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Presidente da República Federativa do Brasil

José Sarney
Ministro da Educação
Carlos Sant'Anna

Secretário-Geral

Ubirajara Pereira de Brito


Secretário de Ensino de 2? Grau
João Ferreira Azevedo
Secretário Adjunto
Célio da Cunha
Coordenador de Articulação com Estados e Municípios
Nabiha Gebrim de Souza
Subsídios para

SOCIOLOGIA GERAL

Autor:
Paulo Meksenas
"Falo somente do que falo:
Do seco e de suas pais agens,
Nordestes, debaixo de um sol
Ali do mais quente vinagre:

Que reduz tudo ao espinhaço,


Cresta o simplesmente folhagem,

Folha prolixa, folharada,


Onde possa esconder-se a fraude.

Falo somente por quem falo:


Por quem existe nesses climas
Condicionados pelo sol,
Pelo gavião e outras rapinas:

E onde estão os solos inertes


De tantas condições caatinga
Em que só cate cultivar
0 que é sinônimo da míngua.

Falo somente para quem falo:


Quem padece sono de morto
E precisa um despertador
Acre, como o sol sobre o olho:

Que é, quando o sol é estridente,


A contra-pêlo, imperioso,
E bate nas pálpebras como
Ge bate numa porta a socos"

(João Cabral do Melo. Neto, "Graciliano Ramos",


Poesias Completas)
SUMÁRIO
Apresentação . 5
Capítu lo 1: A Sociologia na construção da cidadania 7
0 curso de Sociolo gia predominante hoje 10
Breve histór ia da disciplina 10
Tendências do ensino de Sociologia 12
Capítulo 2: Uma proposta de conteúdo .. .. 15
As unidades , o programa .. 16
Justificativa do conteúdo . . . . . . . . . . 18
Capítulo 3: Sobre a metodo logia de ensino . . 22
Problemat ização - teorização ....• 23
Aula expositiva ou dinâmica de grupo? 24
Uso ou não do livro didático? ..... . 27
Capítulo 4: A humaniza ção da naturez a (1º Uni dad e) ..... 30
Aspectos teóricos »• ...... 31
Métodos de ensino 34
Textos de apoio 37
Capít ulo 5: A sociedad e capitalista (2ª Unid ade) . 59
Aspectos teóricos •••• .. . 60
Métodos de ensino 63
Texto s de apoio .. .... 68
Ca pít ul o 6: Estado e movim entos sociais (3ª Uni da de ). .. . 113
Aspectos teór icos 114
Métodos de ensino 116
Textos de apoio 118
Capít ulo 7: Família e Escola (4ª Unida de) „ 144
Aspec tos teór icos .... .. 145
Métodos de ensino 147
Textos de apoio • 149
Bibliografia 1C9
APRESENTAÇÃO
Bate trabalho é parte do Projeto "Revisão Curricular da Habilita -
ção Magistério — Núcleo Comum e Disciplinas Profissionalizantes",
patrocinado pala Secretaria de Ensino de 2º Grau do Ministério da
Educação (SESG/MEC), em convênio com a Pontifícia Universidade Ca-
télica de São Paulo (PU C-SP ). Destina-se, portanto, aos professo res
do Núcleo Comum do 2º grau, buscando oferecer-lhes subsídios para
o desenvolvimento dos conteúdos das diferentes disciplinas — no ca
so, Sociologia Geral.

Este texto é uma proposta de curso para a disciplina Socio-


logia Geral, pertencente ao Núcleo Comum do currículo que compõe a
escola de 2º grau no Bras il. Em linhas gorais, a proposta apresen
ta-se dividida e articulada em torno de cinco aspectos: conteúdos
mínimos, metodologia de ensino, sugestão de métodos de ensino, tex-
tos de apoio e bibliografia complementar.
Em relação aos conteúdos mininos, é importante ressaltar
que foram estabelecidos a partir de duas preocupações distintas:
organizar uma soma de conhecimentos socialmente importantes, quo
contribuam para a construção da cidadania do aluno, e distribuir
os conhecimentos de forma viável, para que possam ser desenvolvi
dos durante o prazo de um ano, com duas aulas semanais.
As questões contidas na parte de metodologia do ensino pre
tendem oferecer um pequeno subsídio para orientar o professor/lei
tor no desenvolvimento de uma concepção de ensino que facilite a
abordagem do conteúdo proposto. Para cada uma das unidades que com
põem a proposta de conteúdo apresenta-se também uma sugestão de
técnicas didáticas (ou métodos de ensino). 0 professor/leitor po
derá ou não utilizar essas sugestões, dependendo de sua prática
profissional. Cada unidade da proposta de conteúdo traz ainda uma
pequena seleção de textos, que consistem em fragmentos da obra de

vários autores. Além de constituírem apoio teórico para o desenvol


vimento do curso de Sociologia, esses textos podem ser utilizados
com os alunos, uma vez que um dos critérios para sua seleção foi o
de apresentarem linguagem acessível. Por fim, há uma indicação bi-
bliográfica complementar à seleção de textos oferecida.
Por ser uma proposta de curso quo tenta ser completa, em
vários momentos da reflexão sobre esse material o professor/leitor
poderá ter a sensação de lidar com "receitas" prontas para serem
utilizadas. Isto se deve à linguagem direta com que o texto é apre
sentado, pois pretendemos atingir o professor/leitor provocando-o
para uma tomada de decisão frente ao material que tem em mãos. Sa-
bemos, porém, que se esta proposta limitada for somada à prática
docente de cada um, é certo que se alcançará o objetivo de apontar
um caminho possível para o aprendizado de Sociologia, que ainda
precisa ser re-feito.
CAPÍTULO 1

A SOCIOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA


O termo cidadania tem muitas conotações. Preliminarmente podería
mos entender que ser cidadão e ter assegurado o direito à partici_
pação social de modo consciente — o que, por sua ve z, só é possf
vel quando o ser humano tem garantido o direito ao trabalho. Em
outras palavras, a cidadania aqui definida não tem o mesmo senti
do que lhe é atribuído pela concepção liberal, na qual a noção
vincula-se à criação dos meios que assegurem ao indivíduo o direi-
to à propriedade. Pelo contrário, admitimos aqui que o exercício
da cidadania ocorre quando os invidíduos têm acesso às riquezas
sociais que, através do trabalho, ajudam a construir. Isso não sig_
nifica, por outro lado, entender a cidadania como direito a uma
profissionalização na escola secundária, nem me3mo como preparo
ao vestibular. Bem diferente disso, o direito ao trabalho deve
ser entendido como a possibilidade de o indivíduo compreender as
relações, sociais que organizam essa atividade em nossa sociedade
brasileira contemporânea. De tal modo que essa compreensão con
tribua nas formulações que esse indivíduo elabora para participar
das riquezas sociais.
Diante dessas primeiras considerações, pode-se indagar en
tão qual o papel da sociologia no processo de construção do direi
to à cidadania. Em outras palavras: seria importante para um alu
no do curso de 2º grau ter o domínio de um conteúdo de Sociologia,
para conquistar a sua cidadania? Provavelmente, nossa primeira
tendência seria responder sim, encerrando a discussão. Entretan
to, devemos relativizar essa resposta afirmativa. Isto porque a
Sociologia só será importante para a formação da cidadania se con-
tiver uma perspectiva crítica. O que pode significar isto?
Quando tratada como mera soma de conhecimentos complemen-

tares entre si e que definem a sociedade contemporânea como una e


indivisível, a Sociologia não contribui para que o indivíduo te
nha uma visão social que possa influir na re-elaboração de sua
prática social. Portanto quando se dá importância ao conteúdo so
ciológico para a construção da cidadania,deve-se primeiro responder
à pergunta: que conteúdo sociológico?
Definimos preliminarmente um conteúdo sociológico crítico
como aquele que possibilite entender a totalidade social não como
um fenômeno uno e, sim, como um fenômeno contraditório. Um conte
lido que se paute pelo princípio da contradição
, no qual a dinâmi
ca da sociedade é conpreendida como resultado de relações sociais
que, ao mesmo tempo, são complementares o também antagônicas. Com
preender criticamente é, por exemplo, perceber as relações soci
ais presentes na instituição escola como relações contraditórias:
ao mesmo tempo que podem possibilitar a alfabetização e a afirma
ção da cidadania, possibilitam também a evasão (exclusão,) e a no
gação desse direito. Somente um conteúdo sociológico crítico con
tribuirá para que o indivíduo compreenda a dinâmica das relações
sociais e se perceba nelas como um elemento ativo — para, a par
tir daí, conceber sua cidadania como prática transformadora. Um
conteúdo sociológico pensado nesses termos pode ser útil na con
quista da cidadania, porque será capaz de mobilizar o indivíduo
não só para uma reflexão "descomprometida" com a realidade, mas
também para uma reflexão transformadora dessa realidade.

Pensemos, por exemplo, na prática profissional dos pro


fessores que atuam na escola de 12 grau, relacionando-a com a no
ção do cidadania. Esses professores desenvolvem parte de sua prá
tica dentro do uma instituição, a e3cola, que, na sociedade indus
trial contemporânea, tem se caracterizado por privá-los cada vez
mais de sua capacidade de decisão. A aula deixa de ser atividade
criadora, na qual o professor desempenha um papel ativo, de orga
nização do processo educativo, para tornar-se apenas um momento

de reprodução de saberes muitas vezes pré-científicos. Podemos a


té afirmar quo o professor não é mais o "proprietário" de sua au
la pois, inserido numa organização burocrática, perdeu sua autono
mia do escolha sobro o que e como ensinar. Perdeu, portanto, li
ma dat; dimensões quo compõem sua cidadania. No entanto, quando
começa a refletir sobre o significado dessa situação, esse profis
sional passa a buscar alternativas possíveis para superá-la. Nes
se momento, o objetivo primordial do um conteúdo sociológico críti_
co so delineia: fornecer ao indivíduo instrumentosteóricos quo o

y.
levem a refletir sobro a possibilidade de recuperar sua capacida -
de de decisão em sua prática social, instrumentos que lhe permi
tam relacionar sua prática com a organização social mais ampla, pa
ra que ele possa definir-se como um agente ativo na tentativa de
construção de uma nova sociedade.

0 curso da Sociologia predominante hoje

Há duas grandes tendências nos cursos de Sociologia minis


trados atualmente no 22 grau. Mas, antes de analisá-las, conside
ramos importante retomar historicamente a intermitente introdução
da Sociologia nas escolas secundárias brasileiras.

Breve história da disciplina

As preocupações em torno da implantação da Sociologia co_


mo disciplina obrigatória nos currículos das escolas brasileiras
vem de longa data. Já em 1890, Benjamim Constant, com forte influ
ência nas decisões do então Ministério da Instrução Bíblica e dos
Correios e Telégrafos, propôs uma reforma do ensino na qual a So-
ciologia era introduzida como disciplina obrigatória não só nos
cursos superiores, como também nos cursos secundários. No entanto,
devido à morte de Benjamim Constant na época da implantação desses
novos currículos, a questão do ensino de Sociologia foi posta de
lado. Em 1925, com a reforma Rocha Vaz , a disciplina foi,.na prá
tica, introduzida em escolas secundárias do Brasil. No curso de 28
grau, Habilitação para o Magistério (antigo curso Normal), a Sócio
logia passa a ser ministrada a partir de 1 928 .

Ratificando a permanência da disciplina, a reforma Fran


cisco Campos (1931) fez com que ela fosse ministrada ininterrup-
tamente até 1942, quando a chamada Reforma Capanema (Leis Orgâ -
nicas do Ensino) retira a obrigatoriedade do ensino de Sociologia
na escola secundária. A partir dal e principalmente com os acon -
tecimentos políticos ocorridos no país pós-64-, a Sociologia foi
sendo posta de lado: nesse período foi ministrada apenas nos cur
sos de Habilitação para o Magistério.
É só com a recente promulgação da Lei 7 044/82 que a So
ciologia e demais ciências humanas lentamente começada ser reabi

litadas dentro dos programas curriculares. Isto porque a tônica


dada à profissionalização pela Lei anterior (5 692/71) cede lu
gar para uma concepção de educação mais abrangente, permitindo
pensarmos uma escola de 2º grau voltada para a contribuição na
construção do direito à c ida dan ia — uma das fontes de revitaliza
ção da importância da Sociologia.
No entanto, se ao nivel legal essa revalorização e recen
te, vale salientar que a intelectualidade brasileira vem há mui
to tempo insistindo na importância da Sociologia no3 cursos se
cundários. Em 1949, participando de um simpósio sobre "0 Ensino
de Sociologia e Etnologia", Antonio Cândido, desenvolve o tema

"Sociologia: ensino o estudo" o alerta para a necessidade do essa


disciplina fazer parte do currículo da escola secundária, por con
tribuir para oferecer ao indivíduo uma visão mais integrada da to
talidade social, superando a visão de senso comum.' Em 1955, é a
vez de Florestan Fernandes discutir o papel da disciplina, na a-
presentação do tema "0 Ensino da Sociologia na Escola Secundária
Brasileira", durante o Congresso Nacional de Sociologia.
É preciso destacar também que, a partir do início da déca
da de 1980, várias entidades de classe do Brasil vêm se manifes
tando favoráveis à inclusão da disciplina no 2º grau. Ho caso do
Estado de São Paulo, por exemplo, a Associação dos Sociólogos
(ASESP) desempenhou papel importante na mobilização da categoria
em, torno do "Dia Estadual de Luta pela Volta da Sociologia ao 2º
Grau", realizado em 27 de outubro de 1983. Naquela ocasião foi en
tregue ao então Secretario da Educação do Estado, Paulo de Tarso,
um documento demonstrando a necessidade da Sociologia na formação
do cidadãos. Essa mobilização levou órgãos governamentais ligados
à educação pública a oferecerem, em 198 4/85, cursos de atualiza
ção para os professores de Sociologia, e ain da, a realizarem em
abril de 1986 , concurso para ingresso de professores de Sociolo
gia na rede pública de ensino.

Tendências do ensino de Sociologia

0 curso de Sociologia no Brasil voltou a ser ministrado


na escola de 2º grau e a ser definido como fundamental na constru
ção do direito à cidadania. Ma s, o fato de ter sido mantida fora-
do currículos escolares por mais de duas décadas além de ter cau
sado danos irreparáveis às gerações que frequentaram o 2º grau
nesse período, leva a que a re-introdução da Sociologia seja um
tanto problemática. Um dos grandes desafios da política educacio
nal de hoje e' tornar a disciplina obrigatória na escola de 2º grau,
uma vez que, como optativa, não é ministrada em todas as escolas
Com isso, o número de aulas de Sociologia ainda 4 infinitamente
menor que o das outras disciplinas, o que a leva a ser vista por
muitos como um conjunto de aulas complementares para professores

com outras habilitações que não Ciências Sociais.


Além disso, em grande parte das escolas, a Sociologia não
ê ministrada por licenciados em Ciências Sociais, o que leva a que
o conteúdo não seja desenvolvido em sua especificidade. Se e' 'mi
nistrada, por exemplo, por licenciados em História ou Pedagogia
há o risco de que, no desenvolvimento do conteú do, o peso maior
recaia em uma concepção histórica ou pedagógica das relações so
ciais. Para garantir sua especificidade é necessário que a disci
plina Sociologia seja ministrada por um especialista da área o
que requer, entre outras coisas, que ela se torne obrigatória no
currículo da escola de 2º grau.

Quanto à forma com que o curso vem sendo ministrado nesses


últimos anos, parece que os professores, em sua quase totalidade,
pretendem desenvolver a disciplina de modo a propiciar uma leitu
ra crítica da vida social. Por isso o para isso, ressaltam a im
portância de partir da realidade e dos interesses vividos pelos a
lunos.Ao analisarmos a prática docente, porém, percebemos que nem

12.
sempre esse objetivo e alcançado. Isto porque, alem dos pro"Dle
mas já levantados, a grande maioria dos professores de hoje foi
formada sob a reforma universitária (5 5 40 /6 8), numa época de
extrema desvalorização da disciplina no cenário educacional. Por

isso, falta a esses profissionais uma maior clareza quanto ao


que seria o conteúdo e método para o ensino de Sociologia no 2º
grau.
Dentro desse quadro, percebemos que, em linhas gerais
prevalecem dois tipos de cursos de Sociologia, que classificaria
mos simplificadamente por: tendência conceituai linear e ten
dência temática fragmentada. A primeira se caracteriza por um
programa centrado em conceitos apreendidos de modo isolado, co
mo entidades que, por si sós, definiriam as partes da qual a so-
ciedade se compõe, A visão de totalidade nesta tendência con
sistiria na soma dos conceitos — o que resulta em uma visão li
near na qual as relações sociais aparecem como não-contraditó-
rias. A segunda tendência se caracteriza por um curso temático
no qual, no lugar das "palavras-chaves", elenca-se uma série de
temas considerados básicos cujas partes, também somadas, ori
ginariam uma pretensa totalidade social. Tanto uma como outra
dessas tendências apresentam graves problemas e, portanto, de
vem ser evitadas na estruturação de um curso de Sociologia que
se pretenda crítico. Isto porque, ao valorizar a apreensão iso
lada do significado de um conceito ou de um tema, acaba-se por
desvinculá-lo da realidade histórica em que foi produzido — o
que leva obrigatoriamente o aluno a uma postura de mera memori
zação dos conteúdos. Cursos assim, desordenados e fragmentados,

reproduzem o senso comum que vê a Sociologia como uma ciência


na qual o conhecimento é adquirido (e mesmo produzidos) de for
ma evolutiva, através da :..era soma de palavras ou temas apreen
didos pelos alunos. São cursos em que os conceitos ou temas non
sempre aparecem sistematizados a partir de uma concepção histó
rica, nem me3mo relacionados entre si numa sequência lógica, o
que leva à concepção da totalidade social como uma soma de par-

13
tes diferentes entre si. Ao contrário, a totalidade que pretende-
mos atingir por meio da nossa proposta deve ser entendida como
processo em contradição — o que não significa uma soma das p ar
tes mas, antes, uma inter-relação entre elas, na qual uma das
partes ao explicar a outra, pode também negá-la.
A proposta de conteúdo que apresentamos pretende basear
um curso de Sociologia em que os conceitos e temas formem uma re-
de de relações, ou melhor, um processo, no qual a compreensão de
um conceito ou tema deve ser mediada pela compreensão do conteú 
do subsequente. Assim, não é possível a supressão de uma de suas
partes, nem a sua fragmentação em uma lista de palavras ou conce-
tos a serem apresentados aos alunos. A proposta de curso apresen-
tada na seqüência, deve contribuir para que tanto professores co-
mo alunos percebam o desenvolvimento social como um processo em
contradição, não necessariamente ligado ao equilíbrio e à harmo
nia. Tentamos sempre que possível não "naturalizar" a realidade
social. Ao contrário, procuramos mostrá-la como produto de uma a
ção civilizadora, resultado de um longo processo histórico con
flitivo, no qual grupos humanos se complementam e, em situações
históricas determinadas, ao mesmo tempo se antagonizam.
CAPÍTULO 2

UMA PROPOSTA DE CONTEÚDO


Trataremos, a seguir,do conteúdo fundamental selecionado e doa ei-
xos artículadores de nossa proposta para um curso de Sociologia
no 2º grau.
As Unidades, o programa

0 conteúdo a ser proposto se distribui em quatro unidades


consideradas fundamentais que , de modo conciso, podem ser enten
didos como:
1) 0 processo de humanização da natureza; nesta unidade
o aluno irá refletir sobre a importância do trabalho e da cultu
ra na organização e desenvolvimento da civilização humana, carac
terizando também nesse processo as diferentes formas de saber.
2) Organização e_ dinâmica das relações sociais da socie
dade contemporânea: nesta unidade o aluno refletirá sobre as d i
ferentes maneiras pelas quais a Sociologia interpreta a socieda
de capitalista, caracterizando também as formas de produção e re
produção do saber.
3) Organização e_ dinâmica das relações políticas da socie
dade contemporânea;unidade a partir da qual o aluno irá refletir
sobre as relações de poder que se manifestam no Estado e nos m o
vimentos sociais, caracterizando também as políticas públicas de
ensino na sociedade! contemporânea.
4) Organização e_ dinâmica das instituições sociais da so
ciedade contemporânea;unidade na qual o aluno refletirá sobre as
relações de poder que aparecem na família e na escola, confrontan
do-as entre si e com as questões levantadas nas unidades anterio-
res.
Detalhando um programa para essas quatro unidades, temos:

Unidade 1: A humanização da natureza


0 conceito de trabalho e cultura (Tópico 1)
A) 0 processo de transformação da natureza e o excedente
econômico: da sociedade tribal à escravista
B) O processo de representação da natureza e a cultura
C) A consciência mítica
0 momento da civilização (Tópico 2)
A) A organização social complexa: agricultura, cidade e
comércio
(B) A organização social complexa: a escrita, a lei e as
primeiras formas de organização do Estado
C) A consciência filosófica
A Sociedade industrial (Tópico 3)
A) Manufatura, fábrica e mundo urbano
B) A questão da propriedade dos meios de produção
C) A consciência científica .
D) 0 nascimento da Sociologia: as tendências teóricas

Unidade 2: A sociedade capitalista

A organização social capitalista na concepção funcionalista (Tópi-


co 1)
A) Moral social e divisão do trabalho social
B) A produção da solidariedade orgânica
C) Os problemas sociais e o papel da Sociologia
A organização social capitalista na concepção histórico-crítica
(Tópico 2)
A) A produção de mercadorias e a formação do capital
B) Classes sociais: o econômico e o político
C) Cidade-campo: a integração contraditória
0 processo de controle social (Tópico 3)
A) Hierarquia, disciplina e regra
B) 0 processo de alienação
C) Trabalho manual e intelectual: o monopólio do saber
Sociedade capitalista: reprodução e resistência (Tópico 4)
A) 0 conceito de ideologia
B) A cultura popular
Unidade 3:Estado e movimentos sociais
Teoria do Estado (Tópico 1)
A) A def in içã o do Estad o n a concepção liberal
B) A definição do Estado na con ce pçã o h i s t ó r i c o - c r í t i c a
C) Demo crac ia e au to ri ta ri sm o
Mo vi me nt os so ci a is urban os e r u r a i s (Tópico 2)
A) D efi niç ão, r el a çã o con as cl as se s e com o Est ado
B) A produção de uma política pública do ensino a partir
da re la çã o Esta do - movi ment os so ci ai s

Unidade 4: Família e escola


A instituição família (Tópico 1)
A) Mo de lo s fam il ia re s da sociedad e ind us tr ia l" em confron-
to c om mode los fa mi li ar es de out ra s soc ied ade s
B) Mo de lo fa mi li ar ide olo gic ame nte dominante na so ci ed a
de urbano-industrial
A instituição escola (Tópico 2)
A) Organ izaçã o e formas d e poder pr es en te s na es co la
B) Relação da escola com o Estado e com os movimentos ao

Justificativa do conteúdo

A concepção que orienta a proposta de conteúdo deste pro _


j e t o a r t i c u l a - s e a p a r t i r das n o ç õ e s d e t r a b a l h o e co nh ecim ent o.
Partimos da noção de trabalho porque este é o elemento
org ani zad or da vid a s o c i a l , po is o a única at iv id ad e qu e permit e
ao se r humano des env olv er u ma ação — re fl ex ão s obr e a na tu re za a
ponto de transformá-la segundo suas necessidades. Sendo o traba-
Iho uma a t i v i d a d e co le ti va , po de mo s pe rce ber os se re s hu manos a-
tuando un s com ou tr os , tecendo assim as re la çõ es s o c i a i s .
Partimos também do conhecimento porque este é uma dimen-
são do pr óp ri o ato d e t r a b a l h a r : nos gest os da prod ução e repr o-
dução da sua existência, de in d iv íd uo s org ani zam e acumulam expe-
riências, desenvolvem uma reflexão (sistematizada ou não) que
lhes permite aperfeiçoarem suas vidas. 0 conhecimento também é
portanto, expressão de um determinado modo de organização social.
Elaborar um conteúdo de Sociologia que tenha como refe
rência as noções de trabalho e conhecimento é contribuir direta
mente na construção do direito à cidadania do aluno. Como defi
nimos anteriormente, ser cidadão 6 ter direito ao trabalho e à par
ticipação consciente nas riquezas sociais que, com seu trabalho,
o indivíduo ajuda a construir. 0 que só é possível plenamente
quando o sujeito compreende a organização do trabalho e do conhe_
cimento na sociedade contemporânea em que ele vive e atua.
É preciso, portanto, partir das noções de conhecimento e
trabalho para compreender a sociedade contemporânea como uma to
talidade histórica em contradição. Isto é, para perceber que es
ta sociedade se fundamenta em relações sociais ao mesmo tempo

complementares e antagônicas, que emergem de um contexto históri-


co. Assim será possível contrapor-se à visão a-crítica, que ex
plica a sociedade como uma mera soma de diferentes instituições,
cujo resultado é um corpo harmônico. Ao contrario, admitimos que
a essência da sociedade nem sempre tende ao equilíbrio, mas ao
conflito. Somente se incorporarmos as noções de trabalho e conhe_
cimento como elementos teóricos básicos de compreensão do social
é possível compreender a real dinâmica da sociedade contemporâne_
a.
Admitindo a importância de partir das noções de conheci
mento e trabalho como pilares teóricos da proposta de conteúdo
sociológico para os cursos de 2º grau, não é possível ignorar u-
ma dificuldade: a dificuldade de iniciarmos o curso com essa or
dem de reflexão em face do grau de complexidade da realidade so
cial brasileira contemporânea. Com essa preocupação em vista,
propusemos a primeira unidade como uma introdução pela qual o a-
luno comece a discutir a importância do trabalho e do conheclmen-
to na evolução do ser humano. So então, já na segunda unidade, o
aluno passará a estudar a organização e dinâmica da sociedade ca

19.
pitalista. Percorridas essas etapas, ao se iniciar a terceira u
nidade, provavelmente o aluno estará em condições de refletir '
sobre as relações sociais que envolvem o exercício) do poder em
nossa sociedade. Nesse momento, priviligia-se a compreensão da

noção de participação política do cidadão: a relação existente'


entre sociedade civil e Estado. Desse modo, na última unidade
será possível compreender as instituições sociais família e es
cola, percebendo-as como elementos históricos integrantes da to-
talidade social.
Vale salientar que o conteúdo aqui proposto é amplo, po-
rem, está longe de esgotar as principais preocupações teóricas
da ciência sociológica. Tendo consciência de que esta discipli
na será ministrada durante um ano e com duas aulas semanais na
série inicial do curso de 2º grau, não tivemos a intenção de or
ganizar um conteúdo quo levasse o aluno a uma erudição en Socio-
logia, o que seria mesmo impraticável e indesejável nesta fase.

Temos consciência também de que vários aspectos da realidade so


cial foram deixados de lado nesta proposta. Ao priorizarmos cer-
tas questões, optamos claramente por um caminho para o aprendi
zado de sociologia, deixando outros, possíveis , de l a d o — a ci
ência, enfim, não é neutra. No entanto temos certeza de que, do
minando o conteúdo aqui proposto, o aluno será capaz de superar
a própria limitação deste conteúdo. Ao aprender essas noções bá
sicas, movido por interesse próprio, ele será capaz de prosse
guir com estudos mais aprofundados em Sociologia.

Por fim, ressaltamos quo a organização do conteúdo foi


feita com a preocupação de, ao contribuir para a construção do
direito à cidadania, fornecer ao aluno elementos para que ele se
ja capaz de:
• estabelecer a diferença entre o seu conhecimento de sen
so comum com o conhecimento cientifico; em outra3 palavras, per
ceber que os fatos isolados do seu cotidiano (prática) podem ser
associados, melhor entendidos e re-elaborados em decorrência do
sua. relação com a totalidade socia1 (teoria);
.desenvolver uma percepção crítica da realidade social
que o cerca, ou seja, entender que um mesmo fenômeno social pode
ser apreendido através de perspectivas diferentes;
.incrementar sua noção de participação social; em outras
palavras, ao perceber a sociedade como um processo em movimento
constante, que ele entenda sua ação individual como uma ação que
também pode influir nos rumos desse movimento.
Acreditamos que esses três objetivos são fundamentais
para o exercício consciente da cidadania. Acreditamos ainda que >
através desta proposta de conteúdo, é possível uma contribuição
no desenvolvimento desses objetivos; isto porque norteamo-nos
por uma concepção que tenta negar as teorias a-críticas, basea
das nos princípios de estática, linearidade, harmonia. Procura
mos fornecer questões teóricas que se articulem pelos princípi
os de movimento,contradição, conflito, possibilitando ao aluno
estabelecer a diferença entre o conhecimento de senso comum e o
conhecimento cientifico, desenvolver sua percepção critica da
realidade e incrementar sua participação social.

Temos consciência de que, isolada das preocupações com


uma metodologia de ensino, esta proposta de conteúdo corre o ris
co de tornar-se também um conhecimento estático, linear, harmo
nioso. Por isso, no capítulo seguinte levantamos algumas ques
tões básicas, para a constituição de um processo no qual o alu
no possa assimilar esse conteúdo de modo crítico e dinâmico. Is_
to terá que ser garantido por uma metodologia de ensino que se
articule pelo princípio da problematização-teorização.
CAPÍTULO 3

SOBRE A METODOLOGIA DE ENSINO


O desenvolvimento inadequado de um conteúdo sociológico crítico
pode ter como conseqüência a reprodução de valores pré-científi-
cos. Por isso se fazem necessárias algumas considerações método
lógicas para auxiliar no desenvolvimento do conteúdo,de tal for
ma que se assegure o real conhecimento., Para garantir que isto
ocorra, ressaltamos a necessidade de o conteúdo ser desenvolvi
do a partir de um movimento contínuo de problematização-teoriza
ção. Devemos entretanto esclarecer o significado desse movimento.

Problematizacão-teorização

A problematização de questões do senso comum, presentes


em todos nós, deve ser sempre o primeiro momento, o ponto de par
tida da3 atividades. Alertamos que essa problematização não de
ve ser confundida com um simpleslevantamento dos acontecimentos
ocorridos em nossas vidas» Ao contrário, problematizar significa
criar uma situação que desperte no aluno a necessidade de enten
der os fenômenos de seu cotidiano sob outra perspectiva, que não
a do senso comum. Em outras palavras, significa mobilizar o alu
no para que perceba nos fenômenos sociais particulares uma dimen
são geral (teórica).
É comum entender que um curso de Sociologia torna-se cri
tico porque lida con o cotidiano do aluno. Algunas tendências pe_
dagógicas da atualidade têm enfatizado na importância de partir
da realidade vivida pelo aluno; nesse sentido, admite-se que o

conteúdo é algo que vai se construindo no decorrer do ano letivo,


através das questões que o aluno coloca ao professor. Não temos
a pretensão de negar a importância dessas tendências pedagógicas,
mas e fundamental não nos limitarmos à percepção de que o conteú
do e algo que parte apenas do aluno: não podemos negar a existên-
cia uma soma de conhecimentos que diferem das concepções de sen
so comum por possuirem um caráter sistematizado e que são impor
tantes inclusive para transformar o mundo.
23.
Devemos ter cuidado com me topologias de ensino que afirmam
partir da realidade do aluno mas, que, na verdade, apenas justifi
cam a atitude de lidar com noções de senso comum, negando sutil-
mente aos alunos o direito ao saber científico. Não devemos negar

o saber cotidiano do aluno, não devemos, porém, reduzir a Sociolo


gia a uma pura catalogação e reprodução desse saber de senso co
mum» Quando nos referimos à problematização, afirmamos que o co
tidiano vivido pelo aluno é importante no aprendizado da Sociolo-
gia, mas não devemos atuar apenas nessa instância do conhecimen
to o Devemos, sim, utilizá-la para motivar e despertar no aluno a
necessidade para uma reflexão rigorosa e sistematizada sobre a vi-
da social. A problematização, assim definida,é o ponto de partida
para chegar à teorização das relações sociais. Assim procedendo ,
poderemos contribuir para o surgimento de uma nova prática soc i
al.

Entendemos que determinados momentos do desenvolvimento


de cada sub-item do programa são destinados à problematização do
conteúdo, para que o aluno sinta a necessidade de conhecê-lo mais
profundamente para entender melhor a sua vida. Essa problematiza
ção do conteúdo poderá ser desenvolvida através de determinadas
técnicas. Em outro momento, o conteúdo poderá ser desenvolvido na
perspectiva teórica. Esgotado esse momento de teorização, abre-
se terreno para uma nova problematização de outro aspecto do con
teúdo ainda não desenvolvido, e assim por diante.

Aula expositiva ou dinâmica de grupo?

Para o desenvolvimento de uma metodologia de ensino que

vise garantir a apreensão do conteúdo por parte do aluno, o profes


sor tem um papel fundamental. Ele não é apenas um orientador, é
organizador e transmissor do conhecimento crítico. 0 aluno, por
sua vez, também é um organizador e transmissor do conhecimento.Es
se conhecimento, porem, muitas vezes apresenta-se desordenado e
permeado por noções do senso comum, calcados na experiência coti-

24.
diana do aluno. É um conhecimento que não pode ser desprezado, uma
vez que consiste na matéria-prima a ser trabalhada pelo professor.
Mas, se partimos do princípio que a pura catologação do saber de
senso comum explica a dinâmica da sociedade contemporânea, a So

ciologia passa a ser uma ciência supérflua. Por isso a aula de So_
ciologia não deve resumir-se a um espaço para a troca de concep
ções não refletidas criticamente,
A tarefa primordial do professor e' portanto a de ser o a-
gente que relaciona o conhecimento de senso comum ao conhecimento
científico, capacitado que está por uma carga maior de leituras ,
pelo acesso às regras de reflexão sistematizada etc. Foi nesse
sentido que negamos o papel do professor como mero orientador, a-
firmando-o como um agente sistematizador do conhecimento: aquele
que deve ser capaz de indicar a diversidade de pensamentos possí
veis, justamente no momento em que se imagina existir um único
pensar.
Com base nessas considerações, afirmamos a aula expositi
va como um recurso Importante no desenvolvimento de um curso de
Sociologia, pois é o momento quo possibilita a sistematizaçã
o dos
conhecimentos o 0 aluno, por si so, dificilmente desenvolverá um
método de estudo, pois lhe falta a base de informações que inte
gram o conteúdo» Por isso a figura do professor é importante: em
sua exposição, ele coloca dados e argumentos teóricos a serem re
fletidos pelo aluno. No entanto, uma aula expositiva mal prepara
da pode levar esse professor a uma reprodução disfarçada do senso
comum. Isso significa que o professor necessita cada vez mais se
definir também como produtor de conhecimentos, o que, em Sociolo
gia, significa estar em permanente contato com livros, elaborar
pequenos textos a partir de suaa leituras, participar da discussão
da experiências de outros professores. A tal ponto de, no momento
em que prepara a sua aula, ser capaz de re-produzir os vários
"pontos de vista" existentes sobre aquele conteúdo.

A aula expositiva represei,ta um dos momentos do processo


Av teorização. Portanto, nesse momento, o professor deve fornecer
25.
ao aluno um conjunto de informações organizadas de tal maneira
que o torne capaz de entender e de refletir sobre o conteúdo. En
tendimento e reflexão que levem o aluno a perceber que vários de
seus pré-conceitos sobre as relações sociais não são sinônimo da
realidade social. Ao fornecer informações novas ao aluno a aula'

expositiva pode ser o momento de demonstrar que a sociedade se


organiza também através das aparências E que, para chegarmos à
sua essência, e necessária uma reflexão diferente da que realiza
mos quando estamos diante das questões práticas do nosso cotidia
no.
Por outro lado, as aulas expositivas devem ser intercala
das por dinâmicas de grupo» Se a exposição do professor pode ga
rantir o desenvolvimento do conteúdo, as dinâmicas de grupo têm
por objetivo ajudar no questionamento das concepções do senso co_
mum, motivando e despertando o aluno para a importância de rela
cionar os fatos"isolado3"do seu cotidiano com a totalidade soci
al. Essas dinâmicas podem contribuir também para despertar a
necessidade de refletir teoricamente sobre o que é proposto pelo
conteúdo. Por último, as dinâmicas de grupo são importantes tam
bém porque um curso de Sociologia desenvolvido apenas através de
exposições do professor corre o risco de apresentar o conteúdo
como algo distante da realidade vivida pelo aluno. As dinâmicas
de grupo representam então o momento para uma reflexão mais li
vre, criadora e motivadora no qual, através de algumas técnicas,
o professor possibilita que o aluno construa aspectos do conheci-
mento a sarem re-elaborados nas aulas expositivas. Em resumo, as
dinâmicas de grupo constituem momentos que dão sentido ao desen
volvimento do conteúdo proposto.
As dinâmicas de grupo podem ser organizadas e desenvolvi.
das das mais diversas formas possíveis, cabendo ao professor a ta-
refa de sua elaboração, bem como a escolha do melhor momento de
sua aplicação. Neste projeto sugerimos apenas que em cada unidade
deva existir um certo número de aulas destinadas a e3sas ativida
des. Mesmo ficando a critério da criatividade do professor, a tí-

26.
tulo de ilustração, sugerimos que se recorra a dinâmicas de grupo
em que o aluno tenha chance de lidar com imagens (fotos, desenhos),
com diversas modalidades de texto (artigos de jornal, poesias) e

também com sons (mensagens gravadas, músicas),, Isto possibilita


que as dinâmicas de grupo assumam também a forma de debates nos
quais o aluno fica livre para colocar as questões que deseja, ca
bendo ao professor, nesse caso, o papel de orientador da ativida
de, de modo a relacioná-la con o conteúdo proposto.
Com as dinâmicas de grupo de un lado e, com as aulas expo-
sitivas de outro, estaremos na prática possibilitando a existên
cia do movimento problematização-teorização.

Uso ou não do livro didático?

Os professores que atuam na escola brasileira cada vez

mais têm organizado suas aulas a partir das informações contidas


nos livros didáticos. Esta é uma prática comum tanto entre os pro
fessores da escola primaria quanto entre os que lidam com o 2º
gra.No caso especifico da Sociologia, a quase inexistência de
textos didáticos obriga muitos docentes a uma prática altamente
criativa de elaboração dos seus próprios textos, a partir da leitu
ra que realizam de livros não-didáticos.
De qualquer modo; essa prática criativa é ainda minoritá
ria devido à baixa remuneração a que o professor está sujeito, a
uma jornada de trabalho extenuante, a qual se agregam dificulda
des de locomoção de um estabelecimento de ensino a outro. Esses ,

dentre outros problemas, fazem com que a grande maioria dos pro
fessores que lecionam Sociologia no 2º grau também se apeguem à
utilização doe poucos livros didáticos existentes, como se esses
textos fossem a "tábua de salvação" para as precárias condições
de elaboração do seu curso. Muitos teóricos, ao analisarem recen
temente as informações dadas pelos livros didáticos, acabaram por
perceber e denunciar os graves problemas que acompanham esse tipo
de texto: trazem informações que nem sempre priorizam o entendi-

27.
mento das relações sociais fundamentais; apresentam os conceitos
fora do contexto histórico em que foram ou são produzidos; a no
ção de evolução social é tratada linearmente; a sociedade define-
-se como um corpo homogêneo, tendente ao equilíbrio e à harmonia;
os problemas sociai3, quando aparecem, são tratados como "doen
ças passageiras" dessa sociedade, cujas causas são atribuídas a
condutas individuais ditas desviantes. Por essas e outras razões,
são livros que valorizam uma visão de mundo a-critica.
Cabe, porém, lembrar que esses livros didáticos não apre_
sentam informações falsas. Ao contrário, estruturam-se até com
certo rigor científico . No entanto, são textos que explicam a
realidade social sob o ponto de vista da classe dominante. Por
isso, o professor que os adota na maioria das vezes acaba repro
duzindo esse ponto de vista particular como se fosse realidade
universal. 0 livro didático, nessa situação, desempenha um papel
puramente ideológico: apresenta a visão de mundo de uma classe
como a única visão possível. Assim, passa a ser um instrumento e_
ficaz de educação sob os padrões e interesses da classe dominan
te. Diante dessa realidade surgem as questões:adotar ou não o
livro didático? Criar um novo livro didático, substancialmente
diferente? Teria o professor disponibilidade para isso?

Temos claro que abandonar o livro didático não é uma ati-


tude simples. So várias regiões do Brasil esse tipo de texto aca-
bá sendo o único livro a que a população tem acesso. Por outro
lado, as dificuldaues com que o professor se defronta constante
mente, acabam por limitá-lo a tal ponto que a utilização do li 
vro didático passa a ser o unico meio eficaz de preparar sua au
la. Surge o dilema: até que ponto é possível, na realidade edu
cacional que vivemos, prescindir do livro didático de que dispo
mos atualmente?
Se abandonar o livro didático é difícil, por que não co
meçarmos a refletir sobre o melhor uso que se pode fazer desse ti
po de texto? Talvez o mais importante neste momento não seja tro-
car o livro adotado e, sim, mudar substancialmente o modp como o
28.
estamos utilizando o
Para realizar um bom curso de Sociologia não basta pres
cindir do livro didático Antes, é necessário que o professor mu 
de a sua postura frente a forma como vem utilizando esse recurso.

0 primeiro passo é não confundir as informações do livro com o


conteúdo de seu curso de Sociologia. Nenhum livro didático, por
mais completo que possa ser, deve substituir um conteúdo previa
mente programado pelo professor. Na situação atual, o mais inte -
ssante talvez fosse o professor organizar os alunos em grupos, in
dicando diferentes livros, de tal modo que na sala de aula exis
tisse confrontação entre as informações existentes nos diversos
textos. Diferentes pontos de vista sobre uma mesma realidade so
cial podem contribuir para que as informações úteis ao desenvol
vimento do conteúdo proposto co ressaltem frente a informações li_
mitadas. Procedendo desta forma, o professor passa a ter um dis

tanciamento crítico frente ao texto, passa a desenvolver um méto


do de utilização do livro que permite até aproveitar bem ura texto
considerado deficiente. Esse distanciamento crítico se constrói
também quando o professor adota uma postura questionadora frente
as informações que o livro contém, confrontando-as com a realida-
de vivida pelos alunos.
Algumas perguntas fundamentais devem acompanhar o profes
sor no decorrer do ano letivo: Qual é a realidade apresentada pe
lo livro didático? Quem vive essa realidade? Haveria uma outra
realidade? Qual ? Por que o texto não a apresente.? Com essas preo_
cupações em mente, concluímos afirmando que não é impossível asso

ciar a proposta de conteúdo apresentada neste projeto com a utili


zação de livros didáticos. Essa é uma possibilidade que depende,
Como vimos, de como utilizarmos o livro. Depende do distanciamen
to critico quo tenhamos frente ao texto, não confundindo o conteú
do curso com ao informações contidas no livro. Por último, de
pendo de confrontarmos a realidade apresentada no texto com a rea-
1idade vivida pelos alunos.

22.
CAPÍTULO 4

HUMANIZAÇÃO DA NATUREZA (1ª UNIDADE)


Os conteúdos selecionados no início do trabalho, nesta primeira
Unidade do curso, de Sociologia para o 2º grau,são os seguintes:
0 conceito de trabalho e cultura (Tópico 1)

A) 0 processo de transformação da natureza e o exceden


te econômico: da sociedade tribal à escravista
D) 0 processo de representação da natureza e a cultura
C) A consciência mítica
0 momento da civilização (Tópico 2)
A) A organização social complexa; agricultura, cidade e
comercio
B) A organização social complexa: a escrita, a lei e. as
primeiras formas de organização do Estado
C) A consciência filosófica
A sociedade industrial (Tópico 3)

A) Manufatura, fábrica e mundo urbano


B) A questão da propriedade dos meios de produção
C) A consciência científica
D) 0 nascimento da Sociologia: as tendências teóricas

Aspectos teóricos

Esta unidade tem como objetivo levar o aluno a conceber


o trabalho como atividade humana criadora, a partir da qual as
pessoas, ao transformarem a natureza, transformam-se a si mes
mas: ao fazer, o homem se faz. Com isso, podemos perceber a cul
tura como o resultado desse processo, isto é, como momento da

natureza humanizada.
Trabalho e cultura são portanto atividades que interagem,
permitindo a construção do mundo civilizado, cujo significado e
dado pela produção do ser humano cultivado, enxertado. 0 homem é
um ser que enxerta a si mesmo (produz-se), cora o objetivo de produ
zir frutos mais "nutritivos e saborosos". Nesse sentido, a civi
lização 6 o momento da elaboração das invenções e descobertas
realizadas pelo homem para proteger a sua vida, para torná-la

31.
mais independente em face das forças naturais. A civilização ga
rante o aperfeiçoamento da vida , ao mesmo tempo que ajuda a torná -
la mais bela e significativa. Civilizar é, portanto, aumen tar a
humanidade do homem nes se mundo ao mesmo tempo rea l e imaginário.

A relação homem-natureza-cultura é garantida pelo trab alho. Tra 


balho que é ação e reflexão sobre essa ação e que, no mesmo movi
mento, garante a produção da vida e garante também a sua civili
zação» A importância de começar um curso de Sociologia Geral pe-
los conceitos de trabalho e cultura reside no fato de que estas'
são as atividades humanas que fundam a sociedade (civilização) .
Por outro lado, é muito importante também questionar a noção de
que civilizar não é um movimento linear e unificado. Bem diferen-
te disso, a civilização é um movimento contraditório, pois, ao
mesmo tempo que liberta o homem das forças naturais opressivas ,
o escraviza a outros semelhantes.

Ê necessário, portanto, captar a dupla dialética do tra 

balho e da cultura: atividades que , ao civilizarem, trazem consi-


go elementos que podem negar essa civilização. Os primeiros po
vos organizados — q u e construíram cidades, desenvolveram o comer
cio e atividades agrícolas baseadas em técnicas, criaram e d omi
naram a escrita assim como uma arte complexa e estabeleceram as
primeiras formas de Estado— esses povos floreceram sobre o tra
balho escravo e criaram uma cultura que legitimava essa socieda
de de base escravocrata. Foi com base no escravismo que se desen-
volveram a Mesopotâmia, o Egito , a Grécia, Roma e as civiliza 
ções pré-colombianas.
Todos esses aspectos citados acima podem ser abordados
simplificadanente através dos conceitos de divisão social do tra

balho e de excedente econômico: a partir do momento que as ativi-


dades humanas se especializam e se tornam mais complex as, permi
tem que uma dada sociedade produza mais do que consome. Daí a
pergunta: quem e como se apropria dessa riqueza, desse excedente
que foi produzido naquela sociedade?

32.
Consideramos importante, num curso de Sociologia Geral,
abordar de modo Conciso e rápido a dinâmica das sociedades tri
bal e escravista como uma introdução às formas de produção das
sociedades que antecedem à nossa. Ao mesmo tempo essas socieda
des permitem a reflexão sobre as relações de igualdade - desigual
dade e dominação - libertação na construção da civilização huma
na. No entanto, não é obrigatório nesse momento um estudo das so_
ciedades do passado. É possível compreender a dinâmica de uma so
ciedade tribal por meio de um estudo introdutório das nações in
dígenas no Brasil de hoje, relacionando-as com a nossa sociedade
urbano-industrial, para que os alunos percebam alguns dos confli_
tos que resultam dessa relação-
Por outro lado, também e fundamental vincular o conceito
de saber a esse processo. 0 saber esta ligado não apenas à repro
dução da sociedade, mas esta intimamente ligado à produção dessa

mesma sociedade. Compreendendo o saber dessa maneira, é possível


relacioná-lo ao tempo histórico e, a partir daí, caracterizar as
suas diferentes formas: a consciência mítica, a consciência filo
sófica e a consciência científica. Leve-se evitar o erro de con
ceber essas diferentes formas de saber de modo linear, como se u
ma antecedesse a outra, como se houvesse uma progressão, de esta
dos inferiores a estágios superiores, do mítico ao científico.
Ao contrário, trata-se de demonstrar que tanto a consciência mí 
tica, como a filosófica e a científica possuem uma lógica própri
a, o que impossibilita determinar qual delas é a concepção de
mundo mais elaborada. Em outras palavras, as três concepções de
mundo são possíveis, estão presentes na sociedade contemporânea,
e devem ser aceitas e analisadas.

Todas essas questões e conceitos devem ser refletidos


nas primeiras aulas de Sociologia Geral. Bem trabalhados, eles
permitem que os alunos comecem a compreender que o movimento con
traditório da civilização possibilitou o desenvolvimento da oocie-
dade industrial na qual estamos inseridos. E3te é um dos objeti
vos desta Unidade: levar a aluno a compreender que a sociedade

33.
industrial é resultado de um movimento civilizador que mantém
dentro de si a contradição entre dominantes e dominados, não
mais na mesma dimensão da sociedade escravista. Aquela contradi
ção é agora mediatizada pela fábrica e por um saber muitas vezes
utilitário» Deve-se enfim tentar estabelecer os diferentes modos
com que o ser humano se apropria da natureza e a representa, com
o objetivo de captar a especificidade do trabalho e da cultura
sob a sociedade industrial, ainda que de modo introdutório.
Por último, ainda nesta Unidade, é possível fazer uma
breve referência ao surgimento da Sociologia. 0 desenvolvimento
contraditório que possibilitou a afirmação da sociedade industri
al criou também condições para o desenvolvimento de uma ciência
preocupada em entender, analisar e interferir nessa ordem social:
a Sociologia. Convém lembrar que, apesar de surgir como ciência
voltada à tentativa de restauração do equilíbrio da sociedade,
a Sociologia se desenvolve também por meio de teorias que apon

tam para um caminho inverso: a necessidade de superação desse mo


delo social do qual ela, a Sociologia, é fruto.

Métodos de ensino

Para o primeiro tópico, "0 conceito de trabalho e cultura",


sugerimos quo se dediquem cinco aulas.
Propomos que a primeira aula seja reservada para um con
tato inicial com os alunos, procurando indagar deles o que enten
dem por Sociologia. Anotando no quadro-negro as mais diversas o-
piniões, cabe ao professor buscar uma definição simplificada e
provisória da disciplina. Num segundo momento dessa aula, o pro
fessor pode apresentar uma visão geral da sua proposta de conteú
do e método para o ano letivo, fornecendo dados para que os alu
nos comecem, aos poucos, a ampliar seu conceito de Sociologia.
A segunda aula dará início ao trabalho com o conteúdo, a
partir de uma atividade de problematização. Sugerimos que o pro
fessor comece a aula dividindo os alunos em grupos e pedindo-lhes
34.
que tentem definir, a partir de suas experiências pessoais, o
que e cultura e trabalho. Num segundo momento, cada grupo deve a
presentar o resultado de suas reflexões para o restante da clas
se.
Na terceira aula, o professor relembrará junto aos alu
nos as principais conclusões da aula anterior, colocando-as sin
teticamente no quadro-negro. A partir daí, cabe ao professor
questionar essas conclusões, mostrar suas limitações, aperfeiçoá-
-las e transmitir principalmente informações nov as. Eis um momen
to para uma aula expositiva na qual,a partir das primeiras refle
xões dos alunos sobre trabalho e cultura, o professor acrescenta
ra um conhecimento sistematizado, desenvolvendo os itens a, b, c
deste primeiro tópico.

Uma quarta aula pode ser dedicada à leitura e análise de


texto. É o momento da utilização do livro didático ou de qualquer
outro texto que trate dos aspectos propostos no conteúdo. 0 obje
tivo dessa aula e colocar o aluno diante de questões un pouco
mais complexas, a partir da analise do texto. Note-se que o alu
no irá se defrontar com um texto que poderá apresentar dificulda
des de compreensão; irá lidar,porém, com temas que já lhe são fa
miliares, pois começaram a ser desenvolvidos nas três aulas ante
riores. Cabe ao professor orientar essa leitura de tal modo que
o aluno seja capaz de prosseguir com seus estudos também em ca
sa.

Uma pequena avaliação do que foi apreendido e re-elabora


do pelos alunos será a atividade central da quinta aula. Pode

ser um exercício simples: uma pequena redação, a confecção de um


desenho, uma comparação de pequenos textos etc.
Para desenvolver o segundo tópico,"0 momento da civiliza
ção", sugerimos que se dediquem quatro aulas.
A técnica de problematização será realizada a partir de
um questionamento e debate, Se possível, o professor proporá aos
alunos que formem um círculo, escolhendo um ou dois deles para a
notar o desenrolar da aula. Lançará aos demais as seguintes inda
gações: a violência pode ser considerada uma manifestação cultu-
ral? Por quê? O que caracteriza a nossa cultura atual? 0 trata-
lho sempre foi,como vimos, fonte de riqueza; como explicar então

uma situação de pobreza numa sociedade escravista do passado?


Qual a possível relação das leis com o trabalho? ...?
A partir dessas e de outras perguntas, o professor coor
denará um debate em sala de aula, ao fim do qual recolherá o re
latório produzidos pelos dois alunos que secretariaram essa ati
vidade, Ê importante lembrar que essa dinâmica de grupo não visa
esgotar o assunto proposto; deve ser realizada com o objetivo de
motivar e levantar mais dúvidas do que respostas em torno do con
teúdo.
Numa segunda aula, o professor colocará no quadro-negro
alguns aspectos contidos no relatório sobre o debate da aula an-
terior para, a partir daí, acrescentar a essas questões uma sé

rie de informações novas, que seriam os desdobramentos dos itens


a, b, c. Será mais um momento de aula expositiva.
Para continuar o desenvolvimento desse tópico, o profes
sor reservara a terceira aula para leitura e análise de textos.
Na quarta aula, a atividade central poderá ser a de discutir as
dúvidas de leitura ou a aplicação de exercícios, como a produção
de uma redação, de um desenho ou de um poema a partir de um dos
aspectos teóricos desenvolvidos nas aulas anteriores.
0 terceiro tópico, "A sociedade industrial", será desen
volvido ao longo de seis aulas.
Para o desenvolvimento da primeira aula deste terceiro
tópico, o profesor deve pedir, com antecedência, que um pequeno

grupo de alunos organize e apresente uma pequena e simples repre-


sentação teatral, na qual se reproduza uma situação de trabalho
comum na região, togo a seguir, aproveitando os fatos contidos
nessa representação teatral., o professor conduzirá um debate.
Na aula seguinte, relembrando junto aos alunos as con-

36
clusões obtidas no debate da aula anterior, o professor fará uma
exposição na qual' trará para os alunos informações sistematiza

das referentes ao itens a e b deste tópico.


A exposição (momento de teorização) deverá estender-se a
té a terceira aula, na qual o professor desenvolverá os itens c
e d deste tópico. Nesta aula, a partir da conceituação de ciên
cia, o professor poderá situar historicamente a srcem da Socio
logia e a sua preocupação com a interpretação e intervenção no
social. Num segundo momento, o professor relembrará a definição
dada à Sociologia na primeira aula do curso, para confrontá-la
com essas novas informações e aperfeiçoar essa conceituação.
A quarta e quinta aulas serão- reservadas respectivamente
para leitura de texto e desenvolvimento de alguns exercícios
Note-se que esta sugestão de métodos de ensino apresenta
a leitura como uma atividade que aparece sempre após a aula de
problematização e da exposição do professor. Assim o aluno terá
subsídios para uma compreensão mais rigorosa do texto. Por outro
lado, também é importante realizar parte da leitura em sala de
aula, porque assim o aluno poderá ser orientado pelo professor.
A sexta aula será reservada para desenvolver algum aspec-
to teórico que não tenha ficado muito claro para os alunos. Ou a
inda para uma avaliação das aulas, por meio de uma discussão en
tre professor e alunos sobre a validade dos métodos, dos conteú
dos, das aulas. e t c .

Textos de apoio

Seguem alguns textos para o trabalho com esta primeira U


nidade.
O processo de humanização da natureza,
Paulo Meksenas

A) PEQUENO ESBOÇO DA EVOLUÇÃO DO SER HUMANO


A existência do planeta Terra é superior a quatro bilhões
de anos, segundo pesquisas geológicas. A vida também é antiga,
pois os biólogos acreditam que as primeiras células vivas datam
de três bilhões de anos. Entretanto, o aparecimento dos animais
superiores, aqueles que possuem uma anatomia complexa, é recente:
datam de setenta milhões de anos. O ser humano, mamífero des
cendente de um ramo dos primatas, se desenvolve há três milhões
de anos.
Até nossos dias, a evolução do ser humano esteve condicio
nada por uma série de mudanças na espécie, que só foram possí
veis devido a sua capacidade de pensar e lutar pela superação
.de suas necessidades. Foi enfrentando com o raciocínio necessi
dades como alimentação, vestuário ou moradia que o gênero hu
mano se desenvolveu.
Nesse processo de evolução, a utilização das mãos foi decisiva.
A partir
guiu do momento
adotar queereta,
uma postura um grupo específico
as mãos de primatas
começaram conse
a ser usadas
como ferramentas para pegar e segurar objetos. Ao contrário de
outros mamíferos, quando o homem passou a utilizar apenas os
pés para se locomover., deixando as mãos livres, pôde fabricar
outras ferramentas que o ajudaram a enfrentar o meio em que vivia.
Nasce assim o trabalho: atividade que exige do gênero humano o
uso constante das capacidades mentais e físicas na construção dos
meios que possibilitem a sobrevivência.
Vale salientar que iodo esse processo, além de levar milhares
de anos, não atingiu um indivíduo isoladamente, mas todos. Essas
conquistas se deram
qual os seres dentro
humanos de um processo
aprenderam juntos a educativo
sobreviver.coletivo, no
Foi esse
enfrentamento coletivo com a natureza que possibilitou o desenvol
vimento da linguagem.
De posse das formas de expressão e comunicação que a lin
guagem possibilitou e, através do uso de novas ferramentas, os
seres humanos aperfeiçoaram seus hábitos alimentares, o que im
plicou um maior desenvolvimento do seu modo de viver e de
pensar. Assim, com o passar do tempo, o gênero humano começa
a utilizar o fogo, a roda, os metais, novos tipos de alimentos...
O trabalho leva o ser humano a seguir o caminho da civili
zação: a partir do momento em que transforma a natureza, o
homem também se transforma. A natureza, por sua vez, passa
a trazer as marcas da ação humana.
Passando a viver em lugares fixos através de atividades agrí
colas e pastoris, foi possível ao homem organizar-se em tribos.
As tribos evoluem, as atividades ligadas ao trabalho .se dividem,
nasce a especialização das funções: enquanto alguns caçam, outros
plantam ou ainda fabricam cestos. Aparecem as regras de convi
vência, as crenças, as tradições, o desejo de domínio de uma tribo
sobre outra. Asdolutas
de exploração homementrepelo
tribos rivaisNascem
homem. levou às
as primeiras
primeiras formas
formas
de escravidão.
É em meio à divisão social do trabalho e à escravidão que
vão aparecendo as primeiras cidades. O início da vida urbana
traz novas atividades como o comércio, a navegação, o artesanato.
A cidade institui nova forma de viver; a troca de idéias passa
a ser maior. Surgem novas formas de organizar a vida: as normas
se tornam leis e as leis, por sua vez, fixam costumes, tradições
e maneiras de agir que são tidas como convenientes pelo grupo
social. Nasce assim a sociedade: uma vida em grupo que se carac
teriza por apresentar relações sociais complexas onde, segundo Dur-
kheim, o interesse coletivo impõe regras às condutas individuais.
As primeiras grandes organizações sociais complexas aparecem
entre 4000 e 2000 a.C. São as civilizações do Egito, Mesopotâ
mia, Fenícia, índia, China, Grécia e as civilizações americanas
pré-colombianas.
B) QUANDO A EDUCAÇÃO SE DÁ ATRAVÉS DO MITO
Ao mesmo tempo cm que o gênero humano evoluiu, transfor
mando u natureza através do trabalho, o ser humano também
desenvolveu idéias, valores e crenças sobre seu modo de vida.
As pessoas não so trabalham, também refletem e representam o
mundo
preocupeememquetransmitir
vivem. Esse fato faz comcotidianas
suas experiências que o sera humano se
seus seme
lhantes. Aquilo que se aprende na prática é veiculado para outras
pessoas, o que possibilita que o conhecimento humano sobre a
natureza não se perca, mas se acumule de geração em geração.
Os maís velhos ensinam aos mais jovens os segredos da sobrevi
vência e as formas possíveis de entender o mundo em que vive
mos. Nasce assim a educação: maneiras de transmitir e assegurar
a outras pessoas o conhecimento de crenças, técnicas e hábitos
que um grupo social já desenvolveu a partir de suas experiências
de sobrevivência.
Com isso. podemos afirmar que a educação também é dimen
são essencial na evolução do ser humano, pois cm cada conquista
rumo a civilização também se faz presente a necessidade de trans
missão aos semelhantes. A educação nasce como meio de garantir
a outras pessoas aquilo que um determinado grupo aprendeu.
A princípio, a educação é informal, nasce de modo espontâ
neo, sem necessitar de professores ou escolas, está em todo lugar
c atinge a todos em meio a suas atividades cotidianas. Onde um
sabe, faz c ensina; outro não sabe, observa e aprende.

Nas aparece
educação palavras numa
do antropólogo Carlos Rodrigues
sociedade indígena Brandão,
quando: "As meninasa
aprendem com as companheiras de idade, com as mães. as avós,
as irmãs mais velhas, os velhos sábios da tribo, com esta, ou
aquela especialista em algum tipo de magia ou artesanato. Os me
ninos aprendem entre jogos e brincadeiras de seus grupos de idade,
aprendem com os pais, os irmãos-da-mãe, os avós, os guerreiros,
com algum xamã (mago, feiticeiro), com os velhos cm volta das
fogueiras. Todos os agentes desta educação de aldeia criam de
parte a parte situações que, direta ou indiretamente, forçam inicia
tivas de aprendizagem e treinamento. Elas existem misturadas com
ade vida
amor.enQuase
momentos
sempredenãotrabalho, de lazer,
são impostos de écamaradagem
e não ou
raro que sejam
os aprendizes os que tomam a seu cargo procurar pessoas e situa-
ções: de troca que lhes possam trazer algum aprendizado". '
Vemos que a educação nasce como processo comunitário de
ensinar c aprender, ligado com as necessidades de cada grupo so
cial. Essas formas primárias de socialização estão presentes, não
só nas sociedades do passado, nem só nas sociedades indígenas,
mas também fazem parte da nossa sociedade urbano-industrial.
pois, nus dias de hoje, mesmo existindo uma instituição especiali
zada em educar (a escola), vemos também a existência de toda
uma rede de relações educativas informais na família, notrabalho
ou no lazer.
Podemos também afirmar que essa educação se dá através do
mito. O que isso significa?
Podemos definir simplificadamentc o mito como conjunto de
estórias, tendas, crenças, religiões ou ritos que compõem a vida
de qualquer povo. Us mitos carregam mensagens que se traduzem
nos costumes e na tradição de um povo, são uma maneira pos
sível de explicar um modo de vida. Se a filosofia ou a ciência
explicam
(crença semo mundo através
necessidade de da razão, um mito o explica pelafé
provas).
Podemos afirmar que o ser humano não se caracterizou sem
pre por entender o mundo através das provas que o raciocínio
lógico 'lhe oferece. Antes de explicá-lo racionalmente, o ser hu
mano sente o meio em que vive (tem medo, coragem, ansiedade);
o mito fez com que o ser humano procurasse entender o mundo
através do sentimento e buscando a ordem das coisas. Por isso o
mito é educativo; traz mensagem ou normas que podem criar um
tipo de comportamento no indivíduo necessário para a vida em
grupo.

I. Carlos Rodrigues Brandão, O que é educação, Ed. Brasilien


se (Primeiros Passos), São Paulo, 1981, p. 19.
Por exemplo, há um mito muito difundido entre alguns índios
do Brasil, no qual a origem da noite é atribuída à atitude de um
grupo que, não obedecendo às tradições do seu povo. quebrou um
coco proibido. Dali fugiu a noite, escurecendo toda a mata. Os deuses,
sentindo piedade dos demais índios, devolveram-lhes a claridade do
dia, mas com a condição de que agora seria sempre intercalada com
um período noturno, para que todos se lembrassem do ocorrido.
Não nos preocupando em saber se realmente a existência da
noite pode ser explicada por esse mito ou pela idéia científica do
movimento do globo terrestre, o que importa é saber que esse mito
acaba sendo educativo, porque ele fixa uma norma social: os peri
gos que podem aparecer a um grupo quando não se respeitam certas
tradições ou o cuidado que devemos ter com o desconhecido. . .
£ importante salientar que o mito não é algo do passado
apenas; em nossa sociedade urbano-industrial, também vivemos
ligados aos mitos: o carnaval ou o futebol são, por exemplo, ativi
dades que nos fornecem mitos que dão srcem a modelos e pa
drões de comportamentos sociais. Em relação ao passado, a dife
rença é que não possuímos apenas a consciência mítica, temos tam
bém a consciência filosófica e a consciência científica, formas ra
cionais de explicar o mundo. Na época das primeiras civilizações,
o conhecimento humano ainda estava nas primeiras etapas de
desenvolvimento e por isso existia apenas a consciência mítica: esta
era a única forma possível de pensar. Será apenas com o desenvol
vimento da civilização grega clássica (aproximadamente 300 a.C.)
que o ser humano ocidental começa a entender aquilo que ocorre
no mundo, não só pela emoção, mas racionalmente. É nesse mo
mento que nasce a filosofia.

C) A CONSCIÊNCIA MÍTICA E A CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA


O gênero humano desenvolve de tal modo sua consciência
no tempo que chega um momento onde não basta sentir o mundo
criando valores (mitos) sobre o mundo. Surge o desejo de descobrir
as leis que regem o nosso mundo, a querer entender o mundo de
modo racional.
Nesse sentido, podemos afirmar que a filosofia se opõe ao
mito,
É suapoisambição
a consciência
interprctá-Io
filosófica
de modo
não seracional
limita apara,
sentiremo seguida,
mundo.
questionar a realidade. Enquanto o mito, através de estórias e
crenças, contribuía para o ser humano aceitar o mundo e se adaptar,
a filosofia luta por descobrir o porquê das coisas e a possibilidade
de lhes modificar a ordem.
Daí a importância da antiga civilização grega clássica (it 300
a.C); é a primeira vez que um grupo humano deixa de se guiar
apenas pela consciência mítica para ter uma consciência crítica da
realidade. Pitágoras foi quem pela primeira vez forjou a palavra
filosofia, que pode ser traduzida como sendo a atitude de "amor
à sabedoria". Nesse sentido, podemos dizer que a consciência filo
sófica é um modo de pensar que pretende sempre buscar a ver
dade. Para isso, a postura básica é duvidar de todo conhecimento
já instituído.
Um dos mais importantes filósofos da Grécia, Sócrates, afir
mava que não existe no mundo conhecimento pronto, acabado e
que se desejamos chegar à raiz do conhecimento, devemos — em
primeiro lugar — criticar o que já conhecemos.
O método socrático de buscar a verdade constitui-se em duas
etapas fundamentais: a ironia e a maiêutica. Na primeira etapa,
odevemos desenvolver
conhecimento perguntas
verdadeiro. sobre bem-formuladas
Perguntas aquilo que já énostido como
levariam
a duvidar daquilo que já conhecemos para, na segunda etapa, po
dermos construir um conhecimento novo que no futuro, seria de
novo questionado, dando srcem a outro dado do conhecimento,
c assim por diante.
Nesse sentido, afirmamos que a filosofia é uma tentativa de
entender o mundo racionalmente, contribuindo para o desenvolvi
mento de uma postura que procura sempre questionar as certezas
antigas na busca de novas certezas.
Interessa muito relembrar que a consciência filosófica se de
senvolve no seio duma sociedade (Grécia) já dividida entre escra
vos e senhores. Isso implica a divisão entre aqueles que produ
zem e aqueles que usufruem o produzido; aqueles que organizam
e dirigem e aqueles que são dirigidos. Por isso, a filosofia não
será atividade criativa ao alcance de todos: as mulheres gregas e
os escravos estarão dela excluídos.Nasce a hierarquização do saber:
isto é, a sociedade se divide entre aqueles que podem saber muito
(os senhores que eram filósofos), aqueles que podem saber um
pouco (apenas senhores) e aqueles que não devem saber quase
nada (mulheres e escravos).
Se na sociedade tribal o saber é comunitário, isto é, todos
aprendem e ensinam, nas primeiras sociedades complexas e ainda
hoje o saber é o privilégio de alguns. Percebemos que quanto mais
se desenvolvem as sociedades, maior é a divisão entre os que po
dem aprender e aqueles que não podem. £ nesse momento que
a educação passa a não ser a mesma para todos; teremos de um
lado a educação do senhor, que o levará a ser dominador e. de
outro, a educação do escravo, que o levará a ser dominado. Aqui
a educação se altera profundamente, pois deixa de ser meio de
fazer com que todos tenham acesso ao mesmo saber e a uma
vida comunitária, para legitimar e aumentar as desigualdades.

D) A CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA E A CONSCIÊNCIA


CIENTIFICA

A partir do século XVII (1601-1700 d.C), nova alteração


ocorre no mundo ocidental, a partir do continente europeu. Começa
nova era em que tanto a organização do trabalho como o .conheci
mento sofrem modificações. O ser humano deixa de apenas expli
car ou questionar racionalmente a natureza, para se preocupar
com a questão de como utilizá-la melhor. Nasce assim a ciência,
um modo de interpretar o mundo com fins técnicos; pois agora
não se trata apenas de entender a raiz das coisas, o importante
consiste em saber usar melhor a natureza para nosso maior pro
gresso e conforto. Na Grécia Antiga (= 500 a. C) , o filósofo se
perguntava o porquê da existência das coisas, o cientista do século
XVII se pergunta como utilizar melhor as coisas.
Com essa alteração, o conhecimento, Ínformação sobre o mun
do, se toma muito grande, surgem novos inventos como o teles
cópio, a bússola, o microscópio, balanças de precisão. Por fim,
o próprio conhecimento se fragmenta; ao contrário do filósofo,
que se preocupa com a totalidade do saber, o cientista se torna
o especialista de um só aspecto desse conhecimento. Nascem as
ciências particulares: a biologia, que estuda os seres vivos: a quí
mica,
preocupaque com
estuda as substâncias
o movimento dos elementos;
dos elementos; a física,
a história, que que se
estuda
o desenvolvimento das relações sociais; a geografia, que estuda a
ocupação humana do espaço e assim por diante.
Essa divisão vem de que a ciência esteja preocupada em
entender a natureza com muito rigor: é a busca de um conheci
mento exato sobre a realidade para que se possa agir sobre ela,
tirando-se o máximo proveito. A ciência dá srcem a uma lingua
gem objetiva, que tenta evitar ao máximo as idéias e conclusões
ambíguas e, com isso, teremos as pesquisas seguindo um método
rigoroso através dessas etapas:
1. Observação dos fatos, que dá srcem a uma hipótese (per
gunta cuja resposta exige a investigação do cientista).
2. Decomposição dos fatos em partes (análise), que dá ori
gem à experimentação atividade prática que visa verificar a hipó
tese.
3. A reordenação dos fatos (síntese) que dá srcem às leis da
ciência (é a hipótese confirmada e generalizada para explicar outros
fatos semelhantes).

reira, Para exemplificar,


que narra as etapasobservemos as palavras node caso
citadas anteriormente Otaviano Pe
específico
da invenção da vacina contra a varíola, desenvolvida na Inglaterra
por um cientista chamado Jcnner:
1. "MOMENTO DA OBSERVAÇÃO: Jenner observou que num
rebanho de vacas atacadas pela varíola, as que já haviam sofri
do anteriormente a varíola branca (varicela) se salvaram, ao
passo que as outras morriam. Por qué? Porque as vacas ata
cadas com varicela não pegam varíola?
2. HIPÓTESE: surgiu-lhe a idéia de relacionar os dois tem
pos da doença. Desconfiou que algo se formava no organismo
das vacas após a primeira enfermidade. Presumiu que prova
velmente o organísmo do animal proporciona uma defesa, uma
Imunização natural (hoje chamamos de anticorpos).
3. EXPERIMENTAÇÃO: Jenner Imaginou que poderia ten
tar uma imunização artificial, inoculando no organismo do ani
mal gérmens da doença, apenas de forma débil. É o momento da
pratica, da aplicação da 'vacina'. Ao extrair um pouco da ma
téria contaminada das vacas doentes e injetando em vacas sãs.
Estas, então, sofriam apenas levemente de varíola e, após cura
das, ficavam Imunizadas contra a doença.
4. GENERALIZAÇÃO OU LEI; ai Jenner conclui que os gér-
mens patógenos (isto é, que produzem a doença) Injetados nas
vacas sãs provocam, no seu organismo, a produção de anticor
pos que combatiam qualquer gérmen da 2doença. Isto passa en
tão a ter validade para todos os casos".
Conclui-se que o estudo aprofundado de uma realidade qual
quer, para ser considerado como ciência, precisa seguir inicialmente
as etapas citadas: observação, hipótese, experimentação e lei. Um
conjunto de leis dá srcem a uma teoria e, várias teorias formam
uma doutrina científica.
Um dos primeiros cientistas do século XVII a seguir esse mé
todo foi Galileu Galilei (1564-1642), que conseguiu, entre outras
coisas, estabelecer a lei da queda dos corpos, medir o espaço e
o tempo que um corpo usa para atingir um plano e ainda con
firmou que o nosso sistema solar é heliocêntrico, isto é, a Terra
e demais planetas giram em torno do Sol...
E) A ORIGEM DA SOCIEDADE CAPITALISTA

Daquilo
de que modo que foi discutido
a sociedade até aaqui,
se altera pontoficam algumas
de fazer com dúvidas:
que, ao
lado da consciência filosófica, apareça agora uma outra consciên
cia: a científica? Como se apresenta a sociedade contemporânea,

2. Otaviano Pereira, O que é teoria, Ed. Brasiliense (Primei-


ros Passos), São Paulo, 1982, pp. 41-42
que tanto valoriza a ciência? Como se dá a educação nesse novo
período da evolução do ser humano?
Para responder a tais questões, é importante inicialmente nos
fixar na Europa dos séculos IV a XIV (301-400 a 1501-1400 d.C),
pois foi esse período que deu srcem a nossa sociedade atual.

onde Sabemos que noeconômica


a organização período citado, a Europa
principal era tomo
girava em um continente
da terra
e da propriedade da terra. O modo de vida era ligado ao trabalho
rural: principal fonte de organização social.
Por ser a terra fonte de riquezas é que os seus poucos pro
prietários se tornavam poderosos: a camada dominante dos senho
res feudais, que compreendia a nobreza e o alto clero. Por outro
lado, existia uma imensa maioria de pessoas forçadas a trabalhar
nas terras da nobreza feudal para sobreviver, pagando pelo uso
dessa terra vários tributos: a camada dos servos que compreen
dia uma imensa população de trabalhadores pobres.
Nessa sociedade de base agrária, o modo de vida era comple
tamente diferente do que é hoje em dia: pouco comércio, cidades
quase não existiam, eram pouco mais que pequenas aldeias, o
pensamento religioso moldava a vida da maioria das pessoas.
A partir do século XIV, esse mundo começará a se transfor
mar rapidamente. E essa transformação que nos interessa, pois,
de mundo agrário, a Europa caminhou para o mundo urbano
-industrial. Essa mudança não ocorreu em pouco tempo, foram pre
cisos no mínimo três séculos para que ela se completasse. No en
tanto, como foi uma mudança social radical, muitos a chamaram
de revolução.
Essa revolução que levou a Europa do feudalismo ao capita
lismo teve muitas dimensões e momentos:
Em primeiro lugar, foi uma revolução econômica, pois a orga
nização do trabalho se alterou profundamente: da sociedade estra
tificada em apenas dois grandes estamentos, surgiu novo grupo
social muito importante, a camada dos comerciantes e artesãos li
vres: pessoas que, a partir do século XIV, já não dependiam mais
da terra, e sim de atividades puramente urbanas. Dos artesãos e
comerciantes mais poderosos, surgem aqueles que passam a investir
grandes somas de riquezas cm manufaturas. Essas manufaturas, na
verdade, .eram as primeiras indústrias, ainda primitivas, mas que
já se caracterizavam pela divisão interna de funções, o trabalho
parcelado em inúmeras atividades a partir da introdução de novas
e melhores máquinas e técnicas. Cada operador de máquinas já não
elabora o produto por inteiro, mas apenas uma peça que, somada
às peças de outros operadores isolados, dá srcem ao produto final.
Ê a divisão social do trabalho. Assim, ao entrarmos nos séculos
XVIII e XIX, teremos as fases da Revolução Industrial que foi a
dimensão econômica da revolução que deu srcem ao capitalismo.
Esse modo de produção que se srcinou do comércio e da
manufatura foi o responsável pelo desenvolvimento de novas in
venções, técnicas, aumento das atividades produtivas, dando srcem
à moderna indústria. A intensa urbanização do nosso século é
fruto desse processo e o aparecimento de classes sociais também
o é. Agora, sob a sociedade capitalista, a fonte de riquezas não é
mais a terra, mas sim a propriedade de fábricas, máquinas, bancos,
isto é, a propriedade dos meios de produção. Assim, os poucos
proprietários dos meios de produção se constituem na classe em
presarial (burguesia) enquanto que uma imensa maioria de pessoas
não-proprietárias se constituem na classe trabalhadora (proletaria
do), que, para sobreviver, troca sua capacidade de trabalho por
salário.
Em segundo lugar, foi uma revolução política, pois a antiga
nobreza feudal acaba por perder o domínio para a classe burguesa,
economicamente mais forte. Enquanto no feudalismo persistiu uma
política que representava os interesses dos senhores feudais e do
clero, serão agora os empresários que passarão a organizar a política
e, a partir daí, nasce o Estado moderno, isto é, nascem as formas
de governo eleitas pelo voto e regidas por uma Constituição. Nasce
o parlamento e o poder do Estado se divide em executivo, judi
ciário e legislativo. Todas essas novas dimensões da política bur
guesa devem dar a aparência de que o Estado, acima dos inte
resses de classe, vem organizar democraticamente a sociedade. Nasce
assim a democracia burguesa.
Em terceiro lugar, foi uma revolução ideológica e científica,
pois a visão de mundo sob o capitalismo se alterou: a idéia de
progresso se propaga, como também a idéia de enriquecimento.
A vida, dinâmica e competitiva, faz nascer o sentimento de indi
vidualismo. A ciência, como já aprendemos, se srcina a partir de
novos métodos de interpretação da natureza. A partir da observa
ção dos fatos, decomposição cm panes (análise) e de sua reordena-
ção (síntese) se interpreta uma natureza regida por leis. Isso pos-
sibilita, com uma série de novos inventos, grande domínio do ser
humano sobre a natureza, nunca visto antes na história da civi
lização.

F) A ESCOLA E A SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Nessa nova sociedade, a cultura capitalista põe a ciência em


destaque, mostrando que a vida moderna só pode ser entendida
pela ótica dos métodos científicos e, com isso,a educação deixa
de refletir apenas os valores religiosos como no tempo da sociedade
feudal para ter a ciência como base.
Será nesse contexto ideológico da nascente sociedade industrial
que nasce uma nova instituição responsável por essa educação: a
escola. Percebemos que uma das características da revolução ideo
lógica capitalista foi transportar uma educação que durante o feu-
dalismo ocorria na família e na Igreja para a instituição escola.
Nasce assim a escola: uma instituição com normas específicas, agen
tes próprios (diretores, professores, alunos, orientadores pedagógicos
etc.) e toda uma hierarquia. A escola se propõe o objetivo de pre
parar os indivíduos para a vida em sociedade ao mesmo tempo
que desenvolve suas aptidões pessoais.
Com isso, nasce também nova estrutura de ensino: muitas salas
de aula, muitos alunos numa só sala, provas, notas, porcentagens
de freqüência, carteiras em filas, diplomas. Tudo com o objetivo
de educar massa cada vez maior de indivíduos, tentando adaptá-los
aos valores dessa nova sociedade capitalista do século XVIII.
A escola que conhecemos hoje é, portanto,, produto dos séculos
XVIII e XIX, período em que aparece a idéia da necessidade de
educação pública e obrigatória para todas as pessoas. Já e m. 1619
encontramos na Alemanha, Escócia e Holanda uma educação que
se dava através de escolas garantidas pelo Estado para crianças
de 6 a 12 anos. Será, porém, a partir da Revolução Francesa, em
1789, que se expande por toda a Europa e América a necessidade
de instaurar o ensino público e científico para todos.
Entretanto, a nova organização social do capitalismo teve um
desenvolvimento contraditório, pois enquanto uns poucos se enri
queciam — proprietários dos meios de produção —, a maioria em
pobrecia. A fábrica, que redimensionava o avanço da ciência e o
desenvolvimento de novas formas políticas, pagava salários baixís
simos, forçava a migração da massa rural para as cidades e ainda
trazia desemprego. A técnica trazia novas curas para doenças Outrora
incuráveis, mas também o desenvolvimento da indústria bélica.
Numa sociedade com progresso contraditório, o capitalismo
sempre passou por períodos de crises econômicas, desequilíbrios po
líticos e inúmeros conflitos. Ê nessa época que nasce a Sociolo
gia: ciência inicialmente preocupada em restabelecer a ordem per
dida do capitalismo. Com isso, percebemos que a Sociologia não é
fruto do trabalho de um só pensador, mas de uma época, de uma
nova organização social que trouxe problemas para ser interpreta
dos e, nesse sentido, são muitos os que passam a desenvolver estu
dos com a preocupação única de tentar entender essa nova ordem
social. Dentre eles, podemos citar aqueles que são considerados
clássicos na sociologia: Emile Durkheim (1858-1917), Karl Marx
(1818-1883) e Max Weber (1864-1920). Esses três pensadores são
considerados os clássicos, pois desenvolveram três teorias que acaba
ram se tornando as bases de interpretação da sociedade capitalista:
a Sociologia funcionalista, a crítica e a compreensiva. Os sociólogos
contemporâneos como Dewey, Mannheim, Establet, Baudelot, Snyders
e outros, se orientaram pelos autores clássicos.
Ê importante ressaltar que a educação como questão nunca
deixou de ser analisada, porque se constitui numa parte integrante
da sociedade. Mesmo se breves, em alguns casos, as referências dos
sociólogos clássicos à educação acabam por ser contribuições teóricas
muito importantes para que os sociólogos contemporâneos possam
se especializar no estudo da educação e criar aquilo que poderíamos
chamar de Sociologia da Educação.

(Ext
raíd
o do livro So
ciologia da Edu
cação; Introdução ao Es
tudo-

da Escola noProcesso de Transformaç


ão Socia
l, de PauloMekse-

nas', Ediçãa Loyola, li edição, São Paulo, 1988)


A manufatura, a fábrica e o mundo urbano

A economia de mercado anterior ao capitalismo


A economia de mercado é muito antiga. Desde os pródromos da
história, diferentes sociedades organizaram sua vida econômica sob a
forma de produção especializada de bens que eram inlercambiados em
feiras sazonais ou mercados permanentes. Nas formações sociais an
teriores ao capitalismo, a economia de mercado soía coexistir com uma
economia de subsistência mais ou menos extensa. Alguns bens eram
produzidos como mercadorias, e muitos outros eram produzidos como
valores de uso, para o consumo dos próprios produtores ou de outros
membros de seu círculo doméstico,
O camponês medieval, por exemplo, produzia sua alimentação,
manufaturava seus instrumentos de trabalho, construía sua casa, está-
bulo, celeiro etc. Não poucas vezes produzia fibras vegetais e animais,
que fiava e tecia, fabricando vestuário, roupa de cama, sacaria etc.
Os nobres, naturalmente, não faziam nada disso, mas tinham, em seus
domínios, servos que lhes forneciam diretamente, sem contrapartida,
isto é, como valores de uso, alimentos e muitos objetos. A produção
mercantil soía concentrar-se em objetos de luxo (jóias, armas, carrua
gens, arreios, vestuário de luxo etc.) para o consumo, sobretudo, da
minoria privilegiada.
No Brasil, a economia de mercado se achava sitiada por amplo
setor de subsistência praticamente até o começo do atual século. Na
fazenda dístínguía-se a produção para o mercado (o cultivo de café,
cacau, cana, algodão ou a criação de gado) da ampla e diversificada
produção de subsistência. Alem de horta, pomar, plantações de cereais,
criação de pequenos animais, a fazenda contava com oficinas em que
se trabalhava madeira, couro, fibras, metais, barro etc. O consumo
de encontrados
não mercadorias, localmente
na fazenda,e era muito sofisticados,
a objetos limitado, reduzido a materiais
em geral impor
tados. Nas choupanas dos caboclos e nas vilas do interior, a presença
da economia de mercado ainda era mais restrita. A economia de
mercado ocupava um espaço maior nas grandes cidades, mas, mesmo
aí, era comum que a maioria das famílias criasse galinhas, cultivasse
árvores frutíferas e fabricasse, em casa, vestuário, roupa de cama e
mesa, conservas etc.
A vida das pessoas dependia apenas parcialmente do mercado;
seu consumo básico estava ligado à economia doméstica. Em conse
qüência, os padrões de consumo eram bastante rígidos em quantidade
e qualidade. O dinheiro era importante sobretudo para adquirir bens
de ostentação. Ele estava longe ainda de representar a riqueza em geral.
Para a grande massa do povo, as necessidades a serem satisfeitas
mediante o dinheiro eram limitadas e, por isso, a necessidade de di
nheiro também o era. Para muitos, um trabalho remunerado ocasional
bastava. O tempo dedicado a ganhar dinheiro devia ser menor do
que o dedicado à produção para o autoconsumo e a atividades não-
econômicas de cunho religioso, recreativo etc.
A produção para o mercado era artesanal, realizada cm unidades
pequenas,
ligadas poremlaços
geraldeporparentesco.
um número Os reduzido
regimes de
de pessoas,
mercadomuitas vezes
eram muito
diversos, mas o mais comum era que, cm cada cidade ou região, os
produtores do mesmo tipo de produto se organizassem em corporações
de ofício, para evitar concorrência mútua. A corporação limitava o
volume de producto, fixando o número de unidades de produção e
o número máximo de trabalhadores por unidade. A limitação da oferta
se destinava a sustentar um "preço justo" dos artigos, impedindo que
um excesso de oferta o aviltasse. A corporação justificava sua utilidade
para os consumidores, velando pela qualidade dos produtos. Sob este
pretexto proibia inovações técnicas, pois estas tendiam a favorecer
determinados mestres em detrimento dos demais. E pelo mesmo motivo
proibia o lançamento de novos produtos, cuja qualidade não era com
parável aos demais.
A organização corporativa era avessa a mudanças, valorizava a
tradição e a defesa das vantagens adquiridas no passado.
Esta economia de mercado, característica da Idade Media, mas
que sobrevive nas regiões intocadas pelo capitalismo até o presente,
apresenta um dinamismo muito limitado. É possível demonstrar que
ela também sofre transformações, geralmente por efeito de catástrofes
— guerras externas on intestinas. secas, terremotos, enchentes, epide
mias —, mas seu potencial intrínseco de mudança é extraordinária-
mente pequeno.

O capitalismo manufatureiro
O capitalismo é uma economia de mercado também, mas do
índole completamente diferente, Ele surge, no século XVI, como fruto
da formação do mercado mundial, resultante das Grandes Navegações.
Estas estabeleceram a interligação marítima de todos os continentes e
elevaram o comércio a longa distância a um novo patamar. Acima dos
mercados locais e regionais segmentados, surge um mercado mundial
para produtos de grande densidade de valor, como o ouro c a prata,
a pimenta e o açúcar, tecidos de algodão e seda, tabaco, perfumes,
pérolas etc. O grande capital comercial e usurário se lança na expansão
deste mercado mundial, levando de roldão as limitações corporativas
preexistentes, O capital, que até então se limitava à circulação de
mercadorias e valores, penetra na produção, tornando-se manufatureira.
Surgem, na Europa, empresários capitalistas que empregam grande
número de artesãos e produzem cm massa para mercados que crescem
sobretudo pela destruição de barreiras que separavam os mercados
locais e regionais.
Ê claro que o desenvolvimento da navegação marítima e, por
conseqüência, da navegação fluvial, lacustre e de canais construídos
pelo homem foi condição necessária para esta unificação de mercados,
que constituiu a base do capitalismo manufatureiro. Mas esta condição
não era suficiente. O capital manufatureiro necessitava não só do
acesso físico aos mercados mas também do acesso econômico, ou seja,
da possibilidade de penetrar neles de fora para vender e comprar. E
este direito feria, obviamente, os interesses dos mestres c comerciantes
locais, protegidos pelas regulações corporativas. O período de desen
volvimento do capitalismo manufatureiro, do século XVI ao 6éculo
XVIII, assiste ao embate entre o capital manufatureiro (apoiado, cm
vários países, pelas monarquias absolutas) e as corporações, muitas
vezes aliadas à nobreza local. Deste embate surgem as nações moder
nas, politicamente dominadas pelo poder nacional e economicamente
unificadas pela abolição das barreiras ao comércio interno e pela
abolição das moedas c medidas locais. Os símbolos da nação mo
derna são, ao lado da bandeira nacional, a moeda nacional de curso
forçado c um sistema unico de pesos c medidas, que atualmente tende
a ser o sistema métrico decimal.
No Brasil, a luta pela unificação dos mercados foi levada a cabo
pela metrópole portuguesa nos limites do Pacto Colonial, que propu
nha o monopólio metropolitano do comércio com a colônia. Um epi
sódio desta luta fui a proibição da manufatura de panos, no Brasil,
em 1785. A medida se destinava a favorecer a importação de tecidos
britânicos por capitais comerciais portugueses. Deste modo. o capital
manufatureiro britânico, mediante os bons ofícios da diplomacia de
Sua Majestade, que tinha feito com Portugal o Tratado de Methuen,
ampliava o seu mercado mundial. Por este Tratado, o mercado portu
guês se abria aos tecidos britânicos, c o da Grã-Bretanha aos vinhos
portugueses. Obviamente, não bastava ao capital manufatureiro bri
tânico ter acesso ao mercado brasileiro. Precisava dominá-lo e para
tanto não se hesitava e m usar o poder do Estado para eliminar a
concorrência da manufatura local.
Foi também mediante o colonialismo que o grande mercado da
índia foi incorporado ao mercado mundial do capital manufatureira
britânico. A índia possuía uniu tecelagem de alto padrão, cujos pro
dutos tinham larga aceitação na Europa. O governo colonial inglês
conseguiu destruir esta manufatura, assegurando tanto o mercado eu
ropeu quanto o da própria índia aos tecidos britânicos.
De uma forma geral, o avanço do capitalismo manufatureiro foi
lento e desigual, muito dependente do apoio político de que podia
dispor e das vicissitudes das lutas entre as diferentes nações européias
pelo domínio das vias marítimas e dos mercados coloniais. No século
XVIII, sucessivas
o seu maior rival, guerras resultaram
a França. no triunfo odacapitalismo
Em conseqüência, Grã-Bretanha sobre
manufa
tureira alcançou maior desenvolvimento na Grã-Bretanha, criando as
condições pura a Revolução Industrial, que teve lugar logo a seguir,
O capitalismo manufatureiro foi capaz de explorar, em certa
medida, a possibilidade de aumentar a produtividade mediante a pro
dução em grande escala. Reunindo numerosos trabalhadores sob o
mesmo teto, o capitalista manufatureiro pôde criar uma divisão téc-
nica de trabalho dentro da manufatura, o que lhe permitiu alcançar
maior produtividade do trabalho. Em lugar de cada trabalhador rea
lizar todas as operações, cada operação passava a ser tarefa de um
grupo específico de trabalhadores.
Esta nova divisão do trabalho proporcionava três formas de au
mento da produtividade:
a) poupava o tempo que o operador perde quando passa duma
tarefa a outra;
b) aumentava a destreza do operador, que passava a se especia
lizar num único tipo de trabalho;
c) ensejava a invenção de ferramentas especialmente adaptadas a
cada tipo de trabalho.
de produção,
A manufatura
barateando
capitalista
seusconseguiu,
artigos, que
destecomeçaram
modo, reduzir
a se ostornar
custos
competitivos com a produção doméstica.
A economia de mercado, ao se tornar capitalista, começou a se
expandir pela incorporação de atividades até então integradas à eco
nomia de subsistência. E o que acontece, na Inglaterra, com a agri
cultura, que se torna, ao mesmo tempo, mercantil e capitalista. Uma
grande parte dos trabalhadores é expulsa da terra e, na medida em
que consegue alienar sua força de trabalho ao capital manufatureiro,
passa a adquirir sua comida no mercado. Surge assim um mercado de
bens para assalariados como corolário do surgimento de uma classe
de proletários puros, totalmente dependentes do mercado para sua
subsistência.

O capitalismo industrial
A dinamização da economia de mercado pelo capitalismo ganha
impulso enorme com a Revolução Industrial, que tem início na Grã-
Bretanha, no último quartel do século XV1I1. Ela consiste essencial
mente na invenção de máquinas capazes de realizar tarefas que antes
requeriam a mão do homem. Na manufatura, a operação é realizada
pelo trabalhador com o auxílio da ferramenta. Na maquinofatura, a
ferramenta é engastada numa máquina, que substitui o trabalhador
na realização da tarefa. O trabalhador em vez de produzir passa a
ser necessário apenas para regular, carregar e acionar a máquina c
depois para desligá-la, descarregá-la e pô-la novamente em condições
de funejonar. De produtor, o operário é literalmente reduzido a ser
vente de um mecanismo, com cuja força, regularidade e velocidade
ele não pode competir.
A máquina é mais "produtiva" do que O homem porque supera
facilmente os limites físicos do organismo humano. Movida por força
hidráulica e pouco depois pela energia do vapor, a máquina pode dar
conta de trabalhos para os 'quais o homem c fraco demais.
O movimento da máquina 6 muito mais uniforme do que o do
corpo humano, para o qual a monotonia aumenta a fadiga. Na pro
dução, em grande escala, de objetos iguais, a máquina é muito superior
ao homem. Além disso, ela pode ser acelerada, atingindo velocidades
de movimento inalcançáveis para o homem.
Por tudo isso, a substituição do homem pela máquina apresenta
vantagens inegáveis para o capital, pela redução do custo de produção
que proporciona.
Com a Revolução Industrial, nasce o capitalismo industrial que
difere do capitalismo manufatureíro não só pela técnica de produção
mas pela postura que assume perante a economia de mercado.
O capitalismo manufatureira inspira o mercantilismo: sua estra
tégia de expansão requer a unificação do merendo nacional (inclusive
o das colônias) e sua dominação mediante o monopólio político. Ele
necessita da intervenção do Estado nacional para eliminar seus rivais
do mercado, sejam estes artesãos locais ou manufatureiros estrangeiros.
Segundo a doutrina mercantilista, cabe ao Estado promover as expor
tações e limitar as importações, de modo a maximizar o saldo comer
cial e deste modo promover a entrada de dinheiro (ouro ou prata) no
país, para reforçar o Tesouro real.
O capitalismo industrial por sua vez inspira o liberalismo: sua
estratégia de expansão requer a unificação de todos, os mercados, lo
cais e nacionais, sendo a competição livre para todos. Rejeita, portanto,
a intervenção do Estado no mercado, mesmo que seja cm seu favor.
Sua superioridade produtiva dá-lhe confiança de poder vencer a com
petição, sem precisar da proteção estatal.
O liberalismo econômico é parte de uma doutrina maíor, com
desdobramento no nível político. Ele propugna a liberdade do indiví
duo, enquanto cidadão, produtor e consumidor. A famosa palavra de
ordem fisiocrata "laissez faire, laissez passer" (deixai fazer, deixai
passai) proclama o direito de cada um produzir o que deseja e de
comprar e vender em qualquer mercado. Este direito, no plano eco
nômico, se conjuga com o direito de livre expressão do pensamento,
de reunião e manifestação e de participação (mediante o voto) na
escolha dos governantes. Estes direitos implicam o controle do governo
pelos cidadãos ou seus representantes eleitos, cumprindo notar que o
direito de votar e ser votado estava restrito aos indivíduos detentores
de um mínimo de propriedade ou renda. Não se supunha quê a cida
dania se estendesse aos pobres.
O liberalismo é o estandarte sob o qual a burguesia luta e con
quista a hegemonia econômica e política.'Na época-do capitalismo
manufatureiro, a classe capitalista procura um lugar ao sol sob a tutela
do'Estado monárquico, que ela não pode encarar como seu. A luta
principal se trava entre a realeza e a nobreza, a primeira procurando

centralizar usurária,
burguesia o poder ecomercial
eliminar eos manufatureira
particularismosnão
locais.
passaNesta luta, ada
de aliada
monarquia, de cujos propósitos unificadores se aproveita para se ex
pandir. Com o triunfo do absolutismo e a constituição dos grandes
impérios coloniais, a relação de forças muda. A burguesia, agora
industrial, se torna imensamente rica e passa a enxergar no Estado
absolutista um rival na disputa pelo excedente. Já no fim do século
XVIII. Adam Smith, o grande clássico do liberalismo, deblatera contra
o parasítismo do aparelho de Estado, contra os elevados gastos mili
tares e contra a interferência reguladora do governo no funcionamento
do mercado. A burguesia quer agora um Estado "seu", sóbrio nos
gastos, avesso às aventuras guerreiras c neutro cm relação à disputa
pelos mercado s. 55
O fim do século XVIII é marcado pela Revolução Industrial na
Inglaterra c pela Revolução Francesa. Ambas abrem caminho ao triun
fo do liberalismo, no século seguinte,, primeiro, a seguir, na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos; na Rússia, no Japão e cm diversos
países da América Latina.
No Brasil, o liberalismo tem seu primeiro êxito em 1808, quando
D. João VI decreta a abertura dos portos brasileiros às "nações ami
gas". Com a Independência, em 1822, o Brasil se torna uma monarquia
constitucional, nos moldes do parlamentarismo britânico. Mas a estru
tura sócio-econômica do país era completamente diferente, baseada
ainda no escravismo colonial.
Durante o século XIX, o liberalismo serviu, no Brasil, pa-ra con
ciliar a unidade nacional, representada pelo governo imperial no Rio
de Janeiro, com a dominação local da oligarquia escravocrata, O
verdadeiro liberalismo era representado pelos abolicionistas, cuja vitó
ria final, em 1888, criou finalmente no Brasil condições para a im
plantação e expansão do capitalismo industrial.

A economia de mercado se torna capitalista


A partir da Revolução Industrial, num país após o outro, o
capitalismo passa a dominar a economia de mercado e esta passa a
abarcar a maior parte das atividades econômicas. A ofensiva capita
lista tem como motor o desenvolvimento das forças produtivas e a
eliminação das barreiras institucionais à livre concorrência.
O capitalismo industrial acelera o desenvolvimento das forças pro
dutivas mediante o progresso das ciências fisicas e a sistemática apli
cação dos seus resultados na atividade produtiva. A pesquisa científica
é realizada em escala crescente, em universidades e instituições pú
blicas e privadas, contando com amplo financiamento, proveniente, em
parte, do orçamento governamental e, em parte, de doações privadas,
estas últimas em geral estimulada? por generosas isenções fiscais. Pra
tica-se tanto a pesquisa pura, que visa o conhecimento em si, como a
pesquisa aplicada, que trata de encontrar conhecimentos necessários
para desenvolver novos produtos ou aperfeiçoar os processos produ
tivos.
£ interessante observar como o ensino científico foi transformado
em função das necessidades do novo modo de produção. "Até meados
do século XIX, o ensino universitário da ciência na Grã-Bretanha
não eslava orientado para os interesses dos industriais, que tinham
ganho a liderança da sociedade britânica. Antes daquela data, o ensino
universitário da ciência estava inspirado pelos mercantilistas de um
período anterior ao desenvolvimento social da Grã-Bretanha. Sob sua
influência, a astronomia era o ramo da ciência física de maior prestí
gio, porque a segurança da navegação dependia do conhecimento as
tronômico e o sucesso do comércio marítimo dependia da segurança
da navegação. O prestígio da física nas universidades britânicas não
ultrapassou o da astronomia até que a importância do industrialismo
ultrapassou a do mercantilismo.
A manufatura de máquinas, de motores a vapor e, mais tarde,
de máquinas elétricas tornou o conhecimento exato das propriedades
da matéria necessário ao progresso social. (...) Thomson e seu amigo
Tait, que fora nomeado professor de filosofia natural em Edlmburgo,
decidiram escrever um Tratado de Filosofia Natural, em que expunham
a física matemática de forma adequada à demanda contemporânea.
Eles expuseram a ciência da mecânica inconscientemente, do ponto de
vista de um engenheiro ideal que fosse um mestre de física matemáti
ca. (...) Thomson e Tait realizaram, para os líderes cultos da burgue
sia industrial, a conquista e a assimilação da cultura físico-matemática
da classe mercantilista. A influência do resultado desta luta de classes
numa das regiões mais elevadas do empenho humano fêz-se sentir em
nível inferior, no ensino da matemática elementar. Os discípulos de
Thomson, Ayrton e Perry, lideraram o movimento pelo ensino da
'matemática prática'. Eles explicaram que a nova classe de técnicos,
criada pela indústria mecânica, queria um conhecimento matemálico
que fosse de utilidade prática em suas tarefas." (Crowther, British
scientists of the nineteenth century, citado em Hogben, 1940, p. 729.)
O extraordinário desenvolvimento das forças produtivas alcançado
pelo
tífica capitalismo industrial
como da estreita resulta ta dos
interligação do fomento com
nto laboratórios da atividade cien
as fabricas,
estas recebendo, com rapidez, os resultados das pesquisas e os aplican
do à produção e enviando de volta com igual rapidez os novos pro
blemas suscitados pelo avanço técnico, E o que explica o continuo
crescimento da produtividade e o consequente barateamento das mer
cadorias produzidas pelo capital industrial. bem ao contrário da eco
nomia de mercadoria anterior, em que os preços eram mantidos
deliberadamente constantes, a capitalista fomenta a sistemática redução
de custos e de preços. Nestas condições, a produção não-capitalista de
mercadorias, operada em pequenas unidades de caráter familiar, difi
cilmente poderia resistir ao avanço da produção capitalista. A partir
da Revolução Industrial, a indústria de transformação, o transporte de
passageiros e de carga e as comunicações se tornaram capitalistas nos
vários países que se industrializaram. Na agricultura, o capital se apo
derou da maior parte das plantações e da criação em grande escala.
No comércio, aconteceu o mesmo com o atacado e o varejo operado em
grandes unidades, como os supermercados e as lojas de departamentos.
E nos serviços, o capital explora cadeias de hotéis, de lanchonetes
(locais cm que so servem refeições ligeiras) além de hospitais e clinicas,
escolas em todos os níveis, sem falar da rede cada vez mais extensa e
diversificada de intermediação financeira (bancos, financeiras, segura
doras etc), que desde sempre tiveram caráter capitalista.
No fim do século passado, muitos observadores estavam convictos
de que a produção simples de mercadorias estava fadada a desaparecer
cm conseqüência dos ganhos de produtividade, que a utilização da
ciência proporcionava ao capital. Um século depois, verifica-se que em
diversos ramos da produção mercantil, a superioridade tecnológica do
capital em face da produção familiar é pequena ou mesmo inexistente.
Nestes ramos, a produção simples de mercadorias não só persiste mas
inclusive se desenvolve. Ê o que ocorre na maior parte da agricultura,
em que a combinação de plantio com a criação de pequenos animais
não permite a mecanização de toda a atividade nem o rotinização da
maioria das tarefas. Nestas circunstâncias, o trabalho do produtor
autônomo tende a ser tão ou mais produtívg que o do assalariado.
Outros casos são os serviços de reparação, o comércio varejista em
pequena escala (particularmente de artigos caros: joalharias, butiques),
certos serviços pessoais (tinturarias, cabeleireiros, salões de beleza), o
transporte por caminhão etc. Apesar de a produção simples de merca
dorias mostrar capacidade de resistir à concorrência do capitai em
determinados ramos, é inegável que este domina a maior pa_rte da
economia de mercado.
A hegemonia do capital é conseqüência da livre concorrência, que
esta longe de ser uma condição natural do mercado, A livre concor
rência foi imposta em conseqüência do triunfo do liberalismo em pra
ticamente todos os países capitalistas desenvolvidos. Mas este triunfo
quase nunca é completo, no sentido de uma exclusão total do Estado da
vida econômica. O liberalismo se impôs em medida suficiente para con
verter em concorrenciais a maioria dos mercados, mas em determinadas
áreas da produção a massa de pequenos operadores logra quase sempre
obter alguma proteção do Estado. A agricultura, por exemplo, em que
as explorações familiares predominam, é em geral subsidiada e prote-
gida da concorrência dos produtos importados. Outros tipos de peque
nas e médias empresas também têm obtido favores da política econô
mica: crédito a juros baixos assistência técnica, isenções fiscais. Estes
lipos de ação estatal têm sido, no entanto, suficientemente limitados
para não estreitar significativamente a área de acumulação de capital, a
qual soe abranger a maior parte da economia de mercado.
E esta, impulsionada pelo desenvolvimento capitalista das forças
produtivas, tem se expandido mediante a criação de novos produtos,
que suscitam c atendem a novas necessidades ou substituem bens e
serviços produzidos no âmbito doméstico. São exemplos os alimentos
cm conserva ou semiprocessados, vestuário, roupa de cama e mesa, o
cuidado de crianças em idade pré-escolar, de pessoas idosas ou inváli
das. Nota-se a progressiva atrofia da produção para o autoconsumo, à
medida que o capital oferece bens e serviços análogos a preços acessí
veis. E muitas atividades que continuam a fazer parte da economia
doméstica passam a ser realizadas com instrumentos produzidos pelo
capital (máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, aspirador de
pó, liqüidificador, geladeira etc). Desta maneira, a economia capitalista
de mercado está sempre se diversificando e atraindo parcelas crescen
tes da população — inclusive cada vez mais mulheres casadas — ao
mercado de trabalho. A oferta de novos produtos suscita novas neces
sidades, cuja satisfação requer elevação da renda familiar. O assalaria
mento da dona-de-casa resolve freqüentemente este problema, mas não
deixa de suscitar outros, particularmente o de aliviar o peso das tarefas
domésticas. Mas para estes o capital apresenta também soluções, sob
a forma de mais bens c serviços postos à venda..
Desta maneira, o capital vai criando para si mesmo novas oportu
nidades de inversão, o que lhe garante expansão perene. O seu destino
parece ser o de crescer sempre, transformando tendencialmcntc todos os
membros da sociedade em vendedores de força de trabalho e compra
dores de suas mercadorias. A força expansiva do capital tende a ho
mogeneizar a sociedade, tornando-a puramente capitalista. Há contra-
tendencias, como vimos acima. Além disso, o dinamismo do capital
apresenta contradições, que explodem em geral sob a forma de crises.
Isso indica que a expansão do capital tem limites históricos, mas que,
em países ainda pouco desenvolvidos, estão longe de ser visíveis.

(Extraído do livro
0 Capita
lis
mo;
, suaEvolução_,_ Lógica e sua
sua

Dinâmica, de Paul Singer, Editora


Moderna,São Paulo, 1907)
CAPÍTULO 5

A SOCIEDADE CAPITALISTA (23 UNIDADE)


São os seguintes os conteúdos e temas que compõem a segunda Uni
dade desta proposta de programa para o curso de Sociologia Geral:
A organização social capitalista na concepção funcionalista (Tó
pico 1)
A) Moral social e divisão do trabalho social
B) A produção da solidariedade orgânica
C) Os problemas sociais e o papel da Sociologia
A organização social capitalista na concepção histórico-crítica
(Tópico 2)
A) A produção de mercadorias e a formação do capital
B) Classes sociais: e econômico e o político
C) Cidade-campo: a integração contraditória >"
0 processo de controle social (Tópico 3)
A) Hierarquia, disciplina e regra
B) 0 processo de alienação
C) Trabalho manual e intelectual: o monopólio do saber

Sociedade capitalista: reprodução e resistência (Tópico 4)


A) 0 conceito de ideologia
B) A cultura popular

Aspectos teóricos

Nesta Unidade começa-se a refletir sobre o objeto ospecí-


fico da Sociologia Geral: as diferentes maneiras de interpretar
e interferir nas dinâmicas das relações sociais presentes na so
ciedade industrial e contemporânea» Por isso, esta Unidade está
organizada de modo a contrapor concepções teóricas diferentes
que, entretanto, explicam a mesma realidade social.
0 primeiro tópico aborda alguns dos conceitos da corren
te sociológica funcionalista, na qual a dinâmica social e expli
cada a partir da noção de uma moral organizadora das condutas in
dividuais inseridas na vida em grupo. 0 funcionalismo pensa as a
ções individuais relacionadas a uma determinada consciência colo
tiva cujo objetivo é organizar a vida social. 0 conceito de divi

6O.
são do trabalho social é entendido por essa corrente como elemen-
to integrador do indivíduo à sociedade: os indivíduos ,ao se espe_
cializarem nas mais diversas atividades sociais, criam laços de
dependência funcional, o que caracteriza uma situação de solida
riedade orgânica. Nessa concepção sociológica, o funcionamento
da sociedade é interpretado segundo a ótica do equilíbrio-lineari-
dade-harmonia. Os problemas sociais são definidos portanto comodo-
enças" passíveis de serem "curadas" pela intervenção da sociolo
gia, combinada à do Estado.
No segundo tópico são abordados alguns dos conceitos da
corrente sociológica crítica, na qual a dinâmica social é inter
pretada a partir da organização contraditória do trabalho. Nesse
caso, a interpretação sociológica baseia-se no prisma do movimen-
to-contradição-conflito e a superação dos problemas sociais pres-

supõe uma ação politica. Por isso, este segundo tópico inicia-se
,
pela tentativa de compreensão do processo de formação do capital
para que o aluno perceba que a característica do trabalho em
nossa sociedade atual e a de produzirmercadorias, de tal modo
que confere à própria força de trabalho o estatuto de mercadoria.
Dentro desta concepção, o capital não e uma mera somo de dinhei
ro ou de bens de produção; e um conceito que desvenda uma deter
minada maneira na qual os homens se relacionam socialmente, na
produção desses bens. A realização do capital pressupõe a conver
são da força-de-trabalho em mercadoria, o que, por sua vez, pres-
supõe a análise das relações entre compradores e vendedores des

sa força de trabalho. Com essas discussões e possível chegar ao


conceito de lucro: a força-de-trabalho se caracteriza por produ
zir mais do que necessita para a sua manutenção e reprodução, o
que garante a produção do excedente econômico quo e apropriado
pelo comprador dessa força-de-trabalho.

Com o que foi afirmado até aqui, é possível conceber a


sociedade capitalista como estruturalmente fundada em classes so
cjais. No entanto, ao so caracterizar as classes sociais presen-
61.
tes em nossa sociedade deve-se evitar a redução dessa caracteri
zação à sua dimensão econômica. É claro que a questão da próprio
dade dos meios de produção delimita as classes consideradas fun
damentais, É preciso perceber, porém, o conceito de classes so
ciais na sua dimensão política: as classes também se srcinam
das ações sociais de grupos que se relacionam em busca da hegemo-
nia política, nas diversas formas en que o poder se estrutura e
so exerce na sociedade. A dimensão política do conceito de clas
ses sociais pode ser apreendida nesta Unidade pela análise de al
gum conflito social presente na atualidade.
Caracterizar o capital como uma relação social de produ-
ção e as classes sociais nas suas dimensões econômica e políti
ca é um dos eixos centrais desta Unidade,,
Em seguida, propõe-se a analise,ainda que introdutória ,
da relação urbano-rural na nossa sociedade. 0 objetivo é fazer
os alunos perceberem até que ponto o urbano/fabril subordina e
re-define o rural; por outro lado, que analisem as relações ru
rais que ainda se mantêm tradicionais em face do processo de ca
pitalização do campo. Essas questões permitem entender a lógica
da sociedade brasileira, que é essencialmente capitalista mas que
ainda reproduz relações sociais tradicionais. No entanto, a ên
fase na realidade rural ou urbana será dada pelo professor da
disciplina em função da realidade social a que os seus alunos es-
tão submetidos.
Ro tópico seguinte, procura-se compreender que todo o pro
cesso descrito acima reproduz-se pela produção do controle soci-
al sobre a classe popular, controle este que se da por meio da

hierarquização, disciplina e normatização das relações sociais


Isto implica no aparecimento do fenômeno da alienação, que reduz
a civilização a uma situação de reificação: a humanidade das a-
ções sociais é objetivada através de uma "relação entre coisas".
Com base nesta compreensão pode-se analisar o trabalho e:a nossa
Sociedade como uma atividade que deixou de ser criadora, pois en
racteriza-se como uma soma de gestos mecânicos ou não-refletidos,
na qual perdemos o direito de decidir sobre o que e como pro
duzir, A compreensão do processo de alienação permitirá então
compreender a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manu

al existente em nossa so ci ed ad e— da qual surge o monopólio do


saber, também uma possível forma de controle social, na qual se
privilegia um tipo de saber em detrimento de outros. Este é o
campo da ideologia.
Discutir essas questões é refletir sobre o papel do sa
ber em nossa atual so ci ed ad e— assunto fundamental não para a
formação de futuros docentes que pretendem atuar no magistério
de 1º grau, mas também para todos aqueles que desejam desenvol
ver o seu direito à cidadania em nossa sociedade, No entanto,se
o sabor predominante é reprodutor da sociedade, não devemos re
duzi-lo somente a isso, É importante discutir a possibilidade
de formulação de um novo caber, também presente em nossa socie
dade, que possui dimensão transformadora. Esse novo saber pode
ser captado através do estudo preliminar da prática educativa
presente nos movimentos de resistência, A análise desses movi
mentos de resistência liga-se ao desenvolvimento do conceito de
cultura popular, que se srcina num processo de recuperação da
identidade, que ocorre em certos grupos sociais através de vá
rias práticas de caráter cultural.

Com esses aspectos teóricos a serem desenvolvidos nessa


segunda Unidade, propomos uma organização do curso que possibili-
te ao aluno a reflexão sobre a vida social com base em perspecti-
vas teóricas diferentes, que não devem ser somadas, mas contra
postas, até para que se expliquem os diferentes discursos dos
diversos agentes sociais presentes na atualidade.

Métodos de ensino

Quanto ao primeiro tópico ,"A organização social capitalis-


ta na concepção funcionalista", sugerimos que se dediquem a ele
63.
seis aula s.
Para a primeira aula, propomos uma técnica de problemati-
zação do conteúdo. 0 professor organiza os alunos em grupos,
dindo-lhes para responderem à seguinte questão: 'Imaginando
a sociedade onde vivemos o semelhante ao corpo humano, descri
como seria essa sociedade". Num segundo momento dessa aula, cada
grupo apresentará o resultado de suas reflexões para o restante
da classe.
Na segunda aula,relembrando aspectos da aula anterior,
o professor fará uma exposição em que colocara a possibilidade
de se definir a sociedade como um corpo; enfatizará quo, na con
cepção funcionalista, a sociedade é percebida como um corpo, uma
totalidade em harmonia. Aqui será importante uma introdução aos
principais conceitos dessa teoria sociológica: a moral social
(consciência coletiva), a divisão do trabalho social, a produção
da solidariedade orgânica etc...
Para a terceira aula, propomos uma nova pr ol em at iz aç ão

de conteúdo: um debate no qual o professor lança as seguintes


questões :"Poderíamos afirmar que existem certas regras para a
convivência em sociedade? Por que? Quais seriam algumas dessas
regras que a sociedade nos impõe? Poderíamos admitir essas re
gras sociais como siendo a moral de uma determinada sociedade? I
quo difere a moral da nossa sociedade urbano-industrial da moral
de una sociedade indígena?...?"
A quarta aula será dedicada a continuidade da exposição
do professor. Nelaa o professor demonstrara que a concepção fun
cionalista, apesar de definir a sociedade como um corpo com ten-
dência ao equilíbrio, esta sujeita aos problemas sociais. Este é
o momento para a caracterização desses problemas sociais, suas
causas c sua prevenção, destacando-se nesse processo o |
Sociologia, Propõe-se então que a quinta e sexta aulas sejam
di ca da s respectivamente para a leitura de textos e desenvolvimen-
to de exercícios.

Sugerimos que o segundo tópico, "A organização social cara-


talista no concepção histórico-crítica", seja trabalhado durante
dez aulas.
Na primeira aula, o professor proporá como técnica de
problematização a realização de um debate. Se possível, organiza
rá os alunos em círculo na sala de aula, escolhendo um ou dois
estudantes para secretariar o debate, em torno das seguintes ques-
tões: "o que torna um objeto mercadoria? Quais as mercadorias
que conhecemos? Seria possível definir a capacidade humana de
trabalho como uma mercadoria? O que determina o valor de uma mor
cadoria? O que é capital? Qual a diferença entre dinheiro e capi-
tal?...?"
A segunda aula será expositiva: nela o professor deve co
locar no quadro-negro alguns aspectos dos relatórios feitos na
aula anterior questionando conclusões, mostrando suas limitações,
procurando aperfeiçoá-las. Cabe ao professor, neste momento, a
tarefa primordial de transmitir informações novas sobre o signi
ficado do conceito de mercadoria e sobre o processo de circula
ção simples de mercadorias, terminando com uma explicitação do
processo de formação do capital, para que o aluno, reflita sobre
a srcem do lucro (apropriação da riqueza) em nossa sociedade.
Na terceira aula, o professor continuará a sua exposição,
para definir o conceito de classes sociais em sua dimensão econô
mica: a questão da propriedade dos meio3 de produção. Ac final
da aula poderá pedir aos alunos uma primeira tentativa de definir
a posição de classe social de alguns moradores; da região.
Para a quarta aula, o professor deverá selecionar artigos
de jornal que tratem de alguma greve ou manifestação política po_

pular. Com a classe dividida em grupos e cada grupo dispondo de


um dos artigos, pedirá aos alunos que analisem o fato noticiado,
destacando os diferentes objetivos de cada classe social envolvi
da no conflito. Se isso não for possível, o professor poderá se
utilizar da representação teatral como técnica de problematização
"a aula seguinte, depois de ouvir as conclusões a que os
alunos chegaram com a técnica desenvolvida na aula anterior, o
professor discutirá as limitações de se definir as classes soci
ais apenas em sua dimensão econômica. Em sua exposição mostrará
então a possibilidade de acrescentar a essa dimensão econômica o

aspecto político, também importante para a formação das classes


sociais e para a compreensão de sua dinâmica.
A sexta aula será reservada para leitura e análise do
texto com o professor acompanhando de perto os alu nos, para ti
rar suas dúvidas de interpretação e para ressaltar as informações
mai3 importantes, dando-lhes assim condições para que continuem
a leitura em casa. E a sétima aula será destinadaà realização
de exercícios: o professor pode sugerir algun3 temas para que os
alunos escolham um,para desenvolver na forma de redação. Ao in
vés disso, se for preferível e se houver condições, o professor
pode oferecer aos alunos uma poesia que retrate um dos aspectos
teóricos já desenvolvidos, propondo que os alunos a analisem.
Um novo debate pode ser o eixo de trabalho da oitava au
la; o professor proporá questões sobre a da organização cultural
e econômica, mais próximas da realidade do aluno: "qual a profis
são dos alunos presentes ou de seus pais? que tipo de trabalho
predomina na região?Qual a relação do trabalho da região com a
indústria ou agricultura? Quais e como são as festas típicas da
região? Há letras de música que retratam o cotidiano do trabalho
na região? .. .? "
Na penúltima aula destinada ao desenvolvimento deste tó
pico, o professor reproduzirá no quadro-negro alguns dos aspectos
teóricos sobre as relações existentes entre o mundo urbano o mun

do rural. Finalmente, na décima aula, os alunos poderão fazer no


vas leituras ou resolver exercícios propostos pelo professor.
Para desenvolver o terceiro tópico, "0 processo de con
trole social", sugerimos que se dediquem três aulas.
Uma das melhores formas de problematizar a proposta de
conteúdo contida nesse tópico seria a projeção, seguida de deba-

66.
de um dos seguintes filmes: Tempos Modernos de Charlie Cha-
plin, ou 0 Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade. No
entanto, se houver dificuldades para o desenvolvimento dessa a-
tividade, ela pode ser substituída por outra. Neste caso, o pro-
fessor organizará os alunos em círculo, pedindo que alguns repre_
sentem, por mímica, os gestos que fazem parte de alguma ativida-

de profissional predominante na região. Em seguida, professor e


alunos discutirão o sentido dos gestos, a questão da meca
nização do corpo, os gestos socialmente permitidos e os proibi-
dos, a relação desses gestos com as regras estipuladas pelas pes_
soas que ocupam cargos superiores etc.
Na segunda aula, através de uma exposição, o professor
aprofundará o que foi debatido na aula anterior, propondo uma
discussão sobre disciplina, hierarquia e regra na organização do
trabalho na sociedade capitalista.Um pequeno debate sobre as di
ferença entre trabalho manual e trabalho intelectual será a ati-
vidade central da terceira aula. A partir das colocações dos alu

nos, o professor fará uma breve exposição sobre a questão do mo


nopólio do saber, que será discutida na seqüência do curso.
0 tópico "Sociedade capitalista: reprodução e resistên
cia" merecerá sete aulas r,a nossa proposta»
A primeira aula será dedicada à problematização do con
ceito de ideologia., Para isso, o professor escreverá no quadro-
negro alguns ditos populares: "Vence na vida quem diz sim", "Que
se dane o mundo, que eu não me chamo Raimundo", "Em casa que mu-
lher manda, ate o galo canta fino" etc. Em seguida, pedirá aos
unos que escrevam outros ditos populares, aumentando assim a
lista de frases no quadro-negro. Em seguida, abrirá o debate pa
ra que se discuta o significado desses ditos populares. Cabe ao
professor indagar também a quem servem as idéias passadas por es
ses ditos, que grupos sociais poderiam ser discriminados por es
sas idéias, e,ainda, que tipo de postura esses ditos populares
nos incentivam a ter...
segunda aula, propomos uma exposição do professor c::.

67.
torno do conceito de ideologia, de modo que, na terceira aula
se possa oferecer aos grupos de alunos um pequeno conjunto de ar
tigos de jornais onde estejam reproduzidas as opiniões de diver
sos setores da sociedade (Igreja, Exército, sindicatos

etc. etc.) sobre un mesmo tema. Caberá a cada grupo escrever uma
pequena conclusão sobre o significado desea diversidade de opini-
õos en torno de um mesmo assunto. Ao final da aula, a conclusão
de cada grupo deve ser apresentada ao restante da classe.
Assim procedendo, a quarta aula poderá ser reservada pa
ra leitura e análise de textos. É fundamental que o professor a-
companhe os alunos nessa atividade, ajudando-os a superar suas
dúvidas. Ao final da aula, pode-se pedir aos alunos que tragam
para a aula seguinte letras de músicas, poesias, objetos, fotos
etc. que retratem o modo de viver do3 habitantes da região.
Na quinta aula, a partir do material que os alunos trou
xeram, pode se organizar uma pequena mostra cultural na sala, pa
ra que todos os alunos tenham a oportunidade de observar e con
versar sobre as características da região em que vivem. A sexta
aula ficará então reservada para a realização de uma exposição
pelo professor sobre os possíveis significados da cultura popu
lar, aproveitando os acontecimentos ocorridos durante a mostra
cultural»
A sétima aula poderá ser usada para leitura e análise
de texto ou para a realização de exercícios propostos pelo pro
fessor. Ou ainda, se for preferível, para uma avaliação dos as
pectos positivos e negativos do curso de Sociologia desenvolvi
do ate então.

Textos de apoio

Seguem sete fragmentos de textos de diferentes autores,


,
para subsidiar o trabalho com os conteúdos desta Unidade.
A Concepção Funcionalista de Sociedade;
O Positívísmos de Emile Durkheim

Paulo Me ks en as

1. EMI LE DUR KHE IM: VI DA E OBRA

Em 15 de abril de 1858, nasce Emile Durkheim na pequena


cidade francesa conhecida pelo nome de Épinal. Descendente
de uma família de rabinos, os valores de seu lar eram muito
tradicionais: respeito e obediência às ordens do chefe da família
eram leis sagradas.
Perdeu seu pai quando ainda era garoto. Tal acontecimento
iria influir muito em sua vida, pois, como filho mais velho, tor
nou-se ele o chefe da família. É preocupado com sua nova res
ponsabilidade e com as questões financeiras da família que se
prepara para o concurso de entrada na Escola Normal.
Vivendo numa época de mudanças, onde a nascente socie
dade capitalista acabava de destruir as velhas instituições feudais
e impunha os novos valores burgueses, Durkheim afirmará sua
preocupação com o estabelecimento da nova ordem social.
A época em que iniciou seus estudos na universidade é tam
bém a época em que se começ am a ensi nar as Ciências Natu
rais (Biologia, Física e Química). Tendo amplo conhecimento
dessas disciplinas, passa a enxergar a sociedade de uma forma
peculiar: para ele, a sociedade 6 como um imenso corpo bioló
gico que precisa ser bem observado, para, em seguida conhecer-
•se sua anatomia e aí descobrir as causas e as curas de suas
doenças.
Durkheim foi muito influenciado pelas obras de Augusto
Comte e Herbert Spencer, que foram os iniciadores do Positi-.
vismo. Recém-formado, começa a dar aulas na universidade de
Bordéus, lecionando Ciência Social e Pedagogia; é, porém, em
1902, aos 41 anos de idade, que começa a lecionar numa das.
mais importantes universidades da França e de toda a Europa:
a Sorbonne. E será ainda como professor da Sorbonne que
fundará a Cadeira Universitária de Sociologia; assim, é através
de Durkheim que a Sociologia torna-se disciplina obrigatória no
ensino de Ciências Humanas nos cursos universitários.
Ao longo de sua vida, Durkheim formou vários discípulos,
quo continuariam sua obra, sendo que, em 1897, foi o respon
sável pela criação da revista "L'Anné Sociologique", uma das
primeiras publicações especializadas na área de Sociologia e
que reunia em torno de si famosos cientistas sociais.
Durkheim sempre lutou para provar que a Sociologia é uma
ciência e que, por isso, deve ser NEUTRA diante dos fatos sociais,
isto é, que a Sociologia não deve envolver-se com a Política.
Assim, para Durkheim, toda reforma social deve estar baseada
primeiramente no conhecimento prévio e científico da sociedade,
e não na ação política.
Quando criança, Durkheim presenciou um Movimento dos
Trabalhadores que íicou conhecido como "A COMUNA DE
PARIS"; isso foi em 1871, quando os trabalhadores uniram-se
contra a exploração que sofriam nas fábricas e tomaram conta
da cidade de Paris. Foi instituído o primeiro governo dos tra
balhadores e a primeira tentativa de implantação do socialismo
(sociedade sem classes). No entanto, passadas algumas semanas,
a Comuna de Paris foi massacrada pelos burgueses. Milhares
de trabalhadores que lutavam por seus direitos foram mortos.
Isso fez com que Durkheim acreditasse que através da violência
não se combate a violência e nem se pode criar uma nova so
ciedade. Para ele, os problemas sociais entre trabalhadores e
empresários
progresso. teriam que ser resolvidos dentro da ordem e do
Um outro conflito social que abalou muito a Durkheim foi
a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Ele tinha, então, 56
anos, e era um sociólogo mundialmente famoso. A morte de
seu filho, na guerra, e a de seus melhores amigos fizeram com
que ficasse emocionalmente muito abalado. A 15 de dezembro de
1917, Durkheim veio a falecer na cidade francesa de Fon-
tainebleau.

Principais obras:
— A Divisão do Trabalho Social, 1893
— As Regras do Método Sociológico, 1895
— O Suicídio, 1897
— As Formas Elementares da Vida Religiosa, 1912
— Lições de Sociologia
— Educação e Sociologia
— Educação Moral.

2. OS CONCEITOS BÁSICOS DO POSIT IVIS MO


A Sociologia desenvolvida por Durkheim tenta compreender
o capitalismo; para conseguir isso, Durkheim desenvolve uma
série de conceitos ou, dizendo de outra maneira, uma teoria.
E o que seria um CONCEITO?

PODEMOS DEFINIR CONCEITO COMO SENDO UM CON


JUNTO DE IDÉIAS DESENVOLVIDAS A PARTIR DA
NOSSA INTELIGÊNCIA E QUE TEM POR OBJETIVO
EXPLICAR UM FENÔMENO QUALQUER.

Assim sendo, quando afirmamos que Durkheim desenvolve


sua teoria a partir de certos conceitos, isso quer dizer que, ao
observar, classificar e entender um fenômeno (no caso, a socie
dade capitalista), Durkheim acaba por desenvolver ura conjunto
de idéias a respeito desse fenômeno, idéias contidas dentro de
um ou vários conceitos.
Por isso, ao conhecer a teoria de Durkheim, vamos conhecer
um conjunto de palavras novas que foram criadas por ele para
explicar o capitalismo.
os conceitos que formamEssas
sua palavras
teoria. Ecriadas
quais por
são Durkheim são
estes conceitos?
São eles:
CONSCIÊNCIA COLETIVA, DIVISÃO DO TRABALHO SO
CIAL, SOLIDARIEDADE MECÂNICA, SOLIDARIEDADE
ORGÂNICA, CASO PATOLÓGICO E ANOMIA.

A partir deste momento, vamos discutir cada um desses


conceitos e ver como, a partir deles, Durkheim tenta compreender
o capitalismo.
Consciência coletiva:
Por esse termo, Durkheim traduz a idéia do que seja o
Psíquico Social. Cada indivíduo tem uma "psique", isto é, um
je it o de pe ns ar e agir, de en te nd er a vida. Assim, ca da um de
nós possui uma CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL que faz parte de
nossa personalidade. Esta, porém, não é a única forma de cons
ciência: existe também aquela formada pelas idéias comuns que
estão presentes em todas as consciências individuais de uma
sociedade.
Essas idéias comuns formam a base para urna consciência
de sociedade: uma primeira consciência que determina a nossa
conduta
por e que não
Durkheim é individual, masColetiva.
de Consciência social e geral, denominada

S COMO ESSA CONSCIÊNCIA COLETIVA APARECE NA


SOCIEDADE? COMO ELA SE MANIFESTA EM NOSSAS
VIDAS?

Podemos responder a esta questão afirmando que a cons


ciência coletiva é OBJETIVA, isto é, ela não vem de uma só
pessoa ou grupo, mas está difusa (espalhada) em toda a socie
dade, e, por isso, ela é EXTERIOR AO INDIVÍDUO, quer dizer,
a consciência coletiva não é o que um indivíduo pensa, mas
é o que a "soci edade pe nsa ". Por i sso, a consci ência coletiva
age sobre o indivíduo de forma COERCITIVA, isto é, exerce
uma autoridade sobre o modo de como o indivíduo deve agir
no seu meio social.
Vemos com isso que a consciência individual não determina
as ações de uma pessoa; ao contrário, será a consciência coleti
va que Irá impor as REGRAS SOCIAIS de uma sociedade; isto,
porque, ao nascer, o indivíduo Já encontra a sociedade pronta
8 constituída em suas leis. Assim, o Direito, os costumes, as
crenças religiosas, o sistema financeiro não são criados pelo
indivíduo, mas peias gerações passadas, sendo transmitidas às
novas através do processo da educação. Por exemplo: na socie
dade em que vivemos, se alguém sair à rua sem roupas Irá
provocar imediatamente uma reação da sociedade contra si,
pois, a partir desse momento, poderá ser taxado de maníaco
e até ser preso; isso, devido à ação da consciência coletiva que,
presente em nossa sociedade, proíbe-nos de andar nus.
Durkheim nos oferece vários outros exemplos neste sentido:
"(...) não sou obrigado a falar o mesmo idioma que meus
companheiros de pátria, nem empregar as moedas legais; mas
é impossível agir de outra man eira. Minha tentativa fraca ssari a
lamentavelmente se procurasse escapar desta sociedade. Se sou
industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos
técnicos do século passado; mas, se o fizer, terei a ruína como
resultado inevitável. Mesmo quando, posso realmente libertar-me
destas regras e violá-las com sucesso, vejo-me obrigado a lutar
contra elas (...)" (in As Regras do Método Sociológico).

exerceVimos
sobreacima.vários exemplos
o indivíduo. TENTE,do INDIVIDUALMENTE,
controle que a consciência
DES
COBRIU OUTROS EXEMPLOS DE COMO A CONSCIÊNCIA
COLETIVA EXERCE UM CONTROLE SOBRE AS NOSSAS VI
DAS. Pense um pouco o você Irá descobrir vários exemplos do
nosso dia-a-dia.

Divisão do trabalho social


Outro conceito importante para entendermos a teoria de
Durkheim; ele definia este termo como sendo a especialização
das funções entro os indivíduos de uma sociedade.
O Positivismo tenta entender o funcionamento da sociedade
capitalista da mesma forma que a Biologia entende o funcio
name nto de um corp o animal, isto é, Dur khe im acha va que ao
descnvolver--.;e, a sociedade ia multiplicando-se em atividades a
serem reali7.adas; a partir dai, cada indivíduo teria uma função
a cumprir, a qual seria importante para o funcionamento de
todo o corpo social. Em suas palavras " ( . . . ) as funções polí
ticas, administrativas, judiciárias, especializam-se cada vez mais.
O mesmo acontece com as funções art íst ica s e cie ntífi cas" • (in
A Divisão do. Trabalho Social).
De aco rdo com Durkh eim, cada me mb ro da "sociedade, de
senvolvendo uma atividade útil e especializada, PASSA Á DE
PENDER CADA VEZ MAIS DOS OUTROS INDIVÍDUOS, isto é,
com a sociedade progredindo, surgem novas atividades; estas,
por sua
para fazervez,
umatornam-se divididas.
mesa, depende Por exemplo,
do lenhador o marceneiro,
que corta a árvore,
depende do motorista que transporta a madeira, depende dó
operário que prepara o verniz, depende daqueles que fabricam
pregos, marte los e serro tes etc. A ssim, ta mb ém o músi co que
depende daquele que faz seu instrumento, depende daquele que
faz o teatro para o público que assiste a ele, e assim por diante.
Com isso, o efeito mais importante da DIVISÃO DO TRA
BALHO SOCIAL não é apenas seu aspecto econômico (aumento
da produtividade), mas também tornar possível a união e a
SOLIDARIEDADE entre as pessoas de uma mesma sociedade.

Da solidariedade mecânica à solidariedade orgânica


Durkheim acentuava que nas sociedades anteriores ao ca
pitalismo, isto é, nas sociedades tribais e feudal, a divisão do
trabalho social era pouco desenvolvida, não havia um grande
núm ero de especializações da s ativ idades • sociais.
• Na sociedade feudal, por exemplo, vimos que a produ ção
dos bens de consumo era realizada pelo trabalho artesanal e
isso implicava o fato de que uma só pessoa fizesse aquilo de
que necessitava,
mesa, o servo sósem
dependia
depender
de deseuoutras
trabalho
pessoas.
individual
Ao fazer
e isolado.
uma
Ao contrário, na sociedade capitalista, as atividades são muito
divididas, sendo que para fazer uma mesa o marceneiro depende
do trabalho de outras pessoas.
Nas sociedades tribais e feudal, as pessoas não se unem
porque uma depende do trabalho da outra, e, sim, são unidas
por uma religião, tradição ou sentimento comum a todos.

ESTA UNIÃO DAS PESSOAS A PARTIR DA SEMELHAN


ÇA NA RELIGIÃO, TRADIÇÃO, OU SENTIMENTO É O
QUE DURKHEIM CHAMA DE SOLIDARIEDADE MECÂ
NICA.

A SOLIDARIEDADE ORGÂNICA, ao contrário, aparece quan


do a divisão do trabalho social aumenta, e aí, como vimos, o
que torna as pessoas unidas não é uma crença comum a todos,
mas uma interdependência das funções sociais.

A UNIÃO DAS PESSOAS A PARTIR DA DEPENDÊNCIA


QUE UMA SOCIAL
ATIVIDADE TEM DAÉ OUTRA
O QUE PARA REALIZAR
DURKHEIM ALGUMA
CHAMA DE
SOLIDARIEDADE ORGÂNICA.

Podemos tornar estes conceitos mais fáceis de serem enten-


didos a partir de um exemplo: imaginemos um professor que
necessite formar grupos para desenvolver o tema da aula. O pro
fessor pode querer a formação dos grupos a partir de dois
critérios: ele pode pedir nos alunos que formem grupos livre
mente, a partir da AMIZADE existente entre eles. Uma segunda
opção é pedir aos alunos pura formarem grupos de forma que
em cada um dos grupos fique uma pessoa que saiba DATILO
GRAFIA, uma outra que saiba DESENHAR, outra quo tenha
experiência de REDAÇÃO, e, por fim, uma que domine bem o
conteúdo das aulas 9 que seja o COORDENADOR do grupo.
No primeiro caso, o que uniu os alunos no grupo foi um
SENTIMENTO, a Amizade, de onde teríamos a SOLIDARIEDA
DE MECÂNICA. No segundo caso, o que uniu os alunos em
grupo foi a dependência que cada um tinha da atividade do
outro: a união foi dada pela especialização das funções, de onde
teríamos a SOLIDARIEDADE ORGÂNICA.

DURKHEIM ADMITE QUE A SOLIDARIEDADE ORGÂNI


CA É SUPERIOR A MECÂNICA, POIS AO SE ESPECIALI-
ZAREM AS FUNÇÕES, A INDIVIDUALIDADE. DE CERTO
MODO, E RESSALTADA, PERMITINDO MAIOR LIBERDA
DE DE AÇÃO.
O que significa afirmar que a solidariedade orgânica dá
liberdade ao indivíduo?
Vimos, anteriormente, que a nossa conduta na sociedade
é orientada pela CONSCIÊNCIA COLETIVA, isto é, não fazemos
o que queremos e, sim, o que as normas sociais permitem. Desta
forma, a consciência coletiva c coercitiva. No entanto, a partir
do momento em que as atividades sociais são muito divididas,
as pessoas passam a depender uma das outras e ao mesmo tem
po, cada uma, ao especializar-se na atividade que realiza, passa
a desenvolver a sua individualidade.
Nas palavras de Durkheim, "( . . . ) é preciso que a consciên
cia coletiva deixe descoberta uma parte da consciência indivi
dual, para quo, nesta parte, se estabeleçam os funções que ela
(consciência coletiva) não pode regulamentar ( . . . ) De fato (c om
a divisão do trabalho social) cada um depende tanto mais
estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o traba
lho; por outro lado, a atividade de cada um é tanto mais pessoal
quanto mais ela for especializada" (in Divisão do Trabalho
Social).
Voltemos ao exemplo do professor que forma grupos de
pesquisa em sala de aula: no grupo formado por amigos, pode
acontecer que um elemento discorde muito das opiniões de
outro; este fato pode trazer um conflito que põe em risco a
existência do grupo. Nesse caso, os elementos devem agir do
acordo com as idéias comuns do grupo, o não a partir das suas
próprias idéias. Já no grupo onde a união dá-se pela atividade
especializada, a individualidade ê ressaltada, pois, dentro da sua
atividade, cada um age como bem entende, e aí a divergência
de opiniões não põe em causa a existência do grupo.

A sociologia diante do caso patológico e da anomia


Como já foi dito, Durkheim viveu numa época de grandes
conflitos sociais
trabalhadoras. entre a uma
É também classeépoca
dos empresários e a novos
em que surgem classe pro
dos
blemas sociais como favelas, suicídios, poluição, desemprego etc.
No entanto, o crescente desenvolvimento da indústria e tecno
logia fez com que Durkheim tivesse uma visão otimista sobre
o futuro cio capitalismo. Ele pensava que todo o progresso de
sencadeado pelo capitalismo traria um aumento generalizado da
divisão do trabalho social e, por conseqüência, da solidariedade
orgânica, a ponto do fazer com que a sociedade chegasse a um
estágio sem conflitos e problemas-sociais.
Com isso, Durkheim admitia que o capitalismo é a sociedade
perfeita; trata-se apenas de conhecer os seus problemas e de
buscar uma solução cientifica para eles. Em outras palavras, a
sociedade é boa, sendo necessário, apenas, "curar as suas
doenças".
Tal forma de pensar o progresso de um jeito positivo fez
com que Durkheim concluísse que os problemas sociais entre
empresários e trabalhadores não se resolveriam dentro de uma
LUTA POLÍTICA, e, sim, através da CIENCIA, ou melhor, da
SOCIOLOGIA. Esta seria, então, a tarefa da SOCIOLOGIA:

COMPREENDER O FUNCIONAMENTO DA SOCIEDADE


CAPITALISTA DE MODO OBJETIVO PARA OBSERVAR,
COMPREENDER E CLASSIFICAR AS LEIS SOCIAIS, DES
COBRIR AS QUE SÃO FALHAS E CORRIGI-LAS POR.
OUTRAS MAIS EFICIENTES.

Assim, Durkheim acreditava que a sociedade, funcionando


através de leis e regras já determinadas, faria com que os pro
blemas sociais não tivessem sua srcem na Economia (forma pe
la qual as pessoas trabalham), mas sim numa CRISE MORAL,
Isto é

NUM ESTADO SOCIAL EM QUE VÁRIAS REGRAS DE


CONDUTA NÃO ESTÃO FUNCIONANDO.

Por exemplo: se a criminalidade aumenta a cada dia é


porque as leis que regulamentam o combate ao crime estão
falhando, por serem mal formuladas. A este estado de crise
social onde as leis nã o estão funcionando, Durk hei m denom in a
CASO PATOLÓGICO.
PO R outro lado, os problemas sociais podem ter sua srcem
também na AUSÊNCIA DE REGRAS, o que por sua vez se ca
racterizaria como ANOMIA.
Frente ao CASO PATOLÓGICO (regras sociais falhas), cabe
à Sociologia capt ar s uas causas , pr ocu ran do evitar a ANOMIA
(crise total), através da criação de uma NOVA MORAL SOCIAL
QUE SUPERE A VELHA MORAL DEFICIENTE.
Por ter essa confiança de que num futuro breve a sociedade
capitalista eliminaria, através da ciência, dentro da ordem e do
progresso, todos os seus problemas, sua forma de pensar era
CONSERVADORA. O que significa uma pessoa ser conservadora?
E ACREDITAR QUE A SOCIEDADE ATUAL NÃO DEVE
SER MUDADA, QUE AS COISAS DEVEM PERMANECER
COM ESTÃO. Ê TER RECEIO DE QUALQUER TRANSFOR
MAÇÃO SOCIAL. POR FIM, É ADMITIR QUE OS PROBLE
MAS SOCIAIS CRIADOS PELO CAPITALISMO SERÃO
RESOLVIDOS DENTRO DO PRÓPRIO CAPITALISMO.

E pelo fato de Durkheim ser uma pessoa conservadora é


que vamos encontrar na sua teoria um certo apoio à sociedade
capitalista.

A sociologia e o Estado
"(...) O Estado é um órgão especial, encarregado de ela
borar certas representações que valem para a coletividade. Estas,
representações se distinguem das outras representações coletivas
por grau mais alto de consciência e de reflexão. (...) O Estado
é, para falar com rigor, o órgão mesmo do pensamento social.
Nas condições presentes, esse pensamento está voltado para um
fim prático (...) O Estado, ao menos em geral, não pensa por
pensar, para constiuir sistemas de doutrinas, e, sim, para dirigir
a conduta coletiva" (in Lições de Sociologia).
Homo interpretar esta definição de Estado? Partindo do
ápio de que a sociedade capitalista foi concebida por Dur-
n como um corpo que, às vezes, fica doente, esse corpo,
funcionar bem, depende de que todas as suas partes este-
funcionando harmonicamente. A responsabilidade de desen-
;rcabe
o funcionamento harmônico
ao Estado. Em de todas as partes da socie-
outras palavras,

E A SOCIEDADE E O CORPO, O ESTADO É O SEU


CÉREBRO E POR ISSO TEM A FUNÇÃO DE ORGANIZAR
ESSA SOCIEDADE, REELABORANDO ASPECTOS DA
CONSCIÊNCIA COLETIVA.

Vimos quo a sociedade capitalista esta cheia de problemas.


heim admitia que o Estado é uma Instituição que tem o
r do e labor ar leis qu e corr lja m os casos patológ icos da
dade. Em resumo:

S CABE A SOCIOLOGIA OBSERVAR, ENTENDER E


CLASSIFI CAR OS CASOS PATOLÓGICOS, PROCURANDO
RIAR UMA NOVA MORAL SOCIAL, CABE AO ESTADO
OLOCAR EM PRATICA OS PRINCÍPIOS DESSA NOVA
ORAL.
Neste contexto, a Sociologia e o E stad o comple mentam- se
organização da sociedade para, na prática, evitarem os pro
asdevessem
sociais. ter
Issouma
levouparticipação
Durkheim direta
a acreditar
dentro que
do os soció-
Estado.

raído do livro Aprendendo Sociologia: A Paixão de Conhecer a


a,de Paulo Meksenas, Edições Loyola, São Paulo, 1985)
A concepção crítica da sociedade: o materialismo histórico de
Kar l Marx
Paul Singer
Produção simples de mercadorias e capitalismo
O produtor simples de mercadorias é um possuidor de meios de
produção que os utiliza para ganhar a vida. Ele produz mercadorias
(M) que vende e, com o dinheiro (D), compra outras mercadorias (M)
para consumir e continuar produzindo. O seu ciclo de produção toma
a forma M-D-M, cm que o M final difere do M inicial em forma, mas
não cm valor. Ao final do ciclo, o produtor cumpriu seu propósito —
satisfazer as necessidades de consumo próprias e de sua família —,
mas não se tornou mais rico do que era no início.
O capitalista é um possuidor de meios de produção que emprega
trabalhadores para movimentá-los. Vende a produção assim obtida e
compara a soma de dinheiro recebida com a que investiu no início. A
sua finalidade é que aquela soma seja maior; a diferença entre o seu
'capital inicia] e o final constitui o lucro. Toda sua atividade visa o
maior lucro em relação ao capital inicial. Sendo a relação lucro/capital
a "taxa de lucro" cm determinado período (geralmente em um ano),
pode-se dizer que seu objetivo é maximizar a taxa de lucro, isto é, obter
o maior lucro anual possível por cada milhão de cruzados investidos
em determinado negócio.
O seu ciclo de produção tem a forma D-M-D':
D é o seu capital inicial, que toma necessariamente a forma mo
netária (capital-dinheiro);

balhoM(capital-mercadoria);
é o capital transformado em meios
no processo de de produçãoose trabalhadores
produção, força de tra
transformam os meios de produtos em produtos que são vendidos;
D' é a receita da venda, que reconstitui o capital-dinheiro inicial
(D) acrescido de sua valorização, isto é, de seu lucro (A D).
Por isso, D' é, via de regra, maior do que D, sendo D'=D + AD,
ou seja, o capital no final do ciclo de produção é igual ao capital inicial
acrescido do lucro.
Ilustremos o contraste entre produtor simples de mercadorias e
capitalista, mediante um exemplo. Suponhamos que o produtor simples
de mercadorias seja um motorista de táxi, dono de seu carro. Este carro,
com o seu tanque cheio de combustível, é seu meio de produção M, o
qual ele usa para prestar serviços de transporte. No fim do mês, ele
ganhou uma soma de dinheiro D que ele utiliza de duas maneiras:
1. para comprar combustível, pneus e outras peças de reposição
e pagar serviços de reparação, além de tributos e amortizar o valor do
carro;
2. para comprar mantimentos, pagar serviços (aluguel, luz, gás
etc.) e fazer outras despesas de consumo para si e seus dependentes.
O primeiro tipo de despesa reproduz o seu carro, ou seja, o seu
meio de produção; o segundo tipo reproduz ele próprio e sua descen
dência.
No ciclo M-D-M as condições de produção são normalmente' re
postas; ao fim de um mês, um ano ou uma vida, sempre ressurge um
motorista de táxi e seu carro, com o tanque cheio de combustível.
No caso do capitalista, suponhamos que se trate do dono de uma
frota de táxis. Êste senhor possui de início uma soma de dinheiro sufi
ciente para comprar os carros, o combustível para eles e para assalariar
um número correspondente de motoristas, além de fiscal, contador, se
cretária etc. O seu dinheiro também deve cobrir gastos com garagem,
licenciamento dos carros etc. Este é o seu capital inicial D. Na medida
em que a frota opera, a venda de corridas gera uma receita. Convém
observar que no processo de produção de corridas, o trabalho dos mo-
loristas transforma os carros + combustível (capital-mercadoria) em
produto que, neste caso, é passageiros/quilômetros trunsportados (tam
bém capital-mercadoria). Neste processo de produção, que podemos re
presentar por M. . .M' ocorre uma mudança de valor: o total de pas
sageiros/quilômetros transportados vale mais do que o seu custo, isto é,
a soma dos salários pagos aos motoristas + desgaste dos carros + com
bustível + gastos improdutivos (ordenados do fiscal, contador etc. +
garagem + tributos).
Esta mudança de valor é essencial para o funcionamento do
capital.
No valor das corridas de táxi produzidas, o valor dos meios de
produção) — do carro e seus consertos, reposição de pneus etc. e do
combustível — reaparece por inteiro mas não aumentado, O que au
menta é o valor criado pelos trabalhadores assalariados, no caso os
motoristas, em relação ao que sua força de trabalho custa ao capitalis
ta, isto é, os salários que ele lhe paga. Digamos que um motorista ga
nhe 3 salários mínimos por mês e que ele transforme meios de
produção (carro + combustível) em produto (corridas) no valor de
outros 3 salários mínimos por mês. Isso quer dizer que cada motorista
"custa" ao nosso dono de frota 6 salários mínimos por mês. Ora, é
óbvio que nosso herói só dará emprego a motoristas que forem capazes
de lhe entregar mensalmente uma fériasuperior a 6 salários mínimos,
sendo a diferença suficiente para, somados os lucros brutos de todos
motoristas da frota, pagar os gastos improdutivos (ordenados, aluguel,
tributos) e ainda sobrar um lucro líquido proporcional ao capital
investido.
Temos portanto para o dono da frota de táxis um ciclo de pro
dução que pode ser representado por: D-M. . .M'-D\ Ao fim de um
ano, ele terá uma frota de carros com seus tanques cheios de gasolina
e uma
da soma forma:
seguinte de dinheiro D'. Ao fazer seu balanço, ele apurará seu lucro
A D = D' + valor dos carros com combustível, depreciados por
um ano de uso-D (valor do capital inicial).
Sc D' acrescido do valor da frota depreciada for maior,que o ca
pital inicial D, A O será positivo, isto e, houve realmente lucro. Mas
isso ainda não satisfará nosso capitalista. Ele quererá saber se o seu
lucro foi suficiente. Para tanto ele calculará a taxa de lucro A D/D.
Suponhamos que o capital inicial tenha sido de 10.000 salários
mínimos e que o lucro anual tenha sido de 1.Ü00 salários mínimos.
Neste caso. a taxa de lucro foi 1.000/10.000 ou 0,1 ou 10%. Então
ele tratará de comparar esta taxa com as que outros capitalistas obti
veram em frotas de táxis ou em outras linhas de negócio. O nosso
capitalista só continuará mantendo seu capital nesta atividade se se
convencer que com um capital de 10.000 salários mínimos ele dificil
mente obterá um lucro anual superior a 1.000 salários mínimos em
outro ramo de negócio. Se ele achar que o plantio de café ou a produ
ção de microcomputadores proporcionam taxas mais elevadas de lucro,
ele sem dúvida porá sua frota à venda e transferirá seu capital a uma
dessas atividades.

A especificidade do capital como relação de exploração


E possível que nesta comparação entre a produção simples de
mercadorias e o capitalismo surja a seguinte dúvida: mas por que não
podemos chamar de "capital" o carro do motorista proprietário (com
o tanque cheio de combustível)? Quem nos garante que sua receita
D seja apenas suficiente para seus gastos de reprodução? Não poderá
ele economizar algo todo mês e ao cabo de certo (empo comprar um
segundo carro para entregá-lo a um motorista assalariado? Desse jeito.
o produtor simples de mercadorias pode acabar como dono duma frota
de táxis, porque ele já era dono de capital desde o início, embora pe
queno. Neste caso, a diferença entre o motorista proprietário e o dono
de frota é apenas de grau: ambos são afinal "capitalistas" de tamanhos
diferentes. '
O erro nesta apreciação está cm considerar os agentes individual
mente e não como membros de classes sociais. Ê óbvio que deve haver
casos em que motoristas proprietários se tornaram donos de frotas, só
que estes casos constituem exceções e não regra.- Se considerarmos os
milhares de taxistas proprietários que trabalham em nossas cidades, é
claro que a grande maioria se esfalfa para conseguir, a muito custo,
unicamente se reproduzir, pagar as prestações do carro e ao fim de
determinado período comprar outro. Por isso, o seu carro não é "ca
pital", embora eles até possam achar que é. Os meios de produção do
produtor simples de mercadorias não são capital porque eles não. se
valorizam, ou seja, não proporcionam lucro. E os produtores simples
de mercadorias não obtêm lucro porque a competição entre eles deter
mina um_ valor para seus produtos que só lhes permite se reproduzir.
Eles, na" verdade, soem ser pobres, seu padrão de vida dificilmente é
melhor que o de um trabalhador assalariado com qualificação seme
lhante. Há exceções, por exemplo, entre os chamados profissionais li
berais — médicos, advogados, dentistas etc. —, mas é bom lembrar
que para cada profissional rico há muitos que mal conseguem ganhar
a vida.
A discussão desta dúvida permite especificar melhor o que 6 capi
tal. O capital é sempre uma soma de riqueza que, para se valorizar,
tem de sofrer as seguintes metamorfoses: de capital-dinheiro tem de
passar a capital-mercadoria, formado por meios de produção e força de
trabalho; este capital-mercadoria tem de ser transformado, mediante o
trabalho de trabalhadores assalariados cm produto, outra forma de ca
pital-mercadoria; e este último tem de ser realizado, ou seja, transfor
mado novamente, mediante a venda do produto, em capital-dinheiro.
Capital não é, portanto, apenas riqueza, mas valor que se valoriza, ri
queza que é investida para engendrar mais riqueza para seu possuidor.
Um bilhão de cruzados colocado num cofre ou numa conta bancária
não é capital, embora possa vir a sê-lo numa sociedade capitalista. É,
portanto, apenas capital virtual.
Isso é fácil de entender se imaginarmos o que faríamos com um
bilhão de cruzados numa ilha deserta ou se vivêssemos numa sociedade
não-capitalista, por exemplo, numa tribo de índios ou em Cuba. Em
tais situações, nosso bilhão não poderia funcionar como capital. Na
ilha deserta, o enterraríamos até sermos resgatados. Entre os índios,
poderíamos talvez usar uma pequena parte do dinheiro para comprar
objetos com os quais faríamos presentes tendo em vista obter presentes
em troca. Em Cuba poderíamos depositar o bilhão num banco e Obter
um juro modesto. Em nenhuma destas circunstâncias, o bilhão de cru
zados pode ser considerado capital.
Para que determinada soma de riqueza seja de fato capital, ela
deve poder ser submetida às metamorfoses acima especificadas. Isso
significa que tem que haver as seguintes condições:
1. dinheiro funcionando como equivalente geral da riqueza mer
cantil: sem dinheiro, a riqueza não pode assumir a forma de capital
monetário para funcionar como meio de compra de meios de produção
e de força de trabalho;

2. meios
os meios de produção
de produção colocados
não forem à venda,privada
propriedade como mas
mercadorias: se
coletiva ou
estatal, o capital-dinheiro não pode se transformar em capital produtivo
e, portanto, não pode se valorizar. Em economias centralmente plane
jadas, como a cubana, por exemplo, dinheiro acumulado só pode ser
emprestado ao Estado, o qual paga algum juro, mas isso não o torna
capitai;
3. força de trabal ho como merc adori a, ou seja, é preciso que uma
parte significativa dos trabalhadores não possua meios de produção e
por isso eles só tenham acesso à produção social mediante alienação de
sua força de trabalho. Se todos os motoristas tivessem seu próprio táxi,
não poderia haver frotas operando com motoristas assalariados.
Ora, estas condições especificam o capitalismo. Uma sociedade em
que o dinheiro é o representante geral da riqueza, em que os meios de
produção são produzidos e alienados como mercadorias e em que os
trabalhadores, em boa parte, vendem sua força de trabalho para sobre
viver é uma sociedade capitalista. E é só cm sociedades com estas ca
racterísticas que somas de valor podem ser e tendem a ser capital.
O que c então capital? Uma soma de dinheiro? Meios de produção
sendo movidos pelo trabalho de assalariados? Produtos de trabalho
assalariado postos à venda?
Capital é tudo isso c, sobretudo, c tudo isso cm relação. Capital é
a continua transformação do valor através do processo de produção e
de circulação. Na produção, o valor-capital se valoriza; na circulação,
o capital-valor já prenhe do mais-valor, da mais-valia, se realiza, É por
isso que a melhor maneira de entender o que é capital é entendê-lo
como relação social. No fundo, capital é uma forma específica de rela
cionamento entre homens em sociedade, na qual proprietários de ri
queza empregam o trabalho de não-proprietários para produzir mais
riqueza.

Capital é portanto uma relação social que se materializa em obje


tos: em dinheiro, em meios de produção, em trabalho pago por salário,
em produtos vendidos em mercados. É claro que cada forma material
do capital corporifica relações específicas que, em seu conjunto, for-
nam a relação-capital. Dinheiro corporifica a relação entre quem paga
e quem recebe. Mercadorias corporificam a relação entre quem compra
e quem vende. Destas relações específicas, a que é essencial ao capital
é a de compra e venda de força de trabalho. Porque é através desta
relação que o capital se valoriza, O lucro é trabalho não pago. é pro
duto da exploração do trabalhador assalariado. A relação-capital é es
sencialmente uma relação de exploração.

Valor, valor de uso e valor de troca


Vejamos agora mais de perto o que é valor numa economia de
mercado.
O valor é um atributo da mercadoria que tem duas dimensões;
uma é que cada mercadoria pode ser consumida, ou seja, há "alguém"
que se dispõe a pagar para poder usá-la. Esta dimensão recebe o nome
de valor de uso. Meios de produção são usados para produzir outras
mercadorias, isto é, servem para consumo produtivo. Bens finais são
usados por indivíduos e famílias, isto é, servem para o consumo indi
vidual. Qualquer que seja o consumo — produtivo ou individual —
ele tem por efeito destruir a mercadoria, O consumo produtivo do carro
e do combustível os destroem enquanto formas físicas, fazendo surgir
em seu lugar o produto "transporte de passageiros". O consumo indi
vidual duma mesa e duma porção de feijão destrói igualmente suas

formas físicas,
consumidor, quenada surgindo
podemos em seu
chamar lugar a não ouser"saciedade".
de "satisfação" uma sensação
O no
consumo do ca rr o e da mesa é paulatino e leva tem po; o do co mbu stí 
vel e do feijão é imediato e instantâneo. O valor de uso da mercadoria
revela que ela é produzida para ser consumida (destruída) e que o
consumidor se dispõe a pagar o suficiente para que a produção seja
retornada.
Mas mercadorias não são apenas compradas para serem consumi
das, mas também para serem revendidas. Cada mercadoria oferece ao
seu possuidor a possibilidade de — mediante venda e compra — obter
outra mercadoria. Esta dimensão do valor é o chamado valor de troca.
O valor de troca das mercadorias se exprime em seus preços, é uma
dimensão quantitativa, Ele pressupõe o valor de uso, pois uma merca
doria só tem preço se há consumidores que se dispõem a comprá-la. O
valor de uso em si não é mensurável,pois o consumo de diferentes
mercadorias não é comparável. Os partidários da teoria do valor-utili-
dade não entendem assim c sustentam que o valor de troca é expressão
direta do valor de uso ou "utilidade" da mercadoria. Explicam que se
o valor de troca de um anel de brilhantes é mil vezes maior do que o
de uni par de sapatos 6 porque o primeiro é mil vezes mais "útil" aos
consumidores do que o segundo. Como a utilidade é subjetiva, variando
de indivíduos a indivíduo, esta explicação é tautológica, isto é, ela só
nos informa que, se o anel encontra compradores dispostos a pagar por
ele mil vezes mais do que pelo par de sapatos, o aneldeve ser mil vezes
mais "útil" do que o par de sapatos. Que as diferenças de utilidade
sejam refletidas pelos preços é apenas presumido e é uma presunção
improvável, pois os preços são em geral fixados pelos vendedores, ca
bendo aos compradores decidir se desejam adquirir cada mercadoria a
este preço c (em caso positivo) em que quantidade.
O valor de uma mercadoria resulta do seu valor de uso e do seu
valor de troca. Ele exprime o fato de que a mercadoria resulta sempre
de uma ação humana deliberada — a produção dum bem ou serviço
— que visa o intercâmbio por dinheiro, a venda. O valor é a razão de
ser da mercadoria para quem a suscita.
Para o produtor simples de mercadorias ou para o capitalista, a
forma física da mercadoria é indiferente; o que ele visa é a receita
monetária que ele obtém com sua venda. Neste sentido, a mercadoria
é tão-somente a materialização do valor. Para o capitalista tanto faz
que seu capital assuma a forma de corridas de táxi, café ou microcom
putadores. O que lhe interessa é D', o valor destes produtos, que,
comparado com o seu capital inicial D, permite-lhe saber quanto lucrou.

Valor e lucro
Mas se a mercadoria não passa economicamente de uma portado
ra de valor, o que srcina este valor? Para responder esta questão,
temos que proceder por etapas. A srcem do valor de uma mercadoria
é o seu custo de produção, acrescido de uma margem de lucro. O valor
de uma corrida de táxi de uma hora é a soma do salário do motorista
(por hora de trabalho), da depreciação do carro, do valor do combus
tível consumido etc. e do lucro do dono da frota. A questão passa a
ser: qual a srcem do lucro do capitalista? A resposta imediata é a
existência do seu capital, o monopólio que a classe capitalista detém
da riqueza social e especificamente dos meios de produção. A quanti
dade de lucro contida no valor de uma mercadoria específica (uma
corrida de táxi) decorre do valor do capital aplicado (a frota de táxis,
combustível etc.) e da taxa de lucro aplicada a este capital. Em outras
palavras, o capitalista calcula o preço da sua mercadoria, de tal modo
que ele cubra os custos e obtenha um lucro tal que, multiplicado pela
quantidade de mercadorias vendidas durante o ano, proporcione a taxa
de lúcio almejada.
No exemplo anterior supusemos que o dono da frota tenha obtido
um lucro anual de 1.000 salários mínimos. Imaginemos que a sua frota
faça 250 000 horas de corrida por ano. Então, logicamente, o preço de
1
uma corrida de uma hora inclui de salário minimo de lucr o. Com
250
esta margem de lucro, o capitalista alcança uma taxa de lucro de 10%
sobre o seu capital.
Mas vimos que cada capitalista procura obter a maior taxa de
lucro possível. O que impede o nosso dono de frota de incluir no preço
2 3
uma margem maior de lucro, digamos de ou mesmo de sa-
250 250
lário mínimo, para obter unia taxa de lucro de 20 ou 30%7 l . É a
concorrência. O nosso capitalista não 6 o único a possuir táxis. Ele
1 Estamos abstraindo aqui que as tarifas de taxi são controladas pelo governo
municipal. Em geral, os capitalistas tem liberdade de fixar seus preços.
2. do valor da força de trabalho total, ou seja, da soma de todos os
salários pagos, que chamaremos de V (de capital variável);
3. do valor do lucro total, soma dos lucros de todos os capitais indivi
duais, e que chamaremos de M (de mais-valia).
A classe capitalista começou o ano com seu capital inicial D =
C + V, isto é, meios de produção e força de trabalho c chega ao fim
do ano com D'= C + V + M, tendo lucrado D*— D = M. Qual a
srcem de M? Só pode ser o trabalho dos assalariados, graças ao qual
foram produzidas as mercadorias que compõem M' e que são vendidas
por D*.
Como se demonstra isso? Simplesmente perguntando qual é a ori
gem de toda.riqueza da classe capitalista. Ora, esta riqueza é composta
por mercadorias, que são produto de trabalho assalariado. Cada corrida
de táxi, cada quilo de café, cada microcomputador surge na posse da
classe capitalista graças à atividade da classe dos trabalhadores assa
lariados. Há uma relação evidente de causa e efeito entre o volume de
trabalho realizado pela classe trabalhadora e a quantidade de mercado
rias, de formas físicas portadoras de valor.
A classe trabalhadora recebe como salários um valor V menor do
que o valor total criado pelo seu trabalho, que é V -+- M. O valor C
dos meios de produção consumidos no processo de produção só reapa
rece no valor M' do capital-mercadoria. Por isso o denominamos de
capital constante, pois no processo de produção o seu valor não varia.
Mas o capital aplicado na compra de força de trabalho V tem o seu
valor alterado. A classe capitalista paga V de salário para obter mer
cadorias no valor de V + M, que é o novo valor, criado durante o ano.
Por isso chamamos o capital gasto na aquisição de força de trabalho de
variável. Esta parte do capital aumenta de valor, a força de trabalho
cm funcionamento cria mais valor do que ela custa à classe capitalista.
Este valor a mais constitui o lucro e é por isso que o denominamos de
mais-valia.

Os conflitos pela apropriação do valor

não Demos uma volta


estava contida em muito
nossasgrande para chegar
premissas. a uma
Será que não? conclusão
Vejamos. que
Co
meçamos por demonstrar que a mercadoria, que é o elemento da ri
queza capitalista, tem um atributo, o valor, que constitui sua verdadeira
razão de ser. No capitalismo, quem suscita a produção de todas as
mercadorias é a classe capitalista. £ ela que toma as decisões que
tornam esta produção possível. Em cada empresa, o capitalista decide
o que é produzido e em que quantidade. Ora, a classe capitalista toma
concorre com outros donos de frota e com motoristas autônomos. Se
ele cobrar demais, seus carros rodarão vazios, os consumidores darão
preferencia a seus competidores.
Ainda não resolvemos o problema. Explicamos o valor, sob a
forma de preço, pelos custos mais a margem de lucro e a margem de
lucro pela taxa de lucro, condicionada pela concorrência. Mas a con
corrência só iguala os preços das mesmas mercadorias e, portanto, em
princípio, a taxa de lucro. Cada capitalista tem de cobrar o mesmo
preço e, se os custos forem semelhantes, as taxas de lucro também o
serão. Não só cm cada mercado, como em todos os mercados, pois o
capital é móvel c passa dos mercados em que a taxa de lucro é menor

aosmercadorias
de cm que ela écai,
maior.
o queMas,
faz no mercado
subir o seu de que portanto
preço, o capital asai, a ofertae
margem
a taxa de lucro. No mercado em que o capital entra, acontece o oposto:
a oferta de mercadorias aumenta, o que faz o preço diminuir, reduzindo
a margem c a taxa de lucro. O incessante vaivém de capitais individuais
entre os diversos mercados faz com que flutuem a produção, os preços,
as margens de lucro c as taxas de lucro. Neste movimento, os capitais
individuais elevam a taxa de lucro nos mercados em que ela estava
mais baixa c a reduzem nos mercados cm que ela estava mais alta. Não
dá para dizer que as taxas de lucro de todos os capitais tornam-se
iguais, mas a concorrência entre os capitais tende a aproximá-las. Po
de-se falar de uma taxa geral de lucro, ao redor da qual oscilam as
taxas reais de lucro dos capitais individuais.
A srcem do lucro
Chegamos agora ao âmago do problema: o que srcina a taxa ge
ral de lucro, que pode ser concebida como a relação entre o lucro anual
de todos os capitais individuais c o valor somado dos mesmos?
A taxa geral de lucro nos permite visualizar o capitalismo como
ele realmente funciona. Temos de um lado o capital total, riqueza
conjunta da classe capitalista, que aparece subdividido em inúmeros
capitais individuais. De outro lado temos a classe dos trabalhadores
assalariados, que transformam o capital produtivo total (M) em pro
duto total (M'). Êste se compõe de uma miriade de mercadorias dife
rentes, que são vendidas, ou seja, transformadas num capital monetário
total (D).
Examinemos agora o valor do capital total D'. Ele se Compõe de
3 parcelas:
1. do valor dos meios de produção consumidos na produção de M ', que
denominaremos de C (de capital constante);
estas decisões visando o lucro, ou seja, o valor a ser ganho com a venda
das mercadorias. O lucro decorre da diferença entre o valor da produ
ção e o custo da produção. Esta diferença é incluída no preço de cada
mercadoria e o mais difícil é explicar o que a determina.
Se cada capitalista pudesse determinar unilateralmcnte o lucro que
irá ganhar, on preços seriam cada vez rnais altos, impulsionados por
margens crescentes de lucro. Obviamente, a vontade ilimitada de lucrar
de cada capitalista frustrar-se-ia porque os preços de uns* são os custos
de outros. O superlucro do fabricante de carros ou de combustível es
magaria o lucro do dono da frota. Este naturalmente aumentaria ainda
mais o preço da corrida, Teríamos uma inflação galopante, coisa que
ocorre realmente quando certos preços disparam, causando a elevação
dos outros.

dual, Se deixarmos
obcecado em momentaneamente
lucrar ao máximo, de lado nosso
poderemos capitalista
entender indivio
melhor
que se passa. Quando os capitalistas elevam os preços uns contra os
outros, o máximo que eles fazem é redistribuir entre si o mesmo lucro
total. Mas eles podem efetivamente aumentar o seu lucro total se au
mentarem os seus preços contra os outros participantes do jogo do
mercado, Entre estes outros, o mais importante é a classe dos trabalha
dores assalariados. Se os capitalistas elevarem os preços das mercado
rias consumidas pelos trabalhadores sem alterar o valor dos salários
que lhes pagam, a margem de lucro total se eleva na mesma medida
em que a parcela do valor novo consumido pelos trabalhadores cai.
Este tipo de inflação aumenta M, o lucro total, em detrimento de V, e
como o capital total continua o mesmo, a taxa geral de iucro também
aumenta. Através da concorrência, o aumento da taxa geral de lucro
permite que as taxas de lucro de muitos capitais individuais aumentem,
embora as dos capitais que produzem mercadorias especificamente para
o consumo operário possam diminuir.
£ claro que a classe dos trabalhadores assalariados, ao perceber
que a subida dos preços deteriora seus salários, irá reagir exigindo o
reajustamento dos mesmos. Conform e a força de seus sindicatos, terá
mais ou menos êxito, O que essa discussão mostra é que por mais do
minante que a classe capitalista seja, ela não determina sozinha a mar
gem de lucr o total nem a taxa geral de lucr o

Estas magnitudes são determinadas no confronto de classes, na luta


diuturna entre capitalistas e trabalhadores.
E o mesmo confronto se verifica entre a classe capitalista e o Es
tado, que lhe extrai uma parte do lucro total sob a forma de tributos.
A inflação dos preços capitalistas desvaloriza a receita tributária, acar
retando o déficit público, que os porta-vozes da classe capitalista vão
atribuir â ineficiência e à corrupção na administração pública. A re
partição do lucro total (ou excedente' social) entre a classe capitalista
e o aparelho de Estado dá lugar a variados conflitos políticos e ideoló
gicos, dos quais, por falta de espaço, não nos ocuparemos aqui. E
apenas mencionaremos os conflitos distributivos que se produzem entre
a classe capitalista e os produtores simples de mercadorias (que cons
tituem a pequena burguesia) e entre as classes capitalistas de diferentes
nações. Em todos estes conflitos, preços são esgrimidos como armas,
acarretando contínuas mudanças na apropriação do valor embutido nas
mercadorias.
Cumpre das
na produção notarmercadorias
que os conflitos
assumepela apropriação
forma do valor
de inflação. gerado :
frcqüentemen
te, mas esta não é sua única forma. Os mesmos conflitos podem ser
travados mediante a baixa de alguns preços e a alta de outros, de tal
modo que a média dos preços se mantenha constante, o que significa
ausência de inflação.

A lógica do capital: aparência e realidade


O capitalista individual tem uma consciência muito imperfeita de
que pertence a uma classe e que o seu capital não passa de uma parcela
do capital total. Envolvido na concorrência com outros capitalistas, ele
mal entrevê que a taxa de lucro que logra é determinada, em boa me
dida, pela taxa geral de lucro. E os seus interesses o cegam totalmente
perante o fato de que o lucro é valor criado pelo trabalho assalariado
que não é pago pelos salários.
Não obstante, as regras de jogo da economia capitalista o coagem
a atuar conforme a lógica do capital. Estas regras se manifestam através
da concorrência. Para subsistir como capitalista, o empresário tem de
acumular capital, isto é, tem de reinvestir grande parte do lucro para
modernizar seu equipamento, tendo em vista elevar a produtividade do
trabalho como meio de reduzir seus custos. Na luta concorrencial, o
lucro é fim e meio.
E fim porque uma "boa" taxa de lucro é o atestado do êxito em
presarial, de que a empresa foi competentemente conduzida. A honra
e o prestígio da empresa e de quem se encontra à sua frente decorrem
de seu balanço anual, particularmente sua conta de "lucros e perdas".
Uma empresa com prejuízo é rapidamente abandonada pelos credores,
que passam a considerá-la um mau risco. Os investidores naturalmente
fazem o mesmo. Perdendo o acesso a capital novo, a empresa fica im
pedida de continuar na corrida tecnológica e em breve pode se encon
trar falida. Uma empresa bastante lucrativa recebe tratamento oposto:
é cortejada por credores e investidores, o prestígio dos seus produtos
cresce no mercado. Ter ou não ter lucro é, portanto, uma questão de
vida ou morte para o capital individual.
Mas o lucro também é meio, pois constitui a principal fonte de
acumulação do capital. O lucro não tem por finalidade principal pro
porcionar ao seu detentor um elevado padrão de consumo. Este acaba
sendo
talista um subproduto,
enquanto pessoa de
nãoimportância secundária.
goste de luxo Ele éatéque
e pompa.Não queo gosta,
capi
mas não tem tempo para se dedicar a eles. O verdadeiro requinte exige
esforço e dedicação de quem deseja desfrutá-lo. É um apanágio das
classes ociosas, no capitalismo, dos que vivem de rendas de proprie
dades, herdeiros de grandes fortunas, com tempo de se devotar ao me
cenato ou à filantropia. O verdadeiro capitalista dedica todo o sea
tempo à atividade empresarial e pouco lhe importa a fatia do lucro que
usa para o seu consumo pessoal. Em empresas de porte medio e grande
esta fatia é desprezível, a não ser que haja grande número de herdeiros.
No fundo, o usufruto parasitário do capital como fonte de renda é con
trário à lógica do capital c leva à ruína empresas antigas, cujo lucro é
apropriado por uma quantidade excessiva de herdeiros.
O lucro tem de ser acumulado, ou seja, transformado em novo
capital. O nosso dono da frota de táxis pode consumir um terço ou
um quarto do seu lucro anual de 1.000 salários mínimos. O restante
ele tem de usar pura ampliar a frota ou, digamos, instalar rádios nos
carros, transformando sua empresa cm uma empresa de radiotáxis. Se
não o fizer, seus concorrentes o ultrapassarão e, possivelmente, no uno
seguinte seu lucro cairá, podendo até se tornar prejuízo.
O capitalista não imagina que o lucro provenha do trabalho de
seus empregados, Ele pensa, ao contrário, que por "dar-lhes" emprego
é ele, capitalista, quem os sustenta. Ocasionalmente ele proclama (so
bretudo para obter favores do poder público) que de sua empresa de
pendem x trabalhadores e suas famílias. Mas a realidade logo lhe
ensina que us classes existem c se confrontam, Os trabalhadores se
sindicalizam c apresentam reivindicações na negociação do contrato
coletivo de trabalho.
Estas reivindicações podem até lhe parecer justas, mas Infeliz
mente elas sempre elevam os custos e portanto ameaçam o sacrossanto
lucro da empresa. Portanto, ele se opõe a elas com toda a força, alian-
do-se a seus concorrentes para impedir que os salários sejam aumen
tados, que a jornada de trabalho seja reduzida ou que a segurança no
trabalho seja reforçada. Ao agir, unidos, os capitalistas confirmam que
efetivamente os lucros de cada um são parcelas do lucro total, fruto da
exploração da classe trabalhadora pela classe capitalista.
A lógica do capital não se impõe apenas aos capitalistas, mas tam
bém aos trabalhadores. Como vendedores individuais de força de tra-
balho,'encontram-se à mercê do capital, que trata de fomentar a con
corrência entre eles.
Dentro da empresa, os trabalhadores são escalonados cm níveis
hierárquicos
Esta de mérito
hierarquia salarial etem
responsabilidade, cm ao
por fim oferecer grande medida um
trabalhador artificiais.
simu
lacro de carreira. A grande maioria deles encontra-se na base da pirâ
mide e deve conformar-se com salários baixos em troca da perspectiva
de ascender no futuro a níveis mais altos. As promoções por mérito
devem induzir os trabalhadores a se esforçarem ao máximo na produ
ção e a se submeterem à disciplina da empresa. Mas os trabalhadores
logo descobrem que, unidos, eles ganham poder e podem conquistar
concessões do capital. Organizados em sindicato, usam a paralisação
coletiva do trabalho para conquistar o aumento dos salários mais bai
xos, achatando a pirâmide e destruindo o incentivo à competição entre
eles. A solidariedade de classe se impõe como imperativo ético e como
meio prático de lula. Em lugar de se submeterem às chefias, os traba-
lhadores se protegem mutuamente (ocultundo, por exemplo, da direção
da empresa a identidade de seus lideres) e assim conseguem se apro
priar de uma parcela maior do valor criado pelo seu trabalho.
A lógica do capital desemboca na luta de classes e esta passa do
plano econômico ao social c político. Como veremos adiante, a luta de
classes põe em perigo as bases institucionais do capitalismo. Viver pe
rigosamente parece ser a sina histórica do capital.

(Extraído do livro Capitalismo;a sua Evolução


: a sua Lógica e a

sua Dinâmica, de Paul Singer, Editora Moderna, São Paulo, 198 7)


A 5 de maio de 1818 nasce Karl Marx, na pequena cidade
alemã conhecida pelo nome de Troves. Seu pai, Hirschel Marx,
advogado judeu, pôde proporcionar à sua família uma vida nos
•padrões de classe média.
Sua juventude foi parecida com a de Durkheim: muitos
estudos e uma vida tranqüila dentro da cultura burguesa euro
péia. No entanto, como veremos adiante, ao terminar os estudos
na Universidade sua vida se transformaria radicalmente.
Na cidade natal, quando ainda era jovem, ficou amigo de
um barão, o qual lhe falara sobro o Socialismo Utópico. É a
primeira vez na vida que Marx ouve falar na possibilidade de
uma futura sociedade sem classes e sem exploração.
Conhece a filha desse barão, Jenny; namoram por mais de
sete anos; casando-se com Jenny Marx terá vários filhos.

Começou
cupa-se seus estudos
com Direito, História,universitários em e Bonn,
Filosofia, Arte onde Será
Literatura. preo
na Universidade de Berlim, contudo, que concluirá seus estudos
superiores. Era essa a melhor Universidade de toda a Alemanha.
A pretensão de Marx era tornar-se professor de alguma
universidade alemã e prosseguir com suas pesquisas sociais.
Entretanto, quando diplomou-se, era simpatizante da obra de
um filósofo que tinha falecido poucos anos antes: Hegel. Marx
foi um crítico das teses de Hegel; no entanto, havia um aspecto
no seu método que Marx admirava muito. Tal aspecto metodo
lógico permitia fazer uma crítica ao governo alemão que, repre
sentado por Frederico IV, começava a perseguir todos os sim
patizantes de Hegel, proibindo-os, inclusive, de dar aulas. Com
isso, Marx inicia o ano de 1842 como professor, proibido de
pôr os pés numa universidade, estando, portanto, desempre
gado.
Para sobreviver, toma-se jornalista. Seu primeiro artigo era
um comentário contra a censura e, infelizmente, não pôde ser
publicado: foi censurado.
Devido à sua capacidade, em pouco tempo já era diretor
do jornal "Gazeta
patrocinou Renana".
um estudo sobre aFoi
vidacomo diretor desse
de camponeses que jornal que
roubavam
madeira pertencente ao Estado, vendendo-a em seguida. Esse
estudo provou que os camponeses recebiam um salário tão baixo,
que passavam fome, e, por conseqüência, roubavam a madeira.
Para resolver esse problema de criminalidade, Marx propôs que
se aumentassem os salários dos camponeses ao invés de prendê-
-los. O governo alemão não gostou da sugestão, e, por isso,
fechou o jornal.
Diante desse acontecimento, Marx muda-se para a França,
onde, em Paris, organiza uma revista ("Os Anais Franco-Ale-
mães") que denuncia a repressão do governo alemão contra a
cultura e contra os trabalhadores. Essa revista entra clandesti
namente na Alemanha; mesmo assim, em pouco tempo chega
às mãos do Estado alemão que, por sua vez, pressiona o Estado
francês, que acaba por expulsar Marx da França. Novamente,
por motivos políticos, Marx muda-se para outro país: a Bélgica.
No tempo em que viveu na França, Marx começou a inte
ressar-se pelo movimento dos trabalhadores. Diante de tanta
exploração e miséria, a única coisa a ser feita é o trabalhador
unir-se e lutar pelos seus direitos. Com essa idéia, Marx passa
a se dedicar k ajuda aos trabalhadores para sua organização:
tudo o que escreve, artigos e livros, passa a ser com o objetivo
de mostrar o quanto a sociedade capitalista produz de injusti
ça; para acabar com os problemas sociais, seria necessário
acabar com o capitalismo e começar a construir uma nova socie
dade onde todos os que trabalhassem recebessem o suficiente
para viver bem. Onde todas as decisões fossem tomadas demo
craticamente pela maioria das pessoas. Uma sociedade onde não
extistissem nem ricos, nem pobres; enfim, lutar pela criação da
sociedade socialista.
E é lutando junto com os trabalhadores pela Instauração
do socialismo que Marx escreve os seus livros, que explicam a
sociedade em que vivia, ou seja, a capitalista.
No ano de 1848, o movimento operário preparou um Con
gresso em Londres: Marx é convidado para expor suas idéias
sobre como deve ser uma sociedade sem exploração; é quando
escreve e apresenta ao público seu artigo "Manifesto Comu
nista".
Expulso pelo governo da Bélgica, Marx instala-se definitiva
mente na Inglaterra. Sua vida foi a de um peregrino que lutou
em defesa dos trabalhadores, e isso fez com que passasse por
momentos difíceis na vida. Uma carta que Marx escreveu a seu
amigo Engels, em 8 de setembro de 1852, dá uma idéia da
pobreza em que se encontrava:
"(...) minha mulher está doente. Minha filha, Jenny, está
doente. Heleninha está com uma espécie de febre nervosa. Não
pude e nem posso chamar o médico por falta de dinheiro para
os remédios. Há oito dias que alimento minha família unica
mente com pão e batatas. E não sei se ainda vou poder comprar
pão e batatas para hoje" (in Leonardo Konder, Marx — Vida
e Obra, p. 96).
Karl Marx veio a falecer no dia 14 de março de 1883, devido
a uma infecção na garganta e muito abalado com a morte de
sua mulher e de sua filha mais velha. Somou-se a tudo isso a
repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que tam
bém o abalou bastante.
Sua obra é muito grande, e, durante a vida, Marx não pôde
ver as conseqüências do que tinha escrito. Morreu sendo pouco
conhecido, a não ser pelos trabalhadores. No entanto, com o
passarlivros
seus dos anos, principalmente
tornaram-se nessesfamosos,
mundialmente últimos inspirando
oitenta anos,
os
mais diversos movimentos de libertação da humanidade.

Principais obras:
— Manuscritos econômico-filosóficos, 1844.
— A Ideologia alemã, 1845 (escrito em colaboração com Engels).
— A Miséria da Filosofia, 1847.
— Manifesto comunista, 1848.
— As lutas de classe na França entre 1848 e 1850.
— O 18 brumário de Luis Bonaparte.
— Contribuição a crítica da Economia Política, 1857.
— O Capital, 1867.

(Extraído do livro Aprendendo Sociologia: A Paixão de Conhecer a


Vida, de Paulo Meksenas, Edições Loyola, São Paulo, 198 5)
O co nce ito de cla sse s so c ia is
Theotonio dos Santos

O conceito do classe social não foi uma criação do


marxismo. Doada a antiguidade grega, por exemplo
(pudemos mesmo encontrar documentos egípcios em
Aristóteles
que se faladivide
da existêncía
a sociedadede emclubes
escravos
na sociedade),
e homens
livres. Além disso, na Política, divide os cidadãos em
pobres, classe média e ricos. Nesta mesma obra, Aris
tóteles estabelece relações entre formas de governo e
predomínio de certas classes sociais. Também entre os
patriarcas da Igreja, segundo Ossowsky', era bastante
viva a consciência de uma sociedade escravista que
existia junto com a idéia da igualdade social. Os Atos
dos Apóstolos e o Novo Testamento estão cheios de
referenciai às classes sociais, sempre observadas do
ponto de vista da relação pobres e ricos ou das rela
ções escravistas.
Santo Tomás dividia a sociedade em ordens sociais
bastante rígidas, quo refletiam a cristalização da hie
rarquia feudal na alta idade média. O mesmo fato se
poderia verificar, certamente, ao estudar a tradição cul
tural do Oriente e do Mundo Árabe.
Nus vésperas da Revolução Francesa, a percepção da
existêncla de classes sociais era bem viva. A represen
tação das três ordens sociais se tornou um elemento
bastante claro da consciência social. Em Babeuf, en
contramos uma representação muito clara da luta de
classes como fator determinante da luta política. Sua
interpretação da Revolução Francesa, das constituições
por ela promulgadas e sua visão da sociedade futura
estiveram profundamente marcadas pela noção da luta
de classes.
A economia burguesa com Adam Smith elaborou uma
visão clara das classes fundamentais da sociedade bur
guesa baseada em sua função econômica. As classes
agrária, industrial e assalariada tinham sua srcem nas
fontes básicas da renda: a terra, o capital e o trabalho.
Saint-Simon via a sociedade dividida em duas classes:
a classe industrial e a classe ociosa. E Proudhon chegou
claramente a Idéia da propriedade como srcem da
divisão da sociedade em classes. Idéia que também
existia do modo mais impreciso em Rousseau.
Como se pode notar, no século XIX o conceito de
classe se identifica com o próprio funcionamento da
sociedade.
dar no conceito
O quedo Karl
classeMarx
não vai
só um
fazer
a dim
é exatamente
ensã o cien-
tifica, mas também atribuir-lhe o papel de base de
explicação da sociedade e de sua história.
Contudo, apesar da importância fundamental do
conceito de classes sociais na obra de Marx, não há
de receber o tratamento sistemático e rigoroso que
deu a outros conceitos. Sua obra-prima, O Capitai,
ficou interrompida precisamente no capítulo em que
começava a tratar das classes sociais, Além disso, em
muitas obras anteriores, Marx emprega este conceito,
às vezes sem muito rigor, o que deu srcem a uma
série de confusões sobre seu verdadeiro sentido. Por
fim, é preciso não esquecer que Marx, como todo pen-
l. Stanislav Ossowsky. Estructura de classes y conciencia social.
Barcelona, Ed. Península , 1 969 .
sador, desenvolveu este conceito ao longo de suas in-
vestigações, o que implica que ele o foi sistematizando
progressivamente.
Todos estes fatos deram srcem a grande número
de confusões acerca deste conceito, confusões que, em
geral, estão vinculadas a interpretação do próprio pen
samento marxista. Selecionamos duas criticas que se
fundamentam no caráter contraditório que o conceito
de classe tinha em Marx. Cremos que a tarefa de
esclarecer estas aparentes contradições é fundamental
para so poder chegar a um conceito cientifico das clas
ses sociais.
Primeiro nivel: o modo de produção
O primeiro nível em que devemos situar o conceito
de classes é a analise do modo de produção. O con
ceito de classes aparece como resultado da análise das
forças produtivas (nivel tecnológico dos meios do pro
dução e organização da força de trabalho) e das rela
ções de produção (relações que os homens estabele
cem entre si no processo da produção social). Estas
forças produtivas e estas relações de produção assu
mem certos modos possíveis de relação na história.
Estes modos possíveis de relação são essencialmente
contraditórios quando as relações de produção se cons
tituem em base da propriedade privada. Este caráter
contraditório define as leis gerais do funcionamento e
desenvolvimento dos modos de produção classistas.
Desta forma, a análise do modo de produção supõe
uma ceria dinâmica própria deste modo de produção
cujos componentes são antagônicos. As classes sociais
são uma expressão fundamental dessas relações anta
gônicas. Em conseqüência, o conceito de classes sociais
se constitui teoricamente dentro do conceito de luta
do classes. A luta de classes é pois o conceito-chave
para se compreender as classes sociais. Por esse mo
tivo, o conceito de classes impõe uma análise essen
cialmente dialógica.
A luta de classes está relacionada diretamente com
a superação de uma determinada formação social
(modo de produção, mas político e cultural). Deste
modo, só se pode compreender o conceito no contexto
das contradições e leis de desenvolvimento interno de
um determinado modo de produção e de uma deter
minada formação social. Neste nível da análise se in
tegra o conceito de consciência de classe. O conceito
de consciência, de classe no marxismo não corresponde
à ldéia vulgar empírica da consciência que têm os
Indivíduos de sua condição de classe. Uma das con
quistas básicas da ciência social marxista se define
na frase do prólogo do Contribuição à Crítica da Eco
nomia Política: "Assim como não podemos tampouco
Julgar estas épocas de revolução por sua consciência,
mas, ao contrário, deve-se explicar essa consciência
pelas contradições da vida material, pelo conflito exis
tenteprodução..."
do entre as forças
Cumproprodutivas
mostrar sociais e as formas
as possíveis relações
antagônicas do consciência que correspondem a deter
minados modos de produção. Não se trata do que os
homens pensam num determinado momento. Trata-se
de descrever teoricamente as formas possíveis de cons
ciência. A consciência empírica ou psicológica dos
homens pode estar mais ou menos próxima delas.
Existe um conjunto de textos marxistas que refor
çam esta interpretação, desde o prólogo de Contribui
ção à Crítica da Economia Política, citado, até à tipo
logia no Socialismo Utópico e Científico de Engels.
Também se apresenta nos textos sobro a acumulação
de capital e em vários outros textos de O Capital.
Importa estudar as classes e a consciência de classe
a nivel altamente abstrato e ao mesmo tempo com
referência a uma formação histórica concreta. A cons
ciência de classe não pode ser estudada independente
mente das formas históricas concretas' de produção.
Essas formas concretas são estudadas em sua pureza
essencial, quer dizer, são submetidas a condições quase
de
que laboratório. Condições todos
isola dos fenômenos estas os
criadas por secundários,
aspectos abstração,
específicos de formas particulares, para destacar tudo
o que é principal, específico do mundo de produção
que se pretende estudar.
A chave do conceito de classes e de consciência de
classe a este nível teórico se encontra no prólogo da
primeira edição de O Capital.
"Nesta obra, as figuras do capitalista e do proprietário
de terras não aparecem pintadas, nem multo menos cor-
de-rosa. Mas note-se: aqui só nos referimos às pessoas
enquanto personificações de cateaorias econômicas, como
representantes de determinados interesses e relações de
classe".
A perícia com que Marx associa as relações econô
micas com as relações culturais em O Capital e em
out ras obras é decorrente de sua conce pção da eco
nomia. Para Marx, a economia política não estuda rela
ções entre coisas nem entre homens e coisas. A eco
nomia política estuda relações entre homens que apa
recem na consciência dos homens como relações entre
coisas. Exemplo: a troca de mercadorias é aparente
mente uma troca entre coisas, mas só é objeto da
economia política marxista enquanto é uma troca entre
produtos do trabalho humano, quer dizer, uma forma
de relação entre os homens. Dessa forma, as categorias
econômicas do marxismo, ao contrário das categorias
empíricas da ciênci a social vulgar,' ult rap ass am a apa
rência mágica dos fenômenos sociais para ir à sua
essência: as relações entre os homens, estudadas sob
a forma de relações específicas, de modos determina
dos de relação entre eles. Nestes modos de relação se
inscrevem as classes sociais como a personificação em
grandes grupos humanos destas relações que os indi
víduos em geral desconhecem, ou percebem sob formas
acidentais, desconexas, caóticas, não determinadas, não
científicas.
Esta visão do marxismo não o reduziria a uma
espécie de idealismo empírico em que se substitui a
observação da realidade por categorias teóricas que
criam a realidade? Uma visão desse tipo, por outro
lado, de
serve não instrumento
o transformaria
para anuma teoria empírica,
observação formal que
isto
é, para uma espécie de tipo ideal?
Nem uma coisa nem outra.
Em primeiro lugar, estas categorias da análise mar
xista não nascem das condições possíveis da percep
ção da realidade social (idealismo transcendental), mas
da expressão teórica da prática social.
O processo que permite chegar às categorias básicas
explicativas da realidade social é o da abstração das
relações concretas que vivem os homens na realidade
histórica.
Em segundo lugar, não se trata de categorias ope
racionais instituídas por premissas mais ou menos
arbitrárias ou livres (tipo ideal), mas de categorias
"essenciais", quer dizer, categorias que são constituí
das pela própria realidade e que dela derivam.
Em terc eiro lug ar, não são de modo algum catego
rias formais, pois não representam relações possíveis
abstratamento estabelecidas, mas, ao contrario, relações
reais qua oferecem as condições possíveis de abstra
ção. Quer dizer, são ubstraçôes de modos reais de
produção e não categorias universais aplicáveis o rea
lidades não historicamente determinadas. 12 a própria
realidade histórica que constitui as possibilidades das
categorias teóricas.

deContudo, a realidade
seu movimento. socialmais
Muito, não que
se esgota
isso, anosrealidade
modos
tem um movimento concreto que 'entra em contradi
ção com os modo s possíveis d esta movi mento , pois a
realidade concreta inclui outros elementos muito mais
complexos do que a abstração das condições de seu
movimento.
Segunda nivel: a estrutura social
Uma sociedade concreta, historicamente dada, não
pode corresponder de forma direta a categories abstra
tos. Como dissemos, o marxismo não usa a abstração
de maneira formal. Quando elabora o conceito abstra
tamente, nega-o em seguida, ao mostrar as limitações
deste nivel do conceito. Dal a necessidade de passar
a níveis mais con cretos de ab stra ção . Numa sociedade
concreta:
1.' O desenvolvimento do modo de pr odução e de
suas contradições coloca situações sociais historica
mente especificas (por exemplo: o modo capitalista de
produção passa, no fim do século XIX, a uma forma
imperialista e esta forma assume hoje um caráter Inte
grado mundialmente, etc);
2. O desenvolvimento do modo de produção desen
volve novas formas especificas de relação entre seus
componentes e cria novos componentes (exemplo: o
desenvolvimento do sindicato limita as relações assa
lariadas, o surgimento de novos setores sociais como
a chamada "aristocracia operária" ou "as novas clas
ses médias", muda a distribuição da mais-valia no sis
tema u afeta as formas de realização da mais-valia, etc);
3. Num nivel ainda mais concreto, numa sociedade
coexistem formas sociais diferentes em antagonismo
com a formação dominante e limitando-a, mas for
mando situações de equilíbrio historicamente delimi
tadas (por exemplo: a luta entre as classes dominan
tes o dominadas de modos de produção antagônicos
— capitalismo vs. feudalismo —; o surgimento de
classes intermédias em vias de desaparecimento, ou
classes em formação; o caso da contradição campo/
cidade, etc).
A este nivel, a análise deve concretizar-se mediante
a descrição ainda teórica dos modos de relação pos
síveis numa determinada sociedade, quer dizer, numa
estrutura
anterior ósocial determinada.'
quo agora A tem
a análise diferença do nivel a
que referir-se
um universo histórico e geograficamente situado, no
qual se distingue o nível de desenvolvimento de uma
determinada formação social e suas relações com
outras formações sociais. É preciso trabalhar sobre
dado s empíricos de c. . . . históri co, demográfico, so
ciológico, etc, a fim de compor o quadro das rela-
ções básicas e de sua dinâmica. A este nivel, a cons
ciência de classe deve ser tratada sob a forma de
Interesses sociais definidos teoricamente. Quer dizer,
por consciência de classe so entenderão as formas pos
síveis de consciência nas condições especificas de urna
dada estrutura social. A análise será muito mais con
creta e matizada, mas ainda não se relaciona com o
que as pessoas ou grupos sociais empiricamente pensam.
Terceiro nivel: situação social

umaA este nivel, concreta.


sociedade a análise Contudo,
se aproxima
essadadescrição
descrição não
de
será meramente empírica mas científica porque co
nhece as determinações que explicam esta realidade
imediata ou "aparente". Dispondo de um instrumento
teórico do tipo descrito, não confundiremos a estrutura
das classes com a estratificação social, como fazem
alguns sociólogos, nem as elites dirigentes com a classe
dominante, nem a psicologia das classes com sua cons
ciência de classe, etc.
Vemos assim que, ao diferenciarmos internamente a
estrutura, encontramos uma série de fenômenos corre
lacionados e dependentes da estrutura de classes. Um
desses fenômenos é a estratificação social, que intro
duz um elemento de hierarquização dos indivíduos da
sociedade não só por sua posição de classe mas tam
bém por diferenças de rendimentos, profissionais, cul
turais, políticas, etc. Vemos que, neste momento, o
enfoque pode separar-se das categorias sociais puras
para procurar classificar os indivíduos' dentro destas
categorias de formas às vezes particulares e não pre
visíveis teoricamente... Os indivíduos deixam de ser
a personificação de categorias sociais para serem pes
soas e podem eles mesmos constituir categorias pelo
conjunto de aspectos sociais que se entrecruzam em
sua pessoa; não é necessário levar este passo da aná
lise a uma concreção empírica tão grande. Pode-se ana
lisar ainda as relações das estruturas de classe com
estes sistemas de estratificação em geral.
Outro elemento que entra neste nível é a projeção
de sistemas de estratificação de formações sociais dife
rentes num novo sistema de estratificação (como, por
exemplo, a projeção da estratificação senhoria rur al
na estratificação racional urbana, nos países latino
americanos), o que forma uma realidade concreta muito
mais complexa. É um problema muito comum na psi
cologia das classes de transição ou recém-constituídas.
Neste nível, trabalhamos com valores socialmente
dados em que a estrutura de classe enfrenta determi
nações muito diversas, produto da especificidade de
uma
estudardada situação social.
a consciência Neste(quer
de classe níveldizer,
não aspodemos
condi
ções e modos pobres de expressar os interesses das
classes) mas ao nível daquilo que Lukács chamou a
psicologia de classes. Por psicologia de classes se en
tendem as formas de pensar e sentir das classes so
ciais situadas historicamente. Neste nível surgem rele
vantes problemas de contradições entre os interesses
de classe de uma classe e seus interesses imediatos;
as contradições entre seus interesses de classe e suas
srcens históricas; entre sua mentalidade condicionada
pela estrutura existente, os valores da estratificação
social, relações de tipo racial, etc, e os interesses de
classe que condicionam as possibilidades de sua atua
ção de classe.
A riqueza analítica do método dialético surge aqui
com toda sua força. Contra a realidade unilincar e
clara do empirismo se opõe uma multiplicação de
planos de contradições, de possibilidades de análise
do comportamento humano. E surge também a con
dição dramática da realidade social, as contradições
entre os indivíduos e sua realidade objetiva e psico
lógica. Surgem os elementos trágicos, grotescos ou
cômicos da existência humana. A ciência se encontra
assim com a política real, a literatura, a arte e a
existência diária dos homens. Torna-se vida. Esta é
a força concreta do marxismo, ainda não completa
mente desenvolvida: sua capacidade de ligar o mais
absoluto dorigor
lidades teórico abstrato às mais cotidianas rea
homem.

Quarto nível: a conjuntura


Por fim, a análise se torna ainda mais rica e mais
diferenciada quando introduzimos o efeito de certas
conjunturas específicas no estudo do fenômeno. A es
trutura de classes há de sofrer profundas modificações
conforme seja a conjuntura em que se desenvolvem
suas contradições.
Nos momentos de ascensão do ciclo capitalista, por
exemplo, o comportamento e a psicologia das classes
se apresenta de forma completamente diversa das si
tuações de crise ou revolucionárias. Nas situações de
crise a psicologia e a consciência de classes tendem a
se confundir numa só realidade. Quer dizer, apresenta-
se com mais clareza aos homens reais suas condições
de existência. Outra é a situação nos momentos de as
censão ou
ciência de equilíbrio
de classe tendem quando a psicologia
a separar-se e a cons
e as formas ime
diatas dos fenômenos tendem a obscurecer seus modos
reais de existência.
A ciência empirista, por sua supervalorização do
dado sobre as determinações, substitui a totalidade
pelos aspectos ou formas de sua manifestação. Por
isso tende a confundir a dinâmica da realidade com
a dinâmica aparente de certos períodos históricos. Nos
anos de 18901900, em que o capitalismo se mostrava
ascendente e sem crise, surgiu a teoria de Bernstein
para negar a necessidade da crise capitalista, teoria
que a guerra de 1914 e a crise de 29 negaram redon
damente. Em nossos dias, estas tendências a negar a
crise capitalista se consolidam outra vez devido ao
desenvolvimento capitalista mais ou menos firme nos
últimos anos. As formas de consumo de massa tendem
a obscurecer as relações de classe na sociedade: os
empiristas substituem a sociedade de massas pela so
ciedade de classes, etc.

Algumas conclusões
Podemos chegar a algumas formulações de conjunto
neste momento. As diversas classes sociais que Marx
descobriu, bem como os enfoques aparentemente dife
rentes do fenômeno de classes não correspondem a
uma superposição de enfoques diferentes mas a um
sistema relacionado de planos de abstração que vão
desde o mais concreto ao mais abstrato e desde o
mais abstrato ao mais concreto. Quanto mais nos apro
ximamos do concreto mais as leis gerais se vão rede
finindo em relações cada vez mais complexas.
Representar o concreto sem estas determinações não
é aind a trab alho científico mas de obser vação siste 
mática. A ciência começa quando a descrição se torna
determinação, se torna "concreto-determinado" ou, ao
contrário, "universal-concreto". Certas conjunturas de
terminadas tendem a acentuar as contradições entre
a aparência dos fenômenos e seus modos de ser, quer
dizer, sua "essência"; outras conjunturas, contudo, par
ticularmente as revolucionárias, fazem "aparecer" os as
pectos essenciais da realidade na experiência imediata.
A ciência total empirista absolutiza o imediato, pois
não
ou aspode mostrar que
condições suas o relações com eos portanto
determinam modos denãoseré
ciência. É codificação de métodos de observação (as
pectos positivos) e ideologização de relações existentes
(aspectos negativos).

(Extraído do livro 0 Conceito de Classes Sociais, de Theotonio


dos Santos, Editora Vozes, Petrópolis, 1982.)
O camponês na relação cidade-campo
Margarida Maria Moura

Quem é camponês
Vivendo na terra e do que ela produz, plantando e
colhendo o alimento que vai para sua mesa e para a
do príncipe, do tecelão e do soldado, o camponês é o
trabalhador que se envolve mais diretamente com os se
gredos da natureza. A céu aberto, é um observador dos
astros e dos elementos. Sabe de onde sopra o vento,
quando virá a primeira chuva, que insetos podem amea
çar seus cultivos, quantas horas deverão ser dedicadas a
determinada tarefa. Seu conhecimento do tempo c do
espaço é profundo e já existia antes daquilo que con
vencionamos chamar de ciência.
Habituado igualmente a trocar aquilo que a terra
produz, seus contatos sociais podem ocorrer tanto den
tro da pequena localidade cm que vive, como se estender
a habitantes distantes, mais especificamente à população
das cidades.
Houve um tempo em que a maioria da humanidade
já não vivia exclusivamente da caça e coleta. A agricul
tura passara a ser a atividade dominante em inúmeras
sociedades humanas. O cultivo da terra marcara de modo
decisivo as formas de organizar a vida social. Os funda
mentos
mente àdessa organização
fecundação ligavam-se
da terra. material eassim
As sociedades simbolica
orga
nizadas foram denominadas agrárias. No passado, eram
imensos impérios ou conglomerados humanos unidos,
pelo princípio da obediência, a um príncipe e por crité
rios de identidade etnossocial determinados. Em tais so
ciedades havia uma população trabalhadora capaz de pro
duzir alimentos e artesanatos para a própria sobrevivência
e em benefício daqueles que os subordinavam.
As cidades, além de centros cerimoniais, eram nú
cleos de atividades intelectual, comercial e política. As
castas ou os estamentos que formavam esses núcleos depen
diam física e socialmente do campesinato. Era preciso co
mer. Era preciso guerrear. Era preciso trocar. Era preciso
explicar o mundo. Surgiram ofícios exclusivos, como os
de poeta, profeta e sacerdote. Tudo e todos tomavam o
camponês a base indispensável da reprodução social.
Formas de coerção política e econômica foram ge
radas para assegurar o fluxo contínuo de bens e de tra
balhadores
Tais parasãoo aexercício
coerções material
base através da das
qual práticas sociais.
é possível en
tender a oposição entre dominantes e dominados, entre
opressores e oprimidos. O campesinato é sempre um pólo
oprimido de qualquer sociedade. Em qualquer tempo e
lugar a posição do camponês é marcada pela subordina
ção aos donos da terra c do poder, que dele extraem dife
rentes tipos de renda: renda em produto, renda em traba
lho, renda em dinheiro.
As formas de se valer do trabalho camponês eram
asseguradas por sistemas que envolviam obrigações distin
tas. Algumas sociedades dividiram a terra que o campo
nês cultivava cm diferentes frações, nas quais o produto
de seu trabalho, na primeira fração, abastecia sua família
e sua aldeia; na segunda, abastecia a igreja e os sacer
dotes; na terceira, produzia um quantum que era arma
zenado nos celeiros do príncipe e ali guardado para gra
dativa redistribuição, Em outras sociedades, a aldeia
camponesa fora separada das terras do senhor. O cam
ponês cultivava a terra aldeã, de onde tirava seu susten
to e o de sua família, c trabalhava as terras senhoriais.
Os senhores da terra retribuíam o trabalho camponês com
bens materiais c procedimentos simbólicos, capazes de re
novar continuamente os laços de dependência e os meca
nismos de coerção. Tais procedimentos tanto davam
sentido ao conjunto da vida social como esmaeciam a
relação de dominação que unia camponês e senhor na
diferença de propósitos c na oposição de interesses, salva
guardando as punes reveladas c secretas da relação social.
A esses princípios deve ser acrescentado o do mer
cado. Mercado e lugar de mercado são realidades distin
tas e não devem ser confundid os. O lugar de mercado —
espaço onde este ocorre — é parte vital da existência cam
ponesa. Aq ui o camponês adquire mercadorias de outr o
cultivador, recebe informações sobre a vida pública e
privada da comunidade a que pertence e de outras mais
longínquas. Podem ocorrer trocas mercantis simples, rea
lizadas entre camponeses, que mutuamente lhes possibi
lita m novas aquisiçõe s. Mas nesse mesmo lugar ocorrem
lambem complexas trocas mercantis, que transcendem o
universo imediato da sobrevivência camponesa, geram
lucros comerciais para intermediários e terminam colo
cando o produto, a preços elevados, nas mãos de con
sumidores distantes.
O mercado, no sentido moderno da palavra, não co
loca, fuce a face, dominantes e dominados, produtores e
consumidores. Seu conteúdo transcende a realidade física
do dinheiro como mediador privilegiado das transações
mercantis. O mercado revoluc iona a existênc ia campo
nesa porque 6 revolucionado por novas lógicas de pro
dução, que consistem basicamente na transformação da
terra c da própria força de trabalho do camponês tam
bém em mercadoria, como ocorre nas formações capi
talistas.
Elos longos e assimétricos, como os que ligam uma
aldeia, ou aldeias, a algum lugar distante, elos próximos
e igualitários, como os que caracterizam a troca de bens
ou de trabalho entre camponeses, sempre envolvem o
parentesco e os poderes polític o e jur ídi co. Tais estrut u
ras c que são capazes de movimentar economias e socie
dades através da criação de princípios de organização,
explicação c submissão dos grupos humanos a rotinas
de trabalho e de exercício ritual.

Suas faces várias

neiras.Podemos descrever
Uma delas o -locamponês
é def ini de diferentes
como cultivad ma
or de peque
nas extensões de terra, as quais controla diretamente com
sua família . Esta visão c bastante difu ndid a nos livros
de ciências sociais, e tem por objetivo identificar a con
dição camponesa com o controle direto sobre a terra
onde habita c produz. Tal control e pode advir do cos
tume ou da propriedade privada garantida peio código civil.
Alguns autores denominam esse pequeno proprietário
rural do camponês parcelar.
Num contexto de terras livres, assim entendidas as
que ainda não foram privadamente apropriadas, os cam
poneses que aí residem, juridicamente"denominados pos
seiros, trabalham apenas para seu próprio sustento. Se
comparados àqueles que sofrem a exploração do senhor
da terra, os posseiros dedicam à lavoura um tempo de
trabalho menor. Além disso, vivem isolados e comerciali
zam sua produção apenas eventualmente. No entanto, nada
disso lhes retira a condição de lavradores e de subalternos.
Outra forma de definir o camponês, também en
contrada nos livros de ciências sociais, 6 a de concei
tuá-lo como o cultivador que trabalha a terra, opondo-o
àquele que dirige o empreendimento rural. Aqui, o con
ceito é estendido a todos os cultivadores que, através do
seu trabalho
transferir os eexcedentes
do de sua defamília,
suas se dedicamaosa plantar
colheitas que nãoe
trabalham a terra. Ao mesmo tempo que integra um grupo
de trabalho familiar, que produz para sobreviver, algum
tipo de engrenagem política e econômica encarrega-se de
extrair-lhe compulsóriamente os excedentes gerados por
sua produção, que garantem a existência de outros grupos
sociais não-produtores. Assim, o camponês é um produ
tor que se define por oposição ao não-produtor, não im
portanto se planta a terra ou se pesca no mar, conceituação
esta defendida por antropólogos. Situando a questão da
subordinação na extração da renda em trabalho, renda em
produto e renda em dinheiro, tal conceito aparece em
Marx.
Há autores que distinguem camponês de pequeno
produtor. Enquanto para eles o conceito de camponês é
vago e indefinido, os de pequeno produtor e pequena
produção se inserem de modo imediato na polêmica so
bre os modos de produção. Argumentam que o pequeno
produtor é o ator fundamental da produção mercantil
simples,
por sua quevez, precede a produção
caracteriza mercantil ampliada; esta,
o capitalismo.
Optar por um dos conceitos não é tão simples quanto
possa parecer à primeira vista. Camponês e campesinato
são conceitos de grande vitalidade, de grande força his
tórica, tanto teórica quanto empiricamente, o mesmo
ocorrendo com o conceito de burguesia. Campesinato e
burguesia são termos repletos de conteúdos culturais,
tanto no plano social como no político. Assim como não
se pode declinar do conceito de burguesia para falar tão-
-somente em capitalistas, não é possível preterir o con
ceito de camponês para falar apenas em pequeno pro
dutor.
Deve-se acrescentar, cm primeiro lugar, que o cam
pesinato é constituído de cultivadores que se definem cm
oposição à cidade; esta, por sua característica de sede de
poder político, subordina os trabalhadores da terra, No
entanto, a distinção campo/cidade é problemática porque
inúmeras sociedades antigas tiveram conglomerados arqui
tetônicos destinados a abrigar atividades sociais de tipo
religioso, político e esportivo, que dificilmente se enqua
dram no conceito de cidade que se aplica à Roma antiga
ou à São Paulo contemporânea, É O caso dos centros
cerimoniais dos maias, que periodicamente recebiam a
população circundante cm busca das atividades sociais
citadas acima, mas que não se constituíam cm locais de
moradia. Em segundo lugar, é fundamentalmente no
próprio campo que o camponês vivência a exploração
exercida sobre ele, seja através da apropriação de parte
do que produz, sob forma de tributos entregues ao dono
da terra, seja através dos preços depreciados que o comer
ciante comprador de sua colheita impõe, ou ainda pela
expropriação de sua terra pelo grande proprietário.
Por outro lado, a cidade não está habitada somente
por uma casta rica ou por uma classe dominante, mas
ali estão representados, em grande número, os seus opri
midos: nas formações anteriores ao capitalismo, os ser-
viçais domésticos, os artesãos c os mendigos; na sociedade
industrial, o proletariado fabril, os empregados mais hu
mildes do setor de serviços e os desempregados. Por essas
razões, não 6 a cidade que, por oposição, define o campo
c seus habitantes, mas sim o Estado. Este dispõe de ins
trumentos de natureza jurídica c política que disciplinam
o camponês na obrigação de pagar impostos, na obediência
a códigosdaescritos
priedade terra, que impõem uma
ao matrimônio verdade
e ao legalgaran
contrato, à pro
tindo o fluxo contínuo c estável das rendas camponesas
as classes rurais c urbanas com poder econômico.
Desse modo, é possível afastar a ambigüidade que
pode advir da observação de uma sociedade primitiva
onde seus membros são cultivadores da terra, mas não
canalizam excedentes para não-trabalhadores. Esses povos
são agricultores, mas não camponeses. Assim também se
torna mais pertinente a distinção entre camponês c traba
lhador rural proletarizado. Este, desapossado da terra e
de seus instrumentos de trabalho, cm suma, dos meios de
produção, não mais dispõe da autonomia social mínima
dos cultivadores, fundada no controle costumeiro ou ju
rídico da terra.

Um modo de vida
O trabalho familiar caracteriza o vínculo social do
camponês com
camponesa a terra.nas Nuclear
se envolve diversas ou extensa,
tarefas a família
produtivas, vi
sando à reprodução física e social deste grupo de pessoas.
Em geral, cabe ao chefe da família a direção e o desem
penho de atividades de derrubada e limpa das áreas des
tinadas ao plantio e à colheita nas roças. É igualmente
de sua responsabilidade o trato com os animais domés
ticos de grande porte, cujo número e qualidade é sempre
comparativamente inferior aos encontrados nas proprie
dades de um grande fazendeiro ou de uma empresa agro
pecuária.
A mulher pode estar presente nas tarefas de produ
ção, ou ausente cm grande número delas, restringindo-se
a tarefas que executa no interior de sua própria casa e
no terreiro que lhe é contíguo. Há no campesinato for
mas muito variadas de se valer do trabalho feminino, que
atua complementarmente às tarefas masculinas em todos
os níveis. Em certas áreas do Brasil rural, a mulher do
sitiante não vai à roça trabalhar; em outras, o trabalho fe
minino inclui a participação no plantio c na colheita, ati
vidades que acumula com as tarefas desempenhadas no
corpo da casa e no quintal contíguo. Sabe-se que peque
nas parcelas da roça podem estar sob controle feminino,
e que o produto nelas obtido visa assegurar às mulheres
condições de convertê-lo, pela venda, em bens para uso
próprio.
O mesmo pode-se dar com o trabalho infantil. Ele
está presente na ajuda às tarefas domésticas e às propria
mente agrícolas. Se comparada a participaç ão ativa de
uma criança camponesa, cm tarefas que demandam es
forço,ate nção e responsabilidade, com a de uma criança
da cidade, nascida numa família de classe media, são no
táveis as diferenças tanto no que se refere à idade em
que é iniciada cm tarefas que demandam esses predicados,
quan to ao volume de trabalho a ela atribuído. Esta obser
vação comparativa é tão verdadeira para a Inglaterra do
século XVI II quanto para o Brasil contemporâneo. Nem
mesmo nas áreas agrárias do mundo capitalista mais rico
é possível dizer que entre a criança do campo c a da cidade
Inexistem diferenças quanto à socialização, instrução e in
corporação à esfera do trabalho.
O trabalho familiar camponês abastece a casa de mo
rada, alimenta seus membros, mas também é destinado a
lugares e pessoas exteriores a esta realidade. É grande a
variedade de formas pelas quais parte da produção cam
ponesa escapa ao controle de quem a produziu. Rara s
são, hoje; as unidades camponesas que visam ao auto-
-sustento quase completo, reduzindo ao mínimo, ou le
vando à inexistência, as relações sociais calcadas na ces
são de um tributo ou na reserva de uma parcela do
produto colhido para se r vendido à feira . No passado,
isso ocorria, por exemplo, na zadruga iugoslava e na so
ciedade caipira brasileira do século XVII, ambas bastante
auto-suficientes no sentido acima mencionado.
Os pagamentos da renda em produto e de uma renda
em trabalh o estão entre as formas adotadas .no sistema
feudal para ligar o camponês servo a seu senhor. Consta
que num domínio inglês medieval o acordo entre as duas
partes previa a cessão pelo camponês, ao senhor feudal,
de três dias de trabalho por semana nas terras deste, de dias
de trabalho gratuito no tempo da colheita, de ovos e fran
gos; previa, também, o pagamento de um shilling ao senhor
quando a filha do camponês se casasse. Esta forma de se
valer do trabalho camponês estava praticamente extinta
no século XVIII, quando já não era mais possível falar
num campesinato inglês.
Num contexto historicamente diverso do feudalismo,
sabe-se que no Brasil rural a fórmula político-social en
contrada pela sociedade agrária para imobilizar o cam
ponês no interior da grande propriedade territorial con
sistia na obrigação de ceder quartas, terças e até meias
de suas plantações ao dono da terra. Outras obrigações
incluíam o trabalho gratuito de limpa do mato que crescia
junto às cercas, a capina de estradas e caminhos. As re
tribuições patronais vinham sob a forma de leite para ali
mentar as crianças, remédios para os doentes e doação
de pequenos ani mais para consumo n as festas. A bateçã o
dos pastos e a drenagem das várzeas podiam ser remune
radas com pequenas parcelas de alimentos, tais como fru
tas, toucinho ou fubá. Não era rara a obrigação de a mu
lher do camponês arcar com o serviço doméstico da sede
da fazenda, sem remuneração monetária direta.
Com a expansão do capitalismo no campo, arranjos
desse tipo desapareceram em certas regiões, já que o cam
ponês mo rador foi expulso da fazenda. Tais arranjos
foram substituídos pelas empreitadas e diárias pagas ao
trabalhador que vem ao grande empreendimento por de
terminado número de dias, ainda que subsistam cm ou
tras regiões, redefinidos e mesclados à lógica do lucro mo
netário puro e simples.
A transferência de uma parte da produção camponesa
para a feira da cidade próxima é outro exemplo do modo
pelo qual essa produção circul a. Ela tanto ocorre com o
camponês parcelar quanto com o que mora nas fazendas.
Um camponês poderá levar arroz para.vender, enquanto
outro levará feijão; ambos se interessam cm negociar. O
dinheiro obtido na venda de uma determinada quantidade
do cereal oferece ao camponês a possibilidade de adqui
rir tecidos, panelas, remédios.
A estranha classe
A transição do sistema de produção mercantil simples
para o capitalista não teria sido possível sem uma acumu
lação preliminar às custas da prod ução camponesa. Tal
transição teria ocorrido num ritmo lento, se a acumulação
adicional às custas da pequena produção não houvesse sido
mantida, ao mesmo tempo que se dava a acumulação capi
talista graças à força de trabalho do proletariado. Re
sumindo, a ampliação do capitalismo enquanto sistema de
produção pressupõe não só a extração do sobretrabalho
do operário, mas a captação do sobretrabalho camponês,
processo que sempre se baseia na violência política e mi
litar.
O fato de o capitalismo não ter liquidado com a
produção camponesa pode ser explicado através de um
caso concreto. Digamos que o pequeno produtor se de
dique à cultura de produtos que oferecem um nível de
renda pouco atraente para o empreendimento capitalista,
por não gerarem uma taxa de lucro condizente com a taxa
efetiva de lucro vigente na economia como um todo. Em
casos assim, torna-se necessário entender igualmente como
se dá a ação
produção do Estado.
realizada em basesSecapitalistas,
este subsidia fortemente
aumenta as cona
dições favoráveis a tal tipo de produção, enquanto as sub
trai da pequena produção camponesa.
O campo brasileiro oferece inúmeros exemplos de
como se dá esse contraditório movimento de manter o
camponês, ainda que empobrecendo-o. Ao somar a essas
constatações aquelas já feitas em outros capítulos deste
livro, onde se nota que o próprio campesinato também
luta de diversas formas pela manutenção do seu perfil
social, temos aqui o ponto de partida para futuras ava
liações da magnitude das forças internas e externas que
agem no sentido de exterminar ou conservar o camponês.
Pode-se dizer que o camponês é alvo inevitável dessa
contraditória vivência do meio agrário. A agricultura, ao
mesmo tempo que recebe estímulos à capitalização, en
frenta permanentemente a questão de produzir alimentos
a custo mais baixo, missão desempenhada, ainda que não
com exclusividade, pela produção camponesa. Este papel
conferido ao camponês e à sua família tem íntima relação
com a manutenção de relações não especificamente capi
talistas na agricultura, concretizadas no trabalho campo
nês, seja na sua parcela de terra, no interior de um grande
empreendimento, ou mesmo em terras ainda livres.
A extensão do capitalismo no campo não se dá sim
plesmente pelo advento de relações de produção baseadas
na compra c venda da força de trabalho — portanto, na
expropriação dos meios de produção do camponês. Na ver
dade, o capitalismo se estende ao campo quando se institui
a propriedade capitalista da terra. A renda territorial capita
lizada vincula imediatamente a atividade produtiva campo
nesa aos requisitos reprodução ampliada do capital e às
leis do mercado camponês passa a se vincular ao movi
mento do capital, na condição de produtor de mercado-
rias ou mesmo de trabalhador para o capital industrial,
mesmo que continue habitando sua parcela de terra.
Essa transformação não torna a sociedade rural ho
mogênea, muito menos transforma os camponeses cm
massa indiferenciada submetida às leis do capital. Como
as práticas sociais se dão cm sociedades concretas, carac
terizadas por diferentes tipos de trabalhadores, aí incluí
das as frações camponesas, essa nova subordinação se
concretiza de diversas formas, cada uma delas demandando
uma explicação que se some à construção da totalidade do
sistema social.

Lavradores "livres" e "cativos"


£ exato afirmar que não há no Brasil uma economia
camponesa à qual se sobrepõe uma aristocracia territorial,
que se apropria do sobretrabalho camponês através de
coerções que subordinam e servilizam sua pessoa. Não se
trata aqui de uma relação feudal, mas da fazenda que
surgiu no século XVI voltada para a lavoura comercial,
trabalhada pelo escravo, e que perdura através dos sé
culos com ó rótulo genérico de latifúndio. No entanto,
não se esgotam aí as formas de produção que existiram
ou existem no campo brasileiro.
Entendendo o camponês como sitiante, ou seja, inte
grante de uma família que cultiva uma parcela, de terra,
sua presença e atividade podem ser detectadas não so
mente no Sul do país, mas também no Nordeste, no Su
deste, na Amazônia. Estendendo mais esse conceito, diz-
-se que camponês também é o colono, morador ou par
ceiro, isto
grande é, o cultivador
propriedade. que possui
Há também uma roça habitantes
os posseiros, dentro da
das chamadas terras livres, que embora palco de numero
sas: lutas sociais pela manutenção da posse da terra, não
têm impedido que eles produzam para auto-subsistência e,
eventualmente, para mercados em diversos pontos do país.
Essas observações se prestam também, por oposição ou
semelhança, para compreender o que ocorre em outras
sociedades rurais.
Na América hispânica, a realidade e conceituação do
camponês foram ressaltadas em inúmeras análises. Países
marcados por processos civilizatórios muito complexos,
como o Peru com o Império Inca, e o México e a Guate
mala com as sociedades asteca e maia, respectivamente,
vivenciaram a permanência e transformação das aldeias
camponesas pré-colombianas em reservatórios de mão-de-
-obra para as minas e haciendas, sem que o perfil campo
nês das comunidades desaparecesse, tanto do ponto de
vista étnico quanto econômico. Nesses países, pareceu
mais coerente falar em camponês: camponês peruano,
camponês mexicano.
Por outro lado, falar de um camponês brasileiro en
volvia fortes ambigüidades semânticas, decorrentes do
choque de interpretação do que tem sido nossa estrutura
agrária até o presente. No Brasil, as formas econômico-
-sociais que podem ser denominadas camponesas resul-
tam de distintos movimentos históricos que se produzem
em nossa estrutura agrária.
Pode-se dar essa denominação aos lavradores que
viviam c produziam na condição de homens livres na
periferia das grandes lavouras, convocados eventualmente
para tarefas no seu interior, após o que retornavam à sua
própria roça. Tal campesinato se subordinava aos mo-
vimentos de sístole e diástole da vida econômica da
grande lavoura. Quando esta se expandia, passava a ne
cessitar de um número maior de braços e também das
terras que os próprios camponeses controlavam. Quando
se retraía, o camponês era menos solicitado, e a sua terra
menos assediada por uma estratégia de concentração do
latifúndio.
No Brasil colonial, a terra era meio de produção abun
dante, sendo preciso imobilizar a mão-de-obra pelo regime
de escravidão, para assegurar seu suprimento à grande la
voura. Caso contrário, e ssa mão-de-obra poderia disper
sar-se e constituir um campesinato independente. Não se
deve, no entanto, tomar essa explicação como absoluta.
As formas
camponeses de limitaram
não se ocupação à autônoma da grandes
periferia das terra pelos
la
vouras, mas surgiram também à maior distância destas,
constituindo-se em sítios. A pesquisa histórica sobre esses
camponeses está ainda começando, mas há dados sobre
sua existência no agreste e sertão nordestinos, cm São
Paulo e Minas, já no século XVIII. Não se trata de uma
ocupação estástica e acabada da terra, mas de um cam
pesinato cuja condição independente podia atravessar in
cólume longos períodos, mas que ficava ameaçada sempre
que fazendeiros avançavam sobre terras livres, regidas por
códigos costumeiros de ocupação, e começavam a fincar
limites, erguendo cercas e submetendo o camponês ao pa
gamento de rendas.
O marco jurídico resultante de mudanças político-
-econômicas importantes na sociedade brasileira é a lei
de terras de 1850, que ao tornar a terra objeto de compra
e venda no mercado, concede aos ricos o monopólio de
negociá-la. Esta mesma medida impede que inúmeros cul
tivadores pobres, sem recursos monetários, tenham acesso
à terra ou que seus descendentes possam tê-lo. No en
tanto, muitos camponeses já no século XIX estavam mu
nidos de títulos definitivos de propriedade da parcela de
terra cm que habitavam, constituindo-se um campesinato
parcelar, que se autodenomina sitiante em algumas regiões
do Brasil.
Nos períodos de crises econômicas, foi comum imen
sas fazendas serem divididas entre vários herdeiros ou ven
didas a terceiros sob a forma de patrimônios menores.
Estas conjunturas também foram responsáveis pelo apare
cimento de vários sítios, cm geral voltados para a pro
dução de alimentos, onde antes havia uma grande fazenda
dedicada a uma lavoura nobre, como a do açúcar c do
café, ou a outras combinações de atividades agropastoris..
O impulso dado à apropriação privada da terra pela
lei de 1850 não impediu que restassem extensões de terras
livres, nas quais uma luta entre pequenos e grandes inte
resses se tomou constante, até atingir sua expressão mais
aguda na expropriação do posseiro da Amazônia peias
grandes empresas.
Lutas camponesas no Brasil
Sc as lutas camponesas no alvorecer da grande revo
lução social do mundo contemporâneo —- França e In
glaterra — e da Revolução Russa integraram as contesta
ções da ordem feudal, no Brasil o quadro foi bastante dis
tinto, tanto do ponto de vista analítico como político.
A luta camponesa no Brasil tem sido freqüentemente
ignorada, o que torna muitos ativistas e pensadores polí
ticos uma espécie de observadores envergonhados do cam
pesinato brasileiro. À observação envergonhada corre s
ponde uma forma específica de avaliar a natureza da
participação camponesa nas lutas sociais: inferior, pré-
-política, acomodada.
A exclusão conceituai c política do camponês 6 tão
marcante que importantes acontecimentos políticos da his
tória brasileira são relegados a um plano secundário nas
análises acadêmicas e partidárias. Segundo José de Souza
Martins, ainda são poucos os que sabem que a maior guerra
popular da história contemporânea do Brasil foi a Revolta
do Contestado, que durou de 1912 a 1916. Abran geu
vinte mil rebeldes, envolveu metade dos efetivos do Exér
cito brasileiro cm 1914, mais uma tropa de mil vaqueanos,
que eram combatentes irre gulares. Deixou um saldo de
pelo menos três mil mortos. Pouco antes, em 189 6-97 ,
a Revolta de Canudos, que durou cerca de um ano, tam
bém envolvera metade do Exército e milhares de campo
neses; fizera cerca de cinco mil mortos entre estes, impondo
severas derrotas às forças militares. A Revolta do F or 
moso, que por mais de uma década, entre 1950-60, plan
tou um território livre dominado por camponeses no Es
tado de Goiás, permanece assunto pouco conhecido.
As lutas de posseiros que vêm sendo travadas no
Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, são pratica
mente, desconhecidas no próprio Estad o. Há municípios
onde dezenas de famílias resistem à ocupação de vastas
áreas de terras devolutas por indivíduos que querem su
bordin á-las à sua autoridade econômi ca e política. Afir
mando o direito de permanecerem nas terras como ocupan
tes das mesmas, na condição de camponeses, essas famílias
recusam política
agregados e juridicamente
daqueles que se dizem a sua transformação
proprietários em
dessas
vastas áreas.
Nestes, como em outros casos, a luta pelo erguimento
e derrubada de cercas é uma constante no meio rural bra
sileiro e fornece rica etnografia sobre um encarniçado de
bate de concepções e práticas de classe opostas sobre a
apropriação da terra no Brasil. A porteira pôde estar
sendo fechada pelos poderosos, mas, por outro lado, as
cercas podem ser e são derrubadas, a cada dia, pelos su
balternos e expropriados.
Peias mesmas razões por que o camponês foi consi
derado marginal e residual na produção, a avaliação de
suas representações c ações na análise política sempre foi
minimizada. A minoridade conferida à ação política do
camponês está presente em diversas tendências de inter
pretação sobre o meio rural brasileiro. £ ilustrativo re
lembrar as análises que explicavam o comportamento po
lítico do camponês como patológico ou certas concepções
da esquerda que julgam o camponês um indivíduo preso
a ficções alienantes, cabendo aos ativistas a tarefa ma
gistral de "ensiná-lo".
O etnocentrismo que rege essa última abordagem con
siste na visão do educador como portador do verdadeiro
conhecimento, num óbvio esquecimento de que nenhuma
sociedade ou grupo social detém o monopólio da visão crí
tica sobre o que é poder, o que é dominação e o que é
bom para o futuro da humanidade. Uma das representa
ções mais marcantes do camponês brasileiro é a consciên
cia da exploração c dominação que sofre. A falta de uma
visão global da sua condição subalterna está também pre
sente nas representações de outras classes sociais e não
deve ser tomada como uma espécie de traço natural da
consciência conservadora camponesa.
A contrapartida dessas concepções tem sido, freqüen
temente, uma glorificação do proletariado urbano e às
vezes também rural como classe redentora da ordem so
cial injusta. O uso abusivo e formalista de conceitos,
como classe fundamental, por exemplo, tem servido, muitas
vezes, para
.sociais atribuir aos operários
que concretamente ideologias e mas
não desempenham, práticas
que
utopicamente deseja-se que venham a desempenhar. Essa
conduta tem cegado muita gente para a percepção do que
ocorre no meio rural brasileiro, principalmente no que
toca ao camponês e ao seu papel econômico e político.
A classe bárbara, na verdade vitima da barbárie do
capitalismo, do socialismo autoritário c da indefinição dos
partidos políticos, vem há algum tempo pondo as coisas
no lugar. O aumento significativo do número de sindicatos
do trabalhadores rurais, o crescimento das ações que che
gam aos tribunais da justiça comum c trabalhista, movidas
por lavradores, os movimentos sindicais que resultam em
contratos coletivos de trabalho, envolvendo diferentes fra
ções do campesinato brasileiro, tais como pequenos sitian
tes, posseiros e parceiros, são indícios de um forte ímpeto
na luta por uma autentica cidadania. E esta vem adquirindo
substância processualmente, isto é, através da luta pelo com-
trato de trabalho e, principalmente, da luta pela terra.
Esses fatos se ampliam e se somam à importância da arti
culação jurídica c política das ligas camponesas que se
gostaramsobre
desceu no Nordeste a partir
seus líderes de 1955. não
e seguidores A violência
foí capaz que
de
destruir por completo a capacidade de remobilização po
lítica de camponeses e assalariados rurais.

(Extraído do livro Camponeses de Margarida Maria Moura, Edito-


ra Ática, São Paulo, 198 6)
_Os conceitos de alienação e ideologia
Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins

3. O que é alienação?

Há vário:, sentidos pura o conceito de alienação. Juridicamente, signi


fica a perda do usufruto ou posse de um bem ou um direito pela venda,
hipoteco etc. Nas esquinas vemos cartazes de marreteiros para os motoris-

tas: "Compramos seu carro,referimo-nos


Em outro contexto, mesmo alienado",
a alguém como "alienado mental",
querendo, com isso, dizer que tal pessoa é louca. Aliás, alienista é o médico
de loucos.
A alienação religiosa aparece nos fenômenos da idolatria, quando um
povo "constrói" ídolos c passa a se submeter a eles.
Rousseau diz que a soberania do povo é inalienável, isto é, pertence ao
povo, que não deve outorgá-la a nenhum representante, mas deve ele pró
prio exercê-la.
Na vida diária, chamamos alguém de alienado quando o percebemos
desinteressado de assuntos considerados importantes, tais como as questões
políticas e sociais.
Em todos esses sentidos, há algo em comum: no sentido jurídico, per
de-se a posse de um bem, na loucura perde-se a razão, e o louco perde o
controle de si; na idolatria perde-se a autonomia; na concepção de Rousseau,
o povo não deve perder o poder; o homem comum alienado perde a com
preensão do mundo em que vive e torna alheio á sua consciência um seg
mento importante da realidade cm que se acha inserido.
Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus,
que signiíica "que pertence a um outro". E outro é alias. Alienar, portanto,
é tornar alheio, é transferir para outrem o que é seu.
Retomando a discussão anterior, vimos que o surgimento do capitalis
mo determina a intensificação da procura do lucro e confina o operário à
fábrica, retirando dele a posse do produto. Mas não é apenas o produto que
não mais lhe pertence. Ele próprio deixa de ser o centro de si mesmo. Não
escolhe seu salário — embora isso apareça ficticiamente como um contrato
livre — n ã o escolhe o horário, nem o ritmo de traba lho, passa a ser coman
dado de fora, por forças estranhas a ele. Ocorre o que se chama f etichismo l
da mercadoria, pois esta assume valor, superior ao homem. Assume formas
abstratas (o dinheiro, o capital) que, em vez de serem intermediários entre
indivíduos, convertem-se em realidades soberanas e tirânicas. Em conse
qüência, a "humanização" da mercadoria leva à desumanização do homem,
à sua coisificação, à reificação (res, "coisa"), sendo ele próprio transformado
em mercadoria (sua força de trabalho tem um preço no mercado).
Portanto, a alienação não é meramente teórica, mas se manifesta na
vida real do homem, nu maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho,
o produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer. Todo o resto é decorrência
disso.

Alienação na produção

Nos todas
conhecer sistemas domésticos
as etapas de manufatura,
da produção, inclusive era
a decomum
projeto odotrabalhador
produto.
A partir da implantação do sistema fabril, no entanto, isso não será mais
possível, devido ã crescente complexidade resultante da divisão do trabalho.
Chamamos dicotomia concepção-execução do trabalho justamente ao pro
cesso pelo qual um grupo de pessoas concebe, cria, inventa o que vai ser
produzido, inclusive a maneira como vai ser produzido, e outro grupo é
Obrigado à simples execução do trabalho, sempre parcelado, pois a cada um
cabe uma parte do processo. Essa divisão foi intensificada no início do
século XX, quando Henry Ford introduziu o sistema de linha de montagem
na indústria automobilística. O homem, reduzido a gestos mecânicos, tor
nado "esquizofrênico" pelo parcelamento das tarefas, foi retratado em Tem
pos modernos, filme clássico de Charles Chaplin, o popular Carlitos.
A expressão teórica desse processo de trabalho parcelado é levada a
efeito por Frederick Taylor (1856-1915), no livro Princípios de administra-
ção cientifica, onde estabelece os parâmetros de um método científico de
racionalização da produção — daí em diante conhecido como taylorismo —
e que visa aumentar a produtividade, economizando tempo, suprimindo ges
tos desnecessários " comportamentos supérfluos no interior do processo
produtivo.
Esse sistema foi implantado com sucesso no início do século nos EUA
e logo extrapolou os domínios da fábrica, atingindo outros tipos de empresa,
os esportes, a medicina, a escola e até a atividade da dona-de-casa. Por
exemplo, um ferro de passar deve ser fabricado de acordo com os critérios
de economia de tempo, de gasto de energia (de eletricidade e da dona-de-
casa, por que não?); a localização da pia e do fogão deve favorecer a
mobilidade; os produtos de limpeza devem ser eficazes num piscar de olhos.
Taylor parte do princípio de que o trabalhador é indolente, gosta de
"fazer cera" e usa os movimentos de forma inadequada. Observando esses
gestos, determina a simplificação deles, de tal forma que a devida coloca
ção do corpo, dos pés, das mãos, possa aumentar a produtividade. Também
a divisão e parcelamento do trabalho se mostra importante para a simpli
ficação e maior rapidez do processo. São criados cargos de gerentes espe
cializados em treinar operários, usando cronômetros e depois vigiando-os
no desempenho de suas funções. Os bons funcionários são estimulados com
recompensas, os indolentes, sujeitos a punições. Taylor tentava convencer os
operários de que tudo isso era para o bem deles, pois, em última análise, o
aumento da produção reverteria em benefícios também para eles, gerando
a sociedade da opulência.
Esse sistema faz com que o setor de planejamento se desenvolva, tendo
em vista a necessidade de sofisticar as formas de controle da execução do
trabalho.
A necessidade de planejamento desenvolve uma intensa burocratização.
Os burocratas são especialistas na administração de coisas e de homens, esta
belecendo e justificando a hierarquia e a impessoalidade das normas. A buro
cracia e o planejamento se apresentam com uma imagem de neutralidade e
eficácia da organização, baseando-se num saber objetivo, .competente, desin
teressado. Mas é apenas uma imagem, que mascara o conteúdo ideológico
(ver Cap. 7) eminentemente político: na verdade, trata-se de uma técnica
social de dominação. Vejamos por quê.
Não é fácil submeter o operário a um trabalho rotineiro, irreflexivo,
repetitivo, em que o próprio homem se encontra reduzido a gestos estereoti
pados. Se não compreendemos o sentido da nossa ação e se o produto do tra
balho não é nosso, é bem difícil dedicar-nos com empenho a essa tarefa.
O taylorismo substitui as formas de coação visíveis, de violência direta, pes
soal, de um "feitor de escravos", por exemplo, por formas sofisticadas e
sutis que tornam o operário dócil e submisso. Impessoaliza a ordem, que
não aparece mais com a face de um chefe que oprime, mas a dilui nas
ordens de serviço vindas do "setor de planejamento". Esse processo retira
toda iniciativa do operário, que cumpre ordens, modelando seu corpo segun
do critérios exteriores, "científicos", c criando a possibilidade da interiori
zação da norma, que culmina com a figura do operário-padrão.
O que ocorre é a desarticulação do operário, a fim de impedir sua agre
gação com outros companheiros, dificultando a solidariedade entre eles.
Estimula a competição por níveis cada vez maiores de produção com a dis
tribuição de prêmios, gratificações c promoções. Isso gera uma "caça" aos
postos mais elevados.
A fragmentação que ocorre nas fábricas facilita ao capitalista ser o único
a ter o controle do produto final. A "racionalização" do processo de traba
lho traz cm si uma irracionalidade básica: desaparece a valorização do sen
timento, da emoção, do desejo.
105.
As "pessoas" que aparecem nas fichas do setor de pessoal são vistas
sem amor nem ódio, de modo impessoal. O burocrata-diretor é "profissio
nal" e manipula as pessoas como se fossem cifras ou coisas.
Ê interessante, no entanto, mostrar que esse processo não é exclusivo do
capitalismo, pois a "racionalização" da produção também foi introduzida na
URSS por Lênin, com a justificativa de que o sistema não seria utilizado para
. a exploração do trabalhad or, mas para sua libertação. O produto do trabalho
não seria apropriado pelo "capitalista", já que a propriedade privada dos
meios de produção fora eliminada. O que resulta disso não é a empresa
burocratizada, mas o próprio Estado burocrático. Não faltaram críticas de
grupos anarquistas, intelectuais, acusando Lênin de ter esquecido o princi
pio da realização do socialismo a partir de organizações de base, ao intro
duzir relações hierárquicas de poder.
Com isso, chegamos a um impasse que nos deixa perplexos diante de
uma técnica apresentada de início como libertadora e que se mostra, afinal,
geradora de uma ordem tecnocrática que oprime.
Enquanto prevalecerem as funções divididas do homem que pensa e
do homem -que só executa, será impossível evitar a dominação, pois sempre
existirá a idéia de que só alguns sabem e são competentes e portanto deci
dem, e a maioria nada sabe, é incompetente c obedece.
Não queremos assumir a posição ingênua de crítica à técnica, mas é
preciso preocupar-se com a absolutização do "cs.p(rito" da técnica. Onde a
técnica se torna o princípio motor, o homem se encontra mutilado, porque
é reduzido ao anonimato, às "funções" que desempenha, e nunca é um fim,
mas sempre meio para qualquer coisa que se acha fora dele.
Por isso, a questão que se coloca é a da necessidade de uma reflexão
moral que levante o problema dos fins a que a técnica se destina, a fim de
observar em que medida ela está a serviço do homem ou da sua exploração.
O que é ideologia?
Introdução conceitual

Há vários
conjunto sentidos
de idéias, para a palavra
concepções ideologia.
ou opiniões sobreEm sentido
algum amplo,
ponto é oa
sujeito
discussão.
Quando perguntamos qual é a ideologia de um determinado pensador,
podemos estar nos referindo à sua doutrina, ao corpo sistemático de suas
idéias e ao seu posicionamento interpretativo diante de determinados fatos.
Podemos ainda estar nos referindo à teoria, como organização sistemá
tica dos conhecimentos destinados a orientar a prática, a ação efetiva. Nesse
sentido, já ouvimos a expressão "atestado ideológico", que é a declaração
exigida a um indivíduo sobre sua filiação partidária e idéias que orientam
sua ação política. No Brasil, por exemplo, durante o recrudescimento do
poder autoritário, órgãos como o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem
Política e Social) exigiam em certas circunstâncias que as pessoas apresen
tassem atestados desse tipo, a fim de controlar a adesão às ideologias marxis
tas, consideradas perigosas ã segurança nacional.
Em sentido pejorativo, ideologia é o conjunto de idéias e concepções
sem fundamento, mera análise ou discussão oca de idéias abstratas que não
correspondem a fatos reais.
Há outros sentidos mais específicos, elaborados por autores como
Destutt de Tracy, Comte, Durkheim.
Aqui, no entanto, não usaremos o conceito de ideologia cm nenhum
desses sentidos. Vejamos então !.
"A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de represen
tações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e
prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem
pensar, o que devem valorizar c como devem valorizar, o que devem sentir
e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto,
um corpo explicativo (representações) c prático (normas, regras, preceitos)
de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros
de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as dife
renças sociais, políticas c culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à
divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produ
ção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como
de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identi
dade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para
todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a
Nação, ou o Estado." 2 Fundamentalmente, a ideologia é um corpo sistemá
tico de representação e de normas que nos "ensinam" a conhecer e a agir.
A ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos
homens entre si e com suas condições de existência, adaptando os indiví
duos às tarefas prefixadas pela sociedade. Portanto, a ideologia assegura a
coesão dos homens e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosos e
pouco recompen:adoras, em nome da "vontade de Deus" ou do "dever mo
ral" ou simplesmente como decorrente da "ordem natural das coisas".
É interessante observar que não se trata de uma "mentira" que os indi
víduos da classe dominante "inventam" para subjugar a classe dominada.
Também eles sofrem a influência da ideologia, o que lhes permite exercer
como natural sua dominação, aceitando como universais os valores especí
ficos de sua classe. Os missionários que acompanhavam os colonizadores às
terras conquistadas, certamente não percebiam o caráter ideológico da sua
ação ao querer implantar uma religião e uma moral estranhas ao do povo
dominado. '
Essa universalidade das idéias e dos valores é abstrata porque na reali
dade concreta o que há são classes particulares com interesses divergentes,
e a ideologia de uma "sociedade harmoniosa e una" oculta a divisão de
classes. Portanto, a universalização e a abstração supõem uma lacuna ou o
ocultamento de alguma coisa que não pode ser explicitada sob pena de des-
mascaramento da ideologia. Istoé, sob o aparecer da ideologia existe uma
realidade concreta que precisa ser descoberta pela análise da gênese do pro
cesso, ou seja, pela verificação de como a realidade foi produzida.
Por exemplo, quando se diz que "o trabalho dignifica o homem", esta
mos diante de um conceito ideológico, na medida em que se trata:
• de uma abstração, já que o trabalho se apresenta como uma "idéia de tra
balho", e a análise da situação concreta e particular da realidade histó
rico-social em que os operários realizam seu trabalho mostra exatamente
o contrário: o cmbrutecimento e reificação ("coisificação") do homem,
e não a sua dignidade.
• de uma lacuna, pois, analisando a gênese do trabalho assalariado, desco
brimos a mais-valia e, portanto, o componente que leva à alienação do
homem e à diferença de condição de vida das pessoas na "comunidade".
Outro exemplo: "A educação é um direito de todos" (e até um dever,
já que há obrigatoriedade legal de se completar o curso primário). Essa afir
mação é abstrata e lacunar, pois apresenta como universal um valor que
beneficia apenas uma classe. Quando observamos as estatísticas que mostram
evasão e o baixo índice de freqüência escolar por parle das classes desfavo
recidas, são comuns as "explicações" em função das dificuldades de adapta
ção, do mercado de trabalho e até do desinteresse ou preguiça. O que está
oculto aí é que na sociedade de classes há uma contradição entre os que
produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e os queusufruem
essas riquezas, excluindo delas os produtores. Assim, a educação é um dos
bens a serem usufruídos pelos componentes da classe dominante. A educa
ção aparece como um direito de todos, mas, analisando a gênese da produ
ção e usufruto dos bens, descobre-se que de fato a educação está restrita a
uma classe.
Além disso, a ideologia mostra uma realidadeinvertida, ou seja, o que
seria a srcem da realidade é posto como produto e vice-versa. Por exemplo,
a ideologia burguesa afirma que existem nos homens diferenças individuais
c que estas determinam a desigualdade social: a desigualdade natural seria
a causa da desigualdade social. Ora, a sociedade c na verdade resultado da
práxis, e as desigualdades sociais estabelecidas pela divisão do trabalho e
107.
pelas relações de produção é que determinam (são causas) das desigualdades
individuais. Não estamos querendo desconsiderar as diferenças que de fato
existem entre os indivíduos, como interesses, aptidões, inteligência. Mas,
grosso modo, a atividade a que cada um se submete aparece como decor
rente da competência e não como resultado da divisão de classes (lembre
mos ainda que a própria divisão de classes não deve ser vista como um
"dado" inicial, mas tomo o resultado da práxis).
Mais um exemplo: se um filho de operário não melhora o padrão de
vida, isto é explicado como resultado da sua incompetência, falta de força
de vontade ou disciplina de trabalho, quando na realidade ele joga um "jogo
de cartas marcadas", e suas chances de melhorar não dependem dele, mas
da classe que detém os meios de produção.
Outra inversão própria da ideologia é a maneira pela qual se estabe
lecem as relações entre teoria e prática, colocando a teoria como superior à
prática, porque a antecede e "ilumina". As idéias tornam-se autônomas e
causa da ação humana (c não o contrário).
Essa divisão hierárquica entre o pensar e o agir se encontra também
na dicotomia da sociedade em um segmento que se dedica ao trabalho inte
lectual e outro, ao trabalho manual. Uma classe "sabe pensar"; a outra "não
sabe pensar" e só executa. Portanto, uma decide, porque sabe, e a outra
obedece.

0 que caracteriza o discurso não ideológico?


Se o discurso ideológico é abstrato e lacunar, faz uma análise invertida
da realidade e separa o pensar e o agir, o discurso não ideológico será
aquele que visa o preenchimento das lacunas pela procura da gênese do pro
cesso. Isso não significa que se deva contrapor ao discurso lacunar um dis
curso "pleno", mas a elaboração de uma crítica, de um contradiscurso que
revele a contradição interna do discurso ideológico e que o faça explodir.
Ê esse o papel da teoria, que não se confunde com o papel da ideologia,
pois a teoria está encarregada de desvendar os processos reais e históricos
que srcinam a dominação de uma classe sobre outra, enquanto a ideologia
visa exatamente o contrário, ou seja, a dissimulação dessa diferença.
Além disso, a teoria estabelece uma relação dialética com a prática,
ou seja, uma relação de reciprocidade e simultaneidade, e não uma relação
hierárquica, como no discurso ideológico.
Explicando melhor: a práxis é justamente a relação indissolúvel teoria-
prática, de modo que não há agir humano que não tenha sido antecedido
por um projeto, da mesma forma que a teoria não é algo que se produza
independentemente da prática, pois o seu fundamento é a própria prática.
Nós conhecemos as coisas na medida em que as produzimos, daí toda teoria
ser lacunar, sem o "vai e vem" entre o fato e o pensado.
Ora, o saber que decorre da produção é um saber instituinte e, nesse
sentido, 6 "vivo", móvel, com toda a força do processo de se fazer. O saber
ideológico é o saber instituído, petrificado, esclerosado, morto.
, Não é simples, no entanto, o trabalho de desvelamento do real, pois a
ideologia penetra cm setores insuspeitáveis: na educação familiar e escolar,
nos meios de comunicação de massa, nos hospitais psiquiátricos, nas prisões,
nas indústrias, impedindo de todas as formas a flexibilidade entre o pensar
e o agir e, ao contrário, determinando a repetição de fórmulas prontas e
acabadas.
Por isso, c importante o papel da filosofia como crítica de ideologia,
rompendo as estruturas petrificadas que justificam as formas de dominação.
Ainda neste capítulo, examinaremos rapidamente a ideologia subjacente aos
textos didáticos de 1.° grau, às histórias cm quadrinhos c à propaganda.
Por questão de espaço, não estudaremos as importantes reflexões de
Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo, cujos estudos apontam
conseguir-se a concordância dos interesses privados de um grande número,
nem por isso assim se estará atendendo ao interesse comum" 3.
Encontra-se aí o cerne do pensamento de Rousseau, aquilo que o faz
reconhecer no homem um ser superior capaz de autonomia e liberdade,
entendida esta como a superação de toda arbitrariedade, pois é a submis
são a uma lei que o homem ergue acima de si mesmo. Q homem é livre na
medida em que dá o livre consentimento à lei. E consente por considerá-la
válida e necessária. "Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto
será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o for
çarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão a
pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal."

(Ex traí do do l i v r o Filosofando, de M a r i a Lúcia A.Aranha e Maria


Helena P. L.Martins, Editora Moderna, São Paulo, 1987.)
A cultura popular
Maria Cristina da Silva

A cultura popular, que sempre foi definida das mais va


riadas formas pelos antropólo gos, tem suas duas defi niçõ es
mais constantes. Falamos de uma cultura popular romântica,
que trata a cultura como sendo uma herança dos antepassa
dos e, ai, encontramos: comidas, procissões, danças, carnaval
etc, ou seja, é o que alguns autores definem como sendo nos
de folclore.
so resistência
Outra
contra
definição
a dominação
é que cultura
de classes;
popular essa
é umaseria
formaa
definição não-romântica da cultura.
Há também a cultura que se adquire na escola através dos
meios de comunicação. Essa cultura tem como fim deixar as
pessoas "cultas". E 6 baseado nessas definições de cultura,
que deve.mos parar e analisar o que realmente vem sendo
transmitido para o povo, sob o rótulo do cultura popular.
Intelectuais raramente falam sobre cultura popular porque
ela não é muito bem definida, o que a torna um termo versátil,
de muita valia para a classe dominante e para os políticos,
pois o populismo e o paternalismo já a usaram para difundir
suas Ideologias.
Hoje a cultura popular também é usada pelos meios da
comunicação, pelas escolas, Igrejas etc..., para difundir, en
tre a população, valores que não são realmente seus e sim da
classe dominante. Mas para que o "povo" (dominados) aceite
esses valores sem questioná-los, eles precisam ser catequiza
dos; para que permaneça sempre inculto, é afastado dele a
cultura para que permaneça inconsciente, pois, assim, não
questionará sua situação de dominado. É aí que entra a função
da escola atual, que foi reduzida a simples instrumento do
Estado, para propagar sua ideologia. O Estado educa o educa
dor que fará do seu educando uma pessoa inconsciente, logo
um ser omisso na sociedade.
Ensina-se ao povo o não-questionamento, não se deve
questionar religião nem política, pois esses assuntos dependem
do gosto de cada um,
"por Isso Jamais se chegará a uma conclusão de qual partido político é o
melhor, ou qual é a religião cer ta" além do mai s. nossas Igrejas s ão
católicas e o nosso governo, democrático .
Notamos claramente nesses exemplos como a elite domi
nante usa a cultura para se sobrepor aos dominados, e ainda,
consegue isso com a nossa aprovação, colocando sobre nós
uma gama de falsos valores. Uma falsa cultura, que faz com
que nós, dominados, acreditemos em uma homogeneidade so
cial, que na verdade não existe. O preconceito racial é algo
tão vivo e eles querem nos fazer acreditar que ele não existe.
Enquanto valores de igualdade são pregados, ao analisar
a sociedade vemos a discrepância presente entre os trabalha
dores manuais e os intelectuais; essa diferença é tão grande
que na nossa cultura já está dito que: Se vemos um indivíduo
de terno c gravata, já podemos pensar em valorizá-lo, pois se
trata de um intelectual, enquanto que um indivíduo de maca
cão já pode ser classificado como um trabalhador manual, o
que não exige tanto respeito como o primeiro. "Nossa" cultu
ra definiu que a roupa é uma questão de status; por isso, cada
um deve ser mantido no seu lugar, porque nesse mundo "uns
vieram para mandar e outros para serem mandados" (ideologia
capitalista). Essa diferença entre o fazer é o sabor, que é in
ferior quando comparado ao intelectual, surgiu para atender
as necessidades internas da organização capitalista.
Surgindo divergências salariais, surge também as diver
gências sociais. A sociedade está dividida em classes sociais
com diferenças acentuadas entre si. Para tentar cobrir essas
diferenças, a classe dominante joga sobre a sociedade a cul
tura popular como sendo um objet o "so luc ion ado r". Só que
a essa cultura, que eles chamam de popular, não ó nada mais
que uma cultura útil à elite. Ex.: o Estado patrocina grupos
populares de teatro, que deixam sua própria cultura, para re
produzir no meio da população a cultura que o Estado enco
mendou, onde já vem contida a ideologia do sistema, que ó
transmitida ao espectador.
Tudo que ocorre na sociedade ó devido à sua cultura.
Essa cultura não ó estátic a, co mo faz parec er a elit e, ela é
dinâmica, muda de acordo com o contexto em que se encon
tra, pois um mesmo objeto é visto de diferentes modos pelos
diferentes grupos sociais. Porque cada grupo possui seus con
ceitos, seus valores sociais e seus interesses políticos. Até
mesmo a economia ó feita de acordo com a cultura, pois cada
povo tem por costume consumir determinados produtos.
Os processos culturais devem ser estudados dentro do
contexto em que se encontram , por que hoje cultura po pular é
definida como sendo o "produto de homens reais, que arti
culam, em situações particulares, pontos de vista a respeito
de problemas colocados pela estrutura de sua sociedade"
Porque mesmo em sociedades homogêneas diferentes
idéias e pontos de vista podem ser articulados por diferentes
camadas sociais. Somente em pequenas comunidades, onde
não existe diferença de classes, é que a cultura ó vista e in
terpretada, da mesma maneira pelos individuos, pois esses
realizam um intercâmbio de impressões.
Um bom exemplo da imposição da cultura da classe do
minante sobre o restante da população são os museus, onde
se encontram os heróis da elite, que ela quer que os domina
dos também passem a admirá-los, através da ideologia prega
da pelo Estado, que tenta dominar desde as idéias econômi
cas até as espirituais. Só que notamos que isso é difícil, é só
ir ver nos domingos, como que o "povão" usa os jardins des
ses museus, em pique-niques, namoros, bate-papos, enfim,
transformam o lugar sagrado dos ídolos da elite em simples
áreas de lazer. Isso mostra como cada indivíduo vê as coisas
de acordo com o contexto em que ele se encontra, porque o
"povão" vive em um contexto completamente diferente do con
texto burguês, com valores diferentes, É "a força transforma
dora do uso efetivo, sobre as imposições restritas dos regu
lamentos".
As impressões e as idéias do povo deveriam ser ouvidas,
mas isso não ocorre. Quando as camadas sociais mais infe
riores resolvem fazer um teatro seu, com suas próprias histó
rias, seus problemas e soluções, seu trabalho é desincentivado
e taxado do ruim; são postas barreiras para que não continuem
a conscientizar (representar a peça) a população; em seguida,
o grupo é reprimido pelo poder e acaba se desmanchando.
Baseado no fato de que o homem culto tem participação
ativa na sociedade, foram criados também clubes de serviço,
entre eles Rotary e Lions, para que, em conjunto, esses ho
mens cultos pudessem servir e atuar melhor na comunidade.
Só que, com o tempo, os membros desses clubes passaram a
usar a cultura popular para se sobressaírem na sociedade a
que pertenciam. Os clubos foram se tornando cada vez mais
elitistas e cada vez mais deixando o povo de lado; promoviam
festas que
tituíram nada tinham
as festas em por
populares comum com o palestras
exposições, lugar, ou eseja, subs
teatros
profissionais para oferecer distração à elite. Hoje, esses clubes
são restritos a simples jantares burgueses, onde a elite se
distrai nas horas vagas.
Sabemos que cultura popular é a união da comunidade
politizada, ativa, quo compartilha informações e opiniões de
um modo consciente e homogêneo; hoje, olhando para a co
munidade em que vivemos, notamos que ela toda esta frag
mentada e cheia de racismo; onde ouvimos sempre: "cada um
no seu lugar", branco com branco, preto com preto, nada de
misturas.
Como vemos, nosso povo não tem acesso a sua cultura
porque ela lhe mostraria o quanto é grande sou poder e seus
direitos. Isso só não acontece porque a elite segura toda essa
cultura, que, se fosse difundida, seria forte o bastante para
tirar os dominantes do poder. Então, a cultura popular con
tinua através
que, sendo Instrumento
dela, a elitedeconsiga
repressão e de dominação,
permanecer no poder. para

(Extraído da revista Educação e Sociedade, Cedes/Cortez, São Pau-


10, agosto de 1984).
CAPÍTULO 6

ESTADO E MOVIMENTOS SOCIAIS (3ª UNIDADE)


Os temas e conteúdos que compõem a terceira Unidade desta propos-
ta de curso de Sociologia Geral para o 2º grau são os seguintes:
Teoria do Estado (Tópico 1)
A) Definição do Estado na concepção liberal

B) Definição do Estado na concepção crítica


C) Democracia e autoritarismo
Movimentos sociais urbanos e rurais (Tópico 2)
A) Definição, relação com as classes e com o Estado
B) A produção de uma política pública de ensino a partir
da relação Estado-movimentos sociais

Aspectos teóricos

Nesta unidade pretende-se refletir a relação existente


entre o econômico e o político em nossa sociedade contemporânea,
ressaltando o estudo das formas de poder presentes no Estado e
nos movimentos sociais. 0 objetivo é perceber até que ponto a or
ganização popular pode redefinir o papel do Estado nesta socieda
de: trata-se de buscar una definição do conceito de sociedade ci
vil, tomando como ponto de partida a caracterização da institui
ção Estado.
0 Estado pode ser concebido,inicialmente,a partir de
duas teorias sociológicas . Uma delas defino o Estado como o "c£
rebro social", isto é, como aquela instituição que, por estar a-
cima dos interesses das classes sociais, e a instituição políti
ca responsável pelo aperfeiçoamento do corpo social no seu con
junto. Esta é a concepção de Estado da corrente funcionalista .
A outra teoria sociológica define o Estado como uma institui

ção política que é controlada por uma classe social,, dominante,


e que representa ,portanto, a hegemonia, o predomínio dos interes_
ses dessa classe sobre o conjunto da sociedade, embora estes se
apresentem como interesses universais, de toda a sociedade. É a
concepção ligada à corrente histórico-crítica.
Essas duas perspectivas diferentes levam a diferentes
114.
concepções sobre o papel do Estado na sociedade. Nesta Unidade,
o aluno refletirá sobre elas e, em seguida, sobre as diversas
formas que essa instituição política assume no decorrer da his
tória. É momento de um estudo preliminar sobre os regimes polí

ticos democrático e_ autoritário.


A discussão em torno do regime democrático deverá cara£
terizar inicialmente a idéia liberal de democracia representati
va , que se redefine com o advento da Revolução Francesa (1789) .
Em seguida, e possível chegar à idéia de democracia como um pro
jeto a ser construído pela ação política das classes populares.
0 conceito de autoritarismo, por sua ve z, pode ser anali-
sado como um desdobramento do regime democrático representativo,
como uma reação conservadora, contra um possível avanço popular.
Aqui, já é possível caracterizar um regime político autoritário
de base civil e outro de base militar. Sobre essa base teórica
desenvolvida até aqui, e possível elaborar um rápido esboço do
desenvolvimento do Estado brasileiro, caracterizando o predomí
nio do regime autoritário sobre o democrático-liberal.
É importante evitar, desde o início, a idéia de que o Es-
tado e representante unicamente da classe dominante. Na verdade,
trata-se de uma instituição que pode se redefinir a partir de u-
ma ação popular organizada. Por isso encaminha-se o curso para a
caracterização dos movimentos sociais. Tais movimentos são conce-
cebidos aqui não só como movimentos de resistência ao capita
lismo mas também como movimentos que podem inaugurar uma nova si-
tuação histórica(pois pressupõem, mesmo que de modo impreciso, a
apropriação e redefinição do processo de direção da sociedade).

Essa análise permite portanto que se defina o Estado como uma


instituição política ligada aos interesses de uma classe dominan
te mas que, ao relacionar-se com os movimentos sociais, em de
terminados momentos históricos pode reelaborar o seu papel, para
incorporar os interesses da classe popular.

Para entender melhor a relação entre Estado e movimentos


sociais, entretanto, é preciso definir o campo de ação histórica

115.
desces movimentos e a sua relação com as classes sociais. De tal
modo que se chegue a defini-los não so como expressão da classe
trabalhadora fabril mas também como expressão dos mais diversos
agentes sociais que compõem as cla3sea populares. Para atingir
esse nível de analise dos movimentos sociais, sugere-se neste mo_

mento a realização de um estudo de caso, priorizando o movimento


estudantil de "maio de 1968", ou um dos vários "movimentos popu
lares de bairro na luta pela democratização do ensino brasileiro".
0 estudo de caso possibilitará aos alunos uma melhor percep
ção sobre como o Estado redefine sua política de ensino em sua
relação com os movimentos sociais . Este tipo de reflexão é funda
mental para que o cidadão passe a se perceber como possível agen-
te transformador da política pública de ensino.

Métodos de ensino

Propomos que se dediquem seis aulas ao desenvolvimento


do tópico "Teoria do Estado".
Ao contrário do que sugerimos nas unidades anteriores ,
propomos que esta comece por uma aula expositiva, na qual o pro
fessor tentará definir o Estado através de duas perspectivas di
ferentes: concepção liberal e a concepção histórico-crítica,
A segunda aula será destinada então para leitura e análi-
se de textos, com o objetivo de aprofundar questões levantadas
no decorrer da exposição. No final dessa aula, o professor prepa
rará junto com os alunos uma atividade de problematização, para
a aula seguinte. Essa ativi dade pode ser, por exemplo, um "júri
simulado". Nele, dois alunos terão a incumbência de, em dez mi 
nutos, apresentar ao restante da classe uma definição do que é
Estado na concepção liberal e na concepção crítica. Outros dois
alunos deverão preparar uma pequena exposição de dez minutos, na
qual usarão todos os argumentos possíveis a favor da interpreta
ção liberal do Estado. 0utro3 dois ficarão responsáveis por a-
presentar, também em dez minutos, todos os argumentos possíveis

116.
/

contra a interpretação liberal, defendendo assim, a interpreta


ção histórico-crítica do Estado.
Na terceira aula terá lugar o "júri simulado": as três
duplas utilizarão um total de trinta minutos para a apresentação
de seus diferentes argumentos. Os vinte minutos restantes serão
dedicados à intervenção do restante dos alunos, para que coloquem
suas dúvidas ou opiniões sobre o assunto.
Propomos que outra atividade de problematização seja o
eixo da quarta aula. Nela o professor incentivará os alunos a
discutirem sobre as formas pelas quais o Estado age em nosso co
tidiano. Essa atividade pode 3e iniciar com um debate sobre as
seguintes indagações: "Quais são os documentos que possuímos?
Quais são os órgãos que emitiram esses documentos e com que fina
lidade? Qual é o objetivo da arrecadação do Imposto de Renda? 0
que é Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM)? De que for
ma são elaboradas as leis? De que forma participamos da elabora
ção das leis?...?"
Ha quinta aula, uma exposição do professor poderá alinha
var as questões debatidas na aula anterior. Caberá a ela caracte-
rizar os regimes políticos de base democrática e autoritária. Es
te e o momento para construir o conceito de sociedade civil, a-
proveitando as questões levantadas para clarificar a relação in-
divíduo-classe social-Estado. Por fim, a sexta aula poderá desen-
volver-se com a leitura e análise de textos ou com a resolução
de exercícios propostos pelo professor.
0 desenvolvimento do tópico "Movimentos Sociais Urbanos
e Rurais" poderá desdobrar-se em seis aulas.
Numa primeira aula, propomos que o professor convide al
gum líder comunitário ou sindical para que faça um depoimento aos
alunos. Durante o depoimento, os alunos poderão questioná-lo so
bre sua experiência em relação a organização e dinâmica de algum
movimento social. Se isso não for possível, o professor poderá
substituir essa atividade por uma de análise de artigos de jor-

117.
nais que tratem do mesmo assunto. •
Na seq uênc ia, a seg und a au la co n s i st i rá de u ma ex po si 
ção do professor, que poderá teorizar sobre os movimentos socia

is,
dessarelacionando-os
aula, pode-secom as classes
propor sociais dee oalunos
a um grupo Estado.
queNopreparem
final pa
ra a aula seguinte uma pequena representação teatral cujo tema
gi r e en torn o de algum fa to que envolva mov imentos s o c i a i s . Ge
isso for pos sív el, a te rc ei ra aula ini ci ar -s e- á com a a present a
ção do que foi preparado pelos alunos. Em seguida, abre-se o de
bate para toda a classe, para que professor e alunos discutam so-
bre a possível relação entre a representação teatral e os aspec
tos teóricos desenvolvidos na aula anterior.
Propomos que a qu ar ta a u l a s e ja dedi cad a a exp osi ção do
professor, tentando abordar a produção de uma política pública
de ensin o a pa rt i r d a rela ção Estad o-mov iment os s o c i a i s . 0 obje 
tivo é o de reafirmar que a cidadania e algo conquistado pela a-
ção política, exemplificando tal idéia a partir da questão educa
cional. A quinta e sexta aulas poderão ser reservadas, respecti
vamente, para leitura de textos e desenvolvimento de exercícios
propostos pelo professor.
Textos de apoio

Seguem cinco fragmentos de textos, de diferentes autores,


que subsidiam as d iscus sões pr op os ta s nes ta Unidade.
Estado e relações políticas: o liberalismo
Maria Lúcia de A. Aranha e Maria Helena P. Martins

Hobbes e o absolutismo
Thomas Hobbes (1588-1679), ínglês de família pobre, conviveucom a
nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar, e defendeu ferre
nhamente
rais. Teve ocontato
direito com
absoluto dos reis,Francis
Descartes, ameaçado pelas
Bacon novas tendências
e Galileu. libe
Preocupou-se,
entre outras coisas, com o problema do conhecimento, tema básico das re
flexões do século XVIÍ, e também escreveu sobre política: De cive e Leviatã.
O que ocorria no século XVII, época em que Hobbes viveu?
O absolutismo, atingindo o apogeu, encontra-se em vias de ser ultra
passado, enfrentando inúmeros movimentos de oposição, baseados em idéias
liberais. Se numa primeira fase (Inglaterra de Isabel e França de Luís XIV)
o absolutismo é o corolário normal do mercantilismo, pois as indústrias nas
centes são protegidas pelo governo, numa segunda fase o desenvolvimento
do capitalismo comercial contribuí para miná-lo, já que a burguesia ascen
dente agora aspira ao poder.
Continua a laicização do pensamento, a partir de um sentimento de
independência em relação ao papado e de uma crítica a teoria do direito
divino dos reis.
A vida política é agitada por movimentos revolucionários; na França,
terminada a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), rebenta a Fronda; na
Inglaterra, Cromwell, comandando a Revolução Puritana, destrona e exe
cuta o rei Carlos I (1649).

As teorias contratualistas

sofosAdopartir da XVII
século tendência
estãodepreocupados
seeularização
emdojustificar
pensamento político, ose fíló-
racionalmente legi-
timar o poder do Estado sem recorrer à intervenção divina ou a qualquer
explicação religiosa. Daí a preocupação com a srcem do listado.
£ bom lembrar que não se trata de uma visão histórica, de modo que
seria ingenuidade concluir que a "srcem" do Estado se refere à preocupação
com o seu "começo": o termo deve ser entendido no seu sentido lógico, e
não cronológico, como "princípio" do Estado, ou seja, sua "raison d'êlre"
(razão de ser). O ponto crucial não é a história, mas a validade da ordem
social e política, a base legal do Estado.
Essa temática aparece em Hobbes e, posteriormente, em Locke e
Rousseau, se bem que a partir de variáveis que às vezes se contrapõem e
com resultados e propostas diferentes.
O que há de comum entre esses filósofos c que eles partem da análise
do homem em estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade,
quando desfruto ria de todas as coisas, realizaria todos os seus desejos c seria
dono de um poder ilimitado. O que faria o homem abandonar esse estado
para se submeter ao Estado instituído por um pacto, por um contrato?

O estado de natureza segundo Hobbes


A situação dos homens deixados a si próprios é de anarquia, geradora
de insegurança, angústia e medo. Os interesses egoístas predominam, e o
homem se torna um lobo para o outro homem ("homo homini lupus").
As disputas geram a guerra de todos contra todos ("bellum omnium contra
omites"), c as conseqüências desse estado de coisas é o prejuízo para a
Indústria, a agricultura, a navegação, e para a ciência c o conforto dos
homens.
O contrato
O homem, não sendo sociável por natureza, o será por artifício, por
pacto. É o medo e o desejo de paz que o levam a fundar um estado social e
a autoridade política, abdicando dos seus direitos em favor do soberano,
que por sua vez terá um poder absoluto, A transmissão do poder deve ser
tolal, caso contrário, se se conservar um pouco que seja da liberdade natural
do homem, instaura-se de novo a guerra. Esse poder se exerce ainda pela
força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os homens. "Os pactos
sem a espada [sword] não são mais que palavras [words]." Cabe ao sobe
rano julgar sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto; ninguém pode
discordar, pois tudo o que o soberano faz é resultado do investimento da
autoridade consentida peio súdito.
Hobbes usa a figura bíblica de um monstro, o Leviatâ. que representa
um animal monstruoso e cruel, mas que de certa forma defende os peixes

omenores
Estado, de
um serem
giganteengolidos
cuja carnepelos mais fortes.
é a mesma E essa
de todos figura
os que a eleque representa
delegaram
o cuidado de os defender.
Investido de poder, o soberano não pode ser destituído, punido ou
morto. Tem o poder de prescrever as leis, de julgar, de fazer a guerra c a
paz, de recompensar e punir, de escolher os conselheiros. Hobbes preconiza
ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões c doutrinas contrárias
à paz. E quando, afinal, pergunta se não é muito miserável a condição de
súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compara às misérias
que acompanham a guerra civil ou ã condição dissoluta de homens sem
senhor.

Características burguesas do pensamento hobbesiano


E inadequado e simplista opor Hobbes a Locke (que veremos a seguir),
considerando-os representantes, respectivamente, da teoria absolutista e do
liber alism o. Embora, o pensamento hobbesiano seja realmente aut ori tár io ,
permeiam-no elementos que denotam interesses burgueses. Assim, por exem
plo, a doutrina do direito natural do homem é uma arma apropriada para
ser utilizada contra os direitos tradicionais da classe dominante, ou seja, a
nobreza. Além disso, o Estado surge de um contrato, o que revela o Caráter
mercantil, comercial, das relações sociais burguesas. Esse contrato surge a
partir de uma visão individualista do homem, pois o. indivíduo preexiste ao
Estado (se não cronológica, pelo menos logicamente), e o pacto visa garantir
os interesses dos indivíduos, sua conservação e sua propriedade. Se no estado
de natureza "não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu
e o leu", no Estado de soberania perfeita a liberdade dos súditos está na
quelas coisa:, que o soberano permitiu, "como a liberdade de comprar e
vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada um escolher
sua residência, sua alimentação, sua profissão, e instruir seus filhos conforme
achar melhor, e coisas semelhantes". Portanto, o Estado se reduz à garantia
do conjunto dos interesses particulares.
O contrato também surge como decorrência da atribuição de uma qua
lidade possessiva ao homem, o qual, por natureza, tem medo da morte,
anseia pelo viver confortável e pela segurança e é movido pelo instinto de
posse e desejo de acumulação.
Segundo Macpherson, a qualidade possessiva do individualismo do
século XVII "se encontra na sua concepção do indivíduo como sendo essen
cialmente o proprietário de sua própria pessoa e de suas próprias capacida
des, nada devendo à sociedade por elas. O indivíduo não era visto nem
como um todo moral, nem como parte de um lodo social mais amplo, mas
como proprietário de si mesmo. A relação de propriedade, havendo-se tor
nado para um número cada vez maior de pessoas a relação fundamental
mente importante, que lhes determinava a liberdade real e a perspectiva real
de realizarem suas plenas potencialidades, era vista na natureza do indi
víduo. Achava-se que o indivíduo é livre na medida cm que e proprietário
de sua pessoa e de suas capacidades. A essência humana é ser livre da depen
dência das vontades alheias, e a liberdade existe como exercício da posse.
A sociedade torna-se uma porção de indivíduos livres c iguais, relacionados
entre si como proprietários de suas próprias capacidades e do que adquiri
ram mediante a prática dessas capacidades. A sociedade consiste de relações
de troca entre proprietários. A sociedade política torna-se um artifício cal
culado para a proteção dessa propriedade e para a manutenção de um
ordeiro relacionamento de trocas" 3 .
Como vemos, mesmo que Hobbes defenda o absolutismo, já se perce
bem no seu discurso os elementos que marcarão o pensamento burguês e
liberal daí em diante; o individualismo, a garantia da propriedade e a pre
servação da paz e segurança indispensáveis para os negócios.
O liberalismo
No século X V I I , enquanto o absolutismo triunfa na França, a Inglaterra
sofre revoluções lideradas pela burguesia, visando limitar a autoridade dos
reis. O primeiro movimento revolucionário foi a chamada Revolução Puri
tana, em meados do século em questão, culminando com a execução do rei

Carlos
mesmo I com
e a aascensão de Gloriosa,
Revolução Cromwell. em
Mas1688,
a liquidação
quando do absolutismo
Guilherme III é se dá
pro
clamado rei, após ter aceito a Declaração de Direitos, que limitava muito
sua autoridade e dava mais poderes ao parlamento. Fica, portanto, o poder
executivo subordinado ao legislativo.
Essas conquistas burguesas exigem do rei a convocação regular do par
lamento, sem o qual ele não pode fazer leis ou revogá-las, cobrar impostos
ou manter um exército. Institui-se ainda o habeas-corpus a fim de evitar as
prisões arbitrárias, e assim nenhum cidadão pode ficar preso indefinida
mente sem ser acusado diante dos tribunais, por meio de uma denúncia
bem definida.

O pensamento liberal em Locke


lohn Locke (1632-1704). filósofo inglês, descendia de uma família de
burgueses comerciantes. Esteve refugiado por um tempo na Holanda, por
ter-se envolvido com pessoas acusadas de fazer movimentos contra o rei
Carlos I I . Retornou à Inglaterra no mesmo navio em que viajava Guilher me
de Orange, símbolo da consolidação da monarquia parlamentar inglesa.
Locke teve papel importante na discussão sobre a teoria do conheci
mento, tema privilegiado do pensamento moderno, a partir de Descartes.
A respeito desse assunto escreveu Ensaio sobre o entendimento humano. J á
tratamos disso no Capítulo 15, item 1. Mas também se destacou em política
com a obra Dois tratados sobre o governo civil, tornando-se o teórico da
revolução liberal ingles a, cujas idéias irão fecundar todo o s éculo X V I I I ,
dando fundamento filosófico às revoluções ocorridas não só na Europa como
nas Américas.

O estado de natureza e o contrato


Assim como Hobbes, Locke considera que apenas o pacto torna legí
timo o poder do Estado. Mas, diferentemente de seu antecessor, não vê no
estado de natureza uma situação de guerra e egoísmo; ao contrário, os
homens são livres, iguais e independentes. O que os faz abandonar essa
situação delegando o poder a outrem? Para Locke, no estado natural cada
um é juiz em causa própria; portanto, os riscos das paixões c da parciali
dade são muito grandes c podem desestabilizar as relações entre os homens.
Por isso, visando a segurança c tranqüilidade necessárias ao gozo da pro
priedade, as pessoas consentem cm instituir o corno político. O ponto crucial

do pensamento
recem de Locke desse
em conseqüência é que consentimento,
os direitos naturais
mas dos homenspara
subsistem não limitar
desapao
poder do soberano, justificando, em última instância, o direito à insurreição:
o poder é um trust, um depósito confiado aos governantes — trata-se de
uma relação de confiança —, e, se estes não visarem o bem público, é per
mitido aos governados retirá-lo e confiá-lo a outrem.

Sociedade política e sociedade civil: a institucionalização do poder


Um dos aspectos progressistas do pensamento liberal é a exigência da
srcem democrática, parlamentar, d o poder político. Na Idade Média, trans
mitia-se por herança tanto a propriedade como o poder político: o herdeiro
do rei, do conde, do marquês, recebia não só os bens como também o poder
sobre os homens que viviam nas terras herdadas. Locke vai estabelecer a
distinção entre a sociedade política e a sociedade civil, entre o público e o
privado, que devem ser regidos por leis diferentes. Assim, o poder político
não deve, em tese, ser determinado pelas condições de nascimento, bem
como o Estado não deve intervir, mas sim garantir e tutelar o livre exercício
da propriedade, da palavra e da iniciativa econômica.
O conceito de propriedade
Locke usa conceito de propriedade num sentido muito amplo: "tudo
o que pertence" a cada indivíduo, ou seja, sua vida, sua liberdade e seus
bens,
Como já observamos em Hobbes, encontra-se também em Locke uma
característica que Macpherson chama de "individualismo possessivo", pelo
qual "a essência
a liberdade existehumana é ser livre
como exercício de da dependência
posse". Assim, das vontadescoisa
a primeira alheias,
que eo
homem possui é o seu corpo; todo homem é proprietário de si mesmo e de
suas capacidades. O trabalho do seu corpo é propriamente dele; portanto,
o trabalho dá início ao direito de propriedade em sentido estrito (bens, pa
trimônio). Isso significa que, na concepção de Locke, todos são proprietá
rios: mesmo quem não possui bens é proprietário de sua vida, de seu corpo,
de seu trabalho.
Entretanto, essa colocação ampla feita por Locke leva a certas contra
dições, pois o direito à ilimitada acumulação de propriedade produz logica
mente um desequilíbrio na sociedade, criando um estado de classes que
Locke dissimula — involuntariamente, é verdade — num discurso quo se
apresenta com um caráter universal. Quando se refere a todos os cidadãos,
considerando-os igualmente proprietários, o discurso contém uma ambigüi
dade que não se resolve, pois ora identifica a propriedade à vida, liberdade
c posses, ora a bens. e fortuna especificamente, E o que se conclui é que, se
todos, tendo bens ou não, são considerados membros da sociedade civil,
apenas os que têm fortuna podem ter plena cidadania, por duas razões:
"apenas esses [os de fortuna] têm pleno interesse na preservação da pro
priedade, e apenas esses são integralmente capazes de vida racional —
aquele compromisso voluntário para com a lei da razão — que é a base
não
necessária
tendo par:t
fortunas,
a plena
está participação
submetida ànasociedade
sociedadecivil,
civil.mas
A classe
dela não-
operária,
faz
parte. (...) A ambigüidade com relação a quem é membro da sociedade
civil em virtude do suposto contrato srcinal permite que Locke considere
todos os homens como sendo membros, com a finalidade de serem governa
dos, e apenas os homens de fortuna para a finalidade de governar" '.
Ressalta-se aí o elitismo presente na raiz do liberalismo, já que a igual
dade defendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal; não há
igualdade real, uma vez que só os proprietários têm plena cidadania.
O liberalismo democrático (séc. XIX)
Introdução
No próximo capítulo, ainda abordaremos o século XVIII na expressão
do pensamento de Rousseau, mus por questões didáticas vamos completar a
exposição iniciada com a teoria lockeana, a fim de mostrar os desdobra-
mentos posteriores da ideologia liberal nascente.
A primeira diferença entre os pensadores políticos do século XV11I e
05 do século XIX é que estes se defrontam com uma situação configurada,
com fatos, e não mais com uma teoria ou a instauração de um novo poder.
Não se trata mais de defender um ideal, mas de descobrir os meios para
colocá-lo em prática. Os principais teóricos foram: na Inglaterra, Jeremy
Bentham, James Mill e seu filho John Stuart Mill; na França, Tocqueville;
nos Estados Unidos, Thomas Jefferson e Thomas Paine.
Sob o Impacto da Revolução Comercial, o Estado secular sacudiu a
tutela da Igreja, e as relações feudais começaram a ser substituídas por
outras baseadas na noção de contrato. A partir daí, as relações entre os co
merciantes passaram a exigir novas instituições que ampliassem a partici
pação democrática no poder.
122
No século XIX, as exigências democráticas não eram apenas da nova
classe dos burgueses, mas também dos operários, cujo número crescia consi
deravelmente, já que a Revolução Industrial determinara o aumento da
concentração urbana. Os operários, organizados, em sindicatos e influencia
dos por idéias socialistas, exigiam melhores condições de trabalho. Tais
formas de organização de massa determinaram a tônica do pensamento polí
tico do século XIX, que passa a se configurar como um liberalismo demo
crático. O enfoque da liberdade baseada na propriedade — característica
do liberalismo elitista dos séculos anteriores —é desviado para a noção de
igualdade, procurando atingir a liberdade de um número cada vez maior de
pessoas por meio de uma legislação e de garantias jurídicas.
Jeremy Bentham (1748-1832) é o fundador de uma escola chamada
utililarismo. deSofrendo
instrumento a influência
renovação empirista,
social, a partir de umessa teoriarigorosamente
método pretende sercien
um
tífico.
Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade: o
cidadão só deve obedecer ao Estado quando a obediência contribui para a
felicidade geral. Critica as formas liberais que levam ao egoísmo. Aliás, para
ele, o objetivo da moral é o controle do egoísmo, e a virtude é o que amplia
os prazeres e diminuí as dores, donde resulta uma "aritmética moral": é
preciso fazer um cálculo entre duas ações para saber qual delas reúne maior
número de prazeres e menor quantidade de dores. Da mesma forma, o
governo deve concordar com o princípio de utilidade, e sua finalidade é
alcançar a felicidade para um número maior de pessoas. Por isso os objetivos
do governo são: prover a subsistência, produzir a abundância, favorecer a
igualdade e manter a segurança. Para isso é necessário que haja eleições
periódicas, sufrágio livre e universal, liberdade de contrato.
John Stuart Mill (1806-1873) segue inicialmente a corrente utilitarista,
na qual foi iniciado por seu pai, James Mill, mas a modifica profundamente,
já que sofreu outras influências, desde o positivismo de Comte ao socialismo
de Saint-Simon. Daí sua preocupação com o destino das massas oprimidas
eAcirrado
a sugestão de Co-participação
defensor na indústria
da absoluta liberdade e representação
de expressão, participa proporcional.
da fundação
da primeira sociedade defensora do direito de voto para as mulheres.

As contradições do século XIX

Apesar dessas idéias "democráticas", permanecem sem solução questões


econômicas e sociais que afligem a crescente massa de operários: pobreza,
jornada de trabalho de quatorze a dezesseis horas, concorrência da mão-de-
obra das mulheres e crianças.
Da mesma forma, a expansão do capitalismo determina idéias imperia
listas que justificam a colonização da África e da Ásia. Os países europeus
"democráticos" não querem abrir mão do controle econômico e político
sobre suas colônias. O próprio Stuart Mill argumenta que a idéia de governo
democrático se ajusta apenas aos hábitos dos povos avançados, sobretudo
os br an co s. . .
A contrapartida do discurso liberal se acha nas teorias socialistas ini
cialmente nas dos chamados socialistas utópicos e, depois, nas do socialismo
científico de Marx e Engels, que publicaram, em 1848 o Manifesto comu
nista. Do mesmo modo, as Internacionais Operárias (a primeira e de 1864)
e a Comuna de Paris (1871) já são reflexo da busca de uma nova ordem,
distinta da ordem estabelecida, e de um discurso que contenha a critica ao
Estado burguês.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu cm Genebra (Suíça) e viveu
a partir de 1742 cm Paris, onde fervilhavam as idéias liberais que culmina
riam na Revolução Francesa (1789).
Aliás, desde o primeiro momento cm que se faz conhecer à intelectuali
dade francesa, Rousseau surpreende: ganha o prêmio oferecido pela Acade
mia de Dijon ao discorrer sobre o lema O restabelecimento das ciências e
das artes terá contribuído para aprimorar os costumes?, respondendo pela
negativa. Esta posição é, no mínimo, polêmica, se lembrarmos que Rousseau
vive em pleno lluminismo e, portanto, entre homens confiantes no poder da
razão humana para construir um mundo melhor (ver Cap. 15, item 2).
Fez amizade com Diderot, filósofo do grupo iluminista do qual faziam
parte Voltaire, D'Alembert. D'Holbach e que se tornaram conhecidos como
enciclopedistas pelo fato de elaborarem uma Enciclopédia que divulgava os
novos ideais: tolerância religiosa, confiança na razão livre, oposição à auto
ridade excessiva, naturalismo, entusiasmo pelas técnicas e pelo progresso.
Rousseau foi convidado a escrever os verbetes sobre música (sua paixão
anterior à filosofia), mas sempre foi elemento destoante, pois divergia em
muito aspectos do pensamento iluminista, e teve, inclusive, sérios atritos
com Voltaire.
Precursor do romantismo, Rousseau valorizava demasiadamente o sen
timento, num ambiente sobremaneira racionalista. Também não via com oti
mismo o desenvolvimento da técnica e do progresso, contrapondo à civiliza
ção o Ideal do bom selvagem.
Rousseau sempre foi um apaixonado, e a forma como expõe suas idéias
revela a carga emocional derivada de uma sensibilidade exacerbada. Seus
leitores deixavam-se contagiar por esse espirito agitado, e entre seus admi
radores encontrava-se Robespierre, representante do setor mais radical e de
mocrático da Revolução Francesa.
Espirito contraditório, elaborou as bases de uma moderna pedagogia
com Emílio e A nova Heloísa, mas abandonou à orfandade os próprios filhos.
Suas principais idéias estão nas obras Discurso sobre a srcem da desi
gualdade entre os homens e Do contrato social.
Rousseau
O estado de natureza
Assim como seus antecessores Hobbes e Locke, Rousseau desenvolve
seu pensamento a partir da hipótese do homem em estado de natureza e
procura resolver a questão da legitimidade do poder nascido do contrato
social. No entanto, sua posição é, num aspecto, inovadora, na medida em que
distingue os conceitos de soberano e governo, atribuindo ao povo a sobera
nia inalienável, o que veremos adiante.
"Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, en
quanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas suas roupas de
peles, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar o corpo com várias cores,
a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a cortar com pedras agudas
algumas canoas de pescador ou alguns instrumentos grosseiros de música —
em uma palavra: enquanto só se dedicavam a obras que um único homem
podia criar e a artes que não solicitavam o concurso de várias mãos, viveram
tão livres, sadios, bons c felizes quanto o poderiam ser por sua natureza, e
continuaram
mas, desde o ainstante
gozar entre si um
em que das homem
doçuras sentiu
de umnecessidade
comercio do
independente;
socorro de
outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para
dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tor
nou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se cm campos aprazí
veis que se impôs regar com o suor dos homens c nos quais logo se viu a
escravidão e a miséria germinarem c crescerem com as colheitas."
Rousseau parece demonstrar uma extrema nostalgia desse estado feliz
em que vive o bom selvagem. Mas a propriedade não reduz a desigualdade
entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o poderoso e o
fraco, o senhor e o escravo, até a predominância da lei do mais forte. O
homem que surge é um homem corrompido pelo poder e esmagado pela
violência. Trata-se de um falso contrato, que coloca os homens sob grilhões.
Há que se considerar a possibilidade de um contrato verdadeiro e legítimo,
pelo qual o povo esteja reunido sob uma só vontade.

O contrato social

O contrato social, para ser legítimo, deve se srcinar do consentimento


necessariamente unânime. Cada associado se aliena totalmente, ou seja,
abdica sem reserva de todos os seus direitos em favor da comunidade. Mas,
como todos abdicam igualmente, na verdade cada um nada perde, pois
"este ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada con
tratante, um corpo moral c coletivo composto de tantos membros quantos
são os votos da assembléia e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade,
2

seu eu comum, sua vida e sua vontade" .


Em outras palavras, pelo pacto o homem abdica de sua liberdade, mas
sendo ele próprio parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei,
obedece a si mesmo e, portanto, é livre: "a obediência à lei que se estatuiu
a si mesma é liberdade". Isso significa que, para Rousseau, o contrato não
faz o indivíduo perder sua soberania, pois este não cría um Estado separado
de si mesmo. Como isso é possível?

Soberano e governo
O ato pelo qual o povo institui um governo não o submete a ele. Ao
contrário, não há um "superior" ao povo, pois os depositários do poder não
são os senhores do povo, mas seus oficiais, e o povo pode elegê-los e desti
tuí-los quanto lhe aprouver. Os magistrados que constituem o governo ape
nas executam as leis, estando subordinados ao poder de decisão do soberano.
O soberano é o povo incorporado, é o corpo coletivo que expressa,
através da lei, a vontade geral. A soberania do povo, manifesta pelo legisla
tivo, é inalienável, ou seja, ela não pode ser representada. A democracia
rousseauniana critica o regime representativo, pois considera que Ioda lei
não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Daí preconizar a democracia
participativa ou direta. Só se mantém a soberania do povo através de assem
bléias freqüentes de todos os cidadãos. É evidente que, para o próprio
Rousseau, tal projeto só é possível cm uma sociedade de reduzidas propor
ções. Além de inalienável, a soberania é também indivisível, pois não se
pode tomar os poderes separadamente. Aqui Rousseau critica a autonomia
dos poderes, cuja discussão começa com Locke e se explicita com Montes-
quieu (executivo, legislativo e judiciário).
Enquanto soberano, o povo é ativo c considerado cidadão. Mas há
também uma soberania passiva, assumida pelo povo enquanto súdito. Então,
o mesmo homem, enquanto faz a lei, é um cidadão e, enquanto a ela obe
dece e se submete, é um súdito.

A vontade geral

O soberano é o povo incorporado e dita a vontade geral, cuja expres


são é a lei. O que vem a ser a vontade geral? £ preciso antes fazer distinção
entre pessoa pública (cidadão ou súdito) c pessoa privada. Esta tem uma
vontade individual, que geralmente visa o interesse egoísta e a gestão de
seus bens particulares. Mas, ao mesmo tempo, esse homem particular per
tence a um espaço público, 6 parle de um corpo coletivo que tem interesses
comuns,
cide com expressos pela
o de outro, vontade
pois muitasgeral.
vezesNem sempre
o que o interesse
beneficia de privada
a pessoa um coin
pode ser prejudicial ao coletivo. Por isso, também não se pode confundir a
vontade da maioria com a vontade geral, pois a somatória dos interesses pri
vados pode ter outra natureza que o interesse comum. Explicando melhor:
"o interesse comum não é o interesse de todos, no sentido de uma confluên
cia dos interesses particulares, mas o interesse de todos e de cada um
enquanto componentes do corpo coletivo e exclusivamente nesta qualidade.
Daí o perigo de predominar o interesse da maioria, pois se é sempre possível
125.
para o caráter Ideológico do sistema carcerário e dos hospícios. Na sua His
tória da loucura, crítica a moderna concepção de loucura, mostrando como
ela foi elaborada a partir do século XVII. Há também os trabalhos teóricos
e práticos de psiquiatras como o italiano Basaglia e os ingleses Laing e
Cooper, com as propostas da antipsiquiatria *,

Taissupomos,
do que, discussõesdeverá
controvertidas têm sido
pôr em questão sujeitas atradicionais
concepções um debate afermenta
respeito
desse assunto.
(Extraído do livro Filosofando
, de Maria LúciaA. Aran
ha e Maria

Helena P„ Martins, EditoraModerna, SãoPaulo, 1987)


O Estado na concepção histórico-crítica
Priedrich Engels

Já estudamos, uma a uma, as três formas principais do


como o Estado se erigiu so bre as ruínas da gens. Atenas ap re
senta a forma que podemos considerar mais pura, mais clássica:
ali, o Estado nasceu direta e fundamentalmente dos antago
nismos de classes que se desenvolviam no seio mesmo da so
ciedade gentílica. Em Roma, a sociedade gentílica se converteu
numa aristocracia fechada, em meio a uma plebe numerosa e
mantida à parte, sem direitos mas com deveres; a vitória da
plebe destruiu a antiga constituição da gens, e sobre os escom
bros instituiugentílica
aristocracia o Estado,
e aonde
plebe.nãoEnt
tardaram a se confundir
re os germanos, a
por fim,
vencedores do império romano, o Estado surgiu em função di
reta da conquista de vastos territórios estrangeiros que o regime
gentilico era impotent e para dominar. Como, porém, a essa
conquista não correspondia uma luta séria com a antiga popu
lação, nem uma divisão de trabalho mais avançada; como o
grau! de desenvolvimento econômico de vencidos e vencedores
era quase o mesmo — e por conseguinte persistia a antiga base
econômica da sociedade — a gens pôde manter-se ainda por
muitos séculos, sob uma forma modificada, territorial, na cons
tituição da marca, e até rejuvenescer durante certo tempo, sob
uma forma atenuada, nas famílias nobres e patrícias dos anos
posteriores, e mesmo em famílias camponesas, como em Dith-
marschen, x
O Estado não é pois, de modo algum, um poder quo so
impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a reali
dade da idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão",
como afirma Hegel. E antes um prod uto da socieda de, qua ndo
esta "chega a um de termina do grau de d esenvolviment o; é a
confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável
contradição comque
irreconciliáveis elanão
própria e estáconjurar
consegue dividida por antagonismos
. Mas para que esses
antagonismos, essas classes com interesses econômicos coli-
dentes não se devorem e não consumam a sociedade numa
luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente
por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a
inantê-lo dentro dos li mites da "ordem". Este pod er, nascido
da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez
mais, é o Estado.
Distinguindo-se da antiga organização gentílica, o Estado
caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo agrupamento dos seus
súditos de acordo com uma divisão territorial. As velhas asso
ciações gentílicas, constituídas e sustentadas por vínculos de
sangue, tinham chegado a ser, como vimos, insuficientes em
grande parte, porque supunham a ligação de seus membros a
um determinado território, o que deixara de acontecer há bas
tante tempo. O território permanecera, mas os homens se ha
viam tornado móveis. Tomada a divisão territorial como ponto
de partida, deixou-se aos cidadãos o exercício dos seus direitos
e deveres sociais onde estivessem estabelecidos, independente
mente das gens c das tribos. Essa organização dos súditos do
Estado
isso nosconforme
parece onatural;,
territóriomas,
é comum a todos os
em capítulos Esta dos.vimos
anteriores Por
como foram necessárias renhidas e longas lutas antes que em
Atenas e Roma ela pudesse substituir a antiga organização
gentílica.
O segundo traço característico 6 a instituição de uma
força pública, que já não mais se identifica com o povo em
armas. A necessidade dessa for ça pública especial deriva da
divisão da sociedade cm classe s, qu e impossibilita qu al qu er or
ganização armada espontâ nea da popul ação . Os escravos inte
gravam, também, a população; os 90 000 cidadãos de Atenas
só constituíam uma classe privilegiada em confronto com os
365 0 00 escravos. O exército popul ar da democ rocia at enie nse
era uma força pública aristocrática contra os escravos, quo
mantinha submissos; todavia, pura manter a ordem entre os
cidadãos, foi preciso também criar uma força de polícia, como
falamos anter iormen te. Esta f orça públ ica existe em todo Es
tado; é formada não só de homens armados como, ainda, de
acessórios materiais, os cárceres e as instituições coercitivas de
todo gênero, desconhe cidos pela socie dade da gens. Ela pode
ser pouco importante e até quase nula nas sociedades em que
ainda não se desenvolveram os antagonismos de classe, ou em
lugares distantes, como sucedeu em certas regiões e em certas
época s nos Esta dos Unidos da Amér ica. Mas se forta lece na
medida em que exacerbam os antagonismos de classe dentro
do Estado e na medida em que os Estados contíguos crescem
e aum ent am de populaçã o. Basta-nos obser var a Euro pa de
hoje, onde a luta de classes e a rivalidade nas conquistas le
varam a força pública a um tal grau de crescimento que da
ameaça engolir a sociedade inteira e o próprio Estado.
Para sustentar essa força pública, são exigidas contribuições
por par te dos cidadã os do Esta do: os impostos. A sociedade
gentílica não teve idéia deles, mas nós os conhecemos muito
bem . E, com os progressos da civilização, os impostos, inclu
sive, chegaram a ser poucos; o Estado emite letras sobre o
futuro, contrai empréstimos, contrai dívidas do Estado. A
velha Europa está em condições de nos falar, por experiência
própria, também disso.
Donos da força pública e do direito de recolher os im
postos, os funcionários, como órgãos da sociedade, põem-se
então acima dela. O respeito livre e voluntariamente tributado

aos órgãos
que da conquistá-lo;
pudessem constituição gentílica já não
veículos de lhes basta,
um poder que semesmo
tinha
tomado estranho á sociedade, precisam impor respeito através
de leis de exceção, em virtude das quais gozam de uma santi
da de e uma inviol abilidade especiais. O mais reles dos bele-
guins do Estado civilizado tem mais "autoridade" do que todos
os órgãos da sociedade gentílica juntos; no entanto, o príncipe
mais poderoso, o maior homem público, ou general, da civili
zação pode invejar o mais modesto dos chefes de gens, pelo
respeito espontâneo e indiscutido que l he profe ssavam . Est e
existia dentro mesmo da sociedade, aqueles vêem-se compe
lidos a pretender representar algo que está fora e acima dela.
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o anta
gonismo das classes, c como, ao mesmo tempo, nasceu em
meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe
mais poderesa, da classe economicamente dominante, classe
que, por intermédio dele, se converte também em classe politi
camente dominante e adquire novos meios para a repressão e
exploraç ão da classe oprim ida. Assim, o Esta do antigo f oi,
sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os

escravos
valeu subjugados;
a nobreza para omanter
Estadoa feudal
sujeiçãofoidoso servos
órgão de que se
e campo
neses dependentes; e o moderno Estado representativo é o ins
trumento de que se serve o capital para explorar o trabalho
assalariado. Entr etan to, por exceção, há perío dos em que as
lutas de classes se equilibram de tal modo que o Poder do
Estado, como mediador aparente, adquire certa independência
mom entâ nea em f ace das c lass es- Nesta situação, achava -se
a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que contro
lava a balança entre a nobreza c os cidadãos; de igual ma
neira, o bonapartisrno do primeiro império francês, e princi
palmente do segundo, que jogava com os proletários contra a
burgu esia e com est a contra aquele s. O mais recen te caso dessa
espécie, em que opressores e oprimidos aparecem igualmente
ridículos, é o do novo império alemão da nação bismarckiana:
aqui, capitalistas e trabalhadores são postos na balança uns
contra os outros e são igualmente ludibriados para proveito
exclusivo dos degenerados "junkers" prussianos.
Além disso, na maior parte dos Estados históricos, os di
reitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as
posses dos referidos cidadãos, pelo que se evidencia ser o
Estado um organismo para a proteção dos que possuem contra
os que não possuem. Foi o que vimos em Atenas e cm Roma ,
onde a classificação da população era estabelecida pelo mon
tante dos bens. O mesmo acontece no Estado feudal da Ida de
Média, onde o poder político era distribuído conforme a im
portância da propriedade territorial. E é o que podemos ver
no censo esse
tretanto, eleitoral dos modernos
reconhecimento Estados
político das represen tativos.
diferenças En
de for
tuna não tem nada de essencial; pelo contrário, revela até um
grau inferior de desenvolvimento do Estado. A república de
mocrática— a mais elevada das formas de Estado, e que, em
nossas atuais condições sociais, vai aparecendo como uma
necessidade cada vez mais iniludível, e é a única forma de
Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva
batalha entre o proletariado e a burguesia — não mais reco
nhece oficialmente as diferenças de fortuna. Nela, a riquez a
exerce seu poder de modo indiret o, embora mais seguro. De
um lado, sob a forma de corrupção direta dos funcionários
do Estado, e na América vamos encontrar o exemplo clássico;
de outro lado, sob a forma de aliança entre o governo e a
Bolsa. Tal aliança se concretiza com facilidade tanto mai or
quanto mais cresçam as dívidas do Estado e quanto mais as
sociedades por ações concentrem em suas mãos, além do
transporte; a própria produção, fazendo da Bolsa o seu centro.
Tanto quanto a América, a nova república francesa ó um
exemplo muito claro disso, e a boa e velha Suíça também
traz a sua cont ribuição nesse terreno. Mas, que a r epública •
democrática não é imprescindivel para essa fraternal união
entre Bolsa e governo, prova-o, além da Inglaterra,,o novo
império alemão, onde não se pode dizer quem o sufrágio
univers al elevou mais alto, se Bismarck,. se Bleichrode r. E,
por último, é diretamente através do sufrágio universal que a
classe possuidora domina. Enqu ant o a classe oprimid a — em
nosso caso, o proletariado — não está madura para promover
ela mesma a sua emancipação, a maioria dos seus membros
considera a ordem social existente como a única possível e,
politicamente, forma a cauda da classe capitalista, sua ala da
extrema esquerda. Na medida, entretanto, em que vai ama
durecendo para a auto-emancipação, constitui-se como um
partido independente e elege seus próprios representantes e
não os dos capitalistas. O sufrágio universal é, assim, o ín
dice do amadurecimento da classe operária. No Estado atual ,
não pode, nem poderá jamais, ir além disso; mas é o suficiente.
No dia em que o termômetro do sufrágio universal registrar
para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão —
tanto quanto os capitalistas — o que lhes cabe fazer.
Portanto, o Estado não tem ex istido eternamente. Houve
sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor
noção do Esta do ou de seu poder . Ao chegar a certa fase
de desenvolvimento econômico, que estava necessariamente
ligada à divisão da sociedade cm classes, essa divisão tornou
o Estado uma necessi dade. Estamos agora nos aproximando,
com rapidez, de uma fase de desenvolvimento da produção
em que a existência dessas classes não apenas deixou de ser
uma necessidade, mas até so converteu num obstáculo à pro
dução mesma. As classes vão desaparecer, e de maneira tão
inevitável como no passado surgiram. Com o desapare cimento
das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado . A socie
dade, reorganizando do uma forma nova a produção, na base
de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda
ader:
máquina do do
o museu Estado para o lugar
antigüidades, quedalheroca
ao lado há de
de fiar
correspon
o do
machado do bronze,

(Extraí
do do liv
ro A Origem da Famíl
ia, da Prop
riedade Privada

e do Estado, de FriedrichEngels, Editora Civiliza


ção Brasi

leira, Rio de
Janeiro, 1981)
_Os conceitos d e democracia e autoritarismo
Maria Inicia de Arruda Aranha e Maria .Helena Pires Martins

Uma reflexão sobre a democracia

A palavra democracia vem do grego demos (povo) e kratia, de krátos


(governo, povo
primeiro poder,a autoridade). Historicamente,
elaborar o ideal consideramos
democrático, os atenienses
dando ao cidadão o
a capaci
dade de decidir os destinos da pólis (cidade-estado grega) Povo habituado
ao discurso, encontra na agora (praça pública) o espaço social para o debate
e o exercício da persuasão.
Entretanto, esse ideal de democracia direta, que não se faz por intermé
dio de representantes, mas pelo exercício do poder não alienado, nunca se
cumpriu de fato.
O ideal democrático reaparece na história, com roupas diferentes, ora
no liberalismo, ora exaltado na utopia rousseauniana, ora nos ideais socialis
tas e anarquistas.
Nunca foi possível evitar que, em nome da democracia, conceito abstra
to, valores que na verdade pertenciam a uma classe apenas fossem conside
rados universais. A Revolução Francesa se fez sob o lema "Igualdade, Liber
dade, Fraternidade'', c sabemos que foi uma revolução que visava interesses
burgueses, e não populares.
No mundo contemporâneo, tanto os EUA como a URSS se consideram
governos democráticos.
Não pretendemos aqui discutir esse assunto, mas apenas a questão:
Se a política significa o que se refere aopoder, na democracia, onde é o
lugar do poder?
Comecemos examinando onde a democracia não está.

A personalização do poder
O que caracteriza os governos não democráticos é que o poder é inves
tido numa pessoa que pretende exercê-lo durante toda sua vida, como se
dele fosse proprietário. O faraó do Egito, o césar romano, o rei cristão me
dieval, em virtude de privilégios, se apropriam do poder, identificando-o
com o seu próprio corpo. É a pessoa do príncipe que se torna o intermediário
entre os homens e Deus, ou o intérprete humano da suprema Razão.
identificado com determinada pessoa ou grupo, o poder personalizado
é um poder de fato, e não de direito, pois não é legitimado pelo consenti
mento da maioria, mas depende do prestígio e da força dos que o possuem.
Trata-se de uma usurpação do poder, que perde o seu lugar público quando
é incorporado na figura do príncipe.
Que tipo de unidade decorre desse poder? Como não se funda na
expressão da maioria, ele precisa estar sempre vigiando e controlando o
surgimento de divergências
ção das crenças, que dos
das opiniões, poderão abalá-lo.
costumes, Buscaoentão
evitando a uniformiza
pensamento diver
gente e destruindo a oposição.
Eis aí o risco do totalitarismo, quando o poder é incorporado ao partido
único, representado por um homem todo-poderoso. O filósofo político con
temporâneo Claude Lefort' diz que o escritor soviético dissidente Soljenitsin
costumava se referir a Stálin como sendo o Egocrata (que significa o poder
personalizado; etimologicamente, "poder do eu"). O Egocrata é o ser todo-
poderoso que faz apagar a distinção entre a esfera do Estado e a da socieda
de civil: o partido, onipresente, se Incumbe de difundir a ideologia dominan
te por todos os setores de atividades, a todos unificando, o que permite a
reprodução das relações sociais conforme o modelo geral.
A institucionalização do poder
A Idade Moderna promove uma profunda mudança na maneira de
pensar medieval, que era predominantemente religiosa. Ocorre a seeulariza-
ção da consciência, ou seja, o abandono das explicações religiosas, para se
usar o recurso da razão, Essa transformação se verifica nas artes, nas ciên-
cias na política.
A tese de que todo poder emana de Deus, se contrapõe a srcem social
do pacto feito pelo consentimento dos homens. A legitimação do poder se
encontra no próprio homem que o institui.
Com a emergência da burguesia no panorama político, dá-se a criação
do Estado como organismo distinto da sociedade civil. Em outras palavras,
na Idade Média, o poder político pertencia ao senhor feudal, dono das terras,
e era transmitido como herança juntamente com seus bens; com as revôlu-
ções burguesas, essas duas esferas dissociam-se: o poder não é herdado, mas
conquistado pelo voto. Assim, separa-se o público do privado. O espírito da
democracia está em descobrir o valor da coisa publica, separada dos interes
ses particulares.
Desse modo, ocorre a institucionalização do puder, que não mais se
identifica com aquele que o detém, pois este é mero depositário da soberania
popular. O poder se torna um poder de direito, e sua legitimidade repousa,
não no privilégio, não no uso da violência, mas do mandato popular.
O súdito, na verdade, torna-se cidadão, já que participa da comunidade
cívica. Não havendo privilégios, todos são iguais e têm os mesmos direitos
e deveres.
Isto se torna possível pela criação deinstituições baseadas na plurali
dade de opiniões e na elaboração de leis para orientar a ação dos cidadãos,
garantindo seus direitos e evitando o arbítrio. A institucionalização implica
a elaboração de uma Constituição, que é a lei magna.
Portanto, o poder torna-se legítimo porque emana do povo e se faz em
conformidade com a lei.
Retomando a pergunta "Onde é o lugar do poder na democracia?",
respondemos que é o lugar do vazio, ou seja, é o poder com o qual ninguém
pode se identificar e que cera exercido transitoriamente por quem for esco-
lhido para tal.
No entanto, como já dissemos, a democracia burguesa se mostrou defi
ciente no exercício desse ideal, pois redundou em uma forma elitista, privi
legiando
do acessoosao segmentos da sociedade
poder a grande maioria. que possuem propriedades e excluindo
Com a ajuda da ideologia , as classes privilegiadas
dissimulam a divisão e mostram a sociedade como uma. harmônica e iguali
tária. Asseguram, assim, a tranqüilidade e o "progresso". Entretanto, a outra
parte da sociedade se acha reduzida ao silêncio e à incapacidade de pensar
a sua própria condição.
Como seria o exercício da verdadeira democracia?
Segundo Marilena Chauí 2 , as determinações, constitutivas do conceito
de democracia são as idéias deconflito, abertura e rotatividade.
• O conflito — se a democracia supõe o pensamento divergente, isto é, os
múltiplos discursos, ela tem de admitir uma heterogeneidade essencial.
Então, o conflito é inevitável. A palavraconflito sempre teve sentido
pejorativo, de algo que devesse ser evitado a qualquer custo. Ao contrário,
divergir é inerente a uma sociedade pluralista. O que a sociedade demo
crática deve fazer com o conflito é trabalhá-lo, de modo que, a partir da
discussão, do confronto, os próprios homens encontrem a possibilidade de
superá-lo. E assim que a verdadeira história se faz, nesta aventura em que
0 homem se lança em busca do possível, a partir dos imprevistos. Se os
conflitos existem, evitá-los é permitir que persistam, degenerem em mera
oposição ou sejam camuflados.
• A abertura •— significa que na democracia a informação circula livremen
te, e a cultura não é privilégio de poucos. Essa circulação não se reduz
ao mero consumo de informação e cultura, mas significa produção de
cultura, que se enriquece nesse processo.
• A rotatividade — significa tornar o poder na democracia realmente o
lugar vazio por excelência, sem privilégio de um grupo ou classe. E permi
tir que todos os setores da sociedade possam ser legitimamente represen
tados.
A fragilidade da democracia

Se fosse possível preencher os requisitos indispensáveis à constituição


da verdadeira democracia, poderíamos atingir a sociedade em que a relação
entre us pessoas se define pela amizade, quo é a recusa do servir, No entanto,
essa é uma tarefa difícil, devido à incompletude essencial da democracia.
árdua
Não havendo
tarefa emmodelos
que todos
a seguir,
se empenham
esta se autoproduz
esta sujeita no
aosseu
riscos
percurso,
dos enganos
c a
e dos desvios. Por isso, a democracia é frágile não há como evitar o que
faz parte da sua própria natureza.
O principal risco é a emergência do totalitarismo, representado nos
grupos que sucumbem à sedução do absoluto e desejam restabelecer a
"ordem" e a hierarquia.
A condição do fortalecimento da democracia encontra-se na politização
das pessoas, que devem deixar o hábito (ou vício?) da cidadania passiva,
do individualismo, para se tornarem mais participantes e conscientes da
coisa pública.
O autoritarismo
Os países latino-americanos têm uma longa tradição de governos ditato
riais. As obras literárias de Gabriel Garcia Márquez, Manuel Scorza, |. ].
Veiga, registram os sucessivos golpes de Estado que colocaram estes países
à mercê dos caudilhos.
Os regimes chamados autoritários não devem ser confundidos com os
totalitários, conforme foram descritos anteriormente. Ambos cerceiam as
liberdades individuais em nome da segurança nacional, usam formas de
propaganda política, exercem a censura e têm um aparelho repressivo.
Nos regimes autoritários, contudo, não há uma ideologia de base que
serve "para a construção de uma nova sociedade" ,e não há uma mobilização
popular que lhes dê suporte. Ao contrário, ao invés da doutrinação política
e do incentivo ao engajamento ativista (ainda que dirigido), há uma despo-
litização que leva à apatia política. O clima de repressão violenta gera o
medo, que desestimula a ação política efetiva. Permanece, sempre que possí
vel, uma aparência de democracia: pode haver vários partidos, e mesmo que
a oposição efetiva desapareça, ela existe como oposição formal. E o partido
do governo 0 um mero apêndice do poder executivo.
O governo autoritário pode também utilizar os militares na burocracia
estatui, c a elite econômica tem, nos postos chaves, oficiais das forças arma
das. Os militares saem da caserna para se tornarem a instituição política
mais importante da nação.

(Extraído do l i v r o Fi lo so fa nd o, de Maria Lúcia A. Aranha e


ria Helena P. Martins, Editora Moderna , São Paulo, 1987)
Descrição da dinâmica de um movimento social

Paulo Meksenaa

Na Zona Leste da cidade de São Paulo, moram aproximada


mente 3 milhões de pessoas, na sua grande maioria trabalhadores
pobres dos setores da indústria, comércio ou serviços. São mais de
vinte bairros formados de casas precárias: Ermelino Matarazzo,
Ponte Rasa, Itaim, São Miguel Paulista, Nitro-Operária, Cidade
Líder, Itaquera, Vila Curuçá e muitos outros. Além disso, cada
bairro se divide em localidades menores e mais distantes: Jardim
das Oliveiras, Pedro Nunes, Monte Santo, E. Carvalho, Cangaíba.
É o que poderíamos chamar de: a periferia da periferia de São
Paulo.
A região é carente de serviços básicos como água, luz, asfalto,
transporte, saúde e escola. A situação de extrema miséria desses
bairros faz com que a sua população se reúna em organizações
como Sociedades Amigos do Bairro, Grupos de Mães, Comunida
des Eclesiais de Base ou Grupos de Juventude, para discutir ques
tões referentes à vida, aos problemas e à fé de cada um. O que
muitas vezes dá srcem a movimentos sociais que vão lutar não só
pela melhoria do padrão de vida como também pelo direito de
participação política na sociedade. Isto porque o processo de orga
nização das populações carentes deságua naturalmente numa dinâ-"
mica de conscientização que leva cada um a refletir não só sobre
a sua vida cotidiana, mas sobre toda a estrutura e funcionamento

da sociedade capitalista. Foi o que aconteceu com o "Movimento


de Educação da Zona Leste" que se srcinou das discussões de um
Grupo de Mães.

A) O INICIO DO MOVIMENTO: O PROBLEMA


DA TAXA DA APM
O Grupo de Mães de Monte Santo se reuniu no início de
1980 para discutir os problemas do bairro e, no meio de conversa
informal, os participantes descobriram que a matrícula de seus fi
lhos em escolas públicas estaduais estava ameaçada pela exigência
de pagamento da taxa de APM. Esta exigência partia da direção
das escolas, a taxa era alta para o nível de renda daquela popula
ção pobre. Muitas mães não conseguiam matricular seus filhos.

Entretanto, o que vem a ser na realidade essa taxa da APM?


A APM (Associação de Pais e Mestres) foi oficialmente criada
pela lei n. 12.983 de 15-12-1978. Segundo a legislação, objetiva
aumentar a união entre pais e professores para ajudar no bom fun
cionamento da escola ou na sua organização, visando sobretudo aos
alunos carentes. Para atingir tais objetivos, a APM pode realizar
uma coleta de fundos; esta porém não é obrigatória e só se pode
fazer após o término do período de matrículas.
As escolas públicas da periferia são normalmente abandonadas
pelo Estado., A situação de muitas delas é degradante: faltam vidros,
carteiras escolares, muros, iluminação e em alguns casos até água
falia. Diante dos problemas e sabendo da ambigüidade da lei e da
falia de informação da população, alguns diretores obrigam os pais
dos alunos, no momento da matrícula, a que paguem uma importân
cia em dinheiro que corresponderia à taxa da APM. Com esses re
cursos financeiros, tentam remediar os problemas da escola. O que
nunca devemos esquecer é que a manutenção da escola pública deve
ser garantida pelo Estado e não através das taxas de APM, cobradas
ilegalmente da população carente,
No Grupo de Mães de Monte Santo, as reuniões do início de
1980 já estavam se tornando um lamento dessa injustiça. Ou paga
vam a taxa, ou seus filhos não estudariam. Como o problema
parecia não ter solução, resolveram discuti-lo com outros Grupos
de Mães da Zona Leste. Resultado: em pouco tempo todos os
Grupos de Mães da região estavam discutindo não só o problema
da taxa da APM como também todos os outros problemas que afli
giam a educação escolar da região: prédios escolares desmoronando,
falta de higiene, falta de segurança, falta de professores, baixo nível
de ensino. Nesse processo de discussão, descobriram também que
não era obrigatório o pagamento da taxa da APM.
A partir daí, foi possível, no dia 14 de setembro de 1980, a
organização de uma assembléia aberta à participação dos moradores
interessados em discutir os problemas educacionais da região. Nes
sa assembléia, determinou-se:
a) Imprimir folhetos alertando o restante da população sobre
a não-obrigatoriedade do pagamento da taxa da APM.
b) Editar mensalmente um boletim informativo denominado
"Falta de Educação" paro denunciar os problemas ou irre
gularidades das escolas da região e ainda para ajudar na
organização do Movimento de Educação que estava nas
cendo naquele momento.
c) Organizar um abaixo-assinado que chegou posteriormente a
14 mil assinaturas de pessoas que exigiam que a contribui
ção da APM fosse espontânea.
Os primeiros frutos dessa organização amadureceram: conse
guir que os diretores das escolas públicas da região não obrigassem
mais ao pagamento da taxa da APM. Esta questão tinha levado a
população a descobrir os outros problemas que as escolas enfrenta
vam e assim o Movimento continuou com as suas reivindicações.

B) O MOVIMENTO CRESCE: O PROBLEMA DO


CURSO NOTURNO
Sentindo que a luta pela melhoria das condições de ensino
nas escolas da região necessitava que a população se armasse de
bons argumentos, os integrantes do Movimento organizaram uma
pesquisa; tentativa de conhecer melhor a situação escolar da região
para, quando reivindicassem melhorias, apresentarem um quadro
fiel da realidade.

qual Após váriasentrevistar


tentariam reuniões, pelo
prepararam um questionário
menos 500 através
moradores para do
conhe
cer de perto quais seriam, agora, as exigências mais importantes.
Com essa pesquisa percebeu-se a necessidade que vários jovens
sentiam de cursar o 2.° grau, que não cursavam devido à necessi
dade de trabalhar, o que implicaria a obrigatoriedade de estudar à
noite. Na região as escolas só funcionavam durante o dia.
Realizaram uma segunda pesquisa que agora consistiria na visita
às escolas para conversar com os diretores sobre o motivo do não-
funcionamento das escolas no período noturno. Estes, por sua vez,
alegaram falta de segurança e de infra-estrutura. Mas os moradores
que realizaram a visita às escolas percebiam claramente que, além
desses problemas, os diretores não queriam mesmo era ter mais tra
balho e responsabilidade.
Os participantes do "Movimento de Educação" entenderam que
teriam de recorrer ao secretário da Educação do Estado de São
Paulo, com os números de jovens sem escola, com o número das
escolas que só tinham o curso de 1.° grau, enfim, com o resultado
da pesquisa,
No período de 1981 a 1984, organizaram-se várias caravanas
com centenas de moradores da Zona Leste que se dirigiam à Se
cretaria de Educação do Estado de São Paulo para exigir a solução
desse problema. Agora, o Movimento de Educação da Zona Leste
da Cidade de São Paulo era amplo e contava com a participação
não só dos Grupos de Mães como também com o apoio dos Grupos
de Jovens e de outros setores da sociedade.
Depois de três anos de manifestações, o Movimento (que enfren-
tou sérios momentos de desânimo e enfraquecimento), conseguiu final
mente em 9 de novembro de 1984 que o secretário da Educação
editasse uma resolução pela qual se determinava que toda escola
pública de 1.° grau do Estado de São Paulo poderia utilizar suas
salas de aula ociosas no período noturno, para a implantação de
cursos de 2° grau. Junto com a resolução estava a proposta de
criação em 13 escolas da Região Leste de cursos noturnos que esta
riam funcionando a partir de 1985. Foi a segunda grande vitória
do Movimento de Educação da Zona Leste da Cidade de São Paulo.
No entanto, a implantação destes cursos não foi assim tão fá
cil: vários diretores de escolas da região ainda se opunham ao
projeto de implantação do curso noturno de 2° grau, pois sabiam
que isto lhes traria maior trabalho e responsabilidade. A partir daí,
esses diretores de escola tentavam impedir a consolidação desses
cursos, não aceitando matrículas de alunos, evitando assim a forma
ção de novas classes.
Os moradores que integravam o Movimento decidiram encami
nhar nova queixa ao secretário da Educação. Com o que os mo
radores de Pedro Nunes conseguiram autorização para que eles
mesmo passassem a organizar as matrículas necessárias para o fun
cionamento dos cursos noturnos. Essa autorização logo chegou para
as outras vilas da região também.
FALTA DE ESCOLAS TORNA O 2º GRAU RESTRITO
À MINORIA
Dos 13,5 milhões de jovens brasileiros na faixa etária dos
15 aos 19 anos, cerca de 6 milhões concluíram os estudos do
1º grau e apenas 1,9 milhão freqüentam escolas secundárias.
A estimativa, elaborada por técnicos do Ministério da Educa
ção, vem confirmar uma situação já conhecida e denunciada
por educadores: sem garantias constitucionais (a Constituição
Federal assegura apenas o ensino de 1º grau público e gra
tuito para a faixa dos sete aos quatorze anos) e com um mí
nimo de recursos financeiros, o 2º grau tem sido relegado a
plano inferior e se restringe a uma minoria. À grande massa
dos adolescentes não resta outra perspectiva a não ser engros
sar as fileiras da mão-de-obra desqualificada para o mercado
de trabalho.
EVASÃO EM MASSA
Soma-se à falta de escolas outro problema: os altos índi
ces de evasão dos alunos dos cursos noturnos, abrangendo 50%
dos matriculados no 2º grau. Obrigados a trabalhar para sus
tento próprio c da família, exaustos da maratona diária e des
motivados pela baixa qualidade do ensino, muitos adolescen
tes desistem dos estudos sem completar o curso secundário.
Essa situação, que até há pouco verificava-se somente na
rede oficial, estende-se hoje às escolas particulares, que sen
tem os reflexos da crise econômica e social. Segundo Chafic
Jábali, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de En
sino do Estado de São Paulo, a evasão nos cursos noturnos
vem aumentando nos últimos três anos, com uma agravante:
os alunos que saem de uma escola não se transferem para ou
tra mais barata ou para a rede estadual: simplesmente abando
nam os estudos.
Há, no entanto, alguns sintomas de mudança. O confor
mismo com que, durante décadas, a população sofreu todo o
tipo de problema começa a ser substituído por uma ação or
ganizada. Em São Paulo, moradores de bairros periféricos da
zona Leste estão desenvolvendo uma intensa mobilização pa
ra obter da Secretaria da Educação do Estado mais escolas
de 2º grau na região. E, entre as metas da Secretaria e do
MEC para 85, figuram alguns projetos especiais para o 2º}
grau.
NUMEROSOS CRÍTICOS
Um levantamento feito em 1982, por pesquisadores da
Fundação Carlos Chagas, revelou um quadro bastante nega
tivo no município de São Paulo. De uma população de 732.039
jovens 29 grau.
dos no (dos 15 aosEsta
19 defasagem
anos), apenas
se tornava
35 % estavam
mais acentuada
matricula
nos bairros periféricos, atingindo o máximo na zona sul (Ca-.
pela do Socorro e Parelhciros), onde apenas 0,5% dos ado
lescentes cursava o secundário.
Novas escolas foram criadas, mas não acompanharam o
crescimento demográfico da cidade e não atendem à deman
da. Analisando-se os dados de 1984 da Secretaria da Educa
ção, é possível verificar o desequilíbrio da distribuição das es
colas do 2º grau na Grande São Paulo:
DRECAP (Divisão Regional de Ensino da Capital); as ou
tras quatro DREs abrangem os demais municípios da Grande
São Paulo.
EEPSG (Escola Estadual de lº e 2º Graus).
EESG Escola Estadual de 2º Gr au ).
DRECAP EEPSG EESG
—1 47 7
—2 56 17
—3 77 18
DRE/Norte 30 —1
DRE/Leste 20
DRE/Sul
DRE/Oeste 48
49 2

Tot al: 327 45

Esses números tornara-se mais absurdos quando se cons


tata que, enquanto alguns bairros, como o Tucuruví, contam
com 13 escolas de 2º grau, outros como Ermelino Matarazzo
e Itapevi possuem uma única escola secundária. A projeção
ocorre também no interior, onde há um total de 833 escolas
de 2º grau, incluídas no calculo as 32 escolas agrícolas e as 82
escolas técnicas mantidas pela rede estadual.
PROJETOS PARA 1985
Reiterando a intenção de dar prioridade ao atendimento
ao 2º grau em 1985, o secretário da Educação do Estado, Pau
lo Renato Cosia Souza, definiu alguns dos projetos que serão
postos em prática: aumentar as vagas nas regiões mais caren
tes, criar centros de formação para o magistério em todas as
regionais; reorganizar a divisão de ensino técnico, para admi
nistrar as escolas técnicas; dar um apoio especial aos cursos
noturnos c, durante o ano, estudar a reformulação curricular.
Está prevista para o 2º grau cm 1985 uma verba de Cr$
227.530.744.000, que será repassada pelo Tesouro do Es
tado e pelo FUNDESP (Fundo de Desenvolvimento da Educa
ção em São Paulo).
Paulo Renato considera igualmente' importantes as escolas
secundárias de formação geral e as profissionalizantes: "As
pesquisas que temos feito mostram que grande parte dos jo
vens que ingressam no 2º grau quer entrar na universidade.
Por isso, é fundamental reformular o ensino. Quanto às esco
las técnicas, devem ser fortalecidas, pois apenas dão treina
mento básico para a profissão. Em nosso sistema capitalista,
a formação profissional se dá nas próprias empresas".
Em nível nacional, o MEC também pretende dar maior aten
ção ao 2º grau, ao qual destinará Cr$ 234,2 bilhões (4,7%
do orçamento total da Educação — sem contar os recursos
previstos pela emenda Calmon). Entre as recomendações re
passadas às secretarias estaduais de Educação, o MEC inclui
a oferta alternada de estudos profissionalizantes assegurada
por entidades públicas ou privadas; alternativas curriculares vol
tadas para o estímulo a criatividade e iniciativa dos estudan
tes; criação de modalidades não-convencionais de ensino re
gular aos alunos que trabalham.
A MARATONA DOS QUE TRABALHAM E FREQÜENTAM
AS AULAS À NOITE
Luiz Carlos Quaresma Novais tem dezoito anos e mora
no Jardim Santa Maria (Vila Matilde, zona Leste). Todos
os dias levanta às 5h30min e enfrenta uma viagem de ônibus
de duas horas até o centro da cidade. Às 7h40min começa
a trabalhar numa grande loja da rua 24 de Maio, onde fica
até 18h30min. Corre então até o Parque D. Pedro IL pe
ga o ônibus e vai até a EEPSG Afonso Pena Júnior (estrada
de Itaquera), onde cursa a lª série do 2º grau. Nunca chega
a tempo de assistir à primeira aula, que começa às 19h30min,
Às 23 horas vai a pé para casa, janta, toma banho e cai na
cama, exausto. Estudar? Quando dá, aproveita o intervalo
de duas horas que tem para o almoço.
''Faço todo esse esforço porque acho importante termi
nar o 2º grau — diz ele. Só com o curso secundário comple
to há chances de um emprego melhor e, enquanto eu puder
dar conta do trabalho e dos estudos, vou em frente. Adoro
matemática, c pretendo fazer um curso superior de economia
ou administração."
A maratona de José Roberto Arruda, 22 anos, é seme
lhante: mora em São Miguel Paulista (periferia da zona Les
te), trabalha numa grande loja do centro, das 9 às 18 horas,
pega ônibus c metrô, dá uma passadinha em casa e engole um
lanche, corre para a Escola Cruzeiro do Sul (particular, men
salidade de Cr$ 35.000,00), onde freqüenta a 2ª série do suple
tivo regular de 2º grau, com aulas das 19h45min às 23 horas.
"É difícil, mas pretendo continuar a luta — afirma. Não pen
so cm seguir a universidade, mas o 2º grau me dará chances
de uma carreira melhor, num bom banco, por exemplo. Com
o lº grau, a gente acaba ficando no comércio, onde não há
oportunidade de progresso."
Com apenas 16 anos, moradora cm Ermelino Matarazzo
(também na periferia da zona Leste), Sônia Penha Simões Cou
to é uma das coordenadoras do movimento por mais escolas
de 2º grau na região e sente na pele o problema: "Estou ter
minando a 8ª série e, se não abrirem novas escolas, não terei
chances de fazer o 2º grau. A única escola secundária do
bairro é tão concorrida que os candidatos "são obrigados a pres
tar vestibulinho (exame de seleção) e a maioria não conse
gue vaga".
Sônia trabalha o dia inteiro com as crianças da favela do
Jardim Verônica, no Programa OSEM (Orientação Sócio-Eco
nômica do Menor), e estuda à noite. Não alimenta esperan
ças de fazer um curso superior, observando: "Universidade
é só para uma minoria. . . Eu gostaria de fazer o 2º grau —
especialmente o curso de Magistério (antigo Normal), não tan
to pelo mercado de trabalho, mas para estudar mais. A gen
te só pode pensar em mudança entendendo melhor as coisas
e o país".
Orientados pela Pastoral das Comunidades e Grupo de
Mulheres de Ermelino Matarazo, moradores da periferia da
zona Leste apresentaram na semana passada à Secretaria da
Educação do Estado um projeto minucioso, que possibilitará
a implantação de cursos de 2º grau na região, apenas utilizan
do classes e períodos ociosos nas escolas da rede oficial. Ney-
de Maria de Freitas, uma das mães que coordena o movimen
to, resumiu a opinião geral: "O Estado é que deveria estar
nos bairros, discutindo os problemas, e não a população tendo
de se organizar, fazer os planos, faltar ao trabalho e trazê-los
à Secretaria. Nossa geração é ignorante, não teve estudos, mas
queremos um futuro melhor para nossos filhos. Vamos lutar
para que eles possam estudar".
C) OS NOVOS RUMOS DA EDUCAÇÃO NA REGlÃO
LESTE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Uma outra realização dessa experiência de organização escolar
foi cursos
de conseguir tambémdeque
supletivos 1.° agrau
região contasse
e que com aa funcionar
passaram implementação
regular
mente a partir de agosto de 1985, atingindo adultos que haviam
um dia sido excluídos da escola e que agora teriam uma nova chance
de voltar a estudar.
Em seguida, o "Movimento de Educação" iniciou uma cam
panha para distribuição gratuita de material escolar e, em 1987,
iniciou a discussão em torno da possibilidade da criação de uma
universidade popular para a classe trabalhadora.
Com essas lições, podemos aprender que a construção de uma
escola pública democrática não se dá apenas como pensava Karl
Mannheim (capítulo 3) através da ação de cientistas, parlamentares
ou do Estado e sim através da força dos movimentos populares
que, com a sua organização conseguem alterar a política pública,
forçando-a a levar em conta os interesses da população pobre das
periferias deste país.
Devemos levar em consideração também o fato de que todo
esse processo de organização e luta popular pela democratização
da escola foi um processo EDUCATIVO, pois fez com que a popu
lação aprendesse a realizar assembléias, elaborar discursos, organi
zar jornais e a conhecer o funcionamento do Estado e da socie
dadeZona
da de modo
Leste"crítico. Os participantes
da Cidade de São Paulo do aprenderam
"Movimentoe,deagora,
Educação
nos
ensinam alguns os caminhos para a construção de uma nova escola
em nossa sociedade,
(Extraído do livro Sociologia da Educação: Uma Introdução ao Estudo
da Escola no Processo de Transformação Social, de Paulo Meksenas,
Edições Loyola, São Paulo, 1 988.)
A relação Estado-movimentos sociais; a produção de uma nova,política
pública de ensino
Marília Pontes Spósito

Uma história diferente acaba de ser


escrita. Uma história de lutas subterrâ
neas, miúdas, cotidianas, que não
constam nos documentos oficiais e nos
livros. Uma história que apenas come
çou a ser contada e que está sendo, ao
mesmo tempo, construída coletivamen
te, com seus avanços, recuos e impas
ses. Seus
lheres, protagonistas
trabalhadores — jovens,—mu
e crianças te
cem os fios de uma luta invisível que,
ao ser reconstruída, permite desmistifi
car certas idéias que consideram o mo
vimento da História realizando-se so
mente a partir do Estado, dos detento
res do poder, dos portadores das gran
des idéias e da ação de grupos minori
tários.
O percurso das lutas sociais em nos
sa terra precisa ser reconstituído para
evidenciar que certas conquistas es
senciais em termos de direitos têm, em
sua raiz, as demandas das classes tra
balhadoras e as formas de articulação
que as expressam. Este percurso evi
dencia também a violência diária a que
estão submetidos os setores populares,
as forças que tentam impedir a sua or
ganização e o encam inham ento de
suas lutas.
A luta pela educação ê uma dentre as
várias que o povo tem travado para efe
tivar direitos que, embora reconhecidos
na lei , lhe são negados na pr átic a. Mas
essas lutas não visam só a concretiza
ção de direitos já reconhecidos; muitas
vezes, elas ultrapassam os limites per
mitidos pelo Estado e elites dominan
tes, conquistando novas esferas de le
gitimidade que, mais tarde, acabam por
ser reconhecidas oficialmente. A histó
ria recente da educação brasileira reve
la a importância desses seus atores,
protagonistas de lutas locais, que, ul
trapassando os resultados imediatos
de suas conquistas, alcançam direitos
mais amplos, interferem na orientação
das políticas públicas.
A luta pelo acesso à escola não é
uma novidade. Há várias décadas, os
habitantes das periferias das grandes
cidades
guir umatêm se organizado
unidade escolar, umpara conse
prédio no
vo ou a ampliação de salas de aula. Co
tidianamente, estão defendendo seus
Interesses ao exigir vagas nas escolas
públicas, cursos noturnos para aqueles
que trabalham durante o dia, educação
para as crianças fora da idade escolar
considerada como obrigatoriedade do
Estado.
Por que o povo luta pela escola?
Toda a vontade de escolarização en-
cerra um desejo de melhoria das condi
ções de existência, é virtualmente uma
recusa da condição de vida imposta por
uma sociedade desigual. Como diz o
padre ficão, as pessoas que lutam pela
escola tem uma marca muito forte do
sofrimento, sofrem suas péssimas con
dições de vida, o subemprego e os bai
xos salários. A vontade de estudar vem
carregada da ilusão de que o estudo [io
de resolver os pr ob lem as da vida Mas,
diz ele, "o falo deles relacionarem sua
exclusão das oportunidades Educacio-
nais ao lugar que ocupam na sociedade
não deixa de revelar uma sabedoria".
Assim, quando o povo luta pula possibi
lidade de ir à escola, ele luta também
contra as injustiças que estão na base
dessa sociedade.
Mais do que isso, o povo quando lula
pela escola afirma seu direito de so
nhar, de ler seus planos, ainda que car
regados de ilusões. Mas a ilusão sem
pre acena com a esperança e essa con
duz à ação. A esperança não imobiliza,
ela encerra a vontade de mudar, o so
nho de ver o mundo diferente c, assim,
pode levar á participação e à organiza
ção. Nesse momento, o sonho se trans
forma em projeto, em proposta coletiva.
O Movimento do Educação da Zona
Leste nos ensina essas lições de um
modo claro. Seus integrantes estão em
penhados na luta pelo direito de acesso
à escola de 1º grau, já garantido pela lei
mas, na das
periferia prática, negado
grandes para oe povo
cidades da
para os
que vivem no campo. Para eles, ainda é
preciso lutar por uma vaga na escola.
Contudo, o Movimento lutou por novos
direitos: exigiu que o Estado abrisse as
escolas para os adultos instalando cur
sos supletivos, exigiu a criação de es
colas de educação infantil para atender
às crianças pequenas e cursos notur
nos de 2 .° grau para os jove ns trabalha
dores. Essas são demandas que cami
nham no sentido de ampliar o limite dos
direitos reconhecidos como dever do
Estado. Suas lutas envolvem, também,
um conceito substantivo e novo da gra
tuidade do ensino: exigem material es
colar para que os alunos possam acom
panhar as atividades em sala de aula e
recusam o boicote à educação gratuita
resultante da cobrança de taxas para
manter as escolas em funcionamento.
Não é possível, no bojo da luta social,
separar a luta pelo acesso à escola da
luta pela melhoria do ensino. Os grupos
populares que estão nessa caminhada
mostram, claramente, que o povo quer
escolas de boa qualidade. Para os movi
mentos, no interior de uma reivindica
ção por uma nova escola, já está pre
sente a expectativa de que este ensino
será de melhor qualid ade se rea lm en te
estiver mais aberto a classe trabalhado
ra. A reivindicação pelo acesso, para os
setores mais combativos, gera uma sé
rie de outros desafios que envolvem
esperança de mudança real na postura
de técnicos, assessores e educadores,
desde às escolas até as instâncias
mais centrais. Os educadores realmen
te comprometidos buscaram aprofun
dar sua organização junto ás suas enti
dades de classe e com isso estar ao la-
do das plataformas defendidas pelo
movimento popular.
Aos grupos populares se faz necessá
ria a apropriação de novas formas de lu
ta, de novas estratégias de organiza
ção, de acesso a informações que lhes
permitam enfrentar
sutis que repõem mecanismosão mais
a dominaç obscu re-
cida por uma conjuntura onde se levan
ta a bandeira da democracia de uma for
ma muito vaga e abstrata. Por outro la
do, a esses movimentos compete tam
bém rever práticas que reforçam a dis
tância entre direções e bases e que, em
última instância, reproduzem os mes
mos mecanismos de dominação preva-
lecentes na sociedade.

As mobilizações em torno da demo


cratização das oportunidades de aces
so à escola têm conseguido, na prática,
a realização de direitos reconhecidos,
só formalmente e a ampliação da faixa
de responsabilidades do listado em ma
téria de educação pública. Hoje, a rei-
vindicação pela expansão da pré-escola
e do 2º grau constituem, no processo
social concreto, um alargamento dos
direitos mínimos consagrados pela le
gislação para a grande maioria da popu-
lação. No conjunto das demandas po
pulares, a Implantação dos cursos su
pletivos públicos cria uma nova esfera
de intervenção do Estado que poderá
gerar outras concepções sobre o direito
à escolarização básica, envolvendo
também os trabalhadores adultos pre-
cocemente excluídos do sistema de en
sino regular.
Contudo, fica uma pergunta a nos In
comodar: o que o povo ganha quando
conquista a escola? O direito de ser ex
cluído logo depois? As experiências
acumuladas indicam que existe um ca
minho difícil a ser percorrido depois da
conquista de uma vaga na escola.
A prática de alguns grupos popula
res, como a do Movimento de Educação
da Zona Leste, mostra que esses movi
mentos estão criando também condi
ções para exercer o controle e a fiscali
zação do bem público, exigindo, na práti
ca, que a escola seja de todos e não ter
ritório onde poucos decidem sobre o
destino de muitos. Esta nova concep
ção de exercício de uma cidadania, ges-
tada nas lutas populares, encontra re
sistência em vários níveis do Estado e
em setores dominantes da sociedade.
Criar um poder popular, nascido da luta
social em todos os seus níveis, tem si
do una das tarefas mais árduas para os
movimentos que estão empenhados na
transformação da sociedade.
Mas os movimentos populares por
educação terão apenas um papel reivin-
dicatlvo? Sua função principal será a de
estabelecer formas de pressão frente
ao poder público para conquistar al
guns benefícios na área da educação?
Eles terão apenas atribuições fiscaliza-
doras quanto ao uso de verbas públicas
tendo em vista a manutenção e amplia
ção da rede de ensino? Seria possível o
desdobramento da organização popular
na direção da proposta de um novo mo
delo de escolarização, popular e demo
crático, que responda melhor aos Inte
resses dos trabalhadores, do povo?
As respostas a essas questões não
são simples. Entretanto, a experiência
desses movimentos revela, em toda sua
trajetória, que há um saber que se recria
e se transforma no desenvolvimento e
no amadurecimento das lutas por edu
cação. A luta social educa. O modo co
mo são conduzidas todas as etapas,
seus erros e acertos geram uma nova
pedagogia que impõe aos movimentos,
de forma cada vez mais profunda, a ne
cessidade do confronto dessa prática
com a educação que se recebe na esco
la. A possibilidade de discutir a sua
condição de classe, a experiência de
participação democrática, a luta coti
diana contra relações humanas desi
guais, a descoberta do outro como com
panheiro
seu mododedecaminhada, o respeitocom
ser e a experiência ao
partilhada ensinam muito. Ensinam a
descobrir um modo diverso de conceber
o existir, o educar e o saber. Estes são
os germes de uma nova concepção edu
cativa que nega, em profundidade, a
prática dominante nas escolas, que dis
crimina os trabalhadores, os pobres e
os marginalizados. A luta pela educa
ção também ensina a criticar a escola
conduzindo à negação dela na forma
em que existe hoje. Quando mais pro
funda a reflexão, quanto maiores as
possibilidades de discutir a própria vi
da, quanto maior a densidade da orga-
nização popular e seu amadurecimento,
mais diferenciada será a luta por esco
las. Torna-se cada vez mais claro que
não é essa a escola que se deseja e In
corpora-se o desejo da transformação.
Assim, da vontade de ir á escola, nasce
o projeto de Ir até ela para negá-la e,
com essa negação, criar um novo modo
de se fazer educação. Nessa trajetória,
os movimentos populares que lutam pe
la transformação da escola descobrem
que ela só será possfvel junto com a
transformação de toda a sociedade.

(Extraído da revista Cadernos doCedi, nº 1 5, São Paulo, 1 986)

143.
CAPÍTULO 7

FAMÍLIA E ESCOLA (4ª UNIDADE)


Selecionamos dois núcleos centrais para o desenvolvimento desta
Unidade: a família e a escola. Através deles procuraremos desen
volver uma melhor compreensão dos alunos sobre a articulação en
tre a sociedade civil (e suas instituições) e o Estado (e suas
instituições).
A instituição família (Tópico 1)
A) Modelos familiares da sociedade industrial em confron-
to com modelos familiares de outras sociedades
B) Modelo familiar ideologicamente dominante na socieda
de urbano- industrial
A instituição escola (Tópico 2)
A) Organização e formas de poder presentes na escola
B) Relação da escola com o Estado e com os movimentos so
ciais

Aspectos teóricos

A reflexão 3obre a dinâmica das instituições sociais não


se prende a buscar uma única e generalizante definição do que
são instituições sociais. Ao contráriof a partir do estudo parti
cular de algumas das instituições presentes em nossa sociedade ,
procura-se construir o conceito de instituição social ao longo
do trabalho proposto para esta Unidade.
Quando enfatizamos o estudo particular de algumas insti
tuições, optamos pela reflexão sobre a família e a escola. Esta
opção deveu-se ao limito de tempo que a grade curricular nos im
põe e também ao fato de essas duas instituições fazerem parte do
um cotidiano geralmente muito vivido e pouco refletido sistemati-
camente. Por outro lado, en vários momentos do desenvolvimento
desse curso, o professor poderá fazer referência a outras insti
tuições sociais, como a Igreja, os Partidos Políticos ou as For
ças Armadas; quando lidar, por exemplo, com as questões propos
tas na terceira unidade (teoria do Estado e movimentos soc ia is ).
Para o es tudo da instituição família, propomos que a aná-

145.
lise parta de um estudo preliminar da organização familiar na
história. Isto para que o aluno perceba que civilizações difere-
tes produzem instituições familiares diferentes e que essas di
ferenças são dadas pelos diversos modos possíveis de humanizar a
natureza. Com esse objetivo propusemos o estudo da família numa
sociedade tribal. Pode-se nesse caso, fazer uma referência à or
ganização das nações indígenas ainda existentes no Brasil contem-
porâneo.
Passamos então à discussão da organização da família na
sociedade capitalista, para que se perceba que nessa sociedade
encontramos diferentes modelos familiares, mesmo que ao nível da
ideologia predomine a noção de família burguesa. Nesse momento é
interessante fazer uma rápida referência aos aspectos a produ
ção e reprodução da concepção de modelo familiar dos . In-
teressante e também possível e a breve reflexão sobre a ação
das mulheres como forma de resistência às condições de dominação
a que estão submetidas. E ainda, se o professor preferir, uma
breve discussão em torno da dominação sobre a criança ou jovem.
Quanto à instituição escola, não propomos um estudo apro-
fundado, uma vez que ela será objeto de estudo de uma disciplina
específica: a Sociologia da Educação. Cabe aqui iniciar as dis
cussões em torno da dinâmica dessa instituição, para que o aluno
perceba que ela aparece revestida de formas diferentes em civili-
zações diferentes. Em seguida, propõe-se a reflexão sobre a erga
nização escolar na sociedade industrial. Para essa reflexão pode
-se partir da caracterização dos agentes presentes na escola (a-
lunos, professores, funcionários) e do modo como atuara fronte à
hierarquia, disciplina e regras dessa instituição.Isto, por sua
vez, possibilitará uma análise introdutória das formas de poder
presentes na escola.
Por fim, consideramos necessário discutir a escola em
nossa sociedade industrial não só como instituição reprodutora
de ideologia, mas como espaço institucional aberto também aos in-

146.
teresses das classes populares —desde que estas se organizem na
defesa dos seus direitos. É possível, nesse caso, uma referência
direta às preocupações levantadas na Unidade 3 desta proposta
de curso.

Métodos de ensino

Para trabalhar o primeiro tópico, "A instituição família",


sugerimos que se dediquem seis aulas.
0 início deste trabalho pode ser feito por uma atividade
de problematização do conteúdo. Por exemplo, com a leitura e aná-
lise de um texto que retrate a organização e dinâmica da vida fa-
miliar em uma sociedade substancialmente diferente da nossa: as
nações indígenas. Assim os alunos se defrontarão com uma série
de informações que demonstram a multiplicidade de possibilidades
de organização familiar, o que lhes permitirá uma reflexão sobre
a família em nossa sociedade em comparação com a família tribal.
Se o professor encontrar dificuldades para localizar um texto
com essas características, poderá utilizar um dos fragmentos que
oferecemos adiante, em "Textos de apoio". Após a leitura pelos a-
lunos, o professor poderá iniciar um pequeno debate, encerrando
a primeira aula.
A segunda aula será dedicada à realização de uma exposi
ção, em que o professor discutirá o conceito de família, ressal
tando a diversidade de formas de organização que essa institui
ção assume de fato em nossa sociedade urbano-industrial. Ao fi
nal pode-se pedir aos aluno3 que tragam na aula seguinte livros
de Estudos Sociais utilizados nas 3ª e 4ª séries do 1º grau,
ou então textos de Educação "oral e cívica.
Propomos que na terceira aula o professor distribua os
livros didáticos entre os grupos de alunos, assegurando que cada
um deles observe fatos, desenhos e textos dessas publicações, a-
tentando especialmente para as definições de família. Em seguida,
os alunos deverão confrontar as informações dos livros com as

147.
obtidas nus aulas anteriores de Sociologia. A partir desce con
fronto propõe-se um debate em classe, a partir das seguintes
questões: " Qual é a realidade familiar apr sentada nos livros a
nalisados? Com quais atribuições aparece a mulher? Com quais a-

tribuições aparece a criança? Qual a relação existente entre o


nosso cotidiano familiar com o modelo que aparece nos livros?...

Uma exposição do professor para a discussão da dimensão


conflitiva das relações familiares dará continuidade ao traba
lho, na quarta aula. A introdução a essa exposição pode partir
da recordação das conclusões do debate da aula anterior. Isso
feito, propomos que a quinta e sexta aula fiquem para leitura de
textos e a realização de exercícios ,respectivamente.
0 desenvolvimento do segundo tópico, "A instituição, esco
la", foi planejado em seis aulas.
Propomos que a problematização do conteúdo parta da vi
vencia escolar dos alunos. Para tanto, o professor deverá organi-
zar os alunos em grupos, pedindo-lhes que façam uma redação con
junta sobre tudo o que aprendem na escola: as disciplinas, os as-
suntos abordados por professores e alunos, os valores sociais aí
cultivados, a forma como as aulas são dadas, a forma como o tra-
balho de professores, alunos e funcionários está organizado etc .
Na segunda aula já haverá condições para o início do de
bate, a partir da leitura das conclusões obtidas com as redações
elaboradas na aula anterior. Em meio a essa atividade, o profes
sor poderá discutir alguns aspectos da relação entre os agentes
que atuam na escola, as classes sociais e o Estado.
Propomos que a terceira aula se inicie com algumas inda
gações do professor à classe: "Os alunos já criaram ou organiza
ram alguma atividade cultural na escola em que estudam? 0 que se
ria e qual a função exerceria um centro cívico ou grêmio livre?

A seguir, aproveitando as discussões e reflexões dos alu-


nos o professor Poderá fazer uma exposição sobro alguns aspec
tos do movimento estudantil no Brasil. A quarta e quinta aulas
serão reservadas para leitura, e a sexta, para desenvolvimento
de exercícios a serem propostos pelo professor.

Textos de apoio

Cs três fragmentos de textos, a seguir, propõem-se a co:


tribuir para o desenvolvimento dos conteúdos desta Unidade.
O casamento na sociedade indígena
Alcida Rita Ramos

O estabelecimento de regras de casamento dentro do.


sistema de parentesco pode dar a impressão de que as
opções
sioneirasindividuais
de regrassão mínimas
sociais ou inexistentes
rígidas, as pessoas esão
que,compe
pri
lidas a se casar até com quem não querem. Na realidade,
não é assim. Em primeiro lugar, em sistemas de relações,
onde o código social estabelece que certas categorias de
parentes são os cônjuges preferenciais, uma pessoa não está
limitada a apenas um ou dois desses parentes. Há, na reali
dade, uma categoria bastante ampla de cônjuges poten
ciais. No âmbito da categoria de pessoas casáveis há, pois,
uma boa probabilidade de um homem e uma mulher se
interessarem um pelo outro sexual ou matrimonialmente.
Por outro lado, não é fora do comum dois primos
distantes se casarem, ou um "tio" e uma "sobrinha", ou
até mesmo pessoas terminologicamente relacionadas como
"mãe" e "filho", naturalmente em grau de parentesco ge-
nealógico distante. O grau de desaprovação dessas uniões
depende da extensão do tabu do incesto e das sanções
aplicadas à sua quebra.
Embora se ouça, às vezes, os planos de uma mãe ou
de um pai sobre os futuros consortes de seus filhos pe
quenos dentre os parentes casáveis destes, e embora as
crianças possam, eventualmente, vir a se casar como foi
previsto, isso não significa, necessariamente, imposição da
vontade dos pais sobre a vontade dos filhos; revela, isso
sim, a expectativa de casamentos ideais, dentro das normas
preferidas. E sendo os casamentos em geral facilmente
desfeitos, novas uniões poderão ou não seguir a norma do
casamento ideal.
Na nossa sociedade há uma regra que diz taxativa
mente com quem não se pode casar (os parentes vedados
pelo tabu do incesto), e não há nenhuma que diga com
que categoria de pessoa se pode casar; essa aparente es
colha ilimitada de cônjuges é, de fato, exatamente isso:
apenas aparente. Uma série de fatores contribui para di
minuir consideravelmente as opções matrimoniais: etnia,
educação, classe social, religião, poder aquisitivo etc. Em
bora não havendo regras explícitas, há, sem dúvida, nor
mas implícitas que regulam o casamento entre nós. Já nas
sociedades indígenas (muitas delas) existem regras explí
citas tanto proibindo o casamento com certas pessoas como
estabelecendo a categoria de cônjuges preferenciais. No
entanto essas regras não representam uma camisa-de-força;
há, na realidade, uma considerável margem de escolha
individual. As pessoas não são simples escravos do seu
sistema social. O que tudo isso significa é que a estrutura
de um dado sistema social não depende da total e exata
observação de regras; possibilitando variações maiores ou
menores, a estrutura representa como que um guia orien
tador, permitindo que a vida social seja fluida, flexível e
adaptável a novas situações.
Casando-se ou não com a "mulher certa", um indi
víduo terá que optar por onde morar com ela. Em muitos
casos, a prática tradicional auxilia na escolha; cm outros,
fatores específicos circunstanciais influem na decisão. De
modo geral, nas sociedades indígenas cuja norma de resi
dência não foi drasticamente modificada pela influencia
do contato com os brancos, é muito raro encontrar famí
lias nucleares vivendo em casas separadas, como ocorre
comumente entre nós. Ao contrário, a família nuclear
tende a se diluir numa rede de parentes mais abrangente.
As modalidades mais conhecidas de residência após
oo casamento
marido trazsão a patrilocal
a esposa e a matrilocal.
para morar na casa deNa seus
primeira,
pais;
na segunda, o marido muda-se para a casa dos sogros.
No regime matrilocal 6 comum exigir-se do marido
que trabalhe para os sogros, caçando, pescando, cuidando
da roça, durante um certo período de tempo; é o chamado
serviço da noiva. Esse período varia de sociedade para
sociedade e até de família para família. Associado, muitas
vezes, a esse arranjo residencial está o costume daevita-
ção; genro e sogra e/ou sogro não se olham, não se falam,
muito menos se tocam, numa demonstração de respeito,
deferência, humildade, embaraço, tensão, ou qualquer outro
sentimento ou conjunto de sentimentos que existe entre
essas pessoas em cada sociedade específica. Essa evitação
pode durar a vida inteira ou pode ir se atenuando con
forme o casal novo vai tendo filhos e amadurecendo, pas
sando, em tempo hábil, a ocupar o lugar dos velhos
sogros.
O casamento pode realizar-se entre membros de uma
mesma aldeia, que é a alternativa preferida (endogamia de
aldeia), ou entre pessoas de aldeias diferentes {exogamia
de aldeia). Ele
belecimento de pode ser entre
alianças o fator mais importante
comunidades no resul
diversas, esta
tando na formação de uma rede de aldeias aliadas que se
unem em caso de conflito com outras, ou pode ser apenas
uma ligação entre famílias, sem maiores repercussões polí-
tico-militares. De qualquer maneira, tanto nas sociedades
indígenas como na nossa, o matrimônio envolve direitos
e obrigações que transcendem os interesses imediatos dos
cônjuges — trocas de serviços ou bens, obrigações rituais,
promessas de outros casamentos futuros — e que mantêm
duas ou mais famílias em constante interação.
A prática da poliginia — o casamento simultâneo
de um homem com mais de uma mulher — é comum,
porém é bem menos freqüente do que a monogamia. O
que ocorre em muitas sociedades indígenas são casamen
tos em série, tanto do ponto de vista dos homens como
do das mulheres. Na sociedade Sanumá, por exemplo, rara
mente uma genealogia apresenta casos de membros que
se casaram apenas uma vez. O divórcio é comum, como
também o são os casamentos subseqüentes. Nos casos de
separação, os filhos tendem a ficar com. a mãe, princi
palmente se ainda são muito pequenos.

(Extraído do livro Sociedades Indígenas. de Alcida Rita Ramos,


Editora Ática, São Paulo, 1986)
151.
A instituição família
Danta Prado

O quo é família?
A história da humanidade, assim como os estu
dos antrop ológico s sobre os povos e culturas distan
tes de nós (no espaço e no tempo), esclarece-nos
sobre o que é a família, como existiu e existe.
Mostra-nos como foram e são hoje ainda variadas
as formas sob as quais as famílias evoluem, se
modificam, assim como são diversas as concepções
do significado social dos laços estabelecidos entre
os Indivíduos de uma sociedade dada.
Ninguém tem por hábito perguntar; "Você sabe
o que é uma família?" A palavra FAMÍLIA, no
sentido popular e nos dicionários, significa pessoas
aparentadas que vivem em geral na mesma casa,
particularmente o pai, a mãe e os filhos. Ou ainda,
pessoas de mesmo sangue, ascendência, linhagem,
estirpe ou admitidos por adoção.
Paradoxalmente, todos sabem o que é uma
família já que todos nós somos parte integrante de
alguma família. £ uma entidade por assim dizer
óbvia para tod os. No ent ant o, para qualquer pe ssoa
é difícil definir esta palavra e mais exatamente o
conceito que a engloba, que vai além das definições
livrescas.
A maioria das pessoas, por isso, quando aborda
questões familiares, refere-se espontaneamente a
uma realidade bem próxima, partindo do conhe
cimento da própria família, realidade que crêem
semelhante para todos, e daí acabarem genera
lizando ao falar das famílias em abstrato.
Os tipos de família variam muito, como veremos
no decorrer destas reflexões, embora a forma mais
conhecida e valorizada de nossos dias seja a
família composta de pai, mãe e filhos, chamada
família "nuclear", "normal" etc.
Este é o nosso modelo, que desde criança vemos
nos livros escolares, nos filmes, na televisão,
mesmo que em nossa própria casa vivamos um
esquema diverso.
As famílias, apesar de todos os seus momentos
de crise e evolução, manifestam até hoje uma
grande capacidade de sobrevivência e também,
por que não dizê-lo, de adaptação, uma vez que ela
subsiste sob múltiplas formas.
Jamais encontramos através da História uma
sociedade que tenha vivido à margem de alguma
noção de família. Isto é, de alguma forma de
relação institucional entre pessoas de mesmo
sangue.
Nem mesmo nas sociedades que tentaram novas
experiências, como a China com o questionamento
da família tradicional, ou Israel com os kibutzim,
onde as mulheres saem,para trabalhar e as crianças
vivem em comunidades. Nem nessas sociedades
desapareceu a noção básica de família. Se genera
lizando desta for ma tom a se d if íc il def inir o
que entendemos por FAMÍLIA, não é difícil
- indicar o que seria a NÂ O F AM Í L I A .
Entre o indivíduo e o conjunto da sociedade
existem os vários grupos profissionais, de identi
dade, ideológicos, religiosos, raciais, educacionais
etc. Estes não englobam, no entanto, os indivíduos
enquanto indivíduos, em toda a sua história de
vida pessoal. Não incluem necessariamente, como
na família, os recém-nascidos a os anciãos, o
deficiente e o "normal". São grupos delimitados
e temporários, no tempo e no espaço, com
objetivos definidos.
A natureza das relações dentro de uma família
vai se modificando, através do tempo. O aspecto
mais problemático da evolução da família está
sem dúvida alguma ligado ao questionamento
da posição das crianças como "propriedade" dos
pais e à posição econômica das mulheres dentro
da família. Inclui-se aí o questionamento da
distribuição dos papéis ditos especificamente
masculinos, ou femininos, e esse é um problema-
chave para o surgimento de uma nova estrutura
social.
De fato, não se poderá mudar a instituição
familiar sem que toda a sociedade mude também.
Podemos afirmar ainda que qualquer modificação
na organização familiar implicará também uma
modificação dos rígidos papéis de esposa, mãe
ou prostituta, os únicos atribuídos às mulheres.
Quanto ás crianças, há algum tempo já o Estado
intervém entre os pais e filhos, sendo que na
Suécia desde há pouco os pais são passíveis de
denúncia pelos vizinhos, caso punam fisicamente
seus filhos.
Através da escola, do controle sobre os meios
de comunicação, de médicos e psicólogos, o
poder dominante de cada sociedade mais ou
menos sutilmente impõe normas educacionais,
sendo difícil aos familiares contrariá-las. De uma
maneira geral, no entanto, cabe ainda aos pais
grande parcela de poder de decisão sobre seus
tada. Amenores.
filhos esse poder
Parcela
eqüivalem,
essa cada
por parte
vez mais
dos filhos,
contes
direitos legais em relação a seus pais, em particular
no sistema capitalista. Direitos á assistência,
educação, manutenção e participação em seus
bens e proventos.
Ao inverso do que comumente pensamos,
segundo o tipo de sociedade e a época vivida ou
estudada, varia a composição dessa unidade social,
a família, assim como seu modelo ideal.
Cada família varia também a sua composição
durante sua trajetória vital e diversos tipos de
família podem coexistir numa mesma época e
local. Por exemplo: casais que viveram numa
família extensa, com mais de duas gerações dentro
de casa, tornam-se nucleares pela morte dos mem
bros mais velhos e, quando os filhos saem de casa,
voltam a viver como uma família conjugal (somente
um casal). Paralelamente, podem existir famílias
naturais em virtude de fatores diversos, istoi, mu
lheres que não quiseram ou não puderam viver com
caso,homem
um a história
do qual
individual
tiverampode
um levar
filho. Ainda
essa mulher
nesse
a casar-se num outro momento e compor uma
família nuclear.
Uma mãe com filhos sem designação de um
pai não constitui uma FAMÍLIA, mas sim uma
FAMÍLIA NATURAL, ou INCOMPLETA, na
c!assificação de sociólogos e demógrafos.
Há ainda os fatores culturais que determinam o
predomínio do um tipo de família nuclear, como
é o caso hoje em dia, por ser esse o modelo veicu
lado por determinada cultura, coexistindo com
várias famílias que por fatores sócio-econômicos
apresentam grande variedade em sua estrutura.
Assim, nos Estados Unidos encontramos os mem
bros da seita Mórmon que admitem a poligamia, o
que é inadmissível para os outros grupos religiosos
do país. Há famílias muçulmanas que desejam
emigrar com destino a países onde a poligamia
período da infância e da adolescência.
Talvez porque os laços de sangue (ou de adoção
equivalente)
ninguém podecriem umfeliz
se sentir sentimento de comple
se lhe faltar dever,
tamente a referência familiar.
Além dos laços de sangue, há os compromissos
assumidos, como aqueles existentes entre marido
e mulher. E também, porque não abordarmos isso
aqui, entre uma criança e um pai "provável".
Sabemos que só a mãe pode confirmar a pater
nidade exata de seu filho. Por parte do homem,
limita-se a um "ato de fé" naquela mulher, ou
em normas legais que lhe atribuem qualquer
criança nascida na vigência de um casamento.

Famílias alternativas
Hoje em dia, há diversas experiências substitu
tivas da família. Entre outras, as COMUNIDADES,
que correspondem a tentativas para resolver os
problemas enfrentados pela redução das famílias
contemporâneas, por sua mobilidade, por suas
dificuldades em geral em se relacionarem com
outras de modo estável.
Vale a pena refletirmos sobre essas experiências.
Tratam-se de, podemos dizer, fenômenos sociais
cuja extrema variedade impede que sejam assimi
lados às outras formas de família. Pode-se dizer
que uma comunidade nasce da união de alguns
indivíduos adultos decididos a viver num grupo
social auto-suficiente.
Entre as inúmeras razões que levam a essa
escolha, existe a tentativa de reencontrar um tipo
de relações existente ou idealizado através da
família extensa, educando coletivamente as
crianças e integrando os deficientes de qualquer
idade. Ou seja, a recusa do isolamento em que vive
a família nuclear.
Há também uma srcem mística ou religiosa,
nessas comunidades, em particular naquelas que so
formaram em tempos remotos.
No mundo contemporâneo, notam-se certas
motivações de caráter político ou ideológico, que
se impõem como uma tentativa revolucionária de
recusa aos sistemas sócio-econômicos e morais
em vigência, assim como às formas de produção
e ao consumo,
No século passado, no Brasil, tivemos uma
comunidade anarquista, chamada Colônia Cecília,
romanceada por Afonso Schmidt, composta de
imigrantes italianos.
Mais recentemente, temos os casos das comuni
dades "hippies", sobre as quais os meios de
comunicação divulgaram somente aspectos pejora
tivos. As comunidades viriam muito em sua
composição e regras de vida. Em algumas,
mantém-se a monogamia como forma de ligação
entre os casais/membros. Em outras, há experiên
cias de amor livre ou de "monogamias sucessivas"
entre todos os elementos do grupo, inclusive entre
pessoas do mesmo sexo.
As formas de relacionamento sexual diverso
da fidelidade tradicional constituem uma aventura
difícil, pois as relações afetivas entre os indivíduos
se intensificam, e, em nossa cultura, fomos
condicionados a um agudo senso de propriedade
em relação a nossos parceiros sexuais.

Além disso,sãoos obrigados


comunidades membros a deviver
algumas dessas
clandestina
mente na maioria dos países (disfarçando o fato
de não viverem como casais estabelecidos), pois
são passíveis de vários delitos segundo o Direito
vigente. A repressão se torna particularmente
grave com a presença de crianças, que por motivos
ideológicos não freqüentam o sistema escolar
institucional, e quando as infrações aos costumes
locais forem muito drásticas. Assim, nos casos de
vínculos homossexuais, da prática de amor livre
por parte de menores etc.
Em termos econômicos, ora cada indivíduo
tem suas próprias fontes de subsistência ora dedi
cam-se coletivamente a atividades cooperativas,
como agricultura, artesanato e outros.
Todas essas formas já existiram em outras
sociedades. Entre os gregos, por exemplo, a mono
gamia só era legalmente exigida por parte das
esposas. O marido podia ter uma ou mais con-
cubinas e mesmo manter relações homossexuais.
Hoje ainda, entre os Baruya da Nova Guiné, os
casais são monogâmicoç em relação à reprodução
e a determinados serviços prestados pelas mulheres
aos maridos e vice-versa. Assim, cada marido
entrega à sua esposa, e a ela somente, algumas
partes da caça, enquanto ela cozinha somente para
ele. Mas a moradia de ambos os sexos, mesmo após
o casamento, é separada. As mulheres moram com
filhos (os meninos só até a puberdade), a vida
afetiva e sexual entre indivíduos do mesmo sexo
sendo tolerada. O relacionamento sexual da mulher
com o marido realiza-se cercado de inúmeros
rituais e tabus, o que distancia sua ocorrência.
Nas ilhas Marquesas (Oceania), a esposa presta
serviços sexuais ao marido e aos outros homens
de seu grupo de residência, mas os filhos nascidos
pertencem todos ao marido.
Entre os esquimós persiste a monog&.nia, mas a
esposa presta serviços sexuais aos hóspedes do
marido. E assim por diante.
A família POLIGÂMICA existe ainda hoje, de
forma institucionalizada, em várias culturas.
Um homem, nesse caso, vive maritalmente com
várias mulheres ao mesmo tempo, que lhe prestam
os mais variados serviços, além de dar-lhe filhos.
Esse direito a ter várias esposas nunca foi um
direito de todos os indivíduos numa sociedade
dada. Uma simples razão é que o número de
mulheres nunca foi muito maior do que o de
homens, exceto em casos de guerra ou emigração
maciça. Nas regiões agrícolas africanas, ao sul do
Saara, 1/3 da população masculina teve ou tem
mais de uma mulher. Os restantes 2/3 vivem com
uma só ou, em alguns casos, nem se casam.
Em geral, a poligamia institucional só é acessível
ao homem pertencente ao grupo dominante,
aquele que usufrui de prestígio e/ou poder econô
mico. A primeira esposa quase sempre tem uma
posição hierárquica superior à segunda, e, de modo
geral, cada esposa e os respectivos filhos moram
numa unidade residencial separada.
O trabalho dessas mulheres no campo, que não
é remunerado pelo marido, permite a este explorar
inúmeros lotes de terra, assim enriquecendo.
Com o avanço da industrialização em todas as
regiões, é hoje comum encontrar um casal, numa
grande cidade africana, que aparenta viver o
modelo ocidental de família nuclear; em realidade
eles mantém-se às custas de suas várias outras
esposas que ficaram no campo. E isto passa-se sob
o abrigo da legislação local.
Além das experiências de vida em comunidades,
existem ainda outras formas de famílias que são
chamadas, mesmo pelos estudiosos, de "srcinais"
porque não cabem nos conceitos clássicos de
família. Essas tentativas têm surgido e se desen
volvido nas sociedades mais adiantadas do mundo
moderno, e portanto mais tolerantes, que se
enriquecem com essas novas formas. São indicati
vas de experiências ou de abordagens científicas
do comportamento humano e influem diretamente
na evolução e na transformação dos costumes.
Seria difícil tentarmos aqui distinguir as principais
características que as diferenciam das formas
tradicionais. Destacaremos algumas:
a) A família criada em torno a um casamento
dito "de participação"
os papéis - trata-se
sexuais tradicionais. aí de ultrapassar
O marido e a mulher
participando das mesmas tarefas caseiras e
externas, e permitindo às mulheres os mesmos
direitos e oportunidades que aos maridos. Esta
é uma das reivindicações dos movimentos femi
nistas mundiais. No entanto, realizá-la na prática
é ainda muito difícil, pois por um lado a partici
pação do marido nos trabalhos domésticos conti
nua sendo apenas uma ajuda insuficiente, e por
outro a mulher não encontra com facilidade uma
atividade profissional economicamente rentável.
Seja que ela ganhe em regime de meio período
de trabalho, já que o critério geral é que "a mulher
deve estar em casa cuidando da vida doméstica",
seja que só encontre emprego em áreas ditas
"femininas", mal remuneradas. Os postos mais
interessantes são dados por definição aos homens,
pois na filosofia da nossa sociedade é ele o
provedor, do lar.
Seria,deemtoda
revisão realidade, necessário
a organização ume projeto
social de
do sistema
patriarcal vigente, para que se generalizasse com
sucesso essa "participação" integral de marido
e mulher.
. b) O casamento dit o "ex per ime nta l" - que
consiste na coabitação durante algum tempo, só
legalizando essa situação após o nascimento do
primeiro filho. Esse tipo de, relacionamento, que
não constitui em sua primeira fase uma "família",
redundará para o casal e seus filhos mais tarde
numa família nuclear.
Encontram-se muitos exemplos desses hábitos
no passado. De certa forma, pode-se justificar
esse costume para evitar o desperdício de uma
cerimônia nupcial, ou um caso de infertilidade
no casal.
O casamento diante do "fato concreto" da
gravidez é também utilizado pelos jovens quando
não têm ainda condições econômicas para sustentar
uma família.
Nos Estados Unidos e na Europa tal fórmula, da
coabitação durante longo período na fase estudan
til, por exemplo, ou até que decidam ter filhos,
tem-se generalizado cada vez mais. Os dados
estatísticos mostram que, em 1963, 40% das
mulheres finlandesas estavam grávidas antes de
seu casamento, 90% das norueguesas. Isso em
relação às menores de idade. A mesma tendência
se encontra entre mulheres jovens da Alemanha
Ocidental e da Suécia.'
Esses dados e afirmações podem parecer con
traditórios, pois que justamente nesses países
existe, de poucos anos para cá, o direito ao aborto,
Mas sabemos, por outro lado, que não basta uma
lei para modificar comportamentos arraigados
há séculos, e assim ultrapassar tabus e precon
ceitos.
c) Outra forma de família seria àquela baseada
na "união livre". Em alguns aspectos, é semelhante
á escolha anterior, mas caracteriza-se pela intenção
de recusar a formalização religiosa e a legalização
civil, mesmo com a presença de filhos. A união
livre pode ser um casamento monogâmico cuja
interpretação da continuidade diverge da forma
tradicional: antes, a união por definição tinha
como objetivo ligar duas pessoas "para toda a
vida". Só seria questionada em caso de desavenças
ou conflitos graves, quando haveria o recurso
ao divórcio. Neste novo tipo, a permanência da
união estaria vinculada á duração de um afeto e
interesse real e vivo, entre o casal. Ambos estariam
preparados, ao menos materialmente, para terminar
a relação que se tornou insatisfatória no decorrer
do tempo.
Certos tipos de família são vistos como caracte
rísticos de países não industrializados, reprodu-
zindo-se com grande freqüência na América Latina.
Mais comum nas camadas de baixa renda, é o
casamento "de fato", e não o "de direito", que é
a família juridicamente constituída segundo as
leis vigentes em cada sociedade. Surge mais como
uma "estratégia de sobrevivência" do que como
uma inovação contestatária a costumes antigos,
como no caso da fórmula acima referida de
"u ni ão livr e". Isto por que , não tendo ben s a
transmitir aos herdeiros, ou tendo somente a
casa
ajuda onde vivem, não
substancial, nadarecebendo
justifica do
o Estado
recurso uma
à
legalização deste relacionamento.
Nesse nível de subsistência, em realidade ora o
homem abandona a mulher, mesmo grávida ou
com fil hos , ora ela não que r susten tar um hom em
que não tem perspectivas de .trazer-lhe alguma
vantagem social ou econômica. Essa união sem
compromissos facilitar-lhe-á uniões sucessivas,
sempre em busca de um companheiro que divida
com ela as responsabilidades domésticas, segundo
o modelo idealizado da burguesia
Os defensores da união livre crêem que este
será o modelo do futuro, única forma de salvar
o casamento monogâmico, adaptando-o á época
atual. A simplificação das medidas para obtenção
do divórcio vai ao encontro deste tipo de união
livre, a partir da dissolução de um casamento
anterior.
d) A família homossexual, quando duas pessoas
de mesmo sexo vivem juntas, com crianças adotivas
ou resultantes de uniões anteriores. Ou ainda,
no caso de duas mulheres, com filhos por insemi
nação artificial. Isto vem se tornando possível
nos países onde tal opção de vida deixou de ser
obstáculo legal à convivência com crianças; como
nos Estados Unidos.
Uma família é não só um tecido fundamental de
relações mas também um conjunto de papéis
socialmente definidos. A organização da vida
familiar
seus usos depende do queespera
e costumes a sociedade através
de um pai, de
de uma
mãe, dos filhos, de todos seus membros, enfim.
Nem sempre, porém, a opinião geral é unânime, o
que resulta em formas diversas de família além do
modelo social preconizado e valorizado.
Ê através da família — menor célula organizada
da sociedade — que o Estado pode exercer um
controle sobre os indivíduos, impondo-lhes
diferentes responsabilidades conforme cada
momento histórico. Sem dúvida, nossa instituição
familiar é patriarcal, autoritária e monogâmica.
Mas cabe a cada um encontrar os subterfúgios, os
"modus vivendi", dentro das normas em vigor.
A atuação do Estado se exerce também indire
tamente, pois tem o controle de todos os meca
nismos sociais existentes.
Assim, durante uma guerra, as mulheres são
estimuladas a sair de seus lares e a trabalhar, dada
a ausência da mão-de-obra masculina. Uma série
de medidas é posta em prática para poder liberar
as mulheres casadas de suas responsabilidades
tradicionais junto aos filhos e à casa. Surgem
creches, os salários melhoram, os empregos
"masculinos" tornam-se acessíveis a elas etc.
No fim da guerra, modifica-se novamente a
ideologia e todas as formas são postas em jogo
para motivar o retorno das mulheres ao lar.
Serão assim liberados empregos que garantirão a
reinserção social dos maridos, que por sua vez
estimulá-las-ão a ter novos filhos, para repor as
baixas de guerra etc.
Em certas épocas acentua-se a importância da
proximidade permanente da mãe junto aos filhos
para garantir o equilíbrio emocional deles. Em
outros períodos, valoriza-se a educação coletiva
das crianças (Israel). Dentro de um mesmo Estado
há também interesses opostos. 0 setor industrial
pode necessitar de mão-de-obra feminina, pois
que assim aumentará o padrão de consumo de
produtos industrializados, com o acréscimo na
renda familiar, enquanto o setor social pode
recear o desemprego masculino decorrente desse
fluxo de mão-de-obra feminina no mercado de
trabalho.
A mulher, uma vez inserida num casamento e
constituída sua família, torna-se a garantia da
existência de uma infra-estrutura.
Ê esta infra-estrutura que permite não só a
reprodução da força de trabalho masculina (função
de esposa), mas também a reprodução de futuras
mãos-de-oora (função de mãe).
Isto é fundamental numa sociedade onde o
sistema social não assume cada indivíduo com
suas necessidades coletivas.
A família serve também de válvula de segurança
cas revoltas e conflitos sociais. Se por um lado o
homem, em virtude de seu maior contato com o
exterior através de seu trabalho, adquire mais
consciência política, a mulher conhece mais de
perto as necessidades da casa e dos filhos. Para
manter o equilíbrio da célula familiar, ela servirá
de contenção às revoltas dele, e com freqüência
de "bode expiatório" para suas frustrações,
angústias e conflitos irresolvidos no mundo
exterior ao lar.
Interessa portanto ao Estado canalizar todas
as energias individuais ou coletivas para a esfera
doméstica, desviando-as da contestação e de
reivindicações sociais.

Algumas perspectivas sobre o futuro


da instituição familiar
Um dos primeiros objetivos na evolução da
instituição familiar seria transformá-la. numa
célula mais aberta para o exterior e capaz de
partilhar com outras famílias uma parte das tarefas
domésticas e educativas. Esta, aliás, como vimos
acima, é uma das razões pelas quais se organizam
as comunidades.
Para atender a esse aspecto positivo, contor
nando o risco do autofechamento desse grupo,
existiria a tentativa de revitalizar certas funções
Através debaseadas
familiares creches na
ou solidariedade da vizinhança.
do encaminhamento das
crianças ás escolas, através da compra coletiva de
aparelhos eletrodomésticos e de limpeza, uma
relativa coletivização seria alcançada, que não
implicaria viverem todos sob o mesmo teto, mas
mantendo, cada unidade familiar, sua moradia
própria. A família hoje em dia está arriscada a
se tornar uma engrenagem funcional cada vez mais
dependente do Estado.
Hoje, os laços entre os membros da família
nuclear se enfraquecem, porque a responsabilidade
coletiva da família enquanto núcleo através do
qual se realizam projetos em comum diminui cada
vez mais. E também porque cada um de seus
membros é cada vez mais absorvido por suas
atividades próprias e num meio ambiente especí
fico. Por exemplo: o das crianças, dos jovens, dos
casais etc. Colônias de férias, saídas coletivas
em fins de semana, vão substituindo as reuniões
dominicais com os parentes, ou férias familiares.
As decisões relativas ao futuro e ás condições
de vida das famílias são tomadas num nível
tecnocrático apoiado numa rede de informações
eletrônicas que aumentam a eficiência dos
dispositivos do Estado, para um controle individual
e familiar.
Segundo certos autores,2 "a família contempo
rânea caminha para o desconhecido e sem rumo.
Pode orientar-se em três diferentes direções, e
até hoje sem precedente histórico:
1}à ruptura definitiva dos laços que uniam as
velhas gerações às mais novas: a indiferença que
manifestam os adolescentes pela identidade
familiar e pelo que ela possa representar e defender
e que se rompe na discontinuidade dos valores
entre pais e filhos;
2) à maior instabilidade dos Jovens casais que se
reflete no aumento vertical da curva de divórcios;
3) à destruição sistemática, através da 'liberação'
da mulher, do conceito 'lar/ninho' em torno do
qual fo i construída a vida da família nuclear."
Paralelamente a esse avanço dos poderes de uma
sociedade tecnocrática, que ainda não atingiu o
Brasil, mas que para cá se dirige com a necessidade
de expansão dos mercados consumidores dessa
moderna tecnologia, surge uma nova corrente de
pensamento: aquela que pensa que a família
poderá se constituir numa tentativa para reinventar
espaços de livre escolha.
Reinventar espaços de livre escolha nos quais a
célula familiar possa atuar em níveis variados,
como desde a simples busca de maior tempo livre
e com mais recursos para utilizá-lo até a diminuição
do controle social. Ou ainda, a reivindicação de
exercer livremente sua sexualidade; a liberdade de
educar as crianças como cada um bem entender etc.
Esta grande reivindicação de autonomia e de
controle de seu próprio espaço social por parte
das famílias pode assumir uma forma, diríamos,
"coletivista". Nesta, dar-se-ia ênfase a organização
e a um importante desenvolvimento de serviços
coletivos, de redes associativas mas descentrali
zadas, permitindo assim uma autogestão por parte
dos próprios usuários.
Ou também as famílias poderiam assumir uma
forma que chamaríamos de "anarquista", com a
extensão
incluindo ásdasvezes
formas familiares comunitárias,
a autoprodução de bens de
consumo, mas baseada essencialmente nas relações
de tipo informal, com um mínimo de recurso
ás estruturas administrativas.

Expectativa em relação ao
futuro da família
Para os jovens de hoje, segundo pesquisas feitas,
vemos que no tocante à família e na maneira como
eles gostariam que esta evoluísse, temos as
seguintes afirmações:
a) a instituição familiar está ultrapassada, há
uma necessidade de modificá-la em seus preceitos
codificados pelo legislador (Código Civil). Mas
ultrapassada não significa a negação da família e
sim a negação da legalização do casamento; a
denúncia das dificuldades em obter um divórcio
ou separação;
regimens dosdaproblemas
de bens; burocracia decorrentes
legal relativa dos
aos
filhos menores etc;
b)a denúncia da redução dos membros da
família, com um poder centrado nos pais. Cada
vez mais, cada membro da família deseja sua
autonomia e independência, e a noção de comu-
nidade familiar cede lugar a um individualismo
absoluto,
c) reivindicam a transformação das relações da
educação, sobretudo no plano da autoridade.
Começam pelo questionamento da autoridade do
pai, que para os jovens é ressentida mais como um
autoritarismo e não simplesmente como uma
autoridade própria decorrente da relação hierár
quica. Alguns já consideram que os país atuais,
graças à influência dos meios do comunicação e
da necessidade de manter unido afetivamente o
núcleo familiar, procuram evoluir e compreender
ou pelo menos aceitar novos comportamentos
e valores.
Já para os adultos, os aspectos que deveriam
evoluir a respeito da instituição familiar são outros.
De um lado, tentar romper a relação dominador/
dominado que rege fundamentalmente, tanto
do ponto de vista moral, material como legal, a
relação entre um homem e uma mulher que vivem
maritalmente juntos.
De outro, criar um intercâmbio de papéis no
seio da própria família, intercâmbio esse para o
que a legislação mu ito poderia cont rib uir, modi 
ficando certas leis que discriminam as mulheres
e que datam do Código de Napoleão.
Para alguns, e sobretudo para as feministas, não
é a situação atual da família que é inaceitável mas
sua própria existência. E o que existe de funda
mental neste questionamento, segundo elas, é que a
situação das mulheres se deteriora cada dia mais,
assim como a do assalariado.
Segundo as feministas, é a decadência do sistema
patriarcal e do sistema capitalista que faz aparecer
as infra-estruturas que impediam a visão e a
compreensão de todos esses problemas em pro
fundidade. Até então, ficaram fortemente entre
laçados.
Cada dia torna-se mais difícil para a sociedade e
para o Poder estabelecido impor a forma e a
legalização das relações sexuais, assim como as
regras sociais sobre a procriação, numa época
em que o sexo foi transformado em bem de
consumo.
Jamais poderá existir uma igualdade concreta
entre homens e mulheres, que permita uma
transformação total das relações sociais, enquanto
seguirmos vivendo numa sociedade patriarcal
e portanto discriminativa das mulheres (sexista)
e dividida em classes.
Será que a análise das pesquisas de opinião
permitiria de forma mais objetiva conjecturar
sobre o futuro da instituição familiar?
Pensamos que obviamente não, }á que as modi
ficações e a evolução da mesma não são o simples
resultado
ou de com
de acordo projetos elaborados
planos e escolhas conscientemente
racionais.
O que se poderia tentar buscar através de tais
sondagens seriam as diferenças existentes entre
os diversos modelos familiares e quais dentre eles
estariam evoluindo de forma dominante. Ou
ainda: buscar quais as condições atualmente
favoráveis ou desfavoráveis em cada extrato social
para a evolução ou transformação da família.
As estatísticas tem registrado certos fenômenos,
de maneira mais ou menos acentuada em todos
os países. Assim critico, cada vez mais
sem filhos, ou quando estes já são considerados
semi-auto-suficientes; as taxas de natalidade que
estão em franca diminuição.
Se pusermos lado a lado essas afirmações esta
tísticas universalmente mais evidentes, as reivin
dicações dos jovens e das mulheres, assim como
as tentativas de formas alternativas elaboradas
por homens e mulheres (comunidades, famílias
"or igi nai s" e tc ), veremos que há cert a coinci
dência nas suas formulações.
Seria fácil concluir, após as premissas acima,
que caminhamos nessa direção. Ora, deixamos
de lado justamente aquelas correntes de pensa
mento que detêm um grande poder nas sociedades
atuais, as crenças religiosas e suas respectivas
igrejas. Um dos campos de atuação fundamental
de suas doutrinas é o da normalização das relações
entre os sexos, a "moral"
Para essas, as propostas que alinhamos no
decorrer deste trabalho, e que tentam manter os
laços familiares com seus aspectos positivos, são
ju st am en te os aspectos mais condenáv eis das
experiências modernas. Acusam-nos como sendo
os sintomas de "crise" na família, de sua "deca
dência". Representam as forças tradicionais.
Defendem a manutenção de uma estrutura rígida,
com papéis definidos para homens e mulheres,
ignorando os fatos objetivos, isto é, a grave
insatisfação existencial das sociedades contem
porâneas. Confundem causas e conseqüências.
Afinal, esse modelo de família centralizado na
autorida de paterna vigorou por tem po suficiente
para ser avaliado. Exemplo disso é a fuga dos
jovens através do co ns um o de tóx icos , fa to esse
presente em todas as famílias, inclusive naquelas
que procuram manter-se, contra ventos e marés,
numa hierarquia autoritária, em que o poder de
escolha, de decisão, de orientação cabe sempre
aos mais velhos.
Não se pode negar também as verdades estatis
ticam ente co mpro vada s, em relação' às mulher es.
Os índices de suicídio atingem as casadas com
muito maior freqüência do que as celibatárias,
fenômeno constatado desde o século XIX. A
necessidade de consumo de tranqüilizantes, de
antidepressivos e ansiolíticos é também maior entre
elas. Isso reflete, sem dúvida, uma passiva revolta
contra sua não inserção social adequada. Ora, a
família constitui o objetivo prioritário da educação
das mulheres, para afirmar-se socialmente.'
Por outro lado, a História recente nos demonstra
que um dos pontos de apoio de filosofias e regimes
autoritários sempre foi a rigidez dogmática de
usos e costumes referentes ao inter-relacionamento
entre homens e mulheres.
Stalin fez retroceder nos anos 30, com o decreto
de 1940, o caminho de uma estrutura familiar
liberal que germinava nos ideais da revolução
soviética. Hitler preconizava a teoria dos três Ks—
"Kinder, Küche, Kirche" (crianças, cozinha,
Igreja) — como único destino das mulheres
patriotas, na Alemanha nazista. O integralismo e
o fascismo fundamentam na constituição da
família sua força, assim como assistimos às lutas
de um islamismo obscurantista, no Irã, que pune
hoje com a morte uma infidelidade conjugai, que
retirou as mulheres das universidades etc.
As formas alternativas de vida familiar expostas
neste texto, que se confundem com novas atitudes
em relação à produção e ao consumo, não são
talvez mais do que os indícios precursores de
uma transformação profunda da vida cotidiana,
única estratégia, sem dúvida alguma, para sabotar,
aorganização
longo prazo, formas arcaicas e perigosas de
social.
(Ext
raído do livroO que é Famíl
ia, de DantaPrado, Editor
a Bra

siliens
e, São Paulo,1985)
O professor e as classes sociais
Perseu Abramo

O primeiro ponto é uma tentativa de identificar o


professorado.
Quem é o professor brasileiro e, particularmente,
de São Paulo, em termos da estrutura de classes so
ciais? Hoje, creio que o conjunto dos professores prin
cipalmente de 1." e 2° graus, provém de duas vertentes
da estrutura de classes..
Na primeira dessas vertentes, o professor ainda é
uma pessoa que de certa forma sofreu um processo de
mobilidade social vertical descendente. Não só porque
foi proletarizado, nas condições de trabalho, mas tam
bém porque foi proletarizado na sua cultura e na sua
relação com as demais classes. Ele ainda se srcina de
famílias de certas camadas da burguesia, ou das altas
classes médias, que, por várias circunstâncias econômi
cas, políticas, culturais e sociais, nas últimas décadas,
vêm decaindo de status. Hoje em dia, esse professor
não consegue manter muitos dos privilégios sociais que
sua figura tinha há algumas décadas. Resta-lhe apenas,
como saída profissional e como saída de inserção na
vida social, ser professor, preferencialmente de 1.º e
de 2.° graus, e, quando possível, professor da Univer
sidade.
A segunda vertente de formação social do mo
derno magistério srcina-se no processo de massificação
escolar inegável nessas últimas duas ou três décadas,
A massificação, como se sabe, não significou a demo
cratização do ensino ou da educação, mas gerou uma
ampliação da rede de escolas que, por sua vez, aumen
tou as oportunidades de obtenção da qualificação esco
lar formal. E isso fez com que a outra parte do profes
sorado se constituísse por caminho inverso ao da pri
meira. Essa segunda parte, através de um processo de
mobilidade social, vertical ascendente, provém de ca
madas realmente populares, ou de camadas de classe
média baixa.
Com muitos esforços e descaminhos, e processos
às vezes discutíveis, essa pessoa chega hoje à condição
de professor. Essa segunda camada — para quem ser
professor significa quase o apogeu na escala de ascen
são social — passa a ter, diante dos problemas da
educação e dos problemas da sua corporação profis
sional, uma atitude bastante diferente da primeira, que
se proletarizou no trabalho. A segunda camada, que
talvez hoje, em certos centros urbanos do país, consti
tua a maioria, tem-se mostrado, de certa forma, con
servadora e pouco afeita à luta por modificações e
transformações na educação e na sociedade.
No final da década de 50 — que foi uma década
de grande efervescência social e política — a campa
nha pela escola pública e pela Lei de Diretrizes e Bases
mobilizou significativos setores da sociedade brasileira.
apesar de todas as críticas que se possa fazer hoje cm
dia àquele projeto de diretrizes, a campanha consti
tuiu-se num marco intelectual e político importante, e
contou com a participação ativa de grandes setores do
magistério, na época, primário e secundário. Ao enga
jarem-se na campanha, os professores indicavam esta
rem preocupados com a sua proletarização e sua queda
nos estratos sociais. Mas, também, demonstravam estar
extremamente preocupados com os rumos da educação
e com aquilo que poderia ocorrer no sistema educacio
nal brasileiro e na formação ideológica do alunado
num momento de transição muito intenso.
Sc, naquela época, os fatos ocorriam dessa manei
ra, hoje, ao contrário, a grande maioria do professo-
rado de 1.° e 2.º graus se vê obrigada a lutar muito
mais apenas por reivindicações corporativistas do que
por ações inovadoras na educação e na sociedade.
Todos devem ter acompanhado as dificuldades dos
professores no início da ditadura de 64. E as dificul
dades de reestruturação das entidades representativas
da categoria e dos órgãos de representação de cada
escola. Foi difícil reagrupar as entidades gerais do pro
fessorado, como a APEOESP ou como o Centro do
Professorado Paulista, ou como a UDEMO (União dos
Diretores do Ensino Médio Oficial). Hoje, quando se
fala em APEOESP fala-se em disputas eleitorais com
várias chapas, auditórios lotados com milhares.de pes
soas. Mas, nas primeiras eleições da APEOESP pós-64,
compareciam escassas dezenas de pessoas.
Em outras palavras, o professorado foi drastica
mente afastado das possibilidades e da disposição de
realizar luta política e, muito menos, lutas culturais e
intelectuais. Foi com enorme esforço — do qual parti
ciparam professores de várias posturas ideológicas —'
que, pouco
zar-se a pouco, o magistério conseguiu reorgani
novamente.
E é isso que talvez explique o fato de que, hoje, o
professor é mais um corporativista do que um refor-
mulador.
O próprio professorado não tem uma clara cons
ciência da sua posição na estrutura social. Não que seja
imprescindível rotular as pessoas com a sua posição
de classe. Mas é importante, sim, saber qual é o pro
jeto histórico desse conjunto de cidadãos que têm a
função de transmitir conhecimentos e idéias para mi
lhões de alunos.
Os professores de 1.º e 2.º graus, muitas vezes,
têm salários e condições materiais de vida que se situam
abaixo de certas camadas da classe operária. Mas a sua
postura ideológica, cultural e política é típica da classe
média-média ou da classe média-alta, sempre muito
mais disposta a ser cooptada pelos valores ideológicos
da burguesia do que a se igualar ou solidarizar-se com
os do proletariado.
classe Refiro-me,
e não aos setores é claro,daaocategoria
combativos conjuntoe da
que
constituem a sua vanguarda política.
Ê por isso talvez que, hoje, — quando uma "tran
sição transada" transformou a velha ditadura militar
numa república que pretende ser nova c diferente —
a sociedade brasileira, na qual se abrem algumas opor
tunidades de mudança, não encontra, por parte dos
professores, a demanda por uma reforma educacional.
Por menos importante que pudesse ser uma refor
ma educacional, ela não se encontra nem pronta, e, pro
vavelmente, nem cm elaboração. Não há - pelo menos
de maneira democrática e explícita para o conjunto da
sociedade — um projeto de educação nova. E isso por
que uma boa parte dos legítimos esforços culturais e
intelectuais dos professores, nestas últimas décadas, fo
ram canalizados para a imprescindível conquista de po
sições corporativistas. Aponto esse fato não como defei
to do professor, mas como circunstância decorrente de
uma estrutura
tico tão econômica
opressivos e social eque
e repressivos de um regime polí
o magistério se
sentiu acuado, empurrado contra a parede, e não teve
outra saída senão se defender da exploração e da opres
são, gastando nessa defesa muito da sua energia cria
tiva, e deixando de propor alternativas educacionais
para a sociedade.
Para alguns outros professores, a saída foi a de
tentar as famosas propostas pedagógicas, miniexperiên-
cias educacionais, capazes de servir a meia dúzia de
famílias da alta burguesia, como se essas fossem, na
verdade, soluções para o problema educacional.
O Brasil é um país de 130 milhões de habitantes,
e, nele, a educação tem que ser vista como um. proble
ma de massa, um problema coletivo, que exige soluções
coletivas e democráticas.
Na década de 50 havia, pelo menos, uma referên
cia: tratava-se de defender a escola pública contra a
tentativa de hegemonia de uma escola privada e arcai
ca, fundamentada em privilégios ainda quase coloniais.
Mas hoje, qual é o ponto de referência educacio-
nal? Não há. Talvez esteja sendo concebido na cabeça
de cada um, talvez esteja sendo discutido nos gabinetes
oficiais ou nas Faculdades de Educação. Provavelmente
está sendo mais discutido em sindicatos e em partidos
políticos do que propriamente nas Faculdades de Edu
cação. Muitas dessas também cometeram seu grande
pecado de omissão durante todo esse tempo e não se
puseram à frente de projetos de renovação educacional,
como seria lícito esperar que o fizessem.
Dessa situação toda, decorrem vários problemas
para os professores, inclusive o extremo grau de con
tradição vivido por ele no seu dia-a-dia
O professor da rede oficial muitas vezes quer ter
postura crítica cm relação ao regime vigente mas, no
cotidiano, ele tende a ser um agente inconsciente do
regime. Ele ainda vive um período em que a maneira
de se conceber
alienada o sistemae distante
e burocratizada e o processo educacionais
dá participação de é
mocrática da sociedade. Muitas vezes, por isso, o pro
fessor é autoritário na sala de aula, é autoritário em
relação aos pais dos alunos, principalmente na periferia.
Os professores da rede oficial deixaram passar a
oportunidade oferecida pela existência das APMs de
criar núcleos de conselhos comunitários, populares, ca
pazes de, pela base, implodir o sistema educacional
166.
vigente. Geralmente a APM apresenta, para o profes
sor, uma forma de arrecada r recursos que o Estado
deveria fornecer mas não fornece. O professor, por
outro lado, tende a menosprezar a contribuição que
setores populares podem dar ao processo educacional.
Os pais dos alunos são chamados para colaborar nas
festinhas de São João, dar o dinheiro para fazer o muro
da escola ou pagar um guarda para tomar conta do
trânsito: não vai muito além disso o famoso "entrosa
mento entre a escola e a comunidade".
Pode-se dizer que o responsável por isso foi o
regime, isto é, a sociedade brasileira e seu governo
ditatorial. Ê verdade, mas nessa sociedade outras cate
gorias profissionais tiveram atitud es diferentes. É o
caso, por exemplo, dos médicos sanitaristas — de com-
posição social não muito diferente dos professores e
formação universitária também semelhante — mas com
capacidade de utilizar-se dos Centros de Saúde e dos
Conselhos Populares nascidos da motivação das pes
soas, mães, pais, famílias, para criar uma mentalidade
reivindicatória e, aí sim, verdadeiramente moderna, no
sentido das relações entre as populações da periferia
e os organismos do Estado.
Não ocorreu nada parecido na Educação. As ve
zes, há uma ligação entre o professorado e a sociedade,
no momento das greves, em que o professor é obrigado
a convencer o pai do aluno da justiça de suas reivindi
cações. Mas não parece dar-se o processo inverso.
Ê fundamental tomar consciência desses fatos e
tentar saber porque o professorado brasileiro está tão
atrasado em relação a um projeto de reforma educa
cional que seja vinculado a um projeto de reforma da
sociedade. Algumas pessoas da própria estrutura oficial
do ensino que tentaram conseguir algumas mudanças
nesses últimos anos encontraram resistência muito
grande, por parte de professores. No momento em que
discutiam formas novas de entender educação, e quan
do certos privilégios funcionais deixariam, enfim, de
existir, houve resistência. Talvez o que falta ao profes
sor seja assumir sua consciência de classe. Como diz o
professor Florestan Fernand es, qualq uer ) dança ou
renovação tem fundamentalmente caráter político. Por
isso mesmo, o professorado brasileiro tem que fazer
uma clara Agentes
fessores? opção política e de classe.
da burguesia Quempara
cooptados são confor
os pro
mar e enquadrar as novas gerações? Ou parte da classe
trabalhadora e, portanto, devendo assumir como seus
os valores da classe trabalhadora e não os daqueles que
nos oprimem?
Enquanto cada um de nós não for capaz de fazer
essa opção de classe — que passa por opções associa
tivas, sindicais, partidárias, políticas, ideológicas —,
continuaremos ocupando postos privilegiados dentro da
sociedade, um pouco às custas e um pouco sobre as
costas da parte mais explorada e reprimida dessa mes-
ma sociedade.
t

(Extraído do livro Universidade, Escola e Formação de Professo-


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