Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
acção”, numa tentativa de estabelecer uma “abertura total Hipopótamos, a Comuna e o grupo de Fantoches de Ferreira época, e que infelizmente se veio a perder a seguir por incú-
sobre a cidade, da análise do fenómeno artístico contempo- do Zêzere), decorreram debates sobre a arte (alguns dos ria, vergonha, medo, ignorância (?), não sabemos.
râneo, da análise da trama cultural ligada às nossas vivênci- temas foram “O Ensino da Arte”, “A produção artística femini- Durante os Encontros havia sido anunciada a oferta à Ci-
as da equacionarão da problemática actual e do quotidiano, na” e “A Arte para quê, para quem?”), registos artísticos nas dade de uma obra por cada artista participante para formar,
da activação das potencialidades criadoras da colectividade areias da Foz do Arelho, “venda de beijos” nas salas do Mu- em colaboração com o Museu de José Malhoa, o primeiro
e do confronto permanente de experiências e de práticas”, seu, intervenções em que participaram anónimos vendedo- Museu de Arte Moderna em Portugal, que seria o Museu
dizia enfim o organizador “dar a Portugal uma estrutura artís- res da praça da fruta ou do peixe, manifestações de eco-arte daqueles Encontros e “um espaço vivo de arte moderna no
tica de grandeza europeia que nos permita ultrapassar os na mata, tudo para quebrar a pacatez duma cidade que fora nosso país”.
velhos esquemas colonizastes, os complexos de inferiorida- cosmopolita nos anos 40 e que se havia acomodado aos Várias obras oferecidas permaneceram ainda na nossa
de e o isolamento aberrante que caracterizam ainda vastos hábitos da cultura dominante, apesar de experiências inova- cidade durante algum tempo, tendo posteriormente, perante
sectores da nossa arte e da nossa cultura”. doras no campo do teatro e cinema. o desinteresse local, sido levadas não sabemos bem para
Mas, afinal, apesar destes objectivos demasiado avança- O auge da controvérsia ocorreu no último dia dos Encon- onde. Hoje, se se tivessem mantido na nossa cidade esse
dos ou “revolucionários” em termos artísticos para a época tros quando um grupo de artista se preparava para fazer uma espólio, seriam um repositório de valor incalculável, com obras
(apesar de julgarmos que algumas das manifestações artís- homenagem ao 16 de Março com uma intervenção num em- de artistas hoje de nomeada internacional e mundial.
ticas realizadas naquela época provavelmente hoje levanta- pedrado da Praça do Peixe, o que suscitou uma reacção de Para realizarmos esta evocação e foi difícil encontrar nas
riam nas Caldas idênticas reacções), alguns sectores da po- populares que destruíram o trabalho realizado e quase pro- Caldas alguma informação sobre os Encontros, com excep-
pulação vieram a rebelar-se contra aquela comunidade ar- vocaram algumas cenas de pancadaria. ção do nosso jornal, que guarda boa parte da memória deste
tística contemporânea, bem como contra a autarquia que havia Nas próprias colunas do nosso jornal se pode analisar a acontecimento.
organizado e patrocinado a mesma, tendo sido produzidos controvérsia, mesmo entre o corpo redactorial, com colabo- Relembramos hoje este acontecimento, quando passam
uma infinidade de comunicados e de declarações de princí- radores a escreverem em sentidos contrários. Mas as princi- precisamente 25 anos da ocorrência dos IV Encontros Inter-
pio. pais polémicas passaram-se entre os partidos locais. nacionais de Arte Contemporânea, tendo a noção perfeita do
Como muitos dos nosso leitores se recordarão, as princi- Terminou mal
Um dos colaboradores escrevia com o título “Terminou que deu origem à controvérsia e à reacção (compreensível)
pais intervenções artísticas estavam centradas no Museu de o IV Encontro Internacional de Arte Contemporânea
Contemporânea” que da população, mas também da perda que houve pela falta de
José Malhoa, na Casa da Cultura e no Parque, mas, em “o balanço [do Encontro] parece ser um pouco negativo: en- visão daqueles que deviam estar mais despertos para a opor-
função da maior ousadia dos artistas, as mesmas estendiam- tre os presente (convidados? Pagos?) e ao lado de homens tunidade que foi criada e não concretizada. Não da repetição
se a toda a cidade, qualquer que fosse a hora do dia e as e grupos com mensagens e técnicas artísticas de valor, surgi- dos V Encontros nas Caldas o que era impossível, mas para
condições de preparação do espaço ou o tipo de assistência. ram vários adeptos da “contracultura”, cujo comportamento a manutenção na nossa cidade do espólio que, visto um
Estes Encontros vieram na sequência de três anteriores, provocatório nada teve de artístico e provocou vivas reac- quarto de século depois, poderia servir como uma atracção
realizados no norte do país nos verões posteriores a 1974, ções de alguns sectores da população (de Caldas e de ou- importante para uma cidade que hoje se quer afirmar no
mas que haviam reunido um número inferior de intervenien- tras terras, segundo as versões dos jornais e da TV), reacção campo do ensino e da formação artística e cultural.
tes, e que, por isso, tinham atraído menos a atenção, até essa que se traduziu em lamentáveis cenas de violência e
porque não haviam sido tão ousados. vandalismo, particularmente notadas no dia 12.” J.L.A.S./Agosto 2002
2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” III
“CALDAS ERA A CAPITAL “O PRIMEIRO GRANDE FESTIVAL “SÃO ARTISTAS E NÃO FAZEM
CULTURAL DO DISTRITO NA DE ARTE DO PÓS 25 DE ABRIL” MAL A NINGUÉM”
ÉPOCA”
das fossem, mais tarde, ce- Apesar da controvérsia,
didas para um futuro Museu houve muitos outros tipos
de Arte Moderna, mas como de intervenção que não ge-
“nunca houve hipótese de raram qualquer tipo de re-
construir esse museu, es- acção negativa, o que leva
sas peças nunca vieram. António Vieira a concluir
Creio que o pintor Jaime Isi- que “a mim não me per-
doro ficou como depositário turbou nada, eu até gostei
do que aqui se produziu
produziu”. pois eram coisas diferen-
Recebeu de facto informa- tes do que estava habitu-
ções de que a população ado”
ado”.
das Caldas não reagiu bem
a algumas das intervenções
Lalanda Ribeiro era o pre- – “uma senhora que se
sidente da Câmara em 1977, despiu e que se atirou ao António Vieira, vendedor
eleito sete meses antes, e lago ou intervenções de na Praça desde 1972, recor-
recorda que, nesse ano, se poesia em papel higiénico, da-se das várias realizações
comemoravam os 50 anos incomodaram as pessoas
pessoas”. que fizeram parte dos IV En-
de elevação das Caldas a ci- Jaime Isidoro e Egídio Alvaro também numa
Lalanda Ribeiro lembra contros Internacionais de
intervenção
dade. Assim, a edilidade, uma exposição de objectos Arte, nas Caldas da Rainha.
entre as várias formas de co- fálicos que foram colocados Lembra-se das performan-
memoração, decidiu aceitar Para o pintor Jaime Isi- “onde as pessoas nos cer- ces que tiveram lugar nas Pra-
junto a obras do Museu Ma-
a proposta do pintor do Por- doro, a decisão de reali- caram e nos chamavam ças da Fruta e do Peixe e Para Jaime Neto, comer-
lhoa e que foram mandadas
to, Jaime Isidoro que, em zar a quarta edição dos malfeitores…tivémos que “também houve vários ciante de uma loja da Pra-
retirar pelo director de então,
parceira com Egídio Álvaro, Encontros nas Caldas, sair ela janela”
janela”. eventos no Museu Malhoa
Malhoa”. ça da Fruta, os IV Encontros
Saavedra Machado. “NessaNessa
a organização da 4ª edição deveu-se ao facto de não R ecorda o organizador Recorda que marcaram de Arte também não passa-
inauguração eu ainda cá
dos Encontros Internacio- só contarem com o apoio do evento que lembra que presença muitos artistas es- ram despercebidos. Recor-
estava e lembro-me que fi-
nais de Arte.. da autarquia como o tam- além das mais variadas in- trangeiros e “havia pessoas da este comerciante nos
cámos ambos de sorriso
“Ficámos muito entusias- bém por ser uma locali- tervenções, contou com pa- que diziam que eles eram seus 77 anos que os artis-
amarelo e pensámos: Isto
mados com o projecto” e re- dade “com grandes tra- lestras no Museu de José malucos e que andavam tas se reuniam na Praça da
vai suscitar reacções…”
reacções…”.
corda que, já na altura, segun- d i ç õ e s a r t í s t i c a s ””. Malhoa que foram “mui- para aí a fazer coisas par- Fruta, local onde chegaram
O então edil ainda recor-
do palavras de Jaime Isidoro, Conta que nesta edi- to activas e frequenta- vas
vas”. a fazer pinturas e “eram de
da que naquela altura, “as
“que muitos dos que iriam ção participaram 50 ar- das
das”. Aliás, neste espa- Mas na sua opinião, várias partes do mundo
mundo”. In-
Caldas era considerada a
participar seriam grandes tistas nacionais e 50 es- ço museológico, um dos “eles até fizeram coisas in- clusivamente chegou a con-
capital da cultura do distri-
artistas no futuro, facto que trangeiros e, na sua opi- autores franceses, inspi- teressantes, houve um versou com alguns, em espe-
to de Leiria” tal como afir-
se veio a confirmar”
confirmar”. nião, tratou-se de facto rado no “Fado”, levou grupo que pintou os pai- cial, com franceses já que
mou, no dia 26 de Agosto,
Houve inicialmente al- do “primeiro festival de para junto da tela do pin- néis que até eram muito aprendeu a dominar a língua
na cerimónia solene das co-
guns problemas logísticos arte do pós-25 de Abril tor naturalista, dois gui- bonitos
bonitos”. Soube que na al- gaulesa na Escola Comerci-
memorações de elevação a
“que foram logo resolvi- que ficará na memória tarristas e um fadista, tura houve problemas, por al.
cidade, o Governador Civil
dos” e, entretanto o edil de de todos
todos”. como se, de repente, a exemplo, na Praça do Pei- “As pessoas, ao princí-
de então, Rocha e Silva.
então, partiu para gozar o Explicando o intuito tela desse lugar a perso- xe, mas nesse dia não as- pio, não aceitaram bem,
“Também julgo que hou-
seu período de férias. “E dos Encontros de nagens de carne e osso. sistiu às intervenções. Lem- pois era algo desconheci-
ve alguma provocação nas
qual não foi o meu espanto Arte, o pintor explicou Vinte e cinco anos bra-se como se fosse hoje do”
do”. Mas com o decorrer da
manifestações, mas não
quando, de férias nos Aço- que “pretendíamos passados sobre o even- que a sua esposa não con- iniciativa “eu acho que já
num sentido negativo. Pen-
res, li no semanário Expres- de facto colocar a to, Jaime Isidoro comen- cordava com nada do que os aceitavam
aceitavam”. Além do
so que, se fosse hoje, com
so, que os Encontros nas arte na rua e dialogar ta que se fosse hoje “já se passava e ele dizia-lhe Parque recorda que assis-
certeza que já não choca-
Caldas tinham terminado sobre ela com o nada aconteceria, pois “não vês que são artistas, tiu a algumas intervenções
va as pessoas”
pessoas”. A cargo da
bruscamente com inter- povo”. Segundo este este tipo de interven- não fazem mal a nin- decorridas também na Pra-
autarquia ficou todo o apoio
venções de violência por artista havia uma in- ções são mais do que guém”
guém”. ça do Peixe, “onde ainda
logístico, o alojamento e a
parte da população
população”. tenção de esclareci- normal”
normal”. O pintor relem- Mas muita gente não estava o Pinheiro Chagas
Chagas”.
alimentação dos artistas.
A seu ver, os Encontros mento e não declara- brou a importância artís- aceitou nada bem e “só os Possuidor de um grande
Segundo Lalanda Ribeiro, e
acabaram “de forma ingló- damente de provocar tica de muitos dos auto- mandava ir trabalhar
trabalhar”. Na entusiasmo pela vida, do
apesar dos distúrbios causa-
ria
ria” e ainda lamenta os fac- as pessoas. res que participaram en- opinião de António Vieira, pouco que ainda recorda
dos pela população, os IV
tos pois “poderia ter sido Afirma, no entanto, que tre nacionais e estran- apesar de algumas mani- deste evento decorrido há
Encontros foram “percurso-
uma boa altura para as Cal- a arte “provoca sempre, geiros. Serge III Olden- festações mais arrojadas, 25 anos, “lembro-me de ter
res de eventos que hoje se
das ficar com um patrimó- desde o início dos tem- bourg e Robert Filliou não os vi ofender ninguém
“não gostado de algumas pintu-
realizam
realizam”. O ex-autarca dis-
nio artístico importante”
importante”. pos”. Relembra, hoje, foram dois artistas es- e se fosse hoje, já não ras que eles fizeram no
se ainda que não se recorda
Lalanda Ribeiro explicou com humor, que foram trangeiros que, segundo acontecia nada, mas na Museu de José Malhoa
Malhoa”.
do aproveitamento político
ainda que havia um acordo “corridos” até de um jan- Jaime Isidoro “alcança- altura, ainda havia muita
que o evento suscitou, a pos-
para que as peças produzi- tar que fizeram no Parque, ram fama mundial
mundial”. gente ligada ao antigo
antigo”.
teriori, nos vários partidos.
ASSALTANTES OU ELEMENT
ASSALT OS DE UM GRUPO
ELEMENTOS
CIRCENSE?
Para Jaime Silva, um dos Acha ainda que a popu- ser assaltantes
assaltantes”. Atribui de
participantes nos Encon- lação teve uma importante facto estas reacções à de-
tros, que fazia parte do Gru- participação, quer fosse ne- sinformação das pessoas
po Puzzle, os IV Encontros gativa ou positiva – mas pois, todos tinham escrito
realizados nas Caldas fo- “revelou um grande des- Grupo Puzzle nas suas rou-
ram, de facto, muito impor- conhecimento sobre aque- pas.
tantes pois até aí, nas edi- le evento”
evento”. “Vivia-se numa situação
ções anteriores, “não ti- E ilustra com dois exem- política explosiva, o que
nham ganho esta projec- plos: No decorrer dos En- despertou reacções de re-
ção internacional e, aliás, contros foi para cortar o ca- jeição e de aceitação nas
depois não voltou a acon- belo e qual não foi o seu pessoas”, disse. No entan-
tecer nada de semelhan- espanto, quando o barbei- to, os Encontros apresen-
te”
te”. ro lhe perguntou se ele, tal taram uma nova actuação
Diz ainda que os dois or- como os outros artistas, e reformulação artística e
ganizadores Jaime Isidoro “pertencíamos a um gru- contaram com a “ partici-
e Egídio Álvaro estavam po de circo
circo”. Ou ainda pação activa e atenta da po-
bem posicionados do pon- quando o grupo Puzzle se pulação”,”, à semelhança do
to de vista artístico e de or- preparava para uma inter- que já acontecera, por
ganização deste evento venção no Parque, com to- exemplo, na edição ante-
anual. Por tudo isso “foi dos os artistas trajados de rior, decorrida na Póvoa do
uma edição mesmo muito branco, “asas pessoas cha- Varzim, onde houve tam-
importante
importante” ainda para maram a polícia pois, bém manifestações e de-
mais, a poucos anos do pe- achavam que os autores, bates muito dialogantes No pinheiro da Rainha
ríodo quente da Revolução. assim vestidos, podiam no Casino.
IV Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” 2 de Agosto 2002
A intervenção dos palhaços no Museu intervenções-magníficas de Nadir Afonso, desmitificando certos tipos de
Malhoa arte.
2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” V
19 DE AGOSTO DE 1977
“A Arte é Sintoma?”
(Retirada do painel exposto no espaço do Colectivo de Mulhe- ros”, no sensacional espectáculo de poesia visual pelo grupo Anima,
res, na Casa da Cultura) das intervenções-magníficas de Nadir Afonso, desmitificando certos
tipos de arte (oportunismo), nos trabalhos de Ballet com Michel Hallet,
Controverso, violentamente contestando, religiosamente seguido, bailarino de grande craveira, que durante 12 dias desenvolveu um
mesmo pelos seus mais violentos opositores, são os Quatro Encontros trabalho insano e profundo junto de dezenas de jovens caldenses e
Internacionais de Arte, o quotidiano das Caldas (foram-no desde o apresentou repetidas vezes um espectáculo inolvidável.
início do mês até…) o “leit-motiv” de todas as conversas do povo desta Isto que acabámos de dizer, são a ínfima parte daquilo que durante
região, que um tanto inesperadamente tem assistido (participado!) às os Encontros aconteceu. Houve Teatro com a Comuna, nos Bombei-
intervenções mais incompreensíveis (?) e tão distantes da sua vivência ros, Fado num anti-debate com debate de Tobas, que inesperadamen-
pacata. te convidou um fadista para a sua sessão que viria a terminar numa
Pedra no charco, tempestade depois de tantos anos de acalmia, festa popularemPeniche.Destruiçãoporpetardosdosmitosdasocieda-
estes Encontros têm sido importantes até por não deixarem ninguém de actual, com Ginet, construção de um dragão em papel, que viria a ser
indiferente. Perante cada obra, cada intervenção, cada espectáculo, pintado pelas crianças. Palhaços, intervenções de Orlan sobre o seu
ninguém fica indiferente, todos tomam posição. corpo, desenvolvendo trabalhos sobre o erotismo. Orlan viria a ter uma
“Não percebo nada disto, não entendo o que eles querem. São importante intervenção num dos debates sobre a criação feminina defi-
malucos. O mundo está a acabar. Nunca tal foi visto. O que querem é nindo o significado dos seus trabalhos. “O corpo é meu, uso-o como
juntar as pessoas para depois roubarem as carteiras. Tanto dinheiro mal quero, mas não me vendo, muitos têm tentado explorar as minhas expe-
gasto. São uns indecentes. Não respeitem a moral. Maravilhoso. Dias riências que são profundamente sérias” – algumas palavras da artista.
sensacionalmente vividos. Onde é a próxima intervenção?” – alguns Muitos tabus e conceitos morais foram postos em causa durante
dos muitos comentários que foram ouvidos. estes dias nesta cidade. E foi isto que custou a muita gente. Bem ou mal,
Centenas de artistas (mas o que é um artista? Cada pessoa encerra mas discretamente, sem grandes exibicionismos, pudemos ver mu-
em si a arte…) têm criado nas Caldas um espaço de interrogações lheres nuas, realizando suas intervenções, dignamente, sem os meno-
múltiplas sobre a sociedade, a cultura, a vida, o sistema, a morte. res comentários, desmontando toda uma série de conceitos erguidos
A maioria das pessoas exige a explicação de tudo o que vê. Mas será até hoje. Cinicamente, muitos dirão, quão indecente foi o que se pas-
importante essa explicação total? O artista cria dentro dos seus parâme- sou, esquecendo que perto num cinema, se vêem coisas mais indig-
tros, que é a sua liberdade, aquele que assiste, deve procurar compre- nas (segundo a mesma moral) e que neste país a troco de umas notas
ender, retirar dali a plástica e a beleza. de 100 se assiste a espectáculos degradantes assentes sobre o corpo
Não pretendemos defender os Encontros, até porque eles próprios da mulher, explorando o machismo e as frustrações de uma casta.
não o necessitam não pretendemos impingir aos leitores a nossa teoria Porquê então este cinismo? Talvez, porque certas mulheres não
sobre a arte, até porque o nosso entendimento advém da nossa sensi- aceitem vender-se, mas que consideram o seu corpo, seu e passível Fazendo poesia em papel higiénico
bilidade e liberdade que pretendemos erguer, pretendemos apenas das experiências plásticas que por bem entendam desenvolver.
lembrar de que não devemos condenar hoje, aquilo que amanhã Este terá sido um dos pontos relevantes destes dias. Outro, e que virá
investir riqueza para resolver os problemas que afectam o dia a dia das
poderá ser aceite pela totalidade. Se o fizéssemos estaríamos a ser os beneficiar enormemente as Caldas é a criação aqui, e já com a colabo-
suas populações, são necessários esgotos, electricidade, estradas,
frustrados da história. ração do Museu de José Malhoa, do primeiro Museu Nacional de Arte
casas para habitação, etc., mas pensamos que uma coisa não impede
Gazeta da Caldas, durante estes dias intensos, procurou vivê-los por Moderna, que será o Museu dos Encontros e um espaço vivo da arte
a outra. Há certas verbas destinadas à cultura, que deverão aí ser consu-
dentro, assistindo, participando, construindo – destruindo cada mo- moderna no nosso país. De imediato ficará uma sala destinada a tal fim.
midas, pois a cultura e/ou arte são o lastro da história e o testemunho do
mento, cada obra, cada espectáculo, cada intervenção. Vivemos, ouvi- Várias obras de artistas nacionais e estrangeiros presentes nos encon-
pensamento e da criatividade dos povos.
mos e não calámos. Estivemos nos controversos rituais de Albuquer- tros ficarão aí a atestar a sua passagem por aqui e a servirem de
Terminamos mesmo dizendo, que a arte é na verdade o sintoma da
que Mendes ou do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, ou ainda dos embrião ao lançamento dum museu vivo da arte moderna nas Caldas.
vida em cada sociedade. É sintoma e muito mais…
espaços vivos dos ingleses Miller e Cameron cheios de ternura e de Só por isto mereceu a pena, que se realizassem nas Caldas estes
beleza, nos concertos de música concreta pelo grupo “Operation Ce- Encontros Internacionais. Certo, que o concelho, o país, necessita de
José Luís de Almeida e Silva (19 de Agosto de 1977)
Christian Tobas dançando na performance de Michel Graça Morais pintando sobre plástico
Hallet
2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” VII
Chantal Guyot cobriu a nudez do seu corpo com “mousse” de chocolate houve quem interpretasse isso como
pura acção estética, e houve quem mais chocado, invocasse a chamada “ofensa à moral pública”.
VIII Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” 2 de Agosto 2002