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2
SUMÁRIO
Editorial ................................................................................ 5

JEFFERSON C. BOECHAT
O estado do Desenvolvimento e o desenvolvimento do
Estado: lições do passado imediato para o futuro imediato. .... 9

TIAGO GROSSI
Proposta de análise integrada entre os planos
plurianuais da União, Estados e Municípios ......................... 29

MARCELO ESTEVÃO DE MORAES


Seguridade social e direitos humanos ................................... 49

SÉRGIO ROSA
Reforma da previdência: política de Estado ou
política de governo? ............................................................. 80

MARIANNE NASSUNO
Avaliação de resultados e avaliação de satisfação
do usuário-cidadão: elementos para reflexão ........................ 99

ROBERTO CHACON DE ALBUQUERQUE


A importância da OMC e da Alca para o Brasil ................. 141

CÉSAR DO VALE KIRSCH


A Advocacia-Geral da União e as políticas públicas .......... 163

RES PVBLICA
Revista de Gestão Governamental e Políticas Públicas ...... 178
3
4
Editorial

A
discussão sobre políticas públicas de governo e
de Estado adquire, neste momento de transição
entre projetos de poder, uma atualidade
inquestionável. Um dos diferenciadores fundamentais entre estas
dimensões de políticas públicas é a transitoriedade daquelas em
relação à permanência destas.
Evidentemente, o caráter de permanência das políticas
públicas de Estado é apenas relativa, uma vez que os objetivos
do Estado evoluem e também podem ser alterados.
Talvez em razão desta diferenciação a RES PVBLICA tenha
recebido contribuições focalizadas na discussão sobre o papel
do Estado, o exercício de sua função planejamento e de sua
função previdenciária e os processos de liberalização comercial
nos âmbitos regional e mundial.
Os artigos desse número oferecem, portanto, uma
oportunidade de reflexão sobre processos estruturantes.
Assim é que Jefferson Boechat apresenta uma exitosa
tentativa de síntese histórica da teorização sobre a função do
Estado na obtenção das metas de desenvolvimento,
contextualizando-a nas experiências dos países em
desenvolvimento . Boechat conclui que a consolidação de uma
trajetória de desenvolvimento depende, em boa medida, do
fortalecimento do aparelho burocrático estatal.
Tiago Grossi, a seu turno, oferece uma proposta de criação
de uma nova metodologia para a elaboração do Plano Plurianual
(PPA) em nível nacional para o quadriênio 2004-2007,
incorporando informações sobre programas dos estados e
municípios. A iniciativa contempla a dimensão federativa do gasto
público e possibilitaria ganhos de eficiência e a prevenção de
5
alocações divergentes. A proposta prevê também a instituição
de um inventário das administrações públicas como forma de
melhor dimensionar a necessidade de investimentos.
Em seguida, Marcelo Estevão oferece um estudo
esclarecedor sobre a discussão da reforma previdenciária. O autor
contextualiza a necessidade de reforma no esforço que o País
tem que empreender para promover os direitos humanos. Em
seu esboço de agenda reformista, Estevão defende a adoção de
um sistema de contas individuais de capitalização escritural,
associado a um regime de repartição simples. Essa associação,
segundo o autor, encaminharia não somente uma solução para o
problema de equilíbrio financeiro da previdência como também
fomentaria a solidariedade social.
Sérgio Rosa segue discutindo a previdência com base em
três pressupostos: primeiramente, a previdência não seria um fim
em si mesma – trata-se de um meio de realização de fins sociais;
Segundo, cada sociedade engendraria seu sistema de acordo com
suas características histórico-culturais; Por fim, os problemas de
previdência refletiriam o modo como os conflitos sociais são
historicamente dirimidos. Nesse sentido, Rosa conclui que a
discussão da questão previdenciária pode fornecer a medida em
que conflitos sociais seriam minimizados ou acirrados no futuro.
Marianne Nassuno por sua vez, trata da avaliação de
desempenho de programas e instituições públicas por meio de
análise comparada do pensamento de alguns dos mais relevantes
estudiosos do tema, no que concerne a aspectos centrais como o
objetivo da avaliação, o que deve ser avaliado, e quem participa
da avaliação. Nassuno evidencia a complexidade do processo
de avaliação e chama a atenção para a necessidade de se formar
expectativas mais realistas sobre seus resultados.
Roberto Albuquerque analisa a estrutura do GATT, da
OMC e da ALCA, identificando os principais interesses

6
brasileiros na pauta de negociação nestas duas últimas arenas
internacionais, como, por exemplo, a redução dos subsídios
agrícolas dos países desenvolvidos. O autor também explicita os
principais campos de debate, como a liberalização do acesso a
mercados e a disciplina conferida aos créditos à exportação. O
funcionamento da OMC e da ALCA é examinado com base no
pressuposto de que o País precisaria de mais comércio
internacional para reduzir sua vulnerabilidade externa, como
esclarece Albuquerque.
Advogado da União, César Kirsch fecha este número da
RES PVBLICA argumentando pela imprescindibilidade da
participação de membros da Advocacia-Geral da União - AGU
e sua necessária parceria com agentes públicos, como os gestores
governamentais, em todo o processo das políticas públicas, a
fim de garantir-lhes a necessária conformação com os princípios
e normas vigentes no Estado Democrático de Direito. Kirsch
destaca o fato de que a ação da AGU, neste contexto, contribuiria
decisivamente para o pleno êxito das políticas públicas. O artigo
também reflete a aproximação da ANESP com entidades
representativas de outras carreiras de Estado.
A RES PVBLICA, oficialmente registrada junto ao ISSN
International Centre sob o código 1678-4057, com este segundo
número, consolida-se como um importante instrumento de
promoção de reflexão sobre políticas públicas e gestão
governamental não somente para os membros da Carreira como
também para toda a administração pública e a academia.

A Diretoria

7
8
Jefferson C. Boechat

O estado do desenvolvimento e o
desenvolvimento do Estado: lições do passado
imediato para o futuro imediato.
“O cientista político argentino Guillermo O´Donnel
afirma que em seu país ‘o Estado acabou’. Isso explica a forma
espontânea com que se desenrolaram as manifestações de rua,
sem que existam sindicatos ou partidos que comandem os
protestos.
O Estado, diz ele, é historicamente para a sociedade uma
referência de organização e de ordem. Mas, nos últimos 25 anos,
as elites que governaram a Argentina se empenharam no
desmonte das instituições oficiais.
A sociedade, sem interlocutores, passou então a dialogar
de maneira dispersa com fragmentos da antiga autoridade
estatal.
Nas últimas horas, diante do palácio presidencial, em
Buenos Aires, manifestantes entram em confronto com a polícia.
Um fragmento de Estado está presente.
Mas nas periferias da cidade,(...) a mesma polícia autoriza
saques a supermercados e pede, em troca, que os saqueadores
dividam os mantimentos saqueados com ela...”1

P
ara aqueles que militam tanto no campo do
Desenvolvimento Econômico, como no da
Administração Pública, no Brasil, a assertiva do

1
Folha de S. Paulo, Caderno Especial, 21 de dezembro de 2001, grifo
nosso.

9
professor argentino da Universidade de Notre Dame tem a terrível
propriedade de ser uma verdade dolorosamente auto-evidente.
Lamentavelmente, a discussão sobre o papel do Estado no
desenvolvimento econômico no Terceiro Mundo ficou emudecida
graças à unanimidade Rodriguesiana que se formou em torno do
famigerado Consenso de Washington.
Infelizmente, para os países ao sul do Equador, as reformas
propostas pelas instituições de Bretton Woods não diferenciaram
entre os vários papéis que o Estado desempenhava na esfera
econômica do mundo em desenvolvimento. Assim, as oligarquias
nacionais, que nesses países são as eternas responsáveis pelos
ciclos de modernização conservadora, no afã de sua busca
incessante por rendas econômicas geradas a partir da usurpação
secular do poder estatal, optaram por implementar um pacote de
reformas centrado, acriticamente, no tripé privatização,
liberalização comercial e desregulamentação, que acabou
desprovendo o aparelho estatal de sua principal capacidade
operativa: a de planejar e implementar políticas públicas que,
como veremos ao fim deste documento, complementam-se
sinergicamente numa economia de mercado dando, a um país,
uma certa trajetória de desenvolvimento.
Sintomaticamente, no Brasil, este movimento iniciou-se ainda
antes mesmo da formação do mencionado consenso, e
materializou-se, como política pública, ainda ao final do governo
de José Sarney, com a publicamente declarada “Operação
Desmonte”. Desde então, o que se viu nos governos que lhe
seguiram foi o aprofundamento sistemático daquele desiderato,
não como opção de política, mas como uma forma historicamente
determinada de não-política, dada a recorrente ameaça de colapso
dos canais tradicionais de financiamento do setor público. De certa
forma, a tragédia argentina vem anunciar ao mundo em
desenvolvimento, ainda que com uma defasagem temporal de cerca

10
de cinco anos em relação ao “centro”, que o Consenso efetivamente
falhou.2 O que deve vir depois é, uma vez mais, outro esforço de
reconstrução econômica que recolocará a questão do papel do
Estado no centro das discussões políticas e acadêmicas, e que
exigirá das classes governantes uma “reforma da reforma” do
aparelho estatal, a um custo social muito superior ao que seria
originalmente necessário não tivesse sido a máquina “desmontada”.
Como já se deveria saber de Lênin, e do socialismo real, o passo
que se dá para frente, imediatamente após ter-se dado outro para
trás, não só é crescentemente mais custoso como indica que a ação
coletiva está, ciclotimicamente, fazendo-se no sentido contrário
ao que seria desejado isoladamente por cada um de seus elementos
constitutivos. Se o termo subdesenvolvimento tem algum sentido
prático, este é um deles.

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: 50


ANOS DE TEORIZAÇÃO!

Na publicação Frontiers of Development Economics,


editada pelo Banco Mundial em 2001, os economistas Gerald
Meier e Irma Adelman fazem duas instigantes resenhas dos
últimos cinqüenta anos de elaboração científica no campo do
desenvolvimento econômico. Neste “longo ciclo de Kondratieff”,

2
A ironia amarga aqui é o fato de que o próprio Banco Mundial já
reconhecera as deficiências do Consenso de Washington seis anos antes
desta prova empírica, quando da publicação do Relatório de
Desenvolvimento Mundial de 1997. Curiosamente, este documento não
surtiu qualquer impacto visível nas ações da corrente do “pensamento
único” que dominou a formulação de políticas públicas no Brasil desde o
início da década de noventa, ainda que saibamos que nossos principais
policymakers tenham, todos, dele tomado conhecimento.

11
nos ensinam, conviveram três gerações de teóricos cujo
pensamento descrevemos, sintetizando os autores, a seguir.
A primeira geração, surgida logo após a Segunda Guerra
Mundial, teve como missão reinventar o campo de conhecimento como
instrumento de reconstrução acelerada das nações destruídas pelo
conflito. Para aqueles economistas, o importante era formular grandes
modelos que conseguissem capturar, e concatenar, as principais
variáveis que, para eles, seriam responsáveis pela acumulação de
riqueza. Neste sentido, desenvolveram-se as técnicas de planejamento
e programação econômica que deveriam operacionalizar fórmulas
abstratas, tais como a desenvolvida por Solow.3
Uma questão fundamental a ser resolvida é a do tratamento
dos fenômenos característicos do subdesenvolvimento, as
chamadas “falhas de mercado”, e que acabou por marcar
indelevelmente o seu receituário de políticas. Modelos sucessivos,
como os de Rostow, Nurkse, Rosentein-Rodan, Prebisch-Myrdal-
Singer, Leibenstein, e Chenery, levaram este grupo a concluir que:
1) A industrialização seria a força dinâmica que levaria à aceleração
do crescimento econômico, visto pelos teóricos da primeira geração
como mera acumulação de estoque de capital, graças à massificação
do consumo de bens duráveis e não-duráveis por parte de uma
população que apresentava uma enorme demanda potencial por
tais produtos, dada a repressão do consumo verificada no período
de beligerância em que os recursos econômicos se realocaram para
a produção de bens de guerra e que;

3
Em seu modelo, uma derivação direta de uma função produção do tipo Y
= F(K, L, t), o processo de crescimento do produto Y se dava pelo que hoje
se chamaria de combinação sinérgica, no tempo (t), de dois fatores de
produção, Capital (K) e Trabalho (L) que resultava, além do próprio
crescimento do estoque de ambos, na formação de um “resíduo”, conhecido
no jargão econômico como Produtividade Total dos Fatores, e por ele
assumido como sendo progresso técnico.

12
2) A principal instituição que funcionava como vetor de
aceleração do processo de acumulação de riqueza na economia
capitalista, o mercado, não era suficientemente desenvolvido
nos países periféricos para assumir o papel que desempenhava
nos países desenvolvidos. As principais falhas de mercado
percebidas por esses estudiosos eram: sistema de preços
ineficiente, insipiente capacidade empresarial, deficiências
estruturais abrangentes, tais como: rigidez social, defasagens e
inadequações na incorporação de tecnologia, baixa elasticidade
de oferta e demanda, inflação crônica (estrutural) e pessimismo
externo. Assim sendo, não haveria outro agente econômico
capacitado a liderar o esperado rápido processo de crescimento
econômico que não o próprio Estado. Logo, formou-se um
consenso de que o poder político estatal deveria ser utilizado
para coordenar a mobilização e alocação dos recursos que se
fizessem necessários ao processo de alavancagem da
acumulação capitalista, levando até a que o Estado se tornasse,
em algumas situações, ele mesmo, agente semi-autônomo de
uma grande empreitada industrializante4.
Mas, se, para a primeira geração, a não-completude do
mercado era o maior obstáculo a ser superado, e as variáveis
fundamentais a serem manipuladas eram, todas,
macroeconômicas, isto é, os três preços fundamentais da
economia: do capital (juros diferenciados), do trabalho (salário
real deprimido), e das importações (câmbio múltiplo), já muito
cedo no processo de implementação das políticas econômicas
embasadas nesta visão, uma segunda geração de estudiosos do
desenvolvimento se pôs a estudar, segundo a ótica dos
pressupostos neoclássicos, as implicações microeconômicas - ao

4
Vê-se, assim, que a opção pelo Estado não foi de caráter ideológico mas,
sim, pragmático.

13
nível do projeto individual efetivamente implantado - desta macro-
estratégia de transformação estrutural das economias
subdesenvolvidas, a fim de medir possíveis distorções
econômicas.
Ora, como seria apenas razoável esperar, tais estudos de
fato verificaram inúmeras “distorções” que imputavam derivar
de políticas públicas “totalmente equivocadas”. Tais falhas, que
chegaram a ser assumidas por alguns economistas da primeira
geração como intrínsecas ao exercício de planejamento
econômico, foram denominadas “falhas de governo” porque
ocasionadas pela intervenção direta do Estado no domínio
econômico. O receituário deste grupo é expresso, sucinto e
precisamente, pelo slogan Get the Prices Right, ou Acerte os
Preços, e foi brandido pelo grupo durante boa parte da década
de oitenta, sendo assim precursor do próprio Consenso no que
tocava ao alinhamento dos preços domésticos aos preços
internacionais, a ser conseguido através da liberação dos fluxos
de comércio, e da privatização do aparelho (im)produtivo estatal.
Curiosamente, na mesma medida em que a segunda geração
escrutinava as propostas de cunho macroestratégico da primeira,
um terceiro grupo se dedicava a usar o mesmo arsenal
metodológico, i.e. a microeconomia neoclássica, para dissecar a
fundo aquela instituição que, supunha a segunda geração, havia
sido vilipendiada pela primeira: o mercado. Suas descobertas
resgatam uma tradição escolástica cuja origem está ainda na
década de trinta, nos escritos de economistas como Ronald Coase,
Frank Hahn, entre outros, e acabam por gerar o que hoje se
conhece como Nova Economia Institucional.5
Segundo esta tradição, o mercado não é uma instituição

5s
Douglass North, Nobel de 91, é um dos maiores expoentes desta escola
atualmente.

14
adequada para a produção de todo e qualquer bem, vez que abriga
dentro de si falhas incorrigíveis derivadas principalmente de
assimetrias de informação, que se formam, e se reproduzem,
dinamicamente na interação econômica cotidiana e futura.6 Essas
novas falhas de mercado, por seu turno, trazem de volta ao centro
do debate o Estado como agente catalisador e garantidor de última
instância do funcionamento satisfatório do mercado, mesmo ali
onde ele já seja considerado uma instituição madura.7
Surge, então, o Estado Regulador que não mais “deixa
fazer”, como no caso do liberalismo clássico, ou que “manda fazer”,
como no socialismo real, mas que “induz a fazer” o que deve ser
feito pelos agentes para manter, ou colocar, uma nação na trajetória
de desenvolvimento desejada, através da aplicação seletiva de
sanções e incentivos econômicos, diretos e indiretos. O novo
mantra do desenvolvimento passa, assim, a ser: Get Institutions
Right, ou Acerte as Instituições. Mercado e Estado são, mais uma
6
De fato, o mercado sequer produz mercadorias. Essas, segundo Coase, só
se realizam para o mundo graças à existência de instituições extra-
mercado, as firmas, que são, para Oliver Williamson, “hierarquias” - a
diferença entre mercado e hierarquia está no fato de que, no primeiro, os
agentes econômicos estão em pé de igualdade no ato do contrato de uma
transação e, na segunda, o contrato se dá antes da transação ser concluída,
como na efetiva troca de força de trabalho por remuneração, no exemplo
de Louis Putterman. Nesta tradição, as hierarquias existem exatamente
para internalizar “custos de transação”, como os incorridos na
mobilização dos fatores de produção, que se tornariam incontroláveis se
“administrados” pelo mercado.
7
Vale lembrar aqui que o processo de estatização não foi exclusivo dos
late-late comers, como Brasil e Índia, mas que se deu também de forma
bastante abrangente na Europa pós-guerra. A Inglaterra, para dar um
exemplo hoje quase esquecido, só privatizou o seu setor energético na
década de oitenta – e até nisso foi sui generis, pois que o Estado manteve
em suas mãos a poderosíssima Golden Share (Ação de Ouro), com a qual
pode intervir nos Conselhos de Direção, sem “desprivatizar” as empresas.

15
vez, consideradas instituições complementares, em que o primeiro
é tão mais eficiente quanto melhor regulado pelo segundo.

AS TRÊS FALÁCIAS DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO E


SEUS IMPACTOS NA REALIDADE.

Na sua busca desesperada por explicações


operacionalizáveis para um fenômeno tão pouco afeito à
domesticação metodológica, os estudiosos do desenvolvimento
acabaram por cair numa armadilha muito comum ao trabalho
investigativo acadêmico: o reducionismo supersimplificador. A
partir dos trabalhos iniciais de Solow, Harrod-Domar, Arrow e
outros, formaram-se três falácias que iludiram todas as gerações
de economistas que se seguiram. Elas são:

1) O SUBDESENVOLVIMENTO TEM UMA ÚNICA CAUSA

Esta foi a principal razão pela qual o paradigma da Teoria


do Desenvolvimento mudou tanto neste meio século. Em termos
práticos, tal idéia significou o desvio de esforços no sentido da
busca por uma única falha – “X” - que, ao se verificar em todos
os casos estudados, fosse corrigida por um único remédio,
também universal.
A primeira dessas falhas, eleita ainda na década de quarenta
era o capital físico. Foi esta a fonte inspiradora do Plano Marshall,
por exemplo. O diagnóstico era simples e a solução perfeitamente
operacionalizável: faltava capital na periferia do sistema. Bastaria
que os países centrais replicassem no Terceiro Mundo a mesma
receita utilizada para recuperar as economias européias destruídas
pela Segunda Guerra Mundial, que a taxa de poupança interna

16
se elevaria rapidamente 8. Sintomaticamente, ali onde foi
implementada, esta solução não funcionou porque os “projetos
de desenvolvimento”, principalmente grandes obras de infra-
estrutura econômica, causaram desequilíbrios macroeconômicos
nos países receptores na forma apontada pela crítica neoclássica.
Em verdade, dois foram os erros cometidos: em primeiro lugar,
as técnicas de avaliação microeconômica dos projetos não
levaram em conta o impacto global (macroeconômico) dos
investimentos feitos naqueles países; em segundo, não houve
preocupação em se criar “encadeamento para frente e para trás”
na indústria. Assim, os pólos, ao invés de criar externalidades
positivas crescentes, à Perroux, tornaram-se verdadeiras ilhas de
prosperidade em oceanos de pobreza.
Por outro lado, em países que já tinham alguma infra-estrutura
anterior à chegada da ajuda financeira, tal estratégia funcionou
exatamente pela mesma razão que funcionara no caso europeu:
existência de enorme demanda reprimida por bens de consumo.
Ademais, essas economias, como Brasil, Argentina, México, Malásia
e Coréia passaram rapidamente de recipientes de ajuda externa para
captadoras de investimento estrangeiro direto, o que efetivamente
as integrou à planta industrial do capitalismo internacional.
Já ao final da década de cinqüenta, os economistas
engajados nos projetos de desenvolvimento perceberam que a
aplicação volumosa de capital externo, tanto na forma de ajuda,
como de investimento direto, não era suficiente para criar um
círculo virtuoso de crescimento nas economias receptoras, através
do investimento derivado, porque não havia uma classe
empresarial bem desenvolvida, que se dispusesse a correr os riscos
típicos da atividade capitalista, especialmente porque os

8
Vale notar que a taxa que, segundo W.W. Rostow, seria necessária e
suficiente para a “decolagem” era de algo no entorno de 15% do PIB.

17
incentivos econômicos proporcionados pela inflação crônica,
pelas altas taxas reais de juros, e pela excessiva proteção ao
produto doméstico, desenvolviam na classe empresarial local um
comportamento puramente rentista. Esta foi a segunda falha
apontada como “culpada” pelo subdesenvolvimento.
A terceira falha foi verificada, no campo, a partir do início
da década de setenta, por missões da Organização Internacional
do Trabalho que visitavam os países receptores da ajuda
internacional para medir o seu impacto sobre a estrutura de emprego.
A conclusão a que chegaram é que as altas taxas de crescimento
do produto escondiam uma distribuição altamente desigual nos
rendimentos do trabalho que se consubstanciavam numa taxa de
desemprego altíssima entre os trabalhadores com menor índice de
instrução, e em salários reais baixíssimos para esta classe de
despossuídos. A causa disso era uma grave distorção na estrutura
interna de preços relativos em favor de bens industriais e agrícolas
exportáveis que, obviamente, encontravam-se fora da cesta de
produção e consumos daqueles trabalhadores. A variante que adotou
este diagnóstico tinha no comércio internacional a quarta falha
como responsável pelo subdesenvolvimento. O principal problema
estava, na visão dos economistas neoclássicos que lhe deram forma,
no próprio governo, que ao incentivar artificialmente a produção
de bens exportáveis desviava recursos para os setores privilegiados
em detrimento do resto da economia.
A uma fusão das duas últimas visões é que devemos a
abertura radical das economias periféricas, ocorrida, mais ou
menos sincronicamente, a partir de meados da década de oitenta.9
A disputa aqui não se deu sobre a relevância do comércio

9
O Brasil começou a sua abertura comercial ainda ao final do governo
Sarney, em 1988, com uma reforma tarifária implementada pela antiga
Comissão de Política Aduaneira do Ministério da Fazenda.

18
internacional para a trajetória de crescimento da economia, mas
dos mecanismos de suporte que ela deveria ter, como proteção à
indústria nascente, e seletividade na política de exportações, para
que tal trajetória tivesse sustentabilidade. Infelizmente, as
condições de conjuntura político-econômica em que se deu a
abertura soterraram as críticas quanto ao “como fazer”.
A quinta causa do atraso relativo da periferia cristaliza-se
com uma extrapolação desta última assertiva. O governo nos
países subdesenvolvidos é ruim porque intervém
desinformadamente na economia, ocasionando males que lhes
são típicos, como inflação, corrupção, deficiências crônicas na
infra-estrutura sócio-econômica, e instabilidade/fragilidade
institucional generalizada.10 A solução? Menos “mau governo”,
ora. Como fazê-lo? Desregulando e privatizando, bolas!
A ausência de capital humano foi penúltima falha a ser
“detectada”.11 A teoria, baseada em estudos empíricos de Romer e
Lucas, no final dos oitenta, propugna simplesmente que a trajetória
de desenvolvimento é derivada do estoque de conhecimento
acumulado pela população de um país. Quão maior aquele estoque,
mais rápida a taxa de crescimento do produto. Ainda que robusta
do ponto de vista econométrico, esta tese tem dois defeitos
principais, no que toca o seu aspecto de operacionalidade: aposta
na utilização de mercado internacional como vetor do crescimento,
e desconsidera os custos de construção do edifício institucional
necessário para sua alavancagem.
Lamentavelmente, nem os recursos políticos, econômicos,
10
Vale lembrar aqui que o mercado é uma instituição social e
historicamente determinada.
11
Em verdade ela é “inventada” no fim da década de cinqüenta para
explicar porque os Estados Unidos tinham uma vantagem comparativa
revelada em bens intensivos em trabalho, e não capital. Tal fenômeno
ficou conhecido na literatura como “Paradoxo de Leontief”.

19
culturais e sociais estão facilmente disponíveis nos países em
desenvolvimento para que se construam as instituições que
catalisam o crescimento econômico, nem o mercado internacional
é perfeito a ponto de permitir a substituição pacífica de produtores
estabelecidos que se tornaram menos eficientes do que seus
concorrentes da periferia.12
Por fim, e aqui residirá nosso maior interesse, o Banco Mundial
aponta, em seu Relatório de 1997, o governo ineficaz como principal
causa do subdesenvolvimento. Chegou-se a tal conclusão por três
razões fáticas: 1) os estados latino-americanos, devidamente
desmontados, não conseguiram manter as altas taxas de crescimento
verificadas no Leste Asiático, onde o estado continuava governando
o mercado; 2) os países centrais reagiram contra o exacerbado
conservadorismo das reformas implementadas pela dupla Thatcher/
Reagan, e começaram a fazer a “reforma da reforma”, elegendo
governos democratas nos Estados Unidos e social-democratas na
Europa; e 3) o colapso mesmo das estruturas sócio-econômicas dos
países latino-americanos levou os técnicos do Banco a concluir que
os governos não se poderiam retirar da produção de bens públicos
essenciais ao funcionamento do mercado. Como dissemos, tal
conclusão é da maior relevância para qualquer governo reformista,
e será abordado com mais detalhe ao fim deste artigo.

2) UM CRITÉRIO ÚNICO É SUFICIENTE PARA AVALIAR O GRAU DE


DESENVOLVIMENTO DE UM PAÍS

Esta falácia é facilmente compreendida se nos lembrarmos de


que, até muito recentemente, a principal variável econômica tida

12
A polêmica proteção dispensada aos produtores americanos de aço é
uma demonstração cabal disto.

20
como número-síntese do grau de desenvolvimento de um país era o
PIB per capita, geralmente expresso em dólares americanos nominais.
Foi graças ao trabalho desbravador de Amartya Sen que os
economistas começaram a entender que as distâncias entre as realidades
econômicas das nações não podiam ser subsumidas numa única
expressão de caráter meramente monetário que, ademais, só conseguia
captar o nível potencial de elevação do bem-estar da maior parte da
população, e não como a sociedade realmente explora tal potencial.
Surge, assim, o Índice de Desenvolvimento Humano, calculado
regularmente pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), que é o primeiro indicador a expressar a
já mencionada multidimensionalidade do processo de
desenvolvimento.13

3) O DESENVOLVIMENTO É UM PROCESSO LINEAR

Tal idéia, errônea, sedimentou-se a partir da formulação


de Solow em que, como já se disse, a elevação do estoque de
fatores de produção é igualada a crescimento que, por sua vez,
“queria dizer” desenvolvimento, à época de sua concepção.
Apesar de sua inegável validade como instrumento de
compreensão do problema, a extrema simplicidade da equação de
Solow acabou por gerar vários corolários equivocados. Entre eles,
destacam-se as idéias de que: 1) as condições iniciais não importam
(para a trajetória futura do desenvolvimento); 2) os estágios não
importam (para a mesma trajetória); 3) não existe path dependence
(imbricação histórico-funcional dos estágios), e que, portanto, 4) o

13
O Índice de Desenvolvimento Humano considera, além da renda real
per capita, os níveis de educação, e expectativa de vida ao nascer como
parâmetros de mensuração do fenômeno.

21
receituário de políticas é universal, e atemporal. A política de ajuste
estrutural nos imposta pelo FMI é um legítimo (bebê de Rosemary)
gerado pela aplicação acrítica e burocrática de tais equívocos.14
Quatro também são as conclusões a que chegaram os teóricos
a partir de 1997: 1) que o processo de desenvolvimento é altamente
não-linear; 2) que as trajetórias são singulares; 3) que as condições
iniciais formatam a trajetória futura; e, 4) que a trajetória é flexível.
De (1), temos que o processo não é facilmente descrito por
modelos matemáticos necessariamente supersimplificadores. De
(2) pode-se concluir que o processo é determinado historicamente.
Conseqüentemente, tal como a história, a trajetória de
desenvolvimento é única para cada país. A partir de (3) inferimos
que as capacidades institucionais de uma nação, tal como o nível
educacional de sua população, o nível de autonomia política do
seu governo, e a distribuição relativa de riqueza, existentes num
dado momento, condicionam o seu desenvolvimento futuro. Ou
seja, são essas capacidades que determinam a Economia Política
do Desenvolvimento. Por fim, concluímos que a trajetória de
desenvolvimento não é nem fixa, nem “automatizável”. Isto é,
ela depende fundamentalmente das políticas que têm que se alterar
- regular, e consistentemente - segundo os princípios básicos do
planejamento estratégico.

O “ESTADO DESENVOLVIMENTISTA” NO SÉCULO XXI:


FORMA E FUNÇÃO.

Em monografia intitulada Estado, Gobernabilidad, y


Desarollo, publicada em 1993 pelo Banco Interamericano de

14
Para uma análise crítica de tais políticas, ver Killick, na lista
bibliográfica.

22
Desenvolvimento, o cientista político Luciano Tomassini constata
que “...los países latinoamericanos están percibiendo cada vez
más que el problema de la gobernabilidad constituye la principal
amenaza que enfrentan sus procesos de desarrollo político y
económico”. Ademais, nos ensina que “...desde un punto de
vista sustantivo, ...el buen gobierno, comenzando por sus
responsabilidades económicas, depende de la gobernabilidad
de la sociedad en su conjunto y ésta, a su vez, de las relaciones
entre el Estado, por una parte, y la cultura cívica, la economia y
los setores sociales por la otra.”
Do acima exposto, tem-se que a trajetória de
desenvolvimento de um país dependerá, fundamentalmente, das
condições de contorno de sua governabilidade. E essas, segundo
o mesmo autor, confinam-se dentro de uma arquitetura de “três
círculos concêntricos”. No primeiro, mais central, estão a
eficiência, a previsibilidade, a honestidade, a transparência e a
responsabilidade do setor econômico do governo, que são os
requisitos mínimos para o Estado ter a capacidade de fazer uma
economia de mercado funcionar eficazmente. O segundo círculo
abarca as condições necessárias para que o Estado possa lidar
com a sociedade em seu conjunto, que são, basicamente, a
manutenção do estado de direito, a legalidade da ação pública, a
eleição do regime político, o governo central, a função legislativa,
a administração da justiça, a administração urbana, a gestão dos
interesses regionais e locais, a segurança pública e o controle do
terrorismo. Por fim, temos no terceiro círculo, mais externo, as
condições que garantem ao governo o consenso necessário, entre
Estado e sociedade civil, para que aquele desempenhe, de forma
legítima, estável e eficiente, as suas funções. Se, nas duas
primeiras, a questão principal é o fortalecimento das capacidades
estatais para desempenho de suas funções primordiais, nesta
última instância, o importante é o desenvolvimento de instituições

23
não-estatais que possam com aquele dialogar com o objetivo de
gerar consenso a respeito da produção de bens públicos e
semipúblicos, no conhecido problema da ação coletiva.15
Nossa preocupação nessas páginas finais é descrever os
aspectos institucionais que garantam ao Estado o gerenciamento
adequado daquelas variáveis constantes nos três círculos.
Como já se disse anteriormente, o aparelho estatal é, como
toda organização humana, uma hierarquia, e como tal deve ser
estruturada.15 Neste sentido, o WDR/97, nos dá não só a
estratégia que deve ser seguida por países que se propõe a fazer
um reforma do aparelho estatal no sentido de alavancar as
mencionadas capacidades, como também nos aponta que
mecanismos devem ser usados para tal. Como a seguir.
Para que a reforma seja bem-sucedida, sugere-se que se
implemente uma estratégia em dois movimentos: 1) focar as
atividades estatais segundo sua capacidade [operacional]; 2) Criar
as condições que garantam, no tempo, a alavancagem daquela
capacidade, através do revigoramento das instituições públicas.
Em bom português isto significa que, para reformar o Estado,

15
Note-se que tanto as referidas funções estatais, como o papel das
instituições não-estatais, mudam ao longo do histórico de desenvolvimento
de uma nação.
15
Em “Beyond the Washington Consensus. Institutions Matter”, o staff do
Banco Mundial, apud Williamson, define os dois mecanismos de
coordenação entre agentes econômicos, no capitalismo, da seguinte forma
– mercados: são um conjunto de instituições (regras e seus mecanismos de
aplicação [enforcement] que delimita o campo onde se conduzem
transações discretas e impessoais, sem a necessidade de uma relação
contratual contínua; hierarquias: conjunto de regras que delimita as
transações balizadas pela verticalidade na autoridade decisória
(...hierarquias estabelecem obrigações contratuais a fim de se produzirem
bens e serviços a um custo de transação e monitoramento mais baixo do
que o requerido para transações puras de mercado.) (tradução do autor)

24
para que desempenhe o novo papel de catalisador do
desenvolvimento tem-se que, primeiro, fazer aquilo que se pode
fazer. E, segundo, preparar-se para aquilo que se tem que fazer.
No caso do Brasil, infelizmente, desde o fim da ditadura militar,
aborta-se a reforma ainda na primeira fase, e o governo fica mais
frágil a cada ciclo de alternância, o que demandará de um governo
que se queira reformista uma capacidade de planejamento e
mobilização rápida de recursos que já não se encontram no
edifício de nosso Estado. Voltamos a este ponto mais tarde.
Mas, surpreendentemente, o Banco vai ainda mais longe,
e parametriza a reforma. Diz o seu staff: ao focar a sua capacidade
nos fundamentos da boa governança, o Estado deve garantir que
a sua cidadania goze de um conjunto mínimo de direitos que
contenha: 1) estabelecer o “império da lei”; 2) implementar uma
política econômica não-discriminatória, preservando a estabilidade
macroeconômica; 3) investir em infra-estrutura social básica; 4)
proteger os mais vulneráveis; e 5) proteger o meio-ambiente, tendo
como princípio axiológico central a idéia de que “as políticas
públicas não devem objetivar tão-somente o crescimento, mas
garantir que os benefícios derivados do crescimento impulsionado
pelo mercado sejam compartilhados por todos através do
investimento em educação e saúde.”
Isto feito, o Estado deve iniciar a execução do segundo
movimento, que é o de revigoramento da sua capacidade
operacional, conseguida através da provisão de incentivos ao
melhor desempenho dos funcionários públicos, e de sanções que
coíbam ações arbitrárias [e ilegais] por parte desses. Para tal,
deve-se implementar, de maneira rigorosa, um conjunto de regras
e sanções efetivas para a ação estatal; aumentar a pressão
competitiva sobre o Estado; dar mais voz à cidadania e
estabelecer parcerias entre Estado e organizações públicas não-
estatais.

25
Como se vê, convergem as visões de Tomassini e do Banco
no sentido de que a questão fundamental é reestruturar os dois
círculos mais internos do esquema pictórico proposto pelo
primeiro. Para tanto, é condição necessária e suficiente que, na
visão daquela instituição, estabeleça-se, no aparelho de Estado,
mecanismos que garantam um aumento na pressão competitiva
na hierarquia estatal através de um sistema de recrutamento,
seleção, promoção, e remuneração baseado, única e
exclusivamente, no mérito. No caso do terceiro círculo, tal pressão
seria também elevada através da concorrência, na provisão de
bens e serviços públicos e semipúblicos, entre instituições públicas
estatais e não-estatais, segundo o critério de menor custo efetivo.17
Por fim, podemos tentar traduzir este conjunto de idéias à
prática cotidiana da governança no caso do Brasil. Num esquema
sucinto, teríamos no primeiro movimento, uma reforma na
arquitetura ministerial para privilegiar aquelas funções estatais
que se alinhassem estrategicamente com o plano de governo.
Não faz sentido fazerem-se previsões neste exercício. Mas, pode-
se intuir que certos ministérios desapareceriam, e o peso político
específico entre os que ficassem seria redistribuído segundo o
novo eixo de desenvolvimento. Ainda neste mesmo movimento,
implementar-se-ia a parte do segundo que se refere à própria
arquitetura de governança do Estado. Isto seria feito através da
eliminação dos cargos de livre provimento da linha de comando
e controle abaixo das funções de Ministro e Secretário de Estado,
e seus respectivos assessores diretos, a fim de se separar o nível
estratégico dos níveis tático e operacional da organização estatal.
Nesses, a profissionalização seria estrita, e os critérios de
promoção universais e impessoais, privilegiando-se, sempre, o
mérito individual.

17
A referência aqui seria “Reinventing Government”, de Gabler e Osborne.

26
As questões cruciais para o sucesso de uma reforma deste
tipo, no Brasil, são o timing de sua deflagração, o quantum de
força política acumulada por seus defensores durante os ciclos
político-eleitorais que antecedem a sua implementação, além do
consenso, forjado no âmbito do partido, ou da coalizão
vendedora, de se romper com a tradição perversa da prática
clientelista que orienta a ação do poder executivo, configurada
num dilema de prisioneiro clássico, na função de governar este
país. Infelizmente, tanto o momento histórico, que se quer, nas
palavras do presidente do Partido dos Trabalhadores, de
“mudança sem ruptura”, quanto a marcante fragilidade
institucional da Política (Polity) Nacional, nesta longa transição
rumo a um Estado Democrático pleno, conspiram contra este
desiderato. E, assim, confirmando o frio e duro vaticínio de
Claude Levy-Strauss, o Brasil vai ficando irremediavelmente
obsoleto antes mesmo de ficar pronto.

BIBLIOGRAFIA

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Amsterdam. Elsevier.
COASE, Ronald H. 1988. “The Firm, The Market, And
The Law”. Chicago. The University of Chicago Press.

27
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Cambridge. Harvard University Press.
SOLOW, Robert M. 1970 “Growth Theory, An
Exposition”. NY, Oxford Univesity Press.
WOLD BANK, World Development Report. New York.
Oxford University Press. 1997.

Jefferson C. Boechat é economista, especialista em política públicas e


gestão governamental.

28
Tiago Grossi

Proposta de Análise Integrada entre os Planos


Plurianuais da União, Estados e Municípios
INTRODUÇÃO

O
presente documento é uma proposta de criação de
nova metodologia para a confecção do Plano
Plurianual (PPA) do quadriênio 2004 a 2007
incorporando informações sobre programas (atividades e
projetos) dos Estados e Municípios.
Somado à experiência dos três PPAs anteriores, com a
implantação da proposta deste documento, a confecção do
próximo PPA poderá contemplar a dimensão federativa do gasto
público, incorporando informações orçamentárias dos três entes
e gerando informações para um PPA nacional.
Uma segunda contribuição que este trabalho pretende dar
à elaboração do próximo PPA é a instituição de um inventário
do patrimônio das administrações públicas como forma de melhor
dimensionar a necessidade de novos investimentos ou inversões
nas diversas regiões do País.
As vantagens da análise do planejamento federal
contemplando os esforços de parte das 5.562 (cinco mil,
quinhentos e sessenta e duas) prefeituras e dos 27 (vinte e sete
estados) são muitas, mas vale destacar quatro delas: i) maior
visibilidade da perspectiva de complementação dos
investimentos e atividades continuadas da administração federal;
ii) maior visibilidade da eficiência das transferências voluntárias
federais para Estados e Municípios; iii) melhora na eficiência
do gasto público com a possibilidade de se prevenir duplicação
29
de esforços (e gastos) ou a alocações divergentes1 entre os entes
federais; e iv) possibilidade da criação de um PPA nacional no
qual se possa perceber os esforços de todas as administrações
públicas, no geral, por região, estado ou níveis ainda menores
de agregação.
Vale lembrar que, no Orçamento da União de 2001, 11,8%
(onze inteiros e oito décimos por cento) das despesas correntes
federais é destinado às transferências para estados e municípios,
o que está de acordo com o processo de descentralização por
que passa o País. Tais transferências significam 33,9% (trinta e
três inteiros e nove décimos por cento) das receitas municipais e
20,9% (vinte inteiros e nove décimos por cento) das receitas
estaduais, o que dá a dimensão da capacidade da União influir
nas decisões orçamentárias dos demais entes federados.

1 – LEVANTAMENTO PATRIMONIAL DAS ADMINISTRAÇÕES


PÚBLICAS BRASILEIRAS

Uma informação ausente do PPA e dos orçamentos, no


País, é a inclusão, na proposta orçamentária e no plano plurianual
do estoque de equipamentos públicos 2 providos por cada
administração à disposição das populações que residem nessa

1
Por exemplo, a construção de estradas federais que não contem com
investimentos estaduais e municipais para o aumento da sua capilaridade,
de forma a aproximar esse eixo de desenvolvimento dos diversos pólos de
produção existentes nos estados e nos municípios tornando o investimento
federal sub aproveitado.
2
A expressão equipamentos públicos foi feita em analogia aos
equipamentos urbanos, os bens providos pela administração para o
funcionamento de vários aspectos da vida urbana, tais como: salas de
aula, parques, brinquedos públicos, etc.

30
região. As administrações públicas têm um estoque de bens que
são fundamentais para o funcionamento da economia e das
condições sociais das diversas regiões.
Interessante notar que o § 3° do Art. 50 da Lei
Complementar no 101, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) já
prevê a criação de um sistema de custos pela administração
pública que permita “a avaliação e o acompanhamento da gestão
orçamentária, financeira e patrimonial”. A visão, até então vigente,
é a de que apenas as receitas e despesas (variáveis de fluxo)
deveriam ser registradas. No entanto, esses dados para o
planejamento quadrienal podem agregar muitas outras
informações a respeito das necessidades orçamentárias das regiões
do País.
Com as informações sobre esse patrimônio sendo
desconsideradas pelo planejamento público, o primeiro aspecto
que prejudica a execução orçamentária é o da distribuição desses
equipamentos entre as regiões brasileiras. As políticas de
desenvolvimento regional, para serem bem-sucedidas, passam
pela equalização dessas desigualdades e pela atuação do Governo
Federal na condução desse processo.
As estradas, as hidrelétricas e as linhas de transmissão, as
salas de aula, os hospitais e postos de saúde, e outras estruturas,
fazem parte do patrimônio público brasileiro, sendo importantes
para o funcionamento da economia, por meio do escoamento da
produção, do funcionamento das indústrias, da agropecuária e
dos serviços e formas de consumo, para a educação da população,
para a saúde, e, finalmente, para o desempenho orçamentário
dos três entes da Federação.
Outro aspecto fundamental para o planejamento é o da
depreciação desses equipamentos. Cabe ao planejamento a
identificação do desgaste sofrido pelos bens no qual investiu e a
reposição programada, de forma a maximizar os efeitos dos

31
investimentos ao longo do tempo. A hipótese aqui adotada é a de
que , se bem planejada, a conservação dos equipamentos públicos
poderá significar a economia de recursos para investimentos em
novos equipamentos que venham a substituir os primeiros,
liberando a administração para investimentos que venham a
agregar maior valor à economia e maior bem-estar social, tais
como saúde e educação.
A proposta desse trabalho é a de que o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) faça o levantamento dos
equipamentos públicos em pesquisa a ser encomendada ainda
em 2003.

2 – CONSOLIDAÇÃO DOS PPA MUNICIPAIS, ESTADUAIS E


FEDERAL

2.1 - ANTECEDENTES JURÍDICOS


O Plano Plurianual (PPA) apareceu como instrumento
obrigatório do planejamento orçamentário brasileiro na
Constituição Federal (CF) de 1988. A CF estabelece a
necessidade do PPA como instrumento de planejamento apenas
da União, mas já menciona a necessidade de descentralização
dos investimentos (Art. 165)3

3
In Verbis:
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I – o plano plurianual
...........................................
...........................................
§ 1 o A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma
regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública
federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as
relativas aos programas de duração continuada.

32
A Constituição é mais explícita quanto ao papel da União
nessa questão quando trata das competências dos entes federados.
O Inciso IX, do Art. 21, atribui como competência da União:
“IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e
social,”. O plano nacional e regional de ordenação do território e
de desenvolvimento econômico e social a que se refere a
Constituição não parece ser outro que não o PPA nacional.
O enfoque na necessidade de regionalização das diretrizes
e metas do planejamento obedece ao conceito de execução dos
gastos públicos de forma descentralizada. A descentralização,
por sua vez, está imprimida no novo pacto federativo previsto na
CF, no qual a estrutura tributária, nas suas linhas gerais, está
assim definida:
1. receitas diretamente arrecadadas por União, estados e
municípios;
2. transferências constitucionais da União para estados e
municípios;
3. transferências constitucionais de estados para municípios.
Dessa forma, o município é executor das receitas de fontes
das três esferas, o estado de duas e a União é a repassadora líquida
de transferências. Essa característica da estrutura tributária está
fortemente associada ao espírito constitucional de descentralização
da capacidade arrecadatória e de regionalização das receitas
centrais. Como conseqüência, a aplicação do instrumento do
PPA deve pautar-se pelo foco da descentralização a favor do
desenvolvimento dos estados e municípios, estes últimos, os únicos
entes federados de existência material ou territorial concreta4.

4
Os estados e a União são sobreposições políticas da realidade territorial
dos municípios. Como abstrações políticas da realidade municipal, os
entes superiores emprestam novas dimensões às questões urbanas: i)

33
A obrigatoriedade da formulação do PPA por estados e
municípios foi imposta na Lei Complementar no 101, de 04 de
maio de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
No seu Art. 1o, a LRF estabelece a sua abrangência para a União,
Estados e Municípios, bem como para os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Assim, as normas emitidas abarcam toda
a administração pública no País. Por seu lado, a Lei inova ao
impor um novo rito de análise da despesa, contemplando as três
peças legais do sistema de planejamento e orçamento por meio
da “adequação orçamentária e financeira à Lei Orçamentária e
compatibilidade ao plano plurianual (grifo nosso) e a Lei de
Diretrizes Orçamentárias” (Art. 16, inciso II).
Pelo dispositivo legal acima citado, a partir do ano de 2001,
além da União e dos Estados, os Municípios se obrigam, também,
a preparar o seu PPA e a executar as suas despesas
compatibilizadas com o planejamento quadrienal.
A LRF prevê o disciplinamento das demonstrações
contábeis de estados e municípios para consolidação nas
categorias: i) despesas por grupo de natureza; ii) despesas por
categoria econômica e; iii) receitas por categoria econômica.

dimensão de utilidade econômica no caso de investimentos principalmente


de infra-estrutura que afetem a mais de um município (estrada estadual,
estações de tratamento de esgoto, projetos de irrigação); ii) nos programas
sociais: programas de combate à seca que atinjam uma região
(normalmente superior às dimensões de um município), ou o comando das
polícias civil e militar que integram a estrutura de segurança pública; iii)
programas de diminuição da desigualdade entre os diversas regiões dos
estados com reflexos para os municípios dentre as quais vale destacar a
Lei “Robin Hood” do Governo de Minas Gerais que fixa um percentual da
arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
para ser destinado aos municípios mais pobres, sob a lógica de “de cada
um segundo a sua capacidade (contributiva) e para um segundo a sua
necessidade”.

34
Por seu lado, o § 2° do Art. 50 da LRF atribui à Secretaria
de Orçamento Federal (SOF), provisoriamente 5 , a
responsabilidade por normatizar a consolidação das contas
públicas de forma a reduzir a uma mesma unidade de medida as
diversas peças orçamentárias.
Dessa forma, já existem algumas determinações legais
no sentido de disciplinar a prestação das contas públicas
pelos estados e municípios com uma padronização com a
forma hoje adotada pela União. A Portaria no 42, de 14 de
abril de 2000, da Secretaria de Orçamento Federal, disciplina
e padroniza a classificação das funções e subfunções
orçamentárias. Já a Portaria Interministerial n o 163/2000,
da Secretaria de Orçamento Federal e da Secretaria do
Tesouro Nacional, disciplina e padroniza o uso de fontes
orçamentárias. Dessa forma, espera-se que a totalidade dos
mais de cinco mil municípios brasileiros já estejam
executando as suas despesas de acordo com os seus PPAs e
que esses já obedeçam à classificação de despesas por função
e subfunção e de receitas por fontes padronizadas pelas
respectivas Portarias.
Assim, a proposta de consolidação dos PPAs dos três entes
da federação e da confecção do PPA nacional está de acordo
com o dispositivo constitucional de regionalização desse

5
Tal atribuição é válida enquanto não se constituir, por Lei, o conselho
de gestão fiscal, como se vê na transcrição da legislação:
“Art. 50 ...........................................
.........................................................
§ 2o A edição de normas gerais para consolidação das contas públicas
caberá ao órgão central de contabilidade da União, enquanto não
implantado o conselho de que trata o art. 67.
.........................................................
.........................................................

35
instrumento, obedece ao disposto na LRF, sobre a necessidade
de consolidação das contas públicas – hoje entendida apenas
como a peça orçamentária – ao propor a consolidação, também,
dos PPAs, é respaldada pelas portarias no 42 da SOF e Portaria
Conjunta no 163 da SOF e STN/2000, que uniformizaram a
classificação de funções e subfunções de despesa e de fontes de
receita, respectivamente.
Diante do exposto, o caminho para a inclusão dos PPAs
estaduais e municipais no Sistema Integrado de Administração
Financeira dos Estados e Municípios (SIAFEM), equivalente
para estados e municípios do Sistema Integrado de Administração
Financeira, sistema de informática necessário para qualquer gasto
da administração pública federal e que é estruturado para refletir
os princípios da contabilidade pública, requer dois procedimentos
relativamente simples, descritos a seguir.
Em um primeiro momento, seria necessário a elaboração
de um termo de cooperação técnica entre o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério da Fazenda,
que compreenda os seguinte itens:
I) periodicidade anual de alimentação do SIAFEM (em
função da possibilidade de alteração anual do PPA pelas
administrações;
II) prazo para a alimentação do SIAFEM com as
informações do PPA – sugere-se o prazo de três meses após o
período definido para as alterações da Lei (como o PPA deve ser
enviado ao Congresso Nacional em 31 de agosto, a data para os
Estados e Municípios enviarem as informações para a União seria
o dia 30 de setembro);
III) discriminação das alterações necessárias nos campos de
preenchimento do SIAFEM para a inclusão dos dados do PPA;
IV) discriminação de mecanismo de “travamento” do sistema
caso não sejam preenchidos os campos obrigatórios relativos ao PPA;

36
V) anexo contendo o manual para o preenchimento do PPA
no SIAFEM; e
VI) previsão de tratamento especial para os estados ou
municípios que não utilizem o SIAFEM para informar as suas despesas
orçamentárias (em especial para o Governo do Distrito Federal).
Uma segunda etapa para a inclusão desses dados comportaria
a aprovação de Portaria Conjunta pela STN/SOF vedando a realização
de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto
sobre a necessidade de alimentar o SIAFEM na forma, prazo e demais
requisitos previstos na norma, como estabelece o Art. 51.6

2.2 - ANTECEDENTES TÉCNICOS


2.2.1 - A S OBREPOSIÇÃO DAS FUNÇÕES DO ESTADO NA
CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Carta de 1988 estabeleceu os limites das competências


privativas da União, Estados e Municípios e as comuns, entre

6
In Verbis:
“Art. 51. O Poder Executivo da União promoverá, até o dia trinta de
junho, a consolidação, nacional e por esfera de governo, das contas dos
entes da Federação relativas ao exercício anterior, e a sua divulgação,
inclusive por meio eletrônico de acesso público.
§ 1o Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder
Executivo da União nos seguintes prazos:
I - Municípios, com cópia para o Poder Executivo do respectivo Estado,
até trinta de abril;
II - Estados, até trinta e um de maio.
§ 2o O descumprimento dos prazos previstos neste artigo impedirá, até
que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba
transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as
destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida
mobiliária.”

37
todos, ou dois deles7. As competências são divididas entre as
“típicas” a cada esfera e as compartilhadas. Para as primeiras,
definiu-se com mais facilidade as competências relativas à União
que são, em geral relacionadas a integração nacional (defesa
nacional, política monetária, etc), enquanto que para os Estados
e Municípios as delimitações tem eixo menos definido e, muitas
vezes, não internalizado pelas administrações. Dada a
heterogeneidade do País, não é simples definir homogeneamente
encargos “típicos” de cada esfera de governo. O rol das
competências compartilhadas na Constituição, por sua vez, é
bastante extenso e não apresenta de forma bem definida o papel
de cada ente da federação nesse compartilhamento. As
administrações federal, estaduais e municipais são co-
responsáveis por uma parcela muito significativa de atribuições

7
União
• competências exclusivas - art. 21;
• competências privativas - art. 22, parágrafo único;
• competências legislativas - art. 22;
• competências administrativas - art. 21;
• competências tributárias – residual
Estados-membros
• competências exclusivas - art. 25, §§ 2º e 3º;
• competências legislativas – residual;
• competências administrativas – residual;
• competências tributárias - art. 155.
Municípios
• competências legislativas - art. 30, I e II;
•competências administrativas - art. 30, III, IV, V, VII, VIII;
• competências tributárias - art. 156.
Área de atuação comum aos entes federativos:
• competências concorrentes/legislativas - art. 24;
• competências comuns/materiais - art. 23;
• Competências tributárias comuns - os fundos e quotas de participação
em tributos e o art. 145 da Constituição Federal de 1988.

38
de Estado e não existem instrumentos que tratem de forma
agregada as inúmeras ações necessárias ao seu cumprimento.
No quadro abaixo estão discriminadas as competências
constitucionais compartilhadas associadas às funções
orçamentárias.

Quadro 01 – Competências Comuns e Funções Orçamentárias Em Bilhões


Competência comum da Un ião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Função do Proposta Orçamentária
Municípios, suas Funções e Valores Orçamentários da União, em 2002 Atual PPA 2002 2003
e 2003
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições Essencial à 962,3 1.363,3
democráticas e conservar o patrimônio público; Justiça
Saúde 24.914,9 25.652,1
Previdência 114.123,1 131.806,2
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das Assistências 6.066,5 6.841,3
pessoas portadoras de deficiência; Social
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, Cultura 249,8 257,6
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os
sítios arqueológicos;
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e Cultura 249,8 257,6
de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
Cultura 249,8 257,6
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; Educação 13.689,2 14.122,0

VI – proteger o meio am biente e combater a poluição em qualquer de suas Gestão 1.308,6 1.114,0
formas; Ambiental
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; Gestão 1.308,6 1.114,0
Ambiental
Agricultura 8.486,2 8.331,3
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar; Organização 1.537,0 1.489,4
Agrária
Habitação 58,0 22,4
X – promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico; Saneamento 87,3 33,6

Direitos da 413,3 484,5


X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, Cidadania
promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; Assistência 6.066,5 6.841,3
Social
Gestão 1.308,6 1.114,0
XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de Ambiental
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; Energia 1.277,6 1.940,0

Transporte 4.129,1 3.589,9


XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do
trânsito. Urbanismo 63,5 29,5

Total* 176.404,1 195.713,8


*Como há a ocorrência de mais de uma função entre as competências compartilhadas pela União, Estados e
Municípios, o total é relativo ao cômputo das somas de cada função orçamentária e não as de cada competência.
** Fonte: Orçamento da União para o Exercício de 2002, Aprovado pelo Congresso Nacional, Comissão
Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, Congresso Nacional; Constituição da República do
Brasil

39
No que diz respeito aos orçamentos da União em 2002,
podemos afirmar que as funções relacionadas às competências
compartilhadas com os Estados e Municípios representam 44%
do total de recursos, desde que excluídos os valores relativos ao
refinanciamento da dívida federal, interna e externa8. Quanto à
proposta orçamentária de 2003, a relação sobe para perto de 46%9.
Apesar da relação entre as atribuições não ser direta, pode-se
supor que dos gastos do Governo Federal, mais de um terço dos
recursos são dirigidos à ações compartilhadas com os demais
entes da Federação. Naturalmente, são para essas ações que as
ferramentas do PPA Nacional melhor se aplicam.
Vale ressaltar que, das 14 funções relacionadas às
competências compartilhadas entre a União, Estados e Municípios,

8
Composição das Despesas dos Orçamentos da União – Lei no 10.407/
2002:

Orçamento Fiscal (exceto refinanciamento da dívida pública federal,


interna e externa): R$ 262.889.149.037,00 (duzentos e sessenta e dois
bilhões, oitocentos e oitenta e nove milhões, cento e quarenta e nove mil
e trinta e sete reais)
Orçamento da Seguridade Social: R$ 167.052.764.850,00 (cento e
sessenta e sete bilhões, cinqüenta e dois milhões, setecentos e sessenta e
quatro mil e oitocentos e cinqüenta reais
Refinanciamento da Dívida Pública Federal, Interna e Externa: R$
220.467.694.073,00 (duzentos e vinte bilhões, quatrocentos e sessenta e
sete milhões, seiscentos e noventa e quatro mil e setenta e três reais)

9
De uma proposta orçamentária de R$ 1.009.532.195.931 (um trilhão,
nove bilhões, quinhentos e trinta e dois milhões, cento e noventa e cinco
mil, novecentos e trinta e um reais), enviada em 31 de agosto de 2002 para
o orçamento de 2003, R$ 582.315.108.862 (quinhentos e oitenta e dois
bilhões, trezentos e quinze milhões, cento e oito mil, oitocentos e sessenta
e dois reais) correspondem aos refinanciamento da dívida pública
mobiliária federal.

40
12 fazem parte do que é denominado “área social do Governo”.
As duas demais funções da Tabela são da área de infra-estrutura
econômica (Transporte e Comunicações). Por seu lado, de todas
as funções da área social, apenas a Função “Trabalho” não é
competência compartilhada pelas três esferas de Governo.
Destacou-se nessa seção o potencial social e de infra-estrutura
do PPA integrado. A descrição das vantagens que a nova
metodologia pode oferecer para a racionalização dos gastos públicos,
principalmente nessas áreas de atuação estatal, serão descritas na
seção III - Possibilidades de Planejamento com o PPA Nacional.

2.2.2 - IMPORTÂNCIA DO ORÇAMENTO DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS

A estrutura federativa brasileira compreende uma divisão


dos gastos públicos que favorece a União, em termos absolutos,
mas que, descontando os recursos relacionados à dívida mobiliária
federal e das transferências, alça os Estados e Municípios à
condição de importantes executores dos orçamentos do País, tal
como se vê na tabela seguinte:
No cômputo de todas as receitas, a União aparece como
detentora de 71% de todos os recursos do setor público. Esse número,
no entanto, é fortemente influenciado pelo desempenho das receitas
de capital. Quando se isolam as receitas correntes, percebe-se que
arrecadação de Estados e Municípios alcança 44,4% do total.

Quadro 2 – Receitas Correntes e de Capital das Adm. Brasileiras em 2001 Em Milhões

Municípios % Estados % União % Consolidado

Receitas 71.900,1 8,5 167.773,4 19,8 608.097,1 71,7 847.771,3


Receitas 69.828,7 13,4 161.564,7 13,0 289.410,9 55,6 520.804,3
Correntes
Receitas de 2.072,1 0,6 6.208,7 1,9 318.686,1 97,7 326.967,0
Capital
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Portaria no 301, de 27 de junho de 2002

41
Tal distinção é importante na medida em que se leva em
conta a necessidade de capital para servir a dívida interna (R$
635 bilhões, em 2001) e externa (US$ 241 bilhões) e da
pequena participação das receitas de capital na composição
dos recursos dos Estados(1,90%)e Municípios (0,63%).
Enfim, somadas as receitas correntes da União com às receitas
dos demais entes da Federação tem-se um orçamento nacional
corrente com valores correspondentes a quase o dobro do
orçamento corrente da União.

2.2.3 - COMPOSIÇÃO DAS RECEITAS DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS


– O PAPEL DAS TRANSFERÊNCIAS

A Constituição de 1988 representou um marco no processo


de descentralização de receitas. Dentre as principais mudanças
então introduzidas, destaca-se a maior participação dos governos
subnacionais na arrecadação tributária total, por meio,
principalmente, da elevação de transferências
intergovernamentais, da ampliação da base de incidência do ICM,
que passou a incluir os antigos impostos únicos – (energia elétrica,
combustíveis e lubrificantes e minerais), e os serviços de
comunicação e transporte (com a extinção dos respectivos
impostos na esfera da União).
As receitas dos Estados e dos Municípios, por seu lado,
são fortemente influenciadas pelas transferências da União que
se apresentam em três modalidades: constitucionais, legais e
voluntárias. Do conjunto de transferências constitucionais da
União para os Estados e Municípios, cabe destacar as relativas
ao Imposto de Renda e ao Imposto sobre Produtos
Industrializados, que formam os Fundos de Participação dos
Estados e dos Municípios. Das transferências legais, destacam-

42
se o Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos
Industrializados (FPEX), o Fundo de Manutenção e de
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (FUNDEF). Sobre a última modalidade, de
transferências voluntárias, cabe um nível mais detalhamento de
análise uma vez que é por meio desse tipo de instrumento que a
União pode influenciar de forma mais efetiva os gastos dos
demais entes federados.
As transferências voluntárias da União que se realizam por
meio de convênios e de transferências fundo a fundo são, de
forma geral, uma forma complementar de atuação de processos
de descentralização e, nesses casos, envolvem os Ministérios cujas
políticas estão mais direcionadas para as atividades e projetos
nos Estados e Municípios. Apenas esse tipo de transferência
representou, no ano de 2001, 4,6% e 19,0% das receitas dos
Estados e dos Municípios, respectivamente. No quadro seguinte,
há um detalhamento das transferências voluntárias por ministério
no qual se observa que as áreas de saúde e educação se destacam
como as que mais transferem recursos de forma voluntária para
os Estados e Municípios.

Quadro 3 – Transferências Voluntárias da União para Estados e Municípios Em Milhões


Empenhos Liquidados
Ministérios 2000 2001
Transferências Transferências Total Transferências Transferências Total
a Estados a Municípios a Estados a Municípios
Saúde 1.785,6 7.270,0 9.055,60 2.948,1 8.989,2 11.937,30
Educação 1.086,7 1.269,7 2.356,40 1.420,8 1.311,1 2.731,90
Prev. e Assistência Social 208,6 608,2 816,80 199,8 637,2 837,00
Integração Nacional 485,2 382,0 867,20 732,7 814,5 1.547,20
Justiça 414,4 1,7 416,10 666,7 21,3 688,00
Transporte 567,1 86,9 654,00 754,6 83,3 837,90
Trabalho e Emprego 368,2 0,0 368,20 418,3 0,0 418,30
Esporte e Turismo 61,1 143,0 204,10 126,8 283,5 410,30
Desenvolvimento Agrário 76,3 198,8 275,10 42,6 225,9 268,50
Presidência da República 106,7 468,9 575,60 108,8 826,1 934,90
Outros Ministérios 214,3 261,7 476,00 360,4 446,7 807,10
Total 5.374,2 10.690,9 16.065,10 7.779,6 13.638,8 21.418,40
Observação: Os dados não consideram as transferências legais e constitucionais.
Fonte Primária: Siafi.
Fonte Secundária: Reunião de Trabalho sobre a Elaboração e Gestão do Plano Plurianual 2004-2007

43
2.2.4 - DESPESAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS

As despesas dos entes da Federação apresentam resultados


ainda mais favoráveis a Estados e Municípios do que aqueles
relativos às receitas. Em relação às despesas totais, os entes citados
respondem, em conjunto, por 28,5% do total dos gastos. Quanto
às despesas correntes, esse valor sobe para 33,6%. No entanto, é
no item investimento que se dá o número mais relevante no que
se refere às despesas.
A sabida restrição orçamentária da União frente a
compromissos assumidos com organismos internacionais
(necessidade de superávit primário expressivo para estabilizar a
relação Dívida/PIB, os compromissos de gerar excedentes ainda
maiores do que os que estão em curso, e a escolha “natural” de
sacrificar os investimentos e poupar o custeio na execução
orçamentária levou a uma diminuição sistemática da capacidade de
investimento do Governo Federal. A soma dos investimentos de
Estados(27,2%) e Municípios (9,1%) alcançou o patamar de 36,2%
do total de recursos investidos em 2001. Essa informação, em
especial, merece foco em função dos objetivos desse trabalho,
especialmente no que se refere as oportunidades de investimentos
estruturantes, ou seja, aqueles investimentos que a União e os demais
entes podem fazer de forma conjunta para dar resposta a problemas
estruturais que, com ações isoladas não alcançariam as melhores
soluções. Os investimentos estruturantes serão tratados no próximo
tópico. Os dados podem ser melhor visualizados no quadro seguinte:

Quadro 4 – Comparação das Despesas dos Entes Federados Em Milhões


Municípios % Estados % União % Consolidado

Despesas 68.914 8,2 171.082 20,3 603.435 71,5 843.430


Despesas Correntes 60,827 0,01 148.514 33,6 293.727 66,4 503.067
Despesas de Capital 6.159 1,8 12.627 3,7 318.686 94,4 326.967
Investimentos 2.072 9,1 6.209 27,2 14.580 63,8 22.861
Fonte: Portaria 161, STN

44
3 - POSSIBILIDADES DE PLANEJAMENTO COM O
PPA NACIONAL

3.1 - Projetos estruturadores: 1o foco com identificação da


complementaridade e estimativa do impacto de desenvolvimento
econômico e social para a região atingida.
i) aumento da produtividade das principais indústrias da
região;
ii) diminuição dos custos de produção das principais
indústrias da região;
iii) aumento da integração econômica (aumento da atividade
de comércio, e de prestação de serviços) da região beneficiada
pelos programas com os projetos ou atividades com as regiões
próximas;
iv) estimativa de instalação de novas indústrias em função
do investimento;
v) possibilidade de melhorar a mensuração de investimentos
privados que venham compor a proposta do PPA por meio de
parcerias com os municípios nos quais esses investimentos se
realizem; e
vi) aumento da arrecadação (municipal, estadual e federal)
em virtude dos itens anteriores.

3.2 - IDENTIFICAÇÃO DAS NECESSIDADES DE PROJETOS E


ATIVIDADES DOS ENTES DA FEDERAÇÃO SEGUNDO O NECESSIDADE DE
CADA REGIÃO

Com o instrumento do PPA nacional e do levantamento


patrimonial das administrações públicas, abre-se a possibilidade

45
de uma nova visão sobre as necessidades orçamentárias tanto no
que se refere a investimentos, quanto a atividades continuadas. O
PPA nacional mostraria a capacidade de mobilização de recursos
locais (por Município, por consórcio de Municípios, por estado
ou por consórcio de estados) para enfrentar determinado problema
de política pública diante desse quadro mais preciso e detalhado
das necessidades locais. Os esforços da União poderiam ser melhor
direcionados e proporcionarem resultados mais eficientes.
Com o levantamento patrimonial das administrações
públicas, as necessidades de investimentos se tornarão mais claras.
Um aspecto do levantamento é explicitar a alocação dos
equipamentos públicos entre as diferentes regiões de forma a se
contar com elementos mais detalhados para uma política regional
mais efetiva. Dada a correlação entre a infra-estrutura para
produção e os investimentos, parte das políticas de
desenvolvimento poderiam ser redirecionadas com maior precisão.

4) ELABORAÇÃO DO PPA COM OS FÓRUNS DE DISCUSSÃO


DE INVESTIMENTOS

Para a elaboração do PPA nacional, sugere-se a


organização das atividades de planejamento na forma de redes
de trabalho, que deverão constituir os fóruns para a aprovação
de parte dos projetos dos entes federados. Aos Estados e
Municípios beneficiados com os investimentos caberia o
fornecimento das informações necessárias e uma possível
contribuição com recursos próprios, bem como uma
participação ativa na captação, coordenação e supervisão dos
recursos privados para os “projetos nacionais”. Uma
representação da articulação entre as esferas pode ser visualizada
na figura seguinte.

46
Figura 1- Fóruns de Elaboração do PPA

Ministério do Plano de PPA


Planejamento Investimentos federal
Nacional

Fóruns

Secretaria de Plano de
PPA
Planejamento Investimentos
estadual
Estadual Estadual

Fóruns

Secretaria de Plano de
PPA
Planejamento Investimentos
municipal
Municipal Municipal

Fóruns

A realização de propostas de investimentos baseados em


estudos de impacto econômico para as regiões e administrações
beneficiadas é um pressuposto do PPA Nacional de
Investimentos, tal como sugerido no item III. Para a sua realização,
sugere-se a participação de técnicos de estados e municípios de
forma a subsidiar as decisões federais com informações sobre a
economia da área que sofrerá o impacto do investimento, com
destaque para a atividade industrial e comercial, bem como o
respectivo impacto na arrecadação dos Municípios e estado que
compreendem área.

CONCLUSÃO

A proposta do PPA Nacional, tal com visto ao longo desse


trabalho, é de implantação relativamente fácil pelas perspectivas

47
legal e de sistema de informática. Quanto a adesão dos estados e
municípios, podemos prever um grande esforço da União para a
negociação e convencimento das suas vantagens conceituais,
principalmente em relação aos ganhos de sinergia e de articulação
das políticas públicas. Um esforço adicional seria necessário para
a dar as garantias de que não se ameaçaria a soberania de cada
ente da Federação que devem exercer de forma integral todas as
suas competências, prerrogativas e obrigações. O controle social
e a participação popular no planejamento e orçamento,
experiência de grande êxito em alguns municípios, poderiam ser
incorporados nas experiências estadual e federal. Por fim, as
possibilidades abertas por essa nova abordagem permitem
vislumbrar uma forma de atuação do poder público, muito mais
próximo da população, trazendo os estados e a União para o
contato privilegiado que os municípios têm com os cidadãos
brasileiros.

LISTA DAS PRINCIPAIS NORMAS LEGAIS CITADAS:

1. Constituição Federal, Art. 165.


2. Lei Complementar no 101, de 04 de maio de 2000 (Lei
de Responsabilidade Fiscal), Arts. 1o, 2o, 50, 51 e 67.
3. Portaria da Secretaria de Orçamento Federal no 42, de
04 de maio de 2000.
4. Portaria Conjunta da Secretaria do Tesouro Nacional e da
Secretaria de Orçamento Federal no 163, de 04 de maio de 2000.
5. Portaria no 301, de 27 de junho de 2002.

Tiago Grossi é economista pela Universidade de Brasília e gestor


governamental com lotação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária
– ANVISA.

48
Marcelo Estevão de Moraes

Seguridade Social e Direitos Humanos1


INTRODUÇÃO

O
Brasil era um pária no cenário internacional nas
questões relacionadas com a proteção dos direitos
humanos até o início dos anos 90. A má reputação
começou a ser revertida com a atuação marcante do País na
Conferência Mundial dos Direitos Humanos, promovida pela
ONU, em 1993. Seguindo recomendação dessa Conferência, o
Brasil adotou o 1º Programa Nacional dos Direitos Humanos -
PNDH, em 1996. Adicionalmente, houve avanços no campo
normativo, com a aprovação de diversas leis.
Em 2002, foi editado o 2º PNDH. O objetivo do 2º PNDH
foi o de ampliar, de modo louvável, o escopo do 1º PNDH,
incorporando à agenda os chamados direitos de segunda e terceira
geração: os direitos econômicos, sociais, culturais e difusos. No
entanto, o 2º PNDH é mais uma lista de reivindicações da
sociedade civil que um programa de governo. Embora as
intenções sejam meritórias, as proposições são genéricas e pouco
tangíveis na maior parte de seus itens. Em muitos casos, há mera
repetição de disposições constitucionais ou de ementas dos
programas que compõem o Plano Plurianual de Ações - PPA do
Governo Federal, sem que haja um questionamento da eficácia
das políticas públicas em vigor destinadas a supostamente
materializar essa nova geração de direitos.

1
OLIVEIRA, Francisco. 2002.
Seminário Desafios da Previdência - Atualidade do Pensamento - Rio de
Janeiro. IPEA/IBGE.

49
Ora, o grande desafio brasileiro hoje é resgatar 53 milhões
de brasileiros da pobreza e da miséria, o que deveria ser a
prioridade do 2º PNDH: propugnar a reorientação da política
social do País em favor desse resgate, indicando os programas
governamentais que devem ser reformados por não promoverem
melhor distribuição da renda, bem como identificando os
programas já existentes mais efetivos para a redução da miséria
e da desigualdade, buscando incrementar ou preservar seus
orçamentos, metas e cronogramas de implementação, pois são
os mais suscetíveis a cortes em uma conjuntura fiscal adversa, já
que os pobres e miseráveis carecem não apenas de bens materiais,
mas também de representação política.
Ademais, assinale-se que os segmentos discriminados ou
socialmente mais vulneráveis, como mulheres, negros, crianças
e portadores de deficiência, estão sobre-representados no universo
dos excluídos.

DESIGUALDADE E DIREITOS HUMANOS

O Brasil não é um País pobre, mas é um País desigual. A


renda anual per capita do brasileiro é de R$ 6.783,002, o que
permite incluir o Brasil entre os países de renda intermediária.
Entretanto, o IPEA estima que 53 milhões de brasileiros estejam
abaixo da linha da pobreza, dos quais 23 milhões encontram-se
em situação de indigência. Em termos simples, pobres são aqueles
que basicamente conseguem suprir suas necessidades alimentares.
Indigentes são aqueles que sequer conseguem consumir as
calorias mínimas recomendadas diariamente para uma adequada
alimentação. Desigualdade e pobreza são conceitos distintos.

2
(IBGE, 2001)

50
Pode haver desigualdade sem pobreza e pobreza sem
desigualdade.
No caso brasileiro3, a desigualdade é reforçada pela
existência de um contingente de pobres e indigentes
(respectivamente, 34% e 14,5% da população) que não
encontra paralelo em outros países que estão no mesmo nível
de renda que o Brasil, países esses cujos percentuais de
pobreza se situam na faixa dos 10% da população. Se
considerarmos que a renda per capita brasileira é superior
em quatro vezes à linha de pobreza e em oito vezes à linha de
indigência, percebe-se que ambas não decorrem de uma
escassez absoluta de recursos, mas de sua má distribuição.
Importante assinalar que a má distribuição de renda deriva
também no Brasil da má distribuição de ativos (capital, terra
e, fundamentalmente, educação).
Essa realidade social desigual reflete-se logicamente na
seguridade social, em especial no sistema previdenciário. Pior,
contamina o sistema tributário, a alocação orçamentária dos
recursos públicos e a própria natureza da política social, pois a
pobreza material é acompanhada por pobreza organizativa,
relacional e de representação política. Assim, as políticas sociais
governamentais se vêem vitimadas pelo círculo de ferro da
regressividade na apropriação do gasto público. É preciso
também salientar que o gasto social no Brasil não é pequeno,
sendo da ordem de 21% do PIB, mas é capturado
fundamentalmente pelos não-pobres.
No período compreendido entre o último governo militar

3
BARROS, Ricardo P.; Henriques, Ricardo & Mendonça, Rosane. 2000 “A
Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil”, em
Henriques, Ricardo (org.) Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de
Janeiro.IPEA.

51
e o advento do Plano Real, a inflação exacerbada foi a forma
adotada de composição do conflito distributivo, o que levou
a um perverso incremento da desigualdade no Brasil nesta
época: o índice de Gini passou de 0,590, em 1980, para 0,615,
em 1990.
Em uma economia fechada, o empresariado e os
trabalhadores dos setores oligopolistas da economia
defenderam-se mediante aumento dos preços e indexação
salarial. O Estado indexou suas receitas enquanto permitia que
a inflação erodisse suas despesas, abolindo, na prática, o
orçamento público e transferindo a alocação efetiva dos recursos
públicos para o processo de execução financeira de despesas
não indexadas.
Por outro lado, a Constituição de 1988, longe de dirimir
o conflito distributivo, tornou mais difícil sua resolução, alçando
ao nível constitucional regras que imediatamente começaram a
ser questionadas na década subseqüente, sem que a janela de
oportunidade aberta pelo instituto da revisão constitucional
tivesse sido aproveitada em razão da conjuntura política e
eleitoral (CPI do Orçamento, em 1993, e as eleições nacionais
e estaduais, em 1994). A agenda política dos anos 90 foi tomada
pela discussão de reformas constitucionais compatíveis com a
almejada estabilidade econômica: reformas da ordem
econômica, do Estado, da previdência, tributária e política; cujos
resultados foram variáveis, logrando maior ou menor êxito, mas
claramente insuficientes, conforme se depreende da
permanência das quatro últimas no programa de governo do
presidente recém-eleito.
A estabilização monetária obtida em meados dos anos 90
foi importante para a redução da pobreza e da indigência no País,
pois a inflação funciona como o mais regressivo dos impostos,
afetando fundamentalmente os setores que não tem acesso à moeda

52
indexada. Saiu-se de um patamar de pobreza que abarcava entre
40% e 45% da população brasileira nas últimas décadas para o
nível atual, mais baixo em cerca de 10 pontos percentuais. Redução
dessa magnitude só havia sido verificada anteriormente por ocasião
da curta vigência do Plano Cruzado, o que evidencia os efeitos
positivos que a inflação baixa tem para a redução da pobreza.
Além disso, a esse ambiente estável foi agregada uma
política de aumento real do salário mínimo, cujos efeitos sobre a
redução da pobreza se deram no campo das relações de trabalho
e, principalmente, no da proteção previdenciária.
Entretanto, o Governo FHC conferiu uma abordagem tímida
à reestruturação do gasto social no seu primeiro mandato, tanto se
considerarmos os programas estruturais como os compensatórios
de redistribuição de renda, acomodando-se com os impactos
positivos da estabilização monetária. Entre 95 e 99, o índice de Gini
variou de 0,589 para 0,572, demonstrando o impacto marginal das
medidas adotadas no período sobre a desigualdade de renda. Só no
segundo mandato programas com concepções mais inovadoras, tais
como o Projeto Alvorada (IDH 14), o programa Comunidade Ativa
e as tardias bolsas de todo tipo (escola, alimentação, etc) foram
adotados, não sendo possível ainda captar seus resultados sobre a
redução do contingente de pobres e indigentes.
Também os efeitos da estabilidade monetária já se esgotaram
e ela é ainda precária. A política econômica brasileira tem por objetivo
alcançar metas inflacionárias pré-determinadas, mediante o manejo
articulado de uma política monetária austera, de uma política de
câmbio flutuante e de uma política fiscal capaz de gerar superávits
primários que estabilizem a relação entre dívida pública e o PIB. A
política fiscal brasileira produz um superávit primário de má qualidade,
baseado na compressão dos investimentos públicos e na elevação
da carga tributária, em um contexto de baixo dinamismo econômico.
De fato, não houve uma mudança na estrutura e nem efetiva gestão

53
do gasto público, em razão da insuficiência das reformas
implementadas. A coalizão política anti-inflacionária sustentou apenas
medidas de alcance parcial, provisórias e emergenciais, enquanto a
dívida pública crescia em uma trajetória insustentável a médio prazo.
Essa precariedade está na raiz da atual vulnerabilidade da
economia nacional. Não foi construído um novo pacto fiscal que
desse fundamento sólido à estabilidade monetária, “entendido
como el acuerdo sociopolítico básico que legitima el papel del
Estado y el âmbito y alcance de las responsabilidades
gubernamentales em la esfera econômica y social”4.
No Brasil, agora, o desafio emergencial é estabelecer um
novo pacto fiscal que permita avançar rumo à retomada de um
dinamismo econômico sustentado sem abrir mão de um ambiente
monetário estável, tarefa nada fácil que exigirá precisão no manejo
das políticas macroeconômicas.
Esse novo pacto fiscal deve abranger não apenas o
financiamento do setor público e a reforma tributária, mas
fundamentalmente a revisão da estrutura do gasto público, em
especial o social, de modo a focá-lo no combate à exclusão. É
esse último aspecto que deveria ser a prioridade da política de
direitos humanos, à luz do novo enfoque proposto pelo 2º PNDH.

PREVIDÊNCIA: MARCO GERAL

No excelente livro Desafio aos Deuses, A Fascinante


História do Risco, Peter Bernstein5 nos relata como o homem,

4
El Pacto Fiscal – Fortalezas, Debilidades, Desafíos.1998. CEPAL.
Santiago de Chile, pág. 15.
5
BERNSTEIN, Peter L.1997. Desafio aos Deuses, Uma Fascinante História
do Risco. Rio de Janeiro. Campus.

54
por meio da matemática, da estatística, do cálculo probabilístico
e da psicologia conseguiu colocar o futuro a serviço do presente
mediante o gerenciamento do risco. A previdência é uma das
filhas diletas desse processo histórico e é um instrumento pela
qual o ser humano pode se precaver quanto à ocorrência dos
chamados riscos sociais.
São riscos sociais aqueles que podem levar o ser humano
à perda de sua capacidade laborativa e, portanto, das condições
de obtenção da renda e das provisões para uma vida digna por
meio do trabalho. São riscos sociais, entre outros, a idade, a
doença, a invalidez e a morte. Conforme a natureza do evento
pelo qual se materializa o risco social, o benefício a ser auferido
pode ser considerado programado (por exemplo, no caso da idade)
ou não-programado (no caso de eventos aleatórios como a
invalidez ou a morte). As formas pelas quais se pode financiar o
programa previdenciário é uma das questões que hoje estão no
centro dos debates referentes à modelagem ou reforma dos
esquemas de proteção previdenciária.
As principais formas, grosso modo, pelas quais os
benefícios podem ser financiados são pela constituição de
reservas, mediante a capitalização das contribuições feitas pelos
participantes do plano, ou pela destinação das contribuições feitas
pelos atuais participantes para financiar os benefícios pagos à
geração anterior, que é o sistema de repartição, onde pode ocorrer
ou não a constituição de reservas parciais.
Há aqui, também, que considerar que os programas
previdenciários na sua modalidade programável podem ser de
benefício definido, quando se sabe previamente o valor do mesmo
quando de sua concessão, ou pode ser de contribuição definida,
quando o valor dependerá da poupança capitalizada acumulada
durante a vida contributiva. Nesse último caso, os planos são
naturalmente equilibrados, pois as pessoas vão receber o que

55
acumularam. Nos planos de benefício definido, as contribuições
devem ser ajustadas conforme diversas variáveis (expectativa de
vida, curva salarial, etc) de modo que sejam suficientes para
financiar os benefícios prometidos: essa é a tarefa da atuária.
Até o início dos anos 80, havia um consenso em relação à
organização dos regimes previdenciários básicos geridos pelos
poderes públicos, onde os benefícios eram definidos e a geração
passada era financiada pela geração presente. A partir da reforma
chilena, houve uma ruptura nesse consenso.
Em todo o mundo, e com o apoio de organismos
multilaterais tais como o FMI e o Banco Mundial, entrou na agenda
de reformas dos sistemas previdenciários o tema da mudança do
regime de financiamento, da forma de gestão e do cálculo de
benefício. A maior parte da América Latina (com a notável
exceção do Brasil), assim como dos países do Leste Europeu
aderiram em maior ou menor grau à opção da capitalização com
contribuição definida, enquanto os países da OCDE optaram por
reformas incrementais em seus sistemas de repartição com
benefício definido.
No caso brasileiro, esse debate afetou também as opções de
modelagem da previdência complementar fechada. Embora
organizada em regime de capitalização, a maioria dos planos, em
especial nas empresas estatais, era de benefício definido. Premissas
irreais adotadas no cálculo atuarial levaram ao surgimento de
desequilíbrios financeiros e/ou passivos atuariais, gerando ônus
adicionais para as entidades patrocinadoras desses fundos de pensão.
Hoje, dado o novo ambiente econômico, há uma tendência
a adotar a modalidade de contribuição definida como modo de
resguardar as patrocinadoras. Há também uma explosão do
mercado de previdência complementar aberta, que observa essa
modalidade. A previdência complementar do servidor público
infelizmente ainda não foi instituída pelo Congresso por causa

56
da disputa sobre qual a modalidade a ser adotada: se benefício
definido ou contribuição definida. Já em relação ao INSS, a
adoção do fator previdenciário significou a introdução de
mecanismos de contribuição definida no sistema público
financiado em regime de repartição.
Uma estratégia de ação para o enfrentamento dos desafios
postos no campo da previdência passará necessariamente por
decisões que envolvem a definição do papel do Estado na
provisão e na regulação da política previdenciária; a forma de
financiamento e seus efeitos sobre o mercado de trabalho, a
poupança e a competitividade da economia; a definição da
cobertura horizontal (segmentos sociais protegidos) e vertical
(riscos sociais cobertos) do sistema previdenciário; o efetivo
cumprimento das condições pactuadas mediante garantia de
condições de elegibilidade e do valor real dos rendimentos a
serem pagos quando da ocorrência do risco social; o
estabelecimento de mecanismos flexíveis de absorção e
amortecimento de riscos macroeconômicos e demográficos; e a
harmonização de um desenho técnico sustentável a ser conferido
à política e à instituição previdenciária com o ambiente
econômico-social, político-institucional, jurídico-constitucional
e cultural da sociedade a que deve servir. Esse último aspecto é
fundamental para evitar a transposição automática de experiências
exógenas.
Na economia política neoclássica, parte-se da idéia de que os
indivíduos desejam maximizar a utilidade e a satisfação pessoal em
um contexto de escolha limitada. Assim, é fundamental que haja
um ordenamento das preferências de forma racional. O ordenamento
racional das preferências dá-se conforme a capacidade do objeto
eleito de satisfazer ou maximizar o desejo do indivíduo. O bem-
estar individual é dado pela maximização da satisfação individual e
o bem–estar coletivo é dado quando os atos de consumo afetam o

57
conjunto das pessoas proporcionando oportunidades para o aumento
mútuo do bem-estar geral por meio das trocas.
No caso da previdência social, tem-se um desafio
intertemporal. Embora a filiação a um sistema previdenciário
tenha a utilidade concreta e irrefutável de assegurar a reposição
de rendimento do segurado em caso de perda parcial ou total,
definitiva ou temporária, de sua capacidade laborativa, o cálculo
da renda de reposição guarda correlação direta com o valor da
contribuição aportada.
Isto significa que se deve abrir mão da possibilidade de
satisfazer uma necessidade de consumo presente por uma
necessidade de consumo futura, mediante aporte de uma parte
de renda presente sob a forma de contribuição para o sistema.
Em regra, o cálculo econômico tende a apresentar uma alta taxa
de desconto do futuro, pois o futuro é incerto, sendo que a
organização “racional” das preferências maximiza a utilidade
presente em relação à satisfação de uma necessidade futura.
O sistema previdenciário básico deve assegurar uma taxa
mínima de poupança, sob a forma de contribuição dos segurados,
capaz de assegurar uma renda básica futura, sem prejuízo do
fato de que o incremento da renda tende a levar a um aumento
natural da propensão a poupar, com a incorporação eventual dos
contingentes de mais alta renda a esquemas complementares de
previdência privada, conforme se mostrem mais ou menos
atrativos em um leque de opções de investimento.
É exatamente porque existe uma tendência a maximizar a
utilidade do consumo presente em relação ao consumo futuro,
principalmente entre os segmentos de baixa renda onde é maior
a propensão a consumir, que a previdência básica é compulsória
por força de lei.
Evidentemente que, embora importante, a compulsoriedade
legal deve ser reforçada pela adesão espontânea dos segurados

58
ao sistema em razão da convicção da importância do mesmo
como fator de reposição de renda no futuro. A coerção legal
deve ser um dos fatores indutores da adesão ao sistema que deve
dar-se fundamentalmente mediante a vontade livre e convicta
dos segurados.
Assim pode-se dizer que a taxa de adesão ao sistema será
uma função decorrente da conjunção da efetividade coercitiva
do aparato público no sentido de assegurar a compulsoriedade
legal e da expectativa que os segurados tenham de que o sistema
será capaz de cumprir seus compromissos em termos de garantia
da renda futura como contrapartida da contribuição presente.
A coerção legal e a expectativa do segurado podem ter
pesos diferenciados conforme a conjuntura na garantia de um
determinado nível da taxa de adesão. As mudanças no mercado
de trabalho que apontam para uma perda de expressão do
assalariamento formal e o crescimento de outras formas de
prestação de serviços, entre elas o trabalho por conta própria,
tendem a diminuir a efetividade da ação coercitiva sobre grandes
unidades produtivas e a aumentar a importância das expectativas
do segurado e dos mecanismos de persuasão que o induzam a
aderir ao sistema.
Ora, as expectativas do segurado guardarão correlação
direta com a reputação e a credibilidade da instituição
previdenciária na garantia dos compromissos estabelecidos.
Pode-se dizer que a definição de uma estratégia de
reorganização estrutural da previdência social passa pela tarefa
tanto de melhorar os mecanismos de coerção institucional, mas
fundamentalmente pela reversão de expectativas mediante uma
mudança de reputação e aquisição de credibilidade.
Adicionalmente, mecanismos de redução dos custos transacionais
que simplificassem o ato de filiar-se e de manter-se filiado ao
sistema previdenciário poderiam também ser adotados.

59
Um sistema de previdência pode ter um desenho global
que estimule a economia, abrindo as portas para o crescimento e
a geração de emprego e renda, ou, pelo contrário, pode ser uma
fonte de desequilíbrios financeiros permanentes, com prejuízo
para o progresso econômico e social do país.
O ideal é ter um sistema de previdência que seja misto,
conjugando harmonicamente um regime básico e público com
um regime complementar, preferencialmente privado, buscando
uma combinação ótima que se articule de forma virtuosa com o
ambiente sócio-econômico.
O regime básico e público deve, em regra, observar algumas
características: ser obrigatório; ter um conteúdo solidário e
redistributivo de renda; abranger o conjunto da população
economicamente ativa; cobrir os riscos sociais internacionalmente
consagrados; assegurar beneficios definidos até um determinado
valor consentâneo com a realidade do mercado de trabalho e
com as contribuições feitas por empregados e empregadores,
tendo por base, em geral, a folha de salários.
Por outro lado, o regime complementar deve ser
preferencialmente privado, voluntário, fundado na iniciativa
individual e na capitalização das contribuições feitas,
dependendo, portanto, da capacidade de poupança individual.
O regime básico é fundamental assim para prover renda
para os segmentos mais pobres da população, e por isto deve ser
administrado pelo Estado, garantindo a subsistência a estes
segmentos e a sua capacidade de consumo quando se afastarem
do mercado de trabalho, tendo deste modo um importante papel
na sustentação da demanda agregada.
Já o regime complementar, voltado para os segmentos de
maior renda e, por conseguinte, com maior propensão a poupar,
deve exigir do Estado uma ação reguladora e fiscalizadora. Este
regime é fundamental para estimular um incremento nos níveis

60
de poupança, principalmente daquela de longo prazo,
indispensável para o financiamento de investimentos cuja
maturação é mais prolongada, podendo-se tornar inclusive um
importante instrumento de socialização e democratização do
capital.
Como é do conhecimento geral, boa parte da crise brasileira
dos últimos anos decorreu do esgotamento do modelo de
financiamento da economia, fundado em empréstimos externos
e em crescente endividamento do setor público. Para o
desenvolvimento do País hoje é crucial atrair capital externo de
risco (principalmente de grandes investidores institucionais como
os fundos de pensão estrangeiros), mas fundamentalmente
desenvolver mecanismos favoráveis ao aumento da poupança
nacional, com especial relevo para os fundos abertos ou fechados
de previdência complementar.
O que o Banco Mundial tem recomendado de inovador
em relação a esse esquema básico é a introdução, respeitadas
as peculiaridades de cada País, de um segundo pilar
intermediário, obrigatório, gerenciado pelo setor privado e
plenamente capitalizado para fins de poupança, assegurada a
correlação estreita entre benefícios e contribuições previamente
definidas.

ASPECTOS CRÍTICOS DA PREVIDÊNCIA BRASILEIRA

Na área de previdência, a reforma do sistema brasileiro


não foi concluída. Não obstante os avanços verificados nos
últimos anos no sentido da construção de um sistema responsável,
que seja viável atuarial e financeiramente, socialmente justo e
gerencialmente profissionalizado, são muitos ainda os desafios a
enfrentar.

61
O Banco Mundial publicou em 2001 um relatório sobre
as questões críticas da previdência social no Brasil 6 que
constitui importante subsídio para discussão. O diagnóstico,
em suas linhas gerais, pode ser perfeitamente subscrito por
qualquer especialista em previdência do País. O Banco
Mundial alerta, entre outros aspectos, para o fato de que em
1999, pela primeira vez, as despesas governamentais com a
previdência social de 21 milhões de beneficiários do Regime
Geral de Previdência Social – RGPS, administrado pelo INSS,
e a previdência própria do servidor público - RPPS
ultrapassaram as despesas com a educação de 48 milhões de
estudantes, em um País com cinco vezes mais gente com
menos de 20 anos de idade do que com mais de 60, o que
compromete o futuro do Brasil e, em última instância, a
própria capacidade de honrar os compromissos
previdenciários.
Em resumo, o Banco Mundial assinala a existência de
desequilíbrios fiscais insustentáveis, da ordem de 4% do PIB
em 2000: 1% no RGPS/INSS, e o restante nos regimes próprios
do serviço público. Nesses últimos residirá o problema fiscal
mais grave nos próximos 20 anos, caso não sejam feitas
reformas adicionais, embora a longo prazo o principal problema
esteja no RGPS/INSS, em razão de sua magnitude e das
distorções atuariais remanescentes, não obstante a adoção de
nova sistemática de cálculo da aposentadoria e do fator
previdenciário.
O relatório ressalta a iniqüidade social da previdência, sendo
que apenas 1% das suas despesas beneficia os 10% mais pobres
dos brasileiros, enquanto 50% são apropriados pelos 10% mais
ricos. Quanto à alta e crescente informalidade do emprego no

6
Brazil -Critical Issues in Social Security. 2001. World Bank. Washington.

62
Brasil, o Banco Mundial atribui a responsabilidade ao elevado
ônus contributivo incidente sobre a folha de salários, à fiscalização
inadequada das leis trabalhistas e à vulnerabilidade administrativa
da previdência social. Veja-se que a participação dos
trabalhadores com carteira assinada, considerando-se o conjunto
da população ocupada, caiu de 57%, em 1990, para 44,7% , em
1999.7
Por fim, o documento lamenta a baixa cobertura da
previdência complementar no Brasil, restrita a cerca de 5% da
força de trabalho. Cabe mencionar, além disso, a reduzida
cobertura do RGPS (apenas 40% da população ocupada).
Como metas dos próximos passos da reforma
previdenciária, o Banco Mundial propõe corretamente a
redução dos desequilíbrios fiscais e atuariais; o aumento da
equidade do sistema, direcionando os subsídios para os mais
pobres; diminuição da carga fiscal incidente sobre o emprego
formal; homogeneização da regulação e dos níveis de
remuneração entre os mercados de trabalho público e privado;
e estímulo à ampliação da previdência complementar
voluntária. A esses pontos pode-se agregar a necessidade de
ampliar a cobertura do RGPS, pois 60% da população
ocupada, 40,2 milhões de pessoas, não estão cobertas 8,
principalmente trabalhadores por conta própria e pobres.
Também a democratização e a modernização da gestão
previdenciária devem ser enfrentadas. É preciso ter claro que,
quaisquer que sejam os rumos da reforma previdenciária, serão
sempre necessárias instituições capacitadas para sua
consecução.

7
CECHIN, José. 2000. “Crescimento, Emprego e Previdência Social”, in
Conjuntura Social, volume 11, ano 2.. MPAS. Brasília. abril-junho.
8
Fonte MPAS/SPS, com base na PNAD 99.

63
ESBOÇO DE UMA AGENDA REFORMISTA

REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL:

Quanto à previdência básica, não obstante a aprovação da


Lei nº 9.876/99, com a introdução do fator previdenciário e a
adoção de nova fórmula de cálculo da aposentadoria por tempo
de contribuição, novas medidas serão necessárias pelo menos
para aqueles que vierem a ingressar no mercado de trabalho.
As mudanças introduzidas permitiam ao MPAS prever em
2000 que a necessidade de financiamento adicional do RGPS
ficaria estabilizada entre 0,8 e 1% do PIB até 2020, deteriorando-
se a partir desta data, desde que o País crescesse entre 3,5% e
4% ao ano, o que não tem ocorrido. De fato, os desequilíbrios
verificados posteriormente foram superiores a esta previsão.
Ademais, mesmo que não o fossem, por razões demográficas,
esse resultado seria insatisfatório.
Até 2020, o Brasil se beneficiará do chamado bônus
demográfico, gozando neste período da menor razão de
dependência (relação entre dependentes e população em idade
ativa) de toda a sua história: é um momento único para reverter
o deficit e acumular provisões para os tempos difíceis, com a
distribuição paulatina dos sacrifícios entre diversas gerações.
Em resumo, os brasileiros estão vivendo mais, ficando mais
velhos e tendo menos filhos, o que afeta o modelo em vigor.
Desperdiçar essa oportunidade única seria um crime contra o
futuro do País.
Já que os maiores custos políticos já foram assumidos com
as correções adotadas pela Lei nº 9.876/99, aplicáveis aos
segmentos mais vocais e bem situados no mercado de trabalho, a
opção é adotar o sistema de contas individuais de capitalização
escritural. Com ele, cada segurado da previdência passa a ter uma

64
conta onde são registradas as suas contribuições e as de seu
empregador, no caso do segurado empregado. Estes valores são
capitalizados e o cálculo do benefício é feito considerando-se o
montante acumulado na referida conta e dividindo-se pelo número
de meses de sua expectativa de sobrevida no momento da
aposentadoria. O regime de financiamento continua sendo o de
repartição simples, sendo a arrecadação destinada a pagar os
compromissos assumidos pelo sistema. A contabilização individual
funciona como um mecanismo destinado a garantir a transparência
na gestão e a dar visibilidade aos subsídios existentes. É um sistema
que estabelece perfeita equivalência entre esforço contributivo e
benefício assegurado, desde que as tábuas de mortalidade com as
expectativas de sobrevida por faixa etária sejam atualizadas
conforme a dinâmica do envelhecimento populacional. O Estado
garante uma renda mínima, caso os recursos de contribuição sejam
insuficientes, de modo que subsídios sejam concedidos
exclusivamente aos necessitados.
A proposta tem a legitimidade das idéias simples, capazes
de gerar adesão e apoio. Nos países europeus em que foi adotada
(Suécia, Itália, Polônia), expressou amplo consenso entre liberais,
social-democratas e sindicalistas.
Observe-se que aqui se trata basicamente dos riscos
programáveis (aposentadorias comuns). Adiante serão abordados
os riscos aleatórios (morte, doença, invalidez, etc). Dada essa
contabilização e transparência, é possível acoplar um sistema de
transferências para os setores mais pobres (solidariedade real ao
invés da solidariedade invertida hoje existente), suprindo as
necessidades dos segmentos que apresentaram uma vida laboral
mais irregular ou insuficiência contributiva para auferir por meios
próprios uma aposentadoria digna, ou seja, um esquema
redistributivo, capaz de assegurar valores mínimos de reposição.
A calibragem do esquema redistributivo tende a determinar os

65
incentivos à contribuição dos setores mais pobres. É preciso ter
claro que para todos os fins - econômico-fiscais, sociais, auto-
estima do segurado - sistemas semicontributivos são melhores
que sistemas integralmente não contributivos.
De onde virá o recurso para financiar essas transferências se
há estreita correlação entre contribuição e benefício? Vale esclarecer
que essa estreita correlação aqui propugnada relaciona-se apenas
às contribuições de empregados e empregadores incidentes sobre
os salários até o teto de cobertura do regime geral, que é de R$
1.561,56 hoje no Brasil. As contribuições dos empregadores sobre
as parcelas salariais acima deste valor devem caracterizar uma
contribuição solidária destinada não apenas a complementar os
benefícios dos setores mais humildes (na faixa de 1 a 3 salários-
mínimos, aproximadamente) como bancar o seguro de eventos
aleatórios (pensões por morte, auxílio-doença, aposentadoria por
invalidez, salário-maternidade, etc) assim como o salário-família.
Estima-se que essa contribuição recolhida pelo
empregador sobre as parcelas salariais superiores a R$ 1.561,56
represente cerca de 17 % da receita total sobre a folha de salário.
Essa seria a forma que o sistema de notional accounts teria no
Brasil, até porque hoje não se pode abrir mão de um centavo
da receita dado os compromissos do sistema. Portanto, o sistema
como um todo não se reduziria a uma poupança individual em
detrimento da solidariedade, pelo contrário, permitiria direcionar
a solidariedade para os que dela necessitam. Esse ajuste
permitiria uma racionalização da despesa previdenciária e
poderia abrir espaço para a redução gradativa das contribuições
incidentes sobre a folha de salário ou sua substituição parcial
por outras fontes.
Estelle James reconhece a opção por um sistema escritural
como uma reforma estrutural, ainda que limitada ao primeiro pilar
do regime básico, pois esta alternativa não se confunde com a

66
introdução de um sistema multipilar conforme preconizado pelo
Banco Mundial9.
Segundo James10:
“Em suma, o sistema escritural de contribuição definida é
atraente para países que têm dívidas previdenciárias implícitas
muito altas, principalmente aqueles países que não estão
dispostos a incorrer num déficit fiscal explícito para financiar a
transição e que, portanto, acabarão com um grande primeiro
pilar relacionado à renda.”
O sistema de capitalização escritural apresenta, é verdade,
algumas dificuldades. Uma é que sua aplicação imediata é prejudicada
pela inexistência de registros confiáveis de vínculos e remunerações
para as pessoas que se encontram em estágios mais avançados em sua
vida laboral e, portanto, mais próximos da aposentadoria. Além disso,
mesmo que houvesse registros confiáveis, as altas taxas de inflação
do período pré-Real tornariam complexa a atualização dos valores.
Outro problema identificado diz respeito à sensibilidade do
sistema à taxa de capitalização utilizada e, portanto, à possibilidade de
manipulação dos resultados conforme a variação dos juros aplicados.
As ressalvas apresentadas são pertinentes, mas não
insuperáveis. De fato, essas regras valeriam apenas para os futuros
segurados, valendo para os atuais segurados a sistemática de
cálculo do benefício prevista na Lei nº 9.876/99.
Vale lembrar que a engenharia operacional destinada à
contabilização e apropriação individual das contribuições e do
histórico funcional dos segurados já existe: é o Cadastro Nacional
9
World Bank1994. Averting the Old Age Crisis: Policies to Protect the Old
and Promote Growth. Washigton DC: World Bank and Oxford University
Press.
10
JAMES, Estelle. 2001. Novos Sistemas Previdenciários: Experiência,
Evidências e Questões Pendentes. In A Economia Política da Reforma da
Previdência. Brasília. MPAS. pág.21

67
de Informações Sociais – CNIS. Os dados do CNIS referentes
aos vínculos empregatícios e às remunerações de cada segurado
já são hoje atualizados mês a mês pela GFIP, guia de recolhimento
do FGTS e de informações para a Previdência Social, o que
permite também identificar eventual variação decorrente de
evasão, sonegação ou fraude.
No que se relaciona com a taxa de juros, para evitar
manipulações ad hoc, dever-se-ia buscar sua vinculação com o
desempenho de alguns agregados macroeconômicos, tais como
a taxa de crescimento do PIB, da massa salarial, ou uma fórmula
que expressasse o desempenho da economia brasileira. Com isso,
além da transparência desejada, os compromissos gerados pelo
novo sistema estariam sempre adequados à capacidade econômica
do País. Criar-se-ia também um fator adicional de coesão social
à medida que todos os segurados seriam “acionistas” da empresa
Brasil por meio do sistema previdenciário e se beneficiariam
solidariamente do desempenho econômico nacional.
A proposta permite agregar as virtudes de disciplina fiscal
com a manutenção do regime financeiro de repartição simples,
cuja ruptura para um sistema de capitalização efetiva geraria
custos inadmissíveis de transição, estimados entre 1,8 e 3,5 PIB.
Também viabiliza o monitoramento individual das contas,
permitindo a mudança de reputação da instituição previdenciária,
aumentando sua credibilidade e favorecendo a adesão ao sistema.
Erros na condução da transição, com a explicitação de
grandes dívidas previdenciárias implícitas quando da adoção de
um regime multipilar, podem levar a uma catástrofe fiscal. Segundo
Bernal-Meza11, parte da crise fiscal argentina deve ser atribuída a

11
BERNAL-MEZA, Raul. 2002, is Entrevista ao Correio Braziliense.
Universidade de Buenos Aires. 28 de julho.
(www.2.correioweb.com.br/cw/edição 20020728)

68
erros no desenho do novo sistema decorrentes de uma avaliação
inadequada dos custos de transição e de seu financiamento:
“Quando você avalia a configuração do déficit público,
um dos aspectos mais importantes foi a transferência dos
sistemas de previdência ao setor privado (o Estado Argentino
continua pagando as aposentadorias, mas não arrecada). Isso
foi uma exigência externa.”
Por fim, deve ser considerada a incorporação do FAT (seguro-
desemprego) à Previdência, conforme determina a Constituição, tanto
em seu texto original, como na redação conferida pela Emenda
Constitucional nº 20. Com isso, será possível articular sinergicamente
a abordagem dos riscos sociais de natureza econômica com aqueles
de natureza fisiológica. No caso do desemprego, enfrentando as
questões que a densidade do emprego acarreta para o cálculo
previdenciário; no caso da exclusão, também considerada como risco
econômico, concedendo microcrédito produtivo para os pobres, com
os recursos do FAT, cerca de R$ 53 bilhões em 2002. É preciso
criar um mercado financeiro para os pobres, dentro de uma estratégia
de geração de emprego e renda, assim como regularizar seus ativos
e assegurar-lhes a documentação civil básica.
Aperfeiçoando-se o seguro-desemprego, com sua
incorporação à Previdência, deve-se discutir a possibilidade de
atribuir caráter previdenciário ao FGTS tornando-o o embrião
de um pilar previdenciário obrigatório capitalizado em contas
individuais, conforme o modelo proposto pelo Banco Mundial.
Para os trabalhadores, o que vier é lucro, considerando que o
FGTS oferece a menor taxa de remuneração aplicável a ativo
financeiro e seus recursos ainda são utilizados em grande parte a
fundo perdido: é um desenho insustentável gravado de grande
risco fiscal. Para financiar a transição entre a aplicação das regras
atuais de saque para as novas de caráter previdenciário, conviria
vincular parte da dívida ativa da União a tal fim, estimada em

69
2001 em R$ 126 bilhões. A dívida ativa total, incluindo a
previdenciária, é de estimados R$ 197 bilhões, não computando-
se os créditos ainda na fase da cobrança administrativa (Conselhos
de Contribuintes e CSRF na Fazenda e CRPS na Previdência).12
Do ponto de vista administrativo, o Governo deve assumir
como compromisso social a implementação da gestão quadripartite
da previdência social, conforme já prevê o texto constitucional,
transformando-a em uma instituição pública, mas não estritamente
governamental, conforme já advogava o relatório Britto, em 1992.
A convicção é de que não se pode aperfeiçoar o regime
básico de previdência social no Brasil sem compromissos mais
amplos entre Governo, trabalhadores, empregadores e
aposentados mediante a gestão compartilhada do mesmo, com a
criação de espaços institucionais de pactuação dos interesses em
questão. A viabilização da gestão quadripartite está associada à
conclusão do processo de modernização e profissionalização da
gestão previdenciária, pois a existência de um corpo técnico-
administrativo capacitado para o exercício das funções executivas
e burocráticas é fundamental para que o Conselho Nacional de
Previdência Social possa funcionar como um grande conselho
de administração, fixando metas e cobrando resultados, e para
eliminar de vez a politicagem clientelista no cotidiano da
previdência. Nesse sentido, é preciso reconhecer o esforço
recente, com o apoio de organismos multilaterais, envolvendo a

12
O então Secretário-Executivo do Ministério da Previdência José Cechin
declarou que a Previdência tinha os seguintes créditos: R$ 54,6 bilhões
estavam regularmente parcelados, R$ 20 bilhões estavam em fase de
constituição administrativa e R$ 48,8 bilhões estavam em processo de
execução judicial. Diário de Pernambuco, Caderno B, 24/02/2002, pág.
6. Os números mencionados acima constam de reportagem do Jornal do
Brasil, 23/08/2001, pág. 14. Há discrepâncias entre os montantes
divulgados, mas convergência quanto à ordem de grandeza.

70
elaboração de plano diretor de tecnologia e informática, de
planejamento estratégico e a implantação de um modelo de gestão
para o INSS baseado na remodelagem dos processos internos e
na articulação de parcerias.

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

No campo da previdência complementar, a aprovação das


Leis Complementares nº 108 e nº 109, ambas de 2001, propicia
a democratização do acesso, o incremento da concorrência e maior
segurança ao setor, com regras de prudência na gestão dos
recursos e flexibilização de procedimentos em favor dos
participantes. Falta a criação de uma agência reguladora e
fiscalizadora da previdência complementar, profissionalizada e
aparelhada, para que se assegure a credibilidade do regime,
precavendo-o da síndrome dos montepios, pois se existe algo
que é consenso na literatura especializada é o caráter fundamental
da supervisão, regulação e fiscalização públicas para o
desenvolvimento, a segurança e a solvência do setor.
A possibilidade de instituição de fundos de pensão fechados
por parte de entidades de classe é um avanço trazido pelo advento
da nova legislação porque permitirá maiores opções de filiação e
competição entre fundos, em favor principalmente dos autônomos
e profissionais liberais. É sem dúvida uma alternativa para a
democratização do acesso, evitando eventual cartelização do setor
por parte de seguradoras e bancos. Importante também a
introdução da portabilidade dos ativos e da concessão de benefício
diferido, aspectos que conferem sem dúvida maior flexibilidade
em benefício dos participantes.
Por outro lado, na previdência complementar aberta falta
transparência em relação aos custos de administração. São em geral

71
cobradas duas taxas: a de gestão financeira (que seria a taxa de
administração propriamente dita, incidente sobre o patrimônio) e
a taxa de carregamento (em geral variável, incidente sobre os
montantes aplicados). Em geral, é dada visibilidade à primeira (cujos
valores são mais baixos), mas não à segunda taxa. As duas somadas
podem levar a uma expressiva queda do retorno a longo prazo,
com prejuízo dos investidores desinformados que não são
devidamente alertados para os custos reais de administração.

PREVIDÊNCIA DO SERVIDOR PÚBLICO

A previdência funcional tem que ser reformada por razões


de eqüidade e de financiamento. Por um lado, a introdução do
fator previdenciário e a ampliação do período de contribuição
computado para cálculo de benefício no INSS aumentaram a
desigualdade de tratamento existente entre trabalhadores da
iniciativa privada e o funcionalismo público. Por outro, a
necessidade de financiamento da previdência funcional nos três
níveis de governo já é estimada em cerca de 4% do PIB para 2002.
No que concerne aos regimes próprios no serviço público,
a reforma foi em parte vitimada pelo conflito entre Executivo e
Judiciário acerca da política remuneratória da magistratura.
Entretanto as alterações constitucionais decorrentes das reformas
administrativa e previdenciária, materializadas por meio das
Emendas Constitucionais nº 19 e nº 20, praticamente permitem
a abolição do regime de privilégios previdenciários dos regimes
próprios de previdência - RPPS, ao menos para os novos
servidores públicos. Por um lado, porque autorizam a contratação
de novos servidores em regime de emprego público13, celetista,

13
Cuja constitucionalidade ora se encontra sob a apreciação do STF.

72
com vinculação ao INSS e com benefícios limitados ao teto do
RGPS que é hoje de R$1.561,56.
Por outro lado, mesmo no caso de admissão futura de
servidores em um regime estatutário, permitem que os poderes
públicos, caso instituam regimes de previdência complementar,
possam limitar suas obrigações à garantia de um benefício básico
cujo valor máximo estará limitado ao teto já mencionado do RGPS/
INSS. Em qualquer hipótese, pelo menos para os novos servidores,
será possível praticamente uma homogeneização com as regras
previdenciárias válidas para os trabalhadores da iniciativa privada.
Desmontada a bomba-relógio estrutural com a
implementação das medidas mencionadas, o desafio será o de
amortizar o custo do “esqueleto” representado pelo RJU em
extinção que permanecerá aplicável aos atuais servidores, cujo
montante e prazo dependerão da capacidade do País de introduzir
reformas constitucionais adicionais no RPPS nos próximos anos.
As condições de elegibilidade e os critérios de cálculo de
aposentadorias e pensões, fixados na Constituição, são os mais
generosos estabelecidos cumulativamente para o serviço público
em todo o mundo: em lugar algum do planeta é possível aposentar-
se com limites etários tão baixos associados a taxas de reposição
do salário da ativa tão altas (100%) e deixar pensões tão generosas.
Um regime que assegura benefícios de tal ordem é necessariamente
caro e leva a um aumento crescente do valor das contribuições a
serem aportadas pelos cofres públicos e pelos segurados, sendo
que há limites óbvios à capacidade de contribuição de ambos.
A verdade é que a Constituição, em sua redação atual, é
contraditória: ao tempo em que impõe a necessidade de equilíbrio
financeiro e atuarial, nega hoje, com sua liberalidade, as
condições de viabilidade do RPPS. Assim, reformas
constitucionais adicionais serão inevitáveis, principalmente no
que concerne ao cálculo dos benefícios, às idades de

73
aposentadoria, à paridade entra ativos e inativos e às obrigações
contributivas de aposentados e pensionistas do serviço público.
As limitações do atual modelo, entretanto, não justificam a
não implementação por parte do Governo Federal de todas as
determinações contidas na Lei nº 9.717/98 e suas alterações
subseqüentes. Ademais, o Governo Federal poderia se inspirar
em diversos Estados, como Paraná, Bahia e Rio de Janeiro, que
têm constituído fundos e provisionado recursos para fazer frente
a passivos financeiros e atuariais de seus RPPS.

CONCLUSÃO

No campo da política social, há necessidade de superar o


hiato entre a sociedade civil organizada, formalizada e protegida,
e a população excluída. No que concerne às políticas trabalhistas
e previdenciária, sua cobertura é limitada hoje, fundamentalmente,
ao mercado formal de trabalho e aos 45% da população ocupada
que são assalariados com carteira14.
A política social brasileira tem sido mais mecanismo de
reprodução da desigualdade estrutural do que instrumento de
incorporação dos segmentos economicamente excluídos ou de
redução das diferenças sociais. Na verdade, não chegamos a
conhecer o Estado de Bem-Estar Social. A cultura do privilégio
nos levou muitas vezes ao Estado de Mal-Estar Social que, ao
reproduzir as estruturas de desigualdade social, não foi capaz de
resolver os problemas das maiorias.

14
No caso da previdência, existe por um lado, um contingente de
trabalhadores por conta própria que são contribuintes individuais e
estão filiados ao RGPS/INSS, e por outro, um subsistema rural de natureza
quase assistencial.

74
Conforme recomendação da CEPAL sobre o tema:15
“Los grados efectivos de focalización distan
significativamente de los límites máximos o potenciales, lo que
acusa la existencia de un gran espacio para incrementar el efecto
distributivo del gasto social, ya que si bien la incidencia de
algunos de sus componentes es muy progresiva (educación
primaria, salud y, en menor medida, educación secundaria),
otros benefician fundamentalmente a los sectores medios
(vivienda) o tienen un carácter regresivo (seguridad social y
educación superior). Por este motivo, los esfuerzos por obtener
un mayor efecto distributivo del gasto social deben centrarse en
el diseño de mecanismos que permitan reducir la regresividad
de esos últimos componentes.”
Em uma institucionalidade democrática e em um contexto
de busca de uma ordem social mais igualitária, um novo pacto
fiscal deve basear-se em uma lógica de reciprocidade entre custos
e benefícios no desenho das políticas públicas. A benefícios difusos
devem corresponder custos difusos. A benefícios concentrados
devem corresponder custos concentrados. Essa lógica somente deve
ser contraditada por uma política claramente redistributiva que
direcione custos concentrados sobre os decis superiores da
população, concentradores da renda nacional, para os decis
inferiores excluídos da participação na mesma. O desafio maior é
de combater e desmontar políticas que ensejam benefícios
concentrados e custos difusos.
Evidentemente, o critério aqui exposto é ideal e
basicamente serve para identificação e avaliação do grau de
reciprocidade e pertinência de políticas públicas concretas.
Também é óbvio que a revisão das políticas públicas (policies)

15
CEPAL. 1998. El Pacto Fiscal – Fortalezas, Debilidades. Desafíos.
Santiago de Chile. pág. 192.

75
à luz dos critérios mencionados é uma grande tarefa política
(politics) e está condicionada pela realidade de poder dos grupos
sociais envolvidos.
Por fim, admitindo-se a validade da tipologia de Lowi16 de
classificação e caracterização das políticas públicas, a
implementação dessa ampla agenda redistributiva demandará a
atuação direta da Presidência da República como promotora do
processo. Nesse aspecto, fará diferença aqui o papel de liderança
política17 a ser exercida pelo Presidente Lula e o forte simbolismo
de sua trajetória pessoal que concilia e representa o caleidoscópio
social brasileiro: o retirante excluído que venceu a fome; a
identidade construída no mundo do trabalho e da produção; o
líder sindical que contestou o corporativismo autoritário; o líder
político que ampliou os limites da democracia.
Há por fim uma verdade óbvia que não pode ser esquecida.
Nenhum sistema previdenciário pode pagar ou prometer mais
do que a economia que lhe é subjacente pode financiar, ou seja,
a proteção prometida tem que guardar correlação com a riqueza
produzida, sob pena de se cometer um estelionato das esperanças
e expectativas dos segurados. A previdência social deve se
estruturar de forma sinérgica com um projeto civilizatório nacional
mais amplo, politicamente democrático, socialmente justo e
economicamente dinâmico. A intenção é que, com esse enfoque,
a agenda aqui delineada possa representar uma estratégia
adequada para unir e conciliar as aspirações da política de direitos
umanos com o desafio de reformar a seguridade social.
16
LOWI, Theodore J. 1995. Four Systems of Policy, Politics, and Choice. In
Mc Cool, David. Public Policy: Theories, Models, and Concepts. New
Jersey, Prentice Hall.
17
Como fez diferença a liderança exercida pelo Presidente Fernando
Henrique para garantir a estabilidade política e econômica do País por
oposição ao turbulento início dos anos 90.

76
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Marcelo Estevão de Moraes é especialista em políticas públicas e gestão


governamental, bacharel em direito, pós-graduado em ciência política e
em relações internacionais, consultor e pesquisador do Núcleo de Pesqui-
sa em Políticas Públicas da UNB. Foi secretário de Previdência Social do
Ministério da Previdência (1994/1999) e Secretário de Estado Adjunto
dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça (1999/2000).

79
Sérgio Rosa

Reforma da Previdência: Política de Estado ou


Política de Governo?

I. INTRODUÇÃO

A
crise financeira dos Estados nacionais, a partir do
início da década de oitenta, tem feito da
previdência social um tema recorrente na pauta
da agenda política de quase todos os países. Na verdade, a
própria crise reflete, em grande medida, o colapso dos sistemas
de seguridade social, nos países desenvolvidos, e dos sistemas
de previdência social, nos países em desenvolvimento, e, tanto
nuns quanto noutros, a discussão tem-se concentrado nos
aspectos atinentes às contas públicas. Todavia, vale destacar
que quando tomada única e exclusivamente por essa
perspectiva, a questão fica, nos mais diversos países, reduzida
ao mesmo diagnóstico, qual seja, promover o ajuste entre
despesas e receitas públicas.
Iniciar o debate sobre a previdência a partir da
perspectiva orçamentária, embora seja uma maneira
simplificada de se chegar a propostas com grande viabilidade
técnica, tende, em geral, a envolver atores sociais que não
fazem parte da solução, mas que podem contribuir para reduzir
o alcance, ou mesmo estorvar, a resolução do problema.
Propostas que partem do pressuposto de que o problema da
previdência é um antes um problema de contas públicas, são
de aplicação politicamente limitada e, por conseguinte, de
soluções de curto prazo.
80
Não obstante, os governos, para construir a própria
governabilidade, têm de apresentar, pelo menos, uma solução
de curto prazo para o problema da previdência social, sem o
quê, torna-se inviável o exercício do poder. Para um governo
que se inicia, o melhor indicador sobre qual será o tratamento
dado à questão previdenciária está na forma de se pautar a
agenda política. Se a discussão dos problemas da previdência
restringir-se à perspectiva meramente orçamentária, isto
constitui um claro sinal de que está se pensando apenas em
soluções de curto prazo, ao passo que, se a discussão pautar-
se pela definição de uma política previdenciária propriamente
dita, aí, sim, estar-se-á tentando construir uma solução de longo
prazo.
Com base tanto no conceito de política de governo,
quanto no de política de Estado, que são categorias teóricas
de grande utilidade analítica, será desenvolvida uma
compreensão global do problema sob estudo, a partir do
entendimento de uma situação específica. Assim,
considerando que os problemas da previdência são bastante
semelhantes em toda parte do mundo, quando tomados pelos
aspectos financeiros, e, em contrapartida, assumem feições
distintas em razão de características marcadamente culturais.
Abaixo, então, será ilustrado um caso bem típico da cultura
brasileira e, por isso mesmo, bastante eloqüente para ressaltar
as peculiaridades da reforma do sistema previdenciário
brasileiro.
É fato bastante comum nas repartições comemorar o
aniversário de cada empregado com uma espécie de
banquete, que é oferecido pelos próprios colegas de trabalho.
Em geral, tudo se origina de maneira espontânea e a partir
das relações informais, de caráter interpessoais, que surgem
entre os servidores dos diversos setores. A partir daí a coisa

81
vira rotina, ganha dimensão e autonomia com o subseqüente
surgimento espontâneo de um grupo informal para organizar
as atividades. Com a finalidade de dividir as tarefas, uns
fazem a coleta entre os colegas de uma contribuição módica;
outros providenciam a compra ou elaboração dos comes-e-
bebes; e outros, ainda, ficam por conta da organização do
evento, propriamente. Na maioria dos casos, tudo ocorre de
maneira sigilosa, para que o homenageado não perceba
movimentação alguma, e sempre há pessoas que se dispõem
a desempenhar as mais diversas atividades, na falta daquelas
que, consuetudinariamente, vão se tornando titulares nas
respectivas funções.
É certo que o fator surpresa consiste no segredo da
demonstração de apreço, mas é natural que se crie entre os
prováveis homenageados uma certa expectativa relativamente
ao evento, como que adivinhando que seu dia não será esquecido.
O fato é que, sempre, na hora "h", aparece gente de todos os
setores, dando, então, a dimensão exata da quantidade de pessoas
que, apesar de trabalharem próximas, dificilmente se vêem, ou
se falam, mas que dependem inexoravelmente do trabalho mútuo.
E assim os eventos se sucedem dentro da normalidade produtiva
das organizações.
O curto relato do cotidiano de uma repartição, acima
apresentado, tem por finalidade servir de fio condutor para
balizar a linha de raciocínio que se seguirá no tratamento do
tema previdência social. Com efeito, as questões que seguem
foram elaboradas com o condão de restringir o foco da
abordagem à dicotomia estabelecida entre política de Estado
e política de governo. Ao final, pretende-se demonstrar de
que maneira uma política de longo prazo, como a
previdenciária, cujo ciclo requer pelo menos vinte anos para
se completar, pode constituir-se em uma política de governo.

82
Ou, sob outro ponto de vista, quais aspectos de uma política
de longo prazo podem ser considerados como elementos de
uma política de governo.
Dadas as características das sociedades modernas, é
praticamente impossível conceber um país industrializado sem
um sistema de previdência institucionalizado, seja ele privado,
público, ou mesmo misto. Então, a primeira questão que se coloca
é qual o alcance da política de Estado e a de governo para criar
um modelo institucional capaz de contribuir para a promoção do
objetivo maior de cada sociedade?
Apesar de os sistemas de previdência social reproduzirem,
em certo grau, a estratificação social de determinado período
histórico, as organizações sociais estão em constante processo
de reorganização. Sendo assim, no afã de acompanhar as
mudanças historicamente determinadas, de que forma as políticas
de governo podem diferenciar-se umas das outras, sem que haja
ruptura nas políticas de Estados?
Considerando ainda que as fontes de financiamento da
previdência social não só são limitadas, como também se
encontram esgotadas, em razão da crise nas contas públicas, até
que ponto a escassez de recursos é determinante para o desenho
das políticas de governo?
Por fim, a questão mais relevante que se nos apresenta é
em que consiste o verdadeiro espírito da previdência social e de
que forma a política de governo pode contribuir para a consecução
da política de Estado, dentro deste espírito?

II. LIMITE ENTRE POLÍTICA DE ESTADO E


POLÍTICA DE GOVERNO

Existe, do ponto de vista conceitual, alguma diferença

83
relevante entre política de Estado e política de governo? E
qual seria? Considerando que a resposta à primeira questão
é afirmativa, e à segunda é a trivial, de que uma está no
longo prazo e a outra no curto, conseqüentemente, estar-se-
ia fazendo uma distinção muito simplista entre Estado e
governo.
Por outro lado, como o objetivo não é explorar a
distinção, porém o limite desta relação, é bastante razoável
que aqui se trabalhe apenas com os aspectos atinentes à
amplitude de cada conceito. Neste caso, torna-se lícito
considerar a relação lógica da característica temporal, apesar
de se saber que ela não esgota a definição. A intenção deste
reducionismo é, pois, manter o foco única e exclusivamente
nos elementos relevantes para a argumentação que está sendo
desenvolvida.
Sem entrar propriamente no mérito da questão conceitual
e considerando apenas que a noção de Estado1 contempla a
idéia mais ampla de sociedade civil, e a noção de governo,
por sua vez, limita-se aos grupos organizados em torno dos
partidos políticos, é bastante razoável afirmar não só que o
grupo político no exercício do Poder de Estado2 é o próprio
1
Segundo Gramsci, "Estamos sempre no terreno da identificação de Esta-
do e governo, identificação que precisamente é uma representação da
forma corporativo-econômica, isto é, da confusão entre sociedade civil e
sociedade política, já que se deve notar que na noção geral de Estado
entram elementos que se devem referir à noção de sociedade civil (no
sentido, podia dizer-se, em que Estado = sociedade civil + sociedade polí-
tica) (Cf. Gramsci. 1978. p.234)". Já que a citação anterior não explicita,
apesar de sugerir, é razoável considerar, para os efeitos a que se presta
este texto, que o governo restringe-se à sociedade política.
2
É clara em Althusser a distinção entre Estado e Poder de Estado. Para
ele, o Poder de Estado é exercido por meio da direção dos dois aparelhos
de Estado: o repressor e o ideológico (Cf. Althusser, 1985, p.24).

84
governo, como também que o exercício do comando do
aparelho de Estado por um governo específico faz deste o
próprio Estado. Sintetizando o que se pretende demonstrar
tem-se que: L’Etat c’est nous. A evolução ocorrida na
passagem do "moi" para o "nous" constitui a transição histórica
entre o Estado Absolutista3 e o capitalista, no qual o "nous"
representa o conceito de classe presente nos Estados
capitalistas.
Então, se por um lado é possível considerar, com base no
que acima foi dito, que é correta a afirmação de que os interesses
do governo necessariamente acabam por se confundir com os
do Estado; por outro, não se pode afirmar categoricamente que a
recíproca também seja verdadeira. Poderia até sê-lo, desde que o
interesse do grupo hegemônico4 fosse representativo do conjunto
da nação.
Posto isto, acredita-se que agora tenha sido atingido o cerne
da questão que se levanta para a distinção conceitual entre política
de Estado e política de governo. É na medida em que os grupos
políticos no comando do governo defendem o interesse do
conjunto da sociedade civil que as políticas de governo passam
a constituir também políticas de Estado5.

3
Segundo Norman Hampson "...nos países onde o absolutismo já estava,
de uma forma ou de outra, bem implantado, como em França e na Prússia,
o despotismo pessoal transforma-se em despotismo burocrático, e modifi-
ca-se o equilíbrio das forças sociais" (Cf. Hampson, 1986, pp. 66 e 67).
4
A esse respeito ver Gramsci op. cit.
5
No caso extremo, vale o que está explícito em Gramsci, op. cit, p. 232, "...
Uma classe que se coloca a si mesma como capaz de assimilar toda a
sociedade, e é ao mesmo tempo realmente capaz de exprimir este processo,
leva à perfeição esta concepção do Estado e do direito, a ponto de conce-
ber o fim do Estado e do direito por se tornarem inúteis, por terem exauri-
do a sua tarefa e terem sido absorvidos pela sociedade civil ."

85
O caso da previdência social como política pública pode
ser bem ilustrado voltando-se ao exemplo apresentado na
introdução, considerando que, ao invés daquela sistemática
adotada pelo grupo, na qual o bem de todos é promovido de
forma espontânea e natural, fosse constituído, mediante
determinação superior da empresa, comitê diretor 6 com a
finalidade de arrecadar os recursos e promover os eventos.
Além disso, supondo que ao referido comitê fossem
conferidos, de forma arbitrária, poderes tanto para determinar
o tipo de banquete e quem seriam os agraciados com os mais
pomposos, quanto para privilegiar alguns colegas e excluir
outros, com certeza, estas regras estariam introduzindo, do ponto
de vista da solidariedade, novos elementos em relação à situação
original, quais sejam, o não reconhecimento do esforço
individual de alguns na constituição do produto social comum,
e a quebra do sentimento geral de pertinência ao grupo. Com
isto, criam-se situações concorrentes às condições políticas
dadas para pôr em risco o sistema de solidariedade construído
pela tradição.
A despeito da iminente ameaça à estabilidade do sistema de
solidariedade, representada pela introdução de regras
discriminatórias e, por conseguinte, desagregadoras, as sociedades
modernas comportam elementos outros suficientes para manter
sua coesão. Como todos os membros de uma organização
dependem do produto social como meio de sobrevivência, a
unidade do grupo pode muito bem ser mantida em torno dessa
necessidade, mediante a utilização de mecanismos coercitivos
associados ao uso da ideologia, de tal maneira que a nova
sistemática, após tornar-se tradição, admita a suspensão da coerção
exercida pela força. No novo contexto do exemplo considerado,

6
Aqui tomado no sentido dado por Althusser, op. cit.

86
isso funcionaria como se num primeiro momento as pessoas fossem
coagidas a, uma vez permanecendo no grupo, submeter-se às novas
regras ditadas ao arrepio da vontade geral e do interesse comum.
E, em aceitando as condições, incorporassem, no momento
seguinte, as novas práticas aos seus hábitos.
Tendo em vista que a nova tradição está totalmente
construída em base que não é originalmente a sua, porém usurpada
de uma primordial, o retorno à situação anterior só se fará possível
mediante desconstrução dos mecanismos de coerção e de
ideologização que forjaram a aceitação das novas regras. Para
que se logre êxito nessa empreitada é necessário, antes de tudo,
não só incluir no "nous" do comitê o segmento constituído pelos
anteriormente alijados do processo, sem excluir outrem, como
também manter a devida proporcionalidade entre os grupos
representados, para tornar efetiva a representatividade das
decisões. Partindo-se, então, do pressuposto de que a
solidariedade é um sentimento, o seu verdadeiro espírito,
construído originariamente pelos grupos informais, só será
resgatado se a instância de decisão realmente conseguir fazer
predominar a vontade geral.
Com o objetivo de facilitar o entendimento do
funcionamento e a compreensão dos fundamentos da
previdência social, foi traçado, a partir do exemplo acima, um
paralelo no qual o comitê diretor representa o governo, e a
solidariedade, sendo a pura expressão da vontade geral,
representa o próprio Estado.
Ora, considerando, por um lado, que a constituição dos
Estados democráticos de direito se dá mediante o estabelecimento
de um contrato social, e, por outro, que o objeto do contrato tem
que expressar a vontade dos contratantes, portanto, a vontade geral,
a solidariedade, que aqui pode ser tomada como uma evolução do
conceito de fraternidade desenvolvido à época da Revolução

87
Francesa7, constitui, ao lado dos conceitos de liberdade e de
igualdade, um dos pilares das sociedades modernas, sem os quais,
simultaneamente presentes, nenhum Estado se sustenta. Portanto,
este tripé constitui, quando não explicitada na carta maior, a cláusula
pétrea de natureza subjetiva de qualquer constituição moderna.
Sob pena de não se construir o acesso de uma nação à
modernidade social, as cláusulas pétreas de natureza material,
aquelas insculpidas na carta constitucional como tal, não podem
constituir impedimento à reforma constitucional que visa
assegurar meios de se atingir os objetivos estabelecidos nas
cláusulas pétreas de natureza subjetivas, as quais são
historicamente determinadas. Respondendo, então, à questão
posta inicialmente, é de se concluir que as políticas de governo,
na medida em que se mantêm dentro dos limites daquilo que é
considerado como sendo o objetivo que justifica o
estabelecimento do contrato social, não se diferenciam das
políticas de Estado, e seu limite, por conseguinte, não está dado
pelas cláusulas pétreas materiais, mas pelas subjetivas.

III. DIFERENCIAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE GOVERNOS

Nos Estados8 democráticos é comum a sucessão de grupos

7
Segundo Hampson, op. cit, p. 79, sobre a Revolução Francesa "...a rejeição
dos antigos valores não podia basear-se num passado real ou imaginário,
tinha de se apoiar em princípios universais...". Como os princípios univer-
sais constituem o próprio fundamento do iluminismo, corrente de pensa-
mento que mais influenciou os acontecimentos da época, conceitos como o
de igualdade, de liberdade e de fraternidade, guardam ainda os ideais da-
quela época, na verdade, marcam o início da própria modernidade.
8
Althusser, num primeiro momento, entendia o Estado como instrumento
de dominação de uma única classe, posteriormente, já sob a influência da

88
políticos no comando do Poder. O processo sucessório ocorre
de tempo em tempo, com períodos definidos, e se dá por meio
de consulta popular, ou seja, por meios democráticos. Cada grupo
político que assume o Poder, e o conjunto de forças sociais que o
apoia, constituem o governo. Dentro dos limites,
constitucionalmente estabelecidos, cada governo formula suas
políticas, com grande influência das forças sociais de sustentação,
tendo por objetivo implementá-las num horizonte temporal
restrito.
O revezamento no comando do Poder de Estado pelos
governos reflete, em grande medida, as mudanças na composição
das forças políticas; sem, contudo, representar necessariamente
mudanças estruturais na sociedade civil. Desde que a sucessão
de governos proporcione ao sistema político ganho de
representatividade, este fato, por si só, justifica a possibilidade
de revisão de dispositivos pactuados sob a égide de qualquer
outra representatividade menos proporcional. No caso, a
finalidade da revisão não é alterar os objetivos estabelecidos
originalmente, mas sim adequá-los às reais necessidades da
sociedade civil, agora mais facilmente perceptível pelo sistema
político.
Por uma questão de viabilidade, nenhum governo procura
atingir todos os objetivos do Estado simultaneamente. Parece haver
uma seqüência lógica a se seguir e que é determinada pelo processo
histórico. Há objetivos específicos de cada época como, por
exemplo, erradicar a pobreza, porém há outros que são universais,
teoria Gramsciniana do Estado e do conceito de sociedade civil por este
cunhado, passou a admitir o Estado como lugar de contradição e de luta
de classe. Assim, Althusser diz que "O objetivo da luta de classes diz
respeito ao Poder de Estado e, por via de conseqüência, à utilização, pelas
classes (...) detentoras do Poder de Estado, do aparelho de Estado em
função dos seus objetivos de classe..." , (Cf. Althusser, 1985, p. 24)

89
como atingir padrões aceitáveis de solidariedade, de liberdade e
de igualdade. A experiência tem demonstrado que é por meio do
desenvolvimento desses últimos objetivos que os países tem
ascendido à condição de modernidade, dentre os quais vale destacar
o conceito de liberdade, que, como os demais, é histórico.
Em sua obra Era dos Extremos, Hobsbawm apresenta uma
cronologia bastante interessante para localizar o conceito corrente
de liberdade. Após um início bastante conturbado, com duas
grandes guerras mundiais, o século passado acabou sendo
caracterizado pela universalização dos meios modernos de
produção 9. Com o mundo dividido entre duas formas de
organização produtiva, denominadas, grosso modo, de
economias capitalista e comunista10; os países em processo de
desenvolvimento econômico, aqueles cujo setor agrário
predominava, passaram a ser assediados pelo centro de Poder
tanto de uma, quanto da outra economia. A despeito do apelo
ideológico muito mais contundente em favor das economias
planificadas, o Brasil optou, com o uso da força, pela via da
economia de mercado. O conceito de liberdade que predominou
no período de exceção foi forjado no contra-exemplo do sistema
comunista e restringia-se à esfera econômica da sociedade.
O conceito mais amplo de liberdade, incluindo também a
9
"...a história da economia mundial desde a Revolução Industrial tem sido
de acelerado progresso técnico (...) e de crescente ‘globalização’, ou seja,
de uma divisão mundial cada vez mais elaborada e complexa do trabalho;
uma rede cada vez maior de fluxos e intercâmbio que ligam todas as partes
da economia mundial ao sistema global.." (Cf. Hobsbawm, 1995, p. 92).
10
"...na medida em que nos habituamos a pensar na moderna economia
industrial em termos de opostos binários, ‘capitalismo’ e ‘socialismo’como
alternativas mutualmente excludentes (...). Agora já deve estar ficando
evidente que essa oposição era uma construção arbitrária e em certa me-
dida artificial, que só pode ser entendida como parte de determinado
contexto histórico..." (Cf. Hobsbawm, 1995, p.14).

90
esfera política das relações sociais, só foi construído a partir de
Constituição de 1988. No entanto, como as regras definidoras
do processo de construção do novo pacto foram elaboradas sob
os auspícios do conceito restrito de liberdade, é possível que
segmentos sociais não representados, ou sub-representados
naquela ocasião, não tenham tido participação efetiva no processo
de pactuação11. Portanto, nos dias de hoje, não só é lícita uma
reforma da previdência como instrumento de política de governo,
mediante revisão constitucional, como também é legítimo que a
revisão, desde que proposta pelo grupo político sub-representado,
chegue até as cláusulas pétreas de natureza material, haja vista
que a sociedade política presente no pacto originário pode ter
transigido, em benefício próprio, com direitos de segmentos da
sociedade civil sub-representados.
Para ilustrar com mais precisão os argumentos acima
apresentados, vale a pena retornar mais uma vez ao exemplo inicial,
só que doravante a partir da consideração feita no item precedente.
Conforme visto anteriormente, a solidariedade, que num
momento original surge de forma natural e espontânea, passa,
em seguida, por processo de institucionalização, mediante a
criação do comitê diretor. Supondo agora que, depois de
decorrido período suficiente para consolidar as práticas mais
recentes, surgissem novas necessidades de a empresa se inserir
no mercado competidor, de tal forma que fosse exigido dos
empregados outro padrão de organização, é natural que, num

11
O caso brasileiro é um exemplo digno de nota. A Assembléia Constituinte
da 48º sessão legislativa (a que promulgou a Constituição de 1988) tinha
a seguinte composição, considerando os três maiores partidos de direita e
de esquerda: (PDS,PFL,PMDB) 411 deputados, contra 43 (PCB PDT,PT).
A atual legislatura, por seu turno, apresenta a seguinte composição
(PFL,PMDB,PSDB) 207 deputados, contra 164 (PPS,PDT,PL,PT). Fonte:
Repertório Biográfico, Deputados Brasileiros.

91
contexto de mudanças pacíficas, o novo padrão seja estabelecido
por meio de um pacto. Considerando que o padrão formal do
processo produtivo é um dado exógeno, num possível curso de
barganha, a empresa só poderá transigir com os institutos de
natureza endógena.
Assim, a solidariedade, ainda que instituída, constitui
sistema informal12 passível de negociação. Tendo em vista que a
finalidade precípua da empresa é a sua produção, é bastante
razoável, desde que proporcione resultados mais favoráveis,
considerar que a participação no comitê seja objeto de troca num
novo contrato. Sendo o comitê uma instância controlada pela
diretoria da empresa, não causa estranheza o fato de as regras de
abertura serem definidas sem a ampla participação dos demais.
O processo de institucionalização é também um processo
de racionalização. Desta forma, é natural que a tomada de
consciência do processo político pela sociedade civil – peculiar a
qualquer processo de institucionalização – se dê com o exercício
da liberdade política, que, diga-se de passagem, além de demandar
tempo não é homogêneo. Por isso, é de se esperar que, num
primeiro momento, o grupo hegemônico valha-se da
autoconsciência13 das regras para permanecer no comando.
Supondo, então, que no processo de pactuação seja estabelecida a
universalização das homenagens, ao conjunto dos empregados é
mais perceptível a extensão do direito como concessão de benesse,
do que propriamente como cumprimento de cláusula pactuada.

12
Aqui está sendo considerado que a previdência social é, em relação ao
processo produtivo propriamente dito, uma organização informal. Portan-
to, é bom salientar que neste caso a informalidade não é em relação ao
sistema de previdência, mas sim ao produtivo.
13
Considerando que foram os próprios membros do comitê que elabora-
ram as regras, não há que se falar em tomada de consciência, mas sim em
autoconsciência das regras.

92
O efeito da equivocada percepção geral, obviamente,
influenciará nos resultados políticos de um futuro processo de
escolha dos membros do comitê. Supondo ainda que, num
momento seguinte, o grupo hegemônico consiga fazer dos
padrões mínimos já estabelecidos para as homenagens, padrões
relativamente fixos, mais uma vez os resultados de um novo
processo de escolha será influenciado por uma percepção
distorcida do processo político.
Finalmente, supondo que, num terceiro momento, ao invés
de novos ganhos aparentes sejam percebidas perdas nos direitos;
é provável que a hegemonia do grupo dirigente esteja ameaçada
num processo de escolha subseqüente.
Na medida em que a demanda por recursos financeiros
do grupo hegemônico torna-se igual ou superior à capacidade
de suprimento pela fonte de financiamento, perde-se
instrumento de gerenciamento político entre a concessão de fato
do direito e o direito realmente pactuado a seu tempo. Com
isso, o próprio grupo hegemônico inviabiliza a possibilidade
de atendimento de qualquer novo direito já pactuado. É quando
o conjunto dos empregados já não mais percebe concessão
alguma que se abra à possibilidade de mudança do grupo
hegemônico no Poder. Assim, o critério para a manutenção do
Poder, não é a concessão de novos direitos, mas o simples
atendimento dos já pactuados.
Em relação à questão que se pretende responder neste
item, é de se ressaltar que, independentemente da alternância
no Poder, as políticas de governo que se sucedem constituem,
em seu conjunto, a própria política de Estado. Portanto, não é
correto se afirmar que os governos que se sucedem
necessariamente tenham de promover rupturas na condução
da política de Estado, até porque esta é contínua. No entanto,
as mudanças devem ocorrer sempre e somente quando

93
necessárias, porém de forma lícita, porque realizadas pelos
meios previstos constitucionalmente, e legítima, que atendam
ao interesse da maioria. Todavia, vale destacar que o que de
fato diferencia as políticas de governo entre si é a
representatividade política do grupo hegemônico em relação
à sociedade civil.

IV. LIMITAÇÕES DA POLÍTICA PREVIDENCIÁRIA

A previdência social não constitui finalidade em si mesma.


Ao contrário, ela é um produto social, elaborado com vistas a
fazer frente a situações possíveis de desagregação do tecido social.
O objetivo da sociedade moderna é, sem dúvida alguma, a
produção e a distribuição de valores, dentro de determinados
princípios norteadores, previamente pactuados. A menos que se
lance mão de mecanismos artificiais e transitórios, a distribuição
não deve, a longo prazo, comprometer a produção de valores
econômicos de uma sociedade, sob pena de gerar situações de
instabilidade. Como a previdência social é uma política
distributiva de longo prazo, cabe ao Estado, por meio da garantia
da prevalência dos princípios constitucionais como objetivo da
sua ação política, compatibilizar o sistema de proteção social com
a produção de valores econômicos, não só em quantidade, mas
também em eqüidade.
A rigor, é a produção que realmente estabelece os limites
materiais de uma sociedade. Entretanto, o processo histórico14
14
Segundo Marx, "...As nossas necessidades e prazeres derivam da socie-
dade; medimo-los, assim, pela sociedade; não os medimos pelos objetos da
sua satisfação..." (Cf. Marx, 1981, p.43). Por esta citação vê-se que o ponto
crítico de uma sociedade não é a escassez de mercadoria, mais a forma de
lidar com ela.

94
tem demonstrado que é pelo lado da distribuição que tem
ocorrido a derrocada dos regimes políticos. Considerando que
a história da economia mundial desde a Revolução Industrial
tem sido de acelerado progresso técnico (...) e de crescente
globalização (Cf. Hobsbawm, 1995, p.92), é possível
estabelecer dois níveis estruturais para os processos de produção
e de distribuição dos valores econômicos. Hoje em dia, apesar
de os Estados ainda se fundamentarem no princípio da
soberania, há uma grande interdependência mútua entre eles,
de tal maneira que a formulação de políticas públicas tem de
considerar o contexto de regras e procedimentos padronizados
em nível mundial. Esta ordem sistêmica, de natureza
eminentemente econômica, suporta em seu interior uma outra,
de natureza político-social, restrita aos limites da soberania do
Estado.
Assim, se por um lado a ação do Estado encontra-se
limitada por padrões de inserção mundial, por outro, a forma
em que a inserção se dá determina limites para a atuação dos
governos nacionais. No caso apresentado na introdução, e
adaptado aos argumentos desenvolvidos subseqüentemente,
tem-se a seguinte situação, tendo em vista que a finalidade da
referida organização social não é prestar homenagem aos seus
funcionários, mas obter um produto final previamente
definido. Não obstante o caráter meritório dos tais eventos, o
fato primordial é que eles não podem e nem devem servir de
obstáculo à efetivação dos reais objetivos que motivaram a
constituição da organização; ao contrário, devem contribuir
positivamente para o resultado final.
Portanto, no caso específico da política de previdência
social, qualquer que seja, tem que levar-se em consideração, antes
de qualquer coisa, os verdadeiros objetivos do Estado. Se este
for realmente construir uma sociedade livre, justa e solidária,

95
mesmo o direito adquirido pode ser revisto, desde que constitua
grave ameaça à obtenção dos resultados desejados. De outra
forma, estará sendo firmado tacitamente um novo pacto social,
haja visto que aquele estabelecido originalmente tornou-se
inatingível nas condições dadas.
Os limites da política previdenciária, por conseguinte,
estão estabelecidos não só pelos objetivos pactuados
originalmente, mas também pela forma de inserção
internacional de cada nação, cujo caráter é determinado por
padrões financeiros. Portanto, a mera mudança do grupo
hegemônico no Poder, por mais legitimidade que tenha, não
logrará êxito, por si só, se intentar mudanças na previdência
sem considerar o tipo de inserção econômico-financeira
compatível.

V. O ESPÍRITO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

As políticas públicas na área de previdência social são


inexoravelmente de caráter distributivo; sem, contudo, serem
necessariamente redistributiva. Isto significa que os sistemas de
previdência, ou de seguridade social, tendem a reproduzir o status
quo das organizações sociais. Assim, é natural que nas sociedades
em que há maior grau de injustiça social o sistema tenda a
reproduzir esta estrutura, sem que isto constitua disfuncionalidade
alguma.
Não se pode, portanto, atribuir à previdência social a função
de redistribuidora de renda, ainda que isto possa de alguma forma
ocorrer. Em contrapartida, não se pode admitir que se consolide
um sistema que acentue o grau de injustiça social. É inadmissível
que um sistema de previdência seja mais um mecanismo de
produção de desigualdades sociais.

96
O Brasil é um caso típico em que o sistema de
previdência social constitui um mecanismo de construção de
desigualdades. Enquanto um trabalhador do setor privado, que
contribui pelo teto do regime geral da previdência, não
receberá, em muitos casos, o teto do benefício de
aposentadoria, um servidor público, ao se aposentar, recebe,
segundo as regras do regime próprio de previdência, o
equivalente ao seu último salário bruto, livre de desconto, ainda
que não tenha contribuído sobre o último salário.
O fato de haver dois regimes de previdência por si só
já indica uma tendência discriminatória. Todavia, a situação
torna-se mais aberrante quando se considera que os
legisladores que estabeleceram o sistema com dois regimes
enquadravam-se no mais favorável deles. Além disso, vale
salientar que a operacionalização da previdência brasileira
está revelando que a Constituição Federal Brasileira está
eivada de incompatibilidade entre os dispositivos que tratam
da previdência do servidor público e os que definem os
objetivos da República Federativa do Brasil, principalmente
os previstos nos incisos I e III do art. 3º (construir uma
sociedade justa e reduzir as desigualdades sociais). É claro
que, por se tratar de cláusula pétrea de natureza subjetiva,
os objetivos da sociedade brasileira estão em situação de
desvantagem em relação aos argumentos que se levantam
em favor da manutenção do status quo: o direito adquirido
como cláusula pétrea material. Enquanto perdurar esta
situação, o que de fato estará havendo é uma repactuação
tácita do contrato social brasileiro.
Em suma, para que uma política de governo constitua-se
efetivamente como política de Estado é necessário que ela
represente o interesse da sociedade civil e não de corporações
específicas. Somente assim se logrará êxito em atingir o

97
verdadeiro espírito da previdência, que é construir uma sociedade
fraterna, na qual o seu alvo seja proteger, de forma igualitária, os
indivíduos, para que estes possam livremente exercer o direito à
cidadania.

BIBLIOGRAFIA

ALTHUSSER, Louis. 1985. Ideologia e Aparatos


Ideológicos do Estado.Ed. 2. Rio de Janeiro/RJ. Edições Graal.
GRAMSCI, Antonio. 1978. Obras escolhidas. Martins
Fontes, 1º edição brasileira. São Paulo – SP.
HAMPSON, Norman. A primeira Revolução Européia
(1776-1815), nº ed. 572. Lisboa. Ed. Verbo.
HOBSBAWM, Eric J., 1995. Era dos Extremos: o breve
século: 1914-1991. Companhia das Letras. São Paulo – SP.
MARX, Karl. 1981. Trabalho Assalariado e Capital. 2°
Ed. Editorial "Avante", SARL. Lisboa.

Sérgio Rosa é Bacharel em Ciências Econômicas pela UnB com pós-


graduação em Sociologia. É membro da carreira de Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental desde 1996.

98
Marianne Nassuno*

Avaliação de resultados e avaliação de satisfação


do usuário-cidadão: elementos para reflexão

O
tema avaliação tem recebido destaque nos últimos
anos nos processos de reforma do Estado
conduzidos em diversos países, embora não seja
recente nas preocupações dos governos.

A atual ênfase sobre avaliação de desempenho integra


uma agenda de reformas cujos elementos principais incluem
maior flexibilidade para realização de atividades pelo governo,
descentralização, devolução e privatização; maior atenção às
necessidades e demandas dos usuários e reavaliação sobre o
que os governos devem efetivamente realizar. A avaliação
aparece como um elemento fundamental da capacidade de
gestão do governo, que ao passar a atuar em associação e
cooperação com os setores privados e sem fins lucrativos,
assume os papéis de financiador, contratador, comprador ou
regulador, necessitando medir e avaliar o desempenho para
assegurar que as metas públicas se cumpram de forma efetiva
(Caiden e Caiden, 1998).
No governo federal brasileiro, a restruturação de todas as
atividades em programas no Plano Plurianual Avança Brasil

*
Este texto é a versão revista de um paper elaborado para ser apresentado
no Painel Avaliação como subsídio para a tomada de decisão e
transparência das ações governamentais: experiências do governo federal
brasileiro, do VI Congresso Nacional do CLAD, realizado de 5 a 9 de
novembro em Buenos Aires.

99
inclui novas demandas por avaliação no processo de
planejamento federal explicitadas no Decreto n. 2.829, de 29
de outubro de 19981:
“- Art. 5o Será realizada avaliação anual de consecução
dos objetivos estratégicos do Governo Federal e dos resultados
dos Programas, para subsidiar a elaboração de lei de diretrizes
orçamentárias de cada exercício.”
- Art. 6o A avaliação física e financeira dos programas e
dos projetos e atividades que os constituem é inerente às
responsabilidades da unidade responsável e tem por
finalidade:
I- aferir seu resultado, tendo como referência os objetivos
e metas fixadas;
II- subsidiar o processo de alocação de recursos públicos,
a política de gastos públicos e a coordenação das ações de
governo;
III- evitar a dispersão e o desperdício de recursos públicos.”
De acordo com o Manual de Elaboração e Gestão [Brasil,
SPI/MP, 1999], a avaliação será feita em duas etapas:
- avaliação do desempenho físico-financeiro dos programas,
que estará sob a responsabilidade dos gerentes;
- avaliação do conjunto dos programas em relação aos
objetivos, diretrizes e macroobjetivos do governo, que será
coordenada pela Secretaria de Planejamento e Investimentos
Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão.
A primeira etapa, conduzida pelos gerentes, deverá
propiciar o aperfeiçoamento do programa, de seus métodos e
sistemas de gerenciamento. A segunda etapa será utilizada para

1
Estabelece as normas para a elaboração e execução do Plano Plurianual
- PPA e dos Orçamentos da União.

100
apoiar decisões sobre o gerenciamento do PPA, para a elaboração
do projeto de lei das diretrizes orçamentárias e a alocação de
recursos, mediante créditos suplementares e a elaboração de lei
orçamentária.
No processo de avaliação de programas atualmente em
curso no governo federal existe a intenção de que as
informações obtidas no processo sejam utilizadas tanto para
melhorias dos próprios programas quanto para a tomada de
decisão relativa à alocação de recursos, bem como tendo em
vista a prestação de conta das ações do governo para a
sociedade.
Adicionalmente, está sendo proposta a introdução de
avaliação de satisfação do usuário com os serviços públicos
federais. Foi editado o Decreto do Sistema Nacional de
Avaliação da Satisfação do Usuário dos Serviços Públicos (n.
3.507, de 13 de junho de 2000), que dispõe sobre o
estabelecimento de padrões de qualidade do atendimento
prestado aos cidadãos pelos órgãos e entidades da
Administração Pública Federal2. Todos os órgãos e entidades
públicas federais deverão divulgar os resultados da avaliação
de seu desempenho em relação aos padrões de qualidade do
atendimento fixados, pelo menos uma vez por ano.
A menção da avaliação, seja de resultados, seja da
satisfação do usuário-cidadão, em documentos oficiais e a
manifesta intenção de sua implementação no governo federal

2
Esses padrões deverão ser observados na prestação de todo serviço ao
cidadão-usuário, avaliados periodicamente e divulgados ao público. Os
padrões de qualidade devem estar relacionados a atenção, respeito e
cortesia no tratamento ao usuário, a definição de prioridades para o
atendimento, tempo de espera para o atendimento e prazo para o
cumprimento dos serviços, mecanismos de comunicação com os usuários,
entre outros.

101
representa uma importante sinalização política no sentido de
valorizar e justificar os processos de avaliação, de fundamental
importância para o permanente aperfeiçoamento das ações do
setor público. Esses documentos, por terem a intenção de
convencer e motivar os diversos atores para a realização de
avaliação, dão a entender que esses processos geram uma
quantidade de informações que podem ser utilizadas para
objetivos amplos e os mais diversos possíveis.
Tentativa de identificar e coletar dados de desempenho.
When questions are directed toward improving program
administration, certain data will be relevant. However, very
different data will be relevant for decisions regarding whether or
not a program should continue to receive funding at a steady
level – or at all (Newcomer, 1997: 8).
Também no que se refere aos diversos objetivos a serem
atingidos por processos de avaliação, Weiss alerta que with all
the possible uses for evaluation to serve, the evaluator has to
make choices. The all-purpose evaluation is a myth. (…) Not
even a well-planned study will provide information on all the
questions from all the people involved (1998: 33).
Já existe uma literatura significativa sobre avaliação de
organizações e ações públicas. Manuais e textos que abordam
o processo de avaliação de forma genérica tem um aspecto
positivo no sentido de oferecer uma visão abrangente do tema
considerado nos seus diversos aspectos. Entretanto, esse grau
elevado de generalidade tem como contrapartida que esses
textos geralmente são melhores em discutir problemas e
limitações relacionados ao processo de avaliação do que
propriamente formas concretas de implantação e soluções para
os problemas.
A despeito da crescente discussão a respeito do tema
avaliação, ainda existem pontos sobre os quais ainda não houve

102
uma convergência de idéias. Autores e experiências divergem,
entre outros, com relação aos aspectos que devem ser enfatizados
na avaliação, os objetivos a alcançar e o que deve ser medido.
Por essa razão, sem deixar de reconhecer os méritos práticos de
manuais contendo listas de passos a serem seguidos para conduzir
uma avaliação bem sucedida, entende-se que ainda é necessário
mapear os argumentos colocados.
Nem sempre as diversas visões são complementares, não
podendo ser conciliadas. Existem também alguns aspectos em
que as análises são contraditórias, indicando que este é um
campo em que o debate público de idéias deve ainda ser
incentivado.
Isso porque, para a realização de avaliações específicas,
“o demônio está nos detalhes”: é na implementação de processos
de avaliação que se pode perceber que a concretização dos
objetivos de avaliação elencados nos manuais não é possível,
porque envolvem processos de avaliação, medidas e atores
incompatíveis entre si.
Se existe algum consenso sobre o tema, ele diz respeito,
sobretudo, a aspectos gerais como o reconhecimento da
importância e da necessidade de realizar avaliações, de que
existem diversos obstáculos para a sua realização e de que não
existe uma única forma de se medir o desempenho.
Este texto, embora se mantenha no registro genérico, objetiva
discutir os diversos objetivos geralmente associados à avaliação,
com vistas a esclarecer que nem todos eles podem ser alcançados
de forma simultânea e que cada um deles requer um processo
específico de avaliação para que sejam alcançados. Entende-se
que esta análise representa um passo além na discussão tradicional
sobre avaliação na medida em que contribui para a formação de
expectativas mais realistas sobre processos de avaliação, um dos
fatores que pode garantir o seu sucesso (OCDE, 1999).

103
Tendo em vista que o desempenho é uma realidade
socialmente construída e que os critérios para definir e avaliar
o desempenho de um programa devem ser discutidos e
acordados entre o grupo de atores com autoridade,
responsabilidade e interesse sobre a realização do programa,
uma maior clareza sobre a relação existente entre os objetivos
da avaliação e o processo de avaliação específico necessário
para alcançá-los pode contribuir para que o consenso entre os
atores seja construído de forma mais informada e sobre bases
mais sólidas. La experiencia ha mostrado que las medidas
del desempeño y la evaluación deberían ser adecuadas a la
tarea, y que la aceptabilidad y la implementación se ven
facilitadas allí donde aquellos afectados por las medidas y
aquellos que podrían hacer uso de ellas se encuentran
activamente involucrados en el diseño de las mismas (Caiden
e Caiden, 1998: 68).
Sem pretender fazer uma resenha exaustiva, são
apresentados alguns aspectos relacionados à avaliação de
desempenho de programas e instituições públicas que têm sido
destacados na literatura recente, com vista a contribuir para uma
maior clareza conceitual a respeito do tema. As idéias dos autores
consultados serão organizadas nos seguintes itens: objetivo
proposto para a avaliação, o que deve ser avaliado, quem participa
da avaliação, tendo em vista a centralidade desses fatores para o
desenvolvimento da avaliação. Nem todos os textos dos autores
utilizados contemplam as três categorias de análise.

OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO

Dentre os objetivos mencionados na literatura sobre a


avaliação destacam-se: subsidiar a tomada de decisão

104
relativa à alocação de recursos orçamentários; promover a
melhoria da gestão de programas, das organizações públicas
e do governo como um todo; aperfeiçoar a qualidade dos
serviços públicos, aumentando o nível de satisfação dos
usuários; proporcionar o acompanhamento das ações
descentralizadas; aumentar a accountability e transparência
das ações do governo; e contribuir para um processo de
aprendizagem3.
Esses objetivos não representam elementos estanques
podendo apresentar diversas inter-relações. Por exemplo,
processos de melhoria na gestão resultam também em
aprendizado das equipes envolvidas. Informações sobre a
qualidade dos serviços prestados podem ser utilizadas na
prestação de contas à sociedade sobre o desempenho do
governo, bem como na decisão relativa à alocação de
recursos orçamentários. Entretanto, foram considerados
separadamente para poder-se ressaltar as suas
especificidades.
A distribuição dos recursos e o uso dos recursos disponíveis
podem ser aperfeiçoados com informações resultantes de
avaliação, uma vez que auxilia a identificar meios mais eficientes
e eficazes de se alcançar os resultados desejados e contribui para
estabelecer o nível adequado de recursos para os programas,
inclusive tendo em vista a realização de cortes orçamentários
(OCDE, 1999).

3
Weiss (1998) diferencia os objetivos de processos de avaliação de forma
mais agregada, entre aqueles que tem um caráter instrumental, ou seja,
estão voltados para apoiar a tomada de decisão, e os que estão voltados
para o processo de aprendizagem organizacional. Neste texto optou-se
por fazer uma distinção mais detalhada entre os objetivos instrumentais
por entender-se que eles envolvem processos de avaliação diferenciados,
conforme será comentado a seguir.

105
Medidas de desempenho foram incorporadas inicialmente
na elaboração e apresentação dos orçamentos com vistas a
substituir o processo orçamentário tradicional pelo orçamento
baseado em desempenho. O alcance das metas pelas instituições
públicas passou a ser utilizado como um critério para decidir
futuras alocações de recursos.
Segundo Osborne e Gaebler (1994), avaliação é
importante porque permite prever os resultados a serem
alcançados segundo o montante de recursos investidos; distinguir
o sucesso do insucesso; antecipar os resultados de um corte de
gastos. A identificação dos programas bem sucedidos possibilita
que decisões dos legisladores e executivos públicos se baseiem
em critérios não apenas políticos e oferece indicações sobre em
que programas aplicar recursos caso se queira aumentar esforços
em determinado setor.
De acordo com Joyce (1997), a utilização de informações
sobre desempenho no processo orçamentário é um objetivo
desejável, mas difícil de ser alcançado na prática. Enfrenta três
desafios básicos: na definição de objetivos claros para os
programas de forma a que possam ser administrados
efetivamente pelos gerentes e avaliados; na obtenção das
medidas necessárias para a realização da avaliação e na
utilização dos resultados das avaliações no processo de alocação
de recursos do governo.
A possibilidade de medir desempenho está
intrinsecamente ligada a uma compreensão clara sobre os
objetivos que determinada instituição ou programa estão
procurando alcançar. A tarefa de estabelecer objetivos claros é
complexa no setor público por que o contexto em que opera
envolve diversos atores, que podem não estar de acordo. Most
program managers exist in an environment that is rife with goal
ambiguity. Conflicting or ambiguous signals may be sent in

106
legislation, and important actors, such as elected officials,
political executives, legislative bodies (which rarely, if ever,
speak with one voice), professional and scientific organizations,
and citizens may not be of much help in clarifying matters
(Joyce, 1997: 51).
A natureza pública dos programas do governo contribui
para dificultar o acordo sobre os seus objetivos. Muitas vezes, os
objetivos são definidos de forma ambígua ou são excessivamente
contraditórios para que se consiga alcançar o necessário consenso
para sua aprovação. But this necessary consensus-building device
is inefficient. It impedes the ability of agency managers to have
precise guidance concerning what elected officials want out of a
program (Joyce, 1997: 52).
A despeito dessas dificuldades, Joyce ressalta que na
prática, a ambigüidade de objetivos é superada pelos gerentes.
Managers fill in the details as best they can, often by trying to
determine whose signals are most crucial to follow (1997: 52).
Joyce (1997) faz referência a experiências passadas com
orçamento por programas (PPBS – Planning-programming-
budgeting system) e orçamento base zero para avaliar a
possibilidade de que a informação sobre desempenho venha a
ser utilizada no processo orçamentário. Segundo o autor, essas
inovações mostraram-se contrárias ao processo orçamentário
tradicional incremental, tendo enfrentado resistências dos atores
cujos interesses estavam a ele associados. No caso do PPBS,
mais especificamente, foram enfrentadas dificuldades devido ao
fato de que os dirigentes não estavam comprometidos
inteiramente com o processo, o sistema político não pôde lidar
com a quantidade de conflito gerada pela intenção de promover
a revisão de todas as atividades a cada ano, o PPBS era
basicamente um sistema orçamentário do executivo e ignorou
amplamente ao papel do Congresso no processo orçamentário.

107
Adicionalmente, mesmo que haja um acordo entre o
Legislativo e o Executivo sobre a orçamentação por resultados,
persiste um dilema fundamental relativo a como utilizar medidas
de desempenho para alocar recursos. Não se pode simplesmente
premiar as instituições que apresentaram bom desempenho e
retirar recursos das que tiveram mau desempenho: é necessário
entender os fatores que contribuíram para o desempenho
alcançado4.
Caiden e Caiden (1998) também reforçam este ponto ao
destacar o fato de que a alocação de recursos orçamentários é
um processo político e de que a utilização de medidas de
desempenho para a definição dos orçamentos não é um processo
tecnicamente simples. Se um programa está tendo um mau
desempenho e apresenta poucos resultados, isto significa que
deve ser interrompido ou que um montante maior de recursos
deve ser alocado para melhorá-lo? Ou, ao contrário, se um
programa está alcançando seu objetivos deve receber mais recursos
para fazer um trabalho ainda melhor ou seus recursos deveriam
ser cortados com a presunção de que já alcançou seus objetivos?
Analisando a experiência recente do governo norte-
americano com orçamento por resultados, Joyce (1997) afirma
que não existe evidência de utilização de resultados de avaliação
de desempenho para alocação de recursos no governo como um

4
Joyce (1997) ressalta também que a existência informação sobre o
desempenho pode esclarecer sobre as perdas e ganhos associados à escolha
entre dois programas concorrentes, tornando a decisão mais
fundamentada. Mas, nem por isso, a escolha entre eles será facilitada.
“For example, if the choice was between a job-training and a air pollution
program, we might know that adding $100 million more to the budget or
the Environmental Protection Agency would make the air cleaner by x
amount while costing y amount of lost wages from workers who had not
been trained” (Joyce, 1997: 55).

108
todo. Tal fato, entretanto, não minimiza o importante papel das
medidas de desempenho no apoio da gestão de um volume de
recursos relativamente fixo e no esclarecimento aos tomadores
de decisão sobre a relação existente entre os resultados a serem
alcançados a partir de uma determinada quantidade de insumos.
Zapico-Goñi (2001) menciona estudo de Gray e outros na
análise dos resultados da integração entre avaliação e o processo
orçamentário em experiências práticas de países desenvolvidos.
Segundo o estudo, as atividades de avaliação e orçamentação
têm requisitos funcionais, organizacionais, informacionais e sócio-
organizacionais, que podem dificultar a sua integração.
Na maioria dos casos estudados, não se encontram
evidências que mostrem a existência de coerência funcional
entre o orçamento e a avaliação de políticas públicas: la
assignación de recursos presupuestarios está movida por uma
convicción doctrinal (ideologia de mercado) más que por um
esfuerzo de concepción o evaluación de las políticas públicas”
(Zapico-Goñi, 2001: 63). Adicionalmente, para que os
resultados da avaliação sejam integrados no processo
orçamentário é necessário que haja uma divisão clara e coerente
de papéis entre as instituições que participam do processo
orçamentário, o compartilhamento de sistemas de informação
e comunicação e acesso a bases de dados coerentes e
compatíveis, além do desenvolvimento de uma cultura
profissional e administrativa semelhante que permita a
cooperação entre as diferentes comunidades de especialistas.
A despeito das dificuldades de operacionalização e dos
resultados pouco auspiciosos dos processos analisados, Zapico-
Goñi (2001) acredita que a integração da avaliação com o
orçamento traz recompensas no sentido da conformação de
sistemas de informação de maior relevância sobre os níveis de
economia e de eficiência na gestão. Além disso, a avaliação é

109
crescentemente percebida como uma ferramenta de grande
utilidade para promover uma nova cultura de gestão
orçamentária centrada no resultado e no impacto dos programas,
mais do que enfatizando os processos e o retorno imediato. La
evaluación se percibe como un buen instrumento para facilitar
el tránsito de una cultura de gasto, donde gobernar o gestionar
bien se confunde con aumentar los créditos presupuestarios, a
una cultura de resultados, donde el directivo público se centra
y es responsable por el grado de eficiencia y eficacia alcanzado
al ejecutar su presupuesto” (Gradin citado por Zapico-Goñi,
2001: 64).
A importância de se construir uma adequada divisão de
competências e responsabilidades entre as instituições
integrantes do sistema para que a avaliação possa influenciar o
processo orçamentário também é destacada por Di Francesco
(1998) na análise sobre a contribuição da avaliação de
programas para o processo orçamentário em operação no
governo australiano5.
A estratégia de avaliação na Austrália, coordenada pelo
Departament of Finance mas levada a cabo sob a
responsabilidade das agências, tem se mostrado inadequada para
que a avaliação forneça informações para o processo
orçamentário. The evaluation strategy has proved difficult to manage
– the evaluation planning process was, by design, heavily weighted
against the central budget agency; the available performance
information was either not relevant to cabinet-level priority setting
5
Segundo o autor, existem três momentos no processo orçamentário que
podem ser influenciados pela avaliação: a análise das políticas ou de
medidas de economia pelos analistas do orçamento; a definição das
prioridades de avaliação das instituições públicas de acordo com as
prioridades do governo e a utilização de informações sobre desempenho
na fundamentação de propostas de política (Di Francesco, 1998).

110
or was predictably deployed by portfolios to act as a shield for
programs; and the evaluation planning cycle seems not to fit into
the overriding budget cycle” (Di Francesco, 1998: 45)6.
Crescentemente, medidas de desempenho têm sido utilizadas
para a melhoria da gestão. O impacto das ações públicas pode ser
analisado por meio de avaliações. Sendo assim, avaliações
produzem informações que auxiliam os formuladores de política
no questionamento sobre a validade de determinados programas,
bem como para o desenho de novos programas. Adicionalmente,
segundo Osborne e Gaebler (1994) a definição de medidas de
desempenho ajuda as organizações a pensarem e visualizarem com
clareza suas metas, revendo sua direção e objetivos.
A importância da avaliação para a melhoria de gestão é um
aspecto ressaltado por Thoenig (1999). Esse autor confere grande
importância à questão da utilização dos resultados da avaliação. Os
resultados da avaliação de desempenho devem fazer sentido para os
que tomam decisões e ser adequados às suas necessidades, constituindo
a avaliação um meio de obtenção de informações para que eles e suas
equipes possam realizar revisões e avaliações dos vários aspectos da
reforma pré ou posteriormente à execução das ações.
A avaliação também é entendida como um aspecto integral
de um sistema de gestão de desempenho, podendo ser utilizada
para comparar as metas e avaliar os progressos no que se refere
ao alcance dos objetivos. No Canadá, a avaliação de resultados
de programas, serviços e políticas como forma de se obter
legitimidade pública está entre os princípios da estrutura de

6
Como resposta a essa situação, Di Francesco (1998) sugere que o processo
de planejamento da avaliação seja centralizado de forma que o
Department of Finance tenha maior capacidade de definir a agenda de
avaliação ou que sejam incluídas penalidades por não realização de
avaliação no atual processo de planejamento descentralizado.

111
gerenciamento do governo, numa estratégia de gerenciamento
ampla denominada Results for Canadians. Essa estratégia está
baseada em um sistema de informações que possibilita medir,
avaliar e divulgar aspectos fundamentais dos programas e sua
performance. O objetivo é estabelecer um ciclo mais produtivo
de planejamento, medida, avaliação e divulgação dos resultados
para os cidadãos, desde Ministérios até o Parlamento (Canada,
2000)7.
Na Austrália, a avaliação se insere numa estratégia maior
de orientação para resultados denominada Outcomes and outputs
framework iniciada em 1999 que visa melhorar a gestão das
instituições públicas e aumentar a accountability, num contexto
em que as agências públicas passaram a ter maior autonomia e
flexibilidade de gestão, incluindo a gestão de recursos financeiros.
Essa estratégia busca responder a três perguntas básicas para as
atividades do governo: o que o governo quer alcançar em termos
de objetivos (outcomes); como esses objetivos serão alcançados
(outputs) e como o governo sabe se está sendo bem sucedido
(avaliação de desempenho). O Outcomes and outputs framework
constitui a base para o desenvolvimento pelas instituições de um
sistema de gestão de desempenho, conectado ao contexto mais
amplo do Performance Improvement Cycle, promulgado pelo
Department of Finance and Administration em março de 1998
(Austrália, 2000).
Igualmente, a avaliação pode ser utilizada para melhorar a
qualidade dos serviços públicos, propiciando informações sobre
mudanças nas necessidades dos usuários, seu nível de satisfação
com os serviços prestados e possibilitar a comparação do
desempenho no tempo, com outras organizações e com padrões
pré-estabelecidos. Com base nos conceitos da administração

7
Agradeço a Eugênio Ferreira Braga por este comentário.

112
voltada para o usuário, o aperfeiçoamento dos serviços públicos
requer a coleta permanente de informações com os usuários, que
são essenciais para medir a eficácia da ação governamental, sendo
a qualidade definida no contexto da percepção do usuário. A
coleta de informações não deve ser orientada apenas para a
avaliação da satisfação, mas sobretudo, para a identificação de
áreas prioritárias para a realização de melhorias do ponto de vista
do usuário (Pesquisa ENAP, 2000).
A avaliação da satisfação do usuário-cidadão pode ser um
dos componentes de uma estratégia mais global de melhoria da
qualidade num modelo conceitual denominado Service Gap
Model apresentado por Blythe e Marson (1999). Esse modelo
tem como ponto de partida o reconhecimento da diferença entre
a expectativa dos cidadãos e clientes a respeito dos serviços
públicos e o serviço efetivamente recebido e tem quatro
componentes:
1- conhecer as expectativas dos cidadãos e clientes em
termos de prestação de serviços;
2- aumentar a capacidade de organizações públicas fornecer
os serviços desejados pelos cidadãos;
3- utilizar um conjunto adequado de ferramentas de
melhoria de gestão para reduzir a lacuna de serviços; e
4- medir o progresso na redução da diferença entre
expectativas de serviço e o serviço recebido e assegurar a
responsabilização pelos resultados.
A avaliação de desempenho também possibilita o
acompanhamento de ações descentralizadas por meio de
contratos, que devem estabelecer padrões claros de desempenho
e procedimentos de monitoramento; o controle de ações
executadas por outros níveis de governo e de setores privatizados.
A transferência da execução para outros níveis de governo
quando foi mantido algum financiamento central, requer o

113
controle dos recursos e o monitoramento dos resultados. A
privatização e a terceirização de atividades exige que sejam
estabelecidos padrões, um procedimento de acompanhamento e
de avaliação do desempenho. Nesses casos, o governo
desempenha o papel de financiador, contratador, comprador ou
regulador de serviços, embora permaneça sendo responsável, em
última instância por assegurar que as metas públicas sejam
cumpridas. Para tanto, precisa medir e avaliar o desempenho para
ter informações para a elaboração das políticas, acompanhamento
da execução financeira, definição de responsabilidades e controles
(Caiden e Caiden, 1999).
O papel da avaliação no processo de aumento de
responsabilização sobre as políticas públicas vem adquirindo
importância cada vez maior e está ligada à crescente autonomia
proporcionada pelas reformas gerenciais e à preocupação com a
legitimidade das ações públicas. A avaliação, ao esclarecer sobre
o resultado e impacto das ações governamentais, pode melhorar
a transparência para a sociedade como um todo. Nesse processo
a legitimidade dos programas em andamento pode ser fortalecida,
o que garante a manutenção de seus resultados (OCDE, 1999).
Ao demonstrar que os programas apresentam resultados sob a
forma de benefícios mensuráveis a avaliação pode garantir apoio
público.
No que se refere à relação entre avaliação e accountability,
Caiden e Caiden (1999) afirmam que a avaliação e a medição
do desempenho devem ser entendidas com um componente do
desenvolvimento da capacidade de governo, que implica
mudanças no sentido de maior transparência, mais informação
ao público, maior possibilidade de crítica em relação à atuação
das organizações governamentais e maior abertura da sociedade.
Levy (1999) também enfatiza o papel da avaliação como
um elemento do controle de resultados, introduzido pela

114
administração gerencial como mecanismo disponível ao controle
social. Segundo a autora, os processos de avaliação de
desempenho tem um papel a cumprir no campo da accountability,
entendida como a obrigação de prestar contas e assumir
responsabilidades perante os cidadãos imposta àqueles que detêm
o poder de Estado.
O aspecto do aprendizado relacionado à realização da
avaliação é mencionado por diversos autores. Verificar o que
está dando certo por meio da avaliação de resultados possibilita
o aprendizado organizacional: sucessos inesperados são grandes
oportunidades de inovação administrativa e empresarial (Osborne
e Gaebler, 1994). A avaliação contribui para o processo de
aprendizagem das pessoas envolvidas no gerenciamento e
implementação dos programas, ao proporcionar maior
entendimento do trabalho desenvolvido e apoiando o seu
desenvolvimento (OCDE, 1999).
Caiden e Caiden (1999) ao reconhecer que a avaliação
representa uma inovação no sentido da melhoria da gestão,
afirmam que sua introdução deve ser progressiva, apoiada em
experiências piloto para estimular um processo de aprendizagem.
Thoenig (1999) afirma que a avaliação pode apoiar a constituição
de um banco de soluções para a instituição, cria competências
diversificadas entre os gerentes de todos os níveis e apóia uma
atitude de sabedoria para atuar com conhecimento ao mesmo
tempo em que coloca em dúvida o que se sabe.
Joyce (1997) ressalta o caráter de aprendizado do processo
de avaliação ao salientar a importância da divulgação de
resultados das atividades do setor público. A utilização de
avaliação de desempenho para a alocação de recursos
orçamentários deve ser o resultado de uma mudança de cultura
que se inicia com o desenvolvimento de informações sobre
desempenho válidas e de qualidade no nível das agências e com

115
a divulgação dessa informação com finalidades não relacionadas
com o orçamento. Uma vez que esta informação seja de domínio
público, é possível que tenha maior aceitação e, eventualmente,
seja utilizada no processo de tomada de decisão sobre a alocação
de recursos.
In this context, it is not at all alarming that greater strides
have not been made in performance-based budgeting. (...)
Observers should not be too quick to dismiss this effort at
performance-based budgeting as a merely a repeat of the past
failures, such as program budgeting. Key strengths of the current
effort are its deliberate nature and its recognition that the use of
performance information must wait for the development of the
measures themselves (Joyce, 1997: 60).
Zapico-Goñi (2001) também ressalta o aspecto aprendizado
ao comentar a relação entre orçamento e avaliação. Segundo o
autor, para que as inovações no processo orçamentário resultem
numa disciplina fiscal sustentável e possibilitem o controle do
gasto público, o mais importante não é conseguir uma integração
automática entre a gestão por resultados e a avaliação no processo
orçamentário, mas sim ter em vista o tipo de resultado que está
sendo perseguido pelos sistemas de controle e avaliação. La
integración de la evaluación en el proceso presupuestario puede
proporcionar grandes resultados en términos de reducción del
déficit en la medida en que incorpore valoraciones relacionadas
con el segundo orden de control o aprendizaje al que se refieren
las cuestiones del tipo double loop (p. 67) promovendo
questionamento não apenas como as atividades estão sendo
executadas, mas sim o sentido mesmo do que se está fazendo.
Para Weiss (1998), o caráter de aprendizagem
organizacional da avaliação está relacionado com a sua
contribuição para a melhoria do programa no sentido de que a
avaliação pode proporcionar o registro da experiência do

116
programa, apresentar feedback para os membros da equipe,
esclarecer e reforçar a mensagem sobre os objetivos do programa
e possibilitar a compreensão dos elementos que possibilitam a
mudança de condições sociais e do comportamento humano. A
divulgação dos resultados da avaliação pode aumentar o grau de
compromisso dos membros da equipe: by virtue of being public,
results may stimulate adaptive action. Knowing that other people
will be looking may make practitioners more attentive to the
public’s expectations (Weiss, 1998: 28).
Também no que se refere ao aprendizado proporcionado
por processos de avaliação, a implementação de avaliação de
desempenho resulta em um benefício importante relativo à um
aperfeiçoamento da comunicação na medida em que a definição
da missão do programa, dos objetivos estratégicos e das medidas
de desempenho que permitirão avaliar o alcance dos objetivos
requer o estabelecimento de um acordo sobre a estratégia
adequada de avaliação entre diversos atores nas próprias
organizações, entre organizações no governo e fora do governo.
Such horizontal and vertical communication is not easy to
facilitate but is rewarding for programs bolstered by stakeholder
agreement” (Kettl citado por Newcomer, 1997).
Zapico e Mayne (1995) sugerem até mesmo que a dimensão
aprendizagem deve ser priorizada na avaliação dos dirigentes
em contextos marcados pela incerteza no que se refere à sua
capacidade de adaptação a novos problemas ao invés dos critérios
tradicionais relacionados à redução de custos, produtividade e
qualidade dos serviços. Em contextos como esse, a maximização
da flexibilidade, decorrência do aprendizado, é um critério de
sucesso mais relevante que a maximização da utilidade a curto
prazo.
Considerando que as avaliações realizadas por especialistas
representam a expressão de apenas um dentre os diversos pontos

117
de vista dos atores envolvidos com determinada política, Subirats
(1995) propõe que as avaliações sejam realizadas sob um enfoque
plural que representa um processo de aprendizagem social. Si se
diera a las prácticas de evaluación un enfoque plural y se alentara
a los diversos actores afectados por la política en cuestión a
expresar sus opiniones, esas prácticas se convertirían realmente
en instrumentos del aprendizaje social (...) La evaluación podría
convertirse en una ocasión formal para examinar la manera en
que los programas de acción específicos son experimentados por
las personas afectadas y para descubrir lo que éstas consideran
que son los êxitos y fallas de esos programas (1995: 13).

O QUE DEVE SER AVALIADO

Os diversos objetivos que são colocados para a avaliação,


embora em alguns casos possam ser inter-relacionados,
apresentam requisitos diferentes de informação para que sejam
alcançados, o que de certa forma implica na existência de
processos de avaliação diferenciados.
A definição do que medir deve refletir dois fatores: o uso
esperado dos resultados da avaliação (os objetivos da avaliação)
e os as prioridades dos atores que selecionam o que medir.
Evaluations interested in maximizing the use of evaluation data
long have stressed the importance of matching the data collected
to the intended use” (Patton citado por Newcomer, 1997: 8).
Dentre as medidas de desempenho mais freqüentes, Caiden
e Caiden (1998) mencionam insumos, nível de atividade,
resultados (outputs), impactos (outcomes), produtividade, custos,
satisfação do usuário e qualidade e tempo de resposta do serviço.
Estas medidas são utilizadas para verificar a economia, a eficiência
e a efetividade com que uma organização pública realiza suas

118
atividades. A economia está relacionada com a capacidade de
operar ao mais baixo nível de custo possível e pode ser estimada
com a medição dos insumos e realização de comparações com
um padrão estabelecido (benchmarking). A eficiência representa
a relação entre os insumos e os resultados: pode significar a
utilização de um mínimo de insumos para a obtenção de um
resultado dado ou a produção do máximo de resultados para um
determinado nível de insumos. A efetividade define o êxito do
programa e focaliza os seus resultados avaliados por meio de
seus impactos.
Newcomer (1996) identifica insumos, operações ou
processos, outputs e outcomes como sendo as principais medidas
de desempenho. Insumos são os recursos disponíveis para
implementar determinada atividade ou programa; as operações
ou processos representam os procedimentos definidos pelos quais
o programa deve operar; outputs são as atividades ou eventos
gerados pelo programa; outcomes representam os objetivos
perseguidos pelo programa, cujo alcance é viabilizado pelas
operações e produtos do programa.
Outcome é o resultado esperado pelos idealizadores do
programa. Program outcomes are the intended results of
programs that many of those currently demanding evidence of
the value added by programs want to see” (Newcomer, 1997: 6).
Existe a distinção entre outcomes intermediários ou finais.
Outcomes intermediários referem-se a reações imediatas dos
usuários e respostas de outras instituições públicas ou privadas à
ação implementada pelo programa. Outcomes finais ou impactos
são os resultados esperados do programa sobre a sociedade ou
um grupo de pessoas.
Os inputs ou os recursos utilizados na realização dos
programas têm sido uma medida tradicional para
acompanhamento dos programas. A contagem de outputs e a

119
verificação de se os outputs foram efetivamente prestados de
acordo com o previsto na legislação têm sido geralmente
utilizados para avaliar o grau de implementação de um programa
(Newcomer, 1997).
Segundo Weiss (1998) avaliações podem focar outcomes
ou processos. Outcomes referem-se aos resultados finais do
programa para o grupo a quem pretendia atingir. Utiliza os termos
efeitos ou resultados como sinônimos e considera outcomes de
longo prazo como impactos ou os efeitos do programa sobre a
comunidade como um todo.
A avaliação do processo do programa visa a compreensão
do que está acontecendo, necessária para se entender os dados
de resultado. If the evaluation is going to be able to analyze what
conditions where responsible for different outcomes, she needs
data on what went on in the program (Weiss, 1998: 9).
Pode-se perceber que existe uma diferença na enumeração
das medidas de desempenho a serem verificadas em processos
de avaliação entre os autores analisados. Os itens propostos por
Caiden e Caiden (1998) são mais numerosos e detalhados que
os propostos por Newcomer (1996, 1997) e Weiss (1998).
Adicionalmente pode-se perceber uma diferença nos conceitos
de output e outcome utilizados pelos dois primeiros autores em
relação aos dois últimos. Se para Caiden e Caiden (1998) output
é uma medida de resultado, para Newcomer (1996, 1997) e Weiss
(1998), esta pode ser entendida mais propriamente como uma
medida de nível de atividade, uma vez que trata de produtos e
serviços prestados. Por outro lado, para Newcomer e Weiss,
outcomes são resultados ou impactos dos programas decorrentes
da prestação de determinados serviços ou produção de
determinados bens. Neste texto este foi o conceito de outcome
utilizado.
A avaliação com o objetivo de aperfeiçoar a alocação de

120
recursos entre programas pode fazer uso de informações sobre
insumos, custos, outputs, outcomes, qualidade e satisfação do
usuário. A avaliação visando melhoria do programa deve levar
em conta também a análise das suas operações e processos.
A utilização da avaliação de desempenho para a alocação
de recursos pressupõe que é possível medir os recursos utilizados
e os resultados alcançados. No caso dos recursos utilizados
implica medir quanto custa administrar determinado programa,
o que envolve a organização das atividades e dos custos das
organizações públicas em programas e a apropriação dos custos
tanto diretos quanto indiretos a cada programa.
No caso dos resultados alcançados, implica avaliar os
outcomes dos programas públicos. Existe uma tendência
generalizada e equivocada de utilizar outputs como medida de
resultado, uma vez que estes estão geralmente sob controle dos
gerentes (Joyce, 1997)8.
Thoenig (1999), que enfatiza o papel da avaliação para a
melhoria dos programas, destaca a coleta e produção de informações
que são necessárias para a tomada de decisão diária e para a condução
de uma auto-avaliação que terá impacto sobre o trabalho rotineiro
pelos próprios usuários. Adicionalmente, menciona a troca de
informações sobre boas práticas de gestão como um instrumento
importante para o desenvolvimento de uma cultura de desempenho.

8
Joyce ressalta que a necessidade de medidas corretas e da coleta de
informações acuradas aumenta quanto maiores os esforços para associar
o desempenho ao orçamento. Entretanto, quanto maior a importância
desse processo, com o aumento de ganhos ou perdas relacionadas, maiores
são os incentivos para que se definam medidas que influenciem um
julgamento favorável e que sejam divulgados resultados enviesados.
“Without a process of ensuring that the appropriate measures are chosen
and reported accurately, performance measurement will never deliver on
its promise” (1997: 55).

121
Os produtos e impactos do programa são importantes
medidas para avaliação voltada para a transparência, não sendo,
entretanto, suficientes. Segundo Levy (1999) para que a avaliação
produza informações para accountability, precisa construir
explicações cujo significado deve ser entendido e aceito por todas
as partes envolvidas. O controle de resultados, embora aumente
as possibilidades de accountability por tornar mais explícitos
objetivos e meios envolvidos na política pública, pode redundar
num instrumento pouco democrático se a definição de indicadores
e/ou resultados for um processo determinado por poucos agentes.
A accountability se refere não apenas à prestação de contas, mas
também à definição dos termos sobre os quais se fará a prestação
de contas. Essa definição tem que ser conjunta para se criar
transparência e, por conseguinte, condições de confiança entre
governantes e governados (Levy, 1999).
A realização de pesquisas de satisfação dos usuários de
serviços públicos por sua vez exige o desenvolvimento de uma
metodologia específica. A avaliação da qualidade dos serviços
pelos consumidores é realizada por meio da comparação entre
os serviços esperados e a percepção dos serviços recebidos. As
expectativas dos consumidores têm assim um papel fundamental
no processo de avaliação dos serviços e são influenciadas por
quatro fatores: as necessidades pessoais dos consumidores, sua
experiência passada, os comentários que ouvem de outros
consumidores e as comunicações externas (Zeithaml,
Parasuraman e Berry citado em Pesquisa ENAP, 2000).
A despeito da relevância das expectativas dos usuários para
a realização da avaliação da qualidade dos serviços prestados,
estas não podem ser consideradas de forma absoluta, sem levar
em conta as diferenças entre distintos segmentos e a forma como
em cada um deles são estabelecidas as expectativas. Indicadores
objetivos que representam mínimos de desempenho que devem

122
ser garantidos como direitos de cidadania a todos os indivíduos
são necessários para a efetiva avaliação da qualidade dos serviços
(Pesquisa ENAP, 2000).
Estratégias de avaliação plural que se caracterizam como
um processo de aprendizado social dos diversos atores envolvidos
com a política trabalham com valores e opiniões desses atores
sobre como são por elas afetados e sobre o que consideram como
sendo êxitos ou falhas do programa. Nesse processo, erros são
considerados como fontes de informação e indícios para o
desenvolvimento de novas ações (Subirats, 1995).
Para que a aprendizagem associada ao processo de avaliação
seja destacada e considerando que o ambiente no qual as ações
públicas são realizadas é marcado pela incerteza, Zapico e Mayne
(1995) propõem que novos critérios sejam utilizados para a
avaliação dos resultados, os três D: diagnóstico de novos
problemas, desenho de novas soluções e desenvolvimento destas
soluções para sua implantação. Segundo eles, os critérios
tradicionais – a economia, a eficiência e a eficácia (os três E) –
para avaliar a capacidade e competência de gestão do dirigente
podem não ser suficientes se os objetivos estão mudando e os
resultados não podem ser antecipados. Isto é devido ao fato de
que a utilização dos três E supõe que os objetivos podem ser
definidos com precisão, são estáveis e aceitos e que existe uma
relação causa-efeito conhecida entre as atividades ou políticas
públicas e os resultados esperados.
O diagnóstico se refere à identificação de novos problemas
ou redefinição dos problemas atuais tendo em conta mudanças
no contexto e interesses de grupos afetados. O desenho diz
respeito à formulação de iniciativas para resolver os novos
problemas identificados, formular novas soluções e adotar
estruturas e estratégias adequadas. Desenvolvimento está
relacionado à implementação das novas soluções como um

123
processo de aprendizagem, superando as resistências à mudança,
redefinindo problemas e soluções e aprendendo com a nova
experiência (Zapico e Mayne, 1995).
As medidas tradicionais de desempenho (os três E) são
compatíveis com os três D. O desenho e o uso de medidas de
resultado possibilitam a interpretação do grau de êxito alcançado
pelo gestor público e as razões pelas quais não foram alcançados
resultados melhores. O modelo dos três D foca a capacidade
adaptativa e exige que se questione a própria definição dos
objetivos, a relação causa-efeito e os valores subjacentes à própria
intervenção pública (Zapico e Mayne, 1995).
Na definição sobre o que deve ser avaliado é preciso
reconhecer que cada grupo de interessados em determinada
política tem suas próprias preocupações e sua própria agenda a
respeito dos itens a serem analisados. Por exemplo, os membros
do Legislativo podem enfatizar a importância da supervisão geral
da agência, o desempenho no curto prazo, a consistência da
informação e o controle de contas, ou seja, elementos que
embasam suas agendas e motivações políticas. Para os
funcionários executivos as metas de longo prazo, a adaptabilidade
às metas cambiantes e a flexibilidade na execução (Caiden e
Caiden, 1999). Por essa razão, na sessão seguinte será discutida
a questão da participação na avaliação.

QUEM DEVE PARTICIPAR DA AVALIAÇÃO

A escolha do avaliador é um fator importante para que a


avaliação seja bem sucedida e deve ser balizada pelo objetivo
que norteia a realização da avaliação. É pouco provável que uma
avaliação realizada internamente ofereça informações críticas ou
analise questões relacionadas à propriedade ou não de se continuar

124
determinado programa. Quando a avaliação é conduzida pelo
próprio avaliado, geralmente contribui para a obtenção de
informações fundamentais para a própria organização, uma vez
que os avaliadores internos detém conhecimento sobre as suas
atividades e tem livre acesso às fontes de dados. Por outro lado,
pode haver deficiência em termos de competências dos
avaliadores internos o que limita a faixa de questões a serem
cobertas. É possível também haver falta de objetividade, gerando
resultados com baixa credibilidade, com uso limitado das
informações fora da organização. Essas avaliações geralmente
resultam em sugestões práticas de recomendações que contribuem
para a melhoria da gestão, tendo menor contribuição a oferecer
para a discussão sobre a relevância geral de um programa
(OCDE, 1999).
Na análise sobre os atores que participam do processo de
avaliação, Weiss (1998) discute diversos aspectos: as diferentes
expectativas dos participantes de acordo com a sua posição no
processo, o caráter da informação proveniente de avaliações
realizadas por atores internos e externos e o arranjo institucional
adequado para que a avaliação dê conta de seus objetivos.
Embora nem sempre se possa fazer uma distinção clara,
geralmente os dirigentes têm a expectativa de que a avaliação
venha a fornecer informações que os permita analisar a
efetividade geral dos programas. Os gerentes dos programas
tendem a estar mais interessados em entender os elementos que
permitam que o programa sob sua responsabilidade seja executado
da melhor forma possível. Precisam de informação que os ajude
a melhorar os programas. Os membros da equipe, por sua vez,
que costumam fazer uso de sua própria experiência ou de
julgamentos intuitivos, geralmente esperam que a avaliação resulte
em recomendações práticas.
Usuários necessitam de informações que os permitam fazer

125
escolhas entre tipos de serviço e fornecedores diversos: estão
interessados na efetividade das ações. Em alguns casos, também
querem saber em que medida a sua participação pode influenciar
ou controlar a realização do programa.
As informações resultantes de avaliações realizadas por
atores internos refletem o seu maior conhecimento do programa:
estão mais próximos de onde as coisas acontecem e tem contato
com os clientes e com a equipe do programa. Os resultados da
avaliação e suas recomendações tendem a ter grande utilidade
para os responsáveis pelos programas.
Avaliações conduzidas por atores externos, em
contrapartida, tendem a ser vistas como mais objetivas e neutras.
Tem maior autonomia para a realização da avaliação e podem
assumir uma perspectiva mais ampla. Seu prestígio e autoridade
podem contribuir para que os resultados da avaliação sejam
encarados com maior seriedade.
Finalmente, no que se refere ao arranjo institucional, Weiss
(1998) afirma que o local na estrutura organizacional em que a
avaliação é alocada deve ser compatível com o objetivo da
avaliação. If it is directed at answering the policy questions (How
good is the program overall?), evaluators should report to the
policy level. (…) When the basic shape of the program is
unquestioned and the evaluation issue centers on process and
program components, the evaluator should probably be
responsible to program managers (Weiss, 1998: 39 e 40).
Para Caiden e Caiden (1999) a utilização de auto-avaliação
pode gerar resultados enviezados na medida que é pouco provável
que os envolvidos escolham medidas de desempenho que os
desfavoreçam. Se a avaliação for realizada por funcionários de
alto nível, a cooperação com os demais funcionários pode ser
minada uma vez que podem não se identificar com o processo e
entendê-lo como uma ameaça. Se a avaliação for realizada por

126
funcionários de baixo escalão corre-se o risco de que ela se torne
uma justificativa sobre as atividades realizadas. Em contrapartida,
envolver avaliadores externos no processo pode resultar num
ganho no que se refere à objetividade da análise com a
desvantagem de deterem menor conhecimento sobre o programa.
Além disso, o seu emprego regular poderia envolver gastos
excessivos especialmente por não estarem associados aos
resultados dos programas.
Newcomer destaca a participação dos gerentes de linha na
gestão do sistema de avaliação de desempenho: Financial
management, policy and planning and budget offices all have
stakes in the development of performance measures, but they
probably not manage the system. Line managers should be
empowered to develop and use the system. They need to take
ownership over the systems so that they will be willing and able
to use them” (1997: 12).
A definição de quem participa do processo de avaliação e
se ele deve ou não ter uma coordenação central parece também
estar relacionada com o objetivo da avaliação. De acordo com
Di Francesco (1998), na Austrália, o objetivo de fazer com que
as decisões no processo orçamentário fossem embasadas em
resultados de avaliação mostrou-se incompatível com a forma
descentralizada como o sistema de avaliação foi organizado. As
informações de desempenho fornecidas por este sistema não são
adequadas para a análise dos programas pelos responsáveis pelo
orçamento no Departamento de Finanças Clearly, in
institutionalising evaluation Finance sought to increase the
receptivity of portfolios to evaluation by establishing it as their
responsability. The danger is that the process is heavily weighted
against the information needs of the central budget agency, since
it permits portfolios to both determine the evaluation agenda and
unduly influence budgetary and policy priorities (...) (1998: 39).

127
A avaliação conduzida por órgãos centrais é capaz abordar
questões que dizem respeito ao governo como um todo e aos
programas multisetoriais, podendo revisar de forma mais rigorosa
a relevância dos programas em operação. A utilização da
informação nos processos de tomada de decisão é favorecida
pelo caráter de maior confiabilidade dos resultados e da natureza
política das questões envolvidas. Entretanto, os órgãos centrais
tem maior dificuldade de acesso aos dados e podem desempenhar
papéis conflitantes, o que pode colocar em risco sua credibilidade
(OCDE, 1999).
A existência de um departamento central que assegure o
funcionamento efetivo do controle de gestão também é ressaltada
por Zapico e Mayne (1995), que consideram que a liderança de
uma unidade central é necessária quando o controle de resultados
integra uma iniciativa global de avaliação das ações do governo.
Para Thoenig (1999), mesmo no caso de a avaliação estar
relacionada a melhorias de programas e instituições específicas,
deve haver um nível central que assegure a accountability das
unidades pelos canais hierárquicos e entre as organizações por
meio da comunicação horizontal e que apóie as agências no
aprendizado sobre como inovar dando visibilidade e oferecendo
incentivos e treinamentos específicos. Esse autor considera
também que a avaliação deve ser disseminada entre as agências
e ao longo da cadeia de comando, não devendo ser entendida
como um sistema dominado apenas por especialistas. As agências
devem participar no processo por meio de coleta e troca de
informações sobre boas práticas de gestão visando promover
essas práticas e encorajar outras agências a adota-las.
A discussão sobre quem participa da avaliação é importante
na medida em que atores diferentes tem perspectivas diferentes
sobre as medidas de desempenho e a forma como elas são
apresentadas. Por exemplo, os membros do Legislativo podem

128
ignorar os dados sobre desempenho porque estes dados não são
organizados no formato que seja familiar para eles, que utilizam
informação de base programática. Já os funcionários do Executivo
podem desenvolver medidas de desempenho que satisfaçam
necessidades internas de suas próprias organizações sem se
preocupar com os usuários externos. Em vista da existência dessas
diferentes perspectivas, os objetivos e as medidas de desempenho
devem ser objeto de negociação entre os interessados (Caiden e
Caiden, 1999).
Essa negociação é tão mais importante quando a avaliação
tem como objetivo a prestação de contas do governo sobre suas
ações para a sociedade, havendo necessidade de se estabelecer
um diálogo com todos os envolvidos na política para definir o
que será avaliado conjuntamente nos termos colocados por Levy
(1999). A participação de todos os interessados na política se
coloca também quando se pretende enfatizar o aspecto de
aprendizagem social da avaliação mencionado por Subirats
(1995). Nessa perspectiva, a avaliação passa a ser parte do
processo pelo qual diferentes membros da sociedade aprendem
a como resolver os problemas coletivos. Não é objetivo da
avaliação descobrir a verdade, mas revelar as diferentes verdades
com o objetivo de atingir um equilíbrio entre as diversas opiniões
dos participantes.
É importante destacar que quando os interessados são
envolvidos na avaliação é preciso desenvolver uma estratégia
específica para gerenciar a sua participação. O envolvimento dos
interessados aumenta seu compromisso e disposição em utilizar
os resultados da avaliação, e a possibilidade de se trabalhar com
diversas perspectivas pode enriquecer o processo. Entretanto, o
gerenciamento das relações com esse grupo pode ser mais
dispendioso e demorado do que a abordagem não-participativa
e o seu envolvimento pode afetar negativamente a credibilidade

129
da avaliação, embora tenha efeitos importantes sobre o
aprendizado dos atores (OCDE, 1999).
Quando o objetivo da avaliação é aferir o nível de satisfação
do usuário, existe a dificuldade apontada na literatura sobre como
definir os usuários para participar na avaliação.
No caso de serviços de saúde, Pollitt (1990) elenca como
usuários aqueles sob tratamento, aqueles que se sabe estão esperando
por tratamento, aqueles que se acredita necessitarem de tratamento,
mas que não estão procurando por ele ou aqueles que alguma vez
vão precisar de tratamento e outros membros da comunidade afetados
pela prestação de serviços, como os parentes dos pacientes.
Osborne e Plastrik (1997) estabelecem as seguintes
definições para a classificação dos usuários: clientes primários,
indivíduo ou grupo para os quais o trabalho da administração
pública é primordialmente desenhado para ajudar; clientes
secundários, outros indivíduos ou grupos que são beneficiados
pelo trabalho da administração pública, mas menos diretamente
do que seus clientes primários; compliers, aqueles que devem se
submeter à leis e regulamentações.
Gilbert e outros (1999) fazem a distinção entre
compradores diretos que pagam pelos serviços que recebem;
usuários, que têm uma escolha limitada para selecionar seus
prestadores de serviço; e usuários cativos, que têm oportunidades
muito limitadas de escolha porque as agências que os servem
estão normalmente cumprindo um mandato político.
Já outros autores sugerem que a avaliação da satisfação
dos usuários deve envolver ampla participação, por meio do canal
de expressão representado pelas pesquisas9. A pesquisa possibilita
o acesso daqueles que têm um ponto de vista imparcial ou distante,

9
Além das pesquisas de avaliação da satisfação, existe um conjunto de
mecanismos já bastante utilizado para colher a opinião do cidadão, muitas

130
até aqueles que estão emocionalmente envolvidos. A participação
todos os cidadãos deve ser incentivada, desde os mais pobres até
os mais graduados; desde aqueles que tem problemas de saúde
até os mais saudáveis, pessoas tímidas ou falantes, novos ou
velhos usuários, os mais informados e os não tão bem informados,
de forma que a pesquisa se assemelhe a uma eleição (Miller e
Miller citado em Pesquisa ENAP, 2000).
A incorporação da perspectiva do usuário torna a avaliação
de complexa. Em primeiro lugar, as ações do governo passam a ter
que apresentar resultados como uma forma de aumentar a
transparência na relação com os cidadãos, ou seja muda a forma e o
conteúdo da accountability. Em segundo lugar, resultado passa a
assumir um significado específico, qual seja, a resolução de um
problema concreto demandado pelos cidadãos. E, em terceiro lugar,
levar em conta a perspectiva do usuário-cidadão torna importante
considerar também a maneira como esses resultados estão sendo
alcançados sob forma de serviços prestados com qualidade. Desse
terceiro ponto resulta que a avaliação passa a ter que necessariamente
incorporar a avaliação da satisfação dos usuários com a qualidade
dos serviços públicos. There is a growing recognition that obtaining
feedback from users is a fundamental and integral part of measuring
effectiveness and without such a perspective, policy evaluation will
have limited legitimacy (Knox e McAlister, 1995: 414).
Adicionalmente, existem visões diferentes sobre quando a

vezes sob a forma de reclamação ou pedido de auxílio para resolver


situações nas quais os canais normais de atendimento não puderam ser
eficazes. Referem-se a livros e caixas de sugestões, centrais telefônicas de
atendimento e a utilização da internet para recebimento de reclamações,
sugestões e elogios sobre os serviços públicos. São utilizadas também
ferramentas de pesquisa qualitativa: questionários de respostas abertas,
as pesquisas de focus groups e workshops envolvendo cidadãos usuários
dos serviços (Pesquisa ENAP, 2000).

131
avaliação da satisfação do usuário pode ser um componente
importante para a melhoria da prestação de serviços. Para Gilbert
e outros (1999), a satisfação do consumidor é um indicador crítico
para atividades que são reguladas pelo sistema de mercado, ou
seja, existe competição pelos compradores entre os prestadores
de serviços, o que não se verifica quando a instituição trabalha
com usuários cativos. Customer satisfaction measures appear
to be appropriate benchmarks for government agencies serving
direct buyers who enjoy freedom of choice. (…) For government
agencies administering to clients and captives, who do not have
a concomitant freedom of choice, such measures may distort an
understanding of how these agencies are truly performing. We
recommend timely alternative measures, independent of customer
satisfaction, to calibrate the performance of agencies serving
clients and captives (Gilbert e outros, 1999: 25).
Por outro lado, Myers e Lacey (1996) apresentam uma
posição diferente afirmando que a avaliação do usuário representa
um instrumento de voice a ser utilizado em circunstâncias em que
exit (em que existe opção por fornecedores alternativos) não se
aplica. Aumentar a contestabilidade no mercado para os produtos
do serviço público e garantir aos usuários de serviços públicos
uma possibilidade de voice por meio da criação de canais de
expressão de sua opinião, na inexistência de oportunidades de exit
são mecanismos mencionados pelos autores para tornar o setor
público mais voltado para o usuário In the partial or complete
absence of exit option, there is a need for voice” (1996: 336).

COMENTÁRIOS FINAIS

Os textos comentados neste paper oferecem uma noção,


ainda que parcial, sobre as diferentes visões a respeito do tema

132
avaliação. Esperamos haver mostrado a diversidade e, em alguns
casos, as divergências entre as opiniões existentes, o que indica
que o tema avaliação, pela sua complexidade, deve permanecer
sendo objeto de debate e troca de idéias para que seja estabelecida
alguma forma de consenso. A ausência de um acordo sobre os
objetivos da avaliação, o que deve ser medido e quem participa
da avaliação, verificada no texto, pode ajudar a entender porque
a prática da avaliação permanece enfrentando ainda diversos
obstáculos.
Seis objetivos diferentes, embora em alguns casos inter-
relacionados, foram identificados para a avaliação nos textos
analisados – apoiar decisões sobre alocação de recursos,
promover a melhoria da gestão, aperfeiçoar a qualidade dos
serviços públicos, contribuir para um processo de aprendizagem,
aumentar a accountability e auxiliar o controle de ações
descentralizadas.
Esses objetivos têm requisitos diferentes de informação para
serem alcançados. A utilidade das avaliações tradicionais de
economia, eficiência e equidade é questionada como fonte de
informação útil para o contexto de incerteza em que as ações
públicas são realizadas e para os objetivos de aumento da
accountability e desenvolvimento de um processo de aprendizado
entre os participantes.
No que se refere à organização da avaliação e aos
participantes no processo são ressaltadas as dificuldades
originadas das perspectivas diferentes dos atores envolvidos, pois
cada um tem sua própria agenda para avaliação a realizar. É
ressaltada a vinculação entre o objetivo da avaliação e os atores
que dela devem participar. Avaliações voltadas para a
transparência e para a aprendizagem envolvem necessariamente
um número maior de interessados, o que cria problemas de
gerenciamento no processo de avaliação.

133
Finalmente, foram identificadas dificuldades específicas na
avaliação da satisfação do usuário que se referem à definição sobre
quem são os usuários a participar da avaliação e quais as atividades
em que a avaliação da satisfação do usuário deve ser empregada
como forma de propiciar a melhoria na prestação dos serviços.
Tabela: Diferentes objetivos da avaliação e respectivos processos
Objetivo da avaliação O que é medido Quem participa
Alocação de recursos Resultado Equipe do órgão responsável pelo
Custo orçamento
Input Gerentes e equipe
Avaliador externo
Melhoria da gestão Processo de trabalho Gerentes e equipe
Satisfação usuário
Custo
Resultado
Melhoria da política Resultado Dirigentes
Custo/benefício Gerentes e equipe
Beneficiários
Aprendizado organizacional Resultado Gerentes e equipe
Satisfação usuário Stakeholders
Processo de trabalho
Transparência / accountability Resultado Dirigentes
Satisfação usuário Gerentes e equipe
Insumos Avaliador externo
Stakeholders

De forma bastante simplificada e esquemática pode-se


perceber pela Tabela que dependendo do objetivo da avaliação,
varia o que deve ser medido e são diferentes os atores a
participarem do processo, isto significa que a cada objetivo da
avaliação corresponde um processo específico de avaliação10.
Os itens elencados nas colunas ‘o que é medido’ e ‘quem
participa da avaliação’ correspondem ao mínimo indispensável

10
Embora o processo de avaliação não se caracterize apenas pelos seus
objetivos, pelo que está sendo medido e pelos participantes da avaliação,
variando também em função de outros fatores, tais como, o período de
realização (antes, durante ou depois), o arranjo institucional (centralizado
ou descentralizado), entende-se que a variação dois dos três elementos
apresentados na tabela é suficiente para caracterizar um processo
diferente de avaliação.

134
a ser considerado para que a avaliação alcance os objetivos
definidos. Não há pretensão de se fazer uma enumeração
exaustiva. Entende-se que a especificação dos conteúdos
mínimos para a avaliação é importante porque, na maioria
das vezes, os recursos humanos e financeiros disponíveis para
a realização de avaliação são escassos e essa tem que se
concentrar naqueles elementos indispensáveis para que as
expectativas sobre os seus resultados possam ser atendidas a
contento.
A avaliação que visa apoiar o processo de alocação de
recursos deve privilegiar medidas que permitam comparar
programas diferentes entre si em termos de sua contribuição
para o alcance dos objetivos amplos do governo. Por essa
razão, medidas de resultado devem ser privilegiadas. Como
há necessidade de comparação entre o desempenho das
diversas instituições ou programas, a medição deve ser
realizada a partir de uma metodologia comum. Além disso,
os resultados da avaliação devem fazer sentido para os
responsáveis pela análise das diversas propostas
orçamentárias, conforme menciona Di Francesco (1998) na
análise do processo australiano. A participação da equipe
responsável pelo orçamento no processo de avaliação é
importante, seja na sua coordenação geral em torno de uma
metodologia comum, seja na definição do conteúdo mesmo
do que deve ser medido. Adicionalmente, como é necessário
garantir a objetividade e a imparcialidade na avaliação dos
resultados, a participação de um avaliador externo pode ser
importante.
Já no caso da avaliação com o objetivo de promover a
melhoria da gestão ou de determinada política, os gerentes e a
sua equipe, que detêm um profundo conhecimento sobre o
processo de trabalho e a forma de execução da política, são atores

135
importantes. Para o aperfeiçoamento da política, os dirigentes
que conceberam a política e os beneficiários também podem trazer
insumos importantes.
A participação dos stakeholders no processo de avaliação,
juntamente com os gerentes e as equipes, é de fundamental
importância para a avaliação que tem como objetivo o
aprendizado organizacional. Nesta, a avaliação não é encarada
de forma instrumental: o processo de diálogo e comunicação
entre as partes que é por ela incentivado é o elemento mais
importante.
A avaliação com vistas a aumentar a transparência das ações
governamentais deve enfatizar os resultados em termos da sua
contribuição para a solução de problemas na concepção da
sociedade. Resultados de programas ou instituições específicos
têm pouco significado, pois não é desta forma que os cidadãos
vêem o setor público. Os resultados da ação do governo devem
ser divulgados de forma a poderem ser compreendidos pelos
cidadãos em geral. Da mesma forma deve haver cuidado na
apresentação das informações referentes aos insumos. A
apresentação dos resultados ou dos recursos utilizados deve ser
diversa daquela utilizada para a tomada de decisão sobre a
alocação de recursos, pois esta necessita de conhecimentos
específicos prévios para ser interpretada.
Existem pontos do processo de avaliação sobre os quais
existem visões compartilhadas ou pelo menos, não excludentes,
que se encontram, em grande parte, consolidados em manuais.
Este texto deu ênfase para a diversidade das análises visando
ampliar a compreensão sobre os aspectos complexos do processo
de avaliação não para desmotivar a realização de avaliações, mas
sim para alertar sobre a necessidade de aprofundamento do debate
sobre o tema e para apoiar a formação de expectativas realistas
sobre a sua utilização.

136
BIBLIOGRAFIA

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de políticas públicas n. 20 Enero/Abril.
ZAPICO, E. E J. MAYNE 1995: Nuevas perspectives
para el control de gestión y medición de resultados. Gestão e
Análise de Políticas Públicas n. 3. maio-agosto.

Marianne Nassuno é doutoranda em sociologia na Universidade de Brasília,


mestre em administração pública pela Escola de Administração de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas - EAESP/FGV e integrante da carreira de
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Atualmente é
gerente de projeto no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

139
Roberto Chacon de Albuquerque1

A importância da OMC e da Alca para o Brasil


INTRODUÇÃO

O
Brasil precisa despertar para a importância do
comércio internacional, com o objetivo de diminuir
sua vulnerabilidade externa. Ele pode ajudar o País
a crescer, a financiar seu desenvolvimento. O Brasil, durante
muito tempo, encarou o distanciamento do mundo como uma
maneira de defender seus interesses. Para ser forte, seria preciso
isolar-se. Não se vêem razões capazes de justificar o argumento
de que a liberalização do comércio exterior, ocorrida durante a
década de noventa, seja estancada. O Brasil precisa de mais
comércio internacional, rompendo as barreiras ao acesso de seus
produtos e serviços na Organização Mundial do Comércio
(OMC) e na Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Para inserir-se da maneira mais autônoma e competitiva
possível no comércio internacional, o Brasil precisa conhecer
como a OMC e a Alca funcionam. Vários setores da economia
brasileira, como o agronegócio, podem ter ganhos expressivos
com a abertura dos mercados.
Tal abertura não virá de graça, tampouco a curto prazo. Tanto
a OMC como a Alca precisam ser estudadas em profundidade,
para que tanto o governo como o setor privado brasileiros possam
elaborar as melhores alternativas de negociação, conjuntamente
com a sociedade civil. Somente assim o Brasil poderá assumir um
papel de liderança no comércio internacional.

1
r_albuquerque@hotmail.com.

140
O Brasil poderia ganhar mais com a abertura, por exemplo,
dos mercados agrícolas mediante a OMC do que através da Alca.
A solução ideal seria a redução de todas as tarifas agrícolas na
OMC, com a eliminação das quotas de importação e o
equacionamento das restrições sanitárias e técnicas. Se as
negociações na OMC fracassarem, a Alca pode ser uma
alternativa. Questões sistêmicas, como meio ambiente,
propriedade intelectual e subsídios agrícolas podem ter seu fórum
de negociação ideal na OMC. A Alca seria o fórum de negociação
ideal quando se puderem fazer concessões bilaterais.
Várias são as alternativas de negociação para o Brasil. Por
exemplo, vincular os resultados da Alca aos da OMC, lançando
mão do princípio do compromisso único (“single undertaking”);
posicionar-se favoravelmente à liberalização do acesso a
mercados, ao invés da redução de subsídios; defender a adoção
de regras mais rigorosas para a aplicação de medidas
antidumping, o que tem prejudicado seriamente, por exemplo,
as exportações dos produtos siderúrgicos brasileiros; evitar que
a proteção do meio ambiente, uma das principais bandeiras da
União Européia, seja utilizada para a adoção de práticas
protecionistas, com a alegação de dumping ecológico; privilegiar
não só a redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias impostas
por países desenvolvidos aos produtos agrícolas, como também
a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas; sugerir a
modificação da disciplina conferida aos créditos à exportação,
que permitiu a condenação do Programa de Financiamento às
Exportações (Proex), que beneficiava a venda de aviões da
Embraer; fechar acordo em separado sobre propriedade
intelectual, permitindo a licença compulsória de patentes em caso,
por exemplo, de pandemia.
Para optar entre as alternativas disponíveis, é preciso que
se conheça a dinâmica de funcionamento da OMC e da Alca.

141
1. GATT

Para compreender-se as origens da OMC, é preciso


conhecer um pouco o histórico e os princípios do Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio (Gatt).
A Segunda Guerra Mundial foi um produto, em boa parte, de
uma luta por acesso a mercados consumidores internacionais. Com
o término da mesma, decidiu-se regular o comércio internacional.2
A criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), que
funcionaria como uma agência especializada das Nações Unidas,
chegou a ser cogitada. Para lutar contra práticas protecionistas
vigentes durante a década de trinta, vinte e três países, mais tarde
chamados de membros fundadores, iniciaram negociações tarifárias
que resultaram em quarenta e cinco mil concessões. O conjunto de
normas e concessões tarifárias estabelecido passou a ser chamado
de Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt).
Criado para regular provisoriamente o comércio internacional,
o Gatt terminou por regulamentá-lo de fato por mais de quarenta anos,
desde finais da década de quarenta até princípios da década de noventa.
Os princípios adotados pelo Gatt foram, basicamente, os
seguintes: a) não-discriminação; b) proteção transparente; c) base
estável para o comércio; d) concorrência leal; e) proibições de
restrições quantitativas às importações; f) adoção de medidas de
urgência; g) reconhecimento de acordos regionais; e h) condições
especiais para países em desenvolvimento.
Foram oito as rodadas de negociação realizadas no âmbito
do Gatt: 1ª) Genebra 1947 (Tarifas); 2ª) Annecy 1949 (Tarifas);
3ª) Torquay 1950-1951 (Tarifas); 4ª) Genebra 1955-1956
(Tarifas); 5ª) Genebra 1960-1961 (Rodada Dillon, tarifas); 6ª)

2
A criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial
(Bird) também é um produto deste contexto.

142
Genebra 1964-1967 (Rodada Kennedy, tarifas e antidumping);
7ª) Genebra 1973-1979 (Rodada Tóquio, tarifas e medidas não
tarifárias). e 8ª) Genebra 1986-1993 (Rodada Uruguai, tarifas).
A Rodada Uruguai também serviu de ensejo para a adoção
do acordo constitutivo da OMC. Da mesma maneira que o final
da Segunda Guerra Mundial serviu de pano de fundo para a
criação do Gatt, o final da Guerra Fria foi o cenário para a criação
da OMC.

2. OMC

A Organização Mundial do Comércio (OMC) constituiu


um salto quantitativo e qualitativo em relação ao Gatt. Para
começar, seu número de membros é maior – cento e quarenta e
quatro, em 1º de janeiro de 2002, já contando com a China e
Taiwan.3 Apenas um país de maior peso ainda não faz parte da

3
São países-membros da OMC: África do Sul, Albânia, Alemanha, Angola,
Antígua e Barbuda, Argentina, Austrália, Áustria, Bahrein, Bangladesh,
Barbados, Bélgica, Belize, Benin, Bolívia, Botsuana, Brasil, Brunei,
Bulgária, Burkina Faso, Burundi, Camarões, Canadá, Catar, Chade, Chile,
China, Chipre, Cingapura, Colômbia, Comunidades Européias, Congo,
Coréia, Costa Rica, Costa do Marfim, Croácia, Cuba, Dinamarca, Djibuti,
Dominica, Equador, Egito, El Salvador, Emirados Árabes Unidos,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Fiji, Filipinas,
Finlândia, França, Gabão, Gâmbia, Gana, Geórgia, Granada, Grécia,
Guatemala, Guiné Bissau, Guiné, Güiana, Haiti, Holanda, Honduras, Hong
Kong/China, Hungria, Índia, Indonésia, Irlanda, Islândia, Ilhas Salomão,
Israel, Itália, Jamaica, Japão, Jordânia, Kuwait, Lesoto, Letônia,
Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macau/China, Madagascar,
Malásia, Malauí, Maldivas, Mali, Malta, Marrocos, Maurício, Mauritânia,
México, Moldávia, Mongólia, Moçambique, Mianmar, Namíbia,
Nicarágua, Níger, Nigéria, Noruega, Nova Zelândia, Omã, Paquistão,

143
OMC, a Rússia. A OMC abrange uma quantidade maior de
temas, incluindo agricultura, comércio eletrônico, medidas de
investimento relacionadas ao comércio (Trims), propriedade
intelectual, têxteis. A OMC incorporou o agronegócio ao
sistema de comércio multilateral, justamente uma das prioridades
do Brasil. Nenhum destes temas estava submetido à jurisdição
do Gatt.
A OMC é uma organização internacional. Tem ato
constitutivo, personalidade jurídica internacional e um
ordenamento jurídico unificado aplicável a todos os seus países-
membros. Este ordenamento jurídico unificado contém normas
de comportamento e normas de organização. As primeiras dizem
respeito aos acordos e instrumentos legais associados, com
direitos e obrigações dos países-membros; e as segundas, às
normas de direito adjetivo que definem a competência da OMC
para ser o foro das negociações comerciais multilaterais. Todos
os temas abrangidos pelos acordos da OMC podem ser objeto
de negociação, bem como temas correlatos, ainda não cobertos
por tais acordos, que podem ser incluídos na pauta de uma nova
rodada de negociações. O Acordo de Subsídios e Medidas
Compensatórias estabelece um tratamento diferenciado e mais
favorável aos países-membros da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no que se refere a
créditos à exportação, apesar de os mesmos serem justamente os
países mais ricos do mundo.

Panamá, Papua Nova Guiné, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Quênia,


Quirguistão, Reino Unido, República Centro-Africana, República
Democrática do Congo, República Tcheca, República Dominicana,
Romênia, Ruanda, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Santa
Lúcia, Senegal, Serra Leoa, Sri Lanka, Suécia, Suíça, Suriname,
Suazilândia, Tailândia, Taiwan, Tanzânia, Togo, Trinidad e Tobago,
Tunísia, Turquia, Uganda, Uruguai, Venezuela, Zâmbia e Zimbábue.

144
O Acordo Constitutivo da OMC tem como objetivo, a par
da a expansão da produção e do comércio de bens e serviços, da
proteção do meio ambiente, da otimização dos recursos naturais
e da necessidade de empreenderem-se esforços positivos para
assegurar uma participação mais efetiva dos países em
desenvolvimento no comércio internacional, a elevação dos níveis
de vida, o pleno emprego. São funções da OMC,
fundamentalmente: a) administrar e aplicar os acordos comerciais
multilaterais e plurilaterais que, em conjunto, configuram o novo
sistema de comércio; b) servir de foro para as negociações
multilaterais; c) administrar o entendimento relativo às normas e
procedimentos que regulam as soluções de controvérsias; d)
supervisionar as políticas comerciais nacionais; e f) cooperar com
as demais instituições internacionais que participam do fomento
a políticas econômicas em nível mundial – Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Mundial (Bird) e organismos
conexos.
A autoridade máxima da OMC é a Conferência Ministerial,
formada por representantes de todos os seus países-membros.
Ela reúne-se ao menos a cada dois anos. À Conferência
Ministerial, submetem-se os seguintes órgãos subsidiários: a) o
Conselho Geral, que se reúne como Órgão de Solução de
Controvérsias e como Órgão de Exame das Políticas Comerciais;
b) o Conselho de Comércio de Bens, o Conselho de Comércio
de Serviços e o Conselho de Direitos de Propriedade Intelectual
relacionados com o Comércio, que supervisionam a aplicação e
o funcionamento dos acordos em suas respectivas áreas de
atuação; c) Órgãos de supervisão específicos, denominados
Comitês, subordinados aos Conselhos; d) o Comitê de Comércio
e Desenvolvimento, o Comitê de Restrições por Balanço de
Pagamentos e o Comitê de Assuntos Orçamentários, Financeiros
e Administrativos, todos subordinados ao Conselho Geral, assim

145
como aos Conselhos de Bens, Serviços e Propriedade Intelectual;
e e) a Secretaria da OMC, comandada por um Diretor-Geral.
A OMC administra duas espécies de acordos: os Acordos
Multilaterais e os Plurilaterais. Os acordos multilaterais são os
acordos e instrumentos jurídicos conexos incluídos nos Anexos
1, 2 e 3. Eles fazem parte do Acordo Constitutivo da OMC,
vinculando todos os países-membros.
Os Acordos Multilaterais são os seguintes: Anexo 1)
Acordos multilaterais sobre o comércio de bens: Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio de 1994 (Gatt 94); Acordo sobre a
Agricultura; Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias
e Fitossanitárias; Acordo sobre Têxteis e Confecções; Acordo
sobre Obstáculos Técnicos ao Comércio; Acordo sobre as
Medidas em Matéria de Investimentos relacionadas com o
Comércio; Acordo sobre a Aplicação do Artigo VI do GATT
(dumping); Acordo sobre a Aplicação do Artigo VII do Gatt
(valoração aduaneira); Acordo sobre a Inspeção Prévia à
Expedição; Acordo sobre Normas de Origem; Acordo sobre
os Procedimentos para o Trâmite de Licenças de Importação;
Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias; e Acordos
sobre Salvaguardas; Anexo 2) Acordo Geral sobre o Comércio
de Serviços e Anexos; e Anexo 3) Acordo sobre os Aspectos
dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o
Comércio (Trips); Entendimento Relativo às Normas e
Procedimentos que regem a Solução de Controvérsias; e
Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais.
Os acordos plurilaterais, que constam do Anexo 4, são:
Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis; Acordo sobre
Contratação Pública; Acordo Internacional dos Produtos Lácteos;
e Acordo Internacional de Carne Bovina. Todos eles são de
adesão voluntária. O Brasil aderiu apenas ao Acordo Internacional
de Carne Bovina.

146
O sistema de solução de controvérsias da OMC talvez seja
a característica institucional que mais se diferencia do mecanismo
análogo que foi adotado no âmbito do Gatt. No Gatt, os relatórios
dos panels (comitês de arbitragem), que continham
recomendações sobre a solução de controvérsias, podiam ser
rejeitados pela parte perdedora. Isto bloqueava o consenso. Na
OMC, os comitês de arbitragem são um grupo de peritos, em
geral em número de três. São constituídos para examinar
controvérsias que não forem resolvidas mediante consultas entre
as partes em litígio. Os relatórios dos comitês de arbitragem, com
recomendações sobre a solução da controvérsia, são aprovados
pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), onde todos os
países-membros estão representados. Para o relatório ser
rejeitado, é preciso que se verifique o chamado “consenso
negativo”. Todos os países-membros presentes, inclusive o
eventual vencedor do litígio, à luz do relatório do comitê de
arbitragem, precisam desaprovar o relatório.
O sistema de solução de controvérsias da OMC, ao contrário
do do Gatt, é dotado de um Órgão de Apelação. Ele tem como
atribuição verificar, a pedido de qualquer uma das partes em litígio,
os fundamentos jurídicos do relatório do comitê de arbitragem e
de suas conclusões. O sistema tem como objetivo reforçar o
cumprimento dos acordos multilaterais. A qualquer momento, o
litígio pode ser resolvido mediante acordo entre as partes. Se um
relatório de um comitê de arbitragem, aprovado pelo OSC, concluir
pela não-observância do estabelecido nos acordos multilaterais por
um país-membro, a parte que se considerar prejudicada pode ser
autorizada pela OMC a retaliar, desde que a parte perdedora não
modifique seu comportamento no sentido de restabelecer o
equilíbrio entre direitos e obrigações assumidos perante a OMC.
Desde a criação da OMC, o Brasil esteve envolvido em
vinte e um pedidos de consultas formais e de formação de

147
comitês de arbitragem, conforme levantamento elaborado pelo
Itamaraty. Até agora, treze deles foram encerrados, dos quais
onze com vitória brasileira. Desses vinte e um pedidos,
quatorze foram apresentados pelo País contra práticas de
outros membros da organização. Os outros sete tiveram o
Brasil como alvo.
Para aderir à OMC, o país interessado precisa,
primeiramente, adequar sua legislação interna aos diversos
acordos existentes no âmbito da OMC. Em seguida, ocorre a
fase das concessões tarifárias, em que cada país-membro da OMC
faz uma lista de pedidos de redução tarifária para produtos de
seu interesse exportador. Estas listas são entregues ao país
solicitante, que estudará e concederá reduções tarifárias naqueles
produtos que considere não prejudiciais à estabilidade de sua
economia. Se houver consenso entre todos os países-membros
da OMC de que a quantidade e o nível de concessões são
satisfatórios, o país interessado será aceito como novo membro,
podendo participar do enorme mercado criado pela OMC. A
Rússia, como foi ressaltado acima, é hoje o único grande país
que ainda não faz parte da Organização. A China, que ajudara a
fundar o Gatt, em 1947, solicitou sua saída do mesmo dois anos
depois, no bojo da Guerra Civil e da Revolução Comunista. Ela
solicitou seu reingresso no Gatt em 1986, já num processo de
liberalização econômica interna da Era Deng Xiaoping. Após
quinze anos de negociações, a China tornou-se o país-membro
de número cento e quarenta e três da OMC durante a Conferência
Ministerial de Doha, ocorrida em 2001. Tornou-se membro de
jure em 11 de Dezembro de 2001, após a conclusão dos
procedimentos de ratificação. Projeções indicam que a China,
sozinha, deverá movimentar US$ 650 bilhões, já em 2005, entre
exportações e importações de bens, contra US$ 474,4 bilhões
este ano.

148
2.1. INTERESSES BRASILEIROS

O lançamento de uma nova rodada de negociações


começou a ser preparado logo depois do fracasso da reunião
ministerial de Seattle, em 1999. A falta de consenso entre os
países-membros revelara a incapacidade dos negociadores em
ceder em temas importantes. O embate Norte-Sul, de países
desenvolvidos contra países em desenvolvimento, manifestara-
se claramente em Seattle. Uma nova rodada de negociações
significaria a modificação de regras já existentes e a adoção de
outras regras, com o objetivo de conseguir uma maior
liberalização do comércio internacional.
O neozelandês Mike Moore, ex-Diretor Geral da OMC,
sempre reiterou que os países em desenvolvimento ganhariam
US$ 155 bilhões ao ano com uma maior liberalização do comércio
internacional. Estima-se que se as barreiras à agricultura, aos
manufaturados e aos serviços fossem cortadas em um terço, a
economia mundial ganharia um impulso de US$ 613 bilhões; se
todas as barreiras ao comércio internacional fossem eliminadas,
a economia mundial ganharia um impulso de US$ 1,9 trilhão.
Desde sua criação, a OMC já realizou quatro reuniões
ministeriais. A primeira aconteceu em Cingapura, em 1996; a
segunda, em Genebra, em 1998; a terceira, em Seattle em 1999;
e a quarta, em Doha, em 2001.
A Reunião Ministerial de Doha, ocorrida sob a supervisão
do Comitê de Negociações Comerciais, subordinado ao Conselho
Geral da OMC, teve uma agenda ambiciosa, superando inclusive
os assuntos abrangidos pela Rodada Uruguai, tida como a mais
complexa negociação da história do Gatt. Esta rodada de
negociações foram realizadas seguindo o princípio do
compromisso único (“single undertaking”), tomando em
consideração o princípio de tratamento especial e diferenciado

149
para países em desenvolvimento e países menos desenvolvidos
incorporados na Parte IV do Gatt 1994; na Decisão de 28 de
Novembro de 1979 sobre Tratamento Mais Favorável e
Diferenciado, Reciprocidade e Plena Participação de Países em
Desenvolvimento; na Decisão da Rodada Uruguai sobre Medidas
em Favor de Países Menos Desenvolvidos; e em outras
disposições relevantes da OMC (Anexo 1).
A agenda da Reunião Ministerial de Doha compreendeu
os seguintes temas: a) acesso a mercado em bens não agrícolas -
picos tarifários, altas tarifas, escalada tarifária e barreiras não
tarifárias; b) agricultura - subsídios agrícolas, apoio interno,
redução de tarifas e crédito à exportação; c) comércio eletrônico;
d) compras governamentais; e) facilitação de comércio -
movimento de bens nas fronteiras dos países; f) regras -
esclarecimento e incremento das disciplinas dos acordos sobre
antidumping, subsídios e medidas compensatórias, preservando
os conceitos básicos de tais acordos e levando em consideração
os interesses dos países em desenvolvimento; g) política de
concorrência; h) serviços - negociações com fundamento na
liberalização progressiva; e i) solução de controvérsias.
Foram adotados os documentos: uma Declaração
Ministerial, lançando uma nova rodada multilateral e
estabelecendo um cronograma de trabalho; uma Declaração de
Trips e acesso a medicamentos e saúde pública; e uma Decisão
sobre Questões de Implementação. A Decisão sobre Questões
de Implementação foi uma exigência dos países em
desenvolvimento, os quais queriam discutir assuntos como
“capacity building” e cláusulas de tratamento especial e
diferenciado previstas nos Acordos da Rodada Uruguai na
condição de “best endeavours”, que ainda não são respeitadas
pelos países desenvolvidos. Ela aborda questões presentes nos
Acordos de Agricultura, de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias,

150
de Têxteis e Vestuário, de Barreiras Técnicas ao Comércio, de
Medidas Relacionadas a Investimentos, sobre Medidas
Antidumping, Valoração Aduaneira, Regras de Origem,
Subsídios, Propriedade Intelectual, além de questões horizontais.
Um dos grandes méritos da Reunião Ministerial de Doha,
para o Brasil, foi ter tratado da questão da eliminação dos subsídios
à exportação, bem como ter integrado a agricultura às regras do
sistema multilateral de comércio. Até então, a agricultura vinha
sendo tratada num acordo separado do corpo de regras da OMC.
O acordo agrícola da OMC, no entanto, foi, de fato, fechado
pelos Estados Unidos e pela União Européia.
Os três maiores problemas enfrentados pelos exportadores
brasileiros podem ser resumidos como sendo, basicamente:
créditos à exportação, subsídios agrícolas e medidas antidumping.
À questão dos créditos à exportação vincula-se a chamada
“Batalha Aérea contra o Canadá”, da Embraer contra a
Bombadier. Em relatório preliminar enviado em 20 de outubro
de 2001 para autoridades brasileiras e canadenses, a OMC
considerou ilegal a ajuda de cerca de US$ 4 bilhões concedidos
pelo governo canadense à Bombardier, em licitação para a venda
de cento e noventa e nove jatos às companhias americanas
Wisconsin e Comair e à Air Nostrum, da Espanha. A OMC fixou
o prazo de noventa dias para que os subsídios fossem retirados,
sendo que o Canadá ainda poderia recorrer ao Órgão de Apelação
da Organização.
O Brasil vencia, assim, esta importante batalha contra o
Canadá na disputa pelo mercado internacional de aeronaves
regionais. Se o Brasil não concordasse com as medidas adotadas
pelo Canadá, poderia pedir autorização à OMC para retaliar
comercialmente os canadenses no mesmo valor dos subsídios.
Isso significou uma importante vitória para os negociadores
brasileiros. O Canadá já estava autorizado, desde 2000, a retaliar

151
o Brasil num total de US$ 1,4 bilhão até o ano 2005, em virtude
de o Proex, que beneficiava a exportação de aviões da Embraer,
ter sido considerado ilegal pela OMC.
A OMC, ao considerar ilegais os créditos à exportação
que ajudaram a Bombardier a ganhar a licitação mencionada,
terminou por questionar importantes programas de incentivo
canadenses à exportação: a Canada Account, o Export
Development Corporation (EDC) e o programa de apoio da
província de Québec, chamado de “Investissement Québec”.
A vitória do Brasil fez parte de uma mudança de rumos da
OMC na avaliação do próprio Proex. As alterações efetuadas
neste programa terminaram sendo consideradas, posteriormente,
como satisfatórias, apesar das reclamações canadenses. Uma
questão ainda a ser analisada diz respeito aos programas estaduais
de incentivo à exportação. Poderia o Estado de São Paulo adotar
um crédito à exportação para a Embraer ou outro exportador,
sem violar as regras da OMC, se o produto for exportado a partir
do Estado de São Paulo?
A Embraer pôde, assim, continuar sua rota de sucesso. Uma
joint venture entre a Embraer e a Aviation Industry Corporation
II (AVIC II), da China, foi criada para a fabricação de um avião
regional com capacidade entre trinta e cinqüenta passageiros,
para o mercado chinês.
A situação da Embraer, todavia, está longe de ser tranqüila.
Os Estados Unidos têm sugerido que podem entrar contra a
União Européia na OMC, argüindo a concessão de subsídios à
Airbus, que está construindo um superjumbo que subtrairia ainda
mais consumidores da Boeing. O avião de dois andares, com
capacidade para quinhentos e cinqüenta e cinco assentos, será a
maior aeronave de passageiros do mundo, superando o Boeing
747. A Airbus conta com empréstimos avaliados em US$ 3,5
bilhões para desenvolver o Superjumbo A380.

152
Os Estados Unidos, com relação à Embraer, alega-se,
beneficia-se de contratos militares para vencer uma concorrência
de compra de aviões na Colômbia que poderia beneficiar a
empresa brasileira. O comércio internacional é dinâmico e
competitivo. O conhecimento das regras que o disciplinam é
fundamental para que as batalhas que se sucederão à “Batalha
Aérea contra o Canadá” continuem a serem ganhas.
O Brasil também tem defendido a liberalização do comércio
de produtos agrícolas, do agronegócio, na OMC. As negociações
agrícolas foram um dos pontos mais delicados e polêmicos da
pauta da Reunião Ministerial de Doha. O protecionismo agrícola
é prejudicial para o progresso dos países em desenvolvimento.
Para que eles possam crescer, o comércio de produtos agrícolas
também deve expandir-se.
Para o Brasil, sem a liberalização do comércio de produtos
agrícolas, com a adoção de medidas com relação ao acesso a
mercados, subsídios agrícolas, barreiras fitossanitárias, impactos
em produtos sensíveis e uso da biotecnologia, não haveria acordo
que lhe interesse nem na OMC nem na Alca. Embora os Estados
Unidos assumam uma posição mais liberal no que diz respeito
ao acesso a mercados do que a União Européia, a Lei Agrícola
americana contempla subsídios agrícolas que beneficiam
poderosos lobbies locais, em detrimento dos interesses dos países
em desenvolvimento.
O Grupo de Cairns, que reúne países exportadores de
produtos agrícolas, chegou a encaminhar à OMC, às vésperas
da Rodada Doha da OMC, um ultimato aos países-membros que
estariam boicotando as negociações sobre a liberalização do
comércio de produtos agrícolas, sobretudo o Japão e a União
Européia. O Grupo, de que o Brasil faz parte, ao final da sua
vigésima quarta reunião em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia,
denunciou que os subsídios e a proteção concedidos pelos países

153
desenvolvidos a seus produtores rurais somaram US$ 310 bilhões,
em 2001. Desde a conclusão do período de implementação da
Rodada Uruguai (1986-2003), em 2000, não houve praticamente
nenhum progresso na redução dos subsídios e da proteção que
favorecem os produtores agrícolas dos países desenvolvidos. O
Grupo de Cairns defende a eliminação completa de todos os
subsídios à exportação; a redução dos subsídios domésticos que
provocam distorções no comércio internacional; e a abertura do
mercado para todos os produtos agrícolas, em particular os de
origem tropical, cultivados por países em desenvolvimento, bem
como aqueles que possam substituir cultivos ilícitos.
O Brasil e outros vinte e oito países apresentaram à OMC
documentos que comprovariam que os Estados Unidos violam as
regras internacionais de comércio ao aplicar barreiras de importação
ao aço. Em março de 2002, a Casa Branca aplicou uma tarifa de
até 30% sobre as importações de produtos siderúrgicos de todo o
mundo. O Brasil alegou que as perdas apenas em 2002 com as
barreiras americanas podem ultrapassar US$ 400 milhões.
A par da apresentação de documentos à OMC, o Brasil
iniciou negociações com os Estados Unidos para ampliar as cotas
que limitaram as exportações brasileiras de produtos semi-
acabados de aço e tentar eliminar a sobretaxa de 30% aplicada
aos laminados planos. Apenas após tais negociações, o Brasil
decidiria se solicitaria consultas formais contra os Estados Unidos
na OMC, primeiro passo para a abertura de uma solução não
negociada. A discussão na OMC das medidas antidumping é
uma questão fundamental para o País.
Outra questão essencial é a liberalização do comércio de
serviços. Pouca atenção tem sido dada no Brasil para a
exportação de serviços, apesar de este setor ser um dos que mais
cresce no mundo. Por outro lado, outros países têm dado muita
atenção para o mercado brasileiro de serviços. O setor de serviços

154
continua contribuindo com um saldo negativo na balança
comercial brasileira. O déficit do setor vem piorando a cada ano,
uma tendência que vem sendo observada desde 1990. O acordo
final a ser adotado pela OMC, que implicará a liberalização do
comércio de serviços, entrará em vigor em 2005.
O Brasil tem avaliado a possibilidade de questionar na OMC
o sistema geral de preferências adotado pela União Européia para
países que se comprometam a combater o narcotráfico. Uma questão
de natureza não comercial, política, prejudica o comércio de produtos
brasileiros. A União Européia confere um tratamento diferenciado
às exportações provenientes da Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El
Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru,
Paquistão, e Venezuela, que recebem vantagens tarifárias a produtos
que possam substituir as plantações de coca. A lista de produtos
beneficiados pelo Regime Especial de Luta contra a Produção e o
Tráfico de Drogas, da União Européia, inclui quase trezentos itens,
não só alimentícios, mas também automóveis, animais vivos,
equipamentos, máquinas e têxteis.

3. ALCA

A criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)


é uma iniciativa americana. A Alca foi proposta, pela primeira
vez, pelos Estados Unidos durante a Primeira Cúpula das
Américas, ocorrida, em 1994, em Miami. A proposta americana
foi endossada pelos trinta e quatro países que compõem o
Hemisfério Ocidental, à exceção de Cuba. As negociações para
a criação da Alca devem ter seu término em 2005. Foram
aprovados em Miami a respectiva Declaração de Princípios e o
Plano de Ação. A criação da Alca envolve a discussão dos
seguintes temas: compras governamentais; eliminação das

155
barreiras comerciais; investimentos; políticas de concorrência;
propriedade intelectual; serviços; subsídios e antidumping; e
solução de controvérsias.
Não há consenso sobre o que a Alca representará para o
Brasil. Para uns, trará grandes prejuízo; para outros, grandes
benefícios. A Alca reunirá um mercado de 783 milhões de pessoas
e um Produto Interno Bruto (Pib) superior a US$ 11 trilhões.
Representa o acordo econômico mais ambicioso da economia
mundial. Da mesma maneira que a OMC, a Alca insere-se no
contexto do fim da Guerra Fria. Os Estados Unidos, em 1990,
lançaram o plano intitulado “Iniciativa para as Américas”, o qual
prepararia as condições para a criação de uma área de livre
comércio do Alasca à Terra do Fogo, a Alca.
A Alca pode ser um ótimo acordo de livre comércio para o
Brasil, se soubermos defender nossos interesses durante o seu
processo de criação. Negá-la pode significa condenar o País ao
isolamento, ainda mais se levarmos em consideração o desempenho
da economia mexicana. O Brasil perdeu a liderança econômica da
América Latina. Dados do Banco Mundial (Bird) mostram o Brasil
com um Pib de US$ 448 bilhões em 1989, quase o dobro dos US$
223 bilhões do México. Em 2001, o México já atingia US$ 617
bilhões. O Brasil, apenas US$ 502 bilhões. Com a desvalorização
do real ocorrida ao longo de 2002, a situação deve ter piorado
significativamente. O México tem uma população que é quase a
metade da brasileira, num território em boa parte semi-árido. O acesso
ao mercado americano, mediante o Acordo de Livre Comércio
Norte-Americano (Nafta), foi um ponto fundamental para o
crescimento da economia mexicana durante a última década,
enquanto a economia brasileira estagnou-se. A criação da Alca só
será aprovada quando todas as questões estiverem acordadas. Este
mecanismo impede que um país aprove apenas itens do seu interesse
e adie o restante dos acertos. Se não for alcançado um equilíbrio

156
razoável entre ganhos e concessões, pode-se optar pela não-adesão.
A região do Nafta consome atualmente 28% das vendas brasileiras
no exterior; para a Europa toda vão 22%. O risco de recusar a Alca
é perder parte desse mercado.
Na Primeira Reunião Ministerial, realizada em Denver em
junho de 1995, foram criados sete grupos de trabalho, cobrindo as
seguintes áreas: a) acesso a mercados; b) economias menores; c)
investimentos; d) medidas sanitárias e fitossanitárias; e) normas e
barreiras técnicas ao comércio; g) procedimentos aduaneiros e regras
de origem; e h) subsídios, antidumping e direitos compensatórios.
Com a Segunda Reunião Ministerial, ocorrida em Cartagena,
Colômbia, em março de 1996, criaram-se mais quatro grupos de
trabalho, com respeito a: a) compras governamentais; b) direitos de
propriedade intelectual; c) política de concorrência; e d) serviços.
Na Sexta Reunião Ministerial, realizada em Buenos Aires em abril
de 2001, foi definido como prazo para o final das negociações janeiro
de 2005, e para o início da Alca, janeiro de 2006. A negociação
sobre tarifas (acesso a mercados) começou em maio de 2002. Na
Terceira Cúpula das Américas, ocorrida no Québec, de 20 a 22 de
abril de 2001, os presidentes dos países que deverão fazer parte da
Alca referendaram as decisões tomadas em Buenos Aires.

3.1. INTERESSES BRASILEIROS

A vitória do Partido Republicano nas eleições legislativas


nos Estados Unidos poderá facilitar a criação da Alca. O Brasil
precisa saber o que quer desta área de livre comércio, definir
suas prioridades, da mesma maneira que os americanos. Com
fundamento na Lei de Autoridade de Livre Comércio (TPA),
também conhecida como via rápida (“fast track”), aprovada pelo
Senado americano, os Estados Unidos devem acelerar a criação

157
da Alca. A adesão do Brasil à Alca pode ser utilizada como moeda
de troca, para, por exemplo, negociar com os americanos a
flexibilização das medidas de salvaguardas adotadas para proteger
seu setor siderúrgico.
Com a Sétima Reunião Ministerial da Alca, ocorrida em
Quito em 2002, quando Brasil e Estados Unidos passaram a
dividir a presidência da área de livre comércio em formação
até sua conclusão em janeiro de 2005, abriram-se os prazos
para que os trinta e quatro países que comporão o bloco
apresentem as propostas de abertura de seus mercados e façam
suas reivindicações aos parceiros. Acordou-se naquela ocasião
que até 15 de fevereiro de 2003, as ofertas teriam de ser
apresentadas, e até julho de 2003, os países deverão consolidar
estas propostas. O Brasil terá de especificar, por exemplo,
que nível de tarifas de importação que aplicará e que setores
pretende manter mais ou menos defendidos. Também haverá
uma lista com o que os outros querem do Brasil. Nada foi
decidido em Quito.
Para o Brasil, de maneira análoga ao que ocorre na OMC,
as questões-chave são a abertura do mercado agrícola
americano e a adoção de mudanças na legislação antidumping
americana. Para os Estados Unidos, os assuntos fundamentais
são: a) acordo sobre investimentos; b) compras governamentais;
c) acordo sobre serviços; e d) proteção à propriedade intelectual.
A multiplicação de acordos bilaterais, entre os Estados
Unidos e outros países do Hemisfério Ocidental, como o Chile,
pode dificultar a adoção de regras de comércio que possam ser
aplicadas em todo o continente. Os Estados Unidos
conseguiram até agora vincular a possibilidade de a Alca discutir
a liberalização do comércio agrícola aos avanços dessa mesma
discussão na OMC, onde continuam travadas pelo Japão e pela
União Européia.

158
O Brasil tem protestado contra as barreiras e os subsídios
que os Estados Unidos concedem à sua produção agrícola. Tem-
se chegado a afirmar que o País não participaria das negociações
para a criação da Alca, se as barreiras tarifárias aplicadas aos
produtos agrícolas brasileiros pelos Estados Unidos e os subsídios
que distorcem os preços das commodities agrícolas no mercado
internacional não forem discutidos preliminarmente. A média da
tarifa imposta pelos americanos sobre os quinze principais
produtos agrícolas brasileiros destinados à exportação é de 45,6%.
O Brasil também tem manifestado seu descontentamento contra
a chamada “escalada tarifária” para os produtos agrícolas, a qual
isenta a matéria-prima (cacau) do imposto de importação, mas
sobretaxa o respectivo produto industrializado (chocolate). Os
Estados Unidos concedem anualmente subsídios de US$ 32,3
bilhões à sua agricultura. Desse valor, US$ 22,1 bilhões são pagos
diretamente ao produtor, transformando-o praticamente num
funcionário público.
A Human Rights Watch tem pedido ao Brasil que não deixe
a proposta dos Estados Unidos, de fortalecer o controle sobre
patentes de medicamentos, ser incorporada à Alca. A OMC já
declarou que nenhuma regra comercial pode impedir os governos
e sua respectiva população de ter acesso a remédios. Segundo a
Human Rights Watch, os Estados Unidos estariam tentando
transferir para a Alca as restrições que não conseguiram impor
na OMC. A proteção à propriedade intelectual constitui um dos
aspectos-chave no processo de formação da Alca para os
americanos.
A Declaração de Quito, adotada na Sétima Reunião
Ministerial da Alca, manifestou o desejo não apenas de
promover o comércio, mas também o de gerar empregos,
desenvolvimento e justiça social em todos os países do
Hemisfério Ocidental. O Banco Interamericano de

159
Desenvolvimento (Bid), a Organização dos Estados
Americanos (OEA) e a Comissão Econômica para América
Latina e Caribe (Cepal) formaram o Comitê Tripartite que dá
apoio às negociações da Alca. A Declaração de Quito
reconheceu o compromisso da Alca com o princípio da
transparência e a necessidade de uma maior participação da
sociedade civil no próprio processo de criação da Alca, que
vem sendo associada por muitos a desemprego e desigualdade
social.

CONCLUSÃO

A posição brasileira no processo de consolidação da


OMC e de criação da Alca não deve basear-se em
sentimentalismos. Tampouco deve ser definida apenas pelo
governo. O setor governamental e o setor privado têm de
dialogar não só entre si, mas com a sociedade civil. O grande
desafio para o País é a construção de uma pauta de negociação
tanto junto à OMC como à Alca que vá ao encontro dos
interesses nacionais.

160
BIBLIOGRAFIA

CARDIM, Carlos Henrique, org. e CINTRA, Marcos, org.


2001. O Brasil e a Alca: seminário. Brasília: Câmara dos
Deputados. 508 p.

FELDMAN, Guillermo. 1998. Qué se discute en el ALCA


(Área de Libre Comercio Americana). Revista de Derecho del
MERCOSUR. Buenos Aires: 2(2):129-130, abr.
RICH, Patricia. Lessons from the NAFTA: some policy
recommendations for the Free Trade Área of the Americas.
Santiago do Chile: CEPAL, 18 p.

SCHOTT, Jeffrey. 1999. Economic integration in the


Americas: problems and prospects? Washington-DC: Institute
for International Economics, jul. 22p.

Roberto Chacon de Albuquerque é Advogado, doutorando em direito


pela FADUSP e gestor

161
César do Vale Kirsch

A Advocacia-Geral da União e as Políticas


Públicas

A
Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeras
novidades, dentre elas a criação da Advocacia-
Geral da União (AGU) em seu art. 131, situando-a
no Capítulo IV, do Título IV, que trata da Organização dos Poderes.1
O Constituinte estabeleceu duas atribuições de relevante
importância para a novel Instituição: a defesa judicial e extrajudicial
da União; e a consultoria e o assessoramento jurídicos ao Poder
Executivo. Essa atividade de aconselhamento jurídico preventivo
ao Poder Executivo é que será objeto de análise nesse breve trabalho.
O mundo globalizado, no qual o Brasil está inserto, torna
mais complexas a relações em sociedade e é mais rigoroso com
o homem moderno.
O Estado contemporâneo também tem de se adaptar às
novas exigências, para cumprir, com eficiência, a missão de
proporcionar o bem comum a todos, indistintamente.
O Poder Público, perseguidor contumaz da satisfação do
interesse público, deve, então, ajustar o seu plano político e a
sua conduta aos princípios norteadores do Estado Democrático
de Direito e da atividade administrativa, bem como submeter-se
às normas em vigor.

1
Dispõe o Art. 131.: “A Advocacia-Geral da União é a instituição que,
diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial
e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que
dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de
consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo”.

162
Ressalte-se, por oportuno, que alguns dos fins a serem
perseguidos pelo Estado Brasileiro foram expressamente
consignados pelo Constituinte na Lei Fundamental de 1988.
São eles:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República


Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.”

É, nesse contexto, que as atribuições de consultoria e de


assessoramento jurídicos ao Poder Executivo devem ser
prestadas, a fim de se efetuar a compatibilização da política a
ser implementada com as normas e princípios vigentes, para a
perfeita satisfação dos interesses públicos. A tarefa é complexa
e exige a participação de políticos, de gestores e de membros
da AGU.
Nessa esteira de raciocínio, um plano político pode ser
social e economicamente perfeito, do ponto de vista de cada
ciência em separado, mas ser um fracasso na prática, se não
houver um lastro jurídico que lhe dê base e sustentação para
prosperar.
Dentre os poderes constitucionalmente estabelecidos,
incumbe ao Poder Executivo a tarefa de gerir o aparato estatal e
de propor e de executar diretrizes e políticas a serem
desempenhadas pelo Estado, para que se possa tornar concreta a
consecução do bem comum.

163
Pontifica MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO:
“Essa extensão de tarefas trouxe aumento de prestígio,
especialmente porque nas repúblicas o Executivo se tornou desde
cedo a cúpula do partido ou da coligação majoritária. Daí
resultou que, embora a estrutura constitucional não se
modificasse, ainda que o Legislativo conservasse uma
preeminência aparente, o centro real do poder político se
deslocou para o Executivo. De fato, este se tornou o motor da
vida política, a mola do governo, o que, em última análise, veio
repercutir no próprio campo legislativo, com a legislação
delegada etc.
Mais ainda, tendo em mãos a vida econômica, pelo
controle de câmbio, dos meios de pagamento, do fisco, veio o
Executivo a transformar-se no árbitro da vida social, cujas
opções governam a tudo e todos.”2
Ocorre que esse poder governamental não é absoluto,
estando submetido a princípios e normas, caracterizadores do
Estado Democrático de Direito.
O Governo, precisa, pois, cercar-se de cautelas jurídicas,
antes de deflagrar o seu plano político.
Mas, a propósito, o que é Governo ?
Na definição de LÚCIO LEVI:
“Existe uma Segunda acepção do termo Governo mais
própria da realidade do Estado moderno, a qual não indica apenas
o conjunto de pessoas que detêm o poder de Governo, mas o
complexo dos órgãos que institucionalmente têm o exercício do
poder.”3
Ensina HELY LOPES MEIRELLES :
“A constante, porém, do Governo é a sua expressão política

2
Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, 19ª edição, 1992, pg. 191.
3
Dicionário de Política, vol. 1, ed UnB, 10ª edição, 1997, pg. 553.

164
de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e
de manutenção da ordem jurídica vigente.”4
Para continuar a leitura desse pequeno estudo, é necessário,
também, esclarecer o que vem a ser poder. Assinala PAULO
BONAVIDES que:
“Elemento essencial constitutivo do Estado, o poder
representa sumariamente aquela energia básica que anima a
existência de uma comunidade humana num determinado
território, conservando-a unida, coesa e solidária.”5
O Governante, desse modo, tem a capacidade de agir, por
vezes coercitivamente, para proporcionar o bem comum a todos
os indivíduos existentes dentro do seu espectro de atuação. Isso
faz parte dos fins do próprio Estado.
Acentua NORBERTO BOBBIO que:
“... a definição do poder como tipo de relação entre
sujeitos tem de ser completada com a definição do poder como
posse dos meios (entre os quais se contam como principais o
domínio sobre os outros e sobre a natureza) que permitem
alcançar justamente uma ‘vantagem qualquer’ ou os ‘efeitos
desejados’. O poder político pertence à categoria do poder
do homem sobre outro homem, não à do poder do homem
sobre a natureza. Esta relação de poder é expressa de mil
maneiras, onde se reconhecem fórmulas típicas da linguagem
política: como relação entre governantes e governados, entre
soberano e súditos, entre Estado e cidadãos, entre autoridade
e obediência, etc.”6
Os “efeitos desejados” a que se referiu Bobbio, nada mais

4
Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 22ª edição, 1997,
pg. 60.
5
Ciência Política, Malheiros Editores, 10ª edição, 2.002, pg. 106.
6
Dicionário de Política, vol. 1, ed UnB, 10ª edição, 1997, pgs. 954-955.

165
são que as finalidades perseguidas pelo governante, para atender
os anseios do corpo social.
Leciona, por sua vez, DALMO DE ABREU DALLARI:
“Assim, pois, pode-se concluir que o fim do Estado é o bem
comum, entendido este como o conceituou o Papa João XXIII, ou
seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam
e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.
(...) Na verdade, existe uma diferença fundamental, que qualifica
a finalidade do Estado: este busca o bem comum de um certo
povo, situado em determinado território.”7
Essa busca incessante pela satisfação das necessidades da
coletividade, que ora se traduz como interesse público, ora
significa bem comum, tem que respeitar o complexo de regras
que regem a vida em sociedade.
Do contrário, o Poder Público poderá incidir em abuso de
poder, por excesso de poder, ou por desvio de finalidade; ou,
ainda, prejudicar direitos e infringir princípios e normas jurídicas.
São as exigências do Estado Democrático de Direito,
vigente, hoje, no Brasil, conforme preceitua a Constituição
Federal de 1988, em seu art. 1º:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:”
Esse Estado tem valores e princípios, que devem ser
respeitados, a bem da própria preservação da vida em sociedade. O
Estado Democrático de Direito agasalha mandamentos e valores do
Estado de Direito e do Estado Democrático. Dentre eles, podem ser
destacados: a supremacia da vontade popular; respeito à isonomia;
manutenção da liberdade e a submissão ao império da lei e da moral.

7
Elementos de Teoria Geral do Estado, 23ª edição, 2.002, pg. 107.

166
Através da consultoria e do assessoramento jurídicos ao
Poder Executivo Federal, a AGU irá orientar o administrador
público, gestores, economistas, sociólogos, engenheiros,
profissionais da área de saúde e demais participantes da estratégia
de atuação, para bem elaborar o plano político, de acordo com a
moralidade, com a legalidade e com os princípios do Estado
Democrático de Direito, a fim de que obtenha sucesso, isto é,
proporcione o bem comum a todos.
As atribuições da AGU de consultoria e de
assessoramento ao Poder Executivo Federal estão delineadas
na Carta Magna de 1988, porém mais detalhadas na Lei
Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, como se
observa nas principais atribuições preventivas transcritas a
seguir:
“Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993
(...)
Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:
(...)
VII - assessorar o Presidente da República em assuntos
de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou
propondo normas, medidas e diretrizes;
VIII - assistir o Presidente da República no controle interno
da legalidade dos atos da Administração;
IX - sugerir ao Presidente da República medidas de caráter
jurídico reclamadas pelo interesse público;
X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos
tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida
pelos órgãos e entidades da Administração Federal;
XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a
correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias
entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;
(...)

167
Capítulo V
DA CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO

Art. 10 - À Consultoria-Geral da União, direta e


imediatamente subordinada ao Advogado-Geral da União,
incumbe, principalmente, colaborar com este em seu
assessoramento jurídico ao Presidente da República produzindo
pareceres, informações e demais trabalhos jurídicos que lhes
sejam atribuídos pelo chefe da instituição.

Capítulo VI
DAS CONSULTORIAS JURÍDICAS

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos


administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao
Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da
Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste
artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos
tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente
seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não
houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV - elaborar estudos e preparar informações, por
solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno
da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados
ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob
sua coordenação jurídica;”

168
Em termos práticos, como acontece esse aconselhamento
jurídico ao Poder Executivo, para auxiliá-lo a viabilizar um plano
político ?
No plano interno, a AGU pode elaborar, por exemplo,
minuta de projeto de lei que o Executivo irá encaminhar ao
Congresso Nacional; poderá preparar, também, em caso de
relevância e urgência, proposta de Medida Provisória a ser editada
pelo Presidente da República; demonstrar as razões de veto de
projeto de lei; minutar atos normativos de hierarquia inferior à
lei (decreto, portaria etc), para desenvolver política em andamento;
examinar projetos de emenda constitucional, emitindo
manifestação; prestar esclarecimentos jurídicos a Deputados e
Senadores, quando em audiência no Parlamento;...
No plano internacional, a AGU deve prestar previamente
a orientação ao governante sobre o ato que será celebrado no
exterior, a fim de se evitar transtornos e prejuízos, quando da
incorporação do ato pelo ordenamento jurídico nacional. O
tratado internacional pactuado sem as devidas cautelas jurídicas,
pode não vir a ter vigência no Brasil, por contrariar normas
que lhe são hierarquicamente superior (lembre-se, aqui, que o
ato internacional incorporado ao sistema legal brasileiro tem,
via de regra, status de lei ordinária); ou, sendo incorporado,
trazer enormes prejuízos ao país, por conta de revogação de
normas existentes. Precisa, assim, a AGU participar mais
intensamente das reuniões preparatórias das viagens
internacionais e ter conhecimento dos mandatos negociais que
serão objeto dos atos a serem eventualmente celebrados no
exterior, para um adequado e eficiente assessoramento jurídico
à autoridade que irá praticar o ato.
Esses atos a serem praticados pela AGU são prévia e
meticulosamente estudados, para encaixar, harmonicamente, a
política a ser implementada no ordenamento jurídico. Enfim, a

169
AGU tem a missão de compatibilizar a política pública com o
ordenamento jurídico, legitimando os atos do administrador
público, conformando-os com a legalidade, com a moralidade e
com os princípios e normas norteadores da atividade pública.
De fato, nenhuma política poderá desobedecer à lei, um dos
pilares do Estado Democrático de Direito, devendo a ela se submeter,
como qualquer ação que provenha do administrador público.
Nesse diapasão, leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA:
“É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que
o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem
exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem
mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em
virtude da lei.”8
Outrossim, a atividade estatal deverá conformar-se com a
moral, ou seja, deverá estar jungida à boa-fé, à honestidade e aos
bons costumes.
A lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO
não é diferente, ao dizer que:
“10º) Princípio da moralidade administrativa

25. De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm


de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará
violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a
conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros
de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição.
Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados
princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos
pelo mestre espanhol Jesus Gonzales Peres em monografia preciosa.
Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração

8
Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 14ª edição,
1997, pg. 400.

170
haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade
e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso,
eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou
minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.”9
Por outro lado, a máquina estatal deve agir com o máximo
de eficiência, conforme prevê o art. 37, da Lei Maior10, tornando-
se, destarte, imperiosa a participação da AGU na elaboração do
plano político, para dar qualidade jurídica, evitar o desperdício
de tempo, danos aos administrados e eventuais sanções aos
próprios governantes.
Preleciona ALEXANDRE DE MORAES acerca desse
importante princípio:
“Assim, princípio da eficiência é aquele que impõe à
Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução
do bem comum, por meio do exercício de suas competências de
forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem
burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção
dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização
possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios
e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se
trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o
princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado,
a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visando a
adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação
do bem comum.”11

9
Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 11ª edição, 1999,
pgs. 72-73.
10
Dispõe o Art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
11
Direito Constitucional, ed. Atlas, 10ª edição, 2001, pg. 312.

171
A atuação tardia da Instituição no projeto político - ou a
sua ausência de participação -, quer seja de Governo, quer seja
de Estado, pode vir a inviabilizar o plano estabelecido, tornando
sem efeito, por conseguinte, as ações que vierem a ser praticadas.
Aspectos jurídicos tendem a ser desconsiderados e
desobedecidos por quem não é operador do Direito. Essa falta
de participação da AGU na discussão da política pública pode
ocasionar, mais adiante, atraso, frustração de expectativas e
prejuízos para toda a sociedade, como aconteceu em planos
econômicos pretéritos, planejados e executados numa era em
que, malgrado não houvesse AGU, a visão política era míope,
quando se falava em princípios e normas jurídicas. Isso pode
voltar a ocorrer no presente, se as políticas que o novo governo
brasileiro pretende emplacar (previdenciária, tributária, fome
zero, primeiro emprego etc.) desprezarem a participação dessa
importante Instituição.
Por isso, é necessário que a ação preventiva da AGU se
dê no início da formulação do plano político, pois mais de uma
diretriz jurídica para sustentar o projeto pode ser encontrada e
alguns efeitos da política que será implementada já poderão ser
previstos pelos membros da AGU. De fato, os membros da
Instituição poderão apontar o melhor e mais seguro caminho
jurídico a ser trilhado, bem como antever e evitar prováveis
atritos sociais decorrentes da implantação da política pública
ora discutida.
A participação intensa da AGU no processo de elaboração
das políticas públicas, portanto, é providência de capital
importância para o sucesso da ação política a ser implementada
pelo Poder Executivo Federal. A ausência de atuação, ou a
integração tardia da AGU nas discussões, pode gerar danos à
sociedade, prejudicar metas traçadas e ocasionar sanções aos
responsáveis pelo fiasco político.

172
BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto. 1997. Dicionário de Política, vol. 1.


Brasília: ed. UnB.
BONAVIDES, Paulo. 2002. Ciência Política. São Paulo:
Malheiros Editores.
DALLARI, Dalmo de Abreu. 2002. Elementos de Teoria
Geral do Estado. São Paulo: ed. Saraiva.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. 1992. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: ed. Saraiva.
LEVI, Lúcio. 1997. Dicionário de Política, vol. 1. Brasília:
ed. UnB.
MEIRELLES, Hely Lopes. 1997. Direito Administrativo
Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores.
MORAES, Alexandre de. 2001. Direito Constitucional.
São Paulo: ed. Atlas.
SILVA, José Afonso. 1997. Curso de Direito
Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores.

César do Vale Kirsch é advogado da União, 27 e Pós-graduando, lato sensu,


em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

173
RES PVBLICA
Revista de Gestão Governamental e Políticas Públicas

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

A
RES PVBLICA é uma publicação da Associação
Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas
e Gestão Governamental, de natureza profissional
e opinativa, e tem por objetivo divulgar artigos produzidos por
membros da Carreira, colaboradores e estudiosos de assuntos
relativos a políticas públicas, gestão governamental, organização
do Estado, economia do setor público e às macroquestões
políticas. A RES PVBLICA tem periodicidade semestral.

Para selecionar os trabalhos a serem publicados, uma


comissão editorial, coordenada pelo diretor de Estudos e Pesquisas
(DEP), será constituída especificamente para cada edição. As
comissões serão formadas por dois integrantes com sólida
formação na área do tema eleito, além do próprio diretor. Caberá
à comissão selecionar os trabalhos tentativamente por consenso.
As situações não consensuadas serão decididas pelo diretor. Os
critérios para seleção dos trabalhos são os seguintes: relevância
conjuntural, originalidade, consistência, coerência, clareza e
objetividade.

Solicita-se aos autores que dimensionem seus trabalhos


entre 25 mil e 50 mil caracteres, incluídos os espaços, em fonte
Times New Roman, fonte 12, aplicativo Word. Cada trabalho
deverá vir acompanhado de resumo com aproximadamente 180
palavras. As contribuições deverão ser enviadas para o endereço
eletrônico sylvio.coelho@planejamento.gov.br, aos cuidados

174
deste diretor da DEP, sem qualquer outro tipo de formatação,
hifenação ou tabulação, sem palavras em negrito ou sublinhadas.
Caso necessário, poderão ser usados itálicos. As notas, inseridas
no pé da página, deverão ser numeradas em ordem crescente e
indicadas no corpo do texto com algarismos arábicos.

As referências bibliográficas devem ser incorporadas no


corpo do texto na seguinte seqüência: sobrenome do autor /
espaço / ano de publicação / dois pontos / espaço / página), de
acordo com o exemplo: (Morin 1990: 52).

Para a inserção de mais de um título do mesmo autor


publicadas no mesmo ano, pede-se sejam os mesmos identificadas
por uma letra depois da data, conforme os exemplos: (Lévi-Strauss
1962a) e (Lévi-Strauss 1962b).

A bibliografia citada deve ser indicada em ordem alfabética,


no final do texto, devendo-se obedecer aos formatos apresentados
nos exemplos a seguir:

Livro:
DROR, Yeheskel. 1999. A capacidade para governar –
Informe ao Clube de Roma. São Paulo: Edições FUNDALC.

Coletânea:
EASTON, David(org). 1970. Modalidades de análise
política. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

Artigo em Coletânea:
METCALF, David. 1987. “Labour market flexibility and
jobs: a survey of evidence from OECD countries with special
reference to Europe”. In LAYARD, R. e CALMFORS, L. The

175
fight agaisnt unemployment: macroeconomic papers from the
Center of European Studies. Cambridge: MIT Press, pp 51-76.

Artigo em Periódico:
GAETANI, Francisco. “Políticas de gestão pública para o
próximo governo”. Res Pvblica, nº 1 2002: pp 11-32

Monografia, Dissertação ou Tese Acadêmica:


SOUSA, Marcelo. 1999. Cidadania, Igualdade e
Solidariedade: e o Brasil com isso? Brasília: Dissertação de
Mestrado em Sociologia, SOL-UnB.

176
“Gestores Governamentais - uma carreira a serviço da cidadania”.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESPECIALISTAS EM POLÍTICAS PÚBLI-


CAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL - ANESP.

Endereço: SGAS 902 Lote 74 Bloco “B” Sala 229 - Ed. Athenas CEP:
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Darci Bertholdo
Jean Marc Georges Mutzig

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178
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pecialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
Ano II - Nº 2 - Maio/2003 - ISSN - 1678-4057
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