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Fundamentos da
geodésia e da cartografia
A geodésia é a ciência da medição da Terra, e a cartografia é a ciência da
concepção, produção, difusão, utilização e análise dos mapas. Neste capítulo,
apresentamos os fundamentos e as diferenciações dessas duas áreas que,
em conjunto, possuem aplicações pertinentes em projetos de engenharia, na
administração urbana, na demarcação de fronteiras, entre outros. Vamos,
ainda, acompanhar os desdobramentos dessas duas áreas ao longo da
história, com a evolução do pensamento humano e o aperfeiçoamento dos
equipamentos, gerando conceitos fundamentais que até hoje embasam
a alta tecnologia de mensuração (por exemplo, Eratóstenes calculou
o raio da Terra com uma precisão incrível entre os anos 276 e 196 a.C.).
Encerramos com a descrição das diversas superfícies de representação da
Terra e suas orientações de cálculo.
Objetivos de aprendizagem
Reconhecer as principais definições, diferenciações e aplicações da
geodésia e da cartografia.
O autor divide a geodésia em uma geodésia superior, composta pelas áreas física,
astronômica e matemática, que serviriam para a definição da figura da Terra, e uma
geodésia inferior, também chamada de geodésia prática.
2
Segundo Vanícek e Krakiwsky (1986), o estudo da geodésia conduz a uma subdivisão
em três conhecimentos fundamentais, contidos na própria definição de geodésia:
yy do posicionamento;
yy do campo de gravidade;
yy das variações temporais de ambos.
yy geodésia geométrica;
yy geodésia física;
yy geodésia por satélites ou geodésia celeste.
Além dessa aplicação, são citadas também (ARANA, 2000; GEMAEL, 1999; SÁ, 2000, PARA SABER MAIS
2006; TULER; SARAIVA, 2014): Para mais informações
sobre as estações e suas
yy Em projetos de engenharia – A construção de grandes obras, como estra-
coordenadas, visite o site do
das, barragens, túneis, grandes pontes, dutos (minerodutos, gasodutos, etc.)
IBGE, em www.ibge.gov.br.
e linhas de transmissão, está vinculada a pontos de controle que possuem
suas coordenadas geodésicas ou UTM, em geral obtidas pelo receptor GPS.
Em grandes indústrias (siderúrgicas, mineradoras, petrolíferas, etc.) há o as-
sentamento de divisas ou de componentes estruturais em locais predetermi-
nados, também com suas coordenadas geodésicas. Muitas vezes são neces-
sários estudos do movimento do solo e do nível da água antes e durante os
trabalhos, como na construção de barragens e túneis de água, que envolvem
o conhecimento da forma das superfícies equipotenciais do campo de gravi-
dade (geopes). A monitoração de estruturas e a determinação de superfícies
também são trabalhos geodésicos.
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Figura 1.1 Rede planimétrica do SGB.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2015).
4
a exploração de lavra, a delimitação de áreas de proteção ambiental e reser-
vas florestais, bem como propriedades para efeitos de impostos e receitas,
processos de indenizações, compra e venda de imóveis, loteamentos, divi-
são de áreas, etc. O posicionamento e a demarcação dessas fronteiras devem
ser apoiados em redes geodésicas homologadas pelo IBGE. Por exemplo, a
definição de fronteiras de propriedades rurais, obtidas por meio de técnicas
geodésicas, já é uma realidade exigida pelo INCRA, por meio do Georreferen-
ciamento de Imóveis Rurais (Lei 10.267/01).
Desta forma, a geodésia define, por meio de modelos e formulações, a referência IMPORTANTE
geométrica (rede geodésica) para apoiar as diversas aplicações da área de geociên- A definição de fronteiras
cias, bem como fornece as técnicas de levantamento para incorporar os pontos a de propriedades rurais,
essa rede de referência. obtidas por meio de
técnicas geodésicas, já
Esses pontos coordenados a determinar são “insumos” de quaisquer atividades das
é uma realidade exigida
tecnologias de geoprocessamento (análises em um Sistema de Informações Geo-
pelo INCRA, por meio do
gráficas – SIG, de construção de uma modelagem digital de terrenos ou de uma
Georreferenciamento
carta temática da cartografia digital, de seleção e processamento de pontos de um
de Imóveis Rurais
sensoriamento remoto, etc.) para as mais variadas aplicações. O dado fundamental
(Lei 10.267/01).
de entrada nesses sistemas é a posição do ponto, ou seja, as coordenadas geodé-
sicas do local (Figura 1.2).
Agricultura
Logística de precisão Georrefenciamento
Levantamentos Navegação
Segurança
5
Pronto, posicionamos!
E agora, como representar?
6
A cartografia, segundo Maling (1989), é classificada didaticamente em:
(A) (B)
(C) (D)
7
yy definir assuntos temáticos (transporte, vegetação, clima, solo, relevo, geo-
logia, ecologia, economia, litologia, pluviometria, geobotânica, educação,
língua, entre outros) (Figura 1.5), sendo que estes ainda podem compor um
SIG e conduzir, por exemplo, a uma gestão otimizada de riscos ambientais,
da distribuição espacial de equipamentos e serviços urbanos, bem como do
roteamento de cargas, do transporte público, e de diversas outras aplicações
(Figura 1.6).
Clima Transportes
Fundamentos de Geodésia e Cartografia
8
Fundamentos da geodésia e da cartografia
9
Figura 1.7 Exemplo de planta topográfica de uma localidade.
Fonte: Os autores.
Fundamentos de Geodésia e Cartografia
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Um breve histórico:
geodésia e cartografia
Um pouco sobre a evolução da ciência geodésica
Uma vez que a busca do melhor modelo para a Terra é milenar, houve muitas con-
tribuições para essa ciência. Segundo Gemael (1995), Tuler e Saraiva (2014), sua
evolução possui duas etapas principais:
1) Pré-história 2) História
De Erastóstenes (século II a.C.) 1o período: das expedições francesas a 1900;
às expedições francesas (1870). 2o período: do século XX ao lançamento do
primeiro Sputnik;
3o período: século atual.
Por volta do século VII a.C., florescem importantes escolas do pensamento, princi-
palmente na Grécia. Com os primeiros pensadores gregos, inicia-se a procura de
[...] o contorno circular da sombra projetada pela Terra nos eclipses da Lua;
a variação do aspecto do céu estrelado com a altitude e a diferença de ho-
rário na observação de um mesmo eclipse para observadores situados em
meridianos afastados (BERRY, 1961).
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Outros filósofos, matemáticos e astrônomos também ofereceram suas contribui-
ções, como Ptolomeu, que já no século II afirmava a esfericidade (e a imobilidade)
da Terra (sistema geocêntrico). Copérnico (1473–1543) contrariou as ideias de imo-
bilidade, conferindo à Terra os movimentos de rotação e translação (heliocentris-
mo). Newton (1643–1727) e Huygens (1629–1695) não aceitaram a harmonização
entre o movimento de rotação e a forma perfeitamente esférica, abrindo a era elip-
soidal (Terra achatada).
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Como consequência do avanço das técnicas de posicionamento, na década de
1970 as redes geodésicas passaram a ter um caráter tridimensional, dando origem
à era da geodésia espacial (tridimensional), iniciada pelo sistema TRANSIT. Em fins
da década de 1980, o IBGE, por meio do seu departamento de geodésia, criou o
projeto GPS, com o intuito de estabelecer metodologias que possibilitassem o uso
pleno da tecnologia do sistema NAVSTAR/GPS.
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Não menos importante neste contexto é o estabelecimento, em 2005, do novo siste-
ma de referência geodésico para o SGB e para o Sistema Cartográfico Nacional (SCN):
o Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (SIRGAS), em sua realização
do ano de 2000, 4 (SIRGAS-2000). Em 25 de fevereiro de 2015, encerrou-se o período
de 10 anos de transição para a adoção desse novo sistema geodésico de referência.
No atual momento, a geodésia experimenta um uso generalizado da tecnologia GPS,
com base em um sistema geodésico mundial (geocêntrico), com facilidade de posi-
cionamento automático e de alta precisão.
IMPORTANTE
A cartografia está
relacionada ao
geoprocessamento,
Figura 1.11 (A) Bússola, (B) sextante e (C) cronômetro. uma vez que o mapa
Fonte: (A) Nastco/iStock/Thinkstock; (B) Hemera Technologies/PhotoObjects.net/Thinkstock é o principal meio
e (C) yevgenromanenko/iStock/Thinkstock de apresentação dos
resultados, por ser a forma
Atualmente existem recursos de sensoriamento remoto e de posicionamento por de visualização mais
satélites para obtenção de pontos coordenados e produ�������������������������
ção de�������������������
cartas. Neste sen- natural e de interpretação
tido, a cartografia está relacionada ao geoprocessamento, uma vez que o mapa é mais intuitiva para a
o principal meio de apresentação dos resultados, por ser a forma de visualização informação espacial.
mais natural e de interpretação mais intuitiva para a informação espacial.
Superfícies de
representação da Terra
As obras de engenharia (rodovias, ferrovias, barragens, canalizações e dutos, edifi-
cações em geral, loteamentos, etc.) são concebidas, muitas vezes, “até onde a vista
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alcança”, ou seja, na superfície física da Terra. Em outras palavras, não temos uma
noção da curvatura do planeta, a não ser que consigamos ver uma ligeira tendência
DEFINIÇÃO dessa curvatura no horizonte a partir do sobrevoo em uma aeronave ou da obser-
Segundo Freitas (1980), vação do pôr do sol na linha do horizonte em uma praia, por exemplo.
do ponto de vista físico,
Desde que Eratóstenes provou a esfericidade terrestre, inclusive com o cálculo
um sistema de referência
aproximado de seu raio (TULER; SARAIVA, 2014), busca-se uma forma de referen-
de coordenadas é o
ciar os pontos medidos, a partir de uma melhor definição geométrica para a Terra.
conjunto de um ou mais
eixos com orientação Segundo Freitas (1980), do ponto de vista físico, um sistema de referência de co-
definida no espaço e com ordenadas é o conjunto de um ou mais eixos com orientação definida no espaço
uma escala adequada, e com uma escala adequada, por
��������������������������������������������������
meio do qual uma posição e uma orientação pos-
por meio do qual uma sam ser definidas sem ambiguidade (Figura 1.12).
posição e uma orientação
possam ser definidas sem
Eixo Z
ambiguidade.
Ponto B
60
50
40
oY
Eix
30
50
40
20
30
Ponto D
20
10
Ponto A Ponto C
20º
10
20
Co 30
30
ord 40
º
ena
Pon Po das 50
Pon to C Pontonto A abs
olu 60
to D = @ B = = 0 ta
= @ 10,–1 40,5 ,0,0 – se 70
40, 0,– 0,6 Ab relativ
<3 50 0 – sol 80
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– R tiva uta
Fundamentos de Geodésia e Cartografia
ela s c s
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rica s
s
16
Quadro 1.1 As seis superfícies consideradas nos levantamentos
geodésicos e topográficos e nas representações cartográficas
IMPORTANTE
Em geodésia, quando
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como modelo para auxiliar na construção e obtenção de algumas projeções carto-
gráficas. Logo, no estudo dessas projeções cartográficas, ao considerar a Terra como
esférica, o erro obtido é quase insignificante devido às escalas de representação.
DEFINIÇÃO 1
R = N⋅ M para E >
Esfera-modelo é uma 500.000
esfera imaginária
a+b 1
“desenhada” na escala R= para E <
2 500.000
da projeção e que serve
como modelo para auxiliar a
N=
na construção e obtenção
(1− e ⋅ sen2φ)
2
de algumas projeções
cartográficas.
a⋅ (1− e2)
M= 3
(1− e2 ⋅ sen2φ)
2
em que:
π ⋅R 1.852 × 180 o
a= ⋅1', porém o arco de 1' = 1.852 m ∴ R =
180 o π ⋅ 1'
∴ R = 6.366.707,01947 m ∴ R ≅ 6.367 km
No gráfico da Figura 1.13, têm-se valores de raios médios versus as latitudes dos
pontos, considerando N e M.
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Rmédio versus latitudes
6.385 km
6.380 km
6.375 km
Rmédio
6.370 km
6.365 km
6.360 km
6.355 km
0° 5° 10° 15° 20° 25° 30° 35° 40° 45° 50°
Latitudes
Figura 1.13 Valores de raios médios em função das latitudes.
Fonte: Os autores.
Círculos São círculos que têm seus centros coincidentes com o centro
máximos do globo terrestre, que também possuem raios máximos.
Um arco do círculo máximo é denominado ortodrômica.
23° 26' 21,418" (ano 2000) (≈ 23° 27') com o eixo de rotação
da Terra. As interseções do eixo da eclíptica com a superfície
terrestre originam os círculos polares.
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φ
φ
φ
φ
φ
Latitude É o ângulo formado pelo raio que passa por esse lugar
e o plano do equador. Para o ponto “P1” (Figura 1.16),
IMPORTANTE a latitude de A (φA ), ou “fi de A”, é igual a 10º S. Uma
As coordenadas vez que o raio de curvatura da esfera é constante, essa
geográficas são dadas quantidade também é igual à medida angular do arco de
por um par de ângulos meridiano entre o equador e o lugar.
para determinar um
ponto na superfície
Longitude É o ângulo com vértice no centro da Terra, medido
esférica terrestre: um
a partir do plano do meridiano de Greenwich até o
ângulo de latitude e um
meridiano de referência. Para o ponto “P1” na figura, a
ângulo de longitude,
longitude de A (λA), ou “lambda de A”, é igual a 60º W
conhecidos também como
(Figura 1.16).
coordenadas LAT/LONG, ou
φ, λ, sempre nessa ordem.
Logo, as coordenadas geográficas são dadas por um par de ângulos para determi-
nar um ponto na superfície esférica terrestre: um ângulo de latitude e um ângulo
de longitude, conhecidos também como coordenadas LAT/LONG, ou φ, λ, sempre
nessa ordem.
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90º N
IMPORTANTE
Na representação das
latitudes, é necessário
colocar o hemisfério
Norte (N) ou Sul (S) para
determinar o correto
posicionamento do ponto.
Equador
0º
Latitude φ = 0º Da mesma forma, as
longitudes devem ser
seguidas de Leste (E ou L)
ou Oeste (W ou O).
Meridiano de Greenwich
Longitude λ = 0º
Para cálculos esféricos, com o uso da trigonometria esférica, devem ser utilizados
valores negativos (–) para coordenadas Sul e Oeste, e positivos (+) para Norte e Les-
te. As latitudes variam de 90º S a 0º e 0º a 90º N (ou – 90º a + 90º), e as longitudes IMPORTANTE
variam de 180º W a 0º e 0º a 180º E (ou – 180º a + 180º). A Figura 1.16 mostra um Valores negativos (–) são
exemplo de aplicação. usados para coordenadas
Sul e Oeste, e positivos,
(+) para Norte e Leste. As
Coordenadas NORTE
GREENWICH
P1: (10º S; 60º W) Longitude 0º
latitudes variam de 90º S a
∆λ = 5º 0º e de 0º a 90º N (ou – 90º
a + 90º), e as longitudes
Equador variam de 180º W a 0º e 0º a
Latitude 0º
∆φ = 5º
180º E (ou – 180º a + 180º).
LESTE
OESTE
SUL
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Os fundamentos da trigonometria esférica são aplicados na astronomia de campo
e em algumas fórmulas da geodésia, que considera como princípio a Terra esférica.
Alguns conceitos importantes estão no Quadro 1.4 (FERRAZ, 1980).
Desta forma, um triângulo esférico fica constituído de três ângulos esféricos (A, B e
C) e três lados esféricos que são arcos de circunferência máxima (a, b e c). Na Figura
1.18, considerando a Terra esférica, o segmento “b” poderia ser um arco de meridia-
no geográfico; o segmento “c”, um arco do equador geográfico; e o segmento “a”,
um arco de círculo máximo.
Fundamentos de Geodésia e Cartografia
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c
A
B
A
cc B
O b b
a
a
io C
Ra
C
Conforme exemplificado pela Figura 1.19, a menor distância entre dois pontos
no mesmo paralelo é um arco de círculo máximo (ortodrômica). Com exceção do
equador geográfico, que também é círculo máximo, as distâncias medidas pelo
arco de um paralelo qualquer sempre serão maiores do que as ortodrômicas cor-
respondentes.
A trigonometria esférica serve para calcular a distância esférica entre dois pontos
coordenados, ou seja, a partir de suas coordenadas geográficas (φ e λ), neste caso,
considerando a Terra esférica.
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Uma das propriedades dos triângulos esféricos estabelece que, conhecendo três
elementos quaisquer de um triângulo esférico, é possível determinar os outros três.
Logo, é aplicada a fórmula dos quatro elementos relativa aos lados (FERRAZ, 1980,
p. 7): “Em todo triângulo esférico, o cosseno de um dos lados é igual ao produto do
cosseno dos outros dois lados, mais o produto dos senos dos mesmos lados pelo
cosseno do ângulo por eles formados.”
λA – λB
90
φA
°– φ B
°–
90
B
mica
ortodrô
Me
A
ridia
no
de Greenwich
φB
Plano do
Equador
φA
λA – λ B λB
B
Mer
λA
m
sa e
id
ian
pas
oq
ue
ue
oq
pa
ian
ss
a
id
em
er
M
A
Fonte: Os autores.
cos (ortodrômica) =
cos(90° – φA) cos(90° – φB) + sen(90° – φA) sen(90° – φB) cos(λB – λA)
Como
cos(90° – φi) = sen – φi
cos(90° – φi) = cos – φi
Tem-se
cos(α) = sen(φA) sen(φB) + cos(φA) cos(φB) cos(λB – λA)
α = arc cos(sen(φA) sen(φB) + cos(φA) cos(φB) cos(λB – λA))
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