro de Carvalho
Aldemara Pereira de Melo
Elisabeth Sanfelice
Jairo Marçal

Fundamentos Gerais
da Educação

IESDE BRASIL S/A


Curitiba
2014

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© 2005– IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________________

S234f

Santos, Elizabete dos


Fundamentos gerais da educação / Elizabete dos Santos. - 1. ed. - Curitiba, PR :
IESDE Brasil, 2014.
80 p. : il. ; 28 cm.

ISBN 978-85-387-3722-3

1. Educação - Brasil. 2. Ética. 3. Pedagogia. I. Título.

13-07927 CDD: 370.981


CDU: 37(81)
________________________________________________________________________________
12/12/2013 13/12/2013

Capa: IESDE BRASIL S/A


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
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Sumário
Ética da Identidade................................................................................................................7
Estética da Sensibilidade.........................................................................................................................12

Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória


entre o ideal da proposta e sua operacionalização................................................................19
Autonomia...............................................................................................................................................19
Identidade................................................................................................................................................22
Diversidade..............................................................................................................................................24

Buscando respostas para a ação pedagógica.........................................................................29


Interdisciplinaridade – um diálogo necessário........................................................................................29

Organização curricular: a quem serve a escola?......................................................................... 41


As competências, as habilidades e as tecnologias...................................................................................41

Linguagens e suas representações.........................................................................................47


Plurissignificação das linguagens............................................................................................................47

A condição humana como objeto de reflexão.......................................................................53


Diversidade de representações humanas.................................................................................................53
Sociologia................................................................................................................................................59

Os recortes da realidade através de diferentes caminhos e olhares......................................65


A questão metodológica...........................................................................................................................65

Avaliação – processo dialético de superação........................................................................77

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Apresentação

Q
uando surgiu no cenário nacional a definição de Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio, com claros indicadores para a qualidade dessa etapa de ensino, acenando
com mudanças profundas que pretendiam restabelecer sua importância e a integração do
aluno ao mundo contemporâneo, emergiu também, como consequência, a necessidade premente da
instauração de um processo de análise e discussão pelos protagonistas da ação educativa.
Aos educadores cabe o papel de interpretação e elucidação crítica dos princípios norteadores da
nova proposta, a difícil tarefa de revelar as implicações, a complexidade, os limites e as possibilidades
de sua real efetivação e ações que promovam a contextualização da proposta, a articulação entre o seu
ideal e a realidade educacional, tecendo os fios que possibilitarão sua viabilidade orgânica.
A maior virtude desse processo de reflexão é que ele traz à tona contradições de ordens filo-
sófica, política, cultural, pedagógica, entre outras, que, uma vez investidas de um amplo e profundo
debate, podem oferecer a possibilidade de enfrentamento e resolução dos problemas. Porém, cabe
alertar que a leitura ingênua, irrefletida ou dogmática, pode levar ao escamoteamento da proposta
com o consequente desestímulo associado à ideia de inviabilidade, o que só viria a contribuir para a
reafirmação de posições conservadoras.
Somente com um processo de interação consciente, de reflexão crítica, por parte de todos os
envolvidos na ação educativa, com clara definição de papéis, atribuições e responsabilidades será
possível a construção de um novo Ensino Médio.
O presente trabalho está organizado em duas apostilas e dividido em quatro módulos. O primei-
ro módulo apresenta uma reflexão sobre os fundamentos filosóficos e pedagógicos do Ensino Médio,
presentes nas novas diretrizes curriculares. Esse módulo está organizado em seis unidades: as duas
primeiras versam sobre os fundamentos filosóficos – Política da Igualdade, Ética da Identidade e Es-
tética da Sensibilidade; a terceira unidade busca estabelecer uma base conceitual para os princípios
da Autonomia, Identidade e Diversidade; a quarta unidade aponta para a discussão de temas mais
conhecidos da esfera pedagógica, interdisciplinaridade e contextualização, vinculados à questão do
trabalho e da cidadania; na quinta unidade está presente a preocupação de se buscar um debate sobre
as competências e tecnologias; e, para finalizar esse módulo, a sexta unidade propõe uma análise so-
bre os avanços e os limites dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Os outros três módulos apresentam as três áreas dos conhecimentos: linguagens e suas repre-
sentações; a condição humana como objeto de reflexão; natureza em transformação, e estão organiza-
dos (cada módulo) nas seguintes unidades: a primeira apresenta uma definição de cada área e discorre
sobre as suas disciplinas; a segunda unidade discute as competências das áreas; a terceira e a quarta
unidade abordam alternativas metodológicas nas áreas e a quinta unidade trata do processo de avalia-
ção em cada área do conhecimento.

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Ética da Identidade
O homem nasce livre e em toda a parte encontra-se a ferros. O que se
crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles.

Rousseau

O
estudo da Ética não tem a finalidade de inculcar regras, de educar para a
obediência tácita, mas, sim, de possibilitar o acesso às diversas concepções
de moral e, consequentemente, à análise crítica, ao debate e à compreensão
de que as regras e as leis são criações humanas e, por não terem origem natural ou
divina, são passíveis de transformações e mudanças. Nesse sentido, podemos afir-
mar que a Ética é o estudo da liberdade.
Moral (Dicionário Aurélio): conjunto de regras de conduta consideradas
como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer
para grupo ou pessoa determinada.
Ética (Dicionário Aurélio): estudo dos juízos de apreciação que se referem
à conduta humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do
mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto
­(universal).

(LAGO, Pedro Corrêa do. Caricaturistas Brasileiros, 1836-1999.


Rio de Janeiro: GMT, 1999, p. 1994.)
Ética (Marilena Chauí): estudo dos va-
lores morais (as virtudes), da relação
entre vontade e paixão, vontade e ra-
zão; finalidades e valores da ação mo-
ral; ideias de liberdade, responsabilida-
de, dever, obrigação etc.
A Moral é definida por Marilena Chauí
como uma criação histórico-cultural contrapon-
do--se às tendências que tentam apresentar os
valores morais (ideias constituídas sobre o bem,
o mal, a justiça, a injustiça, a liberdade, a res-
ponsabilidade, a felicidade) como sendo natu-
rais. Entende-se por cultura tudo o que o homem
cria ou aquilo que altera na natureza; a maneira
como os homens interpretam a si mesmos e suas
relações com a natureza dando-lhes novos signi-
ficados. A concepção naturalizadora da moral é
um artifício criado pela humanidade para deter-
minar, garantir e manter os padrões e os valores
através dos tempos e das gerações.
As sociedades historicamente não culti-
vam o exercício da Ética – a reflexão crítica dos
valores morais – pelo contrário, impõem os va-

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Ética da Identidade

lores de forma arbitrária e unilateral, identificando a origem destes ora na natureza,


ora como criação divina, portanto, como sendo absolutos, dogmáticos e imutáveis.
A coibição da reflexão acerca dos valores instituídos ou da possibilidade da criação dos
seus próprios valores reduz os seres humanos a coisas (sujeitos em objetos), o que se ca-
racteriza por um ato de violência moral.
Considerando que a humanidade dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de
vontade livre, de capacidade para comunicação e para a vida em sociedade, de capacidade
para interagir com a natureza e com o tempo, nossa cultura e sociedade nos definem como
sujeitos do conhecimento e da ação, localizando a violência em tudo aquilo que reduz um
sujeito à condição de objeto. Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tra-
tados como coisas. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de
nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente que nos transformem em coisas usadas e
manipuladas por outros. (CHAUÍ, 1994, p. 337)

A proposição de uma Ética da Identidade, como um dos fundamentos do En-


sino Médio, pode, se compreendida na sua profundidade e encaminhada de acordo
com a sua verdadeira finalidade, inaugurar uma fase de profundas reflexões e de
transformações significativas na práxis educacional brasileira. Entendemos que Ética
e Política são indissociáveis, porque, como já afirmamos anteriormente, uma comu-
nidade, ao se organizar politicamente, deve fazê-lo em função de finalidades éticas –
a busca dos valores de bem, justiça, igualdade e felicidade para todos. Nesse sentido,
é fundamental que todas as instâncias envolvidas nesse processo, da mantenedora
aos protagonistas da ação educativa na unidade escolar, tenham consciência da im-
portância, da dimensão e da dificuldade dessa tarefa, principalmente se considerar-
mos o conservadorismo histórico presente nas mais diversas instituições brasileiras
– família, igreja, escola, governo, representação política, entre outros.
Considerando que os homens vivem em sociedade na busca de um bem co-
mum – viver melhor para viver feliz –, podemos dizer que a base da relação política
de uma sociedade são os valores morais. A ética é sobretudo uma discussão acerca
dos valores morais. Propor a Ética da Identidade como fundamento de uma escola é
propor a reflexão sobre os valores estabelecidos e instituídos e a construção de novos
valores. A pensadora social, Hannah Arendt, desenvolveu a categoria de vita activa a
partir de três conceitos: o labor – expresso pelo próprio metabolismo; o trabalho – al-
terações promovidas pelo homem na natureza; e a ação – representada pelas relações
exclusivamente humanas, o homem com os seus semelhantes. Essa ação se funda-
menta no discurso. Hannah Arendt ressalta que a ação é um atributo exclusivamente
humano e a apresenta como um segundo nascimento do homem, o seu nascimento
para a vida humana. A Identidade só pode ser construída a partir da ação.
Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar, imprimir movimento
a alguma coisa. Por constituírem um initium, por serem recém-chegados e iniciadores, em
virtude do fato de terem nascido, os homens tomam iniciativa, são impelidos a agir. [...] O
fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele
é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada
homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo.
Desse alguém que é singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém.
Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é a efetivação da condição hu-
mana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição
humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais.  (ARENDT,
1987, p. 190-191)

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Ética da Identidade

Nessa linha de abordagem, o pensamento de Gerd Bornheim amplia o nosso


entendimento do grau de complexidade existente na organização da sociedade entre o
estabelecimento de normas e a singularidade humana. Entre o sujeito e a norma existe
uma relação eminentemente tensa e conflituosa, uma vez que todo estabelecimento de
uma norma implica cerceamento da liberdade “e, que compete à tessitura das forças
sociais convencionar entre ambos alguma forma de equilíbrio; ou então, por vezes,
reconhecer que o equilíbrio se faz difícil e mesmo impossível”. (BORNHEIM, 1997,
p. 247)

(PARANÁ. Governo do Estado. Secretaria de Estado da Cultura. Desejo


de Transformação: 30 anos de Maio de 1968. Curitiba, 1998, p. 23.)
Consciência moral é a capacidade de o sujeito conhecer os valores morais,
avaliá-los segundo sua razão, sua vontade, seu desejo e, a partir disso, decidir pelo
seu acatamento ou sua transgressão. Esse exercício de liberdade e autonomia implica
um ato de responsabilidade para consigo mesmo e para com a sociedade.
De todos os filósofos que refletiram sobre a Moral, F. Nietzsche foi, sem dú-
vidas, o mais radical. A originalidade do seu pensamento decorre do grau de ques-
tionamento acerca dos valores morais vigentes na sociedade do seu tempo. A ética
nietzscheana é intransigente quanto ao direito de questionamento dos valores esta-
belecidos, e mais, exige também o direito de que cada ser humano possa ser o cons-
trutor/senhor dos seus próprios valores. Nietzsche se refere a uma superação radical
do papel de submissão imposta pelas normas de conduta e valores reacionários aos
indivíduos. Sua filosofia é um convite a uma transvaloração dos valores. Trata-se de
perguntar em que consistem, como são instituídos, como se acham fundamentados
os valores morais. Trata-se, ainda, de reinventá-los.
A atitude de negação, questionamento e mesmo de transgressão das normas e
valores vigentes perpassa toda a obra de Nietzsche e se apresenta de forma contun-
dente na Genealogia da Moral, na qual o pensador utiliza estudos históricos dos fun-
damentos da moral judaico-cristã, a fim de provar que os valores morais, sobretudo
os de bem e mal, não se constituem por princípios metafísicos/religiosos e atempo-
rais, mas que têm origem histórica, são criações humanas, demasiadamente humanas
e diferem de sociedade para sociedade através dos tempos. 9
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Ética da Identidade

O único imperativo moral aceito por Nietzsche é o valor da vida traduzido


por ele como vontade de potência. É dessa vontade de potência, para realização da
vida, que devem nascer os valores morais. Negar a vontade de potência significa para
Nietzsche reprimir a própria

(COSTA, Cristina, Caminhando contra o vento: uma adolescente dos anos 60. São Paulo: Moderna, 1995, p. 18.)
vida. Portanto, a moral conser-
vadora, que desrespeita esse
princípio, é autoritária e violen-
ta, devendo ser transgredida.
O seu método genealó-
gico de investigação leva-o à
descoberta de uma origem dis-
torcida e até mesmo de uma in-
versão dos valores de bem e mal
e das virtudes como compai-
xão, renúncia, abnegação, pie-
dade e altruísmo, entre outras,
tão propagadas e defendidas
pela moral da nossa sociedade.
“Necessitamos uma crítica dos
valores morais, e antes de tudo
deve discutir-se o valor desses
valores, e por isso é de toda a
necessidade conhecer as condi-
ções e os meios ambientes em
que nasceram, em que se de-
senvolveram e deformaram.”
(NIETZSCHE, 1976, p. 13)
Nietzsche argumenta que
existe uma moral de senhores
e uma moral de escravos, uma
moral de fortes e uma moral de
fracos e que, muitas vezes, essas
morais coexistem numa mesma
pessoa. A origem dos valores de
bem e de mal é diferente para
senhores e para escravos.
Uma vez que o primeiro (valor do senhor) surge de uma autoafirmação e o último (valor do
escravo) de uma negação e oposição, eles não podem ser equivalentes. [...] O valor “bom” de
uma moral corresponde exatamente ao valor “mau” da outra. Enquanto os fortes afirmam:
nós nobres, nós bons, nós belos, nós felizes; os fracos dizem: se eles são maus então nós so-
mos bons. Portanto, “mau” no sentido da moral do ressentimento é precisamente o nobre, o
corajoso, o mais forte; é o “bom” da moral dos senhores. (MARTON, 1993, p. 54)

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Ética da Identidade

Pode-se concluir que a origem dos valores da moral dos fracos consiste numa
inversão, numa mera reação. Não sendo capazes de criar seus próprios valores, os
fracos (ressentidos) precisam negar os fortes para só então estabelecerem as bases da
sua moral. Por não poderem admitir essa fragilidade e incapacidade de criar seus
próprios valores, os fracos deslocam a origem dos valores tirando-a do domínio hu-
mano e transferindo-a para um plano metafísico. Criados desde sempre, sobrehuma-
nos e divinos, os valores devem ser apenas obedecidos. Trata-se de tentar impor aos
fortes a culpa pela sua ação criadora de valores, transformando-a em desobediência
às leis divinas e, com esse artifício, garantir a manutenção dos seus valores fracos,
deturpados e invertidos.
O homem do ressentimento traveste sua

(MARÇAL, Jairo. Diferenças. Londres, 1992.)


impotência em bondade, a baixeza teme-
rosa em humildade, a submissão aos que
odeia em obediência, a covardia em paci-
ência, o não poder vingar-se e não querer
vingar-se e até perdoar, própria miséria
em aprendizagem para a beatitude, o
desejo de represália em triunfo da justi-
ça divina sobre os ímpios. (MARTON,
1993, p. 54)

O projeto nietzscheano da trans-


valoração dos valores traduz-se numa
busca sem tréguas pela superação da
moral niilista – desprovida de qualquer
sentido. É, sobretudo, a busca da liber-
dade, da condição fundamental para a
construção da verdadeira identidade humana.
Na contramão dessas ideias de liberdade trazidas para o debate por meio das
diversas leituras possíveis dos fundamentos filosóficos da nova proposta do Ensino
Médio, anunciam-se espasmos de uma moral reacionária. Valendo-se da complexi-
dade do aprendizado da vivência democrática, que é por sua natureza geradora de
conflitos, sobretudo, quando envolvidas questões de poder, de valores, de estabeleci-
mento de regras no espaço coletivo – a escola –, essas tendências conservadoras têm
divulgado apelos, que embora estranhos e avessos à dinâmica do diálogo, se prestam
a impor valores já superados. Publicações recentes, apoiadas por setores da mídia,
anunciam um suposto fracasso do processo de construção de Autonomia, Identidade
e Diversidade.
Tais publicações:
Condenam Confundem
Brincos na orelha, bonés, roupas “esfarrapadas”. Questionamento com falta de respeito.
Determinam Trocam
Meninas de um lado e meninos de outro, O diálogo pela punição.
A discussão sobre as consequências do vício pela proibição
A volta da fila.
de fumar.
A hierarquia dos papéis. O diretor que não fala com alunos fora A reflexão sore os valores morais pelo cultivo das “boas
de sua sala. maneiras”.
A volta do castigo físico.
A volta dos uniformes de gravatinha, terninho e saia plissada.
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Estética da Sensibilidade
Para Marx, a relação entre o homem e o mundo é estética, isto é, baseia-se na
sensibilidade. Sua estética propõe o resgate da unidade entre intelecto e sensibilida-
de, perdida na tradição preponderantemente racionalista do mundo ocidental e nas
relações impostas pelo sistema capitalista. “O homem se afirma no mundo objetivo
não apenas no pensar, mas também com todos os sentidos” (MARX, 1987, p. 178). 
Os sentidos humanos (audição, olfato, paladar, tato e visão) são vistos por Marx de
duas formas, como sentidos naturais/biológicos/instintivos e também como sentidos
transformados pela cultura – humanizados.

(PARANÁ, Governo do Estado. Secretaria do Estado da Cultura.

1998, p. 23.)
Desejos de Transformação: 30 anos de maio de 1968, Curitiba,
Para o ouvido não musical a mais bela música não tem
sentido algum, não é objeto [...]. A formação dos cinco
sentidos é um trabalho de toda a história universal até os
nossos dias. (MARX, 1587)

Assim como na práxis da Política e da


Moral, também na Estética os conceitos e valo-
res presentes são construções histórico-sociais.
Nessa trajetória de atribuição de significados
aos sentidos, ao invés da busca de plenitude da
sua realização como ser humano, o homem vai
reduzindo e limitando o uso desses sentidos na
sua relação com o mundo. Do legado deixado
Paris, 1968. pelo Iluminismo para a humanidade, se eviden-
cia como negativa a concepção de que a razão
seria capaz de, sozinha, explicar a

(MARÇAL, Jairo. Largo da Odem. Curitiba, 1994.)


totalidade dos fenômenos naturais
e da existência humana. É nesse
período que a ciência, produto da
razão humana, inicia um processo
de grande efervescência e desen-
volvimento, oferecendo ao mundo
a tecnologia que iria prover as so-
ciedades com instrumentos e ob-
jetos que trariam mais facilidade
e conforto ao homem. Essa expe-
riência de transformação da socie-
dade moderna, juntamente com o
assédio da produção tecnológica-
-industrial, que inaugura a socie-
dade de consumo, fortaleceu o
“consenso” de que o conhecimento
humano verdadeiro só poderia ser
atingido por meio da razão.
Na supremacia da razão so-
bre a sensibilidade, imposta pelo
mundo científico-industrial, a sensibilidade foi se caracterizando como um adorno,
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Ética da Identidade

um enfeite, um compo-

(MARÇAL, Jairo. Grafite em Curitiba. Curitiba, 1999.)


nente não essencial para
o conhecimento e para a
existência humana. A
sociedade capitalista
pautada na produção e
no consumo restringe de
forma impositiva a vida
humana às regras do
mercado econômico e
põe em cena uma deri-
vação menor da condi-
ção humana – o homem
unidimensional, aquele
voltado exclusivamente
para o trabalho, para a
realização de suas ne-
cessidades biológicas e para a manutenção da espécie, o homem cada vez menos huma-
no. Uma sociedade que vem sufocando o princípio do prazer em nome de um questio-
nável princípio de realidade.
As perdas decorrentes dessa unidimensionalização do homem são muito mais
significativas do que um olhar apressado poderia revelar, elas atingem a essência
do homem, sua inventividade, sua criatividade, sua imaginação, sua singularidade
– a subjetividade humana. Uma sociedade de homens desprovidos desses atributos
é uma sociedade sombria, autômata, padronizada, totalitária e, apesar de todas as
imitações produzidas com o intuito de forjar uma beleza inexistente ou ilegítima,
tudo o que essa sociedade consegue revelar é o seu oposto – a sua incapacidade de
ser Estética.
Uma sociedade jamais será Estética se não incorporar em sua dinâmica a Po-
lítica e a Ética. A desconsideração dessas dimensões pode reduzir a Estética à mera
maquiagem. Pensar a Estética da Sensibilidade é abrir caminho para a criatividade,
a imaginação, a singularidade e a curiosidade pelo inusitado.
A exemplo de tantos problemas psicológicos, as pesquisas sobre a imaginação são dificulta-
das pela falsa luz da etimologia. Pretende-se sempre que a imaginação seja a faculdade de
formar imagens. Ora, ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percep-
ção, é sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens.
Se não há mudança de imagens, união inesperada de imagens, não há imaginação, não há
ação imaginante. Se uma imagem presente não faz pensar numa imagem ausente, se uma
imagem ocasional não determina uma prodigalidade de imagens aberrantes, uma explosão
de imagens, não há imaginação. Há percepção, lembrança de uma percepção, memória fami-
liar, hábito das cores e formas. O vocábulo fundamental que corresponde à imaginação não
é imagem, mas imaginário. O valor de uma imagem mede-se pela extensão de sua auréola
imaginária. Graças ao imaginário, a imaginação é essencialmente aberta, evasiva. É ela, no
psiquismo humano, a própria experiência da novidade. Mais que qualquer outro poder, ela
especifica o psiquismo humano. Como proclama Blake: “A imaginação não é um estado, é a
própria existência humana.” (BACHELARD, 1990, p. 1)

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Ética da Identidade

Martins Fontes, 1999, p. 180.)


(MARÇAL, Jairo. Collin Cooper. Londres, 1992.)

(PHAIDON. O Livro da Arte. Trad.: Mônica Stahel. São Paulo:


O Violeiro – José Ferraz de Almeira Júnior.

São Paulo: Cosac & Naify, 1997, p. 36.)


(ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980.
A obra de arte, em sua particularidade e sin-
gularidade única oferece algo universal – a
beleza – sem necessidade de demonstrações,
provas, inferências e conceitos. Quando leio
um poema, escuto uma sonata ou observo um
quadro posso dizer que são belos, ou que ali
está a beleza, embora esteja diante de algo
único e incomparável. O juízo de gosto teria,
assim, a peculiaridade de emitir um julgamen-
to universal, referindo-se, porém, a algo sin-
gular e particular. (CHAUÍ, 1994, p. 321)

A sensibilidade estética trans-


forma em expressão artística a inter-
pretação que o homem faz do mundo
e da sua existência. A arte é, entre as
instâncias do conhecimento humano, a
que oferece as maiores possibilidades
de desenvolvimento da sensibilidade,
tanto para quem produz – o artista –
como para quem frui – o público. A O Beijo – Augusto Rodin.
escola pode se constituir como um es-
paço de fruição das obras de arte, originais ou reproduzidas, bem como de iniciação
às diversas formas de expressão artística. Trata-se da democratização do acesso à
arte, que às vésperas do século XXI, em que pese o fato de se dispor de avançados
meios de comunicação, ainda é privilégio de poucos, com o agravante de que a in-
dústria cultural, dirigida pelos interesses do mercado, impõe às camadas destituí-
das de poder uma estética do mau gosto. A democratização do acesso às diversas

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Ética da Identidade

linguagens da arte deve perpassar todas as áreas do conhecimento, não devendo ser
compreendida como atributo exclusivo de algumas disciplinas ou áreas.
Contra a concepção de natureza como objeto disponível e manipulável para a exploração, os
frankfurtianos propõem a gratuidade da fruição estética e da arte. Na dimensão estética deli-
neiam-se as potencialidades liberadoras da imaginação produtora e criadora, os poderes de
Eros contra a civilização repressiva, porque a arte transcende a determinações espaço-tem-
porais, vence a morte. A arte é testemunha de um outro princípio de realidade que não o da
submissão à produtividade; ao desempenho do mundo competitivo do trabalho e da renúncia
ao prazer. Trata-se de um princípio que reconcilia o homem com a natureza exterior, interior
e com a história. Para os frankfurtianos Horkheimer, Adorno, Marcuse e Benjamim, a arte é
o antídoto contra a barbárie.

São Paulo: Cosac & Naify, 1997, p. 136.)


(ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1890.
Os meios de comunicação de massa são
o oposto da obra de pensamento que é a
obra cultural – ela leva a pensar, a ver, a
refletir. As imagens publicitárias, televi-
sivas e outras, em seu acúmulo acrítico,
nos impedem de imaginar. Elas tudo con-
vertem em entretenimento: guerras, ge-
nocídios, greves, cerimônias religiosas,
catástrofes naturais e das cidades, obras
de arte, obras de pensamento. A cultura,
ao contrário, é para o frankfurtianos a
quintessência dos direitos humanos. Em
um mundo anti-intelectual, antiteórico e
inimigo do pensamento autônomo, a ra-
zão ocupa lugar central. Cultura é pensa-
mento e reflexão. Pensar é o contrário de
obedecer. (MATOS, 1993, p. 71-72)

Apresentar como fundamento fi-


losófico do Ensino Médio a Estética
da Sensibilidade, pouco, ou até mesmo
nunca abordada em qualquer proposta
anterior, sem dúvida, abre um caminho Cinco Moças de Guaratinguetá – Di Cavalcanti.
importante para a inserção, com grande
diversidade de alternativas, do mundo sensível na construção do conhecimento. En-
tretanto, não devemos ingenuamente supor que tal inserção se fará por meio de uma
“mágica de implantação de propostas”. Não basta proferir o discurso do incentivo,
do “fazer acontecer.”
Numa escola inspirada na Estética da Sensibilidade, o espaço e o tempo são planejados para
acolher e expressar a diversidade dos alunos e oportunizar trocas de significados. Nessa esco-
la, a descontinuidade, a dispersão caótica, a padronização, o ruído, cederão lugar à continui-
dade, à diversidade expressiva, ao ordenamento e à permanente estimulação pelas palavras,
imagens, sons, gestos e expressões de pessoas que buscam incansavelmente superar a frag-
mentação dos significados e o isolamento que ela provoca. (PCN, 1999)

É fundamental assegurar, como consequência de um intenso processo de dis-


cussão e reflexão, o compromisso político e ético de todos os agentes envolvidos
e indispensáveis na consecução da proposta. É necessário criar condições organi-
zacionais, institucionais, estruturais e profissionais para que o desenvolvimento do
sensível, a expressão artística, encontre no espaço e no tempo escolar alternativas de
realização.

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Ética da Identidade

1. Considerando as relações conflituosas existentes entre o sujeito e a norma, discorra sobre o


sentido da transvaloração dos valores de Nietzsche.

2. A partir das ideias apresentadas acerca do significado de ética, elabore a sua própria concepção
de uma Ética da Identidade no espaço da sua escola.

3. Quais os novos elementos trazidos pela Estética da Sensibilidade para o contexto escolar e de
que forma eles podem colaborar qualitativamente com a Educação Básica?

4. Apresente alternativas para a construção de uma Estética da Sensibilidade dentro da escola.

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Ética da Identidade

Friedrich Nietzsche (1844-1900) – filósofo alemão. Principais obras: O Nascimento da Tragédia no


Espírito da Música (1871); Humano, Demasiado Humano (1878); Assim Falou Zaratustra (1884);
Para Além de Bem e Mal (1886); Para a Genealogia da Moral (1887).
Gaston Bachelard (1884-1962) – filósofo francês. Principais obras: O Novo Espírito Científico (1934);
A Psicanálise do Fogo (1938); A Filosofia do Não (1940); A Poética do Espaço (1957); O Ar e os So-
nhos – ensaio sobre a imaginação do movimento (1943).
Gerd Bornheim – professor de Filosofia na UFRJ. Publicou: Dialética: teoria e práxis (1983); O Idiota
e o Espírito Objetivo; O sujeito e a norma (In: Ética, São Paulo, Cia das Letras, 1992); Crise da ideia
de crise (In: A Crise da Razão, 1960); O bom selvagem como philosophe e a invenção do mundo sen-
sível (In: Libertinos Libertários, 1996) entre outros.
Karl Heinrich Marx (1818-1883) – filósofo, historiador e jornalista alemão. Principais obras: Manus-
critos Econômicos-Filosóficos (1844); Teses Contra Feuerbach (1845); A Miséria da Filosofia (1847);
Manifesto Comunista (1848); O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852); Para a Crítica da Economia
Política (1859); O Capital (1867/1894).
Marilena de Souza Chauí – professora de História da Filosofia e Filosofia Política na USP. É autora de:
Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas (1986); O que é Ideologia (1981); Repres-
são Sexual, essa nossa Desconhecida (1984); Convite à Filosofia (1994); Público, Privado e Despotismo
(In: Ética, 1992); A Nervura do Real: liberdade e imanência em Espinosa (1999), entre outros.
Olgária Chain Feres Matos – professora de Filosofia Política na USP. Publicou: Rousseau: uma arque-
ologia da desigualdade; 1968: as barricadas do desejo; O Iluminismo Visionário: Walter Benjamin,
leitor de Descartes e Kant; A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo.
Scarlet Marton – professora de Filosofia Moderna e Contemporânea na USP. Publicou, entre outros:
Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos (1990); Nietzsche: uma filosofia a marteladas
(1982); Foucault: leitor de Nietzsche (1985); Nietzsche: a transvaloração dos valores (1993).

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Ética da Identidade

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.


BACHELLARD, Gaston. O Ar e os Sonhos: ensaios sobre a imaginação do movimento. São Paulo:
Martins Fontes, 1990.
BORNHEIM, Gerd. O sujeito e a norma. In: NOVAES, Adauto (Org.). Ética. São Paulo: Cia das Le-
tras, 1992.
BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-
culares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.
BULCÃO, Marli. O Racionalismo da Ciência Contemporânea: uma análise da epistemologia de
Gaston Bachelard. Rio de Janeiro: Antares, 1981.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
(Coleção Os Pensadores).
MARÇAL, Jairo. Pós-Modernismo: a agonia da moderna cultura ocidental. Curitiba, 1989. Mono-
grafia (Especialização em Antropologia Filosófica – Escola de Frankfurt), Departamento de Filosofia,
Universidade Federal do Paraná.
MARTON, Scarlet. Nietzsche e a Transvaloração dos Valores. São Paulo: Moderna, 1993.
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros Textos Escolhidos. 4. ed. São Paulo:
Nova
Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores).
MATOS, Olgária C.F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do iluminismo. São Paulo: Moderna,
1993.
NIETZSCHE, Friederich. A Genealogia da Moral. Lisboa: Guimarães & Companhia de Editores,
1976.
NOVAES, Adauto (Org.). Ética. São Paulo: Cia das Letras, 1992.
O Livro da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
RAMOS, Célia M. A. Grafite, Pichação e Cia. São Paulo: Annablume, 1994.

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Autonomia, Identidade e
Diversidade – a complexidade
da trajetória entre o ideal da
proposta e sua operacionalização

O
estudo dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio, incluindo o Pa-
recer 15/98, embora não revele discordância com relação ao significado
imediato do trinômio Autonomia, Diversidade e Identidade, denuncia o
distanciamento entre aqueles que idealizaram a proposta e aqueles que efetivamente
deverão colocá-la em prática.
A forma excessivamente econômica na apresentação dos conceitos quanto à
sua extensão e profundidade, juntamente com o compromisso e a responsabilidade
atribuída aos protagonistas da ação educativa nas unidades escolares, provocam pre-
ocupação e inquietação. Ao se remeter aos princípios norteadores, sejam eles a Polí-
tica da Igualdade, Ética da Identidade, Estética da Sensibilidade, ou aos que estamos
tratando nesta unidade: Autonomia, Diversidade e Identidade, a proposta estabelece
com muito rigor os pontos de partida e de chegada, nesse último caso, anunciando
inclusive os instrumentos avaliativos para mensuração dos resultados. Defende “me-
canismos de prestação de contas que facilitem a responsabilização dos envolvidos”,
entretanto, pouco investimento é destinado ao processo de elucidação da complexi-
dade semântica e filosófica dessas ideias, bem como da sua execução pedagógica e
administrativa. Talvez esse seja um bom começo para colocar em discussão o con-
ceito de Autonomia.

Autonomia
Autonomia: auto-nomos (dar a si mesmo suas leis).
Heteronomia: normas, regras e leis estabelecidas por outros.
Anomia: ausência de leis.

A criação pelos gregos da política e da filosofia é a primeira emergência histórica do projeto


de autonomia coletiva e individual. Se quisermos ser livres devemos fazer nosso nomos. Se
quisermos ser livres, ninguém pode dizer-nos o que devemos pensar. [...]

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
A autonomia surge, como germe, assim que a interrogação explícita e ilimitada se manifesta,
incidindo não sobre “fatos” mas sobre as significações imaginárias sociais e seu fundamento
possível. Momento de criação, que inaugura não só outro tipo de sociedade; mas também
outro tipo de indivíduo. Eu falo exatamente de germe, pois a autonomia, tanto social como in-
dividual, é um projeto.[...] o que se pergunta é, no plano social: nossas leis são boas? Elas são
justas? Que leis devemos fazer? E no plano individual: o que eu penso é certo? Posso saber se
é certo e como? [...] O momento do nascimento da democracia e da política, não é o reinado
da lei ou do direito, nem o dos “direitos do homem”, nem mesmo a igualdade dos cidadãos
como tal: mas o surgimento, no fazer efetivo da coletividade, da discussão da lei. Que leis
devemos fazer? Nesse momento nasce a política; em outras palavras nasce a liberdade como
social-historicamente efetiva. (CASTORIADIS, 1992, p. 139-140)

Propor no espaço escolar a discussão da Autonomia implica o difícil rompi-


mento com um modelo heterônomo de funcionamento da escola, que se estende por
toda a sociedade. Tal rompimento deve se dar sob duas perspectivas: internamente,
envolvendo todos os sujeitos que compõem as unidades educacionais na elaboração
de um projeto coletivo, numa ação reflexiva e deliberante estabelecendo de forma
participativa todas as regras, normas e leis necessárias àquele contexto social; a ou-
tra, na relação que as instituições que compõem o sistema de ensino estabelecem
entre si, evitando, assim, esbarramentos em entraves burocráticos instituídos e limi-
tações de cunho político-econômicas.
Posso dizer que estabeleço a minha lei – quando vivo necessariamente sob a lei da sociedade?
Sim num caso: se puder dizer reflexiva e lucidamente, que essa é também a minha lei. Para
que possa dizer, não é necessário que a aprove: basta que eu tenha a possibilidade efetiva de
participar ativamente da formação e do funcionamento da lei. A possibilidade de participar:
se eu aceitar a ideia de autonomia como tal, o que evidentemente nenhuma “demonstração”
pode me obrigar a fazer, nem tampouco pode me obrigar a colocar de acordo minhas palavras
com meus atos, a pluralidade indefinida de indivíduos pertencendo à sociedade leva imedia-
tamente à democracia como possibilidade efetiva de igual participação de todos, tanto nas
atividades instituintes como no poder explícito.
(História do Pensamento. Barcelona: Orbis. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 551.)

Pois o “poder” fundamental numa sociedade,


o poder primeiro do qual dependem todos os
outros, o que chamei mais acima de infra-
poder, é o poder instituinte. [...] este poder
não é localizável, nem formalizável pois está
na dependência do imaginário instituinte. A
língua, a “família”, os costumes, as “ideias”,
uma quantidade inumerável de outras coisas
e sua evolução quanto ao essencial, escapam
da legislação. Além disso, na medida em que
esse poder é participável, todos participam
dele. Todos são “autores” da evolução da lín-
gua, da família, dos costumes etc. (CASTO-
RIADIS, 1992, p. 143-144)

No processo de operacionaliza-
ção da proposta, atribuir à instituição
mantenedora, no caso da escola pública,
a proposição de ações que assegurem
reais condições para o desenvolvimen-
to de um projeto autônomo em cada
Frostispício da partitura de “A internacional”, hino do
movimento operário, composto em 1870 por Eugenio Pottier.

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
unidade de ensino é condição essencial para que a Autonomia não se torne apenas
mais uma apropriação indébita de um discurso emancipador, visando isentar o Estado
de suas responsabilidades. Entre essas ações podemos citar o orçamento participativo;
a corresponsabilidade na elaboração, desenvolvimento e resultados dos projetos; a de-
finição conjunta de programas de qualificação profissional; o estabelecimento de um
canal de diálogo permanente; a superação de imposições economicistas resgatando o
verdadeiro papel do Estado e suas obrigações constitucionais. Nesse sentido, é preocu-
pante para todos os envolvidos na ação educativa, a insistência com que o Estado vem
sugerindo às escolas públicas que busquem “articulações e parcerias com instituições
públicas ou privadas” ou ainda, as “fabulosas” campanhas publicitárias com “estórias
sobre os amigos da escola”, num claro “disfarce” para encobrir sua isenção em mais
uma forma de exclusão. (PCN, 1999. Adaptado.)
Os movimentos emancipadores modernos, sobretudo o movimento operário, mas também o
movimento das mulheres, colocaram a questão: pode haver democracia, ou pode haver, para
todos que assim quiserem, igual possibilidade efetiva de participar do poder, numa sociedade
onde existe e se reconstitui constantemente formidável desigualdade do poder econômico,
imediatamente traduzível em poder político? Ou então, pode haver democracia, numa socie-
dade que tendo concedido há algumas décadas, os “direitos políticos” às mulheres, continua
de fato a tratá-las como “cidadãos passivos”? As leis da propriedade (privada, ou “do Esta-
do”) caíram do céu? Em que Sinai foram recolhidas? (CASTORIADIS, 1992, p. 144-145)

Toda e qualquer instituição – a escola, a mantenedora, o Estado – é feita pelos


indivíduos que a ela pertencem, logo, é essencial a participação dessa coletividade
no questionamento irrestrito do funcionamento da instituição. Castoriadis (1992, p.
142) pergunta – “Como compor uma sociedade livre a não ser a partir de indivíduos
livres? E onde encontrar esses indivíduos se eles não puderam ser criados na liber-
dade?”.
Tais questões nos remetem à necessidade de pensarmos sobre a constituição da
Autonomia Individual. O que pressupõe o conhecimento da subjetividade humana,
da sua psique, da existência de um inconsciente pulsional, da configuração de signifi-
cações próprias que atribuem um sentido singular à existência – elementos essenciais
para a sua lucidez, para a capacidade de reflexão e de relação com o seu presente e
com a história. A autoalteração que se origina a partir da reflexão sobre a sua própria
subjetividade, das suas relações com o mundo exterior e da sua capacidade de deli-
beração lúcida, liberta o sujeito da condição de produto da sua psique, da história e
da instituição que o constituiu. Castoriadis (1992, p. 141) diz que “a formação de uma
instância reflexiva e deliberante, da verdadeira subjetividade, libera a imaginação
radical do ser humano singular, como fonte de criação e alteração. [...] a instância
reflexiva desempenha um papel ativo e não predeterminado.”
Ao se chamar a atenção para a importância do desenvolvimento da autonomia
individual provoca-se, automaticamente, a discussão sobre a Identidade, não por aca-
so, o próximo ponto do trinômio a ser apresentado.

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização

Identidade

(TASCHEN. M. C. Escher: 1999. Taschen Diary. Benedickt Tashen Verlg, 1998.)


Encontro (litogravura) – Maurilis Cornelis Escher.

A construção de uma Identidade1 Pessoal pressupõe um processo subjetivo.


Em tempos globalitários – economia globalizada e a consequente ameaça de totalita-
rismo – essa subjetividade aparece ameaçada por uma verdadeira onda homogenei-
zadora destruidora de todos os vestígios traçados e marcas singulares que constituem
os referenciais identitários.
Em sua volta, cada um sente perfeitamente que o álibi da modernidade serve para dobrar tudo
sob o implacável nível de uma estéril uniformidade. Um estilo de vida semelhante se impõe de
um extremo ao outro do planeta, divulgado pela mídia e prescrito pela intoxicação da cultura de
massa de La Paz a Ouagadougou, de Kyoto a São Petersburgo, de Oram a Amsterdam, mesmos
filmes, mesmas séries de televisão, mesmas informações, mesmas canções, mesmos slogans
publicitários, mesmos objetos, mesmas roupas, mesmos carros, mesmo urbanismo, mesma ar-
quitetura, mesmo tipo de apartamentos, muitas vezes, mobiliados e decorados de maneira idên-
tica [...] Nos quarteirões abastados das grandes cidades do mundo, o requinte da diversidade
cede lugar à fulminante ofensiva da padronização, da homogeneização, da uniformização. Por
toda parte, triunfa a world culture, a cultura global. (RAMONET, 1998, p. 47)
1 .Identidade (Di-
cionário Aurélio) –
Conjunto de caracteres
Referenciais identitários uniformes e flutuantes que mudam ao “sabor dos mo-
próprios e exclusivos vimentos dos mercados e com igual velocidade”(ROLNIK, 1997, p. 20)  passam a
de uma pessoa: nome,
idade, estado, profissão, imprimir na identidade dos indivíduos uma marca de insegurança, estranhamento e
sexo, defeitos físicos,
impressões digitais etc.
vazio. A vida humana, reduzida aos interesses estritos da economia, demanda das

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
pessoas uma adequação imediata às exigências volúveis de um mercado, acirrando
relações de competitividade. Essa situação acaba desencadeando na relação desses
indivíduos com o mundo circundante o acionamento de mecanismos que promovem
reações de indiferença, isolamento, distanciamento da relação social, individualismo.
A ameaça à integridade individual encontrou na síndrome do pânico sua mais atual
forma de expressão. Surgem então, desse “balcão de negócios” que se transformou
a sociedade humana, “iniciativas mitigadoras” visando preservar uma “ilusão iden-
titária”, literaturas de autoajuda e esotéricas, evangelização instantânea, vitaminas
miraculosas, tecnologias diet/light, drogas farmacológicas e da psiquiatria biológica,
produtos do narcotráfico e
[...] drogas oferecidas pela TV, pela publicidade, pelo cinema comercial e por outras mídias
mais. Identidades prêt-à-porter, figuras glamourizadas imunes aos estremecimentos das for-
ças. Mas, quando são consumidas como próteses de identidade, seu efeito dura pouco, pois os
indivíduos – clones que então se produzem, com seus falsos self estereotipados, são vulnerá-
veis a qualquer ventania de forças um pouco mais intensas. Os viciados nessa droga vivem
dispostos a mitificarem e consumirem toda imagem que se apresente de forma minimamente
sedutora, na esperança de assegurarem seu reconhecimento em alguma órbita do mercado.
(ROLNIK, 1997, p. 22)

A Identidade Pessoal é, para além da defini-

(SALGADO, Sebastião. Êxodos. São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 232-234.)
ção apresentada acima, um projeto, uma história
de vida. Está inscrita inicialmente num complexo
de significações que vem do outro, do mundo que
o rodeia. Nesse sentido, o indivíduo nasce com a
sua identidade predeterminada e, é na sua relação
com o mundo, com as instituições – língua, famí-
lia, escola, igreja, trabalho etc. – que o indivíduo
vai delineando os contornos da sua identidade.
Reafirma-se, aqui, uma concepção já apresentada
anteriormente, que a identidade só pode ser cons-
truída a partir da ação. Por ser ação, a identidade
é passível de mudança, de transformação.
Dentro do universo escolar é importante o
reconhecimento dessa característica singular e
“mutante” da criança ou do jovem que busca a
escola, superando definições homogeneizadoras e
simplificadoras. Aquele que frequenta uma escola
merece mais que o rótulo identificador – aluno –,
devendo ser considerado como um sujeito parti-
cular, com experiências de vida, necessidades e
expectativas singulares, traduzidas nos contornos
de sua identidade. Ao identificá-lo como aluno, Exiladas na Tanzânia preparam-se para o retorno a Moçambique
– Sebastião Salgado.
parece que pouca coisa ainda resta por dizer. No
que tange à identidade do professor, também é necessário romper com as atribuições
extraprofissionais e superdimensionadas, quando é exigido do professor que se apre-
sente como modelo identitário, responsável por constituir os traços de identidade

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
de seus alunos. Nesse processo fica a singularidade do professor ameaçada por uma
padronização moralista imposta pelo imaginário social. O professor, comprometido
com o projeto coletivo da escola, consciente da sua função de educador – dentro das
perspectivas pedagógica, ética e política – é também um indivíduo autônomo que tem
clareza da importância da sua subjetividade. O que se propõe é o rompimento com
universais nebulosos e estigmatizados, seja com relação ao aluno ou ao professor.
Além de incorporar as várias identidades individuais, a escola também se cons-
titui como uma identidade social, que se manifesta por meio do seu projeto político-
-pedagógico e da ação de seus professores, funcionários, alunos e pais, quer de forma
individual, quer de forma coletiva, através da organização de grêmios, associações,
conselhos, sindicatos e outros. A identidade da escola se constrói internamente pelo
complexo de relações entre seus protagonistas, como também externamente, por
meio de suas articulações com outros setores da sociedade. Nesse sentido, podemos
dizer que a escola se configura como um espaço profícuo da democracia partici-
pativa. Pensadores de notoriedade no campo da política defendem a tese de que os
movimentos sociais, tanto ou mais do que a democracia representativa, se confi-
guram como espaço do verdadeiro exercício da democracia. É reconhecida, hoje, a
crise que atravessa a representação política decorrente do baixo nível de escolaridade
dos eleitores, da truculência da indústria política, do paternalismo e do clientelismo.
Segundo Norberto Bobbio, os indivíduos não se sentem hoje representados por seus
grupos e, consequentemente, não se sentem protagonistas da vida política. Além
disso, o representante eleito para defender os interesses da nação não pode ficar vin-
culado aos interesses de grupos particulares, promovendo, assim, uma transgressão
ao princípio da representatividade.
Entretanto, a perspectiva emancipadora da escola – espaço para o exercício
da democracia participativa – não pode encobrir um olhar crítico sobre a dinâmica
peculiar de funcionamento dos grupos sociais que dela fazem parte e que, por vezes,
na tentativa de construir uma identidade que incorpore as necessidades, expectativas
e projetos de seus membros, acabam por promover a exclusão do diferente, da diver-
sidade, e correm o sério risco de enclausurarem-se em guetos.
Esse processo de fraternidade por exclusão dos “intrusos” nunca acaba, é um círculo cada
vez mais fechado, que reclama “autonomia” em relação ao mundo exterior, onde manter a
comunidade se torna um fim em si mesmo, e a atividade fundamental é excluir aqueles que a
ela não pertencem. (MAHEIRIE, 1997, p. 63)

Diversidade
A diversidade cultural pode ser tratada como virtude ou como problema. Quan-
do é respeitada a singularidade de cada indivíduo, os aspectos culturais presentes na
sua vida, a pluralidade de experiências que marca cada sujeito, a trajetória que cons-
tituiu sua existência, entre outros, a diversidade é virtude. No entanto, quando se
impõe uma homogeneidade, uma integração forçosa, desrespeitando as diferenças, a
diversidade é transformada em problema.

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização

A diversidade racial do Brasil. (Nova Enciclopédia Ilustrada da Folha de São Paulo, 1996, p. 132.)

A discussão sobre a diversidade surgiu com maior efervescência no cenário


contemporâneo no início dos anos 1960, quando começaram a eclodir os movimen-
tos de minorias, tais como: movimento de mulheres, negros, homossexuais, índios,
além de movimentos musicais e culturais, que reivindicavam o direito à diferença.
Tais manifestações ganharam espaço e a diversidade passou a ser reconhecida, se
não em todos, certamente em setores significativos da sociedade, como a mídia, as
universidades, as escolas, os movimentos sociais organizados, o Congresso Nacio-
nal etc., conquistando importantes avanços, inclusive no que se refere aos aspectos
legais. Contraditoriamente, também em decorrência do direito à diferença, surgem
manifestações de minorias racistas de ultradireita que apregoam violentamente uma
supremacia direcionada para a exclusão.
Os movimentos neorracistas e outros de caráter panicularistas são exemplos de movimentos
que têm uma visão dogmática de si e do mundo, reclamando a superioridade da sua exclusão,
como os únicos e verdadeiros dignos da inclusão no campo político-cultural.
Em nome da autenticidade, da identidade homogênea, caem num “naturalismo”, destroem a
ideia de diversidade, reivindicam a universalidade, onde o que antes parecia uma perspectiva
aberta, vira uma visão fixa e imutável de si e do mundo,[...] é uma tirania, uma violência, pois
o outro, o diferente, o diverso, não é compreendido como sujeito, e sua dimensão subjetiva
é negada, excluída. Ou seja, o outro é incluído no campo da pura objetividade, podendo ser
manipulado, violentado, portanto excluído do campo da humanidade, como uma espécie de
sub-homem. (MAHEIRIE, 1997)

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização

(SALGADO, Sebastião. Êxodo. São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 232,234.)
Grupo de rapazes habitantes de compartimento subterrâneo de águas pluviais – Cidade do México.

Outro dilema imposto pela discussão acerca da diversidade é a questão da


igualdade. Ao se reclamar tratamento igualitário para todos os cidadãos, o respei-
to à diferença acaba relegado a um plano secundário. Para o antropólogo Louis
Dumont o reconhecimento da diferença só é possível por meio do conflito e da hie-
rarquia. Na tentativa de fugir desse impasse, os PCN propõem tratamento diferencia-
do respeitando-se as diferenças individuais para se alcançar igualdade nos resultados
de ensino. Na ação educativa, essa proposição, aparentemente simples, assume uma
enorme complexidade que envolve desde a formação do professor – para identificar a
diferença – passando pelas políticas educacionais de ampliação do número de alunos
por sala de aula; pelo pouco tempo disponível do professor para o desenvolvimento
de trabalho diferenciado; escassez de recursos múltiplos visando à inclusão da di-
versidade e, finalmente, o despreparo das instituições de ensino para funcionar, no
espaço e no tempo escolar, de forma menos ritualizada.
A escola como espaço de ampliação das experiências de vida gerais, adoles-
cência, família, vida social etc., desafia os educadores a desenvolverem posturas e
instrumentos metodológicos que possibilitem o aprimoramento do seu olhar sobre o
aluno, como “outro”, de tal forma que conhecendo as dimensões culturais em que
ele é diferente, possam compreender e incorporar a “diferença como tal e não como
deficiência” (DAYRELL, 1996, p. 145). Retoma-se aqui algo que já foi afirmado an-
teriormente quando se discutia a questão da Identidade: os alunos uma vez identifica-
dos – seres cognitivos com este ou aquele comportamento –, não possuem nenhuma
outra identidade, nenhuma diversidade, o que implica uma uniformidade no ato de
ensinar – uma linearidade. O que não se percebe, o que não se leva em conta, é a
trama de relações e de sentidos existentes em uma sala de aula.
Os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexo dos desenvolvimentos cogni-
tivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
experiências e relações sociais, prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela
escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos.
Uma outra forma de compreender esses jovens que chegam à escola é apreendê-los como
sujeitos socioculturais. Essa outra perspectiva implica superar a visão homogeneizante e es-
tereotipada da noção de aluno, dando-lhe um outro significado. Trata-se de compreendê-lo
na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo,
escala de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e
hábitos que lhe são próprios. (DAYRELL, 1996, p. 140)

1. Baseado no princípio da Autonomia, quais os limites e possibilidades para elaboração do proje-


to político-pedagógico na escola?

2. A partir da compreensão do fenômeno da globalização, comente os conceitos de Identidade e


Diversidade.

3. Com a crise da democracia representativa, os movimentos sociais se apresentam como alterna-


tiva para o exercício da Autonomia. Dê sua opinião.

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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização

Cornelius Castoriadis (1922) – filósofo grego, vive na França desde 1945. Foi um dos fundadores da
revista Socialismo ou Barbárie. Publicou, entre outras obras: A Instituição Imaginária da Sociedade
e Encruzilhadas do Labirinto I, II e III.
lgnácio Ramonet – editor do Le Monde Diplomatique. Obras publicadas: A Desordem das Nações e
A Geopolítica do Caos.
Juarez Dayrell – professor da FAE-UFMG e membro do Núcleo de Estudos, Educação, Cultura e
Sociedade.
Kátia Maheirie – professora do Departamento de Psicologia da UFSC.
Norberto Bobbio – filósofo italiano. Publicou, entre outros: Dicionário de Política (et al.); O Conceito
de Sociedade Civil e Direita e Esquerda.
Suely Rolnik – psicanalista, professora titular na PUC-SP. É autora de Cartografia Sentimental: trans-
formações contemporâneas do desejo e coautora, com Félix Guatarri, de Micropolítica: cartografia
do desejo.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; GIANFRANCO, Pasquino. Dicionário de Política. 2.


ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1986.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-
culares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.
CASTORIADIS, Cornelius. O Mundo Fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sociocultural. In: DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos
Olhares sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996.
HISTÓRIA do pensamento. Barcelona: Orbis, 1983.
MAHEIRIE, Kátia. Identidade: o processo de exclusão/inclusão na ambiguidade dos movimentos
sociais. In: ZANELLA, Andréa V. (Org.). Psicologia e Práticas Sociais. Porto Alegre: ABRAPSO
Sul, 1997.
RAMONET, lgnácio. Geopolítica do Caos. Petrópolis: Vozes, 1998.
______. O Desentendimento: política e filosofia. São Paulo: 34, 1996.
ROLNIK, Suely. Toxicômanos de identidade: subjetividade em tempo de globalização. In: LINS, Da-
niel (Org.). Cultura e Subjetividade. São Paulo: Papirus, 1997.

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Buscando respostas
para a ação pedagógica

Interdisciplinaridade – um diálogo necessário


A interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição de disciplinas e, ao mesmo tempo,
evitar a diluição delas em generalidades. [...] É importante enfatizar que a interdisciplinaridade
supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação,
um plano de intervenção. [...] O exemplo de projeto é interessante para mostrar que a interdis-
ciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra
as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a
realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, co-
municação e negociação de significados e registro sistemático de resultados. (PCN)

E
m seu livro Vigiar e Punir, Michel Foucault, ao apresentar a transição do regime
punitivo para o regime de controle, afirma que a disciplina se exerce pelo controle
de pequenas astúcias, arranjos sutis, de aparência inocente, mas profundamen-
te suspeitos. Segundo Foucault, a disciplina é uma anatomia política do detalhe. Ele
realiza seus estudos, a partir de um vasto levantamento de dados de instituições, que
segundo ele, têm muitas semelhanças entre si, sobretudo no que se refere às questões
da organização e controle disciplinar: as prisões, os quartéis, os hospitais e as escolas.
Especificamente com relação à decomposição das matérias de ensino, Foucault afirma
que “forma-se toda uma pedagogia analítica, muito minuciosa que decompõe até aos
mais simples elementos a matéria de ensino, hierarquiza no maior número possível de
graus cada fase do progresso”. (FOUCAULT, 1996, p. 144)
Evidentemente não se trata de aprofundar a análise sobre esse objeto, mas alguns
aspectos podem ser de muita utilidade quando se decide refletir acerca das disciplinas
escolares e das possibilidades da incorporação da quase mítica interdisciplinaridade.
Henry Giroux (1997, p. 182), que é leitor de Foucault, diz que
[...] ser parte de uma disciplina significa fazer certas perguntas, usar um conjunto particular
de termos e estudar um conjunto relativamente estreito de coisas. [...] as limitações impostas
pela disciplina são reforçadas pelas instituições através de várias recompensas e punições,
a maior parte das quais pertencentes à classificação hierárquica. A punição derradeira é a
exclusão. Se pararmos de nos expressar dentro do discurso da disciplina, não seremos mais
considerados parte da mesma.

O texto de Giroux refere-se ao contexto acadêmico, no qual muitas vezes os li-


mites das disciplinas se apresentam de forma ainda mais rígida que no Ensino Médio.
Entretanto, não é preciso grande esforço para reconhecer que tais limites e até mesmo
as citadas punições também estão presentes no cotidiano escolar, afinal, processos de
formação com bases neopositivistas costumam ser minimamente competentes.
Porém, hoje é bastante compartilhada a ideia de que é fundamental que haja uma
extensão social dos conhecimentos ensinados, sejam eles reproduzidos a partir de uma
sistematização acadêmica ou produzidos pela própria escola. Logo, podemos afirmar
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Buscando respostas para a ação pedagógica

que o papel do professor é eminentemente político. Trata-se de um professor pluridi-


mensional – misto de intelectual, cientista, mediador e articulador. Mas, para atingir tal
status, é preciso que ele transcenda os limites da sua disciplina e consiga estabelecer
articulações entre os mais variados campos do conhecimento, tantos quantos forem
necessários para a compreensão e explicação de um determinado objeto. Cabe então
perguntar: o professor está capacitado para desempenhar esse papel?
Se o professor não receber uma formação interdisciplinar ou, no caso daqueles que
já estão no exercício da profissão, uma capacitação adequada, dificilmente poderá cum-
prir a função que lhe está sendo atribuída. É fundamental que as instituições formadoras
assumam plenamente a interdisciplinaridade em seus currículos. De nada adianta apre-
sentá-la em algumas disciplinas da licenciatura na condição de um discurso meramente
formal, aligeirado e descontextualizado. Quanto aos professores que já estão no exercício
da profissão (dentro ou fora da sala de aula) e não tiveram formação interdisciplinar, que
certamente representam a maioria, cabe às instituições mantenedoras o compromisso de
promover capacitações à altura das corretas e extensas exigências dos PCN.
Pode-se então concluir que a interdisciplinaridade é, sem dúvida, um dos mais
importantes sustentáculos da nova proposta, no sentido da superação da fragmentação
dos conteúdos e das perspectivas de reinserção da escola na realidade social. Porém,
entre a compreensão do que vem a ser a interdisciplinaridade e a sua efetivação no
âmbito escolar, há uma grande lacuna que vai além da formação e capacitação dos pro-
fessores. Trata-se da necessidade premente de uma profunda (re)organização do tempo
e do espaço escolar e do trabalho de mediação e articulação das coordenações pedagó-
gicas. Entretanto, não se pode deixar de considerar que estamos diante de um dilema:
tais exigências pedagógicas, demandadas pelos PCN, se chocam frontalmente com as
exigências da política econômica restritiva, cuja função maior tem sido determinar cor-
tes nos investimentos públicos. É claro que essa cultura economicista permeia também
a rede privada de ensino. Economia e educação, serão esses os únicos espaços em que
não é possível sequer vislumbrar a interdisciplinaridade?

Contextualização – os possíveis vínculos entre a


matéria ensinada e a realidade: cidadania e trabalho
Resolução CEB/CNE 3/98 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio.
Art. 99. Na observância da Contextualização, as escolas terão que:
I - na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento é transposto da si-
tuação em que foi criado, inventado ou produzido, e por causa dessa transposição
didática deve ser relacionado com a do trabalho e do exercício da cidadania;
II - a aplicação de conhecimentos constituídos na escola às situações da vida
cotidiana e à experiência espontânea permite seu entendimento, crítica e revisão.
Parecer CEB/CNE 15.198
Contextualizar o conteúdo que se quer aprendido significa, em primeiro lu-
gar, assumir que todo o conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto.
Na escola fundamental ou média, o conhecimento é quase sempre reproduzido

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Buscando respostas para a ação pedagógica

das situações originais nas quais acontece sua produção. Por essa razão, quase
sempre o conhecimento escolar se vale de uma transposição didática, na qual a
linguagem joga papel decisivo.
O tratamento contextualizado do conhecimento é recurso que a escola tem para
retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado permite que, ao
longo da transposição didática, o conteúdo de ensino provoque aprendizagens signi-
ficativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento
uma relação de reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, âmbitos ou
dimensões presentes na vida pessoal, social, cultural, e mobiliza competências cog-
nitivas já adquiridas. As dimensões de vida ou contextos valorizados explicitamente
pela LDB são o trabalho e a cidadania. As competências estão indicadas quando a lei
prevê um ensino que facilite a ponte entre a teoria e a prática.

A escola pode ser entendida a partir de duas dinâmicas distintas e complementa-


res: a escola institucionalizada e a escola cotidiana. A primeira abarca todo o conjunto
de normas de funcionamento, os saberes formalizados, os diversos papéis a serem de-
sempenhados pelos protagonistas da ação educativa, as diversas instâncias que com-
põem os sistemas de ensino; a outra, que parte da concepção de escola como espaço
sociocultural, pressupõe um emaranhado de relações entre os sujeitos pertencentes a
esse espaço, constituindo uma identida-
de peculiar em cada unidade de ensino.

(MARÇAL, Jairo. Mostra Cultural do Colégio


Estadual Paulo Leminski. Curitiba, 1997.)
O processo educativo se faz, então, a
partir da integração dessa escola insti-
tucionalizada com a escola cotidiana,
quando se
[...] recoloca a cada instante a reprodução
do velho e a possibilidade da constru-
ção do novo, e nenhum dos lados pode
antecipar uma vitória completa e defi-
nitiva. Esta abordagem permite ampliar
a análise educacional, na medida em
que busca apreender os processos reais,
cotidianos, que ocorrem no interior da
escola, ao mesmo tempo que resgata o
papel ativo dos sujeitos, na vida social e Mostra cultural do Colégio Estadual Paulo Leminski.
escolar. (DAYRELL, 1996, p. 137)

A abordagem do conhecimento no espaço escolar certamente estará sob maior


ou menor influência dessas dinâmicas constitutivas da escola. Quanto mais forma-
lizada, expositiva e impessoal for essa abordagem, restringindo-se ao cumprimento
convencional de conteúdos, à transmissão formal de saberes, distante das relações
que se estabelecem ou poderiam se estabelecer com a realidade dos “principais su-
jeitos” envolvidos nessa “trama do ensino”, mais distante estará o conhecimento de
potencializar significações, produzir sentido e se fazer aprendizagem.
Diante da aula, a pergunta imediata poderia ser: quais são os objetivos desta unidade? Qual a rela-
ção que existe com a realidade dos alunos? O que e em que esse tema acrescenta algo ou é impor-
tante para cada um deles? [...] o conhecimento é aquele consagrado nos programas e materializado
nos livros didáticos. O conhecimento escolar se reduz a um conjunto de informações já construí-
das, cabendo ao professor transmiti-las e, aos alunos, memorizá-las. São descontextualizadas sem
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uma intencionalidade explícita e, muito menos, uma articulação com a realidade dos alunos [...]
O que se questiona não é tanto o conteúdo escolar em si, apesar das muitas aberrações existentes,
mas a forma como é entendido e trabalhado pelo professor. Da forma como está posto, o conhe-
cimento escolar deixa de ser um dos meios através dos quais os alunos podem se compreender
melhor, compreender o mundo físico e social onde se inserem, contribuindo, assim, na elaboração
de seus projetos. Também podemos nos perguntar se a escola, mais do que enfatizar a transmissão
de informações, cada vez mais dominadas pelos meios de comunicação de massa, não deveria se
orientar para contribuir na organização racional das informações recebidas e na reconstrução das
concepções acríticas e dos modelos sociais recebidos.
Os professores, em sua maioria, presos que estão a essa forma de lidar com os conteúdos,
deixam de se colocar como expressão de uma geração adulta, portadora de um mundo de va-
lores, regras, projetos e utopias a ser proposto aos alunos. Deixam de contribuir no processo
de formação mais amplo, como interlocutores desses alunos, diante das suas crises, dúvidas,
perplexidades geradas pela vida cotidiana. (DAYRELL, 1996, p. 156)

O processo de contextualização, quando se busca estabelecer os possíveis víncu-


los entre um saber constituído – construído sócio-historicamente e a realidade cotidiana
dos alunos, deve, também, promover implicitamente o desenvolvimento de estratégias
pedagógicas que denunciem o desvirtuamento da função educacional na escola com o
descumprimento de seu compromisso com o conhecimento organizado e sistematiza-
do. Trata-se, portanto, de não abdicar da qualidade dos conhecimentos, dos conteúdos
ministrados em sala de aula. Contextualizar não é oferecer aos alunos um conheci-
mento empobrecido, diluído e superficial, sem compromisso com a sua universalidade.
A desatenção, a falta de cuidado para com esse desvio, contribuirá significativamente
para a ampliação do fracasso escolar, principalmente nas camadas nas quais as experi-
ências de vida dos alunos encontram-se extremamente empobrecidas.
Os dois principais eixos apresentados pelos PCN para a contextualização dos
conteúdos são o exercício da cidadania e o mundo do trabalho. Vamos a eles:

Cidadania
Cidadão é o indivíduo situado no tecido das relações sociais, portador de direitos e deveres,
relacionando-se com a esfera pública do poder e das leis. É, também, o membro de uma clas-
se social, definido por sua situação e posição nessa classe, portador e defensor de interesses
específicos de seu grupo ou de sua classe, relacionando-se com a esfera pública do poder e
das leis. (CHAUÍ, 1994, p. 119)
(DIMESNTEIN, Gilberto. Aprendiz do Futuro: cida-
dania hoje e amanhã. São Paulo: Ática, 1997, p. 71.)

No Rio de Janeiro, soldados do Exército revistam crianças à procura de drogas.

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O exercício da cidadania, portanto, supõe um sujeito político e ético –


capaz da ação e da reflexão de valores na esfera pública. Constituir-se como
cidadão no mundo contemporâneo implica, também, percorrer o difícil cami-
nho da autonomia individual e social; superar as limitações e imposições iden-
titárias da sociedade globalizada e, finalmente, buscar a harmonia possível nas
relações sociais, através do respeito à diversidade humana.
Para melhor entender as dificuldades inerentes ao exercício da cidadania, es-
tudiosos das Ciências Sociais, em pesquisa realizada recentemente com jovens em
Curitiba, apresentaram como contraponto inicial à noção de cidadania o tema vio-
lência, partindo do seguinte princípio: se cidadania é o “estatuto do cidadão numa
sociedade, estatuto baseado na regra da lei e no princípio da igualdade (Dicionário
de Ciências Sociais)”, a violência é a
[...] negação da cidadania, de uma vida na urbis baseada na relação igualitária entre os
indivíduos, assim transformados em cidadãos, com garantia de direitos e exigência de
deveres, tendo o Estado como regulador, garantindo uma existência democrática em que a
relação entre os cidadãos se conduz em princípios éticos de liberdade, dignidade, respeito
às diferenças, justiça, equidade e solidariedade. (SALLAS, 1999, p. 27)

Essa violência é decorrente de vários aspectos que ameaçam a conquista da


cidadania, sejam eles: a defasagem histórica no Brasil, entre a cidadania como pro-
cesso universal e a sua prática concreta; a retirada da responsabilidade do Estado
como regulador da garantia dos direitos e da exigência dos deveres – regressão
da cidadania social – “demissão do Estado”; a apatia e o desencanto de setores da
população por assuntos políticos – negação da participação política, negação dos
políticos, negação dos partidos, descrédito com as instituições públicas ligadas ao
Executivo, Legislativo e Judiciário; e a privatização de participação do jovem – o
jovem mais voltado aos seus interesses individuais.
É nessa realidade profundamente adversa que se propõe a contextualização
do conhecimento dos conteúdos escolares para o exercício da cidadania. Se o
espaço da escola, da sala de aula, pode se configurar como um espaço relevante
nessa conquista, no entanto, é importante ter a clareza que sua contribuição po-
derá ser maior ou menor, dependendo do quanto ele for investido como fórum
de discussão, de debate, de revelação de contradições, de formulação de projetos
coletivos, de construção de perspectivas de vida.

Trabalho
O trabalho é uma condição da existência humana independentemente de qual seja a forma
de sociedade; é uma necessidade natural eterna que medeia o metabolismo entre homem e
natureza e, portanto, a própria vida humana. [...] O que distingue o homem dos animais é o
fato de que as criações humanas constroem-se primeiro na imaginação; somos arquitetos,
e não abelhas. (Marx, 1987).

A citação acima, extraída do volume 1 de O Capital, publicado em 1867,


refere-se ao conceito de trabalho abstrato, portanto, nesse domínio, são ainda
plenamente válidas. Marx, além de revolucionário, foi otimista com relação aos
avanços tecnológicos e sua possível utilização para a libertação do homem da
servidão do trabalho alienado; sonhou com um homem pluridimensional – traba-

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lhador, intelectual, artista e bon vivant. Desnecessário discorrer sobre a força e o


impacto das ideias libertárias de Marx nas sociedades de todo o mundo. É verdade
que o homem pluridimensional continuou muito distante da realidade vivida pelos
trabalhadores, mas a consciência de classe e as organizações trabalhistas possibilita-
ram avanços importantes nas relações de trabalho durante os séculos XIX e XX.
Porém, seria inimaginável supor que ao final do século assistiríamos, graças à inver-
são cruel do uso das tecnologias, um assombroso retorno à barbárie – o desemprego
estrutural, patrocinado pelo neoliberalismo e pela globalização da economia e que
vem explorando, excluindo e ameaçando de extermínio bilhões de seres humanos em
todo o mundo. Se durante os séculos XIX e XX, até duas décadas atrás, havia a ne-
cessidade de inserir os excluídos no processo produtivo, tal necessidade deixou de
existir. E a questão que emerge das atitudes dos mandatários do sistema globalitário
é clara: como livrar-se dos que não produzem e, portanto, não são consumidores?
Nossos conceitos de trabalho e, por conseguinte, de desemprego, em torno dos quais a política
atua (ou pretende atuar), tornaram-se ilusórios e nossas lutas em torno deles, tão alucinadas
quanto as do Quixote contra os moinhos.
Não se trata de chorar sobre o que não existe mais, de negar e renegar o presente. Não se trata
de negar, de recusar a mundialização, o surto das tecnologias, que são fatos, e que poderiam
ser animadores não só para as “forças vivas”. Trata-se, pelo contrário, de levá-los em consi-
deração. Trata-se de não ser mais colonizado. De viver com conhecimento de causa, de não
mais aceitar tacitamente as análises econômicas e políticas que passam por cima dos fatos,
que só os mencionam como elementos ameaçadores, obrigando a medidas cruéis, as quais se
tornarão ainda piores se não forem aceitas com toda a submissão.
Análise, ou melhor, resenhas peremptórias, segundo as quais a modernidade, reservada apenas às es-
feras dirigentes, só se aplica à economia de mercado, e só é operante nas mãos daqueles que decidem.
Fora daí, julga-se que vivemos à moda antiga, numa espécie de espetáculo de “Som e Luz”, numa
retrospectiva em que o presente não desempenha nenhum papel nem confere nenhum outro, onde
somos relegados a um sistema que não existe mais, onde somos condenados.
em Curitiba. Curitiba, 1999.)
(LIMA, Ingrid Danielle F. de. et al. Trabalho infantil e informal

Diante disso, é no mínimo estranho que ja-


mais se pense num modo de organização
a partir da ausência de trabalho, em vez
de provocar tanto sofrimento, tão estéreis
e tão perigosos, desmentindo essa ausên-
cia, esse desaparecimento, apresentando-o
como um simples intervalo que se ignora
ou se pretende preencher, ou até suprimir,
dentro de prazos e de tempos imprecisos,
incessantemente renovados, enquanto se
instalam a desgraça e o perigo.
Promessa de uma ressurreição de espec-
tros, que permite pressionar ainda mais,
enquanto ainda é tempo, ou colocar fora
de jogo aqueles que essa ausência logo re-
duzirá à condição de escravos, se já não
o fez. Ou conduzirá ao desaparecimento,
à eliminação. (Forrester, 1997, p. 7,
144-145)
Trabalho infantil e informal em Curitiba.
A partir da constatação indubitável que a sociedade baseada no trabalho está em
processo de metamorfose, talvez de extinção, afirmações de que “o trabalho é o contexto
mais importante da experiência curricular no Ensino Médio”,

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[...] que o trabalho é o princípio organizador do currículo, e que todos, independentemente da ori-
gem ou destino socioprofissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho enquanto uma
das principais atividades humanas, enquanto campo de preparação para escolhas profissionais futu-
ras, enquanto espaço de exercício de cidadania, enquanto processo de produção de bens, serviços e
conhecimentos com as tarefas laborais que lhe são próprias. (PCN, 1999)

Como dissemos anteriormente, o conceito de trabalho abstrato continua vá-


lido, porém, o trabalho nas suas dimensões concretas sempre esteve mais para o
campo das duras polêmicas do que para a falsa harmonia imposta pelos interesses
ideológicos. Por que, diante de um quadro tão grave, a educação deveria se omitir
do debate? A escola não participa da divisão social do trabalho e não tem qualquer
responsabilidade na condução desse processo de extinção, porém, as “novas” catego-
rias do “mundo do trabalho” estão presentes na realidade de grande parte daqueles
que constituem a comunidade escolar e exigem que a escola se posicione. A escola
não pode limitar-se a preparar seus alunos para o trabalho, numa sociedade na qual
o desemprego é endêmico.
Portanto, o desemprego estrutural, o trabalho infantil, a crescente onda do trabalho
informal, a exploração dos estagiários (deturpação da lei) e o trabalho como transgressão
(para organizações criminosas), devem também fazer parte da organização do currículo,
devem ser profundamente analisados e discutidos pela escola.

A ambivalência do papel da escola


no imaginário social
Durkheim concebe a sociedade de seu tempo – que vivia sob o impacto da
Revolução Francesa –, como uma sociedade que atravessava uma crise de valores
políticos e morais; uma sociedade doente, em estado de anomia – ausência de leis –
uma sociedade que depositava unicamente na criança sua esperança de “salvação”,
face à impossibilidade de recuperação dos adultos, que em casos mais graves – alco-
olismo, loucura, degeneração de ordem sexual e outros – eram confinados em asilos;
uma sociedade em que os adultos representavam um problema para a implementação
do projeto burguês, restando direcionar todo investimento social na criança, através
da escola – agência disciplinadora e heterônoma. Tal concepção deixou marcas pro-
fundas e ainda provoca ressonâncias no mundo contemporâneo. A noção de escola
permanece, para muitos educadores, vinculada a concepções majoritariamente dis-
ciplinadoras, punitivas e normatizadoras. Ainda hoje, se tenta imputar aos alunos
os limites da realidade, as regras e as leis da sociedade. Educar é imprimir registros
“civilizatórios” na criança superativa, no adolescente selvagem, no jovem inquieto e
instável.
Para melhor compreender a ambivalência da concepção atual de escola é neces-
sário discutir a representação da criança, da “universal estabelecida”, com o surgimen-
to da sociedade moderna. Criança imaginária fraturada – de um lado um conjunto de
disposições naturais valiosas como o tradicionalismo, a credulidade, a receptividade
às ordens; do outro lado, aquilo que há de “bicho no filho do homem” (PCN, 1999),

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a curiosidade, a imaginação, a instabilidade de humor. Diante desse quadro, a neces-


sidade de se desenvolver estratégias para “a inscrição da sociedade na subjetividade
infantil [...] de modo que ele (o educador) seja internamente encarnado nessa voz
imperativa de comando, vigilância, repreensão e punição, que seria a voz da própria
sociedade vivendo e agindo em nós.” (PCN, 1999)
Por mais anacrônicas que possam parecer (ou deveriam parecer) essas ideias, é
certamente com bastante frequência que elas se apresentam nos espaços escolares. A
defesa da uniformidade da padronização, do retorno à “boa linha dura” – proibindo
namoro, bonés e brincos em meninos, defendendo filas e uniformes etc. – da auto-
ridade incontestável do professor, da reprovação escolar, de tempos e espaços ritua-
lizados, da disciplinação, entre outros, revelam que persistem no imaginário social
representações de escola e de criança muito mais próximas daquelas defendidas por
Durkheim.
Os adultos-professores dão aulas, mas não sabem o que estão fazendo na escola, pois foram
incapazes de reconhecer o seu papel formador junto aos jovens. Para os jovens, a escola é a
instituição mais importante em suas vidas depois da família. Embora tenham críticas à insti-
tuição, aos seus métodos, aos conteúdos distantes de sua realidade, os jovens a avaliaram de
modo muito positivo. Já os professores sentem-se impotentes, consideram que seu trabalho
nada vale, posta que a família, de um lado, e a mídia, de outro, têm muito mais o poder de
formação e de transformação para eles. Em função disso parece recusarem-se a continuar
jogando. Consideram “essa juventude alienada, individualista e imediatista”, que nada res-
peitam, que não têm limites impostos pela família e assim por diante. Ou seja, os professores
identificam fora deles e da instituição da qual fazem parte a responsabilidade de os jovens
serem o que são hoje, distanciado-se assim de seu ideal moralizador e socializador fundamen-
tal. (SALLAS, 1999, p. 341)

Por outro lado, a escola tem potencializado o surgimento de um novo papel,


principalmente entre aqueles que vislumbram na sua existência um campo de possi-
bilidades para realização de um projeto de vida. A escola adquire, então, a dimensão
do encontro, é vista também como um espaço social que permite o aprendizado da
convivência em grupo, oportuniza a relação com a diversidade e possibilita a experi-
ência do “conflito”. Essa dimensão ocorre, na maioria das vezes, à revelia da própria
escola. O espaço físico escolar, por exemplo, é, em muitos momentos, recriado, e a
ele são atribuídos novos sentidos que facilitam a sociabilidade e promovem a trans-
gressão dos regulamentos.
Na trilha dessa dinâmica sociabilizadora da escola, tem surgido com certa fre-
quência a preocupação, por parte de alguns educadores, de se investir no potencial
de criatividade, curiosidade e inquietação, presentes nas crianças e nos jovens. Nes-
ses casos, o espaço interessante, que oportuniza uma relação mais prazerosa com
o conhecimento. A escola, dessa forma, passa a provocar significações que podem
despertar no jovem o verdadeiro sentido de aprender.
A função criativa da imaginação pertence ao homem comum, ao cientista, ao técnico; é es-
sencial para descobertas científicas bem como para o nascimento da obra de arte; é realmente
condição necessária da vida cotidiana [...].

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Germes da imaginação criativa, reforça Vygotsky, manifestam-se nas brincadeiras dos ani-
mais: assim, manifestam-se ainda mais na vida infantil. A brincadeira, o jogo, não é uma
simples recordação de impressões vividas, mas uma reelaboração criativa delas, um processo
através do qual a criança combina entre si os dados das experiências no sentimento de cons-
truir uma nova realidade, correspondente às suas curiosidades e necessidades. Todavia, exa-
tamente porque a imaginação trabalha apenas com materiais colhidos na realidade (e por isso
pode ser maior no adulto), é preciso que a criança, para nutrir sua imaginação e aplicá-la em
atividades adequadas que lhe reforçam as estruturas e alongam os horizontes, possa crescer
em um ambiente rico de impulsos e estímulos, em todas a direções.
[...] Se uma sociedade baseada no mito da produtividade (e na realidade do lucro) precisa
de homens pela metade – fiéis executores, diligentes reprodutores, dóceis instrumentos sem
vontade própria – é sinal de que está mal feita, é sinal de que é preciso mudá-la. Para mudá-la,
são necessários homens criativos, que saibam usar a imaginação.
“Criatividade” é sinônimo de “pensamento divergente”, isto é, de capacidade de romper con-
tinuamente o esquema da experiência. É “criativa” uma mente que trabalha, que sempre faz
perguntas, que descobre problemas onde os outros encontram respostas satisfatórias (na co-
modidade das situações onde se deve farejar o perigo), que é capaz de juízos autônomos e
independentes (do pai, do professor e da sociedade), que recusa o codificado, que remanuseia
objetos e conceitos sem se deixar inibir pelo conformismo. Todas essas qualidades manifes-
tam-se processo criativo. (RODARI, 1982, p. 139-140)

(HAGEN, Rose-Marie; HAGEN, Rainer. Camponeses Loucos e Demônios. Lisboa: Benedickt Taschen, 1995, p. 32.)

Brincadeiras de Crianças – Bruegel.

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1. Considerando o texto, faça uma reflexão sobre as possibilidades de implementação da interdis-


ciplinaridade e contextualização.

2. Comente a ambivalência do conceito de cidadania e a violência presente no cotidiano.

3. Apresente uma reflexão sobre a escola que prepara para o mundo do trabalho, numa sociedade
de desemprego endêmico.

4. Com base no texto sobre a ambivalência do papel da escola e a sua experiência como educador,
discorra sobre a função da educação.

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Buscando respostas para a ação pedagógica

Giani Rodari (1920-1980) – escritor de literatura infantil e jornalista. Principais obras: II Treno delle
Filastrocche; II Romanzo di Cipollino; Gerlsomino Paese dei Bugiardi; Filastrocche in Cielo e in
Terra; Favole al Telefono, La Torta in Cielo.

Henry A. Giroux – pensador e professor na School of Education Miami University, Ohio. Publicou no
Brasil: Os Professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem.

Michel Foucault (1926-1984) – historiador e filósofo francês. Principais obras: História da Loucura
(1961), Vigiar e Punir (1975), História da Sexualidade – 3 v. (1980-1984).

Paulo Sérgio do Carmo (1950) – professor de Sociologia e Filosofia. Publicou, entre outras: A Ideolo-
gia do Trabalho; O Trabalho na Economia Global; História e Ética do Trabalho no Brasil.

Viviane Forrester – romancista, ensaísta, crítica literária do jornal Le Monde. Principais obras: La
Violence du Calme, Van Gogh ou l’Enterrement dans les Blés, Ce Soir, Après la Guerre.

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Buscando respostas para a ação pedagógica

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-


culares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.
CARMO, Paulo Sérgio do. A Ideologia do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Moderna, 1992.
______. O Trabalho na Economia Global. São Paulo: Moderna, 1998.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sociocultural. In: ______ (Org.). Múltiplos Olhares sobre
Educação e Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996.
FORRESTER, Viviane. O Horror Econômico. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
GIROUX, Henry A. Os Professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendiza-
gem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MARÇAL, Jairo. Pós-Modernismo: a agonia da moderna cultura ocidental. Curitiba, 1989. Mono-
grafia (Especialização em Antropologia Filosófica – Escola de Frankfurt), Departamento de Filosofia,
Universidade Federal do Paraná.
MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, [1980]. v. 1.
RODARI, Giani. Gramática da Fantasia. 5. ed. São Paulo: Summus, 1982.
SALLAS, Ana Luisa Fayet et al. (Coord.). Os Jovens de Curitiba: esperanças e desencantos. Brasí-
lia: UNESCO Brasil, 1999.

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Organização curricular:
a quem serve a escola

As competências,
as habilidades e as tecnologias

A
proposta de organização curricular apresentada nos Parâmetros Curriculares
para o Ensino Médio está baseada no desenvolvimento de competências e ha-
bilidades por áreas do conhecimento e na inserção das diversas tecnologias,
visando à integração do aluno no mundo contemporâneo. Essa forma de organização
vem atender o caráter de terminalidade do Ensino Médio, conforme artigo 35 da
LDB. Explicitamente, está presente a ideia de oferecer aos jovens a base necessária
para sua inserção no mercado de trabalho e para o exercício da cidadania.
É importante esclarecer que na prática o termo terminalidade refere-se muito
mais à terminalidade do compromisso do Estado na oferta de ensino, do que propria-
mente à conclusão da formação necessária ao ingresso no mercado de trabalho. Essa
formação só se efetivará, de fato, através da continuidade de estudos em nível técni-
co ou superior, para o qual o aluno já teria adquirido uma base. Essa continuidade
visaria à formação de um técnico ou profissional com capacidade de articular o seu
objeto específico de trabalho a outras dimensões da vida. Diferente da Lei 5.692, que
embora oferecesse concomitantemente formação geral e formação técnica, à exceção
da habilitação magistério, os demais cursos não se preocupavam com a articulação
e a contextualização do conhecimento. Assim, na configuração da nova proposta, se
por um lado se dá a superação do ensino fragmentado e descontextualizado, por ou-
tro, ocorre uma isenção de responsabilidade pública com a formação para o exercício
profissional, deixando a grande maioria dos jovens a meio caminho, e, seguramente,
sem condições de resgate. Há ainda o agravante de que no mundo contemporâneo as
exigências do mercado de trabalho são cada vez maiores e mais específicas, tornando
o quadro mais complexo e preocupante.
Em virtude do destaque dado aos conceitos de competência e tecnologia pelas
Diretrizes Curriculares é necessária uma análise que extrapole o âmbito de aborda-
gem presente nos PCN, contribuindo, assim, para uma compreensão mais detalhada
de seus sentidos e implicações, na proposta em si, na sua execução e na consequente
formação do educando. A finalidade da nova proposta, traduzida na pergunta “A
quem serve a escola?” deve ser pensada a partir da articulação dos conceitos priori-
zados na organização do currículo – competências e tecnologias – com os elementos
envolvidos na implementação do novo Ensino Médio, sejam eles a proposta consi-
derada na sua totalidade, sua execução nas unidades escolares e os resultados na
formação dos alunos.
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Organização curricular: a quem serve a escola

A apresentação das competências cognitivas nas Matrizes Curriculares de Re-


ferência para o Saeb antecedeu a discussão sobre as competências nas áreas do co-
nhecimento propostas nos PCN e trouxe para o cenário educacional a possibilidade
de um melhor entendimento do processo de conhecimento, através da identificação
dos diferentes níveis – básico, operacional e global, presentes na relação entre o sujei-
to cognoscente e o objeto do conhecimento. O reconhecimento desses níveis ofereceu
aos envolvidos na ação educacional a compreensão mais detalhada do processo de
ensino e aprendizagem e, consequentemente, maior segurança no desenvolvimento
de sua trajetória. O pensamento pedagógico brasileiro da década de 1980, ao resgatar
as teorias de Vygotsky, Bakhtin, Freinet, Piaget, Freire, entre outros, inovou por meio
de concepções educacionais que buscavam a interação, a mediação, a contextualiza-
ção e a interdisciplinaridade, porém na práxis educacional persistia a demanda de um
amadurecimento teórico e de uma melhor compreensão desses conceitos. Surge as-
sim, na década de 1990, com a criação dos fóruns de debate para formulação da nova
LDB, o campo propício para investigação e produção de concepções complementa-
res, abrindo espaços para a superação do caráter imediatista e de pouca reflexão da
cultura dos jargões, presente no “fazer” escolar.

Competências cognitivas
Entende-se por competências cognitivas as modalidades estruturais da inte-
ligência – ações e operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e
entre os objetos, situações, fenômenos e pessoas que deseja conhecer. As habilidades
instrumentais referem-se especificamente ao plano de “saber fazer” e decorrem, di-
retamente, do nível estrutural das competências já adquiridas e que se transformam
em habilidades.
O processo de construção do conhecimento passa, necessariamente, pelo “saber
fazer”, antes de ser possível “compreender e explicar”, e essa compreensão e a con-
ceituação correspondente acabam por influenciar a ação posterior. Há, pois, uma fase
inicial em que predomina a ação para obter êxito. Seguida por outra, cuja característica
principal é a troca constante de influências entre ação e compreensão, ambas de nível
semelhante, e uma terceira em que a compreensão coordena e orienta a ação. Esse pro-
cesso é contínuo e culmina, numa fase posterior do desenvolvimento, com a “tomada
de consciência” dos instrumentos utilizados e das relações estabelecidas.
Podemos dizer que o processo de conhecer comporta um ciclo, pois a compre-
ensão e a tomada de consciência dos instrumentos e das relações estabelecidas em um
nível influenciam o fazer no nível seguinte. Dessa forma, uma competência adquirida
em um nível torna-se facilmente aplicável, como um saber fazer no nível seguinte, sem
necessidade de reflexões, dando origem, portanto, às habilidades instrumentais.
As competências podem ser categorizadas em três níveis distintos de ações
e operações mentais, que se diferenciam pela qualidade das relações estabelecidas
entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
Nível básico: encontram-se as ações que possibilitam a apreensão das ca-
racterísticas e propriedades permanentes e simultâneas de objetos compará-
veis, isto é, que propiciam a construção dos conceitos. Exemplo: observar,

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Organização curricular: a quem serve a escola

identificar, reconhecer, indicar, apontar, localizar, descrever, estabelecer di-


ferenciações etc.
Nível operacional: encontram-se as ações coordenadas que pressupõem o
estabelecimento de relações entre os objetos; fazem parte desse nível os
esquemas operatórios que se coordenam em estruturas reversíveis. Essas
competências, que, em geral, atingem o nível da compreensão e a explica-
ção, mais que o saber fazer, supõem alguma tomada de consciência dos ins-
trumentos e procedimentos utilizados, possibilitando sua aplicação a outros
contextos. Exemplo: classificar, seriar, compor e decompor, fazer antecipa-
ções, calcular por estimativa, interpretar, medir, justificar etc.
Nível global: encontram-se ações e operações mais complexas, que envolvem
a aplicação de conhecimentos a situações diferentes e a resolução de problemas
inéditos. Exemplo: analisar, avaliar, aplicar relações, criticar, julgar, explicar
causas e efeitos, fazer generalizações, fazer prognósticos etc.
Por outro lado, a questão das competências nas áreas do conhecimento impõe
uma discussão sobre a concepção ideológica presente nos PCN. Afinal, é a partir
da definição das competências que está determinada a finalidade da nova proposta.
Trata-se do privilégio atribuído a determinados aspectos, dos critérios de inclusão e
exclusão de competências, evidenciando-se a presença de um pensamento instituído
e acabado que se coloca como pano de fundo. É inquietante o fato de que os prin-
cípios éticos, políticos e estéticos, de raízes questionadoras e instituintes, tenham
perdido força e importância, exatamente na parte da proposta na qual se definem
as ações pedagógicas. Fica a impressão de que as ideias fundadoras e fundamentais
da nova Educação Básica não passam de uma alusão romântica, de uma miragem,
sem qualquer perspectiva concreta de realização, persistindo no seu lugar as mesmas
ideias legitimadoras de um mundo dominado pelas tecnologias a serviço do mercado.
A quem serve a e­ scola?
O que é discurso competente enquanto discurso de conhecimento? Sabemos que é o discurso
do especialista, proferido de um ponto determinado da hierarquia organizacional. Sabemos
também que haverá tantos discursos competentes quantos lugares hierárquicos autorizados a
falar e a transmitir ordens aos degraus inferiores e aos demais pontos da hierarquia que lhes
forem paritários. Sabemos também que é um discurso que não se inspira em ideias e valores,
mas na suposta realidade dos fatos e na suposta eficácia dos meios de ação. Enfim, também
sabemos que se trata de um discurso instituído ou da ciência institucionalizada e não de um
saber instituinte e inaugural e que, como conhecimento instituído, tem papel de dissimular
sob a capa de cientificidade a existência real da dominação.
[...] A condição para o prestígio e para a eficácia do discurso da competência como discurso
do conhecimento depende da afirmação tácita e da aceitação tácita da incompetência dos
homens enquanto sujeitos sociais e políticos. Nesse ponto, as duas modalidades do discurso
da competência convergem numa só. Para que esse discurso possa ser proferido e mantido
é imprescindível que não haja sujeitos, mas apenas homens reduzidos à condição de objetos
sociais. [...] Invalidados como seres sociais e políticos, os homens seriam revalidados por in-
termédio de uma competência que lhes diz respeito enquanto sujeitos individuais ou pessoas
privadas. Ora, essa revalidação é um logro na medida em que é apenas a transferência, para
o plano individual e privado do discurso competente do conhecimento cujas regras já estão
dadas pelo mundo da burocracia e da organização. Ou seja, a competência privada está sub-
metida à mesma reificação que preside a competência do discurso do conhecimento. Basta
que prestemos uma certa atenção ao modo pelo qual opera a revalidação dos indivíduos pelo
conhecimento para que percebamos sua fraude. (CHAUÍ, 1997, p. 11-12)

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Organização curricular: a quem serve a escola

A formulação de competências se configura como um aspecto favorável quan-


do torna possível a abertura de um campo de análise e reflexão sobre os objetivos das
áreas do conhecimento e consequentemente das diversas disciplinas, quando tam-
bém promove a integração e a articulação dos diversos conhecimentos, superando
a fragmentação. No entanto, não se pode adotar uma atitude ingênua ignorando que
a formulação das competências nos PCN acaba por tornar distante e até mesmo por
cercear a possibilidade do saber instituinte, na medida em que apresenta a proposta
sedutora de colocar a escola no contexto de uma realidade moderna, referendada pela
notoriedade do conhecimento científico, sua aplicação prática – as tecnologias e, da
sua “possível” inserção no mundo do trabalho. Trata-se de questionar se a integra-
ção da escola e do aluno ao mundo contemporâneo pode ser reduzida à condição de
submissão e de simples apropriação de um vocabulário científico/tecnológico, de um
saber pronto e instituído.
Por meio das fibras ópticas, a

São Paulo, 1996, p. 932.)


(Nova Enciclopédia Ilustrada da Folha de São Paulo. São Paulo,
1996, p. 345.)

(Nova Enciclopédia Ilustrada da Folha de São Paulo.


luz de um laser pode ser des-
viada para assumir trajetos
curvos.

Os mursi, povo do sudoeste da Etiópia,


assistem a um documentário sobre eles
mesmos feito por uma equipe de tele-
visão que os visitou. Para tal povo, a
televisão é uma faca de dois gumes: ao
mesmo tempo em que os ajuda a com-
preender seu lugar no mundo moderno,
pode levá-los a abandonar suas crenças
e seu estilo tradicional de vida. (Nova
Enciclopédia Ilustrada da Folha, 1996)

[...] Como escreve Lefort. Homem passa a relacionar-se com seu trabalho pela mediação do
discurso da tecnologia, a relacionar-se com o desejo pela mediação do discur-
(Fundação Victor Civita, 2000. Resvista Nova Escola, n. 133, p.
16, jun/jul. 2000.)

so da sexologia, a relacionar-se com a alimentação pela mediação do discurso


dietético, a relacionar-se com a criança por meio do discurso pedagógico e
pediátrico, com o lactente, por meio do discurso da puericultura, com a natu-
reza pela mediação do discurso ecológico, com os demais homens por meio
do discurso da psicologia e da sociologia. Em uma palavra, o homem passa a
relacionar-se com a vida, com o seu corpo, com a natureza, e com os demais
seres humanos através de mil pequenos modelos científicos nos quais a di-
mensão propriamente humana da experiência desapareceu. Em seu lugar sur-
gem milhares de artifícios mediadores e promotores de conhecimento que
constrangem cada um e todos a se submeterem à linguagem do especialista
que detém os segredos da realidade vivida e que, indulgentemente, permite ao
não especialista a ilusão de participar do saber. Esse discurso competente não
exige uma submissão qualquer, mas algo profundo e sinistro: exige a interio-
rização de suas regras, pois aqueles que não as interiorizarem correm o risco
de ver-se a si mesmo como incompetente, anormal, a-social, como detrito e
lixo. (CHAUÍ, 1997, p. 11-12)
[...] A ciência da competência tornou-se bem-vinda, pois o saber é perigoso
Uma carteira para dois alunos em Ortigueira, apenas quando é instituinte, negador e histórico. O conhecimento, isto é, a
Paraná: esforço leva supletivo à zona rural. competência instituída e institucional não é um risco, pois é a arma para um

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Organização curricular: a quem serve a escola

fantástico projeto de dominação e intimidação social e política. Como podemos notar, não
basta uma crítica humanista ou humanitária ao delírio tecnocrata, pois este é apenas um
efeito da superfície de um processo obscuro no qual conhecer e poder encontraram sua forma
particular de articulação na sociedade contemporânea. (CHAUÍ, 1997, p. 10-13)

Cabe ainda alertar e aprofundar o debate apresentando outro problema, este de


ordem operacional, traduzido nas seguintes questões: quais tecnologias são acessíveis
ao conhecimento escolar? As tecnologias de ponta estarão disponibilizadas? Dentro dos
limites da estrutura física e das instalações disponíveis na maioria das escolas, sobretudo
nas da rede pública, que conhecimento científico/tecnológico será possível oferecer? E
por fim, qual a formação profissional necessária ao docente do Ensino Médio para transi-
tar com desenvoltura e propriedade nos domínios das ciências e tecnologias?

1. Quais as contribuições que o estabelecimento das competências cognitivas pode oferecer à prá-
tica educativa?

2. De que forma é possível superar, na ação educacional, a supremacia da ideologia na determina-


ção das competências propostas nas áreas do conhecimento?

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Organização curricular: a quem serve a escola

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-


culares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.
CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
PESTANA, Maria Inês Gomes de Sá et al. Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB. 2.
ed. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1999.

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Linguagens e
suas representações

Plurissignificação das linguagens

E
m meados dos anos 1980 iniciou-se uma discussão sobre a necessidade de re-
modelação da escola brasileira. Tal discussão culminou na elaboração dos PCN
(Parâmetros Curriculares Nacionais) – cujas diretrizes fundamentaram-se na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 e no Parecer do Conse-
lho Nacional da Educação/Câmara de Educação Básica 15/98. Assim, os PCN não
podem ser entendidos como “a nova regulamentação” para o ensino, mas como um
documento que traz sugestões para o trabalho do professor. Dessa forma, os PCN
não são um trabalho pronto, acabado, mas uma “obra aberta” na qual o trabalho do
professor e da escola é fundamental para que se atinja o objetivo: adaptar o Ensino
Médio às exigências do mundo contemporâneo.
Esta unidade aborda a área de Códigos e Linguagens, que agrega as seguintes
disciplinas: Língua Portuguesa e Literatura, Língua Estrangeira Moderna, Educação
Artística, Educação Física e Conhecimentos de Informática. O respeito à diversidade é
o princípio básico da proposta desta unidade.

Vivem em nós inúmeros;


Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Fernando Pessoa

Torna-se necessário, dessa forma, que antes de abordarmos o tópico códigos e


linguagens tracemos um paralelo entre diversidade e linguagens.
A partir da Revolução Francesa pretendeu-se um Estado cuja ação garantisse a
igualdade dos cidadãos perante a lei. Neste final de século nos deparamos com inúmeras
transformações por que passa o mundo – como, por exemplo, as diversas culturas e iden-
tidades que se evidenciam no leste europeu, as guerras étnicas em Ruanda e Etiópia etc.,
– o desafio que se coloca, então, é como pensar a diferença. Dessa perspectiva, a luta
atual não se limita apenas a lutar pela igualdade, mas essa luta estende-se também à
luta pelo direito à diferença. A questão que se coloca, então, é a
[...] diferença entre povos, culturas, tipos físicos, classes sociais: estará fadada a ser eternamen-
te compreendida e vivida como desigualdade? Como relações entre superiores e inferiores,
evoluídos e primitivos, cultos e ignorantes, ricos e pobres, maiores e menores, corretos e incor-
retos, com direitos e sem direitos, com voz e sem voz? (SILVA; GRUPIONI, 1995, p. 17)
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Linguagens e suas representações

De modo particular, cabe-nos perguntar: como a comunidade escolar (entenda-


-se aqui professor / aluno / escola) trata e vivencia a diferença, o diferente?.
A tendência da escola sempre foi a de valorizar uma determinada manifestação
cultural, uma determinada modalidade de língua em detrimento de outras modalidades
e de outras manifestações, ou seja, a tendência da escola é reproduzir valores da cultura
dominante (determinadas quase sempre pelo poder econômico), ignorando qualquer
outra manifestação que fuja desse padrão. Ao colocar-se o respeito à diversidade como
eixo dos PCN chama-se a atenção para o reconhecimento de manifestações culturais,
linguísticas e históricas de comunidades historicamente marginalizadas.
No processo pedagógico não se trata de substituir uma variedade por outra (porque uma é
mais rica do que a outra, porque uma é certa e outra errada etc.), mas se trata de construir pos-
sibilidades de novas interações dos alunos (entre si, com o professor, com a herança cultural),
e é nestes processos interlocutivos que o aluno vai internalizando novos recursos expressivos,
e por isso mesmo novas categorias de compreensão do mundo. Trata-se, portanto, de explorar
semelhanças e diferenças num diálogo constante e não preconceituoso entre visões de mundo
e modos de expressá-las. (GERALDI, 1996, p. 69)

O papel que o professor assume diante dessa perspectiva é de suma importância


e o coloca como um dos possibilitadores da transformação esperada pela sociedade,
pois não basta que a escola apenas reconheça a diversidade, seu papel é muito mais
amplo; cabe à instituição escolar não apenas reconhecer diversas manifestações, mas
também valorizá-las.
Trata-se aqui de mudanças de concepções que fundamentam os currículos es-
colares brasileiros. No ensino de Língua Portuguesa, por exemplo, mais do que res-
peitar a língua do aluno, é preciso compreender que esse aluno também constrói a
língua que todos usamos.
Um aluno falante da variedade não padrão, numa escola que possibilite interlocuções com
outras variedades (inclusive a padrão, mas não só ela, já que numa mesma sala de aula con-
vivem diferentes variedades, por menores que sejam as diferenças que as identifiquem), não
se apropria do dialeto de prestígio, mas ao contrário, enquanto locutor e interlocutor por seu
trabalho linguístico, participa da construção desse dialeto. O dialeto de prestígio também se
constrói historicamente, modificando-se, ainda que suas mudanças formais sejam mais len-
tas. (GERALDI, 1996, p. 60)

Finalmente, é preciso não perder de vista que é inerente ao ser humano a necessida-
de de comunicar-se e buscar meios para isso. Dessa necessidade resultam manifestações
diversas marcadas pela história sociocultural de cada indivíduo e de cada comunidade.

Área de Códigos e Linguagens


Desde que um homem foi reconhecido por outro como
um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio,
o desejo e a necessidade de comunicar-lhe seus
sentimentos e pensamentos fizeram-no
buscar meios para isto.

Rosseau

A área de Códigos e Linguagens, coerente com o princípio da diversidade,


agrupa disciplinas que trabalham as diferentes manifestações da linguagem: Língua

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Linguagens e suas representações

Portuguesa e Literatura, Língua Estrangeira Moderna, Educação Artística, Educa-


ção Física e Conhecimentos de Informática.
Atente para as linguagens abaixo:

O poema
Mario Quintana

Um poema como um gole d’água bebido no escuro.


Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
Copélia, (folder) 1999.

Peinture des Origines Aux Impressionistes,


Lausanne: Edita S.A, 1993.)
Revista Veja, 1 mar. 2000.

(SPIESS, Dominique. Enciclopedie de La


Coppélia. Espetáculo apresen- Máscara indígena. Adorations des Bergers – Georges de La Tour.
tado pelo Grupo Petit Ballet –
Curitiba.

Embora a linguagem verbal permaneça a forma de comunicação mais utilizada


pelo homem, existem outras formas de manifestar seu pensamento, seus sentimen-
tos, como a dança, as artes plásticas, a música, o teatro etc. É tão importante para um
ser humano comunicar ao outro o que sente que estamos sempre buscando formas de
manifestar isso e, nesse processo, todos somos ao mesmo tempo produtores e “con-
sumidores” de várias formas de linguagens.
Assim, se as linguagens são fruto de criação coletiva, a escola não pode mais
privilegiar apenas uma manifestação para fundamentar seus ensinamentos. No seu
trabalho com as linguagens, o professor deve proporcionar ao aluno um contato mais
amplo possível com as diversas manifestações, sem esquecer que, como parte de
uma comunidade, o aluno também tem papel ativo na sociedade, logo, produz novas
linguagens e renova as já existentes. Face a essas colocações,
[...] não se quer mais somente um cidadão que reconheça a herança cultural, mas que se torne
um produtor de cultura. E aqui uma nova heterogeneidade: a escola tradicional reconhecia
como cultura apenas certas manifestações do homem; o mundo contemporâneo (e em conse-
quência a escola) reconhece culturas e cada vez mais essas culturas se interpenetram, cons-

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Linguagens e suas representações

tituindo o mosaico fragmentário do mundo em que vivemos e que precisamos conhecer para
nele interferirmos. (GERALDI, 1996, p. 69)

Ao entender que existem várias linguagens que se manifestam de modos dife-


rentes valorizam-se não apenas as manifestações, mas o ser que produz essas mani-
festações. Frei Beto verbalizou algo nessa direção em um texto publicado na revista
Caros Amigos (abr./2000):
Por isso é errado dizer que uma pessoa é mais culta do que a outra, ensinava Paulo Freire. O
que há são culturas paralelas, complementares nas relações que a vida tece entre as pessoas.
Você, por exemplo (falava a um agricultor), sabe o que é safra, irrigação, arrendatário, estia-
gem, ocupação, assentamento. Talvez muitos estudantes de Medicina não consigam explicar
o sentido dessas palavras. Mas conhecem o que é etiologia, diagnóstico, tomografia e terapia,
como sei o que é liturgia, pastoral, gregoriano e escatologia. Cada pessoa domina as palavras
e as artes de seu mundo.

Assim, se retoma o importante papel da escola de proporcionar a valorização


do ser humano, a tolerância e a melhora da qualidade de vida através do saber.

1. As variedades linguísticas trazidas pelo aluno para a sala de aula são uma manifestação de “diver-
sidade”. A partir das discussões apresentadas, como o professor poderia trabalhar esse fato?

2. As linguagens são manifestadas de várias maneiras pelo homem. Ao reconhecer e valorizar


essas manifestações, que papel a escola assume diante da sociedade?

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Linguagens e suas representações

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-


culares do Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, 1999.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e Ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas:
Mercado de Letras ALB, 1996.
QUINTANA, Mário. 80 Anos de Poesia. 7. ed. São Paulo: Globo, 1996.
SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. A Temática Indígena na Escola: novos subsídios para professo-
res de primeiro e segundo graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.
SPIESS, Dominique. Encyclopédie de la Peinture des Origines aux Impressionistes. Lausanne:
Edita, 1993.

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Linguagens e suas representações

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A condição humana
como objeto de reflexão

Diversidade de representações humanas


Tempo, espaço, subjetividade,
relações sociais e pensamento/ação

O
filósofo contemporâneo Karl Jaspers, num ensaio sobre teoria do conheci-
mento, apresenta a ideia de que o conhecimento humano da realidade é sem-
pre relativo e provisório, jamais absoluto, como pretendem os dogmáticos.
Jaspers argumenta que o sujeito cognoscente nunca poderá atingir a essência do objeto
e que todo conhecimento humano é uma representação. A verdade não está no sujeito,
nem no objeto, mas na relação de conhecimentos que se estabelece entre ambos. A
Filosofia e as Ciências Naturais e Humanas, formas de conhecimento sistemático e
rigoroso, são alternativas criadas pelo ser humano, a fim de buscar representações mais
seguras dos objetos que com ele se relaciona. No espaço escolar, as diversas disciplinas
têm a responsabilidade de apresentar conhecimentos produzidos, bem como, conside-
rando a concepção de competências, produzir novos conhecimentos – novas represen-
tações acerca da realidade que virão a se postular como verdadeiras.
Considerando a complexidade e a abrangência no processo de apresentação, com-
preensão e produção do conhecimento, torna-se evidente que, por mais estruturada e
organizada que seja uma disciplina, sozinha ela não poderá corresponder a esse nível de
exigência. Nesse sentido, as estratégias apresentadas pela nova proposta – agrupamento
por áreas de conhecimento, interdisciplinaridade e contextualização –, representam pos-
sibilidades para sua efetivação.
A organização das disciplinas por área do conhecimento se constitui num aspecto
significativo da composição curricular, uma vez que acena para a superação da fragmen-
tação e da particularização do conhecimento e propõe, implicitamente, uma aproxima-
ção, um diálogo entre os saberes propostos pelas diversas disciplinas que compõem cada
área, na busca de uma compreensão mais elaborada e diversificada do seu objeto de estu-
do, ampliando o campo de representações desse objeto. Pressupõe uma relação dialética
entre as disciplinas, rompendo com um saber estanque e limitado à mera formalização.
As três áreas estabelecidas para organização da base nacional comum, pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio são: Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Huma-
nas e suas Tecnologias. Este módulo tem como objetivo apresentar uma discussão
sobre a área de Ciências Humanas. 53
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A condição humana como objeto de reflexão

Repensar o papel das Ciências Humanas na escola básica e organizá-las em uma área de co-
nhecimento do Ensino Médio implica relembrar as chamadas “humanidades”, nome genérico que
engloba as línguas e culturas clássicas, as línguas e literaturas vernáculas, as principais línguas
estrangeiras modernas e suas literaturas, a Filosofia, a História e as Belas Artes.
A finalidade educacional inscrita nesse humanismo respondia por uma formação moral e
cultural de caráter elitista, que remontava tanto à cultura clássica antiga quanto ao humanismo
renascentista, que a “modernizou”. [...] O regime republicano nascido sob a marca do positivismo
instituindo “ordem e progresso” como lema, iniciou um redimensionamento do papel das Ciências
Naturais no ensino do país, rompendo com a tradição “bacharelesca” na promessa de introduzir na
escola secundária os conhecimentos voltados para a solução de problemas práticos, que levassem
a superar o nosso “atraso”, como se dizia.
[...] E, assim, curiosamente o ensino das humanidades era posto em cheque no momento em
que principiavam os estudos que constituíam os primórdios de nossas Ciências Humanas, tocadas
pelo mesmo pragmatismo que presidia os estudos dedicados à compreensão da natureza.
As transformações socioeconômicas e políticas por que passou o Brasil na virada do século
XIX para o século XX foram acompanhadas por uma série de trabalhos voltados para as ques-
tões sociais, apoiados, porém, em um viés fortemente racista.[...] amparados pelos pressupostos
teóricos e metodológicos extraídos de autores europeus, especialmente de língua inglesa e alemã,
refletiram sobre a realidade brasileira produzindo estudos jurídicos, literários, históricos etnológi-
cos, folclóricos e de psicologia social.[...]
A partir dos anos 30 e 40 deste século, as Ciências Humanas, no Brasil, encontraram enor-
me renovação, [...] dando origem às seguidas gerações de sociólogos, economistas, historiadores,
antropólogos e cientistas políticos, que se dedicaram ao estudo da sociedade brasileira, em uma
perspectiva de forte engajamento político, que acabaria esbarrando no enrijecimento da reação,
no período que se seguiu a 1964.
Ao longo desse processo de desenvolvimento das Ciências Humanas, as humanidades foram
progressivamente superadas na cultura escolar.[...] Em sua constituição, voltaram-se para o ho-
mem, não com a preocupação de formá-lo, mas de compreendê-lo. Assim fazendo, passaram a cir-
cundar em torno de um mesmo objeto principal: o homem, explorado em todas as suas vertentes.
A caracterização desses estudos como ciências está intimamente ligada às transformações
sofridas pelas sociedades modernas, a partir das chamadas “Revoluções Burguesas” dos séculos
XVIII e XIX, que introduziram novos paradigmas no campo da produção – a indústria – e do
convívio social – a democracia representativa.
[...] as Ciências Humanas [...] seguindo a inspiração positivista, transpunham para o campo da
cultura os mesmos pressupostos aplicáveis ao estudo da natureza.
Assim, incorporando as determinações que as fizeram se desenvolver como ciências autôno-
mas, a História cumpriu a tarefa de construir uma identidade e uma memória coletivas, a fim de
glorificar e legitimar os feitos dos Estudos Nacionais; a Sociologia traçou estratégias para ordenar
e reordenar as novas relações sociais; a Ciência Política ocupou-se do poder, de como constituí-
lo e regrá-lo; o Direito encarregou-se de construir um aparato legal e processos jurídicos para
conservação ou renovação da ordem social; a Economia voltou-se para a otimização e o controle
da produção e das trocas de bens; a Psicologia procurou compreender e amenizar o impacto das
transformações sobre os comportamentos humanos; a Antropologia, em sua vertente etnográfica,
lançou-se à descrição dos povos “exóticos”, que a expansão econômica e política das grandes po-
tências capitalistas necessitava submeter; e a Geografia serviu para mapear as potencialidades dos

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territórios nacionais ou daqueles a serem conquistados, além de exaltar as riquezas de cada “solo
pátrio”.
No século XX, a progressiva penetração dos pressupostos teóricos de Marx e Engels nas
pesquisas da área instituiu ricos debates, cruzando perspectivas diferentes e antagônicas. O mar-
xismo fez aumentar, embora sob enfoque diferente, as responsabilidades das Ciências Humanas
perante o social.[...]
[...] Sem que desaparecessem as concepções anteriores, no século XX, novas perspectivas
teóricas têm procurado minar as certezas positivas, incorporando orientação mais relativista às
análises. A crise de confiança gerada pelo desastre da Primeira Guerra Mundial e as crises econô-
micas que a ela se seguiram deram origem, nos anos 30; a um esforço de revisão dos pressupostos
positivistas, como o da fragmentação dos estudos. Deu-se, então, importante experiência inter-
disciplinar, unindo-se historiadores, economistas, geógrafos e sociólogos, no esforço de tentar
entender as razões da crise. [...]
No Brasil, entretanto, os anos de autoritarismo institucionalizado, pós-64, tornaram as Ciên-
cias Humanas suspeitas e banidas do “ensino de 1.º grau.” A História e a Geografia, desenvolvidas
nos Estudos Sociais, que incluíam a “Educação Moral e Cívica”, tentativa de atualização para as
massas de uma educação de caráter moral, sem o componente cultural próprio às humanidades.
No Ensino Médio, a História e a Geografia sobreviveram, ao lado da “Organização Social e Polí-
tica do Brasil”, espécie de geopolítica aplicada a noções básicas de Sociologia, Política e Direito.
A “área” podia enriquecer-se ora pela Filosofia, ora pela Sociologia, ora pela Psicologia, com
conteúdos diversificados, mas não obrigatórios. O estudo da Filosofia, fundamental na formação
dos jovens, mas incômodo pelas questões que suscita, foi relegado ao exílio, juntamente com as
Artes e o Latim.[...]
Ecoando a definição curricular oficial, o imaginário social e o escolar ratificavam a impressão
de que tais disciplinas, “absolutamente inúteis” do ponto de vista da vida prática, roubavam pre-
cioso tempo ao aprendizado da Língua Portuguesa e das “Ciências Exatas”. Estes conhecimentos
eram os que realmente importavam na luta pela aprovação nos exames vestibulares de ingresso
aos cursos superiores de maior prestígio social.
A lógica tecnoburocrática ali presente, embora assumisse um viés autoritário explícito, não
fazia mais do que acompanhar uma tendência geral das sociedades contemporâneas. Pressionadas
pelas necessidades de uma civilização cada vez mais apoiada nas Ciências Naturais e nas tecnolo-
gias das decorrentes, tanto as humanidades quanto as Ciências Humanas perderam o prestígio.
O momento, hoje, porém, é o de se estruturar um currículo em que o estudo das ciências e
das humanidades sejam complementares e não excludentes.
(PCN, 1999, p. 13-19)

As Ciências Humanas têm no próprio homem seu objeto de estudo e, para melhor
compreender o enfoque das diversas disciplinas que compõem essa área, sugere-se
eleger a condição humana como elemento articulador das múltiplas representações
do conhecimento. Assim, a área de Ciências Humanas discutirá, no Ensino Médio, a
Condição Humana no espaço (Geografia), no tempo (História), sua subjetividade (Psi-
cologia), sua sociabilidade (Sociologia), seu pensamento/ação (Filosofia). Trata-se de
uma diversidade de abordagens, que somadas, diferenciadas, articuladas, relacionadas,
analisadas, refletidas, apreendidas, irão compor, para o aluno, um conjunto de signifi-
cações sobre o mundo e sobre a sua própria existência, oportunizando, portanto, novos
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sentidos de vida. Cabe lembrar que outras disciplinas, como, por exemplo, Direito e
Economia, podem também oferecer contribuições relevantes ao currículo escolar.
Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa; o sig-
nificado fica-se por aí, é direto, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim di-
zer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos,
terceiros e quartos, de direções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos
e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-me com uma estrela
quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço afora, ventos cósmicos, perturbações mag-
néticas, aflições. (Saramago, 1997, p. 134-135)

É importante esclarecer que ao se propor articulação e aproximação entre os diver-


sos conhecimentos não se pretende subtrair a identidade de cada disciplina, pulverizando
saberes de forma genérica e superficial. A educação vem perdendo muito em credibilidade
e reconhecimento pelo pouco investimento, principalmente na formação de professores, na
extensão e profundidade dos conhecimentos que considera de sua responsabilidade.
Para finalizar a discussão sobre a área de Ciências Humanas cabe alertar sobre
as possíveis contribuições e implicações, das diversas correntes de pensamento, na
sua práxis. Como ciência, todo conhecimento por ela produzido se coloca em es-
treita relação com uma ideologia. “A relação ciência/ideologia é entendida de modo
peculiar pelas correntes metodológicas, dependendo de como concebem ideologia
por um lado e de como fundamentam e relacionam cada um dos ramos da ciência à
ideologia, por outro lado” (ARAÚJO, 1993, p. 141). A epistemologia contemporânea,
na medida em que apresenta um leque amplo de leituras acerca das relações entre
ciência e ideologia, transformou o debate dessa questão numa exigência. O enfo-
que dialético marxista, o enfoque crítico de Habermas, o enfoque hermenêutico de
Ricoeur, o enfoque anarquista de Feyrabend e o enfoque arqueogenealógico de
Foucault, inviabilizam a defesa de uma concepção de neutralidade para as ciências
em geral e, sobretudo, para as Ciências Humanas.

Geografia
Obstinada, a vida expande-se, portanto, e prolonga-se no espaço e no tempo, por pequenas
caixas individuais. Há, então, que pensar essa propagação pagus por pagus, parcela ou nicho por
área ou sítio, página por página, indivíduo por indivíduo de espécies diferentes, esta invasão por
lugares distintos ou, dito de outro modo, meditar sobre a globalidade das localidades, soma que
padece do mesmo paradoxo que a pretensão de há pouco, encontrar o universal do ser vivo na
singularidade do lugar. [...]

Michel Serres

A Geografia tem como objeto de estudo o espaço geográfico, definido por Mil-
ton Santos como um conjunto de sistemas de objetos – prédios, ruas, pontes, rede
de iluminação e saneamento – e um conjunto de sistemas de ações – produção, cir-
culação de mercadorias, rede de comunicação, consumo, que funcionam de forma
indissociável e revelam as práticas sociais dos diversos grupos, que nesse espaço
produzem, lutam, fazem projetos, vivem, sobrevivem e “fazem a vida caminhar”.
Por meio do conhecimento geográfico é possível compreender a forma de apro-
priação dos lugares pelos homens revelando sua identidade social, suas relações de
consenso e conflito, de dominação e da resistência; a constituição das diversas paisa-

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gens que revelam a complexidade da vida social; o estabelecimento dos territórios,


entendidos como espaços delimitados e definidos por relações de poder, domínio de
apropriação; enfim, é possível ampliar o entendimento sobre o mundo atual.
Por pensamento geográfico entende-se um conjunto de discursos a respeito do espaço que
substantiva as concepções que uma dada sociedade, num momento determinado, possui
acerca do seu meio (desde o local ao planetário) e das relações com ele estabelecidas.
Trata-se de um acervo histórico e socialmente produzido, uma fatia da substância da for-
mação cultural de um povo. Nesse entendimento, os temas geográficos distribuem-se pe-
los variados quadrantes do universo da cultura. Eles emergem em diferentes contextos
discursivos, na imprensa, na literatura, no pensamento político, na ensaísta, na pesquisa
científica etc. Em meio a essas múltiplas manifestações vão sedimentando-se certas vi-
sões, difundindo-se certos valores. Enfim, vai sendo gestado um senso comum a respeito
do espaço. Uma mentalidade acerca de seus temas. Um horizonte espacial, coletivo.
Esse processo não é isento de tensões, antagonismos, e muito menos autônomo em relação
ao movimento político da sociedade. Ao contrário, tais valores são componentes funda-
mentais desse movimento, na medida em que o espaço (sua gestão, sua representação, os
projetos e imagens a seu respeito) representa um dos condutos mais eficazes do poder; o que
se apreende facilmente na leitura de Ratzel ou de Foucault. Assim, os discursos geográficos
engatam-se com algumas problemáticas centrais postas na prática social do mundo contem-
porâneo. Geralmente, essas discussões não se revestem da denominação de Geografia, porém
é através delas que a Geografia material do planeta vai sendo desenhada. As transformações
efetuadas na superfície da terra seguem muito mais esta “Geografia dos Estados Maiores”,
da “mídia” etc., do que da que flui nos currículos, nos tratados e nas academias. Se bem que
ambas se articulem, notadamente na formação da opinião pública. (Teixeira, 1998)

História
Naquele tempo havia um homem lá. Ele existiu naquele tempo. Se existiu, já não
existe. Existiu, logo existe porque sabemos que naquele tempo havia um homem e existirá,
enquanto alguém contar sua história. Era um ser humano que estava lá, “naquele tempo”, e
só seres humanos podem contar sua história porque só eles sabem o que aconteceu “naquele
tempo”. “Aquele tempo” é o tempo dos seres humanos, o tempo humano.
Agnes Heller

Em Uma Teoria da História, Agnes Heller (1993, p. 15) afirma que


[...] a História – com maiúscula – é um projeto da civilização moderna, cujas experiências
de vida ela exprime. São esperanças e desesperos, lutas, vitórias e derrotas, ódios e amores,
dúvidas e crenças, exaltações e humilhações, tensões e contradições, as catástrofes e a ca-
pacidade de superá-las, crimes e castigos, heroísmos e mesquinharias, poesia e prosa, além,
é claro, dos valores da modernidade. [...] Em consequência, a “História”, enquanto tal, não
constitui a história da humanidade. A “História” transformada em história da humanidade
que engloba o passado, presente e futuro é apenas construção mental de nossa história, da
moderna forma de existência e de sua história.

Como já foi afirmado, todo o conhecimento produzido pela humanidade são re-
presentações da realidade e, portanto, resultado das mais diversas concepções. Com
a História não poderia ser diferente, ela passa a se organizar como disciplina no final
do século XVIII e sua produção tem sido o resultado de interpretações de dados, do-
cumentos e aspectos da vida cultural, política e econômica das sociedades através do
tempo. É fundamental que se tenha clareza do papel determinante do pesquisador no
processo de investigação, bem como no resultado da pesquisa histórica. O recorte do

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passado, feito pelo historiador, está revestido de uma forte interferência e, mesmo,
de uma intencionalidade. Não há neutralidade na pesquisa histórica.
O passado histórico é um dado objetivo e não pura fantasia, criada por quem escreve. Mas
essa objetividade, composta de relações materiais, de produtos da imaginação social e da
cultura, passa pelo trabalho de construção do historiador. [...] ele seleciona fatos, processos
sociais etc., e os interpreta de acordo com suas concepções e as informações obtidas. Por isso,
ao mesmo tempo em que não é arbitrária, a História – tanto ou mais do que outras disciplinas
– se encontra em constante elaboração. (FAUSTO, 1995, p. 15)

A manutenção da História nos currículos escolares durante o período obscuro


vivido pela sociedade brasileira, na Ditadura Militar, teve como ônus sua mutilação
– agravando seu caráter reducionista, já determinado pela supremacia de fundamen-
tos positivistas e, cristalizando concepções simplistas e deturpadas dos processos
históricos. A História ensinada naquele período era a História oficial, dos “heróis”,
eventos e datas, cuja função era impor uma identidade nacional que representasse e
garantisse os interesses dos poderes dominantes.
Com o processo de redemocratização do ensino, a História vem buscando a
superação desse viés conservador, por meio da retomada da articulação com a pro-
dução acadêmica e com as novas correntes de pensamento.
O debate historiográfico tem sido intenso, com abordagens diversas sobre antigos temas e há
a inclusão de novos objetos que constituem as múltiplas facetas da produção humana e que se
sustentam em uma pluralidade de fundamentos teóricos e metodológicos.
A história social e cultural tem se imposto de maneira a rearticular a história econômica e a
política possibilitando o surgimento de vozes, de grupos e de classes sociais antes silencia-
dos. Mulheres, crianças, grupos étnicos diversos têm sido objeto de estudos que redimensio-
nam a compreensão do cotidiano em suas esferas privadas e políticas, a ação e o papel dos
indivíduos, rearticulando a subjetividade ao fato de serem produto de determinado tempo
histórico no qual as conjunturas e as estruturas estão presentes. (PCN, 1999, p. 42-43)

O trânsito e o diálogo entre as diversas abordagens dos processos históricos


– concepções marxistas, estudos do cotidiano e mentalidades – devem se fazer
presentes nas propostas de História no Ensino Médio, aprofundando o entendi-
mento dos matizes do tempo histórico e das possibilidades de ação dos sujeitos nos
acontecimentos estruturais e conjunturais, ampliando as noções de diversidade e
diferença e dos possíveis sentidos da identidade individual e social. Nessa pers-
pectiva, o ensino da História tem muito a contribuir para a formação da cidadania,
pois, como afirmou Boris Fausto (1995, p. 13), “não chega a ser cidadão quem não
consegue se orientar no mundo em que vive, a partir do conhecimento da vivência
das gerações passadas”.

Psicologia
Um narciso disperso, fragmentado, um corpo ardente e desengonçado em busca de amor,
paixão, atos heróicos, vivências internas. A oscilação entre as manifestações ruidosas, agressivas,
em bandos e grupos, e a solidão intensa, o “ninguém me entende”.

Clara Regina Rappaport

A subjetividade do homem, objeto de estudo da Psicologia, é elemento indispen-


sável para uma melhor compreensão da existência humana. Partindo da necessidade

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de criar no espaço escolar condições para o real entendimento dos princípios da


Autonomia, Identidade e Diversidade, transformando-os em ações que incluam vi-
vências individuais e coletivas, a Psicologia se apresenta como uma ciência capaz
de contribuir na formulação de alguns dos conhecimentos necessários.
Os campos de investigação da Psicologia como: a estrutura e desenvolvi-
mento das diversas operações mentais – percepção, linguagem, imaginação, fan-
tasia – os processos de desenvolvimento do comportamento – infância, puberdade,
adolescência – as relações estabelecidas em grupos e na sociedade; as noções de
consciente, inconsciente, desejo e suas relações com a realidade; as diversas pato-
logias e perturbações; entre outros, oferecem contribuições significativas para que
o aluno possa compreender melhor a sua singularidade, estabelecendo relações
mais harmoniosas ou menos conflituosas com o mundo ao seu redor.
Considerando a faixa etária majoritária dos alunos que frequentam o Ensino
Médio, a disciplina de Psicologia está fortemente comprometida com o estudo sobre
a adolescência, sua crise peculiar, com todas as consequências explícitas ou implí-
citas que determinam um “jeito de ser” no mundo. Ressalta-se como fundamental a
discussão acerca da sexualidade, das drogas, da violência e das relações de trabalho
na perspectiva da escolha profissional ou da sua impossibilidade real.
A discussão dessa disciplina deve estar permeada por análises psicossociais,
capazes de promover o desenvolvimento de indivíduos mais plenamente capazes
de aumentar a visibilidade das relações imbricadas no seu fazer e no seu querer.
Portanto, não admite a desvinculação de outros saberes, que vão se configurando
como um grande mosaico de significações, cuja finalidade é investir cada sujeito de
possibilidades múltiplas para a construção e a realização de seu projeto de vida.

Sociologia
Contemplar todos os homens do mundo, que se unem em sociedade para trabalhar,
lutar e aperfeiçoar-se, deve-lhe agradar mais do que qualquer outra coisa.

Antonio Gramsci (carta escrita na prisão ao seu filho)

Os prenúncios de um pensamento social organizado de forma sistemática


têm sua origem no século XVIII, porém, a palavra sociologia surgiu somente em
1830. O seu nascimento teve espaço numa Europa ainda abalada pelos reflexos
da Revolução Francesa e que rumava para uma segunda revolução, a Industrial,
consolidando, assim, a sociedade capitalista. O clima de insatisfação generaliza-
da que permeava as classes trabalhadoras, excluídas do poder, do conhecimento
e da cidadania, era visto pelos burgueses como uma ameaça concreta ao seu
projeto. A compreensão científica das novas relações sociais emergentes desse
contexto se apresentava como um imperativo para o exercício do controle da so-
ciedade pelo Estado. É nessa trama complexa que o Positivismo oferece seus fun-
damentos para a constituição da nova ciência, que viria a se chamar Sociologia.
Se por um lado a corrente positivista, de Durkheim e Comte, teve forte
influência como suporte científico para as análises sociais, bem como para sub-
sidiar o desenvolvimento de estratégias de controle social, por outro lado, pensa-
dores como Marx e Engels ofereceram à Sociologia contribuições que alteraram
profundamente essa abordagem – o conhecimento das relações sociais passa a
ser fundamentado pelos princípios da liberdade e transformação. Mesmo com o
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surgimento de outras correntes de pensamento, como a weberiana, esse dualismo


continua caracterizando o espaço de discussão e debate dessa ciência.
Acontece que Sociologia é uma forma de autoconsciência científica da realidade social. Ex-
pressa o entendimento que a sociedade, no seu todo ou em seus segmentos mais importantes,
desenvolve a propósito de sua organização e seu funcionamento, refletindo o modo pelo qual
ela se produz e reproduz, forma e transforma. Mas a sociedade não é única, idêntica, mesma.
Desdobra-se em grupos, classes e movimentos sociais, bem como em relações, processos
e estruturas de dominação e apropriação, envolvendo mentalidades, ideologias e utopias, e
lançando-se todo o tempo em nível local, nacional, regional e mundial.
Nesta altura da história, portanto, vale a pena repensar a Sociologia, refletir sobre suas pers-
pectivas, realizar um balanço crítico das suas realizações, focalizar os seus impasses e imagi-
nar as suas potencialidades como forma de autoconsciência científica da realidade social. Uma
tarefa complexa e difícil, mas que pode ser realizada de modo seletivo. (IANNI, 1997, p. 15)

Como disciplina do Ensino Médio, que tem nas relações sociais seus objetos de
estudo, é imprescindível que haja um constante processo de reflexão e intercâmbio com
as transformações da sociedade e necessariamente das Ciências Sociais. A importân-
cia da Sociologia para o entendimento da condição humana reside na possibilidade de
revelar a dinâmica de funcionamento da sociedade, suas transformações ou seu caráter
conservador, a partir do estudo das classes e grupos sociais, da diversidade cultural,
das significações das identidades coletivas, dos movimentos sociais, das minorias orga-
nizadas, do Estado e seus mecanismos e da indústria cultural e da cultura de massas.
Importante vislumbrar na ação educacional o resgate de um dos principais atribu-
tos das Ciências Sociais – a pesquisa. A pesquisa teórica desenvolvida conjuntamente
com a pesquisa de campo pode promover a contextualização e um intenso debate sobre
as contradições sociais e as perspectivas concretas de participação no processo de trans-
formação da sociedade, contribuindo para o exercício da cidadania.

Filosofia
Se desejamos seriamente aplicar-nos ao estudo da filosofia e à busca de todas as verdades que
somos capazes de conhecer, nos libertaremos em primeiro lugar de nossos preconceitos, e mostrare-
mos rejeitar todas as opiniões que outrora recebemos em nossa crença, até que as tenhamos mais uma
vez examinado; a seguir reveremos as noções que estão em nós, e receberemos como verdadeiras
somente aquelas que se apresentarem clara e distintamente ao nosso entendimento.

René Descartes

O processo de democratização que o Brasil vem vivenciando a partir da década


de 1980 trouxe à tona uma série de discussões no âmbito da educação, entre elas, a
volta da disciplina de Filosofia ao Ensino Médio. A Filosofia foi “substituída” durante
o período da Ditadura Militar por outras disciplinas cujos conteúdos convergiam
com os interesses autoritários daquele regime. O retorno da Filosofia ao currículo se
apresenta como resultado de um trabalho, uma conquista da democracia. Representa
o desafio de oferecer aos estudantes, mais que uma visão panorâmica de conteúdos
clássicos e polêmicos acumulados ao longo de 25 séculos, um convite, uma provocação
à indagação e à reflexão filosófica.
Alguém escreveu, certa vez, que a Filosofia nutre-se daquilo que ela não é,
o que de certa forma é verdadeiro, basta uma passada de olhos por seus conteúdos

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clássicos – Ética, Política, Estética, Epistemologia e Teoria do Conhecimento – para


se compreender tal afirmação. A filósofa brasileira Marilena Chauí também dirige
seu pensamento nessa direção, ao afirmar que a Filosofia não é ciência, não é arte, não
é psicologia, nem sociologia, não é política, não é história, mas apresenta-se como
uma reflexão crítica sobre os fundamentos, conceitos, procedimentos, conteúdos e
significações dessas e de outras criações humanas.
Essa característica de síntese do pensamento filosófico é, sem dúvida, uma de
suas principais virtudes, pois as diversas disciplinas de formação do Ensino Médio
possibilitam uma compreensão específica dentro do seu campo de abordagem, mas
somente a Filosofia pode proporcionar a compreensão da existência humana de
uma forma geral, não fragmentada. Também é fator fundamental, na formação do
cidadão democrático, o exercício do pensamento crítico, sistemático, fundamentado
em conceitos rigorosos e encadeados logicamente. Cabe, ainda, ressaltar o seu
caráter não dogmático, não absolutizante. Em outras palavras, a Filosofia está sempre
disposta a levantar novas questões, a repensar, a recomeçar.
Nesses tempos em que o neoliberalismo e os neototalitarismos nos ameaçam
com a imposição de um pensamento único e com suas consequências, que já se
apresentam de forma muito concreta e avassaladora, a Filosofia continua sendo um
instrumento imprescindível na busca da liberdade, por meio da compreensão da
realidade e da ação transformadora.

1. Por que a organização das disciplinas por área do conhecimento no currículo representa um
avanço para o Ensino Médio?

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2. De que forma as Ciências Humanas podem superar as ameaças de constituir-se como um co-
nhecimento dogmático?

Agnes Heller – filósofa húngara contemporânea. Publicou, entre outros: A Filosofia Radical e Uma
Teoria da História.

Boris Fausto (1930) – professor do Departamento de Ciências Políticas da USP. Publicou, entre outros:
História do Brasil.

Karl Jaspers (1883-1969) – médico psiquiatra e filósofo existencialista alemão. Lecionou Filosofia em
Heidelberg (afastado pelo governo de Hitler) e em Basel. Publicou: Introdução ao Pensamento Filo-
sófico; A Culpabilidade Alemã; Nietzsche.

Michel Serres (1930) – filósofo francês, membro da academia francesa. Publicou, entre outros: O
Contrato Natural; O Terceiro Instruído; Diálogo Sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo.

Milton Santos (1926) – professor titular de Geografia Humana da USP. Publicou, entre outros: Por
uma Nova Geografia; Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional;
Espaço e Método.

Salete Kozel Teixeira – professora de Geografia da UFPR.

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ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à Filosofia da Ciência. Curitiba: UFPR, 1993.


BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-
culares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: USP, 1995.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1986.
HELLER, Agnes. Uma Teoria da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
IANNI, Octávio. A sociologia numa época do globalismo. In: FERREIRA, Leila da Costa. A Socio-
logia no Horizonte do Século XXI. São Paulo: Bontempo, 1997.
JASPERS, Karl. Introdução ao Pensamento Filosófico. São Paulo: Cultrix, [1976].
RAPPAPORT, Clara Regina (Coord.). Adolescência: abordagem psicanalítica. São Paulo: EPU,
1993.
SARAMAGO, José. Todos os Nomes. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
SERRES, Michel. Atlas. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. (Coleção Epistemologia e Sociedade).
TEIXEIRA, Salete Kozel. Geografia e consciência do espaço. In: SEMINÁRIO CURRÍCULO DO
ENSINO MÉDIO: PERSPECTIVAS DA IMPLANTAÇÃO. Resumos... Faxinal do Céu: SEED/PR,
1998.

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Os recortes da realidade
através de diferentes
caminhos e olhares

A questão metodológica

E
ntendendo a escola como instância de transmissão de conhe-

Gmbl, 1999. Litogravura, p. 153.)


(TASCHEN. Escher M. C. Italy: Benedikt Taschen Verlag
cimento sistematizado a ser compreendido, contextualizado,
analisado, criticado e reelaborado e, também, como espa-
ço de produção e criação de conhecimento, é necessário trazer
para o universo escolar a discussão acerca da ciência, o que ela é,
como se estrutura e se organiza, para que e a quem ela serve.
Para iniciar o estudo da questão metodológica em Ciên-
cias Humanas é imprescindível que se tenha presente o enten-
dimento do significado, da abrangência e da finalidade dessa
área. A palavra método tem origem grega e significa um ca-
minho para se atingir um objetivo, uma meta. A escolha desse
caminho está estreitamente relacionada com a concepção de
ciência do protagonista, na construção do conhecimento. Essa
concepção de ciência pode ser consciente ou não, mas deter-  Outro Mundo II – Maurilis Cornelis Escher
minará os resultados que se procuram a­ lcançar.
Na conceituação da ciência deve se levar em conta três fatores:
a) toda ciência se compõe de um conjunto de hipóteses e teorias resolvidas e a resolver;
b) possui um objeto próprio de investigação que é um determinado setor da realidade recor-
tado para fins de descrição e explicação;
c) possui um método, sem o qual as tarefas acima seriam impraticáveis.
Os métodos têm alcance mais amplo que as técnicas. Técnicas são processos definidos e deli-
mitados que servem para atingir conhecimentos úteis; servem de guias para a prática de modo
geral, podendo servir ainda a propósitos específicos de cada ciência, tais como: mensuração,
usos de instrumentos, modos de agir na coleta de dados, emprego de questionários, levanta-
mentos estatísticos, projeções gráficas etc.
Já os métodos dependem de regras gerais, cujo emprego capacita a avaliar, aceitar ou rejeitar
o conjunto bastante amplo das técnicas. O método, como indica a palavra, é um caminho, um
conjunto de regras e procedimentos comuns a várias ciências, que permite obter explicações,
descrições e compreensão, sendo a compreensão mais adequada para as Ciências Humanas.
Tendo em vista este objetivo, o método poderá ser o da observação e descrição, o da experimen-
tação, o da construção de sistemas formais e modelos explicativos, o de levantamento e teste de
hipóteses, com explicações através de leis e/ou teorias. Todos eles têm caráter dedutivo, indutivo
ou ambos. Do emprego de um ou mais desses métodos resultam conhecimentos acerca de um
determinado recorte da realidade, suscetíveis de algum tipo de validação, seja o simples teste
empírico seja o confronto crítico de hipóteses e teorias. (ARAÚJO, 1993, p. 15)
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As diferenças metodológicas que emergem da organização e constituição das


diversas ciências também se apresentam no âmbito da escola, promovendo, em vir-
tude da quase inexistência de reflexão, a cristalização de abordagens, muitas vezes
preconceituosas, das disciplinas que compõem as áreas do currículo. Por exemplo,
o viés neopositivista e o pragmatismo social conferiram às disciplinas da área de
Ciências Naturais um status de notoriedade científica a priori, bem como promove-
ram sua independência das demais ciências, tornando secundário o diálogo entre as
diversas disciplinas. E, se por um lado essa condição simplifica o trabalho dentro de
uma metodologia, por outro, traz como problemas o excesso de rigidez, a fragmen-
tação e a descontextualização. Já na área das chamadas Ciências Humanas, a rigidez
metodológica não se apresenta com a mesma intensidade, e ainda, pode-se afirmar
que existe uma maior facilidade para o trabalho contextualizado, porém, observa-se
também um distanciamento do seu caráter científico culminando em desvios como
o factualismo – se perder na superficialidade dos fatos, deixando de investigar suas
origens, sua essência, suas consequências, enfim, banalizando seu objeto de estudo
e pesquisa.
A discussão metodológica na escola pode representar a possibilidade de su-
peração de dificuldades no processo de ensino-aprendizagem. Cabe à escola criar
estratégias fundamentadas na sua experiência, nos seus objetivos, no conhecimento
da sua realidade – comunidade, alunos e professores e no conhecimento acadêmico
produzido –, que venham a oferecer as alternativas necessárias à ação educacional.
Trata-se aqui de lançar mão dos diversos recursos, muitos dos quais disponíveis à
maioria das escolas; porém, a escolha dos recursos não pode se dar de forma ale-
atória e irrefletida, como se a simples utilização de práticas alternativas pudessem
representar a garantia de qualidade de ­ensino.
Diante da velocidade de informação e comunicação presentes no mundo moderno, cabe à
escola repensar o seu papel de formação do cidadão. As constantes mudanças que se apre-
sentam como decorrências de avanços científicos e tecnológicos colocam para a escola o
desafio de assegurar ao aluno/cidadão a possibilidade de acesso e produção no mundo do
conhecimento.
Nessa perspectiva, temos constatado que as “velhas” metodologias de trabalho utilizadas no
espaço educacional, calcadas nos princípios da assimilação e reprodução do conhecimento,
bem como a apresentação de saberes e verdades incontestes, têm se mostrado superadas e
ineficientes.
Acreditamos que possibilitar ao aluno a produção do conhecimento, ensiná-lo a buscar e
investigar o objeto do conhecimento, prepará-lo para a análise, reflexão e a crítica aos sabe-
res estabelecidos e às informações circundantes, constituem-se como princípios essenciais à
prática educacional.
Como ensinar o aluno a pensar, olhar o mundo, buscar informações, analisar ideias, refletir
os fatos e acontecimentos, expressar opiniões, argumentar e convencer, buscar alternativas,
propor soluções, inovar, criar...?
Embora a escola não tenha respostas prontas e acabadas para essas questões, acreditamos que
é seu papel propor alternativas, apresentar métodos e instrumentos e oferecer condições para
um melhor aprendizado. (MELO, 1998, p. 2).

Delimitar o objeto de estudo, definir o tempo necessário e possível para desen-


volvê-lo em sala de aula e escolher metodologias e recursos, são ações pertinentes ao

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planejamento e essenciais no processo de ensino-e-aprendizagem. Na área de Ciên-


cias Humanas são inúmeras as opções metodológicas, das quais foram selecionadas
algumas que podem dar uma amostra das possibilidades para a consecução da pro-
posta. Tais recursos não precisam ser utilizados separadamente e a sua combinação
poderá originar trabalhos inovadores e criativos. Algumas sugestões aqui apresen-
tadas são fruto de reflexões e experiências desenvolvidas no Colégio Estadual Paulo
Leminski, em Curitiba (PR).

Escolha do texto
O texto ocupa lugar central no desenvolvimento do trabalho nessa área, sejam
os textos acadêmicos que compõem uma base de sustentação teórica ou aqueles que
viabilizam a articulação com a realidade – o texto jornalístico, o texto de dados es-
tatísticos, o texto literário, poético ou ficcional, entre outros. Escolher o texto mais
apropriado para se alcançar os melhores resultados de aprendizagem não é uma tare-
fa fácil, embora seja tratada como tal em muitas situações.
Um texto é um meio codificado, formado por signos linguísticos, pelo qual duas consciências
se comunicam, uma passando sua mensagem para a outra. O texto é o código que cifra uma
mensagem.
Quando alguém escreve um texto, está se colocando como emissor que pretende transmitir
uma mensagem para o receptor. A mensagem é pensada pelo autor, codificada através de
signos e transmitida ao leitor. Portanto, ao redigir, o autor (emissor) procede à codificação de
sua mensagem; o leitor (receptor), ao ler o texto, procede à decodificação da mensagem do
autor, para então pensá-la, assimilá-la e personalizá-la, compreendendo-a. Assim se completa
a comunicação.
Na prática da comunicação, porém, o homem sofre, em todas as fases do processo, uma série
de interferências subjetivas e culturais que põem em risco a objetividade de comunicação: daí
se fazerem necessárias certas precauções, certos cuidados para se descontar essas alterações.
(SEVERINO, 1991, p. 33)

Faz-se necessário definir alguns critérios para a escolha de um texto como


recurso de aprendizagem, sejam eles:
a problematização do conteúdo;
a linguagem acessível à faixa etária do aluno e ao nível de escolarização,
sem negligenciar a profundidade do conteúdo;
a fundamentação teórica de qualidade, pertinente e objetiva;
a capacidade de despertar o interesse do aluno para o conteúdo;
a extensão do texto compatível com o tempo planejado para a realização do
trabalho;
a atualidade e confiabilidade dos dados e informações.
A escolha do texto deve estar articulada à definição de sua utilização em sala
de aula, podendo se caracterizar como complemento de uma aula expositiva; como
elemento de provocação para um debate; como sedimentação de um conteúdo; como
fonte para elaborações pessoais dos alunos, entre outras.

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Resenhas
A elaboração de resenhas aparece junto com a leitura e compreensão de textos
como um dos principais recursos metodológicos para o desenvolvimento de uma
postura crítica do aluno em relação aos temas abordados nas várias disciplinas.
O principal objetivo da resenha crítica é elaborar comentários sobre um texto.
Pressupõe uma leitura rigorosa do texto e deve conter:
informações gerais sobre o texto;
comentários sobre a ideia central do texto;
comentários pessoais e críticas.
Inicialmente, deve se identificar autor, título, data da publicação. Num segundo
momento, faz-se um breve comentário para que se possa compreender os objetivos do
texto e sua ideia central. A seguir, deve-se sintetizar cada parte do plano de assunto
(no caso de livros, cada capítulo) na mesma sequência lógica em que se apresenta, num
esforço pessoal de reflexão sobre os elementos fornecidos pela análise do texto.
Quanto aos comentários pessoais, analisar a importância do texto, comentar
sua influência dentro da área a que pertence e as consequências mais significativas
de sua publicação – análise crítica.
É fundamental que o aluno estabeleça um “diálogo” com o autor, identificando
os pressupostos teóricos que orientam o texto, assim como os argumentos que o autor
teceu em torno da sua ideia central.
Uma resenha deve ser clara e sintética.
Apresentação gráfica da resenha (MELO, 1998, p. 7):
Folha de rosto.
Desenvolvimento.
Referência bibliográfica.

Aula expositiva/dialogada
Jairo Marçal, 1995.

Ensinar é um exercício de imortalidade. De


alguma forma continuamos a viver naqueles
cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela ma-
gia na nossa palavra. O professor, assim, não
morre jamais.
Rubens Alves

Quando se fala em alternativas


metodológicas existe uma forte ten-
dência por parte de muitos educadores
de enquadrarem a aula expositiva den-
tro de uma perspectiva conservadora e
“tradicionalista”. Entretanto, a natureza
Aula expositiva. da exposição não traz em si as caracte-

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rísticas a ela atribuídas, tais como monotonia, chatice, autoritarismo, distanciamento


etc. Essas dificuldades se originam, na maioria das vezes, na falta de domínio de
conteúdo, na falta de planejamento, na má utilização do tempo, na ausência de espaço
para a interação com o aluno, no dogmatismo presente no discurso do professor, bem
como na falta de um cuidado estético, criativo e imaginativo. A superação desses
problemas está estreitamente vinculada ao compromisso ético e político do professor
com a educação e no investimento institucional a ele destinado.
O termo “dialogada” traduz a defesa do espaço de manifestação e efetiva par-
ticipação do aluno no transcorrer das aulas, contribuindo com suas experiências,
indagações, inquietações, percepções, tornando o processo de aprendizagem mais
original, criativo e contextualizado.

Seminários
Trata-se de uma metodologia muito utilizada em cursos universitários e que vem sendo cres-
centemente aplicada no Ensino Médio. Seu objetivo é o estudo profundo de um tema ou texto,
sob orientação do professor, pondo em comum dificuldades teóricas, esclarecimentos e con-
clusões obtidas, submetendo, portanto, o trabalho individual à critica do grupo.
Procedimento:
Fixa-se um texto ou estabelece-se um tema para ser trabalhado em seminário, e este é atri-
buído a um indivíduo, ou a um grupo que, orientado pelo professor, vai aprofundar-se em
pesquisas (bibliográfica, de campo etc.) e na problematização do texto/tema. Pode-se fixar
vários textos/temas para vários grupos ou indivíduos.
Para facilitar aos participantes o acompanhamento da apresentação dos resultados, o apre-
sentador deve elaborar um texto-roteiro que pode conter, além de informações sobre o texto/
tema, algumas informações complementares e bibliográficas, bem como um roteiro de dis-
cussões.
A função do apresentador é, primeiramente, expor as principais ideias do texto/tema. Em
seguida, trata-se de criticar e problematizar as teses contidas no texto/tema, abrindo a palavra
para as considerações dos colegas e do professor.
A principal função do professor é anterior à apresentação: delimitar os textos/temas, orientar
o apresentador na problematização e na elaboração do texto-roteiro. Na apresentação propria-
mente dita, o professor intervirá como um dos participantes.
A importância do uso dessa técnica está na sua capacidade de envolver todos os participantes
da discussão. Isso implica, de um lado, que todos devem estudar os textos antecipadamente,
por outro lado, que o número total de participantes não deve ser elevado, para que seja possí-
vel a participação de todos.
Queremos destacar como essencial na organização de seminários a definição prévia de um
cronograma de apresentação. Outro fator importante a ser considerado é a duração das apre-
sentações, pois quando estas se alongam, tornam-se cansativas e contraproducentes. (MELO,
1998, p. 8)

Palestras/minicursos
A utilização de palestras ou minicursos como recurso metodológico possibilita
abordagens diferenciadas do conteúdo, sua complementação e seu aprofundamento.
Na sua organização deve estar prevista a orientação prévia do tema pelo professor e/
ou posteriormente o seu resgate por meio da discussão. Como critério preferencial
para a escolha do palestrante deve-se considerar o fato de que o mesmo seja um es-
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tudioso do tema proposto. Uma alternativa interessante e possível nessa organização


é oferecer as palestras/minicursos por meio do estágio de acadêmicos, que podem,
assim, apresentar publicamente suas monografias de encerramento de curso.
Para garantir melhor aproveitamento durante essa atividade sugere-se prever mo-
mentos para questionamentos e discussões como forma de interação entre alunos e
palestrante e de exercício da expressão em público. Para finalizar, sugere-se também a
produção de relatório, que além de estabelecer um compromisso do aluno com o even-
to, também poderá ser incorporado ao processo de avaliação.

Jairo Marçal, 1995.


Palestra sendo ministrada para professores.

Trabalho de pesquisa
O trabalho de pesquisa escolar constitui-se em importante forma de aprendizagem, pois pres-
supõe busca, descoberta, planejamento, desenvolvendo no aluno o espírito investigativo, o
que possibilita o estudo independente (autodidatismo).
No entanto, essa importância tem sido subestimada no momento em que aceitamos como
trabalhos escolares meras reproduções. Não poucas vezes, trabalhos escolares são solicitados
para “completar”, “ajudar” na nota do aluno que não alcançou a média.
Consideramos premente a tarefa de propor alternativas para encaminhamento dessa ativida-
de, resgatando seu caráter de iniciação científica. Cabe à escola oferecer ao aluno a possibili-
dade da “descoberta” do conhecimento, da análise de dados e ideias, da elaboração de teses,
da apresentação de conclusões, e não somente copiar e repetir. Não podemos adiar essa tarefa
para um remoto e quase inacessível Ensino Superior. O desenvolvimento do pensamento
autônomo e da criatividade tornam-se necessidades urgentes considerando-se as poucas pers-
pectivas de trabalho hoje oferecidas.
Este documento pretende dar inicio à discussão sobre esse assunto apontando alguns cami-
nhos referentes às normas técnicas de elaboração de trabalhos escolares.
Ao contrário do que parece, a normatização, ao invés de complicar ou burocratizar a ativi-
dade de pesquisa escolar, consegue justamente auxiliar o aluno na organização das ideias.
A sistematização evita o trabalho aleatório, sem reflexão. A proposição de forma planejada
de métodos e objetivos que se deseja alcançar leva a resultados mais satisfatórios. Depois de
assimiladas, as regras tornam-se mais um instrumento a serviço do aluno.

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Por sua vez, os professores dispondo de critérios comuns para solicitação e apresentação de tra-
balhos escolares terão maior segurança ao realizarem sua avaliação. Acrescente-se a isso o fato
de que um trabalho esteticamente bem feito facilita a leitura e a correção. (MELO, 1998, p. 3)

Para um melhor desenvolvimento do trabalho de pesquisa, a biblioteca deve


configurar-se como um espaço essencial, principalmente se dispuser de um acervo
diversificado, atualizado e organizado de forma a possibilitar o acesso aos alunos. A
ideia de biblioteca deve ir além de um lugar em que se disponibilizam livros, sendo
importante sua concepção nos moldes de um centro de documentação, que torne
acessível, além de livros, também jornais, revistas, textos, vídeos, discos, jogos inte-
lectivos e outros. Outro recurso que pode ser incorporado ao centro de documenta-
ção é a pesquisa através da internet. Embora para a maioria das escolas públicas esse
recurso ainda esteja muito distante, ele pode oferecer ao aluno uma grande variedade
de informações, porém, deve-se estar atento à qualidade do material pesquisado,
bem como ao rigor metodológico da pesquisa.

Relatórios
Relatório é a exposição escrita na qual se descrevem fatos verificados median-
te pesquisas ou se historia a execução de serviços ou de experiências. É geralmente
acompanhado de documentos demonstrativos, tais como tabelas, gráficos, estatísti-
cas e outros. (UFPR, 1992, p. 1)
No Ensino Médio, a solicitação de relatórios é uma prática utilizada pelos pro-
fessores para o caso da realização de visitas, exposições, palestras, aulas de campo,
filmes e outros.
Na elaboração de um relatório devem constar itens específicos considerando
cada modalidade (MELO, 1998, p. 6):
Visita/exposição – identificação do local e data, tema da atividade, descri-
ção geral do local da visita ou exposição, relato das atividades realizadas e
conclusão do aproveitamento da visita ou exposição.
Palestra – nome do palestrante, tema da palestra, registro do desenvolvi-
mento do tema pelo palestrante, relato das intervenções e debates e conclu-
são do aproveitamento da palestra.
Aula de campo – identificação do local e data, tema da aula, relato do desen-
volvimento da aula e conclusão do aproveitamento da atividade.
Filme – ficha técnica (nome do filme, país onde foi produzido, ano da pro-
dução, nome do diretor, principais atores); sinopse (breve relato do filme);
articulação do filme com o tema proposto; apreciação crítica.
Outros – deve ser organizado de forma a atender os objetivos da atividade.
Apresentação gráfica do relatório.
Folha de rosto.
Desenvolvimento/conclusão.
Anexos.

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O recurso da fotografia, música,


cinema, pintura, entre outros
A área de Ciências Humanas se carac-

Jairo Marçal, 1996.


teriza basicamente pela produção intelectual,
mas também pode possibilitar a inserção no
universo da sensibilidade, representado pela
produção artística. Nesse sentido, a vincula-
ção entre razão e sensibilidade representará
um salto qualitativo no processo de aprendi-
zagem. Embora a produção dessa área seja
basicamente intelectual, os seus objetos de
estudo não o são exclusivamente, portanto,
se a escola tem como finalidade a contextu-
A poesia. alização dessa produção, poderá encontrar na
pintura, na música, no cinema, na fotografia,

Jairo Marçal, 1997.


caminhos a serem explorados. O prazer estéti-
co proporcionado pela arte por meio das ima-
gens e sons, além de contribuir com a diver-
sificação das estratégias de ensino, estimula a
percepção, facilita a contextualização, libera
a criatividade e a imaginação, apresenta situ-
ações concretas para o exercício da análise e
reflexão e favorece a elaboração mais subjeti-
va e singular.
A sociedade moderna está cada vez
Artista plástico: Júlio Cézar Ferreira Dias – O desenho. mais permeada pelos estímulos e apelos vi-
suais. O mundo das imagens prescinde da
mediatização do pensamento e acaba por potencializar
(KRAJCBERG, Frans. A revolta. Curitiba.
Prefeitura Municipal/Fundação Cultural, 1995.)

o processo de comunicação com enorme velocidade


veiculando, muitas vezes, informações subliminares,
distorções e mensagens reificadas. A decodificação
dos signos e símbolos presentes nos espaços concretos
e virtuais da existência humana só se torna possível
a partir de um conhecimento pleno que incorpore as
dimensões intelectuais e sensíveis. A partir dessas con-
siderações é importante estabelecer uma diferenciação
entre o ver e o olhar.
O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição e passivi-
dade ou, ao menos, alguma reserva. Nele um olho dócil, quase
desatento, parece deslizar sobre as coisas; e as espelha e registra,
reflete e grava. Diríamos que aí o olho se turva e se embaça, con-
centrando sua vida na película lustrosa da superfície para fazer-
-lhe espelho [...] Como se renunciasse à sua própria espessura e
profundidade para reduzir-se a esta membrana sensível em que o
mundo imprimiu seus relevos. Com o olhar é diferente. Ele reme-
Transformar raízes e restos de queimadas em esculturas – te, de imediato, à atividade e às virtudes do sujeito, e atesta a cada
a arte de Frans Krajcberg.
passo nesta ação a espessura de sua interioridade. Ele perscruta e
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investiga, indaga a partir e para além do visto, e parece originar-se sempre da necessidade de
“ver de novo” (ou ver o novo), como intento de “olhar bem”. Por isso é sempre direcionado e
atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor.
[...] Por isso o olhar não acumula e não abarca, mas

(TASCHEN. Escher M. C. Italy: Benedikt Taschen Verlag


Gmbl, 1999. Litogravura.)
procura; não deriva sobre uma superfície plana, mas
escava, fixa e fura, mirando as frestas desse mundo
instável e deslizante que instiga e provoca a cada ins-
tante sua empresa de inspeção e interrogação.[...] O
olhar pensa; é visão feita interrogação. (UFPR, 1993)

Cabe ainda, como contribuição à discus-


são acerca desses recursos, resgatar o concei-
to de representação. As imagens, sejam elas
as fotografias, as pinturas, os filmes, podem
permitir diversas interpretações, por exemplo,
os conhecidos quadros do Grito do Ipiranga e
da Primeira Missa são apresentados em mui-
tas aulas de História como reproduções fide-
G. A. Escher (1935) – Martinus Cournelius
Escher. dignas da realidade; entretanto, os mesmos

foram produzidos sob encomenda com o objetivo

(História Ilustrada da Filosofia, 1998.)


da construção ideologizada do imaginário social
brasileiro. As imagens em si, por mais fortes ou
significativas que sejam, não têm, a priori, vincu-
lações com qualquer reflexão ética, política ou es-
tética, necessitam ser investidas de sentido, resul-
tado de um complexo processo de conhecimento.
A utilização desses recursos na escola exi-
ge uma atenção especial quanto a sua operacio-
nalização. A falta de planejamento, muitas vezes,
afasta as atividades que envolvem esses recursos
da sua verdadeira finalidade, diluindo sua impor-
tância, provocando distorções de interpretações,
frustrando as expectativas, na medida em que o
meio se transforma no próprio fim. Esses recursos
devem vir investidos de um direcionamento pe-
dagógico, por meio de roteiros de observação que
leve em conta o aprofundamento teórico, a articu-
lação com a realidade, a análise crítica, o debate,
sem cercear a liberdade de pensamento do aluno.

Clube de ciências
O clube de ciências é apresentado neste trabalho com uma perspectiva de superação de uma
tradição de exclusividade da área de Ciências da Natureza. Trata-se de um espaço que favorece a in-
vestigação científica numa abordagem ampla e interdisciplinar, possibilitando a interação entre áreas
que utilizam estratégias diferenciadas de leitura da realidade. As atividades desenvolvidas num Clube
de Ciências oportunizam ao aluno uma visão de mundo não fragmentada.
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O Clube de Ciências possibilitará a iniciação do aluno à investigação científica, entendendo


que o conhecimento científico pode promover a descrição e a interpretação de uma dada rea-
lidade, considerando seus múltiplos aspectos, desenvolvendo assim, no “aluno investigador”,
uma ação mais crítica e consciente.
Salientamos a importância de considerar o caráter descritivo, presente no conhecimento cien-
tífico, uma vez que ele delimita o objeto a ser pesquisado, utiliza método específico, elabora
hipóteses e demonstra resultados. Contudo, devemos assegurar que nas ações desenvolvidas
no clube esteja presente também o reconhecimento do caráter fragmentário existente nas
Ciências Naturais, bem como seus limites e possibilidades. Acreditamos que a busca da su-
peração dessa fragmentação se dará através da articulação dos diversos campos das Ciências
Naturais e destes com as Ciências Humanas.
Em sua fase de implantação essa proposta terá como temática as questões ambientais, dada
sua característica de atualidade e interferência na sociedade e na vida do indivíduo, entre as
quais podemos citar: o lixo e sua reciclagem; as várias formas de poluição; a importância das
águas; o aquecimento da Terra; o impacto do crescimento urbano desordenado; as epidemias
de demais problemas sanitários e outros. (CARVALHO, 1997, p. 25)

1. Considerando a estigmatização do planejamento como cerceador da criatividade presente no


imaginário de muitos educadores, levando muitas vezes a uma prática espontaneísta, escreva
sobre o papel do planejamento na utilização dos recursos metodológicos.

2. A partir da definição de um conteúdo (da sua disciplina), escolha um dos recursos apresentados
e elabore um plano de aula.

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ALVES, Rubem. A Alegria de Ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1994.


ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à Filosofia da Ciência. Curitiba: UFPR, 1993.
CARDOSO, Sérgio. O olhar viajante. In: NOVAES, Adauto. et al. O Olhar. São Paulo: Cia. das Le-
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CARVALHO, Agnes Cordeiro de. et al. Projetos Especiais: Colégio Estadual Paulo Leminski. Curi-
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MELO, Aldemara Pereira de. et al. Normas Gerais para Apresentação de Trabalhos Escolares.
Curitiba: Colégio Estadual Paulo Leminski, 1998.
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UFPR. Biblioteca Central. Normas para Apresentação de Trabalhos, 2. ed. v. 3, Curitiba: Ed. da
UFPR: Governo do Estado do Paraná, 1992.

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LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Fundação
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MARÇAL, Jairo. Pós-Modernismo: a agonia da moderna cultura ocidental. Curitiba, 1989. Mono-
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SEVERINO, Antônio Joaquim. Métodos de Estudo para o 2.º Grau. 4. ed. São Paulo: Cortez,
1991.
UFPR. Biblioteca Central. Normas para Apresentação de Trabalhos. v. 3. 2. ed. Curitiba: Editora
da UFPR, 1992.

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Avaliação – processo
dialético de superação
Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (9.394/96)
CAPÍTULO II
Da Educação Básica
SEÇÃO I
Das Disposições Gerais
Art. 24. A Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, será organi-
zada de acordo com as seguintes regras comuns:
[...]
V - verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com preva-
lência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao
longo do período sobre os de eventuais provas finais;
b) Possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
c) Possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do
aprendizado;
d) Aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) Obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao
período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar a serem discipli-
nados pelas instituições de ensino em seus regimentos.
SEÇÃO IV
Do Ensino Médio
Art. 36. O currículo de Ensino Médio observará o disposto na Seção I deste
Capítulo e as seguintes diretrizes:
[...]
II - Adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a inicia-
tiva dos estudantes.
Parágrafo Primeiro – Os conteúdos, as metodologias e as formas de ava-
liação serão organizadas de tal forma que ao final do Ensino Médio o edu-
cando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produ-
ção moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Resolução CEB
23, 26/06/98.
Art 3.º Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prá-
tica administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as
formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação
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Avaliação – processo dialético de superação

e implementação da política educacional, os critérios de alocação de recur-


sos, a organização do currículo e das situações de ensino-aprendizagem e os
procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com princípios estéticos,
políticos e éticos, abrangendo:
[...]
Art. 7.º Na observância da Identidade, Diversidade e Autonomia, os
sistemas de ensino e as escolas, na busca da melhor adequação possível
às necessidades dos alunos e do meio social:
[...]
III - instituirão sistemas de avaliação e/ou utilizarão os sistemas de avalia-
ção operados pelo Ministério da Educação e do Desporto, a fim de acompa-
nhar os resultados da diversificação, tendo como referência as competên-
cias básicas a serem alcançadas, a legislação do ensino, estas diretrizes e
as propostas pedagógicas das escolas.

É surpreendente o fato de que, embora hoje o país possua instituído um sis-


tema de avaliação, organizado externamente às Unidades Educacionais – Enem–,
estruturado e desenvolvido a partir das competências propostas para o Ensino Mé-
dio, não se encontre, na apresentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, igual
correspondência, no que se refere ao processo avaliativo que permeia toda a ação
educacional. Registra-se aqui, que em toda a discussão oficial sobre o novos ru-
mos dessa etapa final da Educação Básica, pouco ou quase nada foi dito sobre a
avaliação contínua, cumulativa, qualitativa e processual a ser realizada com os
alunos visando acompanhar o seu rendimento escolar. Ao se garimpar os PCN
à procura de alternativas que ofereçam aos professores, no encaminhamento da
avaliação, o mesmo caráter instigante, inovador e provocador (no seu melhor sen-
tido), oferecido ao se apresentar os princípios filosóficos norteadores da proposta,
bem como a sua organização curricular, o que se encontra está limitado apenas às
Bases Legais (ver quadro anterior). Ainda assim, essas Bases Legais se restringem
a um direcionamento visando ao controle externo sobre as instituições de ensino e
as abordagens generalistas – “avaliação que estimule a iniciativa dos estudantes”,
pouco aprofundadas – “procedimentos de avaliação coerentes com princípios esté-
ticos, políticos e éticos” e, particularistas – “formas de avaliação organizadas de tal
forma que ao final do Ensino Médio o educando demonstre: domínio dos conheci-
mentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania”.
Uma proposta que se estruture de forma a oferecer ao aluno do Ensino Médio
uma nova modalidade de curso inspirado em princípios da Ética, da Política e da Es-
tética, baseado na Autonomia, na Identidade e na Diversidade, organizado por áreas
do conhecimento, de forma interdisciplinar e tendo a discussão acerca do trabalho e
da cidadania como eixos de contextualização, deve também oferecer, ao processo de
avaliação, contribuições que visem ao seu aprimoramento.
Existe no ato de avaliar duas questões iniciais, em meio a muitas outras, a se-
rem formuladas: quais os critérios a serem definidos para se chegar a um resultado,

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Avaliação – processo dialético de superação

quantitativo (uma nota) ou qualitativo (um conceito), que demonstrem o rendimento


do aluno? E, em se chegando a esse resultado, representado por uma nota ou um con-
ceito, que não atenda às expectativas do ensino, que procedimentos serão necessários
adotar para a superação desse resultado, seja pelo professor ou pelo aluno? Coloca-se
nessa segunda questão, como aspectos a serem considerados, o tempo escolar e os
conteúdos propostos para o ano letivo.
Ao se refletir sobre a primeira questão, que envolve a definição de critérios, é
necessário também colocar sob análise a subjetividade implícita, o julgamento mo-
ral, o fator ideológico presente na área de Ciências Humanas, que interferem desde a
abordagem do conteúdo mas, sobretudo, no momento da avaliação. Refletir acerca da
clareza necessária ao professor para “cobrar” no processo de avaliação apenas o con-
teúdo dado, a capacidade de argumentação e de análise crítica, e não exigir do aluno
afinidade ideológica ou doutrinária, não impor valores morais, não julgar atitudes e
posições, nem confundi-las com apreensão do conteúdo proposto.
Pensar o processo de avaliação como um momento de superação dialética implica
também pensar na organização escolar. A alternativa legalmente instituída de recupera-
ção paralela não encontra na prática o terreno adequado para o seu desenvolvimento. Os
princípios básicos implícitos nessa forma de recuperação, sejam eles um tempo paralelo
e uma forma diferenciada de trabalhar os conteúdos não aprendidos, exigem uma escola
organizada com contraturno e professores com a capacitação necessária para o desenvol-
vimento de trabalhos alternativos. Via de regra, as escolas públicas não contam com esse
investimento no professor, bem como, as políticas educacionais não priorizam qualquer ati-
vidade paralela. Na maioria das vezes, até mesmo aqueles professores que possuem clareza
e compromisso com o ensino acabam por se desviar, face à falta de condições de trabalho e
de tempo, para formas de avaliação conservadoras e apressadas. Por outro lado, as escolas
particulares, que possuem um investimento maior no tempo escolar e nos recursos mate-
riais e humanos, pulverizam tais benefícios com um número excessivo de alunos em sala de
aula, que impossibilitam uma avaliação mais individualizada e diagnóstica.
A avaliação não deve ser considerada um fim em si mesma e sim um elemento
integrador entre o ensino e a aprendizagem, visando oportunizar ao aluno a superação de
suas dificuldades, perceber seus avanços e possibilidades e ao professor a reflexão contí-
nua sobre sua prática educativa. Os instrumentos de avaliação devem ser criteriosamente
pensados e elaborados. É preciso que os critérios adotados sejam claros para o professor
e para o aluno, definindo-se o que será avaliado e como será a­ valiado.

Alternativas de avaliação na área


de Ciências Humanas
No processo de avaliação é aconselhável a utilização de diferentes instrumen-
tos. A prova discursiva com ou sem consulta, quando utilizada, deve conter questões
reflexivas, por meio das quais o aluno demonstre articulação de ideias, capacidade
de análise comparativa, de problematização e resolução de problemas, bem como,
capacidade de síntese. Questões que privilegiem a compreensão consciente do que
foi estudado e não a mera assimilação mecânica dos conteúdos.
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Avaliação – processo dialético de superação

Com relação à produção de textos, seja na realização de resenhas, comentários


críticos ou provas discursivas, é necessário definir claramente os critérios a serem
considerados, podendo-se inclusive elaborar uma “grade de correção” que contem-
ple os aspectos essenciais do conteúdo proposto, evitando, assim, dispersão, desvios
subjetivos e a aceitação desapercebida de possíveis sofismas, por parte do professor.
Quando a produção de texto resulta de um trabalho de pesquisa realizado em equipe,
sugere-se que o professor solicite conclusões individualizadas.
Questões de múltipla escolha podem, eventualmente, ser utilizadas na área de
Ciências Humanas, desde que o conteúdo permita e que as questões sejam elaboradas
de forma a valorizar o raciocínio e a capacidade de análise do aluno.
A avaliação oral pode ocorrer por meio de questões individuais, de questões
a pequenos grupos, de entrevistas, ou, ainda, por meio de seminários, debates ou
apresentação de trabalhos de pesquisa. No desenvolvimento da oralidade, o aluno ad-
quire mais confiança em si mesmo, além de aprender a respeitar a opinião dos outros
e a compreender as diferenças. Da mesma forma que nos demais instrumentos de
avaliação, nessa modalidade os critérios de capacidade de argumentação, clareza de
ideias, capacidade de articulação e contextualização temática, e integração no grupo
(quando for o caso), precisam ser previamente esclarecidos aos alunos e os resultados
devidamente registrados.

Comente os limites e possibilidades para a realização de uma avaliação processual, qualitativa


e contínua que busque a superação dialética dos problemas de aprendizagem.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curri-


culares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.

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Fundamentos Gerais da
Fundamentos
Educação Gerais da

Fu ndament o s G e r ai s da Educação
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-3722-3
Educação
Elizabete dos Santos
Agnes Cordeiro de Carvalho
Aldemara Pereira de Melo
Elisabeth Sanfelice
Jairo Marçal

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