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Capítulo III
Geografia da ájjsência
espaço pode ser entendido em sentido translato, abarcando tanto as atmosferas sociais
(espaço social) como as psicolÓgicas (espaço psicológico)j
Rushdie, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Martin Heidegger e Maurice
Merleau-Ponty, entre outros, em seu livro Place and Experience: A Philosophical
' Aqui, privilegia-se o espaço físico, mas também se analisa o espaço social, que. sem o teor estático do
espaço físico, configura-se sobretudo em função da presença de tipos e figurantes (trata-se, assim, de
descrever ambientes que ilustrem, quase sempre num contexto periodológico de intenção critica, vícios e
deformações da sociedade).
' MALPAS, J. Place and Experience.' A Philosophical Topography. Cambridge: Cambridge University
Press, 1999, p. 8.
'lbid., p. 10.
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povos expulsos de seu torrão natal: faz parte de um esforço para adquirir uma visão
unificada do eu, do mundo e da experiência coletiva.
A luta por um espaço refèrencial se Mete nos textos, incluindo os literários,
cujos autores exprimem não apenas as características políticas ou históricas da pátria
como também as emocionais e as estéticas, que são essenciais para a experiência de
uma ordem espacial. Uma vez que os textos literários são uma representação da
realidade, eles constituem um meio de definir a relação com o espaço; servem de elo
entre os autores e os Jugares onde eles vivem ou viveram ou imaginam que outros
vivam ou viveram.
' BACHELARD, G. A poética do espaço. [tradução de Antonio de Pádua Danesi]. São Paulo: Martins
Fontes, 1989, p. 29.
53
As percepções de espaço estão registradas em narrativas de diversos gêneros.
Malpas destaca o romance como um gênero literário no qual a representação do espaço
possui uma função relevante não só por evocar as memórias ou o lugar dos
acontecimentos mas também por estruturar uma série de pensamentos que reforçam a
recorrem à descrição dos lugares para ilustrar o relacionamento das personagens com o
ambiente onde vivem ou viveramú
à
representações espaciais como um meio de organizar a estrutura narrativa do romance.
O ambiente espacial proporciona uma série de limites - tanto simbólicos quanto reais —
que formam uma parte importante da narrativa. Além disso, provê o escritor de um
.
mecanismo para o acantoamento e a revelação, para a inclusão e a exclusão. Os espaços
podem ocultar ou mostrar pessoas, atividades e objetos, separar povos, uni-los, revelar
segredos etc. Esses dispositivos técnicos vinculados aos espaços propiciam à narrativa
dinamismo e coerência seqüencial, segundo Hamon.
l i 54
representar um sujeito (individual ou coletivo) que vive em harmonia com seu ambiente
e, portanto, suscetível de alimentar as teses sobre o arraigamento e a importância do lar
em francês).
Posteriormente, porém, esses empréstimos aumentaram. As 'novas geografias
culturais se alimentam em diversos autores da filosofia (Michel Foucault, Derrida,
Deleuze e Guattari, Michel de Certeau, para nomear alguns) e naqueles associados ao
diro pós-estruturalismo (literário) francês de Roland Barthes e Tzvetan Todorov. Na
realidade, as fronteiras disciplinares se tomaram difusas, senão obsoletas, pelo
Esta relação se revela especial - nos dois sentidos (a apropriação literária pela
análise geográfica e a apropriação geográfica pela análise literária) - no caso palestino.
A geografia é uma questão lancinante que se coloca para a cultura palestina desde pelo
elaborar essa geografia da ausência para que uma outra presença aconteça, a presença
literária-
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O critico literário 'Abd-Assamd Zayd afirma que uma das bases do romance
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! ' Ver DIJGAS, R. & DESLAURJERS, P. "The culture of mobility in modem American literature" em
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Laboratorio di geografia e letíeratura ll, nT l, [s.l.:s.n.], 1997, pp. 7-30; DESLAURIERS, P. "Very
different Montreals. Pathway through the eity and ethnicity in noveis by authors of different origins" em
í PRESTON, P. & SIMPSON-HOUSLEY, P. (dir.) Writing the Ciiy. Eden, Babv/on and the New
Jerusalém. Londres: Routledge, 1994.
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ahnal1üCl) pelo colonialismo "militar e econômico'". Segundo Zayd, "o homem herda,
com o espaço, toda a história que o envolve"l'"'.
A verdadeira pátria não é aquela que é conhecida ou provada. A terra que surge
como que de uma equação química ou de um instituto teórico não é uma pátria.
Sua necessidade insistente de demonstrar a história das pedras e sua habilidade
de inventar provas não lhe dão uma relação prévia com aquele que sabe
quando vai chover a partir do cheiro das pedras. Essa pedra, para você, é um
esforço intelectual. Para seu dono. ela é o telhado e as paredes.'|
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Para Darwich, o encontro entre as percepções palestina e israelense da pátria está
no centro do que ele descreve como '"um embate entre duas memórias". E a
significância das pedras abre caminho através desse enfirentamento.
Para os sionistas, a arqueologia se tomou um meio de estabelecer um vínculo
entre os judeus contemporâneos e o antigo território tribal para reconstruir a identidade
judaica como uma identidade israelense.
Na visão de Darwich, as pedras abrangem a própria substância da vida palestina,
o telhado e as paredes que formam um laço existencial inexprimível entre o povo e o
lugar. a
A partir de 1987, os "filhos das pedras" (nas palavras do poeta sírio Nizar
Qabbani), uma geração de palestinos que cresceu sob a ocupação, trouxe a luta para um
novo plano com a Intifada, o levante contra a ocupação israelense. As mesmas pedras
cuja história era manipulada pelos israelenses eram reunidas e estocadas como armas de
resistência. 12
A luta acerca das pedras é parte de uma batalha retórica mais ampla sobre o
sentido da terr± do lar e do lugar. De qualquer forma, a paisagem na literatura palestina
não é desprovida de habitantes, como tentavam fazer crer norte-americanos e europeus,
9 ZAYD. A. A/níakán ./írriwãya a/'arabiyva (O espaço no romance árabe). Tunis: Dãr Mubammad 'Ali,
2003, p. 26.
'° lbid., p. 133.
" DARWICH, M. Yawmiyyãt altluzn al'ãdiy (Crônicas da tristeza ordinária). Damasco: Dãr Filasçin,
1969, p. 64.
12 A Intifada derrubou parte da mitologia nacional de Israel, ein especial o rnito de Davi e Golias (sobre
um pequeno povo que teria vencido os "gigantes" árabes pela inteligência e pela tenacidade).
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Como escreveu a filÓsofa francesa Simone Weil (pouco antes de sua morte, em
1943): "O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e menos reconhecida da
alma humana. É uma das mais difíceis de definir. Um ser humano tein uma raiz através
de sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva
vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro".14
Relph e outros estudiosos, como Jay Appleton e Buttimer, afirmam que, muitas
vezes, as oposições binárias são vistas como essenciais à natureza humana e que a
essência do lugar reside na "experiência de um 'interior' que é distinto de um
'exterior'". 19
13 Pretende-se mostrar, neste capitulo, esta interação ativa entre os palestinos e sua terra natal.
" WEIL, S. L'enracinement .' prélude à une déclaration des devoirs envers l'être humain. Paris:
Gallimard, 1949, p. 12.
" RELPH, E. Place and placeness. Londres: Píon Limted, 1976, p. 143.
" Ibid., pp. 29 a 43.
" BUTTIMER, A. & SEAMON, D. (ed.) The Human Experience q/' Space and Place. Nova Iorque: St.
Martin's Press, 1980, p. 76.
i
" RELPH, E. Op. cit., p. 40.
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l' Ibid. ibidem. Ver ainda MEINJG, D. (ed.) The Interpretation o/'Ordinary Landscapes. Nova Iorque e
Oxford: Oxford University Press, 1980.
2" YI-FU TUAN, "Rootedness versus sense of placê" em Landscape 25. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1980, pp. 3-8.
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contraste com a "realidade limpa" encontrada no ordenamento cientifico do mundo,
ajuda a entender os significados efetivos do lugar 21
No poema acima, 'Alluch une a terra ao povo palestino. Durante uma viagem de
Jerusalém a Haifa (na Galiléia), onde encontraria alguns parentes, a narradora percebe
" Ver VI-FU TUAN. "Literature, Experience and Environmental Knowledge" em GOLLEDGE, R. G. &
MOORE, G. T. (cd.) Environmental Knowing.' Theories, Research anal Methods. Minneapolis: University
of Minnesota Press, 1983.
22 HaOlam Haze (semanário israelense), 15 de junho de 1983.
" ALLUCH, I.. Buhãr 'alá a/iurk almaftül| (Temperos na ferida aberta). Damasco: Dãr Filàg"n, 1971, p.
17.
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A maioria dos habitantes árabes foi dispersa por toda a região como refugiados.
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Em "Ab 'ad min alkudüd' (Além das Fronteiras), Kanafani relata a história dessa
dispersão:
Quer saber algo sobre mim? Isso é importante para vOCê? Se for, então conte
nos dedos: Eu tenho uma mãe que morreu debaixo dos destroços de uma casa
que meu pai construiu para ela em Safad. Meu pai mora em outro país e eu não
posso vê-lo nem visitá-lo. Eu também tenho um irmão, senhor, que está tendo
aulas de humilhação nas escolas da agência da ONU para refugiados. Tenho
ainda uma irmã que está casada e mora em outro país e não pode me ver nem
ver meu pai. Ah, tenho mais um irmão, senhor! Mas nós não sabemos onde ele
está... Quer saber qual é meu crime? Você quer realmente saber ou está só
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curioso. senhor? Deixei cair, sem me dar conta, toda a vasilha de leite na
cabeça de um funcionário do Estado e disse a ele que não queria vender a
minha terra. Eu devo ter feito isso em um momehto de loucura ou de lucidez,
não sei muito bem.... Eles me colocaram em uma ceia isolada e profunda para
que eu dissesse que aquilo tudo tinha sido uma loucura da minha parte... Mas,
na cela. eu me convenci de que a minha atitude foi o único momento de lucidez
em toda a minha vida."
Arnold Toynbee comparou a expulsão dos palestinos de sua terra natal com a
dos gregos de Bizâncio pelos otomanos em 1453, conforme afirma o escritor e crítico
palestino Jabra Ibrahim Jabra:
Em 1957, encontrei em Bagdá Arnold Toynbee, que fazia uma viagem pelos
países árabes. O grande pensador, para quem a civilização era a recorrência de
modelos históricos, parecia ter em alta conta o papel dos palestinos (que
encontrou em grande número durante sua turnê) na sociedade árabe. Garantia
g que, onde estivera, encontrara palestinos que ocupavam posições de comando.
Eram os líderes desconhecidos do mundo árabe. Comparava a expulsão deles
com a de pensadores e artistas gregos de Bizâncio pelos turcos em 1453. Esses
"pensadores tinham então se espalhado pela Europa e contribuído de modo
decisivo para o fim dos séculos obscuros e para o início do Renascimento na
Europa. Os palestinos, diz ele, devem ter uma influência seminal idêntica no
mundo árabe. O destino deles era o de gerar uma nova era, anunciar uma nova
civilização. Ele acrescentou um outro paralelo: mais de uma vez no passado, a
Palestina lançara no mundo sementes de mudança radical, notadamente quando
os apóstolos de Cristo, que se tomaram indesejáveis em sua própria terra,
partiram para provocar no estrangeiro, sob a foma do cristianismo, uma das
maiores revoluções da história humana.
Era reconfortante encarar as coisas em tais termos históricos, mas o sentimento
do exílio não era menos lancinante. E a parte maior da produção criativa de
minha geração devia ser considerada sob esse ângulo. Era uma mistura de
saudade e de antecipação, de passado e de futuro.'8
alguns fatos não pµderam ser negados, ao contrário do que se passou nos confírontos de
" KANAFANI, G. Al 'aµár alkiimila. vol. II. Beirute: Mu'asasãt al'abhãt al'arabiyya. 1973, pp. 279-280. r
l
" JABRA. I. J. Qantara, número 23. Paris: IMA, primavera de 1997, p. 43. l
60
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nenhuma preparação para compreender a situação. Lembro que havia apenas
um leve sentimento de urgência ou alarrne diante da chegada de forasteiros
vindos da Europa e pouco se cogitava sobre quais poderiam ser seus planos e
como eles seriam executados,2'
Sabe-se que, em 1948 e 1949, a maioria dos palestinos foi obrigada a deixar sua
terra natal e todo um espaço foi apagado a fim de acolher um outro povo. Ainda hoje
existem cidades habitadas que não são reconhecidas pelo Estado de Israel e que são
riscadas do mapa geográfico. A destruição do espaço, a extinção dos lugares, era feita e
ainda se faz não apenas para apagar os traços da existência de um povo mas também
com o intuito de pôr fim ao sentido que esses lugares tinham para seus próprios
habitantes.
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Para o apagamento da memória coletiva, na opinião de muitos dirigentes
isiaelenses, uma só versão da história podia ser escrita, um só nome (e sentido) de lugar
podia perdurar. Assim, era preciso apropriar-se de uma terra e privar o outro de sua terra
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e de sua história.
A premiê israelense Golda Meir ilustra bem essa tentativa sistèmática e chega a
) Não havia nada que pudesse se chamar de palestino... Não foi como se
houvesse um povo palestino na Palestina que se considerasse como palestino e
l nós tivéssemos jogado eles para fora e se apossado de seu país. Eles não
existiam .31
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) As circunstâncias paniculares do desaparecimento da Palestina — a maioria de
seu povo havia sido forçada a ir para os países árabes vizinhos - forneceram,
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l " SAID, E. Reflexões sobre o exílio. São Paulo: Companhia das Letras. 2003, p. 291.
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"' RELPH, E. Op. cit., p. 143.
" MEIR, G. The Sunday Times, 15 de junho de 1969, p. 12.
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imediatamente após 1948. um terreno fértil para o desenvolvimento das teses israelenses
sobre "a terra sem povo" que esperara, durante dois milênios, o retomo do "povo sem
, terra". De fato, sabe-se que esse mito foi adotado enquanto se tentava isolar uma
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comunidade nacional num território de ausência. A idéia era que, ausentes, os palestinos
l não existiriam.
A tentativa de eliminação sistemática do vínculo de um povo com sua terra e do
aniquilamento de sua memória e de sua cultura marca o desapossamento vivido pelos
palestinos. Essa experiência do lugar ausente, da geografia da ausência, reflete-se na i
l
escritura.
Mesmo que inacessível fisicamente. no entanto, a Palestina se fez (e ainda se L
E no poema Qála alniusã/ír li/níusá/M lan na 'üd kumã... (O viajante disse ao viajante:
Não voltaremos como...), que faz parte da obra Lim@ta tarakta alkiSãn wajiidan (Por
que deixaste o cavalo sozinho?), Darwich escreve:
" DARWICH, M. Palà'stina ais Metapher.' Gesprà'che über Literatur und Po/itik. Heidelberg: Palmyra.
1998, p. 31.
"J 'i -" DARWICH, M Limãda tarakta alhisán wajüdan (Por que deixaste o cavalo sozinho?). Beirute' Riad ei
,, :, t , Rayyes, 1995, p. l 12.
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que é a da busca, da descoberta, e do lugar e do si mesmo no lugar. Para os palestinos,
i as histÓrias se multiplicam de acordo com a multiplicidade das experiências vividas
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' (apesar dos traços do desapossamento e do exílio). Na literatura, lêem-se vários espaços
que contam essa história.
Em Tadiqu biná a/'arçl (A terra nos é estreita), Darwich escreve:
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Antes da Primeira Guerra Mundial, para os palestinos, como para as populações
de outros países árabes, o sentimento de identidade era resultante de potentes pólos
" DARWICH, M. Taçiíqu biná ai 'arçl (A terra nos é estreita). Beirute: Riad ei Rayyes, 2000, p. 187.
" Ver 'ALLUCH, N. Al 'asã.tír wa/waqã 'i' (Mitos e realidades). Amã: Dãr aSSuriíq, 1998; ALKHALILI,
A. Atturãj al/í/astíniv wa//abaqãt (O legado palestino e as classes). Beirute: Dãr at'ãdãb, 1987.
" Na década de 1930, elementos da cultura popular emergiram como símbolos coletivos e nacionais,
como a ku/7íyya, o pano que envolve a cabeça dos camponeses ou dos beduínos (em oposição ao tarbuche
das pessoas da cidàcie) e que se tomaria o símbolo da questão palestina.
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transnacionais, notadamente o árabe e o islâmico, eles próprios imbricados nas
lealdades locais e regionais. Essa combinação de pertenças múltiplas e simultâneas,
particularmente difíceis de apreender para aqueles que pensam a identidade nacional de
maneira anistórica e unidimensional, é ainda mais complexa no caso dos palestinos.
Diferentemente das outras populações árabes, estes não conheceram no inicio do século
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XX uma narrativa nacional "histórica" e oficial, vigorosamente difundida entre várias
gerações pelos Estados-nações. Assim, a evolução do sentimento de identidade, que
poderia ter sido linear para os palestinos, foi bastante perturbada. No caso dos outros
povos árabes, a identidade nacional conheceu um processo continuo de formação,
produto de uma interação entre antigas pertenças e novos pOlos de referência, sem g
provocar questionamentos radicais (com algumas exceções, em especial o Líbano). q
Compreende"se que vários elementos constitutivos dessa identidade já estavam
j presentes antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918): sentimento patriótico,
pertencimentos locais, arabismo, afiliação religiosa, níveis superiores de educação etc.
Sem dúvida, eles já estavam amadurecendo e evoluindo para um sentimento comum à ' :
, população que se percebia como palestina sem que essa qualidade constituísse ainda o
principal pOlo de identificação para a maioria da população árabe na Palestina. Mas, sob
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o efeito das revoltas dramáticas que marcaram o período entre o fim da Primeira Guerra
e o começo do Mandato Britânico (1920-1948), o sentimento de identificação nacional Qé
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das camadas palestinas urbanas, letradas e politicamente conscientes soEeu
transformações maiores que levaram a uma forte e crescente adesão à nacionalidade
palestina, na medida em que os habitantes dessa região se viam como membros de uma q q
mesma comunidade. í
palestina, por falta de documentos relativos ao período crucial dos anos 1910, é possível q
retraçá-la em grandes linhas. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, vários elementos f
constitutivos da identidade dos palestinos dissolveram-se. Primeiro, o otomanismo, q
síntese ideológica transnacional que havia constituído o "cimento" das populações
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locais, desmorona após a retirada dos otomanos das províncias árabes no final de 1918. i
Com o desmembramento do Império Islâmico, os laços religiosos também declinam, o í
que abre caminho para o nacionalismo. A percepção de uma entidade territorial (
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palestina, no entanto, esboçava-se anteriormente (ainda sob o jugo otomano ), na forma,
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por exemplo, da vi/ayet Filastin (Província da Palestina), que inicialmente era
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dependente de Damasco.
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tempo. uma flutuação da terminologia relativa à identidade e uma evolução cada vez
mais afirmativa para a noção de pátria palestina. Assim, as expressões "nação palestina"
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('umma ,lílasjtiniyya), "terra palestina" ( 'arçl jí/astinivva) e "país palestino" (bi/ãcl
l jüasjtiniyya) aparecem desde pelo menos 1914, mas é claramente depois da Primeira
Guerra que a passagem se faz, de forma mais clara, de uma percepção pan-árabe a uma
identificação específica com a Palestina, após um período intermediário durante o qual
Damasco foi percebida como a capital de um 1iituro reino árabe englobando a Palestina
como parte da Síria (bi/ãd aSScini, termo genérico utilizado antes do acordo Sykes-Picot
(1916) que englobava a Síria, o Líbano, a Palestina e a Jordânia atuais).
No caso dos palestinos, como se observa. é preciso falar em identidades
múltiplas. Said reflete, de forma eloqüente, sobre essa identidade múltipla - em seu caso
65
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múltipla não apenas por motivos políticos mas também por razões familiares: o único
garoto entre quatro irmãos. tinha um nome inglês e um sobrenome árabe e era um árabe
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físico de origem. Ainda que ele possa viver nos países mais diversos e que seu estatuto
seja "indefinido", como bem ilustra o poeta Darwich, essa origem é a principal marca
identitária. "Onde nasceu? - Na Palestina. E onde vive? - Em Israel. Logo: estatuto
indefinido", diz Darwich, que define bem essa condição de nação sem território: "Você
é palestino, sabe disso, só que a Palestina não aparece na paisagem do mundo! Quando
quer viajar por este mundo, ei lo obrigatoriamente preso ao seu status cruel"40
A identidade palestina foi (e continua a ser, ainda que de foma mais sutil)
violentamente negada nos Estados Unidos e em Israel. Por isso, os palestinos
empreenderam esforços concentrados para fazer admitir sua identidade — e mesmo para
. . fazer conhecer sua própria existência.
No início do século XX, vários fatores serviram para intensificar o conflito entre
árabes e judeus 'na Palestina. Desde que o chanceler britânico Arthur James Balfour
" Depoimento ao autor. Em sua autobiografim Said relata os efeitos dessa identidade múltipla. Ver SAID,
E. Fora do Lugar. São Paulo: Companhia das Letras. 2004.
" GRUZINSKI, S. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 53.
" 39 ABDALA JUNIOFL B. Fronteiras múltiplas, identidades culturais: um ensaio sobre mestiçagem e
:" ' ' hibridismo cultural. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002, p. 34.
' '", , " DARWICH, M. Yawmiyyát aljjtuzn al'ãdiy (Crônicas da tristeza ordinária), p. 62.
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4,c-ZÁ l'
objetivo"' (Declaração de Balfour), a narrativa histórica palestina tem estado em
desavença com uma outra cronologia e um outro plane.jamento territorial impostos à
tOrça. Datas particulares denotam essa história deslocada: o levante palestino de 1936-
39: a criação do Estado de Israel. em 1948: a guerra de Suez, em 1956: a guerra de
.junho de 1967; a guerra de outubro de 1973; os Acordos de Camp David de 1978-79; a
invasão israelense do Líbano em 1982 e as Intifadas palestinas - a primeira, de 1987 a
1993, e a segunda, iniciada em 2000 e ainda em curso.
De fato, a Declaração de Balfour deu aos sionistas um ponto de apoio firme na
t expectativas
Palestina. Ao mesmo tempo, o fim do Império Otomano aumentou as
árabes por uma iminente independência nacional. O controle fíancês e britânico, depois
da Primeira Guerra Mundial, frustrou as aspirações nacionalistas na maior parte do
Orienw Médio41, mas apenas na Palestina a população foi ameaçada com a
" As fronteiras do Oriento Médio foram impostas sobretudo durante a Primeira Guerra e entre 1920 e
1922. como resultado das negociações entre a Inglaterra, a França e as Comissões de Mandatos
Permanentes da Liga das Nações.
"" KHURY, H. Jug'rã/í.y.yat Fi/as;tin (Geografia da Palestina). Haifa: Annà$ir, 1923.
. 67
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O exílio é definido, no seu sentido mais estreito, como uma migração forçada de
um individuo de seu lar. Em Roma, o exílio era uma categoria legal que acarretava a
perda da cidadania. O exílio voluntário ou o suicídio era algumas vezes a alternativa
para a pena de morte. Na filosofia, essa associação fez com que o exílio fosse visto
como equivalente à morte.16' Num estudo sobre a literatura romana do exílio, Jo-
O exílio é uma condição em que o protagonista não está mais vivendo ou não
pode mais viver na terra em que nasceu. O exílio pode ser tanto voluntário,
uma jornada deliberadamente decidida para um pais estrangeiro, ou
involuntário, meramente o resultado das circunstâncias, tais como uma oferta
de emprego expatriado, com pouco sofrimento para o protagonista. Ele pode,
contudo, ser forçado.'67
O exílio também pode ser definido em termos mais gerais. Exílio, migração,
alienação e estranhamento estão intimamente relacionados. Michael Seidel define um
exilado como "alguém que habita um lugar e lembra ou projeta a realidade de um
outro", tendo, dessa forma, a habilidade de evocar duas realidades simultaneamente.168
I;
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i ", ""' CLAASEN, J. M. Displaced persons.' The literature ofExi/e.]n'om Cicero to Boethius. Londres: js.n.].
;' , 1999, p. 20.
i Ibid., p. 9.
y "'L. 16& . , , .
" á',. -
ii SEIDEL, M. Exile and lhe Narrative lmagmation. New Haven & Londres: Vale University Press,
'ç 1986, p. 54.
"' íj.' "" RUSHDIE, S. lmaginapy homelands. Londres: Grania Books, 1992, p.lO.
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A literatura do exílio assume formas diferentes. Pode ser a literatura escrita pelos
migrantes, como diários, relatos autobiográficos e cartas, e pode ser também a literatura
sobre a migração, histórias e mitos que descrevem migrantes, refugiados e estrangeiros
ou tratados sobre o exílio como um conceito filosófico. Jo-Marie Claassen hesita em
chamar a literatura de exílio de um gênero à parte, embora afirme que há fomas que são
l mais comuns a esse gênero, como a "conversa com um amigo ausente", 170 Para ela,
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! A literatura de exílio não está confinada a um único modo (prosa ou poesia) ou
i a uma única maneira de apresentação (narrativa dramática, descritiva ou
i!
l autobiográfica). Seu estudo abrange a maneira de apresentação, o objeto da
apresentação e o público ou leitor como receptor.]71
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l A escrita do exílio pode ser uma estratégia de reclamar o que está perdido, seja a
geografia ou a identidade. Edward Said vê uma relação íntima entre o exílio e a criação:
A distância estabelecida pelo exílio é vista por alguns autores como um pré-
requisito para a criação artística: "Apenas o indivíduo exilado pode manter uma
distância suficiente da sociedade para ser realmente criativo". 174
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Uma definição de exílio na poesia deve \evar em conta a subjetividade. Deve
abranger as separações geográficas, políticas. emocionais e metafóricas. Deve incluir o
refugiado politico do século XX, o neoplatônico medieval que busca um caminho de
^
i'.
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volta ao lar espiritual da alma e também o "andarilho do deserto", banido de sua tribo. O
exílio é o lugar ou o estado da ausência voluntária ou forçada do lar ou do pais. Cada
ausência é também uma presença em algum outro lugar, condição ou emoção. O lar não
é necessariamente apenas um espaço geográfico, é o espaço da identificação emocional.
No conceito de exílio, residem as conseqüências emocionais e íisicas da ausência e da
..
.: Leon e Rebeca Grinberg fazem uso do rito de passagem (de acordo com a
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1·
definição de Eliadel77) ao tratar dos efeitos psicológicos da migração. Eles afirmam que
!.1 i a migração ou a necessidade de ir além das fronteiras está profúndainente assentada
, )j dentro do homem e que muitos mitos (como aqueles sobre o Éden, a Babilônia e o de
J:i:; " '
Edipo) tratam do conflito entre a busca do conhecimento e a oposição a ele.
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representando a oportunidade para o crescimento, assim como o perigo do aumento
l
da vulnerabilidade às doenças mentais".179 A migração provoca um estado de
b
Ê'à ilusório de voltar para casa. A morte no pais estrangeiro se transforma numa morte
dupla porque tomá o retomo impossível.
r
Com o tempo, o sentimento de pertencimento ao solo palestino mais se
Pt
E ·
exacerbou do que diminuiu no exílio. Os israelenses fizeram um sinistro
l'
L.r ·' d:
cálculo visando o fato de que os refugiados, na maior parte analfabetos ou
" ·:
semi-analfabetos na época, não teriam outra preocupação senão a
j,: , sobrevivência a qualquer preço. E eis que, de repente, os intelectuais palestinos
estavam em toda parte, escritores, professores, oradores, agitando,
E.
r,
:1· '
influenciando a sociedade árabe inteira de modo inesperado. Superaram o
PP
sentimento de perda, transformaram o exílio em força, criaram por
Pez, conseqüência a mística de ser palestino. E era preciso estar cego para não
t:'
? perceber que tudo isso, devia, cedo ou tarde, acabar numa ação violenta.
j}l'í ' , Mesmo no exílio, os Palestinos tomaram-se lideres; e todas as vezes que se
tentou enterrá-los, a determinação deles parecia adquirir ainda mais potência.
h'
I; Lembro-me ter evocado em meados dos anos 50 a síndrome de Fausto para os
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L ' ,
;,' 'm'.',
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j"j\i l
"' Ibid., p. 14.
y"j!)j,,' "° lbid., p. 26.
"' JABRA. I. J. Qantara, número 23. Paris: IMA, primavera de 1997, p. 42.
108
'i
4
De fato, um dos marcadores decisivos da identidade palestina contemporânea é o
exílio. Pesquisas de autores como John Connell, Paul White, e Russell King]s'2 ilustram
L'
i
interrogaram-se sobre a representação e as práticas que contribuem para a formação e a
,.
imaginativas participem das relações múltiplas entre geografia e império, que vão além
das questões relevantes da literatura, esta última pode ser considerada como um dos
l vetores de difusão. Assim, a literatura de ficção, como a literatura de viagem, terá
l
3.9.1 Refugiados
Ocidental do Rio Jordão (ou Cisjordânia), a parte da Palestina do Mandato britânico que
i:
permaneceu sob controle árabe até 1967. Outros cruzaram para a Margem Oriental,
i:
. ,
"' Ver KJNG, R. et al. Writing Acros,s Wor/ds.' Literature and Migration. Londres: Routledge, 1994.
:Z
.":
'
"' Ver GREGORY. D. Geographical lmaginations. Nova lorque e Londres: Basil Blackwell, 1994;
L ' . : ,·
N.
DRJVER, F. "lmaginative geographies" em CLOKE, P. J., CRANG, P. & GOODWIN, M. (dir.)
; " '
lntroducing Human Geographies. Londres: Amolei. 1999, pp. 209-216.
,?:'""' ':± ;
;K,i .ii!
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109
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muitos palestinos passaram a procurar trabalho nos Estados árabes que faziam fronteira
l com o Golfo, onde a próspera indústria do petróleo fornecia empregos em abundância e
; de negócios na Europa e nas Américas. Mas, qualquer que fosse a resposta individual,
l os laços familiares e coletivos encontravam-se em tensão. Esses eram os cenários
impessoais do deserto do Golfo e outras distantes cidades estrangeiras. Como se vê, .em
geral, os cenários físicos nos quais os palestinos obrigados a abandonar a terra natal se
encontraram contrastam claramente com a terra deixada para trás. Esses novos cenários
. , .. . nostálgicas da terra perdida, que, como já observamos, eram imagens que os ajudaram a
"" manter um vínculo com o lar sob circunstâncias árduas185. Conforme a literatura
' l í
'.
.1'7
palestina amadurecia, porém, ela começava a explorar o ambiente e o significado do
: '."
.'k' ' 184 Beirute, um centro próspero de comércio internacional nas décadas de cinqiienta e sessenta, tomou-se
um imã para refugiados. Aqueles que tinham uma formação especial podiam ganhar a vida
' razoavelmente, mas a vida urbana era difícil para a grande maioria que vinha das classes niais pobres e
dos meios rurais.
;" : 185 A herança ideológica estabelecida girava em tomo da idéia da "redenção por meio do retomo" como a
""' l
base de todas as estratégias politicas palestinas. Sua visão era ampliada por uma reconstituição de um
i:-. i passado palestino idealizado, que a nação palestina desmembrada buscava recapturar. Seu veículo foi a
-'. i combinação entre a mobilização de massa, a luta e o vinculo das comunidades exiladas através da
.S " liderança da OLP. As bases sociais dessas políticas foram essencialmente o campo de refugiados nos P
,.,: ' ; paises arabes proximos e as classes mercantis e profisslonals nos paises do Golfo. Como conúaste, a L
mudança, ria década de oitenta, para uma estratégia territorial foi um movimento na direção de ;
':';'ú fundamentar a política palestina nas comunidades relativamente estáveis da Cisjordânia e de Gaza. Ainda j
'i"' 'l, que contivessem um grande componente de refugiados, essas comunidades eram. em grande medida, as P
I
jt""j"'; protetoras históricas do campesinato das terras palestinas. Elas exibiam um alto grau de consciência i
t
"ü;'i.:' .Í" nacionalista e, a partir da década de 1970, começaram a articular suas aspirações políticas de maneira i
i):i,?|"\:.,'f ' crescente dentro dos limites da OLP. Mas, diferentemente da "força externa" do exílio, sua liderança
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permaneceu nas mãos das elites regionais locais, cujo poder, riqueza e prestigio derivavam de uma rede
extensa de parentesco e identidades enraizadas em Nablus. Hebron, Jerusalém e Belém.
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l
l
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81
i., t: ' ,'.
exílio. Ao fazer isso. ela definiu a antítese da Palestina, tal como é representada por
algurba, um termo árabe por vezes relacionado ao exilio|86 · ·f-
. mas que signmca
especificamente a experiência de ser um estranho longe do próprio lar familiar e traduz
essa idéia de estranhamento e alienação.
E '
um andarilho sem amigos nos desertos l Atrás dos arames da injustiça está a minha
í
casa"l88 " 4
.
O deserto era um motivo dominante na poesia pré-islâmica da Arábia e seu uso
na literatura palestina é, sem dúvida, influenciado por essas imagens mais antigas. Para
o palestino, no entanto, o deserto do exílio não é de foma alguma romântico. É um
"' Um estudo detalhado sobre os vários temos do mesmo campo semântico será feito mais adiante.
"' ZAYD, A. Op. cU.. p. 133.
"' TIBAWI, A. Op. Cl"1 , p. 521.
" l 11
Y·
Primavera após primavera
Nos desertos do exílio
O que estamos fazendo com nosso amor
Quando nossos olhos estão cheios de geada e morte?j89
Jabra usa três palavras diferentes nesse poema para invocar o deserto. Bawãdin,
no titulo do poema, refere-se aos desertos. As duas outras palavras, contudo, significam
mais do que o ambiente meramente físico. Qqfr significa a devastação do deserto e as
terras arrasadas ou sem vida. Falát pode significar o deserto sem água,, mas também se
l
E
refere ao espaço aberto, selvagem, em geral. Dessa forma, o verso "E então
112
T
l
desdobraram o deserto diante de nós" também expressa. em árabe, o senrido de se
desdobrar um espaço aberto, selvagem, sem fim.
Ainda que essas imagens do deserto derivem em parte das terras áridas nas quais
muitos exilados palestinos se encontravam, elas representam não apenas um deserto real
mas também um simbolo de insegurança, vazio e morte. Jabra reserva cores e detalhes
para sua descrição da Palestina. Lá existe vida; no desmo não existe nada além de areia
e morte. A paisagem do lar tem uma abundância de imagens de fertilidade e
prosperidade, imagens que definem a Palestina como um objeto, de desejo. Jabra
contrasta isso com a paisagem do exílio, um espaço fora do tempo e do espaço, sem
memória nem esperança.
Outros poetas usam a imagem do deserto de foma semelhante para expressar o
vazio da vida após a perda da Palestina. No poema, " 'Ilá alwajh a//açji ç/â' .líttíh" (À
face perdida na terra abandonada'"), de Fadwa Tuqan, o deserto (aSSallrá ') representa a
aridez de suas emoções. Nessa terra desértica, ela não é mais capaz de crescer e
florescer como uma pessoa amorosa:
113
':""' ,EJ
' l l
G
: j? escaldante e frio congelante.195 Foi assim que o deserto se tomou, na literatura palestina,
i
uma paisagem simbólica que representa a hostilidade e a ausência de lugar no exílio.
!
'r! 3.9.2.2 A cidade
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A
produção tanto dos escritores mais velhos como dos mais jovens.
G
I'
: ' Meus pés estão dilacerados
O deslocamento me exauriu
Nos bancos da praça
A
l. ',
Outras costelas que não as minhas
Policiais me olham de lado
l: E eu me arrasto de lá para cá
Destituído de tudo a não ser
1µ t Lembranças de um lar
l'i . '
i Que duram o dia todo
t', )
Que eram meu ontem
Apenas ontem
l
í,! E sonhos
À noite
l" '
M',; , De viver nele de novol97
·1":'j' ) Sayigh fàz,uma crítica mordaz à sujeira e à desordem da cidade, que se recusa a
q
Estendam-se, ruas
',Ê::' ,
A retorcer-se, escurecer
Lancem seus odores, seus sussurros
Escondam fantasmas nas esq'uinas
·"'N:j' '·
' '|"|i:|,"
"' Mais adiante, analisar-se-á a representação do deserto na obra de Kanafani.
i! "f!, ', '" Sayigh (1923-1971) é conhecido por SUfiS traduções de T.S. Eliot.
:'
"' SAYIGH, T. 30 S'i'ran (30 poemas), js.l.:s.n], 1954, p. 28.
114
l t;
'l I
J
Sob a meia-luz das luminárias
Afaguem as velhas
Que tarelam na alegria e na tristeza
E lavam as sarjetas
Que enchem seus bueiros
Eu não venho aqui à noite
Por diversão, para apreciar a vista
Levar cão para passear
Ter pensamento agradável
Sua lama respinga em meu sapato e na roupa
Bate em meu coração, na cabeça,
Meu purgatório que não purifica
Minha deriva na escuridão
O cômputo do penitente
De suas contas sem salvação
Eu ando, incansável, por suas ruas
Até que, já dito o suficiente,
Acrescento outras preces
Para encerrar outra noite de expiaçào.|9k
l
! "' Ibid., pp. 28-29.
d.') "' JABRA, I. j. A/majmü 'aí aSSi 'riy.va (Antologia pOética), p. 32.
': !: '
i' 'J? 115
-
- i:,y '
\7,
Aí
j
O poeta Rachid Husayn, que passou vários anos em prisões israelenses antes de
deixar o pais, logo após a guerra de 19672(x). criticou a luxúria e a corrupção da cidade
do exílio. Seu poema "À Zero Hora" retrata seu desespero:
Meu deus, rico e bonito, viajou a bordo dos aviões mais modernos
Manteve meus melhores amigos enfurnados em bancos
C
H
E todas as mulheres belas
Genebra se tomou sua amante
Seu peito adomado com flores de conferência
b
Minha história é uma menina nascida entre Jaffa, Haifa e meu amor.
Mas nada nela mudou
Eu matei o campo de refugiados um milhão de vezes
Mas nada nele mudou
Eu morei em hotéis escrevendo versos
Mas nada mudou
Eu vi as capitais de cinqüenta terras diferentes
Mas nada em mim mudou.
Eu tracei os contornos da minha pátria sobre meu coração
Transformei-me em Atlas para os seus contornos
E ela se tomou o leite dos meus versos
'Mas nada mudou,201
2% Husayn viveu em Nova Iorque. onde mcm"eu. sozinho, num incêndio em seu apartamento.
"" ELMESSIRL A. M. Op. cit., p. 109
116
deficiente, chuva, lama e a espera infinita pelo fim do pesadelo. Muitas vezes, o campo
é um poderoso simbolo de resistência e perseverança. O poema "Havma raqam 50"
(Tenda n° 50), de Rachid Husayn, descreve as condições difíceis da vida no campo de
refugiados e conclui em tom de desafio:
casa. Seu final desafiador, contudo, indica que ele também pode ser uma paisagem de
expectativa e esperança - ao contrário do deserto e da cidade. Fawaz Turki, um escritor
que cresceu num campo de refugiados de Beirute, reflete sobre a dupla personalidade do
campo de refugiados em suas memórias:
O homem se adapta, sim. Logo nos primeiros meses, nós nos adaptamos a
viver num campo de refugiados. Na adaptação, nós nos diminuímos como
homens, como mulheres. como crianças, como seres humanos. Às vezes, nós
sonhamos. Sonhos reduzidos. ambições distorcidas.'("
'°' Ibiaí., p. l! l.
2°' FAWAZ, T. The Disinherited Journal qf a Palestinian Exile. Nova lorque: Monthíy Review Press,
1972,p. 45.
117
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NÓs sabíamos que estávamos numa aldeia transplantada que um dia esteve na
estrada para Jaffa, que um dia esteve ao norte de Haifa, que um dia esteve
próxima de Lydda.
Se tínhamos adquirido "esse ódio e essa amargura" pelos quais éramos
famosos (como queria o mundo ocidental), nós também dançávamos dabke e
tocávamos alaúde. e as mulheres trabalhavam no bordado. E aquelas pessoas
de fora do campo (sem mencionar os "turistas" ocidentais, com sua simpatia
abençoada, suas câmeras, seus diplomas de sociologia e seus mapas,
metodologias e estatísticas), a olhar nossas roupas esfarrapadas penduradas
como bandeiras da derrota (...) não sabem o que nós tínhamos. Um sentimento
dentro de nós. A crescer. Uma esperança. O sentimento triste de ver uma
estrela, sozinha, no crepúsculo. A esperança por um intervalo entre o embate
dos sons.204
h :
K da guerra de 1967:
j;. "
Ele me disse que, quando entrou num campo de refugiados, descobriu que seus
moradores estavam vivendo exatamente como haviam vivido em sua antiga
l aldeia. Estavam distribuídos como sempre estiveram. A mesma aldeia e as
F
'í" '
mesmas ruas. O soldado ficara irritado.
';,1j. · ,
"Por quê?"', perguntei-lhe.
"Eu não conseguia entender. Dezenove anos se passaram e eles ainda diziam:
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'NÓs somos de Bi'r Assab'p"os
1j;.' ·
dc , .
F".' ,
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Recriar certos aspectos do lar imbui o campo de refugiados de fomas e
È!" significados que, de outro modo, estariam ausentes no exílio. Os líderes palestinos, ao
j;.:
):'",'
manter e expandir escolas, hospitais, negócios e serviços sociais, de foma semelhante,
aumentam o sentido de responsabilidade e compromisso em relação ao campo de
refugiados206. Isso não diminui a esperança de retomar à terra de origem. Muitos
!.';'[,,\
Ç; ' , '
f.",." l i
L 'h
" ' .' 'i
. f' '
"" lbid., pp. 45-46.
'°' DARWICH, M. Yawmijyãt a/jµzn al'ãdiy (Crônicas da tristeza ordinária), p. 48.
' I'. '" O papel desempenhado pelos campos de refugiados ficou evidente durante a primeira Intifada. Em 8
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de dezembro de 1987, um caminhão dirigido por um israelense matou quatro palestinos, entre os quais
havia habitantes do campo de refugiados de Jabaiiyya, na Faixa de Gaza. Houve confrontos com o
, k l À
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:íj: q.
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Íl"'"j" ;i l
Ç. , Exército israelense, em Jabaliyy% que rapidamente se espalharam pelos outros campos de refugiados de
Gaza e da Cisjordânia, o que marcou o inicio desse levante. Os moradores dos campos de refugiados se
)íi:i!' :
TA ·' mostraram mais bem organizados para lidar com os toques de recolher, os bloqueios e outras ações
g.'". ',
,1 l.
israelenses do que seus colegas nas cidades e nas aldeias onde o levante levou algumas semanas para
i
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118 ,
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N
N
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t
refúgiados guardam a chave da casa onde moravam antes da expulsão (a chave original
aparece em diversos contQs como símbolo de apego ao lar original e de confiança no
füturo).
O livro iyâ.vãt ,tã 'ir: jiayãt almu 'alli/'l1ilãl µímãnina 'ámman, jtariq tawil kulluhu
ASwãk (A vida de um revolucionário: a vida do autor durante 80 anos, um longo
caminho repleto de espinhos)207, de Said Chuqayr, relata a trajetória do autor e parte da
história dessa migração palestina20&, incluindo o efeito da criação do Estado de Israel. A
engrenar. Ver YAHYA, A. "The role of the refugee camps" em NASSAR. J. R. & HEACOCK, R.
Intifada. Nova Iorque: Praeger, 1990, pp. 91- 106.
20' Ver CHUQAIR, S. jyayàt ,/ã 'ir.' kayát almu 'allif ki/ãl tamànina 'ãmman. jtariq jtawíl kul/uhu ASwãk.
São Paulo: [s.n.], 1993.
20' Atualmente, há cerca de 30 mil palestinos e descendentes no Brasil, segundo a própria comunidade.
"q;
119
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