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ULTRAPASSANDO

Novas opções para a


IGREJA BRASILEIRA
na virada do sécub XXI
Caio Fábio • Edison Queiroz • Ary Velloso
ssell Shedd • Daniel Reis • R ay Harms-Wiebe
Ricardo Barbosa • Ed René Kivitz
Armando Bispo • Paulo Solonca

J. Scott Horrell, editor


Primeira de duas coletâneas de ensaios de vários autores, Ultrapassando
Barreiras apresenta o que há de melhor no pensamento de diversos líderes sobre
a igreja evangélica brasileira. O objetivo do texto é que se chegue a uma igreja
local mais bíblica, mais criativa e m ais expressiva para o século XXI. Todos os
autores vêm acom panhados de extensas experiências pastorais no Brasil, e cada
um desenvolve aspectos importantes e práticos da igreja para nossa época.

Scott Horrell A essência da igreja; repensando


a eclesiologia á luz do Novo Testamento

Ray Harms-Wiebe Estrutura criativa no contexto


metropolitano; passos de um processo
de transformação

Daniel Reis Liderança na igreja local; qualificações


e escolhas bíblicas

Ed Kivltz Pequenos grupos, uma velha novidade;


voltando a uma verdadeira koinonia
comunitária

Ricardo Barbosa Espiritualidade na igreja moderna;


incentivando a autenticidade cristã

Armando Bispo Os dons espirituais; despertando


0 potencial divino da igreja local

,Ary Velloso Iniciando novas igrejas; estratégias


atuais para um Brasil moderno

Paulo Solonca Inovando uma igreja tradicional;


esquentando um povo querido sem
queimar a casa

Edison Queiroz A igreja local e m issões mundiais:


engajando-se na grande comissão

Caio Fábio A igreja brasileira e o século XXI;


0 presente e o futuro

Diante das form as da igreja tradicional e hierárquica, os autores

I
apontam para novas direções para as estruturas da igreja, mais livres
e menos centrahzadoras, voltando à prioridade das funções dinâmicas
da igreja neotestamentária.

ISBN 85-275-0202-X
BARRERAI
ULI

Novas opçõeí
IGREJA BI ^fLEIRA
na viradaNGK ículo XXI

1 J . S œ tt Horrell, editor

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA


SÃO PAULO • 1994
® 1994 J. Scott Horrell

Revisão
J. Scott Horrell
Valéria Fontana
Lucy Yamakami
Composição e Diagramação
Valéria Fontana
Janete D. Celestino
Capa
íbis Roxane
Coordenação de produção
Eber Cocareli

Publicado no Brasil com a devida autorização


e com todos os direitos reservados por
SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES V ID A NOVA
Caixa Postal 21486, 04698-970,
São Paulo, SP.

ISBN 85-275-0202-X

Julho de 1994
Impresso no Brasil.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ultrapassando barreiras : novas opções para a igreja


brasileira na virada do século XXi / J. Scott
Horrell org. - São Paulo ; Vida Nova, 1994.

Bibliografia.
ISBN 85-275-0202-X

1. Igreja - Brasil - Doutrinas 2. Igreja - Histó­


ria 3. Igreja e o m undo 4. Século 21 - Previsões 5.
Sociologia cristã I. Horrell, J. Scott., 1949-

94-1948 CDD-262.098105

índices para catálogo sistemático

1. Igreja Brasileira : Século 21 262.098105


2. Século 21 : Igreja Brasileira 262.098105
CONTEÚDO
ÂPRESENTAÇÂO: Russell P. Shedd / 1
INTRODUÇÃO: Editor /3

A ESSÊNCIA DA IGREJA:
Repensando a Eclesiologia à Luz do N ovo Testamento
J. Scott Horrell / 7

ESTRUTURA CRIATIVA NO CONTEXTO METROPOLITANO:


Passos de um Processo de Transformação
Raymond Peter Harms-Wiebe /29
LIDERANÇA NA IGREJA LOCAL:
Q ualificações e Escolhas Bíblicas
Danie] da Silva Reis / 43
PEQUENOS GRUPOS, UMA VELHA NOVIDADE:
Voltando a uma Verdadeira Koinonia Comunitária
Ed René Kivitz /59
ESPIRITUALIDADE NA IGREJA MODERNA
Incentivando a Autenticidade Cristã
Ricardo Barbosa de Sousa /73
OS DONS ESPIRITUAIS:
Despertando o Potencial D ivino da Igreja Local
Armando Bispo da Cruz / 91
INICIANDO NOVAS IGREJAS:
Estratégias Atuais para um B rasil M oderno
Ary Velloso / 109
INOVANDO UMA IGREJA TRADICIONAL:
Esquentando um Povo Querido sem Queim ar a Casa
Paulo Solonca / 119
A IGREJA LOCAL E MISSÕES MUNDIAIS:
Engajando-se na Grande Comissão
Edison Queiroz de Oliveira / 137
A IGREJA BRASILEIRA E O SÉCULO XXI:
O Presente e o Futuro
Caio Fábio D’Araújo Filho / 155

CONCLUSÃO: Editor / 169


APRESENTAÇAO

R ussell P. Shedd

O que representa a Igreja, e particularmente a igreja brasi­


leira para Deus, para seus membros e para a sociedade aí fora?
Cidadãos celestiais e embaixadores de Deus por um lado, mas por
outro, cidadãos da terra, pecadores, notórios pela desunião e
incoerência ética.
Ultrapassando Baneiras surge num momento oportuno. Lí­
deres denominacionais e pastores querem ouvir uma palavra do
Senhor neste fím de século. Aguardam uma visão que aponte o
caminho para o novo milênio.
É bem brasileiro. Este livro e o próximo que está em prepa­
ração é o que há de melhor no que diz respeito à teologia e à
prática na liderança da igreja evangélica nacional. Mais de vinte
pastores e líderes de renome revelam como uma visão bíblica de
ministério pode dar crescimento e santidade aos membros de suas
comunidades.
É criativo. Neste último meio século, o Brasil passou de um
país rural a nação urbana. Transformações profundas no mundo
moderno sacodem seus alicerces e abalam seus fundamentos. Os
que têm a incumbência de conduzir as igrejas para que elas
alcancem todas as camadas da sociedade clamam por novas idéias.
O desafio do século XXI certamente será distinguir entre o
dispensável e o essencial. Este livro será de imensa ajuda a
qualquer líder que não acredite na imutabilidade de suas tradições
eclesiásticas.
É prático. Chega de teorias nunca aplicadas em solo
brasileiro. Todos sabem que algumas comunidades têm explodido
numericamente. Muitos membros fiéis de igrejas tradicionais têm
saído à procura de pastos mais suculentos. Muitos estão perplexos
pela falta de respostas às grandes perguntas. Onde erramos?
Nossa teologia ou nossa prátiea apresenta algum defeito? Aqui
eneontramos modelos úteis e valiosos, testados e aprovados, tudo
com sabor de feijoada e cheiro de churrasco.
A Igreja Católica herdou o “direito” de patrocinar a vida
religiosa do Brasil colonial. A atual frustração da igreja romana
frente à rápida erosão de seu domínio milenar é instrutivo. A
secularização por um lado e a proliferação das chamadas seitas,
por outro, dão muito para pensar e refletir. Hoje, o que menos
mantêm as estruturas fortes e eficientes da igreja são a sacra-
lização destas. Infelizmente, muitos líderes denominacionais,
segurando suas formas tradicionais, compartilham a mesma frus­
tração da Igreja CatóHca.
Acima de tudo, é geral a questão da autenticidade bíblica dos
modelos eclesiásticos e teologias das inúmeras ramificações dos
evangélicos. Que adianta estimular o crescimento de comunidades
que destronam Jesus Cristo como Cabeça da Igreja? Que valor há
em percorrermos mar e terra para fazer um prosélito, e, uma vez
feito, o tornarmos duas vezes mais filhos do inferno (Mt 23:15)?
Que vantagem eterna há em ter o nome de “cristão evangélico”,
mas não ministrar “o evangelho de Deus, para que os gentios
sejam aceitáveis como oferta sandficada pelo Espírito Santo” (Rm
15:16)?
Para todos os que lutam com tais questões e buscam novos
caminhos para conduzir as ovelhas em segurança até os taberná­
culos eternos, recomendamos a leitura cuidadosa de Ultrapassando
Baireiras.

A Deus toda a glória!

Russell P. Shedd
INTRODUÇÃO
O papa Paulo VI, há trinta anos, lamentou: “Parece que a
Igreja está destinada a morrer”. Admitiu isso por duas razões.
Primeiro, os efeitos do Vaticano II estavam cada vez mais devas­
tadores, atingindo a doutrina católica tradicional e esvaziando suas
igrejas ao redor do mundo. Segundo, ele não era evangélico.
Muitas regiões do mundo — China, Coréia do Sul, ex-União
Soviética, África abaixo do Sahara, e América Latina — passam
por um avivamento de cristianismo bíblico jamais experimentado
desde os primeiros séculos da história cristã. Conforme uma
pesquisa importante, o cristianismo clássico está crescendo três
vezes mais rápido do que a população mundial.^
Na América Latina, um dos movimentos mais crescentes e
visíveis é encontrado no evangelicalismo brasileiro. Com cerca de
565 denominações,^ 380 seminários e instituições teológicas, 150
mil congregações, 40 editoras evangélicas, 14 milhões de membros
(e um total de 28 milhões de pessoas afiliadas),’ o Brasil
representa um dos maiores contingentes de evangélicos no mundo.
Se alguém acha que há um espírito triunfalista entre os
evangélicos em geral, ele está enganado. Conquanto os líderes
evangélicos sejam profundamente gratos pela atuação do Espírito
do Senhor sobre muitos no país, a pessoa ciente do ambiente geral
das igrejas brasileiras sabe que há diversas barreiras que impedem
as igrejas locais de cumprir melhor o seu chamado.
Na verdade, como pastor evangélico, eu também sentia que
a igreja estava destinada a morrer. Não a Igreja, o Corpo de
Cristo, mas a igreja tradicional e denominacionalista. Era
destinada a morrer devido a suas formas antiquadas, sua falta de
criatividade e de penetração em suas vizinhanças, sua preguiça
espiritual e baixa ética moral (às vezes em meio às emoções da fé)
e sua ignorância das verdades bíblicas. Dentro de uma hierarquia
denominacional, como jovem pastor, quase desisti do pastorado.
A igreja institucional parecia muito distante da realidade viva e
autêntica do Novo Testamento.
Voltar às Escrituras para redescobrir os princípios funda­
mentais sobre a igreja foi uma das experiências mais libertadoras
da minha vida. Estou cada vez mais convicto de que a maioria dos
pastores e líderes não querem mudar por não conhecerem as
Escrituras. Muitos crentes se agarram à tradição e ao denomina-
cionalismo, com medo de perder algo verdadeiro experimentado
com o Senhor no passado. Mas de fato, o Novo Testamento é um
convite contínuo, não para novas doutrinas, mas para que se
aplique e experimente essa verdade que “uma vez por todas foi
entregue aos santos” (Jd 3).
Ultrapassando Barreiras é a primeira de duas coletâneas
escritas por líderes e pastores sobre as novas opções diante da
igreja brasileira. Há cerca de 23 autores de diversas denominações
e regiões geográficas do país. Rearticulando princípios bíblicos
sobre a igreja, eles falam sobre como esses princípios foram
aplicados em suas próprias experiências. Assim, as coleções são
uma enciclópedia de idéias reunindo diversas práticas e teologias,
sem muita preocupação editorial em harmonizá-las. Por outro
lado, as ricas experiências dos autores oferecem dezenas de
princípios, idéias e sugestões sobre como ser uma igreja mais
bíblica e mais brasileira para a glória de Deus.
O grande valor, portanto, não é de providenciar modelos
para copiar, mas de incentivar as igrejas locais a redescobrir sua
própria eclesiologia bíblica. Pois, assim como cada filho de Deus
é único, cada igreja local e cada família de igrejas são também
diferentes e especiais. O que é o mais surpreendente na
eclesiologia neotestamentária é sua liberdade estrutural. Dentro
de certos parâmetros. Deus permite uma flexibilidade na parte
formal (organizacional) para que as funções dinâmicas, que
naturalmente surgem dentro de um povo habitado pelo Espírito
Santo, sejam mais bem cumpridas.

O Senhor da Igreja convida cada igreja a iniciar sua própria


peregrinação bíblica. Deixa Cristo ser o Pastor do rebanho. Expe-
rimente, de novo, como líderes e como congregação local, a ale­
gria e o temor de andar pela fé.

J. Scott Horrell, editor

NOTAS
' “Christianity Is Still World’s Top Religion, and Faith Is Growing”,
Christianity Today (9 nov. 1992) 64. Os dados do Lausanne Statistics Task Force,
dirigido por David Barrett, dizem que há aproximadamente 6,8 não-cristãos para
cada cristão que crê na Bíblia — o menor índice da história.
^Caio Fábio D ’Araujo Filho, “Evangélicos Unidos do Brasil” (entrevista),
Liderança 10:90 (dez. - fev. 1992) 1. As estatísticas sobre o número de deno­
minações brasileiras variam muito. Patrick Johnstone, Operation World (5 \ ed..
Grand Rapids, MI: Zondervan/OM Publishing, 1993) 128, estima em 271
denominações, com cerca de 18% da população que se dizem evangélicos.
’Dados de Johnstone, Operation World, 62, 128-131, AETAL do Brasil e
Associação Brasileira de Editoras Cristãs.

0 IL a «^ ín  a S L o ^zi^u eU rl
SnaJí/awimZa í$t 9.1 5.
IV
A ESSÊNCIA DA IGREJA:
Repensando a Eclesiologia à Luz do Novo Testamento

J. Scott Horrell*

A lagarta processionária alimenta-se de flores e folhas de


árvores. Passando pela floresta, uma se move com as outras,
formando filas compridas, cada uma com a cabeça colada contra
a extremidade de seu predecessor.
Jean-Henri Fabre, um naturalista francês, ao estudar um
grupo dessas lagartas, induziu-as a circular em torno de um grande
vaso. Juntando a última lagarta com a primeira, ele formou um
círculo completo que seguia num cortejo sem princípio ou fím. O
naturalista pressupunha que depois de algum tempo, as lagartas
perceberiam seu caminho circular, fícariam cansadas da marcha
inútil e partiriam em uma nova direção. Mas não foi o caso. Pela
força do hábito, esse círculo vivo continuou a se arrastar ao redor
do vaso, vez após vez, dia após dia, mantendo a mesma veloci­
dade!
A propósito, uma porção de comida foi colocada ao lado do
vaso, em plena vista das lagartas, mas fora do alcance do círculo.
Mesmo assim, elas permaneceram em sua vereda por sete dias e
noites — o que se tornou uma marcha rumo à morte.
As lagartas processionárias estavam seguindo sua experiência
passada, instinto, hábito, precedência, costume, tradição, padrão
normal. Mas elas estavam seguindo às cegas. Confundiam ativi-

'John Scott Horrell, Tli.D., é coordenador geral de Vox Scripturae: Revista


Teológica Brasileira, professor titular de teologia sistemática (pós-graduação) na
Faculdade Teológica Batista de São Paulo, e co-pastor da Igreja Evangélica
Batista Graça e Paz em Interlagos, São Paulo. Ele é missionário de Worldteam
e faz parte das comissões teológicas de AETAL e de AEvB.
dade com progresso. As lagartas tinham boas intenções, mas iriam
perecer.
Assim também anda, às vezes, a igreja.
Muitas vezes relembramos com gratidão nossas experiências
passadas com o Senhor. Recordamos a mocidade zelosa, os
poderosos cultos evangelísticos ou os hinos que nos tocavam
profundamente. Um grande número de nós foi criado e treinado
numa tradição eclesiástica que apreciamos. Queremos ver a
mesma consagração e vitalidade em Cristo cm nossas igrejas de
hoje.
Entretanto, quando tentamos repetir no presente o que foi
feito no passado, não há o mesmo impacto. O que nós fizemos
quando jovens não alcança a nova geração. Os antigos métodos
evangelísticos evocam na vizinhança de hoje, pouco mais do que
um bocejo desinteressado. As formas de culto, apesar de músicas
especiais e pregadores esforçados, tornam-se habituais com o
tempo, sem o poder de penetrar na verdadeira vida da pessoa no
banco da igreja. Isso, tanto no meio pentecostal quanto
tradicional. Continuamos com nossas formas e métodos porque
sempre fizemos assim, e a expectativa dos outros é que
continuemos sempre assim. Mais do que imaginamos, somos
lagartas processionárias.
Por outro lado, vários evangélicos brasileiros, pastores ou
não, sentem uma tensão entre a maneira tradicional de ser igreja
e o que eles encontram na Bíblia. Suspeitam que as fo m a s da
igreja local muitas vezes não combinam com o que a igreja deve ser
e fazer. Suspeitam que os costumes, estruturas e formas da igreja
local às vezes são barreiras aos seus próprios propósitos. Não é
simplesmente uma questão de tradicional versus contemporâneo,
conservador versus progressista. Há laços muito mais profundos.
Como evangélicos, dizemos que as Escrituras, e especificamente
o Novo Testamento, são a base da nossa fé e prática como igrejas
locais. No entanto, nossa/zerança eclesiológica, com seus costumes
e formas, revela uma mistura de práticas muito além das
neotestamentárias.
Um grupo de pastores concluiu recentemente que a maioria
das atividades das igrejas brasileiras giram em torno de quatro
conceitos centrais: o templo, o sábado cristão, o culto e o clero}
Na prática, (1) ser igreja é ter terreno, ter prédio, estar sediado no
que chamamos a casa de Deus, o templo. O que fazemos por Deus
fazemos lá. (2) Ser igreja é guardar o domingo, o dia em que se
centraliza nosso culto e serviço ao Senhor. Quando o leigo faz
algo fora do sábado cristão, é um brinde para Deus — isso, no
subconsciente, pois jamais se atraveria a dizer tal coisa. (3) Ser
igreja é ter culto, ápice espiritual dos crentes e palco de Deus para
o incrédulo. É no culto que encontramos Deus. É no culto que
pessoas são convertidas. E (4) ser igreja é ter clero, quem nos leva
a Deus e traz Deus a nós. O pastor é o homem de Deus, profeta
e intercessor pelo povo.
Mesmo repelindo tais exageros, é assim que entendem
milhões de membros das nossas igrejas. Sem esses quatro funda­
mentos, não há igreja. Na verdade, somos mais veterotesta-
mentários do que neotestamentários em nosso pensamento sobre
a igreja.
O propósito deste capítulo é estabelecer em parte uma
estrutura teológica para os capítulos seguintes. Não se pretende
tratar de todos os aspectos geralmente incluídos nas eclesiologias
de maior porte. No entanto, vários desses assuntos relacionados
serão desenvolvidos neste volume e no próximo. A prioridade
desta introdução é a definição de igreja: sua essência, suas funções
prioritárias, e como elas devem afetar as formas das nossas igrejas
locais. As conclusões são minhas e não representam necessaria­
mente o pensamento dos outros autores. São apresentadas aqui
para amigável discussão e análise diante das Escrituras.
No Novo Testamento, a Igreja é chamada o Corpo de Cristo.
Essa doutrina carrega implicações extraordinárias na maneira
como devemos entender a igreja local de hoje. Esse conceito de
igreja nos liberta para experimentar novas fonnas da igreja local
que parecem muito diferentes dos padrões históricos e
denominacionais. Isso não quer dizer que os padrões da igreja
evangélica de hoje estejam necessariamente errados, pois o Senhor
deu bastante liberdade quanto à forma e organização da igreja
local. Mas uma coisa é clara: estamos longe do retrato encontrado
na igreja primitiva. Alguns se orgulham por experimentar o
pentecoste de novo. Precisamos também reexperimentar a liber­
dade eclesiástica do Novo Testamento

O IMPORTANTE E O IMPORTANTE
Há duas verdades quase paradoxais.
Por um lado, as formas e estruturas da igreja são coisas
secundárias. O poder do evangelho de Jesus Cristo e a atuação do
Espírito Santo são muito mais do que os vasos visíveis em que o
Deus Trino habita. No sentido primário, não importam a
denominação, organização, forma ou estrutura da igreja local.
Onde existe pregação das verdades básicas da Bíblia, onde há fé
e compromisso, onde pessoas buscam a presença do Senhor e
esperam Sua resposta em oração, onde pessoas obedecem à
Palavra e vencem o pecado, ali o Deus Vivo na Sua misericórdia
está atuando. O ponto interessante é que, no decorrer da história
cristã, as épocas em que as igrejas mais se preocupavam com sua
própria eclesiologia eram as épocas em que a igreja era espiri­
tualmente mais fraca. A estrutura, a organização e o ritual,
portanto, quase sempre ocupam o segundo lugar no Novo Testa­
mento.
Por outro lado, o estudo da igreja incluindo suas formas,
ainda é muito importante. Certos elementos da igreja local são
absolutos prescritos no Novo Testamento: no mínimo, uma
liderança qualificada, o batismo e a ceia do Senhor. Esses são
inegociáveis. Igualmente importante, da perspectiva prática, é que
a forma da igreja local é necessária para concretizar os propósitos
de Deus na vida de seus membros. Ela deve facilitar o
aperfeiçoamento de cada membro para que ele ande como Cristo
nesse mundo.
Além disso, a aparência e a forma da igreja refletem, para o
mundo, o tipo de Deus que adoramos. Ele é um ditador espiritual
sobre ovelhas passivas? E sorridente, buscando continuamente ser
aceito pelo povo? Ele é austero, sempre negativo, não gosta da
gente? Animador celestial de festas, com gritos, danças e aleluias?
Ele é desorganizado? Superorganizado? Só gosta do antigo? Só
gosta do novo? É intolerante? Supertolerante? Deus só quer nosso
dinheiro? Ama só quem tem terno, gravata ou usa roupas da
moda? Ama o favelado e o pobre? Por meio das formas e do
funcionamento da igreja local, a nossa aparência leva infmidades
de informações sobre a natureza do Deus que dizemos servir.
Infelizmente, muitas vezes são justamente essas coisas externas
que mais ofuscam as Boas Novas de Jesus Cristo.
A forma da igreja local representa Deus neste mundo. Assim,
conquanto não seja a mais importante das doutrinas cristãs, nossas
conclusões sobre a igreja são extremamente importantes. São
repletas de conseqüências que tocam a vida de cada cristão.
Convém-nos, então, reestudar a essência e a natureza da
igreja nas Escrituras. Depois de defmir o que é a igreja no Novo
Testamento, consideraremos as implicações da Igreja como o
Corpo de Cristo para as formas e funcionamento da igreja local
de hoje.

O QUE É A IGREJA?
Definições
A palavra igreja é proveniente do grego, ecclesia (èkkà,tioíu),
literalmente, “os chamados para fora” (ekkaleo). No uso clássico
e na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento),
ecclesia significa “reunião”, “assembléia oficial”, “congregação”,
grupo de soldados, exilados, religiosos ou anjos. Em Atos 7:38, a
palavra denota a “congregação” dos israelitas com Moisés no
deserto {cf. Nu 14:3, 4). Em Atos 19:32 e 40 (41), ecclesia fala da
assembléia tumultuada contra o apóstolo Paulo em Éfeso; Atos
19:39 refere-se à assembléia oficial e jurídica que devia governar
a cidade.
No entanto, das 115 ocorrências da palavra ecclesia no Novo
Testamento, 111 referem-se ã igreja cristã. É interessante que,
exceto por dois versículos (Mt 16:18 e 18:17), não se vê o termo
ecclesia nos evangelhos, embora aparentemente a palavra fosse
usada o bastante para os discípulos não a estranharem. É depois
do pentecoste que vemos o florecimento do uso e do conteúdo do
conceito de igreja: em Atos, ecclesia é usada 23 vezes; nas cartas
de Paulo, 62 vezes; em Hebreus, duas vezes; em Tiago, uma; em
3 João, 3 vezes; e em Apocalipse, 20 vezes (19 em Ap 1-3). Esta
base, a meu ver, é uma chave para entendermos melhor o signifi­
cado da palavra para os nossos dias.
Existem quatro usos de ecclesia relacionado à igreja cristã no
Novo Testamento:
1. Reunião. De vez em quando, descreve um culto ou
conjunto de cristãos: “quando vos reunis na igreja” (1 Co 11:18;
cf. 14:4,19,28,34). Aqui, não se refere a um lugar ou prédio, mas
a um agrupamento de pessoas eom o propósito de cultuar e ter
comunhão, juntos. Então, nesse sentido, quando a reunião
termina, a ecclesia não existe mais. Observamos que a Bíblia nunca
usa a palavra igreja para um prédio ou templo — que talvez seja
o significado mais usado hoje, no dia-a-dia.
2. Igreja local O uso mais numeroso de ecclesia é para uma
congregação ou comunidade local de cristãos (At 8:1; 11:22, 26;
Rm 16:1; plural em 1 Co 11:16, 22; 1 Ts 2:14 etc.). Em contraste
com a idéia acima, aqui o foco está no povo e não na reunião. A
maioria das epístolas do Novo Testamento são enviadas para
igrejas locais (1 Co 1:2; 2 Co 1:1; 1 Ts 1:1), como também as
cartas às sete igrejas de Apocalipse 2-3.
3. Cristãos de uma região. Ocasionalmente, ecclesia envolve a
totalidade de cristãos numa área geográfica, por exemplo, “a igreja
da Ásia” (1 Co 16:19) ou “a igreja... [que] tinha paz por toda a
Judéia, Galiléia e Samaria” (At 9:31). Este uso provavelmente
abrange todas as igrejas locais de uma região. Mas também se
aproxima da quarta definição: a de uma igreja composta de todos
os verdadeiros cristãos. Notamos, aqui, que a idéia de igreja como
uma denominação (Igreja Quadrangular, Igreja Presbiteriana,
Igreja Anglicana) não existe no Novo Testamento. Quando se fala
da igreja nessa definição, não se pensa em distinções doutrinárias
ou organizacionais mas apenas em proximidade geográfica. Isso
quer dizer que se a Bíblia falasse da “ecclesia de Recife”,
envolveria todos os verdadeiros cristãos daquela cidade.
4. O Coipo de Cristo. O significado mais profundo e
extraordinário da palavra ecclesia é a Igreja universal, o Corpo de
Cristo. A igreja, nesta definição, é o organismo espiritual composto
de todos os regenerados através da fé em Cristo. Jesus Cristo é a
cabeça da Igreja, que é “o seu corpo” (Ef 1:22-23; 4:15-16; Cl
1:18, 24; cf. 1 Co 12:12-27). Neste sentido, a Igreja universal é a
única verdadeira igreja, incorporando todos os verdadeiros
cristãos. Nesse nível, a Igreja é uma entidade espiritual e não
possui forma. As igrejas locais pertencem ao Corpo de Cristo na
medida em que elas têm membros realmente convertidos (algo
que de fato somente Deus sabe). Deduzimos que nenhuma igreja
local e nenhuma denominação reflete perfeita ou adequadamente
a plenitude da Igreja, Corpo de Cristo.
Esses quatro significados de ecclesia no Novo Testamento já
indicam que as duas concepções de igreja mais comuns hoje —
denominação e prédio — são alheias aos conceitos neotesta­
mentários. As palavras desenvolvem-se com o tempo, e os usos
populares da palavra igreja não são necessariamente errados. Mas,
por causa dos nossos preconceitos sobre o que é igreja, temos a
tendência de distorcer o que os autores bíblicos estavam querendo
comunicar.
Se a idéia da Igreja universal é a mais profunda e abrangente
dos significados de ecclesia no Novo Testamento, é importante
refletir sobre o conceito deste Corpo de Cristo. Começamos,
então, esclarecendo a natureza da Igreja universal, observando
também algumas implicações para as formas das nossas igrejas
locais.

A IGREJA UNIVERSAL
Há divergências e diálogo saudável entre as tradições cristãs
sobre a natureza da Igreja universal. Mas todos concordam que há
certas distinções entre o Antigo e o Novo Testamento, entre a
maneira em que o reino de Deus operava através de Israel e
depois, através da igreja de pentecostes.

A Natureza Descentralizadora da Igreja


Se o pentecoste fosse uma nova atuação de Deus na história,
então pressuporia diferenças entre a forma de cultuar a Deus em
Israel e na Igreja.
Adoração Centralizadora. No testamento hebraico, com o
estabelecimento da monarquia de Israel, a adoração e o serviço a
Deus ficaram orientados em torno de Jerusalém. As nações foram
convidadas a reconhecer Israel como o mediador de Deus na
terra. Para cultuar o verdadeiro Deus, os gentios deviam chegar
a Israel — e não apenas a Israel mas a Jerusalém (1 Cr 16:23-29;
SI 96). De maneira semelhante para o próprio judeu, o culto foi
orientado à Cidade de Sião, ao templo e ao Santo dos Santos.
Havia uma hierarquia de levitas, sacerdotes e sumo-sacerdotes que
se tornaram os mediadores entre Deus e o homem. Eles eram
especialistas e profissionais na Lei Mosaica acerca das cerimônias
e dos sacrifícios. Havia dias especiais, festas religiosas e o sábado,
que marcavam, diante das nações, a aliança entre Israel e Deus
(Êx 31:13-17). Para o israehta, pelo menos em princípio, o exterior
era a concretização do interior. As realidades físicas eram os
meios de expressar vividamente sua fé e adoração ao Senhor
Deus. Em tudo isso, essa forma de adoração foi detalhadamente
prescrita pelo próprio Senhor Deus na Lei. Era o que Jeová
exigia.
Essa maneira de cultuar e servir a Deus era centralizadora.
Centralizava-se racialmente nos judeus. Centralizava-se geogra­
ficamente em Israel, Jerusalém, o Templo e o Santo dos Santos.
Centralizava-se temporalmente no sábado e em certas festas reli­
giosas. E centralizava-se na hierarquia religiosa mediadora, pois
sem os sacerdotes era ilícito oferecer sacrifícios.
Adoração Descentralizada. Quando vemos a Igreja do Novo
Testamento, descobrimos a extraordinária inversão desta forma
antiga do reino de Deus.
a. O povo. Em vez de centralizar-se nos judeus, a Igreja se
tornou universal para todos os povos, sem discriminação ou
favoritismo. Agora existe uma nova raça eleita, uma nova nação
santa, uma comunidade espiritual (1 Pe 2:9). Temos filiação direta
com Deus.
b. O lugar. Em vez de centralizar-se geograficamente em
Israel, Jerusalém e o templo, os cristãos foram mandados de
Jerusalém para Judá e Samaria, até os confms da terra. O culto ao
Senhor não se restringe mais ao templo. E hoje, não se restringe
ao prédio da igreja e, de uma certa forma, nem mais se centraliza
ali. Esquecemos que, na igreja primitiva, com poucas exceções,
não havia prédios especiais para reuniões. No Corpo de Cristo, a
geografia já não é importante. Onde está um cristão, ou onde dois
ou três deles se encontram, ali há o templo de Deus. A Igreja,
Corpo de Cristo, é o templo espiritual de Deus (1 Pe 2:5).
3. O dia. Em vez de centralizar-se temporalmente no sábado
e nas festas judaicas, a fé cristã se tornou algo a ser praticado no
dia-a-dia, liberando o cristão para escolher quando adorar (Rm
14:5-6). É interessante que as prescrições do concilio de Jerusalém
para as igrejas gentias deixou fora qualquer referência ao sábado.
Existem razões pragmáticas e históricas para guardar o domingo
como um tipo de “sábado cristão”. Mas não há nenhuma base
neotestamentária para aplicar o quarto mandamento ã esta prá­
tica. H á liberdade quanto ao dia.
4. O clero. Finalmente, em vez de centralizar-se numa hie­
rarquia sacerdotal, cada cristão é declarado sacerdote, com acesso
direto ao Deus Pai através de Jesus Cristo (1 Pe 2:5). O Novo
Testamento destaca a necessidade de liderança exercida por
bispos, presbíteros, pastores e anciãos (todos essencialmente
sinônimos, cf. At 20:17, 28; 1 Pe 5:1-4), e também de diáconos (1
Tm 3:8-11). Mas a liderança não é sacerdotal como no Antigo
Testamento. O líder neotestamentário não afunila todos os
esforços e recursos do rebanho para a igreja local (ou para os
planos dele). Ele não assume uma posição de rei ou sacerdote,
nem executivo ou chefão. Ao contrário, a liderança foi concedida
ao Corpo de Cristo para aperfeiçoar cada membro da igreja como
sacerdote neste mundo (Ef 4:11-16). Ela equipa e liberta os
membros para servirem o Senhor nas diversas atividades da vida.
E ainda que o líder trabalhe mais em sua igreja local, isso jamais
exclui sua contribuição para outros cristãos, qualquer que seja a
denominação. A obrigação bíblica é de contribuir para o Corpo de
Cristo, não só para um círculo fechado (Veja a figura).
Portanto, ao contrário do Antigo Testamento, a Igreja eristã
é um organismo eentralizado somente em Jesus Cristo e
earaeterizado eada vez mais no Novo Testamento por sua
descentralização terrestre. O povo, o templo, o dia e, de uma certa
forma, o próprio clero são periféricos aos propósitos centrais da
igreja — que logo vamos explorar.
Mas será que é assim que funciona a igreja evangélica de
hoje? As suas formas estão equipando os santos para viverem
Cristo no mundo? Para serem verdadeiros irmãos e irmãs
espirituais de outros irmãos? Para viverem diariamente na
presença do Senhor? Ou será que, como pastores, estamos mais
preocupados em construir nossos templos? Canalizar a energia dos
membros para os cultos-e programas da igreja local? Assegurar a
fidelidade denominacional?
Perdemos, em boa parte, a visão da Igreja apresentada no
Novo Testamento. Como conseqüência, muitas formas da igreja
local de fato atrapalham a verdadeira obra de Deus neste mundo.
Os métodos centralizadores das nossas igrejas locais muitas vezes
contradizem a direção descentralizadora do Novo Testamento.
O que Aconteceu? Por que a igreja cristã acumulou tantos
fardos em torno de coisas como o prédio, o domingo, o culto e o
clérigo? A questão não é fácil.
Com a igreja separando-se do judaísmo, aumentou cada vez
mais a tendência de ver a Igreja como um novo Israel. Orígenes
no meio do século III declarou que o Antigo Testamento era um
livro pagão, redimido apenas pela espiritualização do seu
significado para a igreja cristã. Naquela época, grande parte da
igreja rejeitou a espiritualização radical do texto bíblico promovida
por Orígenes. Mas com o tempo, vendo os judeus endurecidos
contra o evangelho e dispersos no Império Romano, tornou-se
difícil atribuir qualquer valor a Israel.
A partir de 312 a.D., com as vitórias e suposta conversão de
Constantino, a religião oficial do Império Romano tornou-se
cristã. A igreja foi unificada com o estado. Logo, financiados pelos
impostos do império, foram construídos catedrais e centros
cristãos de porte nunca imaginados. Depois de Roma ter sido
saqueada pelos visigodos, no início do século V, Agostinho adotou
a hermenêutica espiritual Üe Orígenes com respeito aos ensinos
para Israel ha Bíblia. Embora interpretasse outras partes da Bíblia
de uma forma relativamente histórico-gramatical, Agostinho, em
seu livro A Cidade de Deus, popularizou a interpretação da Igreja
Católica como o novo Israel e de Roma como a Nova Jerusalém.
Como se vê no papa Gregório no século VI e em outros, a
religião cristã ficou cada vez mais centralizada numa igreja física,
hierárquica, geográfica, temporal e sacerdotal. O que pertencia a
Israel no Antigo Testamento — conceitos como sábados, dízimos,
sacerdotes, sacrifícios (a missa), templos, altares e rituais
elaborados — infiltrou na igreja institucional, usurpando o lugar
da Igreja como o Corpo vivo de Cristo.
Um milênio depois, embora a reforma protestante se voltasse
em parte para princípios neotestamentários — sola gratia, sola
fides, sola scripturae e o sacerdócio de cada cristão — uma boa
parte da prática continuou veterotestamentária e católica.
As igrejas evangélicas brasileiras são herdeiras dessa tradição.
Como temos visto, servir a Deus quer dizer servir na “casa do
Senhor”, no “sábado cristão”, no “culto”, com especialistas
religiosos para mediar a vontade de Deus para nós. Pragma­
ticamente há várias coisas positivas nesta tradição. Ela funciona,
pelo menos em parte. No entanto, dessa forma o pensamento
sobre a igreja evangélica e, então, as formas adotadas continuam
indiferentes ao Novo Testamento.
Temos visto que o conceito do Corpo de Cristo no Novo
Testamento, na maior parte, se destaca por ser não-nacional, não-
geográfico, não fixado em dias especiais, e não-sacerdotal. É uma
entidade espiritual, um organismo vivo controlado por Jesus
Cristo, que então o mobiliza através da igreja local. Vamos
explorar mais as implicações práticas de entender a igreja local
como a forma que encarna o Corpo de Cristo no mundo.

A IGREJA LOCAL
Ao destacar a Igreja universal como o quadro maior, através
da qual interpretamos a igreja local, não pretendo diminuir a
importância da igreja local. A intenção é ver a igreja local, não
como um absoluto em si ou um meio exclusivo para servir a Deus,
mas como a forma fmita para realizar os propósitos do Corpo de
Cristo no mundo. Nesta altura, é importante defmir o que é a
igreja loeal e os seus propósitos fundamentais vistos no Novo
Testamento. Tendo explorado as distinções entre o Corpo de
Cristo e Israel, e entre a Igreja universal e a igreja local, chega­
remos a algumas conclusões sobre a forma e o funcionamento das
igrejas locais.

Definição Prática
A igreja loeal é um grupo de pessoas que confessam sua fé em
Cristo, foram batizadas e se oiganizaram para fazer a vontade de
Deus. Isso implica pelo menos cinco aspectos relacionados com
sua forma.
1. É um gmpo que confessa fé em Jesus Cristo. A igreja local
compõe-se de pessoas que se dizem cristãs e que subscrevem
alguma declaração doutrinária. Se não professar fé em Cristo
como o Senhor, a pessoa é excluída. Está implícito na parábola do
trigo e o joio (Mt 13:24-30), porém, que a igreja local pode incluir
os não-convertidos (apesar das suas confissões). Pastor emérito da
maior igreja da América do Norte, W. A, Criswell, certa vez
declarou que talvez 75% de sua congregação de 30 mil pessoas
não fosse realmente convertida. Provavelmente a maioria das
igrejas locais, quaisquer que sejam as precauções, inclui os
convertidos e os não-convertidos.
2. Exige o batismo. Qualquer que seja o modo ou a idade do
batismo, as igrejas da história cristã, com quase nenhuma exceção,
exigem o batismo para a membrezia. O padrão do Novo
Testamento não admite nenhum membro na igreja local que não
seja batizado.
3. Implica membros. Qualquer entidade social exige compro­
misso, seja através de uma membrezia oficial ou apenas funcional.
Q rol de membros de hoje parece mais uma formalidade pragmá­
tica do que uma realidade bíblica. Mas o fato é que nas próprias
igrejas neotestamentárias havia organização suficiente para
determinar vários níveis de liderança, para enviar cartas de
recomendação em favor de membros em trânsito e para disciplinar
e expulsar participantes desviados. A membrezia é uma forma de
compromisso com a congregação local e, em alguns casos, com a
denominação.
4. Envolve organização. Qualquer igreja, das mais anti-
institucionais às mais hierárquicas, têm organização. Pode ser boa
ou ruim. Mas é impossível funcionar como comunidade sem
organização.
Entretanto, existem dois extremos. Num lado, há igrejas que
zombam da organização e só querem “depender do Espírito
Santo”; estas raramente sobrevivem mais do que alguns anos. No
outro, algumas igrejas e denominações ficam tão regimentadas, tão
corporativas, que não deixam viver a comunidade cristã.
Descaracterizam o próprio Deus da Igreja — Aquele que é
ativamente tri-pessoal. Embora a organização seja necessária, deve
ser flexível, pondo-se à disposição do Cabeça, Jesus Cristo, e da
atuação do Espírito.
Em minha opinião, há uma clara evolução de organização
eclesiástica a partir do pentecoste até o Apocalipse. Os detalhes
podem ser debatidos. O ponto é o seguinte. Não há uma estrutura
eclesiástica no Novo Testamento, mas uma pluralidade de
modelos. Isso é instrutivo. É possível que uma estrutura ou outra
esteja mais próxima do quadro geral do Novo Testamento. Mas há
uma flexibilidade de forma e organização vista em toda a igreja
primitiva. Isso nos liberta para criar e experimentar diversas
formas e modelos de igrejas. Concluímos que o absoluto não é a
forma ou a estrutura. A forma da igreja existe para servir a
propósitos maiores.
5. A igreja local existe para fazer a vontade de Deus. Quais são
os propósitos de Deus para a igreja local quanto ao seu
funcionamento no dia-a-dia? O coração da nossa eclesiologia
prática depende da resposta a esta pergunta. As formas, a
estrutura, os métodos que usamos devem se desenvolver a partir
daqui. Isso merece um estudo mais profundo.

A s Funções Dinâmicas da Igreja Neotestamentáría


Os tratados teológicos acerca da igreja local geralmente
começam com uma discussão das diversas estruturas eclesiológicas.
Assim, o que identifica a igreja local é sua organização. Mas a
Bíblia não faz isso. As Escrituras, como se vê plenamente em Atos
2:42-47, começam eom as atividades que brotam de um povo
habitado pelo Espírito Santo. Vemos ações vitais e comunitárias
de uma igreja respondendo à Cabeça do Corpo. Em minha
opinião, são essas funções poderosas — e não o templo, o dia, o
culto, o clero ou a organização — que mais identificam a essência
da igreja local no Novo Testamento. Passando de Atos até o fím
do Novo Testamento, discernimos quatro categorias de atividades
da igreja local: adoração, aprendizagem, comunhão e evange­
lização? Sem diminuir o ensino neotestamentário sobre a orga­
nização, são estas funções dinâmicas que mais aparecem como os
constantes e absolutos da igreja loeal.
1. Adoração. Desde o início, a igreja foi marcada pelo louvor
Os convertidos “perseveravam... nas orações” (At 2:42); “havia
temor” (2:43); “partiam pão de casa em casa” (2:46), “louvando
a Deus” (2:47). Vemos essas atividades expandidas no decorrer do
Novo Testamento, a ceia sendo o santo dos santos do cristão (1
Co 11:23-33). Havia várias formas de louvor e oração (At 13:3; Ef
5:18-20; 6:18), o povo sendo o templo vivo da presença divina.
Como a noiva de Cristo, a igreja primitiva era marcada por
seu amor criativo perante Deus. Ser criativo quer dizer ser
inovador e, ao mesmo tempo, autêntico no que somos como igreja.
Muitas vezes, as nossas igrejas evangélicas fícam por demais
embrulhadas em questões periféricas como o tipo de música, bater
palmas, levantar mãos e copiar outros. H á muito mais que pode
ser feito. Podemos criar novas formas de adoração que expressem
as profundezas do que nós somos como corpo local.
No Rio Grande do Sul, as igrejas da Aliança Bíblica praticam
uma forma da ceia do Senhor muito marcante nos retiros. No
meio do círculo de membros assentados, colocam-se uma mesa
comprida com vários conjuntos de cálice e pão, cada um
acompanhado de duas cadeiras. O período começa com cânticos
e orações espontâneas. Logo, livremente, um indivíduo levanta e
escolhe outro, levando-o à mesa para orarem juntos. Não é
incomum acontecer confissão mútua de pecado — de atritos,
ofensas, desacordos. Os dois juntos, quietos, no meio do círculo
(a maioria ainda cantando), agora com alguns outros pares
também à mesa, servem uns aos outros os elementos da ceia. Eles
oram juntos e voltam ao círculo. Esses momentos levam a igreja
local à presença do Senhor. São tempos de purificação corporal e
de fraternidade profunda através desta forma de santa ceia. ^
Em vez de reduzir a adoração apenas à mtísica e à oração,
temos a liberdade de experimentar outras formas que criem
condições para a igreja se deleitar no seu Senhor. O louvor é a
ocupação e chamada eterna da igreja. É seu propósito absoluto.
2. Aprendizagem. “E perseveravam na doutrina dos apóstolos”
(At 2:42). Diante do negativismo dos evangélicos brasileiros em
relação à teologia, é surpreendente ver como o Novo Testamento
fala de ensino, doutrina e exemplo. Jesus é chamado de mestre
(hb. rahoni; gr. didaskalos) 42 vezes. As palavras relacionadas com
ensino (didaquê) repetem-se mais de 175 vezes no Novo Testa­
mento — quase sempre no sentido positivo. Só em 1 e 2 Timóteo
vemos mais de 50 referências ao ensino, instrução, doutrina e
exemplo, visando vidas mais consagradas e firmes no Senhor.
Conhecer a Palavra de Deus é fundamental para a vida cristã. É
nossa porta para conhecermos o Deus da Palavra. O culto deve
levar o cristão a uma nova aprendizagem relevante à sua vida
cristã.
Mas o ensino no Novo Testamento envolve muito mais do
que didaquê, ou a instrução didática. Aprendemos também através
áe. discipulado, exemplos da fé (modelos de solteiro, jovem, família,
profissional, missionário) e participação direta no ministério. Fazer
discípulos é o imperativo cristão, e isso não significa que criamos
nossos próprios discípulos, mas que por diversos meios treinamos
outros a seguir ao Senhor, ouvir a Sua voz, conhecer a Bíblia e
obedecer a ela. A escola dominical tem suas virtudes, mas a igreja
local possui a capacidade de desenvolver muitas outras formas
alternativas para transmitir as verdades da fé cristã. A
aprendizagem é o que orienta e motiva as outras três funções.
3. Comunhão. “E perseveravam... na comunhão” (At 2:42),
‘todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum”
(2:44), e “tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de
coração” (2:46). A palavra koinonia (“comunhão”) descrevia o
relacionamento conjugal no antigo mundo grego. Várias vezes no
Novo Testamento, ela se refere à nossa comunhão com Deus (1
Jo 1:3-7). Mas, geralmente, koinonia fala do nosso relacionamento
com outros cristãos. É interessante que, no Novo Testamento, há
mais imperativos que se referem à nossa comunhão uns com os
outros do que aos nossos deveres no mundo ou até ao nosso
relacionamento direto com Deus. Isso implica que meu rela­
cionamento com o Senhor é medido mais pelos relacionamentos
com outros cristãos do que por qualquer outro fator {cf. 1 Jo 3:23;
47:7, 20).
A igreja loeai, através de oração e planejamento, precisa
des;envolver novas formas para encorajar a comunhão genuína.
Um corpo local planejou um retiro para estudar o que significa
“servir uns aos outros”. Foi incluído um tempo para lavar os pés
uns dos outros. Não houve nada de especial. Uma mangueira,
grama, o sol, e um círculo de talvez 35 pessoas. Poucos esquecerão
o que o Senhor fez no meio deles. Uma moça levou outra pelo
braço, chorando, pedindo perdão por ter ciúmes, as duas se
abraçaram e lavaram os pés uma da outra. Com lágrimas, um pai
acompanhou seu filho de seis anos e lavou os pés dele,
prometendo ser melhor pai no Senhor. Quase todos lavavam os
pés uns dos outros. No entanto, um motociclista, jaqueta de couro,
ficou meio afastado do círculo. Finalmente alguém o levou ao
meio do círculo com uma afirmação de amor e compromisso. O
homem chorou como criança. Nunca fora aceito e amado como
naquele momento. Hoje, depois de se formar no seminário, esse
irmão é missionário brasileiro na Rússia.
Seja um dia de trabalho para ajudar uma viúva, ou uma noite
de vigília para interceder por parentes não-cristãos, ou confe­
rências que congreguem várias denominações, hoje, há muitas
opções para aprofundar uma verdadeira koinonia. A comunhão re­
vela o amor de Deus uns aos outros. É a realização parcial do
reino eseatológico de Cristo.
4. Evangelização. Atos 1:8 é o mandato de Jesus para dis­
seminar o evangelho por todo mundo. Em Atos 2, Pedro já pre­
gou o evangelho na praça em Jerusalém e logo três mil pessoas
foram batizadas. Daí lemos “... e contando com a simpatia de todo
o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os
que iam sendo salvos” (At 2:47). Atos recorda a unção da igreja
primitiva ao espaliiar as boas novas via pregação, testemunho,
viagens missionárias e martírio. Além disso, vemos outras formas
de evangelização no NT: boas obras (Tt 3:1, 2, 8, 14), prática do
bem e a mtítua cooperação (Hb 13:16), visita aos órfãos e viiívas
(Tg 1:27), procedimento exemplar no meio dos incrédulos (1 Pe
2:12) e prontidão para responder a todo aquele que nos pedir a
razão da nossa esperança (1 Pe 3:15). Em Atos 2, vemos o
testemunho cotporal, uma evangelização pelo próprio modo de ser
da primeira igreja local. Um grupo de cristãos que está
experimentando adoração, aprendizagem e comunhão exerce uma
atração magnética nas pessoas que estão procurando a verdade.
Existem ainda muitos meios não explorados de apresentar o
evangelho no meio do mundo. Ou seja, formas evangelísticas que
podem alcançar, pelo poder do Espírito, as diversas sub-culturas
do Brasil, e também do mundo. A evangelização é a grande
comissão da igreja local nesta terra e traz a cruz à vida de cada
cristão.
Nestas quatro funções principais, com suas dezenas deformas
no Novo Testamento, vemos refletida a vontade de Deus para a
igreja local. Certamente existem outros propósitos, por exemplo,
escatológicos. Existem, também, outras diretrizes específicas
quanto a certas formas da igreja, como o batismo, a ceia, a
liderança e a disciplina dos que caem em pecado. Mas tomando
em consideração o porquê da igreja local e as atividades semanais
das nossas congregações, estas funções em geral englobam
virtualmente tudo que os corpos locais devem fazer.

RUMOS PARA UMA IGREJA NEOTESTAMENTÁRIA


O propósito deste ensaio foi de delinear uma estrutura
teológica para a igreja, definindo a ecclesia, sua essência, suas
funções e traçando suas implicações. No Novo Testamento, a
palavra igreja é definida de duas maneiras principais e
relacionadas: primeiro, como a igreja local e, segundo, como a
Igreja universal, o Corpo de Cristo, a entidade espiritual que inclui
todos os regenerados em Jesus Cristo. Assim, a Igreja universal é
o absoluto conceituai que determina os propósitos da igreja local.
Se o que vimos até aqui reflete relativamente bem os alieerees da
igreja no Novo Testamento, então, as seguintes diretrizes podem
orientar melhor as formas e atividades da igreja local.
1. A essência da igreja local. Quanto à vivência prática, o
propósito da igreja local é de encarnar o Corpo de Cristo na terra,
fazendo a vontade de Deus. Essa vontade de Deus não se
ctxúxdiMm nas formas de estrutura, templo, domingo, culto, pastor,
mas ndiS,funções dinâmicas de adoração, aprendizagem, comunhão
e evangelização. Isso exige primeiramente uma nova visão dos
propósitos do corpo local.
2. Formas sem função. Se a igreja local não está desenvol­
vendo no sentido primário as atividades que caracterizatfi a igreja
local do Novo Testamento, ela está fora da vontade e dos
propósitos de Deus. Num sentido, tal igreja está desqualificada
como verdadeira igreja cristã. Assim como o corpo físico sem vida
não é mais uma pessoa humana, a forma eclesiástica sem as
funções vitais também não é mais a igreja neotestamentária. A
igreja perdeu sua alma, sua identificação experiencial e sua razão
de ser.^
3. Desequilíbrio funcional. Muitas igrejas e denominações
exageram uma função em detrimento das outras. Elas andam com
três, duas ou apenas uraa função, assira corao ura carro forçado a
andar sera alguns cilindros. Certas igrejas só evangelizara, raas não
têm nenhuraa aprendizagem ou comunhão significativa.-úuíras
igrgjas só adorara através de liturgias formais, mas pouco
experimentam da realidade da evangelização ou da comunhão.
Outras priorizam a comunidade, raas são fracas nas áreas de
aprendizagem.. e..testemunho. E ainda outras enfatizam o
conheciraento e a doutrina, raas carecera da alegria no louvor.
-conumhão e_. e^YangelL^^ Conquanto cada igreja reflita uma
certa personalidade e identidade saudável, é urgente buscar um
equilíbrio bíblico no corpo local. Comeceraos cora uraa auto-
avaliação honesta das nossas atividades diante das funções
neotestaraentárias aciraa. E então, diante de Deus, planejeraos
corao criar condições para fortalecer as funções raais fracas.
4. Função sobre fotma. Em contraste com o Antigo, no Novo
Testamento as forraas eclesiásticas existem basicaraente para
realizar as funções básicas prescritas para a igreja, em qualquer
época ou lugar. Portanto, sendo transcultural, a igreja local pode
c deve adaptar suas formas ao povo e às novas gerações. A
adaptação externa é necessária para preservar as funções da igreja
local e para comunicar melhor o conteúdo do evangelho em nossos
contextos variados. Ao mesmo tempo em que protegemos as
instruções bíblicas sobre ordenanças, liderança e disciplina, e
mantemos o melhor das nossas tradições eclesiásticas, somos
obrigados a reconstruir as formas da igreja local para cada cultura
e cada geração.
Diante das atividades da nossa igreja, devemos parar e
perguntar: quantas horas são gastas em comitês, subcomissões e
burocracia eclesiástica? Quanto recurso humano e financeiro
colocamos para construir e manter nosso templo e prédios? E o
coro, grupos musicais ou orquestras da igreja? E as outras mil
coisas que enchem as agendas mensais da igreja e pouco
contribuem para a verdadeira adoração, comunhão etc. ? O pior
resultado de um calendário abarrotado é que, dessa forma,
declaramos aos nossos membros e ao mundo não-cristão que é
assim que servimos a Deus! Que o programa da igreja local é
idêntico ao propósito do Corpo de Cristo. Que ser religioso é ser
cristão. Que atividade é ministério.
5. Funcionalidade e denominações. Embora não sejam
essenciais ao funcionamento da igreja local, as estruturas
denominacionais têm seu lugar na coordenação e supervisão das
igrejas locais. Certamente há coisas valorosas em cada tradição —
tanto na área prática quanto na teológica. Mas devemos
reconhecer que organizações, programas, modelos, liturgias, estilos
e literatura vão desaparecer. Quando as tradições se tornam
ineficientes diante dos propósitos de Deus, é necessário mudá-las
ou desmontá-las. Isso exige uma refiexão crítica sobre a política
denominacional diante da Bíblia. E, a meu ver, as denominações
têm de encorajar e experimentar novas formas de igrejas locais,
para que haja futuras opções na própria denominação — opções
orientadas segundo as funções neotestamentárias. Se não,
podemos perder a essência da igreja, preservando a casca.
6. A s igrejas e a Igreja. A Igreja universal (e não a
denominação) é o absoluto pelo qual entendemos as igrejas locais.
Cada verdadeira igreja evangélica local — não importa a placa —
pertence à família de congregações finitas que representam o
Corpo de Cristo no mundo. Vejo aqui duas implicações claras. No
nível individual, se eu não posso experimentar koinonia
transdenominacional com outros evangélicos convertidos, algo está
profundamente errado. Há pecado em algum lugar.
No nível eclesial, lembramos que nenhuma igreja local
representa perfeitamente o Corpo de Cristo. Talvez uma igreja
ganhe nota nove, outra sete e outra dois. Mas nenhuma recebe a
nota dez. Em vez de nos comparar com a igreja vizinha,
criticando-a ou proibindo nossos membros de ter comunhão com
os de lá, temos todo motivo teológico para ajudar umas às outras
— da mesma forma como, dentro de uma igreja, um irmão mais
forte vai querer ajudar um mais fraco. Não falamos, com isso, de
união ecumênica. Podemos manter as nossas distinções. Mas
quando entendemos a verdadeira igreja como o Corpo de Cristo
que reúne todos os novos nascidos, mudamos radicalmente nossa
atitude em relação às outras igrejas evangélicas. Não são
adversárias. Não são desviadas ou heréticas. São grupos de pessoas
com experiências e tradições diferentes de nós, que estão tentando
cumprir a vontade de Deus nesse mundo. Podemos tomar a
iniciativa de ajudar outras igrejas. E podemos admitir a ajuda
delas em nosso meio, sem medo. Algo muito maior do que as
nossas diferenças está em jogo. Todos os regenerados pertencem
ao Corpo de Cristo. Rejeitar a comunhão com um irmão é, de
alguma forma, rejeitar Cristo.
7. Visão descentralizadora da igreja local Ao contrário do
método do Antigo Testamento onde tudo fluía para um povo, um
centro geográfico, um dia e uma casta sacerdotal, o Corpo de
Cristo é a entidade espiritual viva que opera no mundo. A igreja
local deve também refletir esta perspectiva descentralizadora. Isso
já implica evangelização e missões.
Mas diante das formas e atividades da igreja local, isto
implica muito mais. Quantos irmãos trabalham seis dias por
semana, chegando à igreja no domingo de manhã para a escola
dominical e o culto, e à tarde visitação, mocidade ou coro, e
depois culto evangelístico da noite, voltando exaustos para o
trabalho na segunda-feira! A visão descentralizadora destaca que
a igreja local não é o centro de tudo para a vida cristã. Ela não
esgota toda a energia dos membros em suas próprias atividades.
Devemos ensinar nossos membros a se alimentar da Bíblia e a
assumir seu papel sacerdotal e filial. Devemos incentivar para que
tenham um bom tempo com suas esposas, filhos, pais e parentes.
Devemos ajudar o cristão a pensar sobre como ele pode alcançar
seus conhecidos com o evangelho, ou abrir sua casa para outros,
dando um testemunho cristão. A visão descentralizadora quer
dizer que a igreja local se esforça para equipar os santos para que
eles sejam sal e luz nos seus lugares. Entende-se que a igreja é
uma comunidade para apoiar, não uma fortaleza para retirar o
cristão do mundo. Ela existe como meio para aperfeiçoar o cristão
e não como o fim em si.
8. Formas e doutrina. Finalmente, repetimos que a mensagem
da igreja local é uma e absoluta — pois é a Palavra de Deus. São
suas aplicações contextuais que vão variar. Resistimos a qualquer
inferência de que a Bíblia já não seja adequada ou, especifica­
mente, que o ensino normativo para a igreja não sirva mais. Ao
contrário, o fato de a Bíblia ser nossa suprema autoridade é o que
nos liberta para voltar às Escrituras e redescobrir as gloriosas
verdades muitas vezes obscurecidas pela tradição e pelo hábito.

As lagartas processionárias morreram. As nossas atividades


e até sucessos podem nos enganar. É possível que, em vez de fazer
a vontade de Deus em nossas igrejas locais, estejamos trabalhando
em vão.
Qual seria a forma de uma igreja sem templo, sem sábado
cristão, sem grande programa de culto e sem clero profissional?
Não diria que seja ideal. Mas não seria menos igreja. Haverá
bastante semelhança com as igrejas perseguidas em diversos países
no mundo do século XX — igrejas vivas, igrejas espiritualmente
fortes, igrejas que experimentam as funções centrais da fé de
maneiras muito diferentes das nossas igrejas locais.
Aqui são apresentados alguns traços de uma eelesiologia
funcional. Não digo uma eclesiologia completa, mas que sugere
uma nova orientação sobre o porquê da igreja local no Novo
Testamento. A maioria dessas idéias não é nova. Mas são
oferecidas para que algumas igrejas possam entrar no século XXI
com uma nova visão da sua razão de ser e da liberdade quanto à
forma que Cristo concedeu a Sua igreja.

NOTAS
'Os quatro paradigmas vêm do Pr. Ed René Kivitz num estudo interdeno-
minacional de pastores em São Paulo; a interpretação dos paradigmas é do
autor.
^Alguns incluem a ação social. Mas, embora o NT exorte o indivíduo a
fazer boas obras e mostrar compaixão no mundo, as exortações e exemplos da
igreja local no NT quase sempre tratam de irmãos na igreja. Não houve ofertas
para ajudar os pobres em Filipos, mas para ajudar os santos em Jerusalém,
suprir as necessidades das viúvas da comunidade cristã, e ajudar missionários
como Paulo. A igreja local deve equipar o indivíduo para que ele se engaje com
paixão no lugar dele no mundo.
’Admitimos que havia igrejas longe do ideal no NT (e.g., Galácia, Corinto,
Sardes); os autores bíblicos não negavam que eram igrejas. Mas assim como um
cristão pode ser desviado e carnal (1 Co 3:1), sem experiência viva da sua
salvação, uma congregação também pode ser uma igreja na forma, mas sem vida
como templo de Deus. Perdeu sua essência funcional.

LIVROS SUGERIDOS
Anderson, Leith. A Church for the 21st Century. Mineápolis: Bethany, 1992.
Getz, Gene A. A Estatura de uma Igreja (Espiritual). Trad. Yolanda M. Krievin.
Miami: Vida, 1982.
Feinberg, John S., ed. Continuity and Discontinuity: Perspectives on the Rela­
tionship Between the Old and New Testaments. Wheaton, IL: Crossway,
1988.
McDaniel, Geo. W. A s Igrejas do Novo Testamento. 4“. ed., Rio de Janeiro:
JUERP, 1982.
Petersen, Jim. Church without Walls. Colorado Springs, CO: NavPress, 1992.
Shelley, Bruce L. A Igreja: O Povo de Deus. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo:
Vida Nova, 1984.
Snyder, Howard. A. The Problem o f Wine Skiits: Chuch Structure in a
Technological Age. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1975.
Stedman, Ray C. Igreja: Corpo Vivo de Cristo. Trad. Walter Schlupp. 3“. ed., São
Paulo: M iSídõCristão, 1985. ^
IV
ESTRUTURA CRIATIVA
NO CONTEXTO METROPOLITANO:
Passos de um Processo de Transformação

Raymond Peter Harms-Wiebe*

Um dia, há muitos anos, um gato perdido passeava na índia.


Por acaso, entrou na área onde um guru e seus discípulos estavam
sentados no chão, meditando. O gato gostou do guru e começou
a se esfregar nas costas dele, ronronando sem parar. Depois de
um tempo, o guru ficou aborrecido com a distração e, pegando
um pedaço de corda dentro do bolso, achou um galho e nele
amarrou o gato até o fínal de sua meditação. Depois da medita­
ção, observando sua filosofia de respeito por toda espécie de vida,
o homem santo alimentou o gato, que logo se tornou ura membro
fixo do grupo. Portanto, para assemelhar-se ao guru, cada
discípulo achou um gato. Em pouco tempo, já havia o ritual de
amarrar um gato num galho antes da meditação. Essa sociedade
para meditação adotou o nome do guru e continou a existir por
gerações depois da morte dele. Mas, no decorrer do tempo, o
caráter da sociedade mudou em sua essência. Depois de alguns
séculos, ela havia montado uma estrutura complexa para a

‘Raymond Peter Harms-Wiebe, M.Div.,é o presbítero coordenadorda Igreja


Evangélica Boas Novas, missionário dos Irmãos Menonitas e auxiliar ocasional
da Aliança Biblica Universitária. Desde o início, este trabalho contou com a
colaboração de um grupo dedicado a orar e se reunir por muitas horas: Jaci
Corrêa Leite, Américo Marques Ferreira, Isabel Caruso Ferreira, Gershon
Herbert Wills, Carmen Hoeschel Wills, Robert Moon Jr., Ruy Bley, Patrícia
Bley, John Paul Macy, Aurair Carulo Melo, José Mauro Melo e outros. Para
maiores informações escreva para: Caixa Postal 18944, Aeroporto de Congonhas,
04699-970 São Paulo, SP.
prevenção da crueldade contra os gatos. Continuava seus períodos
de meditação, mas ninguém sabia explicar por que ela sustentava
sua estrutura de proteção aos gatos.
Infelizmente, muitas vezes a igreja é muito parecida com essa
sociedade indiana. Ela começa uma prática numa determinada
época, a práxis se torna uma tradição sagrada e a tradição
determina valores e estruturas que ninguém se atreve a explicar ou
questionar. Nós, que formamos a comunidade Boas Novas,
entendemos que alguns gatos amarrados precisam ser soltos caso
a igreja queira se contextualizar e se tornar uma força
transformadora na sociedade paulistana.
Os desdobramentos atuais são tão poderosos quanto as
mudanças radicais do século XVI, que levaram os povos da
Europa a participar da Reforma..^ Foi uma época tumultuada de
abertura de novos horizontes e busca de respostas contextualizadas
para questões profundas. Sabendo que o catolicismo medieval era
incapaz de lidar eom a nova realidade, a igreja reformada
procurou devolver ao povo um relacionamento direto eom Deus
e o acesso livre à Sua Palavra. Mas, infelizmente, as estruturas das
novas igrejas, na sua essência, mudaram muito pouco. Os cleros
continuaram a controlar os leigos, exigindo fidelidade, contri­
buições financeiras e freqüência regular aos cultos. O poder e o
conhecimento ficaram nas mãos de religiosos profissionais que
muitas vezes imitaram os seus antecessores medievais. Os que
tentaram mexer com as estruturas pagaram um preço alto.
A comunidade cristã, que se prepara para entrar no século
XXI, precisa passar por uma segunda Reforma, uma reforma
estrutural. Ela precisa ser transformada, antes de pensar em
transformar a sociedade. O que se segue é uma tentativa de
construir uma estrutura contextualizada na classe média
paulistana. A tese deste trabalho é que a estrutura da igreja
precisa se basear na missão bíblica da igreja, ser forjada dentro do
contexto religioso e sociocultural, e servir para facilitar a
implementação da visão específica para a comunidade escolhida.
A MISSÃO BÍBLICA DA IGREJA
Entendemos que a igreja universal de Cristo tem como
missão primordial louvar a Deus. Reunimo-nos como comunidade
para celebrar juntos a nossa vida em Deus (At 2:43-47), expressar
a nossa gratidão a Ele (Cl 3:15-17) e ser renovados pelo Seu
Espírito (Jo 4:23-24). O louvor comunitário verdadeiro nos inspira
a louvar a Deus a semana inteira, em todas as esferas da nossa
vida, pois o louvor é um estilo de vida (1 Co 10:31, 1 Pe 4:11).
Encontros reais com Deus nos levam a desejar conhecer a
Deus mais e mais (Fp 3:12-14). Como comunidade cristã, reu­
nimo-nos a fím de aprofundar o nosso conhecimento de Deus,
alcançar a estatura espiritual de Cristo e ser preparados e
capacitados para não apenas ficar em pé, mas também servir à
sociedade (Ef 4:11-16). Esse crescimento individual e comunitário
é imprescindível para o avanço do Reino de Deus no mundo.
A nossa vida eclesiástica não é, porém, apenas uma experiên­
cia de louvor e crescimento. Como seguidores de Cristo, sofremos
num ambiente injusto e hostil. Por isso, temos como missão
oferecer uma família, um lar onde os membros possam tirar as
máscaras, ser quem são e, mesmo assim, ser amados e aceitos (1
Co 13; 1 Jo 3:13-18). Cada parte do corpo é celebrada como uma
dádiva de Deus à comunidade (1 Co 12:21-26; Rm 15:5-7) e
recebe o cuidado do grupo (Hb 3:12-14; 10:24-25). Essa expe­
riência de amor comunitário é uma pequena demonstração
concreta do céu na terra: algo dado por Deus (Ef 4:2-6).
A nossa vivência do evangelho em Cristo nos autoriza a
comunicar as boas novas à sociedade (Jo 17:20-23). Tendo uma
paixão por Deus e tendo sentido o amor da comunidade, sentimos
uma compaixão profunda pelos que não conhecem a Deus (Rm
10:14-15). Por isso, cada membro do corpo é um sacerdote e tem
como função colocar pessoas em contato com Deus e discipulá-las
(1 Pe 2:9-10; 3:15-16; Mt 28:16-20). Como igreja, servimos como
liame (elo de ligação) entre Deus e a humanidade (2 Co 5:16-19).
Pela nossa maneira de ser, refletimos a semelhança de Deus para
o mundo e ao mesmo tempo transformamos a sociedade.
O CONTEXTO DA IGREJA PAULISTANA
DE CLASSE MÉDIA
A classe média paulistana, na qual nos encontramos, está
passando por transformações profundas. Enquanto cultua o corpo
e mergulha num eonsumismo compulsivo de produtos nacionais e
importados para acompanhar os modismos do momento, ela
reconhece que as bases do seu paradigma positivista e reducionista
estão sendo sacudidas. Os cientistas das mais diversas áreas
reconhecem que o conhecimento não é algo puramente objetivo.
Isto porque a visão dos fatos concretos é afetada pela perspectiva
do observador e até mesmo pelo contexto e pelo meio ambiente.
Assim, torna-se difícil estabelecer eom certeza o que é uma
verdade absoluta, visto que o que se tinha como verdadeiro ontem
talvez não seja mais verdade à luz do conhecimento de hoje.
Num contexto de pluralismo religioso, os mestres e gurus
aparentemente acatam o mesmo relativismo, dizendo que todos os
caminhos são válidos e nos levam a Deus. Os sociólogos, perce­
bendo a falência do individualismo moderno, buscam meios para
introduzir conceitos antigamente desprezados como eomunidade
e interdependência. Os psicólogos, achando-se num mar de seres
humanos materialistas e vazios, procuram oferecer sentido e
esperança para um mundo que se defronta com o seu fím. Um
novo paradigma filosófico e religioso, sem referenciais fixos, está
surgindo enquanto o antigo ainda luta para manter sua predo­
minância.
Essa fase de transição oferece uma constante: a incerteza. A
interpretação do presente e do futuro são grandes incógnitas. A
classe média paulistana, depende cada vez mais da tecnologia de
ponta e, ao mesmo tempo, foge para soluções momentâneas no
mundo esotérico. Ela é pós-eristã. A igreja tradicional é
descartada como sendo uma casca opressiva de uma mentalidade
medieval ou, na melhor das hipóteses, uma opção institucional
medíocre entre um leque de alternativas mais atraentes e atualiza­
das. Experiências religiosas são buscadas para proporcionar um
senümento de transcendência. Cada experiência parece ter o seu
valor isolado, sem tentar encaixar todos os momentos num
referencial maior. A questão não é de coerência, mas, sim, de
sobrevivência. Que tipo de igreja ministrará a graça de Deus neste
ambiente cético e hostil? A pergunta não é se devemos louvar a
Deus, cuidar uns dos outros, ensinar a Bíblia ou evangelizar. A
pergunta é: Como faremos isso e que estruturas facilitarão a nossa
atuação?

UMA VISÃO PARA A COMUNIDADE LOCAL


Antes de responder às perguntas: “Como levaremos Deus a
esta sociedade?” e “Que estrutura nos serviria melhor?”, é preciso
compreender a visão de Deus para a igreja atual. Quando falamos
de visão, entendemos que não estamos falando de missão. A
missão da igreja universal é a mesma para todas as comunidades
locais, apesar de seus variados contextos históricos, culturais,
sociais e religiosos. Ela trata de objetivos ministeriais e filosóficos
baseados na Bíblia (i.e., louvor, ensino, cuidado pastoral,
evangelização). Uma visão, segundo George Barna, é “uma clara
imagem de um futuro preferível, proporcionado por Deus aos
Seus servos escolhidos, com base em uma compreensão acurada
da vontade de Deus, do próprio eu e das circunstâncias”.^ É uma
declaração específica que oferece direção (propósito), particulari­
dade (público-alvo) e inspiração (estímulo) para nortear o
envolvimento de um grupo escolhido no avanço do Reino de
Deus. Sendo mais estratégica do que filosófica, ela enfatiza o
modo como determinada comunidade influenciará a sociedade.
Ora, essa visão particular de um futuro preferível para sua
comunidade local exige uma compreensão clara da sua posição
atual dentro do seu ambiente operacional. A tarefa de defmir com
clareza a identidade atual de uma comunidade cristã é árdua e
dolorosa, mas ao mesmo tempo fundamental para a abordagem de
uma nova visão. Somos criaturas de Deus com traços particulares
dentro de um contexto histórico. É imprescindível tirar uma
radiografia daquilo que somos e fazemos. Essa análise requer uma
descrição tanto demográfica quanto eclesiástica.^
Na Igreja Evangélica Boas Novas, depois de meses de
diálogo, chegamos a esta definição da nossa identidade atual:
Somos um a œ m u n id ad e que se inspira no m odelo bíblíco de
atuação, participativo e abrangente, baseado na diversidade de
dons e talentos com plem entares. P rocuram os contextualizar este
m odelo à nossa realidade m etropolitana de classe m édia, num
am biente p redom inantem ente jovem e familiar. Vivemos o
desafio de equilibrar as m últiplas facetas de nossas vidas,
buscando conciliar nossas necessidades pessoais com as p rio ri­
dades do R eino de D eus. V em os a igreja com o um local para
louvor, com unhão, cuidado e confraternização, bem com o um a
fonte de ensino p ara suprir nosso anseio de crescim ento. P as­
samos p o r um processo de rom pim ento de nossa dependência
quanto à tradição. E ste rom pim ento ainda incom pleto, associado
a um a visão de futuro pouco coesa, tem lim itado nossa atuação
“p ara fo ra” .“*

Este processo transparente, embora penoso, ajuda-nos a ouvir a


voz de Deus em relação ao nosso “futuro preferível”.
A busca de uma visão revelada por Deus requer disposição
para conhecer o coração de Deus com respeito à sua vida comuni­
tária, para correr riscos no proceso de mudança, para ouvir críticas
de vozes discordantes, para ser transformados como membros
participantes no Reino de Deus. Como liderança, sentindo a
necessidade de receber de Deus uma visão nítida e coesa sobre
nosso futuro, começamos a buscar a Sua orientação de forma
consciente e deliberada. Enquanto orávamos, jejuávamos, estudá­
vamos e nos reuníamos, Deus afinava a nossa compreensão da Sua
visão para nossa comunidade local. O trabalho de escrever a visão
envolveu uma série de três etapas: (1) cada presbítero escreveu
uma declaração; (2) destacamos os pontos em comum; (3)
procuramos fazer uma redação grupai. Não é necessário dizer que
a declaração passou por uma série de redações, mas o processo foi
mais rico do que o resultado final. O trabalho de juntos ouvir a
voz de Deus uniu-nos como liderança e proporcionou uma oportu­
nidade para cada líder sentir-se colaborador com Deus, contribu­
indo com seus pensamentos e sentimentos.
A redação final foi a seguinte:
Com o agentes de Cristo no projeto de D eu s p ara a hum anidade,
querem os, no p o d er do Espírito Santo, prom over a restauração do
ser hum ano à sua im agem e sem elhança. N um contexto de classe
m édia m etropolitana, nosso alvo é u m a com unidade capacitadora,
em que cada m em bro seja um sacerdote, agindo em seus círculos
de relacionam ento e em outras fren tes de atuação nas quais se
sinta cham ado.

Com esta visão nos inspirando e norteando, elaboramos estratégias


para cumprir a nossa missão em São Paulo, e em cima dessas
estratégias desenvolvemos uma nova estrutura.

CARACTERÍSTICAS DE UMA ESTRUTURA ECLESIÁSTICA


Contextualizada e Teocêntrica
Nossa comunidade encontra-se na classe média paulistana.
Percebemos que muitos paulistanos sofrem um verdadeiro pavor
do institucionalismo da igreja cristã. Por isso, enfatizamos
estruturas que facilitam o encontro de não-cristãos com membros
da nossa comunidade longe das instalações físicas, no bairro de
Campo Belo. Promovemos como estratégia a evangelização por
amizade e grupos de estudo bíblico em torno de questões
pertinentes aos participantes não-cristãos (i.e., sentido da vida,
esperança, referencial compreensível). A estrutura reflete e
procura servir os relacionamentos existentes. Grupos-células são
formados onde o cristão vive durante a semana (em casa, no
trabalho, na faculdade etc.), longe do ambiente seguro de um
templo evangélico, onde a maioria é cristã. O cristão vai ao
encontro do não-cristão no próprio meio ambiente deste, onde
aquele que não conhece a Deus sente-se seguro, pode ser um
participante integral do grupo, ter encontros diretos com Deus e
observar com seus próprios olhos a chegada do Reino de Deus.
Essa vivência integral e transparente remove barreiras e
preconceitos preestabelecidos.
A estrutura, porém, não pode ser apenas contextualizada. Ela
também deveria refletir implícita e explicitamente a centralidade
do Deus Trino em sua existência. Todos os níveis de liderança e
esferas de trabalho deveriam reconhecer como imprescindível a
graça de Deus Pai, o senhorio de Jesus Cristo (o Cabeça da
Igreja) e o poder do Espírito Santo. É preciso que a estrutura
ofereça espaço para a atuação milagrosa do Espírito de Deus no
louvor, no ensino, no cuidado e na evangelização. Por isso,
separamos pelo menos meia hora em cada manhã de domingo
para interceder uns pelos outros. A oração também é parte
integral dos grupos-célula.
Participativa e Carismática
Como comunidade Boas Novas, cremos que todos os cristãos
são sacerdotes (Êx 19:5-6; 1 Pe 2:9-10): servindo como intermediá­
rios entre Deus e a sociedade, todos têm a função de colocar
outras pessoas em contato com Deus. A igreja toda foi escolhida,
separada e ungida para ministrar em nome de Jesus no mundo.^
Por isso, estruturas são criadas em torno dos ministérios e dons
dos membros do corpo para facilitar a participação de todos.
Embora toda a programação devesse ser participativa, poucos têm
oportunidade de realmente exercer os seus dons nas manhãs de
domingo. O melhor lugar para os membros testarem e exercerem
os seus dons é nos grupos-célula (lares, empresas, escolas).
O sacerdócio de todos os seguidores de Cristo não elimina
a necessidade de ter uma liderança forte e comprometida. O que
muda é a função dos líderes. Eles deixam de ocupar uma posição
na hierarquia eclesiástica como intermediários entre Deus e a
igreja e começam a exercer uma função de serviço ao corpo. Os
líderes servem como exemplos de caráter cristão, equipadores dos
sacerdotes e coordenadores dos ministérios existentes. Na Igreja
Boas Novas, temos um colegiado de oito presbíteros que equipam
os membros nas áreas de louvor, cuidado pastoral, estudo bíblico
e evangelização.
Embora a Bíblia não ofereça um modelo estrutural para a
igreja local, o ideal apresentado, tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento, é sempre uma pluralidade de líderes. A palavra
“pastor”, em referência à liderança da igreja, só aparece uma vez
no Novo Testamento (Ef 4:11-16), e dentro de uma Hsta de
diversos ministérios ou funções (apóstolos, profetas, evangelistas,
pastores, mestres). Deus abençoa a comunidade local com um
grupo de líderes capacitados pelo Espírito Santo, a fím de
preparar os membros para as diversas esferas de serviço cristão.
A criatividade do Espírito Santo na sua capacitação, a diversidade
de dons e personalidades no corpo, e a variedade de necessidades
na sociedade fazem com que este modelo de uma liderança plural
se torne um ponto pacífico. Os apóstolos sempre falam de um
grupo de líderes que serve, pastoreia e equipa a igreja (At 20:17­
28; Tt 1:5-7; 1 Pe 5:1-4) sob a orientação do Supremo Pastor,
Jesus Cristo (1 Pe 5:4ss; 2:25; Jo 10:1-21).®
Aerodinâmica e Compreensível
No nosso contexto de classe média urbana, os membros da
igreja têm muitos compromissos e pouco tempo. Por isso, a
atividade da igreja precisa ser simples e eficaz. Os cristãos de
classe média precisam compreender por que estão se envolvendo
na vida da igreja e como essa atividade os está ajudando a
participar do avanço do Reino de Deus em São Paulo. Não
queremos montar uma estrutura que sobrecarregue o sacerdote
com atividades periféricas ã sua missão. Não desejamos desenvol­
ver uma programação que ocupe todas as janelas disponíveis com
atividades ligadas ao grupo convertido. A estrutura local corre o
perigo de absorver a vida dos membros a tal ponto que eles não
têm tempo para as pessoas de fora da comunidade.
Como Igreja Boas Novas, hoje vivemos dois momentos. O
primeiro momento realiza-se aos domingos de manhã, quando o
público-alvo é constituído dos membros da comunidade, segui­
dores comprometidos com Cristo. Reunimo-nos em dois horários:
no primeiro horário, cantamos louvores a Deus, ouvimos o ensino
da Palavra e intercedemos uns pelos outros; no segundo horário,
participamos de estudos que nos equipam para servir a Deus
durante a semana. Desejamos ser uma igreja que capacite e cuide
bem dos seus membros. O cristão precisa sentir que a sua
parficipação dominical o ajuda a realizar os seus objetivos como
sacerdote.
O segundo momento acontece durante o resto da semana.
Tendo sentido o amor de Deus através da igreja, tendo sido
alimentados através do ensino bíblico e tendo louvado a Deus
junto com a comunidade, espalhamo-nos para servir a Deus nos
nossos círculos de relacionamento (casa, vizinhança, emprego,
escola etc.) O ptíblico-alvo é o mundo não-cristão.
Equipadora e Centrífuga
Como comunidade Boas Novas, desejamos criar uma
estrutura centrífuga que equipe e libere os membros para atuarem
e investirem neste segundo momento. A estrutura da igreja não
deveria dizer aos membros: “Venha e assista, venha e veja, venha
e ouça, venha e atue.” O propósito da igreja não é envolver os
fiéis numa programação realizada num templo e, assim, protegê-
los do mundo! Ela deveria promover uma estrutura do tipo “vai”,
que coloque os membros perto do povo não-cristão para exercer
o seu sacerdócio.
Tendo esta ênfase, a igreja não deixa de ter um centro, mas
a finalidade desse núcleo é radicalmente alterada. Os membros do
corpo operam a partir de um centro capacitador que os prepara
para agir nos seus círculos de relacionamento durante a semana.
Consideramos o nosso primeiro momento uma escola de treina­
mento em que os agentes de Cristo adquirem conhecimento
bíblico e outras ferramentas para participar do avanço do Reino
de Deus na sociedade paulistana. A estrutura deveria dizer aos
membros: “Vai e evangeliza, vai e cuida, vai e intercede, vai e
louva, vai e conhece a Deus na vida real!”
Metamóifica e Flexível
Cada época histórica, cada localização geográfica, cada classe
social, cada unidade familiar caracteriza-se por traços peculiares.
Por isso, a estrutura da igreja precisa se engajar num processo de
transformação contínua onde as decisões relacionadas a ela são
tomadas com certa facilidade e rapidez. Cada momento novo exige
flexibilidade, criatividade e metamorfose. A estrutura deveria se
modificar de acordo com o contexto histórico e sociocultural e
estar sensível às fases de desenvolvimento da comunidade local
para que a igreja possa cumprir a sua missãO;
Alguns anos atrás, um grupo de vinte membros da
comunidade Boas Novas expressou o desejo de ter um culto à
tarde. O propósito era abrir espaço para mais louvor e cuidado
comunitário. Tivemos momentos de louvor maravilhosos. No fím
de cada reunião, nos dividíamos em grupos de quatro a cinco
pessoas onde os membros recebiam um cuidado mais pessoal.
Intercedíamos uns pelos outros e levávamos aquelas preocupações
conosco durante a semana seguinte. Só que o trabalho não
conseguia atrair a participação da maioria da comunidade.
Conforme já dissemos, somos uma igreja metropolitana.
Temos membros que moram em Vargem Grande Paulista,
Ipiranga, Pinheiros, Paraíso, Campo Belo, Interlagos, Rio Bonito,
Itaquera etc. É uma igreja “espalhada”. Para a maior parte dos
membros, não fazia sentido pedir que se deslocassem duas vezes
num só dia para fazer basicamente a mesma coisa. Por isso,
modifícamos a nossa estrutura e desenvolvemos um trabalho nos
lares aos domingos à tarde. Num ambiente aconchegante e
descontraído, os membros podem colocar em prática aquilo que
aprenderam de manhã nos seus próprios bairros, dentro dos seus
círculos de relacionamento.
Baseada na Visão e no Plano Financeiro
Temos falado muito sobre círculos de relacionamento porque
este conceito faz parte da nossa visão como igreja. Acreditamos
que a estrutura da igreja deve refletir a visão da comunidade e
facilitar a implementação da missão específica do grupo local, mas
não nos restringimos aos nossos círculos de relacionamento. A
nossa visão fala também de outras frentes de trabalho. Como
comunidade, apoiamos membros da igreja que foram chamados
por Deus e separados pela igreja para atuar em frentes além da
classe média paulistana. Por exemplo, duas famílias iniciaram um
trabalho numa comunidade rural em Vargem Grande Paulista.
Outro casai iniciou um ministério para crianças de rua. Uma das
moças, junto com membros de outra comunidade cristã, desenvol­
veu um trabalho na favela situada a alguns quarteirões da sede da
igreja. Desejamos abraçar projetos ligados aos ministérios dos
membros da nossa comunidade e fazer com que esses trabalhos
ofereçam uma restauração holística ao público-alvo (por exemplo,
em Vargem Grande Paulista, oferecemos aulas de alfabetização.
uma ajuda em forma de eesta básica e sessões de Alcoólatras
Anônimos).
Muitas vezes o apoio financeiro é um assunto polêmico. A
nossa igreja apoiava ministérios totalmente alheios à nossa
realidade, ou porque estávamos sem projeto algum ou porque
ficávamos comovidos momentaneamente pela apresentação do
obreiro envolvido. Para evitar controvérsias desnecessárias,
decisões impulsivas, retórica hipócrita (ofertas simbólicas para
lavar a alma), elaboramos uma política financeira que nos norteia
como grupo e que, embora seja mais complexa, apresenta dois
pontos básicos que podemos destacar aqui; (1) a igreja se restringe
primordialmente àqueles ministérios que ela de fato abraça como
seus; (2) exigimos transparência na prestação de contas, tanto da
parte da igreja quanto em termos do ministério apoiado. A
estrutura financeira deve facilitar o trabalho de todos os membros
na sua participação no avanço do Reino de Deus.

CONCLUSÃO
O símbolo chinês para a palavra “crise” é composto pela
combinação dos sinais gráficos usados para representar os termos
“ameaça” e “oportunidade”. A crise, portanto, não é o fím da
oportunidade, mas o seu início, o ponto onde ameaça e oportuni­
dade se encontram. Quando entramos em crise, estamos num
momento crítico em que o futuro é imprevisível. Podemos ceder
às ameaças da época ou podemos abraçar as novas oportunidades
com coragem e criatividade
A igreja cristã, tanto católica quanto protestante, está em
crise. Ela já não desfruta mais da posição privilegiada que
mantinha há 50 anos. Por isso, precisa estudar novamente os
relatos bíblicos e redescobrir a razão da sua existência. O contexto
religioso e sociocultural também requer uma análise profunda da
parte do corpo de Cristo. Cada comunidade loeal deve se prostrar
diante de Deus e pedir Sua visão para a missão específíca dentro
de um determinado momento histórico. As oportunidades são
maiores do que os perigos, porque nosso Deus continua sendo um
Deus Soberano, e a Sua criatividade é infinita!
Deixemos que Deus transforme as nossas estruturas para que
o Seu Reino possa avançar com mais facilidade e rapidez. Uma
nova estrutura não garante a ação do Espírito Santo, mas pode
abrir caminhos. Com certeza, a sacralização de estruturas descon-
textualizadas pode impedir a renovação da comunidade cristã e
diminuir a eficácia da sua participação na missão de Deus na
terra. Abracemos este momento histórico eom alegria e ousadia
no poder do Espírito de Deus!

NOTAS
'Lutero apenas acendeu a lenha velha que estava pronta para queimar. A
desilusão com as filosofias existentes, a indignação com a avareza de Roma, a
impaciência com o sistema político e a nova disseminação do conhecimento
incentivaram os povos a se revoltarem contra as “instituições sagradas”.
^George Bama, O Poder da Visão, traâ. João Bentes (São Paulo: Abba Press,
1993) 32.
’Seguimos o conceito hebraico de que somos o que fazemos e vice-versa. Por
exemplo, somos evangelistas se evangelizamos. A descrição demográfica inclui
a identidade social, financeira, profissional e geográfica. A definição eclesiástica
aborda os seguintes temas: estilo de liderança, denominação, louvor e espiritua­
lidade, ensino e treinamento, cuidado pastoral, evangelização e missões.
“"Na tentativa de captar visualmente a nossa identidade atual, passamos por
um exercício de personificação da nossa comunidade. Concluímos que aparenta­
mos uma mãe gorda, simpática, festeira, social, indisciplinada, mal-administrada,
cheia de boas intenções, com muito talento mas incapaz de dar de si mesma.
^Atualmente, usa-se a palavra clero em referência aos ministros profissionais
e leigo para denominar os membros. Os gregos empregavam o tem io leigo com
respeito às massas ignorantes: o povo sem instrução nem educação. No Novo
Testamento, a palavra cleros refere-se à herança de Deus que pertence a todos
os seguidores de Cristo (Cl 1:12). Ela não é usada para distinguir entre clérigos
e leigos. Todos os cristãos são clérigos (herdeiros) e sacerdotes. O sacerdócio
perfeito de Cristo acabou com a necessidade de um mediador, um padre, um
pastor entre a igreja e Deus (Hb 7:27ss; 9:24-28; 10:19).
'’No Novo Testamento, os temios presbítero, bispo e pastor são usados
intercambiavelmente (At 20:17; 28; Tt 1:5-7; 1 Pe 5:1-4). Os presbíteros ou
bispos pastoreiam e supervisionisam a comunidade local.
LIVROS SUGERIDOS
Banks, Robert. Paul’s Idea o f Community: The Early House Churches in Their
Historical Setting. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1980.
Bama, George. User Friendly Churches. Ventura, CA: Regal Books, 1991.
Boff, Leonardo. Igreja, Carisma e Poder: Ensaios de Eclesiologia Militante.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.
^ Driver, John. Contra a Corrente: Ensaios de Eclesiologia Radical. Campinas:
Editora Cristã Unida, 1994.
Freston, Paul. F é Biblica e Crise Brasileira: Posses e Política; Esoterismo e Ecu­
menismo. São Paulo: ABU Editora, 1992.
Neighbour, Ralph W. Where Do We Go From Here? A Guidebook for the Cell
Group Church. Houston, TX; Touch Publications, 1990.
Stevens, R. Paul. Liberating the Laity: Equipping A ll the Saints for Ministry.
Downers Grove, IL; Inter-Varsity, 1985.
Watson, David. I Believe in the Church. Grand Rapids, MI; Eerdmans, 1978.
/3/
LIDERANÇA NA IGREJA LOCAL:
Qualificações e Escolhas Bíblicas

Daniel da Silva Reis*

Nossa igreja, a 1“ Batista em Porto Alegre, tem atualmente


95 anos, e somente há 25 anos iniciou um culto em língua
portuguesa, visto que durante todos os 70 anos anteriores o
idioma predominante era o alemão. Portanto, em certo sentido,
somos novos e, em outro, antigos. Em 1980, fui convidado para
assumir seu pastoreio, com um propósito específico chamado
“reestruturação”, o qual mudou completamente meus conceitos,
minha vida e meu ministério.
Por causa desta experiência eu me atrevo (no bom sentido)
a escrever sobre um assunto tão importante e que já conta com
um sem número de autores e publicações. Mas nossa experiência
é singular, por ser brasileira, de uma igreja batista normal,
tradicional, e ainda por cima de origem estrangeira que poderia
dificultar quaisquer mudanças. Mas não foi o que efetivamente
ocorreu — graças a Deus pela igreja e por sua disposição em
obedecer à Palavra de Deus. Até hoje, continuamos seguindo os
mesmos ideais e enfrentando as mesmas lutas para alcançá-los.
A descoberta, o treinamento de líderes, a instituição e a
administração de liderança são as necessidades e os sonhos de
toda igreja, empresa ou associação em geral. O simples fato de
você estar lendo este livro mostra que você também tem interesse

Daniel da Silva Reis é vice-presidente do CONELA (Conselho Evangélico


da América Latina) e pastor titular da Igreja Batista da Rua Conde de Porto
Alegre (“Conde”), da Convenção Batista Pioneira e da Convenção Batista
Brasileira. Para maiores informações escreva para: Rua Conde de Porto Alegre,
136, 90.220-000 Porto Alegre, RS.
nesta área crucial para a igreja local.
Para um bom entendimento da matéria, é necessário que
deixemos já estabelecidos desde o início alguns pressupostos
básicos, tais como:
1 .A importância de uma boa liderança. O conceito de lide­
rança é tão antigo quanto a criação do homem. Todos sabemos
que, se em algum tempo alguém não tomar iniciativa de fazer
alguma coisa, nada será feito. Ademais, se alguém não tomar a
iniciativa certa, na hora certa e da maneira certa, o resultado
certamente não será o melhor.
2. Uma breve definição de líder. Estamos entendendo por líder
toda pessoa que exerça a função de influenciar, motivar e
administrar outros a seguirem determinado objetivo.
3. De que líderes especificamente vamos tratar? Estamos falan­
do daquelas pessoas que, além dos pastores, são os responsáveis
pelo bom desempenho do ministério da igreja e que, via de regra,
não receberam instrução nenhuma para o desempenho efetivo de
seu papel como líder. Os pastores em geral, embora eles mesmos
tenham sido treinados em seminários especializados, nem sempre
têm podido exercer sua imensa responsabilidade de ser “treina­
dores de líderes”.
4. Para quem estamos escrevendo? Para todos aqueles que,
pastores ou não, sabem que, de alguma forma, precisam desenvol­
ver seus mistérios, multiplicando-se nas vidas de outras pessoas
5. Que se pretende com este capítulo? Recolocar alguns con­
ceitos esquecidos, expor algumas considerações novas e, princi­
palmente, apresentar alternativas já experimentadas que possam '
ajudar a tantos quantos queiram seguir a orientação bíblica para
treinamento de líderes.

r. CONCEITO:
A IGREJA PRECISA DE LÍDERES
Este conceito, apesar de óbvio para a maioria de nós, pode
parecer até uma ofensa para algumas denominações. Isso, devido
à apologia que fazem de uma espécie de “sublime democracia” ou
de uma absoluta dependência do Espírito, em que se pressupõe
existir apenas um líder, ou seja, o Senhor Jesus. Todas as tarefas,
serviços e ministérios são exercidos por voluntários espontâneos
e oeasionais, conforme a orientação do Espírito Santo. A prática,
porém, demonstra outra realidade. Com o passar do tempo e a
repetição das atividades, qualquer um pode observar que as
mesmas pessoas acabam fazendo as mesmas coisas e se tornando
autoridade espiritual reconhecida e acatada naquilo que fazem
eom dedicação, experiência e conhecimento de causa.
O próprio Senhor Jesus dedicou a atenção mais especial de
seu ministério aqui na terra para o treinamento daqueles que
seriam os líderes de sua igreja.^ Também não é justo argumentar
que eles, como apóstolos, eram dotados de uma qualificação
singular, única e irrepetível. Pois, mesmo isso sendo verdade, eles
se dedicaram com afinco ao treinamento daqueles que deveriam
cuidar das igrejas que plantaram por todo canto do Império
Romano.
Além do mais, as Escrituras em inúmeras passagens ensinam
claramente a instituição de líderes espirituais nas igrejas, de tal
maneira que, se assim não fosse, não se poderia entender o relato
de Atos dos Apóstolos, ou mesmo justificar as cartas chamadas
“pastorais”. Ou ainda, como poderíamos compreender a busca
constante da parte de Deus, no Antigo Testamento, de homens
que Lhe fossem fiéis para instituí-los como líderes espirituais
diante do povo, para orientá-los e conduzi-los pelos caminhos
santos da vontade do Senhor e pastoreá-los de modo que não se
desviassem desses caminhos?
A necessidade de liderança se deve ao fato de que o povo
como tal não pode desenvolver atitudes e procedimentos que não
lhe sejam ensinados e exemplificados. Este pensamento por si só
já seria suficiente para nos ensinar muitas lições. Por exemplo,
nós, pastores, constantemente de púlpito desafiamos a igreja a
evangelizar, a ser honesta em suas transações comerciais, a exercer
com fidelidade os seus próprios dons espirituais e tantas outras
coisas mais. Todavia se pergunta: alguém já os ensinou, principal­
mente na prática, por experimento próprio, como fazer isso? Eles
sabem que devem, mas não sabem como\
Assim, o papel mais importante de um líder é fazer com que
seus liderados descubram e usem o potencial que têm em prol do
objetivo estipulado, sabendo exatamente o que fazer para alcançá-
lo.
Em termos de igreja, isto parece mesmo um sonho: uma
igreja onde todos os seus membros sabem exatamente quais são
os seus objetivos, quais os recursos disponíveis, como, quando e
com quem vão exercer os dons que o Senhor deu a cada um. Esse
sonho não é fácil de ser realizado, por isso mesmo precisa ser
perseguido com todo empenho e dedicação. É para isso que a
igreja precisa de líderes.

2í CONCEITO:
A IGREJA PRECISA DE LÍDERES BEM PREPARADOS
Quem são os líderes que a igreja precisa ter? Como eles
podem ser achados? De que tipo de treinamento eles precisam?
Que tipo de pessoas eles devem ser, o que eles têm de saber, o
que eles precisam fazer para serem tais líderes?
Se nós ficarmos apenas com a tradição de nossa igreja, de
escolher pessoas para as mais diversas funções de liderança tão-
somente através de um processo de eleição, onde os mais votados
são os escolhidos, corremos o risco de ter na liderança pessoas
simpáticas, de bom preparo profissional, de boa cultura, social­
mente aceitas na igreja, politicamente bem relacionadas, mas,
mesmo assim, sem nenhum preparo espiritual e mais ainda, quem
sabe, sem as qualificações bililicas indispensáveis para ser líder na
igreja de Jesus Cristo.
Para que saibamos responder as questões acima sem cair nos
erros mencionados, precisamos redescobrir na Palavra de Deus
como devem ser tais líderes, e como podemos treiná-los.
Desde o Antigo Testamento, Deus estipulou requisitos
imprescindíveis para aqueles que iriam ocupar a função de
liderança. Tome-se por exemplo Moisés que, sabiamente aconse­
lhado por seu sogro, procurou dividir suas responsabilidades com
outros líderes, livrando-se daquilo que outros poderiam fazer, para
poder se dedicar àquilo que somente ele deveria fazer. (Qualquer
semelhança conosco é mera coincidência!) Os critérios de quali-
ficação na busca desses homens, segundo a narrativa de Êxodo
18:21, foram: (1) homens capazes, (2) homens tementes a
Deus, (3) homens de verdade, e (4) homens que aborreçam a
avareza”. Cada característica ali citada deveria ser alvo de um
estudo minucioso e aplicado aos atuais e futuros líderes de nossas
igrejas.
Quando chegamos aos evangelhos, notamos que a qualidade
de líder que se busca é tão excelente que, no exemplo de Jesus,
Ele colocou como pré-requisito indispensável que fossem pessoas
que dispusessem de tempo integral para a convivência com Ele,
visto que desejava investir na vida delas como um todo (Mc 3:13­
14). Seu treinamento incluía a vivência rotineira do dia-a-dia, para
ensiná-los a lidar com o cotidiano da terra na perspectiva do
Reino dos Céus. Todos os seus componentes pessoais, tais como
família, profissão, ideologia política, regionalismo — tudo, enfim,
seria motivo de consideração para que se tornassem líderes
aprovados para o ministério que o Mestre lhes delegaria no
futuro.
Quando entramos no livro de Atos, desde o início (6:3)
notamos que as funções de responsabilidade e liderança na igreja
do Senhor Jesus Cristo não poderiam ser exercidas por quem
quisesse, mas única e exclusivamente por aqueles que se
enquadrassem no padrão mínimo de qualificação exigido para
cada caso. Quanto aos diáconos, os critérios foram os seguintes:
”... (1) homens de boa reputação, (2) homens cheios do Espírito,
e (3) homens de sabedoria”. Que excelente perfil para a tão difícil
tarefa de liderar as igrejas dos séculos XX e XXI, não é mesmo?
Para nosso caso específico, tomaremos apenas os critérios de
qualificação descritos em 1 Timóteo 3 e Tito 1, como um quadro
geral do perfil que deveria ser o nosso currículo no treinamento
de líderes. Não entraremos diretamente no debate a respeito da
figura do “presbítero”, tecnicamente falando, mas adotaremos a
função na igreja, respeitando a designação e a semântica usadas
em cada denominação.
Eis um quadro panorâmico das qualificações apresentadas no
Novo Testamento:
CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DO LÍDER NO NT
Caráter Procedimento Espiritualidade
SER Temperante Irrepreensível Piedoso
Sóbrio Cordato Apegado à Palavra
Modesto Inimigo de contendas
Amigo do bem Bom mordomo
Justo
Domínio próprio

NÃO Avarento Dado a muito vinho Neófito (precoce)


SER Arrogante Violento Dominado pelo
Irascível orgulho
Cobiçoso Vencido pelo Diabo
Ganancioso

CARACTERÍSTICAS FAMILIARES
Como Marido Como Cabeça Como Pai
De uma só mulher Que governe bem Saiba criar filhos:
sua propria casa com disciplina,
com respeito.
Tenha filhos:
crentes,
comportados,
obedientes.

CARACTERÍSTICAS MINISTERIAIS
Como Modelo Como Mestre Como Administrador
Perante os de fora Apto para ensinar, Saiba presidir
Perante a igreja exortar, Não seja dominador
convencer. Saiba pastorear
com zelo e
boa vontade.
Como seria extraordinário se nossos seminários, escolas bíblicas e
igrejas adotassem esses critérios como currículo básico para o
treinamento de seus líderes. Assim, teríamos com certeza uma
igreja liderada por “santos homens de Deus”.

3? CONCEITO:
A IGREJA PRÓPRIA PRECISA TREINAR
OS SEUS LÍDERES
É impressionante a verdade neotestamentária de que é da mais
exclusiva responsabilidade da igreja local o treinamento de seus
próprios líderes. Esta afirmação tem pelo menos duas implicações
bombásticas que precisam ser entendidas, repensadas e assumidas:
(1) Não existe seminário, escola bíblica ou curso que seja respon­
sável por desenvolver os presbíteros, diáconos, membros da
diretoria, líderes de departamentos, professores da escola domi­
nical ou quaisquer outros líderes de uma igreja local. Estes
recursos até que existem (bem poucos, na verdade), mas a
responsabilidade e a iniciativa de prover todo o treinamento de
que seus líderes precisam são atribuições intransferíveis da própria
igreja local. (2) Até mesmo o treinamento do próprio pastor, em
última análise, é da igreja, desde o processo de reconhecer o
chamado para o ministério, como a escolha do tipo de preparo
que se buscará, até a devida ordenação para o ministério.
Portanto, cabe à igreja mesma o treinamento de seus próprios
líderes. E, num sentido mais específico, ao pastor como seu líder.
O que ocorre geralmente é que nem o próprio pastor foi treinado
para cumprir esse papel de treinar líderes e repartir o serviço. Isso
produz um ministério sobrecarregado, centralizado, úlceras, stress
e enfartes. Além de um indiscutível prejuízo para o ministério da
igreja.
Os chamados leigos por si só não podem reverter este quadro,
visto que a iniciativa de fazê-lo não é deles. Muitas vezes eles não
assumem as responsabilidades de liderança por razões nem sempre
compreendidas, tais como: nunca tiveram a oportunidade de
liderar, nunca foram treinados ou até mesmo temor de concorrên­
cia por parte do pastor.
Hoje, mais do que nunca, nós, os pastores, precisamos nos
convencer de que este é um aspecto do nosso ministério do qual
não podemos abrir mão e que precisa ocupar um lugar de
destaque em nossas prioridades.
Em Efésios 4 temos a orientação mais direta e específica sobre
esse assunto. No versículo 8, Paulo nos diz que: “... Deus conce­
deu dons aos homens...” No versículo 11, ele diz: “... ele [Deus]
mesmo concedeu uns para...”, e vai alistando funções de liderança
exercidas por homens que ele dá como “dom” para a igreja.
Portanto, líderes são dons de Deus para a igreja. No mesmo texto,
no versículo 12, o Espírito Santo, inspirador do que escreveu o
apóstolo Paulo, diz para que existem os líderes da igreja. A razão
apresentada é tríplice: (1) para o aperfeiçoamento dos santos; (2)
para o desempenho do seu serviço; e (3) para a edificação do
Corpo de Cristo.
Em outras palavras, os líderes principais de uma igreja, sejam
pastores ou não, têm como sua tarefa principal fazer com que
todos os membros da igreja reconheçam seus dons e talentos, e os
desenvolvam através de seu ministério pessoal, em prol da
edificação da igreja como um todo.
Quão distante este quadro está da nossa realidade. Quantos de
nós, e quanto tempo de nosso ministério, estamos pastoreando (se
é que se pode dizer isso!) papéis, problemas, programas ou
projetos. E nos esquecemos de que somos prioritariamente
pastores de pessoas! Lembramo-nos de Atos 20:28 e da nossa '
tremenda responsabilidade de pastorear o rebanho que o Senhor
colocou diante de nós. Que Deus nos ajude a restaurar esta nossa
primeira e santa vocação, pois é dela que daremos contas a Ele,
conforme nos ensina Hebreus 13:17.
Agora, para ser sincero, nós, os pastores, nem sempre somos
tão culpados como parece, visto que nós mesmos não fomos
treinados para esse tipo de ministério. Nunca vimos alguém fazer,
e talvez até nunca nos disseram, que isso era o nosso principal
ministério. Mas na verdade é! E isso não temos como negar.
Graças a Deus, o discipulado e o treinamento de líderes estão
começando a ser matéria em nossos seminários e instituições de
treinamento teológico, e em vários congressos por esse Brasil
afora tem sido assunto de muito estudo e reflexão. Os pastores e
demais líderes que estão se conscientizando desse seu ministério
enfrentam um tremendo dilema entre saber o que devem fazer e
saber fazer o que devem. É justamente para eles que estamos
escrevendo. O que faremos de agora em diante é de uma pers­
pectiva totalmente prática.

4; CONCEITO:
A IGREJA PRECISA DESCOBRIR SEU PRÓPRIO
PROCESSO DE TREINAMENTO
Ao chegar em Porto Alegre, em 1980, encontrei uma igreja
com uma liderança experiente, composta de uma diretoria de 17
pessoas, responsável por toda a administração da igreja, incluindo
um corpo diaconal de sete diáconos, responsável pelos assuntos
mais espirituais de disciplina e pastorais. Além disso, por ser uma
igreja de origem alemã, havia a fígura de um “ancião (presbítero)
leigo” que substituía o pastor em sua ausência e representava a
“igreja leiga” diante do pastor.
Em nossa igreja, diferentemente da maioria das igrejas batistas
no Brasil, o pastor não era o presidente da igreja e, sim, um leigo.
Ao pastor caberia dirigir o Corpo Diaconal, participar das
reuniões da diretoria e, naturalmente, exercer o pastoreio do
rebanho.
Pontos Básicos
A nova proposta da chamada “reestruturação” da liderança da
igreja constava dos seguintes itens principais:
1. Criar um grupo (conselho) de anciãos e não continuar com
um só ancião.
2. Atribuir a esse conselho as funções bíblicas de: administrar,
pastorear e ensinar a igreja de Deus. Isto é, todas as funções
espirituais do ministério.
3. Considerar esses irmãos (anciãos/presbíteros) também como
pastores do rebanho, como parceiros do pastoreio, consagrando-os
para esse ministério local.
4. Atribuir à diretoria apenas as funções especificamente admi­
nistrativas 6 funcionais.
5. Atribuir aos diáconos as funções de auxiliar os anciãos e de
cuidar das necessidades da igreja, incluindo as questões de caráter
social.
6. Adaptar o Estatuto da Igreja a essas modificações.

Tais mudanças, por simples que pareçam, significam muito


para uma igreja de tradição de mais de 80 anos. Mas, eom vagar,
carinho, ensino bíblico e muita oração, a igreja, por unanimidade,
adotou tal projeto.
Nosso Processo
A história, assim, não dá nem de longe uma idéia do que isso
envolvia. Eis uma pequena amostra de como ocorreu:
1. Estudamos com a antiga diretoria e o grupo de diáconos,
durante quase um ano inteiro, os conceitos bíblicos de liderança
e as qualificações dos líderes, passando cada característica (veja
Conceito 2) com um projeto prático a ser cumprido.^
2. Estudamos com a igreja durante três meses, oficialmente
reunida em assembléia, as novas propostas, sua fundamentação
bíblica e a maneira como colocaríamos em prática nossas conclu­
sões.
3. Após os estudos, a igreja, espontaneamente, a partir do zero, .
indicou nomes de possíveis candidatos ao “ancionato”.
4. Com os “mais indicados” que aceitaram ser “candidatos”,
fizemos novamente um estudo profundo do que é, do que se exige
e de quem pode exercer esse ministério. Após os estudos, alguns
se julgaram sem condições de concorrer.
5. Os que aceitaram concorrer foram submetidos à aprovação
da assembléia, que foi orientada a considerar as qualificações
bíblicas e a conversar com qualquer candidato para sanar alguma
dúvida, visto que a eleição seria em voto aberto e por unanimida­
de. Qualquer voto contrário seria realmente levado em considera­
ção, desde que aceito pela assembléia.
6. Até nós, pastores (dois até então), nos submetemos ao
mesmo processo, para ficar bem evidente a equivalência minis-
terial com os demais anciãos. Obs.: É claro que os pastores têm
um reconhecimento universal, mas, em nível local, é um ancião
igual aos outros. (1 Pe 5:1)
7. Após a eleição, os escolhidos pela igreja foram “consagra­
dos” como anciãos, ou seja, como líderes espirituais na igreja para
administrar os seus ministérios, pastorear os seus membros e
ensinar-lhes a Palavra de Deus.
8. Após esse processo inicial, a cada dois anos se avalia a
necessidade ou não de outros anciãos, repetindo-se o mesmo
processo.

Essa nossa experiência certamente contém aspectos a serem


imitados e outros a serem evitados. Como saber a diferença entre
um e outro, sem cometer os mesmos erros? Bem, não sei se
podemos responder, mas a nossa sugestão é que elaborem o seu
próprio processo a partir de parâmetros bíblicos, tais como os que
nos nortearam.

51 CONCEITO;
A CHAMADA DE LÍDERES
Vimos quatro conceitos fundamentais: (1) a igreja precisa de
líderes; (2) a igreja precisa de líderes bem preparados; (3) a
própria igreja precisa treinar os seus líderes; e (4) a igreja precisa
descobrir seu próprio processo de treinamento. Mas, em termos
práticos, como é que escolhemos e chamamos alguém — além de
avaliá-lo de acordo com as características de um líder — para
entrar na liderança espiritual da igreja? Quais foram os passos que
Jesus deu? E qual é a relevância desses passos para nós?

Como Jesus Chamou os Discípulos


Estudamos, nos evangelhos, os textos que falam como Jesus
escolheu os seus apóstolos, para tirar dali um exemplo para nós
mesmos. A conclusão foi a seguinte:
Nossos Fundamentos
Deste gráfíeo, elaboramos o seguinte processo teórico para o
nosso projeto de “reestruturação”;

A CHAMADA DOS DISCÍPULOS

Lucas 6:12-13 Marcos 3:13-15 Mateus 9:36-10:5


Oração A necessidade
Tinha discípulos Oração
Chamou a si Chamou os que Ele Tinha discípulos
mesmo quis e vie­
ram para junto dEle
Designou 12
Escolheu 12 apósto­ Chamou 12 como
los entre eles apóstolos
Para estarem com
Ele, pregarem, exer­
Autoridade (9:1) cerem autoridade Deu-lhes autoridade
Instrução (9:3) Instrução (6:8-11) Instrução (10:5-42)

1. Reconhecer a necessidade do povo. Em que aspecto o reba­


nho está como “ovelhas que não têm pastor”?
2. Orar pedindo a Deus os líderes certos. A igreja precisa rogar
ao Senhor da seara que mande os líderes certos para atender essas
necessidades.
3. Estar fazendo discipulado pessoal. O pastor precisa ter ao seu
redor um grupo de discípulos fiéis e idôneos, com quem já esteja
trabalhando.
4. Propor-lhes o desafio. Apresentar-lhes o ministério da lide­
rança.
5. Escolher dentre eles os mais indicados. Isso deve ser feito
conforme a orientação de Deus, em nosso caso, com a aprovação
da igreja, segundo sua observação anterior.
6. Confirmar o comprometimento deles. Os discípulos aceitaram
o desafio.
7. Definir as funções e responsabilidades específicas deles.
8. Conviver com eles. Conhecê-los com a maior intimidade
possível.
9. Ensiná-los a exercer os seus próprios ministérios. M ostrar
como fazer, fazer junto, observar como fazem e deixá-los fazer
sozinhos.
\Q. Atribuir-lhes autoridade oficial. Isto é, dar-lhes responsabili­
dades distintas para que sejam reconhecidos como líderes.
Aplicação Prática
Essas conclusões foram traduzidas na prática, e agora as repar­
tiremos com os irmãos, colocando como alternativa o mesmo
processo. Para ajudar a pensar em sua própria situação, aqui vão
algumas das perguntas que nós nos fizemos:
1. Identificar as necessidades da igreja: De que líderes sua igreja
está precisando? Quais seriam as necessidades específicas que eles
supririam? Que impacto teriam esses líderes junto à igreja?
2. Investir na oração: A igreja tem consciência dessa neces­
sidade? A igreja tem sido levada a orar, pedindo a Deus que
chame esses líderes? Seria indicado sugerir jejuns e vigílias de ora­
ção com esse objetivo?
3. E necessário que haja um grupo de discípulos fiéis e idôneos:
Alguém tem desenvolvido esse ministério com os líderes atuais?
Alguém tem desenvolvido esse ministério com líderes em poten­
cial? Alguém pode começar agora esse ministério? Quem, como,
quando, com quem?
4. Comunicação do ministério de liderança proposto: Qual é exa­
tamente o perfil do líder e sua função? Como comunicar isso com
clareza entre os possíveis líderes? Como checar se eles sabem
exatamente de que se trata?
5. Escolhendo os mais indicados: Os atuais líderes poderão ser
“escolhidos” para o treinamento? Quem mais seria incluído na
lista? Como tratar com os não chamados? Qual seria a resposta
justa e honesta?
6. Testando o comprometimento deles: Eles sabem de todas as
implicações do ministério que está sendo proposto? Eles têm sido
fiéis e idôneos diante da igreja? Eles têm disponibilidade e dispo-
sição para dedicar o tempo necessário?
7. Elaborando o currículo^: Dos materiais a respeito, quais eles
devem conhecer? Como adquiri-los? Quais seriam as pessoas mais
indicadas para influenciá-los nesta matéria? Que cursos eles deve­
riam fazer?
8. Estabelecendo um programa de convivência: Quando, como
e para que vocês se encontrarão? Como conhecer e investir na
vida pessoal, familiar, profissional, espiritual e ministerial de cada
um deles?
9. Realizando o programa: Quem poderá ajudar no estabeleci­
mento deste programa? Que material ou recursos são necessários
antes de iniciar? Tendo o conhecimento de todo o programa, o
material necessário e as pessoas disponíveis, então é só começar
o treinamento.
10. Oficializando a liderança: Quais são os procedimentos nor­
mais pelos quais esses líderes poderão ser reconhecidos pela igre­
ja? Eles estão bem preparados para assumir o ministério que lhes
cabe? Eles terão o respeito, o apoio e a bênção da igreja?
Respondidas essas perguntas, já estamos em pleno processo de
experimentar algo novo em termos de liderança de igreja, muito
mais próximos do ensino bíblico.

CONCLUSÕES
Sintetizando os conceitos apresentados, vimos que cada igreja
deve desenvolver o seu próprio modelo de treinamento, de tal
maneira que produza líderes fiéis e idôneos, conforme os quesitos
da Palavra de Deus, e bem preparados para o exercício de uma
liderança que ajude efetivamente o povo a desenvolver o seu
próprio ministério, para a edificação do Corpo de Cristo e para a
glória de Deus.
Neste ponto gostaria de sugerir que cada pastor ou líder
envolvido com esse projeto procure conhecer e se assessorar de
pessoas ou missões que atuem no treinamento de líderes e/ou que
forneçam material apropriado para o tipo de líder a ser treinado.
O currículo de um líder na área de finanças da igreja será dife­
rente daquele para um líder de adolescentes, por exemplo. Hoje
em dia as igrejas têm ao seu alcance muitos recursos especiali-
lizados em quase todas as suas áreas de necessidade. H á missões,
congressos, cursos, livros, apostilas, fitas, vídeos e muito mais à
disposição.
Agora, duas palavras fmais. Devo dizer que nossa igreja con­
tinua “normal”, isto é, temos lutado com muitas dificuldades no
decorrer dos anos, como qualquer outra igreja. Só acrescenta­
ríamos que a convicção de estarmos agindo conforme o ensino
bíblico tem nos dado força para enfrentar e vencer as mais difíceis
batalhas para a glória do Senhor Jesus, Senhor nosso e de toda a
igreja. E, por último, a minha mais sincera oração é que este livro
e este capítulo contribuam significativamente para que muitas
outras igrejas usufruam das bênçãos do Senhor. Amém e amém!

NOTAS
^Um excelente livro sobre o assunto é O Plano Mestre de Evangelismo,
Robert Coleman, trad. João Marques Bentes (5“ ed., São Paulo: Mundo Cristão,
1984).
^Gene A. Getz, A Medida de um Homem Espiritual, trad. Yolanda M.
Krievin (São Paulo: Literatura Evangélica Internacional, 1977), apresenta
projetos específicos para cada qualificação.
^Há vários projetos no Brasil para desenvolver a liderança na igreja local;
veja os capítulos de Pr. Paulo Solonca nesse volume e Dr. David Komfíeld no
próximo. Outro projeto muito importante é o denominado Biblical Institute of
Leadership Development (BILD), que se propõe a dar aos líderes de uma igreja
local todo o treinamento teológico, prático e espiritual necessário. Informações
a respeito com o Pr. Daniel Fernandez Lima, da Igreja Batista do Morumbi, Rua
Carvalho de Freitas, 1076, Vila Andrade, 05.728-030 São Paulo, SP.

LIVROS SUGERIDOS
Clinton, J. Robert. The Making o f a Leader. Colorado Springs, CO: NavPress,
1988.
Grant, Howard J. O Lider Eficaz. Trad. Oswald Ramos. 2“. ed., São Paulo:
Mundo Cristão, 1991.
Kilinsky, Kenneth K. e Jeny C. Wofford. Organização e Liderança na Igreja
Local. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo: Vida Nova, 1987.
Morley, Patrick M. O Homem de Hoje. Trad. Wanda G. Assumpção. São Paulo:
Mundo Cristão, 1992.
Ortiz, Juan Carlos. O Discípulo. Trad. Mirian Talitha Lins. 6^ ed.. Venda Nova,
MG: Betânia, 1980.
Sanders, J. Oswald. Liderança Espiritual. Trad. Oswald Ramos. São Paulo:
Mundo Cristão, 1991.
141
PEQUENOS GRUPOS,
UMA VELHA NOVIDADE:
Voltando a uma Verdadeira Koinonia Comunitária

Ed René Kivitz*

Parece um contra-senso falar sobre pequenos grupos num


livro sobre eclesiologia criativa. Os pequenos grupos não nasceram
ontem, sendo chamados de células, koinonias, grupos familiares e
tantos outros nomes. Existem desde a eternidade, passaram por
Jetro e Moisés, perduraram durante todo o período apostólico e
chegaram à atualidade sem perder seu vigor. Entretanto, sinto-me
perfeitamente à vontade para falar sobre pequenos grupos para a
igreja contemporânea por ao menos três razões.
Primeiramente porque, mesmo sendo uma idéia antiga, ainda
é eficaz e eficiente. Elmer Towns escreveu Ten o f Today’s In ­
novative Churches, um guia sobre o crescimento de dez igrejas
inovadoras nos Estados Unidos. Surpreendentemente, oito dessas
dez igrejas apresentam os pequenos grupos como carro-chefe de
sua experiência de comunidade.
Em segundo lugar, creio que pequenos grupos faeilitadores
de relacionamentos pessoais são uma das maiores necessidades da
igreja em nossos dias.
Richard Halverson, capelão do senado norte-americano,
observou que:

*Ed René Kivitz é pastor titular da Igreja Batista de Água Branca, professor
da Faculdade Teológica Batista de São Paulo e autor de Nasce uma Igreja — Um
Estudo Panorâmico de 1 Coríntios (São Paulo: SEPAL, 1992) — para ser
utilizado com pequenos grupos; e Koinonia — Manual para Líderes de Pequenos
Grupos (São Paulo: Abba Press, 1994). Para mais informações escreva para: Rua
Apinagés, 1404, apt. 503, 01258-000 São Paulo, SP.
No início, a igreja era uma comunhão de homens e mulheres cen­
trada no Cristo Vivo. Então a igreja chegou à Grécia e tornou-se
uma filosofia. Depois, chegou até Roma e tornou-se uma institui­
ção. Em seguida, à Europa e tornou-se uma cultura. E, final­
mente, chegou à América e tornou-se um empreendimento.^
Penso que não erro o alvo ao afirmar que chegou ao Brasil e
firmou-se como um evento.
Com o passar dos anos, a igreja deixou de ser uma comuni­
dade de amor, para tornar-se um lugar onde os íiéis se reúnem.
Deixou de ser o que o cristão é, para tornar-se o lugar onde o
cristão vai. Reunir multidões em grandes auditórios tornou-se o
indicador do ministério bem sucedido. Não tenho a menor dúvida
de que resgatar o “partir o pão em nome de Jesus” {cf. At 2:46)
é um dos maiores desafios da igreja contemporânea.
Em terceiro e último lugar, penso que, mesmo sendo uma
idéia antiga, os pequenos grupos cabem numa discussão sobre
eclesiologia criativa porque, sem ser redundante, hoje precisamos
de muita criatividade para facilitar e desenvolver relacionamentos
num contexto de modernidade e urbanismo. Temos muito a
questionar e até mesmo a reinventar se quisermos ver nosso
rebanho relacionando-se pela via dos pequenos grupos. '
É com muito entusiasmo, portanto, que convido o leitor a
caminhar junto comigo, avaliando as bases bíblicas e teológicas, os
modelos, as possibilidades e as sugestões para um ministério
relevante através de pequenos grupos.

BASES BÍBLICAS E TEOLÓGICAS


PARA OS PEQUENOS GRUPOS
São inúmeras as razões para que os pequenos grupos
atravessem as culturas e o tempo e se firmem como instrumentos
necessários ã saúde da comunidade cristã. A principal delas,
evidentemente, é que os pequenos grupos encontram respaldo
abundante nas Escrituras.
Exemplos Bíblicos da Utilização de Pequenos Grupos
Nada mais, nada menos, Deus é nosso paradigma para os
pequenos grupos. A Santíssima Trindade é o exemplo mais
sublime de um pequeno grupo: três pessoas vivendo em mutuali­
dade e perfeita unidade. Penso que, muito provavelmente, foi
como expressão desta vida de koinonia perfeita que Deus afirmou:
“Não é bom que o homem esteja só.” (Gn 2:18)
Deus e os relacionamentos são realidades inseparáveis. O
Deus que Se relaciona Consigo mesmo, na perspectiva de reunir
três pessoas em irrepreensível interação, criou o homem “à sua
imagem e semelhança” (Gn 1:26,27) tendo em vista relacionar-se
com ele, e criou este homem necessitado de relacionamentos.
A explicação para tal inseparabilidade entre Deus e a
realidade dos relacionamentos parece simples. Deus é amor (1 Jo
4:8), e o amor não se contém em si mesmo, mas expressa-se em
dar e em se dar.
A estrutura judicial do povo de Israel em sua peregrinação
no deserto é outro exemplo bíblico da utilização de pequenos
grupos. O responsável por essa grande alternativa foi Jetro, sogro
de Moisés, que sugeriu a divisão do povo em grupos de mil, cem,
cinqüenta e dez (Êx 18), dando mais agilidade e funcionalidade ao
julgamento das demandas populares e suprindo com mais rapidez
e eficiência a necessidade daquele imenso rebanho. Ademais,
livrou Moisés de um estresse, uma úlcera ou um infarto do
miocárdio, se é que isso existia naquele tempo. Aliás, se não
existia, Moisés o teria inventado, caso não acatasse o sábio
conselho do sogro.
O Senhor Jesus foi o líder supremo de pequenos grupos.
Robert Coleman diz que a atenção do Senhor Jesus não estava
focalizada prioritariamente nas multidões, mas em formar homens
a quem as multidões seguiriam.^ Seu método para formar esses
homens foi reuni-los num pequeno grupo (Mc 3:14). Tal consta­
tação deveria bastar para aqueles que ainda duvidam da eficácia
e relevância dos pequenos grupos. Mas a chamada igreja primitiva
também funcionou à base de pequenos grupos. Aquela era a igreja
de “todos os dias, no templo e nas casas” (At 2:46; 20:20).
Os Pequenos Grupos e a Igreja no Novo Testamento
Deus e os relacionamentos são realidades tão inseparáveis
que não somente o Senhor Jesus como também a igreja deixaram
os relacionamentos pessoais como um dos maiores desafios para
a vida cristã.
O Novo Testamento mostra que a vida cristã é uma vida de
relacionamentos. O discipulado se faz através de relacionamentos,
pois discipular é “ensinar a guardar todas as coisas que o Senhor
Jesus mandou” (Mt 28:19), não apenas ensinar o que o Senhor
Jesus mandou.
Para ensinar o que Jesus mandou, precisamos de bons
mestres, bons métodos didáticos, bons currículos e instalações
adequadas. Talvez um bom curso no seminário ou um ciclo de
estudos através de videocassete. Mas, “ensinar a guardar” carece
' de relacionamentos, de exemplos concretos, de pessoas que
possam ser observadas de perto, assim como Timóteo observou a
Paulo e viu o evangelho funcionando (2 Tm 3:10-12).
Não somente o discipulado, mas também o cuidado do
rebanho se faz através de relacionamentos. Podemos alistar os _
“mandamentos recíprocos” (aqueles do “uns aos outros”) e
ficaremos desafiados a exortar, aconselhar, advertir, instruir, levar
as cargas e oferecer apoio, entre outras atitudes (Rm 15:14; G1
6:2; E f 4:2; Cl 3:16). Tudo isso não acontece nos eventos da
comunidade, nem mesmo nas visitas esporádicas ao gabinete
pastoral, mas nos relacionamentos que são fomentados no
dia-a-dia do povo de Deus.
Os pequenos grupos, que se reúnem regularmente, geram o
espaço onde os relacionamentos profundos podem acontecer. E,
nesse sentido, os pequenos grupos não são um programa da igreja,
assim como a escola dominical. A igreja pode arranjar outro meio
de instruir biblicamente seus membros; a escola dominical é um
desses recursos. Entretanto, a igreja não conseguirá outro meio de
ser igreja a menos que fracione seu rebanho em pequenas células
(que chamamos de pequenos grupos) reprodutoras de relaciona­
mentos.
OS PEQUENOS GRUPOS E
A ESTRUTURA ECLESIÁSTICA CONTEMPORÂNEA
Muito embora os pequenos grupos façam parte do ministério
de inúmeras igrejas e se proeesse de maneira diferente em cada
uma delas, podemos mesmo assim alistar princípios comuns que
aparecem em quase todas as iniciativas eclesiásticas.
O Conceito de Pequeno Grupo
O número de explicações é igual à quantidade de pessoas
envolvidas nesse ministério. Mesmo assim, em todas as definições
podemos encontrar as seguintes idéias:
1. Relacionamentos. Os pequenos grupos existem para
aproximar as pessoas umas das outras. A expressão “uns aos
outros” é chave nesse processo. Muitas pessoas confundem
pequenos grupos com reuniões, mas na verdade os pequenos
grupos transcendem suas reuniões, pois os relacionamentos não
podem ser limitados por espaço e tempo.
2. Quantidade. Os pequenos grupos não existem para cuidar
do item “quantidade”, e sim do aspecto “qualidade”. Os pequenos
grupos surgem exatamente para suprir a lacuna deixada pelo
anonimato característico das grandes reuniões. Justamente por
isso, devem reunir poucas pessoas (de 3 a 12). Os pequenos
grupos que ultrapassam esse número de participantes devem ser
encorajados a dividir-se, dando origem a outros pequenos grupos.
3. Reuniões regulares. A convivência é o segredo da intimi­
dade e o meio através do qual pode-se desenvolver a mutualidade.
Nenhum relacionamento pode ser construído e mantido a menos
que as pessoas envolvidas dediquem algum tempo para se
encontrar. O ideal é que, no início, as reuniões sejam semanais.
Depois, quando os relacionamentos estiverem relativamente
solidificados, cada pequeno grupo poderá definir sua agenda em
termos de freqüência e tipos de encontros.
4. Afinidades. O caminho em direção ã intimidade entre as
pessoas é sempre cheio de barreiras. Sendo assim, deve haver um
mínimo de homogeneidade entre os participantes dos pequenos
grupos, tanto nas características pessoais quanto nos interesses.
5. Discipulado. Discipular é “ensinar a guardar todas as cois
que o Senhor Jesus ordenou”. A dinâmica do “uns aos outros”
cria o fórum para a troca de experiências e observações necessária
ao processo de aprendizagem. Isso vale tanto para os fíéis que
buscam patamares mais elevados de maturidade cristã quanto para
os não-crentes, que poderão ver o evangelho funcionando na vida
dos cristãos.
Os Diferentes Tipos de Pequenos Grupos
Os tipos de pequenos grupos são tão diversos quanto o
número e os interesses das pessoas envolvidas. Aliás, os exemplos
das diversas igrejas que têm pequenos grupos deixam claro que
não há apenas um jeito de levar adiante este ministério. Por outro
lado, acredito que os pequenos grupos podem acontecer dentro de
pelo menos três possibilidades.
1. Pequenos Grupos de Discipulado, cujo fim último é oferecer
a cada um dos seus participantes a oportunidade de experimentar
o evangelho funcionando em suas vidas. Este tipo de pequeno
grupo pode servir para o cuidado do rebanho, a comunhão, a
instrução e a evangelização.
2. Pequenos Grupos de Ministério, que podem girar ao redor
de interesses comuns, tais como oração, dramatização, integração
de novos cristãos na comunidade, evangelização de grupos
especiais e diaconias sociais.
3. Pequenos Grupos Especiais, que podem funcionar para
suprir necessidades específicas, como idosos, viúvos, descasados,
mulheres, atletas, artistas e tantos outros. A Igreja Batista de
Água Branca possui dois pequenos grupos relevantes nesta
classificação. O primeiro reúne mulheres em fase de menopausa,
proporcionando apoio psíquico-emocional, informações e esclare­
cimentos úteis e comunhão e intercessão. O outro engloba casais
em conflito, promovendo a discussão de temas atinentes ã vivência
conjugal.
Enfim, o leque de opções para a existência de pequenos
grupos na igreja é tão grande quanto a criatividade das pessoas
envolvidas, seus dons espirituais e as oportunidades que Deus
mesmo lhes conceder.
A s Reuniões dos Pequenos Grupos
Evidentemente, as reuniões estarão eondieionadas aos
objetivos que o pequeno grupo abraçou. Notadamente nos
pequenos grupos de discipulado, as reuniões duram 90 minutos,
divididos em três partes.
1. Compartilhar. Este é o momento quando cada ura pod
falar acerca de suas inquietações e sentiraentos, apresentar seus
pedidos de oração, eorapartilhar experiências e testeraunhos.
Alguns pequenos grupos aproveitara esse tempo para ura período
de “prestação de contas”, em que cada participante é cobrado
acerca de seus alvos pessoais e coraproraissos assuraidos ao longo
dos encontros do pequeno grupo.
2 Orar. Todos devera orar, inclusive aqueles que não sabem
orar, os quais, na verdade, pensam que não sabem. Assim como
as pessoas são encorajadas a abrir o coração mutuaraente, raais
ainda devem fazer o mesmo com Deus. Alguns pequenos grupos
possuem uraa “agenda fixa de oração”: orara por raissões,
ministérios específicos, pessoas ou outras questões de interesse
comura.
3. Estudar a Bíblia. Os estudos bíblicos no pequeno grup
devem ser participativos, relevantes, eontextualizados e práticos.
O pequeno grupo não é lugar para ura serraão ou uraa palestra.
O Ambiente do Pequeno Grupo
O ambiente do pequeno grupo é informal. As pessoas devem
sentir-se à vontade. Nas reuniões, é preferível que se sentem em
círculo, de maneira a ficar “cara a cara”. Uraa sala confortável
cora almofadas no chão pode ser raais acolhedora, propiciando o
ambiente necessário para que as pessoas falera de si raesmas num
clima de confiança e aceitação.
A s Atividades do Pequeno Grupo
Conforme já foi dito, a vida do pequeno grupo não se resurae
às suas reuniões. A convivência entre os membros do pequeno
grupo é a “pérola” desejada e, nesse caso, toda e qualquer
atividade que aproxime as pessoas entre si é bem-vinda.
Alguns pequenos grupos planejam viagens, outros reservam
algum tempo para festas de confraternização e comemorações de
datas importantes. Aproveitam para programas de lazer em
conjunto, como ir ao teatro ou cinema. Não raras vezes, as
conversas mais profundas entre amigos e irmãos são travadas à
beira de uma piscina ou à mesa, repartindo uma boa pizza. A
idéia de que as pessoas se relacionam apenas nas “reuniões
oficiais” da estrutura eclesiástica é absolutamente falsa.

SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A IMPLANTAÇÃO DO


MINISTÉRIO DE PEQUENOS GRUPOS NA IGREJA LOCAL
Convicção Divina
Certifique-se de que é um compromisso que você está
assumindo não apenas com sua igreja, mas principalmente com
Deus. Qualquer iniciativa ministerial na igreja local deve ser uma
resposta a Deus. Enquanto o pastor ou líder não tiverem a
convicção de que sua iniciativa está respaldada pela intenção e
propósito de Deus, ainda não há alicerce sólido para começar um
ministério.
Poucas coisas são tão desgastantes para a liderança quanto
“projetos fogo de palha”. O rebanho precisa perceber que o líder
está plenamente convicto de sua proposta e disposto a levá-la às
últimas conseqüências. Ninguém se compromete com um líder que
muda de idéia muito rápido. Nesse caso, não tenha pressa em dar
o “pontapé inicial”. Deixe que Deus assente a idéia em sua mente,
coração e vontade.
Elaboração Consistente
Estude o suficiente para garantir uma visão básica bem
fundamentada no seu coração. George Barna, em O Poder da
Visão, afirma; “Você precisará entender a visão de Deus, em todo
o seu escopo e nuances, antes que possa esperar descrever todas
as suas dimensões para outras pessoas”.’ Ele oferece um exemplo
muito interessante para ilustrar sua tese. No futebol americano, há
o atacante que recebe longos lançamentos feitos pelos zagueiros.
Muitas vezes o atacante não consegue agarrar a bola arremessada.
Uma das principais razões é que o atacante desvia a atenção da
bola antes de pegá-la. Preocupado em escapar das trombadas com
os defensores adversários e na tentativa de ganhar terreno, os
atacantes esquecem o principal: a bola.
Os líderes não podem ter pressa. Planos explicados pela
metade oferecem poucos atrativos. Dificilmente alguém compra
um produto acerca do qual o vendedor não possui muitas
informações ou não sabe esclarecer as dúvidas comuns.
Sensibilidade Persistente
Trabalhe sem pressa na sensibilização da sua igreja local.
Lembre-se de que foi necessário um tempo razoável para que a
visão de pequenos grupos ganhasse sua mente, seu coração e sua
vontade. Assim será também com seu rebanho. Não espere que
todos se comprometam logo no primeiro apelo. De fato, é bom
começar devagar. Voe em velocidade baixa, lenta e sempre na
mesma direção.
Utilize os boletins dominicais de sua igreja para pequenos
textos de conscientização e testemunhos. Faça um “pré-lançamen-
to” do seu projeto: espalhe cartazes, faixas, distribua marcadores
de Bíblia, tudo atinente aos pequenos grupos. Use o púlpito para
instruir sua igreja. Mostre que pequenos grupos não são uma boa
idéia que você teve no último verão, mas encontram respaldo
absoluto nas Escrituras. Crie a consciência de que o rebanho não
está se comprometendo com um projeto do pastor, mas com a
orientação da Palavra de Deus.
Aproveite também as oportunidades de conversar e conven­
cer os líderes-chave de sua igreja. Antes de “vender seu peixe”
para o rebanho, ofereça-o aos que estão mais próximos de você e
que também influenciam o rebanho.
Liderança Comprometida
Selecione criteriosamente os líderes dos pequenos grupos.
Um dos grandes segredos para o sucesso dos pequenos grupos é
o time de líderes desse ministério. Sugiro que os líderes escolhidos
sejam casais comprometidos com a visão de Deus, que desfrutem de
boa reputação ante o rebanho, sejam disponíveis, ensináveis e leais
ao todo da liderança pastoral da igreja.
1. Casais, porque dirigir um pequeno grupo demanda tempo
e dedieação. Quando o cônjuge não compreende a necessidade do
compromisso, o líder logo desiste.
2. Comprometidos com a visão de Deus, porque devem
assumir que a direção de um pequeno grupo não é um favor ou
uma força no ministério do pastor, mas uma resposta fiel a um
ministério para o qual Deus mesmo os separou.
3. Boa reputação ante o rebanho, porque os líderes de um
pequeno grupo devem ser pessoas de confiança, para que o
rebanho possa acatá-los como se fossem o próprio pastor da
igreja. Muitas vezes os líderes do pequeno grupo serão os
responsáveis pelo aconselhamento e pelas orientações pastorais ao
rebanho. De fato, líderes de pequenos grupos podem ser enqua­
drados na expressão “pastores leigos”, e jamais terão respaldo do
rebanho caso haja respingos em sua reputação.
4. Disponíveis, porque liderar um pequeno grupo implica em
tempo para o preparo de cada reunião e para o cuidado pastoral
do “pequeno rebanho”. Gente ocupada demais deixa cair o nível
das reuniões e dos estudos bíblicos ministrados e não está à
disposição das pessoas em suas eventuais necessidades.
5. Ensináveis, porque dos líderes de pequenos grupos
exigem-se competência e excelência, tanto quanto da liderança
pastoral da igreja. E ninguém se torna excelente se não admitir a
necessidade de melhorar sempre. Pessoas satisfeitas consigo
mesmas acomodam-se e acabam por retroceder. De fato, são
péssimos exemplos para o rebanho, que deve ser estimulado a
“crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo” (2 Pe 3:18). Isso recorda a expressão de Howard
Hendricks: “Quem pára de crescer hoje, pára de ensinar
amanhã.”'*As razões são óbvias.
6. Leais ao todo da liderança pastoral da igreja, porque o
pequenos grupos podem se tornar focos de divisão entre o
rebanho. A “síndrome de Diótrefes” (3 Jo 9) sempre encontra
pessoas vulneráveis dentro da igreja, e se algum dos líderes de
pequenos grupos tiver essa propensão a ser o primeiro, logo
haverá discórdia e conflitos na igreja.
Sobre isso, vale ainda uma palavra. A igreja deve caminhar
em unidade, pois os pequenos grupos não podem ser um instru­
mento de desmobilização do rebanho. Algumas pessoas afirmam
que os pequenos grupos acabam por transformar-se em “paneli­
nhas” dentro da igreja. Minha resposta é que o problema não está
em haver “panelinhas” dentro da igreja. Na verdade, sempre há na
igreja pessoas com mais ou menos afinidades entre si, e é natural
que cada qual encontre seus pares, o que fará com que as
“panelinhas” se tornem um fenômeno natural. Do contrário, seria
necessário que cada membro de uma igreja de 500 membros fosse
amigo íntimo dos outros 499, o que é impossível. Todavia, há pelo
menos três ocasiões quando as “panelinhas” criam um problema
na vida da igreja. Há “panelinhas com tampa”, o grupo fechado
em si mesmo, que acaba morrendo. Antes de morrer, porém, dá
muito trabalho. Existem também as “panelinhas em competição”.
Quando surge o espírito de “meu pequeno grupo é melhor do que
o seu” ou “o líder do meu pequeno grupo é melhor do que o líder
do seu”, então perdeu-se de vista a cooperação. Nesse caso, o
passo seguinte é a animosidade e a discórdia. Além disso, há as
“panelinhas autônomas”. Qs pequenos grupos não são uma igreja,
são apenas células de uma igreja. Quando um pequeno grupo
decide agir por conta própria, como por exemplo escolhendo seu
material de estudo ou adotando seus próprios missionários, à
revelia da orientação pastoral da igreja, na verdade deixou de ser
uma célula para tornar-se um corpo.
Treinamento de Líderes
Reúna-se com os líderes durante o tempo suficiente para que
todos experimentem a realidade da vivência em pequeno grupo.
Antes de multiplicar pequenos grupos em toda a igreja, certifi­
que-se de que seus líderes estão bem preparados. Líderes
despreparados geram pequenos grupos abortivos e, se o ministério
não começar bem, dificilmente conquistará o rebanho. Pressu­
pondo que a primeira impressão é a que fica, saiba que “você só
tem uma chance de causar uma primeira boa impressão”.
Conteúdo de Qualidade
Providencie material didático de qualidade para cada um dos
pequenos grupos (unificado ou por áreas de interesse). Na
primeira fase do ministério, é razoável que todos os pequenos
grupos estudem um mesmo material didático. Isso ajuda na
qualidade do estudo bíblico e na coesão entre os pequenos grupos.
Depois, à medida que os líderes forem adquirindo autonomia de
vôo, não há problema em cada pequeno grupo decidir seu roteiro
de estudos — sempre sob a supervisão pastoral, evidentemente.
Grupos com Afinidades
Reúna os pequenos grupos observando o critério de afinida­
des. As experiências têm mostrado que outras maneiras de dividir
pequenos grupos — que não as afinidades — não se revelam tão
eficazes. Critérios como localização geográfica, assunto de estudo
bíblico e outros não funcionam muito bem.
Cuidado do Rebanho
Fique perto dos líderes e dos pequenos grupos. Pastoreie os
líderes e visite os pequenos grupos. Os líderes dos pequenos
grupos estão para você assinl como os 300 valentes estavam para
Gideão. Não deixe que eles se sintam abandonados ou mesmo que
fiquem sem subsídios para sua atuação na igreja. Lembre-se de
que a tarefa dos pastores-mestres é “aperfeiçoar os santos para a
obra do ministério” (Ef 4:11, 12).
Quanto aos pequenos grupos, a presença dos pastores sempre
leva encorajamento e estímulo, além de fortalecer o ministério dos
líderes dos pequenos grupos.
Promova o entrosamento entre os líderes e os pequenos
grupos. É muito importante que todos os participantes do minis­
tério de pequenos grupos se reconheçam como parte de um
mesmo corpo e ganhem visão do que Deus está fazendo na igreja
como um todo. Para tanto, é razoável que os líderes se reiinam
regularmente e que ocasionalmente haja uma atividade reunindo
todos os pequenos grupos.
Finalmente, Isaías profetiza algo que todos os líderes
deveriam admitir: “Uma nação não nasce em apenas um dia” (Is
66:8). Pastores e líderes que não estão dispostos a “sofrer dores
de parto” não chegarão a ver filhos.

CONCLUSÃO
Em grande parte, a igreja deixou de ser um organismo vivo
e tornou-se um evento e, em alguns casos, um excelente negócio.
Reunir pessoas aos domingos, no templo, para que assistam a
performance do clero durante os cultos, resume o ministério de
muitas igrejas contemporâneas. A igreja deixou de ser o que os
cristãos são, para tornar-se um lugar onde os cristãos vão.
Nesse sentido, pastores e líderes são desafiados a “reinventar
a igreja”. Isso, videntemente, não em sua natureza e missão, mas
em sua expressão histórica. Pessoalmente estou convencido de que
o entrelaçamento da comunidade cristã através de pequenos gru­
pos é o único caminho possível para que os cristãos experimentem
hoje o que o Novo Testamento chama de ecclesia. Eu espero em
Deus que as informações e reflexões deste capítulo contribuam
para abrir novos horizontes nesta caminhada de ousadia e
criatividade que deve acompanhar pastores e líderes em todas as
épocas.

NOTAS
'Halverson, citado por Bruce e Marshall Shelley, The Consumer Church
(Downers Grove, IL: InterVarsity, 1992) 109.
^Robert E. Coleman, O Plano Mestre de Evangélisme, trad. João Marques
Bentes (São Paulo: Mundo Cristão, 1969) 19.
’George Bama, O Poder da Visão, trad. João Marques Bentes (São Paulo:
Abba Press, 1993) 140-141.
‘‘Howard Hendricks, Ensinando para Transformar Vidas, trad. Myrian
Talitha Lins (Belo Horizonte: Betânia, 1991) 15.
LIVROS SUGERIDOS
Bolt, Martin E David G. Myers. Interação Humana. Trad. Neyd Siqueira.
São Paulo; Vida Nova, 1989.
Kivitz, Ed René. Koinonia — Manual para Líderes de Pequenos Grupos. São
Paulo: Abba Press, 1994.
Komfield, David. Crescendo na Comunhão. 2 vols. São Paulo: SEPAL, 1994.
McBride, Neal F. How to Lead Small Groups. Colorado Springs, CO: NavPress.
Neighbour, Ralph W. Where Do We Go fron Here? A Guide Book o f the Cell
Group Church. Houston, TX: Touch Publications, 1990.
_____. Manual do Grupo Célula. Trad. Lowell Bailey. Publicação pendente.
Neumann, Mikel. Alcançar a Cidade: A s Células na Evangelização Urbana. Trad.
Célia Louise R. Rocha. São Paulo: Vida Nova, 1993.
Ver Straten, Charles A. How to Start Lay-Shepherding Ministries. Grand Rapids,
MI: Baker, 1983.
151
ESPIRITUALIDADE NA IGREJA MODERNA:
Incentivando a Autenticidade Cristã

Ricardo Barbosa de Sousa*

Falar sobre espiritualidade é falar de relacionamentos. E falar


de relacionamentos envolve muito mais do que encontros, respon­
sabilidades, atividades e outras coisas em comum que fazemos.
Envolve o que somos, nossa capacidade de nos dar para sermos
conhecidos e de conhecer o outro como ele é. É interagir em
amor e afeto, numa permanente e íntima comunhão com o outro.
Essa é a grande crise e o grande desafio da espiritualidade
cristã neste/inal de século. Em meio aos avanços tecnológicos e
às grandes conquistas científicas, o homem vê-se cada vez mais
solitário e distante. O individualismo competitivo deste final de
século desencadeou um sentimento de orfandade e ativismo como
nunca tivemos antes. As relações humanas tornaram-se frágeis,
inseguras, superficiais e fragmentadas.
Mesmo no mundo religioso, particularmente evangélico,
podemos perceber esses sintomas, muitas vezes mascarados pelo
ativismo que já não consegue disfarçar o vazio relacional e afetivo
experimentado por muitos cristãos. O uso das máscaras e os
papéis que representamos reforçam a fragilidade dos nossos
relacionamentos e comprometem nossa espiritualidade.
^ A busca por aceitação, a necessidade de nos sentir amados,
'^leva-nos a representar os mais diferentes papéis no palco da nossa
existência. Talvez hoje, paradoxalmente, a igreja tenha-se tornado

’Ricardo Barbosa de Sousa é pastor titular da Igreja Presbiteriana do


Planalto em Brasília, DF; fez estudos de pós-graduação sobre espiritualidade no
exterior. Para maiores informações, escreva para: SCLN 115, Bloco B, Sala 113,
70.772-520 Brasilia, DF.
O Último lugar onde posso mostrar-me exatamente como sou.
Aquele velho hino cantado nos cultos evangélicos — “Éu venho
como estou...” — serve apenas para o primeiro momento. Uma
vez sendo formalmente recebido na igreja, ele já não serve mais.
Devo ir como os outros esperam que eu venha, não mais como
sou.
Isso tudo nos leva a um modelo que é essencialmente
funcional e impessoal. Conhecemos uns aos outros pelo que
fazemos, pelas posições que ocupamos ou pelos títulos que
possuímos. Pouco ou quase nada sabemos acerca de quem
realmente são nossos amigos. E, pior, quase nada sabemos sobre
nós mesmos. Sabemos do que gostamos, do que fazemos, mas
pouco sabemos sobre quem somos. O mesmo se dá com nossos
amigos, inclusive com aqueles que gozamos de uma relação mais
“íntima”, como é o caso da nossa família. Crescem a cada dia as
crises familiares quando cônjuges e pais descobrem que, depois de
anos de convívio doméstico, não conhecem de fato quem são.

A ESPIRITUALIDADE BÍBLICA E
OS CONFLITOS MODERNOS
Os desdobramentos disso tudo para nossa espiritualidade são
enormes. Santo Agostinho afirma, nas suas Confissões, que
conhecer a Deus é também conhecer a nós mesmos, o nosso
coração, uma vez que é lá que Deus habita. Conhecer a Deus e
não conhecer a nós mesmos é uma grande falácia;
Diante de Deus, está sempre a descoberta do abismo da cons­
ciência humana; que poderia haver de oculto em mim para Deus,
por mais que eu não quisesse dizer a verdade? Conseguiria
apenas ocultar Deus aos meus olhos, mas não poderia ocultar-me
dos seus.^
O raciocínio parece bastante lógico. Se Deus é a Luz e a
Verdade, como a própria Bíblia afirma, ao revelar-se a nós, Ele
traz também a revelação sobre nós mesmos. Sua luz e verdade
revelam não apenas Seu caráter de amor, mas também toda a
nossa realidade mais íntima e secreta. Afirmar que conheço a
Deus desconheeendo a mim mesmo é um grande eontra-senso,
pois ao revelar-se a mim com todo Seu amor e verdade, Ele
também revela toda a minha verdade. Quanto mais me aproximo
de Deus, mais me aproximo de mim mesmo.
Por outro lado, o apóstolo João declara, em sua primeira
carta pastoral, que é impossível afirmar que amamos a Deus e, ao
mesmo tempo, odiar nosso irmão (1 Jo 4:20). Ele vai mais longe
ainda quando diz que “aquele que não ama não conhece a Deus,
pois Deus é amor” (1 Jo 4:8). A impossibilidade desse fato se dá
porque tanto o amor como o conhecimento são experiências
humanas inseparáveis dentro da perspectiva da espiritualidade
bíblica. O conhecimento de Deus, bem como o Seu amor, são uma
coisa só. Dizer que conheço a Deus e desconheço o Seu amor é
uma grande falácia, porque “Deus é amor”.
Ao afirmar que Deus e amor, a Bíblia define Seu caráter
pessoal e relacional. Conhecer a Deus é compartilhar do Seu amor
e amizade. O amor é sempre uma experiência compartilhada e só
pode existir num ser capaz de se envolver com os outros e dar de
si mesmo por eles em amor. É importante constatar aqui que o
Deus revelado nas Escrituras é Pai, Filho e Espírito Santo, e essa
triunidade de pessoas constitui o fundamento de toda a nossa
espiritualidade. O Deus bíblico é, essencialmente, um Deus
relacional. A interdependência que há entre as três pessoas da
Santíssima Trindade define Sua natureza e identidade. Diferente­
mente das outras religiões monoteístas unitárias, como o isla-
mismo ou o judaísmo, onde existe apenas a solidão do Uno, que
não tem nenhum outro em igual dignidade com quem possa
compartilhar o amor, o cristianismo é um monoteísmo trinitário
onde a comunhão e o amor que nutrem as três pessoas da
Trindade são tão intensos e completos que não vemos três, mas
.um. r o i com essa natureza relacional que Deus nos criou, e nossa
espiritualidade é, antes de tudo, o caminho do nosso encontro
com Deus, nosso próximo e conosco mesrnp. Ao criar o homem
conforme a Sua imagem e semelhança, Ele o criou com uma
natureza que só se realizaria numa íntima comunhão e amizade
com o Criador e o próximo.
Vemos aqui que a espiritualidade cristã não é, como muitos
assumem, ativista, operária, medida quase sempre pelo nosso
compromisso e responsabilidade com a atividades religiosas. Ela
também não é avaliada pelo nível do nosso conhecimento
doutrinário ou teológico, muito menos pelas nossas experiências
religiosas, sejam elas de que natureza forem. Ela é, antes de tudo,
afetiva. O mandamento que nos convida a amar a Deus, ao
próximo e a nós mesmo é um convite para um relacionamento
pessoal e afetivo. É neste encontro entre pessoas, neste comparti­
lhar de amor, neste dar e receber, que nós nos afirmamos como
cristãos,_como amigos de Deus. Embora tudo isto exija de nós
conhecimento e proporcione experiências, nossa espiritualidade
não é determinada, a priori, por elas.
^ Infelizmente, encontramos hoje no mundo protestante dois
modelos de espiritualidade. Um é cognitivo, centralizado no
conhecimento, onde o domínio das doutrinas e dos credos
confessionais determina o meu relacionamento com Deus. O
segundo é experimental, voltado para as experiências religiosas
como um fim em si mesmas. A vivência dessas experiências é
fundamental para nossa r e l a t o com Deus. A limitação de ambos
pode ser notada na palavra de julgamento de Jesus Cristo à igreja
de Éfeso, em Apocalipse 2:1-7^Ali, o que está em jogo não é a
fidelidade da igreja, nem mesmo seu compromisso com a sã
doutrina. O que percebemos a partir do relato bíblico é que se
trata de uma igreja operante — “conheço as tuas obras, assim
como o teu labor”; fiel e corajosa — “conheço... tua perseverança,
e que não podes suportar homens maus... suportastes provas por
causa do meu nome”; zelosa da verdade e da sã doutrina —
“...que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos
e não são... ” No entanto, há uma palavra de julgamento para esta
igreja: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro
amor”. O problema desta igreja não é teológico, nem doutrinário,
muito menos religioso (experiência religiosa); é, mais precisamen­
te, um problema a/eíívo, uma crise espiritual. O que faltava àquela
igreja não era mais educação, vocação ou experiência, mas amor,
sentimento que define a natureza espiritual e relacional da igreja,
e O que a identifica com o seu Senhor. Deus não é uma idéia ou
conceito para ser conhecido, nem uma fonte de energia ou poder
para ser experimentado, mas pessoa para ser amada e adorada.
Jonathan Edwards, conhecido pregador puritano do século
XVIII, em meio ao grande avivamento na América do Norte
ocorrido em meados daquele século, escreveu um famoso tratado
que se tornou um dos clássicos da espiritualidade cristã. Neste seu
tratado — ReligiousAffections (“Afetos Religiosos”) — ele afirma
a centralidade dos afetos no verdadeiro avivamento da igreja.
Segundo ele, a natureza do avivamento bíblico não é
necessariamente racional nem emocional, mas afetiva. Isso não
significa que devemos negar a razão ou sufocar nossas emoções,
mas integrá-las aos nossos afetos. Em qualquer relacionamento
humano podemos conhecer (cognitivamente) o outro e até mesmo
termos muitas experiências juntos, o que não significa que nos
conhecemos e relacionamos pessoalmente. Quando afirmamos que
a crise da igreja é relacional, estamos, na verdade, afirmando que
sua crise é espiritual. A grande limitação dos cristãos hoje não
está no campo do conhecimento nem da experiência, mas do -
amor, da amizade, do encontro pessoal não utilitário com o outro.
Ao revelar-se como um Deus pessoal e trinitário (comunhão de
três), o que se espera dos Seus filhos é que estes encontrem o
caminho da comunhão íntima, pessoal e relacional. ’
— As dificuldades que envolvem nossa espiritualidade hoje têm
basicamente duas fontes. A primeira vem de dentro, de nós
mesmos. Muitos de nós ainda não tivemos em nossa vida uma
experiência real de artior, amizade e aceitação. Aprendemos desde
muito cedo a represeptai7 a enganar, a nos esconder da verdade
buscando através da mentira caminhos de aceitação, de amor e de
afeto. Somos iludidos e nos iludimos a todo o momento. Cada um
carrega consigo, nos compartimentos secretos da alma, sua história
verdadeira, suas frustações, medos e trauma^. De uma forma ou
de outra, todas essas experiências"e marcas do passsado estarão
presentes na nossa relação com Deus e com o próximo. Para
ilustrar, bastaria lembrar a dificuldade que toda pessoa que foi
abusada e maltratada pelo pai na infância tem em receber a Deus
como um verdadeiro Pai. Nossa infância não é apenas uma
recordação do passado, mas uma realidade presente que deter­
mina nosso futuro.
A segunda dificuldade que envolve nossa espiritualidade vem
de/ora, do meio em que vivemos. Nossa sociedade é individualis­
ta, competitiva e conseqüentemente impessoal. Nossas relações
humanas são superficiais e descartáveis. Para sobreviver num
contexto assim, temos de construir fortalezas e montar n o s ^
defesas. Desde muito cedo somos comparados com o u tm ^
julgados e condenados. A sobrevivência num mundo comoNá|fe O
requer muito “jogo de cintura”, muita máscara, muito
não revelar quem realmente s^m av Ao nos revetenwos-^íomo
somos, nos tornamos frágeis, depender\tçs,,/^;6^\^sW não é
recomendável nunij]iunda_xxyn£etitiyc^ o mundo^
I moderno, com seu cientificismo e t á n m o ^ “aWnçada, não
permite que se aceite aquilo que não tiaí^^^peÍo~^^ da ciência
ou da lógica ou, pior ainda^--dar^ím icia^e e da revelância
imediata. Não podemos per^^item peí. Precisamos de respostas
rápidas e soluções im e d i^ ã i^ ^ ra nossos dilemas. Construir
amizades e relações nã(f@ wtárias e interesseiras num contexto
desse tipo é pura p^'^@ÍÉ?tempo.
' Todo ^ e y ® i ^ t ó interior e exterior estão presentes na
nossa esp iritáM ^d e moderna. Na verdade, não podemos fugir
desses à M ^ ^ o r q u e eles determinam o modelo dos nossos
relad(M@)TOHfos, inclusive o espiritual. É certo que nosso encontro
o primeiro passo rumo a um processo de revisão da
aceitação de quem somos por ^ u e l e que é o único que
conhece e ama incondicionalmente. Mas, não podemos negar
o laio ue que essas realiuaues luieriores e exiciiulcs cuuiuiuauí
presentes e determinam nossas experiências e relacionamentos. ^
Diante desses fatos, quais seriam os caminhos para uma
espiritualidade mais relacional, humana, pessoal e transformadora?
Como poderíamos encontrar caminhos que nos estimulem a uma
relação mais intensa, pessoal e íntima com nossos irmãos e irmãs,
fazendo com que a igreja seja de fato igreja, família que goza de
amizade e que vive numa relação de profunda interdependência
e amor à semelhança do Deus Triúno que nos criou?
Gostaria de sugerir três caminhos que com certeza são bem
conhecidos, mas que por algumas razões perderam seu poder
transformador na nossa experiência cristã. Esses caminhos
obviamente não esgotam nossas opções nem devem ser vistos
como fórmulas ou receitas, mas sim como princípios a serem refle­
tidos e desenvolvidos a partir do contexto e realidade de cada um
de nós.

CONFISSÃO
Tenho observado nas minhas andanças por igrejas e congres­
sos que a prática da confissão, pelo menos na experiência pública,
tem sofrido uma enorme perda de significado. Imagino que na
experiência pessoal não seja muito diferente.
No culto da maioria das igrejas evangélicas, a liturgia tem
sido comprometida pelo individualismo antropocêntrico e uma
forte tendência narcisista. A preocupação pelo estético (a forma
é mais importante do que o conteúdo), o sentir-se bem (a centra­
lização do homem e suas emoções), tem substituído sistemati­
camente elementos litúrgicos como a confissão, ou mesmo a
leitura da Palavra de Deus, Não podemos ter uma liturgia que só
aponta para coisas positivas, como ações de graças, testemunhos
de vitórias e cânticos triunfalistas. Alguns salmos não iniciam com
expressões de gratidão ou vitórias, mas com lamentos e confissão.
Louvor e gratidão muitas vezes só aparecem depois de termos
apresentado toda a verdade em confissão perante Deus. “Gratidão
e confissão são como a expiração e inspiração na respiração.
Pertencem um ao outro”, afirma Dr. Paul Stevens.^ Esses dois
lados da moeda são absolutamente imprescindíveis no ato do
culto. Através da confissão conheço a mim mesmo, e através da
gratidão e louvor conheço a Deus e Seu amor. Um sem o outro
promove o egoísmo, a indiferença e o individualismo. Blaise
Pascal, famoso matemáfico e filósofo cristão do século XVII,
percebeu claramente este risco nos seus pensamentos: “O homem
que conhece a Deus, mas não conhece sua própria miséria, torna-
se orgulhoso. O homem que eonheee sua própria miséria, mas não
conhece a Deus, termina em desespero”.’ O culto cristão
preocupa-se com esses dois aspectos do coração humano:
autenticidade e adoração. Só alcançaremos a autenticidade quando
permitirmos que resida em nós o amor do Deus que nos conhece
e sabe quem somos.
. As liturgias modernas, como o mundo moderno, optaram
pela estética do culto como forma de provocar os estímulos
necessários à presença e participação do povo nas celebrações
cristãs. Nosso cultos vão-se transformando em verdadeiros
espetáculos pirotécnicos. O “louvor”, com seus cânticos cujas
letras quase que só evocam a^s vitórias e vantagens da fé, com
raras exceções não nos convidam a olhar para dentro e reconhecer
quem somos. O ato de nos voltar para dentro, examinar-nos a nós
mesmos, reconhecer nosso limites, assumir nossa fmitude, enfim,
ver-nos a nós mesmos como pecadores que somos, é uma proposta
litúrgica que se encontra em baixa. Preferimos assumir que somos
“filhos do. R ei”, “o melhor de Deus”, que temos direitos conquis­
tados e que nossa única responsabilidade é “tomar posse” do que
já é nosso.
A confissão, tanto particular como pública, é um caminho
que nos leva ao encontro com Deus e conosco mesmos. Parece-me
que, biblicamente, não há outro meio que nos leve a esse encon­
tro. Qonfessar é apresentar-me tal corno sou diante de Deus e dos
homens. É arrancar os véus e máscaras que fizeram de mim aquilo
que não sou. É assumir minha verdadeira humanidade. É negar
toda a falsidade e ilusão que o pecado cria em nós.
^Ao reduzir o conceito bíblico de pecado, reduzimos também
o poder transformador da confissão. Para muitos de nós, a
confissão é um momento onde simplesmente apresentamos diante
de Deus nossos atos, palavras e pensamentos que ofenderam Sua
vontade e santidade. No entanto, ao reconhecer apenas nossos
atos, negamos a verdade sobre o nosso caráter. Na confissão, o
que está em jogo não é apenas o que fizemos ou deixamos de
fazer, mas quem somos. Por exemplo, glutonaria, idolatria,
malediscência e impureza não são atos isolados que praticamos em
determinados momentos de fraqueza; na verdade, são atitudes que
revelam nosso caráter, aquilo que somos. No ato da confissão,
devemos assumir que somos glutões, idólatras, fofoqueiros,
impuros, que essa é a nossa natureza q u e^recisa ser tra n ^
formada.
Gostaria de sugerir três momentos em que devemos desen­
volver a prática da confissão. O primeiro é a confissão pessoal,
feita em secreto diante de Deus. O segundo é a confissão feita a
um amigo(a), e o terceiro é a confissão pública, aquela que
fazemos na igreja ou grupo de oração.
Confissão Pessoal
A confissão pessoal ou particular, aquela que fazemos no
secreto do nosso quarto, tem grande poder transformador. O
apóstolo Paulo afirma; “Onde está o Espírito do Senhor aí há
liberdade. E todos nós com o rosto desvendado, contemplando,
como por espelho, a glória do Senhor, como transformados de
glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o
Espírito” (2 Co 3:17, 18). Para o apóstolo, a confisssão é um
desvendar do rosto diante de Deus para ^rm o s transformados.
Isto se dá porque onde o Espírito do Senhor habita há a liberdade
para esse ato de desnudamento. A liberdade ã qual o apóstolo se
refere é a liberdade da autenticidade.
Para isso, é preciso reservar um bom tempo, num lugar
silen^cioso, e voltar os olhos para dentro, olhar nossa face por
~3efrás dos véus e máscaras e dizer para o nosso Pai quem somos.
Precisamos desnudar-nos diante dele, do único que nos conhece
como somos. O apóstolo nos diz que, uma vez tendo o rosto
desvendado diante de Deus, contemplando Sua glória, somos
transformados. Talvez a razão pela qual vivemos hoje em meio a
um grande despertar da igreja, sem perceber grandes transforma­
ções no caráter, seja porque não tem havido confissão sincera e
autêntica dos cristãos diante de Deus.
Á confissão pessoal, contudo, traz sempre o risco de ser
incompleta, porque nosso coração nos ^ngana. Como posso
confiar no exame da minha própria consciência? É certo que o
Espírito Santo nos ajuda no ato da confissão, mas não devo me
iludir em relação a mim mesmo. O coração humano é corrupto e
enganoso e, para evitar que ele me engane, devo usar de mais um
recurso recomendado pela Bíblia, que é a confissão a um ami-
go(a).
Confissão a um Amigo (a)
Tiago nos exorta a confessar nossas faltas uns aos outros
para sermos curados. Nossa tendência tem sido confessar nossos
pecados secretamente a Deus e escondê-los dos outros. No
entanto, ao revelar-me ao outro como sou, com todas as minha
fraquezas, pecados e fracassos, sou curado da minha falsidade e
hipocrisia. Talvez seja por isto que Tiago nos diz que devemos
confessar nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos outros
para sermos curados. É bom notar que ele não diz que é para
sermos perdoados, porque o perdão é um dom da graça divina,
mas curados. Torno-me capaz de amar e ser amado, porque
ninguém ama aquilo que não existe ou é falso. Muitos cristãos não
têm experimentado uma v e rd a d e ira l^ ç ã o de amizade e amor
porque mantêm ainda as máscaras da falsidade. A verdadeira
comunhão na igreja nasce des^e encontro com a verdade. ^
Os riscos dessa atitude são sempre enormes, mas não temos
outra alternativa. Ou ficamos com nossas máscaras e véus,
iludindo-nos e enganando aos outros, sem que nunca saibamos se
as pessoas amam nossas fantasias ou a nós mesmos, ou arranca­
mos tudo no ato da confissão e experimentamos a verdadeira
amizade e aceitação — a mesma que gozamos ao sermos aceitos
e amados, tal com somos pelo nosso Pai Celeste.
Confissão Pública
A prática da confissão pública serve para que a igreja se
lembre sempre de que é uma comunidade de pecadores. É uma
prática que deve ser resgatada, principalmente no momento em
que, tanto a igreja como o país, vivem uma onda de sucessivos
escândalos que mostram a face oculta de todos nós. Somos uma
comunidade de pecadores buscando reconciliação com Deus e o
próximo. A não aceitação desse fato tem levado muitos cristãos a
uma verdadeira migração eclesiástica, buscando uma igreja que
não^eia tão peca ^ r a como aquela de onde ele veio. Por outro
lado, encontramos também pastores e líderes procurando criar
super-igrejas, com programas e liturgias que nos fazem sentir
muito melhor do que realmente somos. Reconhecer quem somos
como cidadãos deste país, líderes da igreja, crentes em Jesus
Cristo, só vai contribuir para que experimentemos a mais profunda
e rica transformação do nosso caráter.
A confissão pública também resgata o sentido de corpo da
comunidade cristã. Q pecado ju e praticamos não é só pessoal.
individual, mas também comunitário e nacional. Na igreja não são
os outros que pecam, nós pecamos como igreja. Corpo de Cristo.
A confissão pública nos torna rnais irmãos, mais dependentes da
graça de Deus, e cria um sentido mais profundo de família, de ser
igreja. Não estou aqui me referindo à prática de cristãos
confessarem aos seus pecados publicamente perante toda a igreja,
embora creia que haja lugar para isto, mas de a própria igreja,
enquanto comunidade da fé, apresentar-se perante Deus em
arrependimento e confissão. Não são os artifícios que criamos que
nos tornam mais irmãos, mas é a confissão de quem somos que
cria os laços de comunhão e fraternidade.
A confissão é uma prática espiritual que precisa ser redeseo-
berta pela igreja contemporânea, porque somente através dela
encontramos o caminho para um relacionamento sadio, pessoal e
humano.

PAI ESPIRITUAL
Recentemente, estava conversando com alguns amigos da
minha igreja sobre a importância de termos alguém a quem
prestar conta da nossa vida, e particularmente do nosso mundo
espiritual. Deparei-me com o fato de que sou uma pessoa inde­
pendente, autônoma e, conseqüentemente, vulnerável. Percebi que
não tenho ninguém que eu reconheça como um “pai” ou supervi­
sor espiritual.
São vários os termos que, ao longo da história, a igreja tem
utilizado para descrever esse importante ministério na vida dos
cristãos. Para evitar confusão, pretendo usar aqui a expressão “pai
espiritual”, por ser, na minha opinião, a que mais se ajusta ao que
queremos demonstrar.
O pai espiritual é alguém que reconhecemos por sua
sabedoria e temor a Deus, e a quem nos submetemos para expor
nossa alma e coração. Não se trata, necessariamente de um
confessor, mas de um pai no sentido mais literal da palavra.
Alguém que nos ajudará a nos conhecer em nossa relação com
Deus e o próximo.
Sabemos que todo psicólogo tem um supervisor a quem ele
se submete terapeuticamente para conhecer seus limites, sua
vulnerabilidade e suas próprias crises, a fim de não transferi-las
aos pacientes. Mas a maioria de nós, pastores, líderes, conselhei­
ros, não tem ninguém que nos supervisione. Convivemos
permanentemente com pessoas e seus conflitos espirituais e
emocionais, sem perceber nossas próprias angústias. Acabamos
por transferir nossos traumas por não conhecê-los.
A supervisão espiritual é também uma prática que tem
perdido o seu significado e lugar entre nós, ao optarmos pelo
individualismo como forma de sobrevivência no mundo moderno.
Não se trata de um programa de discipulado, de um mestre ou
orientador, nem da transferência de conhecimento, mas de
encontrar alguém que caminhe conosco e nos ajude a encontrar
nosso próprio caminho. O pai espiritual não é aquele que vai nos
apresentar as receitas e soluções infalíveis para nossos dilemas e
crises, nem será juiz buscando falhas e pecados a serem julgados.
Muito menos um patrulheiro, procurando controlar nossa vida e
definir nosso destino. Mas esse pai será um amigo que nos ajudará
a conhecer melhor a nós mesmos, e o lugar que Deus ocupa na
nossa vida.
Para os líderes, os próprios pais espirituais da igreja, a
necessidade que todos nós temos de abrir o coração e torná-lo
conhecido a alguém é da mais absoluta importância na formação
do caráter e da espiritualidade cristã. Aqui, não se trata apenas de
confessar os pecados, que já tratamos anteriormente, mas de
tornar conhecidos nossos pensamentos. O que o pai espiritual
precisa saber — e o filho espiritual precisa revelar — são os
movimento do coração que nascem da mente. Quando os impulsos
do coração alcançam nossa vontade e determinam nossos desejos,
pode ser muito tarde para evitar o pecado. A atividade do pai
espiritual precede a do confessor.
O texto bíblico que nos ajuda a entender esse ministério
encontra-se em Tiago 1:12-15. Aqui, Tiago nos diz que a tentação
nasce da nossa própria cobiça que é gerada no coração. Abrir o
coração para alguém é permitir que esses pensamentos se tornem
conhecidos, de preferência muito antes de se tornarem uma
cobiça. O pai espiritual não é, portanto, um discipulador ou
mestre, na forma como temos conhecido, mas, antes, um amigo de
caminhada, um bom ouvinte, alguém que não está ali para nos
julgar, mas para nos ajudar a conhecer nosso próprio coração.
Trata-se de um relacionamento humano e espiritual profun­
do, que penetra o coração e os sentimentos mais secretos. Devo
confessar que não é caminho simples nem fácil. Eu mesmo tenho
encontrado uma enorme resistência a este tipo de relacionamento,
mas estou convencido da sua importância e fundamentação
bíblica. Talvez, a maior dificuldade que encontramos sejam os
constantes abusos que têm sido praticados em nome da religião.
Nada tem sido mais abusado do que a confiança e a autoridade no
mundo religioso, particularmente no meio evangélico. No entanto,
não é por se tratar de um passo de grande risco que vamos negá-
lo, mas sim, resgatá-lo para o bem e a saúde espiritual da igreja.
Como disse, não se trata de nenhuma fórmula, mas de um
caminho com todos os riscos que um relacionamento desse tipo
provoca. Talvez um primeiro passo nessa direção seja aprender a
falar de nós mesmos a um amigo ou grupo de amigos. Às vezes,
um grupo de oração é um bom começo. Em vez de apresentar os
pedidos de oração como normalmente fazemos, por que não falar
de nós, do nosso mundo interior, da nossa história? No princípio,
encontraremos muitas dificuldades. Ficaremos embaraçados,
constrangidos. Logo, porém, iremos descobrir que trata-se da
experiência mais rica e singular que alguém pode ter.
Ao criarmos a coragem para falar de nós mesmos, dos nossos
pensamentos mais secretos, nós nos abrimos para amizades mais
pessoais e íntimas. Estaremos mais dispostos a eneontrar nosso
“pai” ou “mãe” espiritual, teremos mais interesse em buscar ajuda
para penetrar no misterioso mundo do nosso coração. O grande
benefício espiritual dessa experiência é a descoberta de Deus
como Pai na mesma dimensão em que Jesus se relacionava com
Ele.

LEITURA DEVOCIONAL
Outra prática espiritual também importante na nossa relação
pessoal e comunitária com Deus é a leitura bíblica. Obviamente,
não me refiro aqui à leitura que fazemos quando procuramos
investigar o texto bíblico ou àquela em que buscamos respostas
mais imediatas para os conflitos diários, nem mesmo à leitura de
onde saem os sermões e estudos bíblicos. Pelo contrário, a leitura
devocional nunca deve ser usada para algum propósito utilitário
ou pragmático.
A leitura devocional é uma forma disciplinada de devoção,
não um método de estudo bíblico. É feita pura e simplesmente
para conhecer a Deus, colocar-se diante da Sua Palavra e ouvi-lo.
Essa atitude de silêncio, reverência, meditação e contemplação
define a postura de quem deseja aproximar-se da Palavra de Deus.
Um exemplo dessa postura é Maria, irmã de Marta, que
“quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensina­
mentos... enquanto sua irmã agitava-se de um lado para o outro,
ocupada em muitos serviços” (Lc 10:39, 40). Há muitos outros
exemplos bíblicos de devoção, mostrando pessoas que
simplesmente se punham diante do Senhor sem esboçar um única
palavra, sem apresentar um único pedido, apenas ouvindo,
meditando e contemplando.
São quatro os estágios por que passamos ao nos dedicarmos
à leitura devocional: leitura, meditação, oração e contemplação.
Cada um nos conduz inevitavelmente ao outro. A leitura, quando
feita repetidamente e com reverência, conduz à reflexão que
muitas vezes vem acompanhada de uma visualização da cena
bíblica. Por exemplo, podemos tomar o conhecido Salmo 23 e
deixar que por algum momento nossa mente crie uma imagem do
pasto verdejante e tranqüilo para onde o pastor leva suas ovelhas.
Essa atitude de permitir que o texto nos eonduza imaginativa­
mente é o que os antigos ehamavam de meditação. Se nos encon­
tramos tensos, apressados, buscando alguma resposta urgente, se
a leitura devocional é algo que precisa ser feito, perdemos o
significado da devoção que nos leva à meditação. Imagino a
postura de Maria, mãe de Jesus, ao ouvir as palavras dos pastores
sobre o que viram e ouviram acerca do Messias, Diz o texto que
ela “guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (Lc
2:19). Penso que Maria ficava ali quieta, procurando discernir e
imaginar os caminhos do seu filho e a profundidade dos mistérios
divinos.
A meditação no Salmo 23 (ou qualquer outro texto) produ­
zirá um desejo de falar com o Pastor, de conversar com Deus.
Nosso coração e mente irão se mover em direção ao Senhor que
é o Bom Pastor, e esse movimento do coração em direção a Deus
é o começo da oração. A contemplação é o ponto alto da experi­
ência de oração, é a profunda comunhão com Deus que nos
envolve completamente e transforma nossa vida.
Para começar, reserve trinta minutos a cada dia. Encontre
um lugar calmo e recolha-se para a leitura. Deixe de lado sua
percepção crítica, acadêmica, analítica, e coloque-se numa atitude
de expectativa. Essa é uma postura que, normalmente, as pessoas
pragmáticas chamariam de “perda de tempo”, porque não traz
consigo nenhuma proposta objetiva. A leitura devocional é uma
forma de absoluta submissão, de deixar acontecer. Deus nos
conduzirá e definirá Sua própria agenda. Nunca teremos certeza
do ponto onde a prática da leitura nos conduzirá. De certa forma,
nós entregamos toda a necessidade de controle sobre o texto e
permitimos que Deus nos conduza livremente para o encontro
com Ele.
Todo relacionamento pessoal requer tempo, esforço e
atenção. A prática diária da leitura devocional estabelece um
padrão que se transforma na base para um relacionamento sério
e profundo com Deus. Talvez por exigir tempo e uma abordagem
não direcionada, objetiva e com resultados concretos, a leitura
devocional não tenha grande aceitação no mundo moderno
caracaterizado pela sua praticidade, racionalidade, superficiali­
dade, impessoalidade e urgência.
A leitura devocional pode também ser praticada publicamen­
te. Na verdade, as pessoas aprendem melhor quando podem ver
do que quando apenas ouvem ou lêem. O grupo pode ser o da
escola dominical, um grupo familiar ou mesmo o culto público
numa igreja não muito grande. Convide as pessoas a fecharem os
olhos para que, por alguns instantes, silenciosamente, invoquem
a presença e o auxílio do Espírito Santo. Porém, é necessário que
antes mesmo da invocação da presença do Espírito Santo elas
invoquem sua própria presença. É muito comum chegar aos
encontros e reuniões com nosso espírito ainda muito agitado,
inquieto e distante. Após um breve momento de silêncio e
quietude, alguém começa a 1er e a repetir o texto bíblico calma e
pausadamente, num tom sereno e tranqüilo, dando sempre uma
pausa entre uma frase e outra, levando o grupo a meditar e orar.
Um texto que tenho usado com grande freqüência é aquele do
cego Bartimeu, que ouve a pergunta surpreendente de Jesus; “Que
queres que eu te faça?” (Lc 18;35-43). Normalmente, o grupo
termina com uma oração respondendo pessoalmente a esta
pergunta de Jesus.
É importante lembrar que, tanto na prática pessoal como em
grupo, cada pessoa deve penetrar na narração como se fosse um
personagem daquele relato. No caso do cego Bartimeu, como se
fosse o próprio cego ou um dos discípulos de Jesus, ou mesmo um
transeunte qualquer. É um exercício que requer um pouco mais
de imaginação. Por isso, devemos deixar de lado nosso academicis-
mo racional para um abordagem mais afetiva e pessoal.
A prática desse exercício espiritual trará também grande
influência nas nossas relações interpessoais, pois nos ajudará a
ouvir melhor os outros, deixando que eles mesmo se revelem a nós
e evitando a precipitação dos nossos juízos preconceituosos.
CONCLUSÃO
As propostas devocionais apresentadas aqui não trazem nada
de novo. No entanto, diante da crise espiritual que vivemos, julgo
necessário resgatá-las para que nos ajudem a reencontrar aquilo
que é mais elementar na experiência espiritual — o relaciona­
mento pessoal e afetivo com Deus.
Doutrinariamente, afirmamos que o Deus bíblico é pessoal,
mas na prática devocional de cada um de nós nem sempre é assim.
Nossas relações são confusas, utilitárias, e temos muita dificuldade
para mostrar quem realmente somos. É somente nesse encontro
com Deus que começo a ver-me como realmente sou, e sentir-me
amado por quem verdadeiramente me conhece.
As práticas devocionais aqui apresentadas têm a finalidade
de nos ajudar nesse encontro com Deus e conosco mesmos. Tenho
procurado experimentá-las tanto pessoalmente como comunitaria-
mente, e devo confessar que é uma experiência de enorme poder
transformador e libertador, tanto para a igreja ou grupo quanto
para o indivíduo. No entanto, como já disse e repeti, a espirituali­
dade cristã não é o resultado da aplicação de fórmulas ou receitas
pragmáticas, nem de modelos vividos e experimentados por outros,
mas do nosso encontro pessoal com Deus, onde a história e
pessoalidade de cada um terá de ser colocada diante daquele que
nos ama e nos conhece como de fato somos.

NOTAS
^Agostinho de H ipona,^^ Confissões (São Paulo: Quadrante, 1989) 177.
^Paul R. Stevens, Disciplines o f the Hungry Heart — Christian Living Seven
Days a Week (Wheaton, IL: Harold Shaw) 131.
’Pascal citado em ibid., 132.
LIVROS SUGERIDOS
Agostinho de Hipona. A s Confissões. São Paulo: Quadrante, 1989.
Bonhoeffer, Dietrich. Vida em Comunhão. T . ed., São Leopoldo, RS: Sinodal,
1986.
Edwards, Jonathan. A Genuína Experiência Espiritual. Versão reduzida de “A
Treatise Concerning Religious Affections”. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1983.
______. A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais da Autenticidade. Trad. Valéria
Fontana. São Paulo: Vida Nova, 1992.
Foster, Richard. Celebração da Disciplina — O Caminho do Crescimento
Espiritual Miami: Vida, 1983.
Meyendorff, John, et al, eds. Christian Spirituality. 3 vols. Nova Iorque: Cross-
road/Londres: SCM Press, 1983-1989.
Schaeffer, Francis A. Verdadeira Espiritualidade, trad, não nomeado 2". ed. São
Paulo: Fiel, 1984.
Stevens, Paul R. Disciplinas para um Coração Faminto. São Paulo: Abba Press,
1993.
Wakefield, Gordon S., ed. The Westminster Dictionary o f Christian Spirituality.
Filadélfia: Westminster e Londres: SCM Press, 1983.
/6/
OS DONS ESPIRITUAIS:
Despertando o Potencial Divino da Igreja Local

Armando Bispo da Cruz*

O tema revela a lúcida preocupação dos evangélicos brasi­


leiros com a conciliação de duas realidades: a intensificação do
agir dinâmico e criativo do Espírito Santo no limiar do século
XXI, e as estruturas eclesiásticas centenárias, burocráticas, pesadas
e inflexíveis.
O dilema do “antigo” versus o “novo” tem provocado um
clima de descontentamento com certas formas e práticas da igreja
local. A falta de flexibilidade e abertura para os dons leva muitos
evangélicos a comprometer-se com instituições e movimentos
paraeclesiásticos. Freqüentemente, são eles, mais do que a própria
igreja local, que oferecem mobilidade, liberdade de expressão
litúrgica e uma maior e mais abrangente oportunidade de
ministração pelo estimulado exercício dos dons espirituais.
Essa tendência a movimentos paraeclesiásticos, apesar de não
ideal, tem trazido os benefícios da massificação dos grandes
desafios evangelísticos, da consolidação da unidade entre as
denominações, além do preenchimento das lacunas deixadas pela
própria igreja local nos diversos campos da ministração. Por outro
lado, a desvalorização da comunidade local nega ao indivíduo a
oportunidade de experimentar o crescimento espiritual verdadeira­
mente integral. A igreja local, assim como a família, é insubstituí­
vel como ambiente ideal para o desenvolvimento do caráter

’Armando Bispo da Cruz, M. Div., é pastor titular da Igreja Batista Central


de Fortaleza, CE, uma igreja não-afiliada, que tem incentivado uma diversidade
de ministérios na cidade. Para mais informações, escreva para a Igreja Batista
Central: Rua Osvaldo Cruz, 3401, Dionísio Torres, 60.130-310 Fortaleza, CE.
cristão, para a aplicação dos princípios neotestamentários de
mutualidade, disciplina e serviço e para o exercício equilibrado dos
dons espirituais que visam a edificação comunitária (1 Co 14:4,5).
Nos últimos anos, a igreja local recebeu uma atenção especial
a partir do movimento ’’Crescimento da Igreja”, surgido há quase
três décadas. Esse movimento, iniciado com o intuito de despertar
o potencial da igreja local, sugeriu algumas mudanças estruturais
e estimulou o emprego de técnicas seculares visando contextua-
lizar o programa e a mensagem de salvação.
A história do movimento “Crescimento da Igreja” destaca
três fases distintas. A primeira ocorre na década de 70 com o pai
do movimento, Donald McGavran, que sugeriu análises técnicas,
estatísticas e sociológicas no desenvolvimento da igreja local. A
segunda fase desponta na década de 80 com o missiologista Peter
Wagner, o qual redescobre a dimensão espiritual e carismática do
movimento de “Crescimento da Igreja”, enfocando muito mais o
indivíduo do que a comunidade como um todo. A terceira fase
determinou a ênfase da presente década a partir do 2? Congresso
de Lausane sobre evangelização mundial, realizado em Manila, nas
Filipinas, quando a dimensão beligerante despertou a consciência
do povo de Deus para a batalha espiritual.
No entanto, um movimento que se propunha a valorizar a
igreja local acabou reduzindo a ênfase comunitária às experiências
individualizantes, contribuindo para a supervalorização do
avivamento pessoal sem relacioná-lo com a comunidade local.
Conferências, livros, seminários, congressos, programas de rádio
e televisão propagam a cura interior e os prodígios do Espírito
Santo para o crente como indivíduo, enquanto a dimensão
comunitária da vida cristã continua negligenciada. Asfixiada pelas
estruturas internas com características arcaicas, a comunidade
local vai sendo preterida por um contingente que, de modo geral,
se deixa atrair pelos movimentos, eventos e superproduções de
diversas organizações evangélicas.
O modelo neotestamentário, ao contrário da prática moder­
na, estabelece a comunidade local como o projeto ideal para o
desenvolvimento dos valores do Reino de Deus. A igreja local.
através da atuação do Espírito Santo, oferece ao indivíduo um
crescimento integral e equilibrado, vivenciado na prática da
mutualidade e no exercício dos dons espirituais a favor do bem
comum.

O MODELO NEOTESTAMENTÁRIO
A Igreja Local
O Novo Testamento destaca as igrejas, e não a Igreja, com
modelo definitivo de expansão do Reino de Deus entre os homens
(Cl 4:15; Rm 16:3-5). Hoje, ao contrário da Bíblia, assistimos a
popularização do compromisso do indivíduo com um reino
invisível e desencarnado, criando uma eclesiologia docética, ou
seja, que implicitamente nega que Cristo tenha assumido a forma
e as condições humanas. Essa perspectiva vê a igreja local como
uma instituição descartável, optativa e alienante, negando-lhe a
natureza terrestre e concreta do Cotpo de Cristo. Assim, tal
conceito cria um í/e^compromisso dos crentes para com a sua
comunidade local. O Novo Testamento leva-nos à conclusão de
que a Igreja de Jesus Cristo encontra na comunidade local a sua
forma mais concreta de expressão. É nela que o Reino de Deus
torna-se visível através do ensino, da proclamação, da comunhão
e do serviço, antecipando aos olhos do mundo a realidade do
governo de Deus sobre os homens.
O exercício dos dons espirituais na igreja local passa pe
compreensão da própria natureza e do propósito da igreja como
projeto de Deus para o indivíduo. A palavra igreja, definida
biblicamente, é um ajuntamento de pessoas crentes em Jesus
Cristo, regeneradas pelo poder do Espírito Santo e batizadas em
água com o propósito maior de promover a edificação dos seus
membros, através do serviço mútuo, a fim de que o Reino de
Deus se torne conhecido de todos os homens. A igreja local não
pode ser vista como uma simples boca que proclama boas novas,
nem tampouco como mãos que entregam os recados de Deus aos
homens. Ela é o Corpo de Cristo presente na história, a própria
mensagem viva, onde o amor de Deus se concretiza no ensino, na
comunhão, no serviço, na adoração e na prática da mutualidade.
Os Dons Espirituais
Os dons espirituais (carismata) são eapacitações do Espírito
Santo dadas a cada membro do Corpo, segundo a justa distribui­
ção do Espírito, para a edificação da igreja. No Novo Testamento,
a igreja local é o contexto ideal e o objetivo imediato para o
exercício dos dons espirituais, os quais se tornam manifestações
visíveis da graça de Deus e se concretizam na prática da mutua­
lidade. É o que constatamos no exame dos textos que tratam dos
dons espirituais:
Atos 2. O derramamento do Espírito Santo aconteceu como
cumprimento profético num contexto de oração. O Espírito Santo
encheu uma congregação de 120 pessoas, trazendo capacitação
para levar o testemunho de Jesus até os confins da terra, redun­
dando no estabelecimento de igrejas locais.
Romanos 12:6-8. A descrição dos dons espirituais encontra-se
num contexto de coletividade, depois de exortações para que se
pratiquem a moderação e a mutualidade.
1 Coríntios 12-14 (esp. 12:8-10, 28). Mesmo descrevendo em
parte os dons mais espetaculares, Paulo não ignora o contexto
comunitário, onde o batismo, a disciplina, a celebração da ceia, o
discernimento, a ordem no culto e a submissão à autoridade dão
significado e estrutura ao exercício dos dons espirituais.
Efésios 4:7-12. Os homens dados como dons à igreja equipam
os santos para que estes exerçam os ministérios que promovem a
edificação e o crescimento sadio da igreja local.
1 Pedro 4:10-11. O serviço cristão é o resultado prático do
exercício dos dons espirituais dados por Deus e exercidos no
contexto de mutualidade.
A palavra carisma, “dom”, recebe do apóstolo Paulo um
significado peculiar. Genericamente, define os atos redentores de
Deus a favor dos homens, tais como a vida eterna (Rm 6:23), os
privilégios dados a Israel (Rm 11:29), o próprio Messias (2 Co
9:15) e a fé (Ef 2:8), os quais se tornam alicerces para o exercício
das demais dádivas {carismata) de Deus. Estas se encontram
voltadas especificamente para o desenvolvimento da vida comuni­
tária. Paulo, mesmo sendo um apóstolo itinerante, relaciona o
exercício do seu dom espiritual com a comunidade local e visível:
“Porque muito desejo ver-vos, a fím de repartir convosco algum
dom espiritual” (Rm 1:11). Em outra situação, o apóstolo reco­
nhece a suficiência da graça de Deus, afirmando que a comuni­
dade em Corinto está suprida dos dons necessários para a sua
própria edificação (1 Co 1:7).
Os dons espirituais têm características peculiares que podem
ser assim descritas:
1. São dádivas do Deus Pai e do Filho, intermediadas e
ministradas pelo Espírito Santo (1 Co 12:6,28; Rm 12:3, 6; E f 4:7,
8, 11).
2. Possuem caráter dinâmico e social (para serviço, diakonia;
1 Co 12:4-6).
3. Alguns dons iniciam, enquanto outros mantêm funções da
igreja local (A t 1:8; Ef 4: l l ; 1 Co 1:7; 3:5, 6; 13:10).
4. O caráter infinito do “Doador” garante uma infinidade de
aplicações dos dons espirituais (1 Co 12:6; Ef 1:17-23).
5. Cada indivíduo tem, pelo menos, um dom (1 Co 12:7, 11;
Rm 12:3; Ef 4:7).
6. Um único dom não é dado a todos indistintamente (1 Co
12:29-30; Rm 12:6; E f 4 :ll).
7. Recebem valor diferenciado os que mais contribuem para
o bem da comunidade (1 Co 12:31; 13:lss.).
8. São exercitados em situações oportunas, mas principalmen­
te na reunião da igreja local (1 Co 12:12-27; 14:16,17,19, 23, 26,
31; Rm 12:4-6; E f 4:4, 12-16; 1 Ts 5:12-28).
Ministérios
A comunidade dos santos, devidamente equipada {Katar-
tismos, E f 4:12) pela liderança, desenvolve ministérios ou serviços
{diakonia, Ef 4:11; 1 Pe 4:10-12) que suprem as necessidades da
igreja local. Um exemplo clássico é o ministério assistencial às
viúvas (At 6), criado a partir de uma necessidade e da disponi­
bilidade dos sete homens qualificados. Estes foram referendados
pela comunidade e consagrados àquela diaconia pelos apóstolos.
A variada e múltipla manifestação dos dons espirituais gera
na eomunidade uma diversidade de ministérios. Esses ministérios
surgem na igreja local considerando-se três fatores principais: (1)
a necessidade de cada congregação, (2) a disponibilidade dos
membros e (3) a soberana atuação do Espírito Santo de Deus na
distribuição dos dons. Dessa maneira, observamos que as listas dos
dons espirituais das igrejas em Roma e em Corinto diferem pelo
caráter peculiar de cada comunidade, sendo que a igreja romana
não parecia lidar com problemas como ordem no culto e línguas
estranhas. Assim, parece que a diversidade de dons espirituais que
se manifestam na comunidade gera diferentes tipos de ministérios
que cooperam harmonicamente para a edificação do Corpo de
Cristo (1 Co 12:7, 25, 27; 14:4, 5, 6, 12, 19, 23, 26). Dessa forma,
a edificação da igreja local é o objetivo imediato e principal (mas
não exclusivo) das manifestações carismáticas.

DESENVOLVIMENTO PRÁTICO
Dons, Ministérios e as EsU-utwas Tradicionais
A simples compreensão do significado e do valor dos dons e
dos ministérios para a vida da comunidade não garante o êxito da
sua aplicação na igreja local. A razão é simples: cada igreja já
possui uma estrutura organizacional que pode ser facilitadora ou
emperradora do mover do Espírito Santo. Uma igreja, a exemplo
de Corinto, pode ter todos os dons necessários para funcionar
como igreja viva, pois onde há pessoas convertidas, ali estará o
Espírito Santo pronto para desencadear ministração que redunde
na edificação do Corpo. Há fatores, portanto, que limitam a ação
do Espírito, tais como as obras da carne prevalecendo na comuni­
dade e as estruturas eclesiásticas centenárias, burocratizantes e
inflexíveis.
Os modelos denominacionais, as fórmulas litúrgicas e a
tradição missionária às vezes podem se constituir em odres velhos
incapazes de suportar a dinâmica do vinho novo (Lc 5:36-39). As
estruturas inflexíveis de algumas comunidades evangélicas pro­
movem a absolutização da forma em detrimento do conteúdo
dinâmico e essencial do evangelho de Jesus Cristo. Nesse caso,
não há como implementar ministérios neotestamentários sem que
as estruturas existentes sejam renovadas ou arejadas, quando não
desmontadas.
Alguns h^deres entusiasmados encaram o tema dos “dons e
ministérios” como a nova moda evangélica. Mas, ao tentarem
implementar a novidade, eles fracassam na tentativa de estabelecer
ministérios na sua igreja local porque mudam apenas o rótulo das
velhas organizações ou departamentos. Por exemplo, o que antes
se chamava sociedade feminina agora recebe o nome de ministério
feminino, ou o que era o departamento de música agora recebe o
nome de ministério de adoração e louvor. Entretanto, trocar os
nomes das organizações não significa que estamos propiciando ao
Espírito Santo a liberdade de ação que leva ao surgimento de
novos ministérios. Um aspecto fundamental é a ação criativa e
espontânea do Espírito Santo na comunidade dos santos. Por
sermos o templo do Espírito, Ele mesmo se encarrega de
mediante uma necessidade, suscitar o desejo (1 Tm 3:1) no
coração daquele membro que, segundo o dom que recebeu, é
levantado para realizar a obra do ministério. E esse ministério
poderá ter um caráter temporário ou permanente, dependendo da
característica do serviço. Cumpre à congregação discernir e
referendar a iniciativa dos que se levantam voluntariamente para
estabelecer um novo ministério ou atuar em ministérios já
existentes na igreja local. Sugerimos os seguintes critérios: (1)
desejo pessoal coerente com a Palavra de Deus; (2) certas
qualificações de caráter cristão manifestando o fruto do Espírito;
e (3) um compromisso concreto do ministério com a edificação da
igreja.
Quando usamos esses critérios, evitamos o jogo de poder e
a competição tão comuns às instituições cujos homens são eleitos
para os cargos e os cargos criados para os homens. A organização
se torna mais leve e flexível, uma vez que os ministérios surgem
espontaneamente e podem desaparecer naturalmente, dependendo
apenas da disponibilidade dos membros e do mover dinâmico do
Espírito Santo de Deus.
Estruturas Contemporâneas Renovadas pelo Espírito Santo
O lugar e uso dos dons espirituais na igreja é um tema que,
além da dimensão conceituai e teórica, oferece aos que se
propõem vivenciá-lo uma experiência concreta de avivamento
integral. O Espírito Santo vai renovando as estruturas administra­
tivas a partir do despertamento de cada membro que, no exercício
do seu dom espiritual, gera ministérios para a edificação do Corpo
de Cristo. Em quase todos os continentes, Deus tem levantado
inúmeras igrejas que estão se dispondo a praticar os princípios
neotestamentários que dão ao Espírito Santo maior liberdade de
atuação na comunidade. O próprio surgimento de igrejas indepen­
dentes atesta o fato de que pastores, líderes e suas comunidades
voltam-se para a busca de alternativas criativas para o crescimento
da igreja.
No Brasil, assistimos ao surgimento de novas igrejas, novas
comunidades, novos projetos independentes ou igrejas tradicionais
que desenvolveram modelos criativos. São movimentos modernos
que se apresentam com uma fachada não muito tradicional, levam
o nome de projetos, fundações, ministérios etc., todos enfim
buscando tornar relevante e contextualizada a mensagem do
evangelho de Jesus Cristo.
Nesses movimentos, a obra do Espírito Santo fica claramente
evidenciada nas experiências ministeriais das igrejas que, apesar de
não interagirem, apresentam resultados espirituais marcadamente
semelhantes por terem aplicado os mesmos princípios e práticas
neotestamentárias no que diz respeito ao exercício dos dons e
ministérios da congregação. Prova de que nesta caminhada não há
know-how humano exclusivo, pois todos somos aprendizes,
espectadores e meros instrumentos da obra renovadora do
Espírito Santo nas estruturas da igreja brasileira.

UMA HISTÓRIA TUPINIQUIM


Reconhecemos que a particularização de uma experiência
eclesiástica faz jus às etapas onde vitórias e derrotas, erros e
acertos foram experimentados debaixo da misericórdia de Deus.
Por esse motivo, não queremos apresentar um modelo final, ou
abençoar os desacertos que ainda vivenciamos, mas estamos certos
de que a boa consciência diante de Deus e dos homens nos dá
coragem de compartilhar o que pode ser um estímulo para outras
igrejas evangélicas brasileiras. Sem pretender canonizar a experiên­
cia ou uniformizar o perfil das igrejas que buscam modelos
alternativos de administração, aventuramo-nos a convidá-lo a uma
caminhada submissa à atuação do Espírito Santo, na busca única
da glória do Senhor Jesus — o Cabeça da Igreja. Assim é que
temos aplicado alguns princípios e práticas que estão sendo
autenticadas pelo Senhor como uma experiência desafiadora e
comprovadamente viável no contexto tupiniquim.
O Início
A Igreja Batista Central de Fortaleza, organizada em 1961
(doravante denominada Igreja Central), marcou época no
pioneirismo missionário ao compor, com as outras denominações
tradicionais, o cenário evangélico das igrejas que se empenharam
na missão de propagar o evangelho entre o povo cearense. A
Igreja Central caminhava de acordo com as linhas tradicionalistas
da própria denominação. Embora fiéis ao estudo das Sagradas
Escrituras, os membros da comunidade eram também regidos por
normas e procedimentos eclesiásticos aceitos pelos batistas. Tais
normas e procedimentos balizavam a estrutura organizacional da
igreja com seus departamentos, sociedades, reuniões de negócios,
eleições em todos os níveis, liturgia etc.
Depois de alguns anos sem liderança pastoral, a igreja viu o
início de uma nova fase marcada, entre outros fatores, pela
chegada do novo pastor, assumindo a igreja em 1983. Naqueles
dias, um grupo de 40 pessoas, na sua maioria jovens, via com
entusiasmo a possibilidade de crescimento do Corpo de Cristo. O
primeiro ano, marcado pela fase de namoro entre pastor e igreja,
foi a fase de observação do funcionamento das organizações e da
postura dos indivíduos no dia-a-dia da comunidade. A pregação
expositiva da Palavra de Deus foi a marca proposta como a
principal alavanca para o crescimento. Baseados no princípio de
que qualquer renovação espiritual deve começar pela Palavra, e
não por pessoas, programas ou experiências, iniciamos a pregação
exposição da Palavra de Deus.
A Turbulência
A partir do segundo ano do ministério, sem que tivéssemos
um modelo administrativo previamente estabelecido, iniciamos um
exame cuidadoso das nossas práticas eclesiásticas, tomando como
base os critérios de funcionalidade, eficiência, objetividade,
contextualização e respaldo neotestamentário. As programações
foram sendo avaliadas e adaptadas segundo os novos alvos e
desafios de crescimento que nos propúnhamos alcançar. No
entanto, ã medida que sugeríamos mudanças, ou melhor,
aperfeiçoamentos nos programas e departamentos, tocávamos na
maior de todas as barreiras — pessoas arraigadas às tradições e
receosas do que era novo ou desconhecido. Compreendemos logo
que tínhamos pela frente uma longa jornada de investimento no
amadurecimento de uma comunidade que relacionava sua própria
razão de existir com programas, liturgias, horários, locais e
procedimentos. Os crentes estavam à mercê da organização local
e da denominação que, funcionalmente, não admitiam a mudança
dos costumes e, teologicamente, relegavam o Espírito Santo ao
plano de agente do novo nascimento, engessando a sua atuação
renovadora e transformadora na igreja local.
O Desmonte
A transição não foi tão fácil como esperávamos, pois as
estruturas estavam arcaicas e desgatadas como os odres e o pano
citados por Jesus no Evangelho de Lucas. Tínhamos perdido a
elasticidade e a capacidade de adaptação ao novo que surgia, o
que por sinal constitui-se numa possibilidade sempre presente. Era
preciso crer no processo de mudanças que traria a marca da
espontaneidade e da criatividade do Espírito Santo. Aliado à
criatividade do povo de Deus, o Espírito Santo gerava idéias e
experiências capazes de tornar a igreja mais viva e poderosa para
impactar a socieade do poder do evangelho de Jesus Cristo.
A Espera
Depois de um período de grande turbulêneia e em meio a
questionamentos e algumas desistêneias, chegamos ao ponto em
que a comunidade decidiu acreditar que havia um caminho novo
para ser percorrido. A igreja decidiu pela desativação de todos os
departamentos, pela suspensão de quase todas as atividades, até
mesmo os diáconos resignaram seus postos, a fím de que, sob a
orientação pastoral, o rebanho pudesse dedicar-se à oração e ao
exame cuidadoso das Escrituras para uma melhor compreensão da
atuação do Espírito Santo na vida da igreja local. Foi praticamente
um ano de espera, enquanto estudávamos a pessoa e a obra do
Espírito Santo, a dinâmica da igreja primitiva, os dons espirituais
e a função e qualificação dos líderes da comunidade.
A s Primícias
Não demorou muito e a comunidade passou a ter consciência
da atuação poderosa do Espírito Santo no meio da igreja.
Estudado cada dom espiritual e a sua relação com a congregação,
cada irmão foi renovando o seu compromisso com a igreja e
reconhecendo que, sendo um mordomo da multiforme graça de
Deus e detentor de pelo menos um dom (1 Pe 4:10), tinha o dever
cristão de investir seu talento em prol da expansão do Reino de
Deus (Mt 25:14-30).
O mito clerical que reservava aos pastores o direito exclusivo
ao ministério foi exposto e desfeito. A comunidade reconheceu
que todos os membros da igreja são ministros a serviço de Cristo,
cabendo aos pastores a função de equipar os santos para a
realização da obra do ministério (Ef 4:11-12).
O estudo dos dons espirituais foi revelando que os dons mais
nobres e importantes, ao contrário daquilo que era propagado
pela onda da “renovação carismática” eram aqueles voltados para
a instrução e para o serviço (1 Co 14:1, 5). Àquela altura, foi
extremamente importante para a comunidade reconhecer que, de
acordo com o ensino de Paulo, o dom do amor e o dom de línguas
representam os extremos na escala de valores dos dons espirituais
(1 Co 13:1, 8; 14:19). Essa constatação motivou a comunidade a
buscar os melhores dons e o caminho sobremodo excelente (1 Co
12:31; 13:1; 14:1).
De posse dessas verdades, os membros do corpo local
puderam entender que todos são ministros de Cristo, membros uns
dos outros e promotores da edificação do Corpo. Uns foram dados
como dons à igreja (apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-
mestres), a fim de equipar os demais que recebem dons espirituais
e se tornam ministros para realizar a obra do Senhor (Ef 4:7-12;
SI 68:18).
A Igreja Central estava pronta para uma explosão de
ministérios. Antes, porém, foi preciso compreender que nenhuma
atividade ou serviço poderia ser induzida pela força da tradição,
das preferências pessoais ou das práticas denominacionais. Cada
indivíduo, pela Palavra e pela oração, deveria buscar sabedoria e
discernimento para: reconhecer pelo menos uma necessidade da
igreja, identificar os seus dons espirituais e, numa atitude de
constante consagração pessoal, tornar a iniciativa de ministrar na
dependência de Deus.
ímpeto Crescente
Não demorou muito e as primeiras iniciativas foram se
consolidando a partir das necessidades e da visão que o Espírito
Santo ia colocando no coração de alguns irmãos. Ao contrário da
simples troca de rótulos, programas e departamentos, e das
infindáveis sessões eleitorais que corroboram um clima de disputa
política aos cargos vitalícios (uma idiossincrasia batista), os
ministérios iam sendo criados pela iniciativa dos próprios membros
sob a supervisão pastoral. Os que tinham o dom do ensino foram
sendo preparados e orientados para lecionar com esmero, de
acordo com a necessidade do rebanho. Os que tinham o dom de
administrar foram assumindo setores da igreja que precisavam de
organização. Evangelistas foram sendo levantados para atingir
grupos específicos, como surdos, idosos, jovens, senhoras, casais
etc. Intercessores foram levantados para a formação de grupos de
oração. Misericordiosos e consoladores foram treinados para o
ministério de aconselhamento formal e informal. E um grupo de
levitas foi levantado para ministrar o louvor congregacional
enriquecido pelos cânticos espirituais dados pelo Espírito para
compor a nova hinologia da congregação.
Um extraordinário exemplo da obra do Espírito Santo foi o
arejamento da nossa hinologia. Deus levantou, entre outros
compositores, um irmão que compõe cânticos espirituais baseados
nos principais temas pregados dominicalmente no piilpito. Isso
tem feito com que a congregação medite nas verdades ouvidas e
reafirme os compromissos assumidos diante de Deus, à medida
que cantarola as melodias dadas pelo Espírito (Ef 5:18-19).
A Consolidação
O surgimento espontâneo de vários ministérios foi abrindo
inúmeras frentes de trabalho voltadas para dentro (edificação) e
para fora (evangelização) da igreja local. A administração e
supervisão desses ministérios, até então feitas de maneira informal,
foram sendo aperfeiçoadas de modo a garantir a unidade e a
ordem das ações dos membros do Corpo. Reconhecendo que uma
das funções pastorais é a de “presidir a igreja de Deus” (1 Tm 3:5;
5:17; 1 Ts 5:12), buscamos nos princípios do Novo Testamento e
nas experiências até então acumuladas um modelo administrativo
mais adequado ao dinamismo e à espontaneidade do Espírito no
seio da comunidade.
O Perfil Atual do Ministério
A Igreja Batista Central de Fortaleza conta hoje com mais de
30 ministérios que suprem necessidades das mais diferentes áreas
de atividade da congregação. Cada ministério é administrado por
um líder que é reconhecido como diácono ou diaconisa, enquanto
estão ministrando em favor do corpo local. Os presbíteros ou
pastores, hoje em número de oito, dividem a supervisão desses
ministérios, lidando diretamente com os líderes (diáconos) de cada
ministério. Isso é feito através do acompanhamento espiritual, das
reuniões mensais, do exame dos relatórios de atividades e das
previsões orçamentárias para cada trimestre. Apesar da aparente
complexidade na supervisão desses ministérios, há flexibilidade e
liberdade de iniciativa e realização. A iniciativa de um membro do
Corpo só será cerceada pela liderança se for constatado o mau
testemunho de vida cristã ou incapacidade para o desempenho da
obra do ministério. Em tudo, agindo assim, cremos que é o
Espírito de Deus que opera entre nós, levantando ministérios,
desativando outros e aperfeiçoando todos nós em face das lições
de santidade e mutualidade advindas da convivência ministerial.

PRINCÍPIOS DE ADMINISTRAÇÃO
DOS MINISTÉRIOS
Compreende-se melhor o perfíl ministerial da Igreja Central
a partir da descrição da filosofia dos ministérios que tem sido
estabelecida ao longo de uma caminhada. A filosofia está sempre
em processo de aperfeiçoamento por entendermos que somos
aprendizes do mover do Espírito Santo no meio da igreja.
Princípios de Implantação
De acordo com os dons espirituais que o Senhor tem
distribuído à nossa igreja local, vários ministérios e serviços têm
sido implantados na comunidade por meio dos membros. Cremos
que Deus tem dotado esta igreja de todos os dons necessários
para o cumprimento de sua função integral. O processo de
implantação de um ministério na igreja local obedecerá às
seguintes etapas:
1. Visão. O Espírito Santo alerta o indivíduo quanto
necessidade, dando-lhe a visão (idealização) e os meios para a
realização da obra. Este, por sua vez, responde à convocação do
Espírito, dispondo-se para o serviço de acordo com os dons
espirituais e os demais recursos recebidos do Senhor.
2 Implementação. Sob orientação da liderança pastoral,
indivíduo cônscio da necessidade, sob oração e orientação, toma
a iniciativa de implementar o ministério, encarregando-se de
estabelecer procedimentos, gerir recursos e acompanhar a
execução dos programas do ministério.
3. Ministério. Submetidos à avaliação da equipe pastoral,
vida espiritual dos ministros e os frutos do seu ministério são
recomendados à grande congregação. A igreja reunida homologa
ou não o ministério, reconhecendo-o como seu legítimo
representante em todas as atividades ministeriais. A eongregação
não escolhe ministros nem transfere autoridade aos seus líderes.
Ela simplesmente discerne os que são dotados por Deus de dons
espirituais e reconhece a autoridade dos que foram dados como
dons à igreja de Deus. Só a partir desta etapa fica o ministério
oficialmente arrolado no orçamento trimestral da igreja, cabendo-
lhe uma disponibilidade financeira de acordo com a previsão, a
priorização e a disponibilidade dos recursos.
4. Supervisão. O ministério consolidado recebe acompanha
mento pastoral e treinamento. O líder do ministério (diácono ou
diaconisa) fica comprometido a participar assiduamente das
reuniões de liderança e a apresentar relatórios de atividades e
financeiro.
Princípios de Funcionamento
Observando o princípio de unidade do Corpo, todo ministério
deverá funcionar em perfeita consonância com a posição doutri­
nária da igreja e com a filosofia de ministério adotada pela
liderança pastoral legitimamente constituída pela igreja. Um
ministério não deve crescer independentemente do Corpo nem
constituir-se num fim em si mesmo, mas trabalhará sempre para
a edificação da igreja, visando o bem da comunidade. Para isso,
promoveremos sempre uma atitude de interdependência que nos
leve a submeter os nossos programas, planos e propósitos ao
Senhor Jesus Cristo em prol do seu corpo local.
Princípios de Liderança
Cremos que o Espírito Santo de Deus levantará em cada
ministério por Ele instituído uma liderança suprida com os dons
de governo, administração e ensino. Isso viabiliza a organização e
o crescimento harmonioso do ministério. Sendo considerados
diáconos da igreja local, cada líder tem o dever de participar dos
treinamentos e das reuniões devocionais e administrativas da
igreja. Deverá ainda se responsabilizar pelo acompanhamento e
treinamento dos seus liderados.
Princípios de Conduta
Os membros de cada ministério serão encarados como
pessoas, e não como ntímeros impessoais ou máquinas que
produzem resultados mensuráveis. Assim, valorizamos o ser acima
do ter ou do fazer. A relação de intimidade com Deus, a vida
familiar e o testemunho para com os de fora serão critérios
prioritários na avaliação do ministro.
Observando os critérios de disciplina bíblica, qualquer
membro poderá ser afastado das suas atividades ministeriais
quando se desqualificar no aspecto moral, estiver fazendo a obra
do Senhor de forma negligente e/ou perder a visão bíblica do
ministério.
Todos os ministros devem ter humildade para aceitar o fato
de que Deus pode eventualmente mudar a ênfase do ministério.
Dessa forma, a humildade e o reconhecimento da soberania de
Deus sobre a igreja devem tornar o ministro disposto a receber
ajuda, acatar um conselho, receber um estímulo, abrir mão do
ministério para outro membro do Corpo de Cristo e estar aberto
para exercer um novo ministério segundo a vontade de Deus.

CONCLUSÃO
O tão anelado avivamento integral e a tão preconizada vitória
do povo de Deus na batalha espiritual não podem ser experimenta­
dos pelos que vivem no reino do individualismo e da igreja
desencanada, onde não há compromisso com a comunidade local.
O livro de Atos revela que o derramar do Espírito Santo no
dia de Pentecoste aconteceu sobre uma comunidade unida que se
tornou a célula padrão para o estabelecimento de muitas outras
comunidades. O compromisso com a mutualidade e o exercício
dos dons espirituais foram dando consistência e respaldo à
proclamação do reino de Deus entre os homens. O que Deus fez
germinar em Jerusalém foi espalhado por toda a diáspora pelos
que foram batizados no Espírito Santo. Também Paulo, depois de
aprender a vivenciar a igreja local, saiu sob a orientação e a
bênção dos irmãos para estabelecer igrejas. Reconhecendo
lideranças e fortalecendo os membros das novas comunidades.
Paulo multiplicou o modelo de Deus, estabelecendo as verdadeiras
embaixadas do reino dos céus entre os homens, ou seja, as igrejas
locais.
A realidade neotestamentária aponta para um mover
dinâmico do Espírito Santo, dando a cada comunidade local os
dons necessários para o seu funcionamento como Corpo de Cristo,
relegando deforma a um plano secundário e subserviente a função
das verdades bíblicas. As igrejas neotestamentárias não sacramen­
taram liturgia, costumes ou tradições humanas. Muito pelo
contrário, tornaram-se referencial de mudanças, de adaptabilidade
e de capacidade criativa, à medida que procuravam contextualizar-
se como comunidades alternativas nas diferentes regiões do
mundo antigo.
Os dons espirituais {carismata) são capacitações do Espírito
Santo dadas a cada membro do Corpo, segundo a justa distribui­
ção e ênfase do Espírito, para o estabelecimento de ministérios
que promovam a edificação da igreja local. Assim, cada membro
do Corpo de Cristo deve procurar identificar, através da oração,
do conhecimento bíblico e do discernimento da comunidade, quais
são os dons dados pelo Espírito para o desempenho do ministério
que, por fim, redundará na edificação da igreja local.
A igreja local, por sua vez, deve estar aberta, sensível e
submissa à ministração do Espírito Santo, submetendo o rebanho,
o pastorado, a liderança, os programas, os estatutos, as edifica­
ções, os departamentos, tudo, enfim, ao mover soberano de Jesus
Cristo através do Espírito. É preciso ter coragem de parar e
esperar, como também de avançar em projetos que implicam em
iniciativas novas e que põem em risco o nosso conforto. Se o caso
for de reformulação da estrutura existente, é necessário submeter
tudo ao crivo dos princípios neotestamentários, estar consciente do
mover dinâmico do Espírito, ter muita paciência, ser perseverante
e estar honestamente preparado para os ajustes que se fizerem
necessários.
Temos constatado ao longo de mais de dez anos de minis­
tério na Igreja Batista Central de Fortaleza que uma comunidade
pode ser liberta das tradicionais estruturas eclesiásticas que
fomentam a competição, premiam o prestígio humano, fossilizam
os departamentos e, o pior de tudo, engessam o movimento do
Espírito na comunidade dos santos. Essa libertação não é fruto da
mente humana, mas do poder de Deus, que também age por meio
de processos lentos e às vezes dolorosos.
No caso da nossa igreja, o processo de libertação foi
alavancado pelo cuidadoso ensino da Palavra de Deus. Foi
enriquecido pelas contradições, pelos debates e oposições. Tudo
isso, para ser finalmente consolidado pela simples disposição do
povo de Deus em buscar um modelo eclesiástico que melhor
correspondesse ao padrão concebido em Pentecostes. Hoje, são
mais de 30 ministérios, mais de 500 ministros, mais de 30 peque­
nos grupos, e três locais diferentes onde se reúne a congregação.
Em vez de ter um templo, queremos ser um templo. Em vez de ter
um programa, queremos estar no programa de Deus. Em vez de
elaborar uma mensagem, queremos ser a mensagem viva do que
Deus quer fazer através da mutualidade.
Cremos que é possível contagiar as igrejas brasileiras,
principalmente as suas lideranças, com o avivamento das estru­
turas eclesiásticas promovido nestes últimos dias pelo Espírito
Santo. Nosso desejo é que este capítulo tenha sido um estímulo à
valorização da igreja local como o modelo ideal de Deus para a
expansão do Seu reino entre os homens. Amém!

LIVROS SUGERIDOS
D ’Araújo Filho, Caio Fábio. Espírito Santo: O Deus que Vive em Nós. São José
dos Campos, SP: CLC Editora, 1991.
Fortune, Don e Katia. Discover Your God-Given Gifts. Terrytown, NY: Fleming
H. Revell, 1987.
Getz, Gene A. Sharpening the Focus o f the Church. Chicago: Moody, 1974.
Icenogle, Gareth Weldon. Biblical Foundations for Small Group Ministry: A n
Integrating Approach. Downers Grove, IL; InterVarsity, 1994.
MacArthur, Jr., John. The Church: The Body o f Christ. Sun Valley, CA: Word of
Grace, 1981.
Richards, Lawrence O. e Gib Martin. Teologia do Ministério Pessoal: Os Dons
Espirituais na Igreja Local. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo: Vida Nova,
1984.
Tillapaugh, Frank R. The Church Unleashed. Ventura, CA: Regal Books, 1982.
ni
INICIANDO NOVAS IGREJAS:
Estratégias Atuais para um Brasil Moderno

Ary Velloso*

O Dr. Peter Wagner, autor de vários livros sobre implantação


e crescimento de igrejas, faz uma declaração no seu livro
Estratégias Para o Crescimento da Igreja: “Plantar novas igrejas é
a metodologia evangelística mais eficaz que se conhece debaixo do
céu”.^ Diríamos, porém, que tudo depende de como as “novas
igrejas” são plantadas, para então concordar ou não com a parte
final da afirmação de Wagner. O que temos visto é que muitas
vezes a implantação de uma igreja na cidade se torna o maior
tropeço para a evangelização da cidade, por mais estranho que
isto pareça.

A HISTÓRIA DA IGREJA EM CHAPECÓ


Vejamos como exemplo a história da Primeira Igreja Batista
de Chapecó, no estado de Santa Catarina. Chapecó é uma cidade
que foi bem planejada. É bonita, com ruas largas e bem arboriza­
das. A economia da cidade gira em torno da pecuária, agricultura
e avicultura. Talvez a cidade seja mais conhecida pelo estranho
nome que tem e por ser a terra da “Perdigão”, um dos maiores
frigoríficos do país. Em maio de 1971, a Junta de Missões
Nacionais da Convenção Batista Brasileira enviou para aquela

‘Ary Velloso, Th.M., é pastor titular da 1! Igreja Batista do Morumbi, São


Paulo, missionário de SEPAL, conferencista e autor de É Hora de Investir (São
Paulo; SEPAL, 1986). Para mais informações escreva para; Igreja Batista do
Morumbi, Rua Carvalho de Freitas, 1076. Vila Andrade, 05728-030 São Paulo:
SP.
cidade o casai Pr. Eronete e Ivanilde Neves Brum. Ele tinha
terminado o seminário, mas confessou-me que era totalmente
inexperiente para iniciar um trabalho naquela cidade. Além disso,
o salário que recebia era irrisório e ele foi obrigado a alugar uma
casa muito simples no bairro da Bela Vista. No seu livro História
dos Batistas Catarinenses, o Pr. Almir Etelvino dos Santos
comenta: “Com pouco mais de um ano de trabalho e muitas
bênçãos de Deus, a igreja foi organizada no dia 30 de julho de
1972, com 19 membros, denominando-se PRIM EIRA IGREJA
BATISTA DE CHAPECÓ”. E continua: “A igreja tem tido alguns
altos e baixos [parece-nos que mais baixos do que altos], estando
hoje com 30 membros”.^
Analisemos brevemente alguns pontos dessa história lasti­
mável (mas não tão incomum) da implantação da igreja:
1. O casal, embora fosse muito dedicado e consagrado, não
estava preparado nem bem assessorado. Faltava-lhe experiência,
vivência e visão do todo. ^
2. Com o salário que Pr. Eronete recebia, era impossível
alugar uma casa boa, num bairro nobre da cidade, com uma sala
para ali iniciar o trabalho. Alugaram uma na COHAB, com área
de 40ml
3. Nessa casa humilde nasce o trabalho que, pela sua
configuração, é limitado à classe mais simples, mais pobre e menos
preparada intelectualmente. Portanto, levaria anos e anos para se
formar uma liderança forte, com recursos para sustentar condigna-
mente um pastor e ter homens de visão para conquistar a cidade
para Cristo.
4. Sem liderança e sem recursos, o trabalho em Chapecó
sofreu e ainda sofre. Vinte anos depois, está flutuando só com 30
membros e sem os meios para ter um pastor.
5 .0 mais desanimador em tudo isso é que, em maio de 1971,
Chapecó era uma cidade de 49.693 habitantes e hoje a sua
população está por volta de 149.000 (dados do IBGE).
6. Assim ocorreu o nascimento de mais uma igreja, que
demorará anos para ter:
— sustento próprio;
— liderança eficaz;
— capacidade para reproduzir-se;
— influência marcante na cidade;
— boa literatura para evangelizar;
— recursos para investir em missões etc.

Talvez o leitor pondere dizendo: “Mas não é assim que a


maioria das igrejas carismáticas começam? E veja como elas
crescem!” Porém eu diria, qualquer igreja que for plantada no
meio da população carente prometendo salvação para a alma,
perdão para os pecados e cura para o corpo vai crescer. Também,
igrejas como a Assembléia de Deus, Quadrangular ou as
carismáticas independentes são muito eficientes na utilização do
elemento leigo e por isso crescem.
Se Chapecó fosse o único caso lamentável, eu ficaria menos
triste. Mas esta história é a realidade de ipuitas outras igrejas
espalhadas por este Brasil afora, não somente batistas, mas
também presbiterianas, metodistas e outras. Triste constatação,
não é?

PADRÃO BÍBLICO:
PAULO AGIA ESTRATEGICAMENTE

Quando olhamos para o Novo Testamento, descobrimos que


Paulo, o grande missionário e plantador de igrejas, pensava e agia
estrategicamente. Talvez porque, quando foi enviado, já tinha sido
convertido havia doze ou catorze anos e se tornara um dos líderes
de Antioquia, uma das principais igrejas daquela época. Some-se
a isso o conhecimento que adquirira do judaísmo, aprendido aos
pés de Gamaliel. Em outras palavras, Paulo era um homem bem
preparado que pensava e agia estrategicamente. Se Paulo não
tivesse nenhuma estratégia e planos, o Espírito Santo não poderia
tê-lo impedido (veja At 16:6-10). Por outro lado, fica claro que
não eram planos superplanejados, inflexíveis e devidamente
executados, mas consistiam num agir inteligente, flexível sob a
orientação do Espírito Santo.
Penetrante e de grande ajuda é a observação que Roland
Allen faz do ministério de Paulo quando estamos falando em
implantação de igrejas:
Em pouco mais de dez anos Paulo estabeleceu a igreja em quatro
províncias do Império: a Galácia, a Macedônia, a Acaia e a Ásia.
Antes de 57 a.D., Paulo já podia falar do seu trabalho ali como
tendo sido completado, e podia planejar viagens extensivas para o
extremo ocidente sem a preocupação de que as igrejas que fundara
pudessem perecer na sua ausência pela falta de sua orientação e
apoio. O trabalho do apóstolo durante esses dez anos pode,
portanto, ser tratado como uma unidade. Seja qual for a assistência
que ele tenha recebido da pregação de outras pessoas, é inquestio­
nável que o estabelecimento das igrejas nessas províncias realmente
foi o trabalho dele. Nas páginas do Novo Testamento, ele, e
somente ele, destaca-se como fundador delas. E o trabalho que ele
realizou foi realmente completo.’
Creio que um dos exemplos mais claros de que Paulo
pensava e agia estrategicamente está na fato de ele ter se preocu­
pado com Éfeso, uma cidade da Lídia na costa ocidental da Ásia
M enor com aproximadamente 225.000 habitantes, assim como
Florianópolis, capital de Santa Catarina. Éfeso era a metrópole da
Ásia e tinha localização privilegiada, pois ficava na estrada
imperial de Roma para o Oriente e na junção das estradas
comerciais. No final do século (Ap 2), era a igreja mais influente
talvez de toda a Ásia e o Ocidente. Na sua terceira viagem
missionária, Paulo trabalhou em Éfeso dois anos e três meses.
Apoio, Áqüila e Priscila foram fiéis assistentes de Paulo em Éfeso.
Foi ali que ele ganhou para Cristo Filemon, homem rico, influente
e dono de escravos. Poderíamos ainda falar do seu ministério
estratégico em Corinto, Roma e os planos de ir até a Espanha. Se
Paulo pensava e agia estrategicamente, não devemos nós fazer o
mesmo?
PASSOS PRÁTICOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE
IGREJAS NOS “CHAPECÓS” DO BRASIL
Primeiramente, vimos como foi a implantação da igreja em
Chapecó e o resultado pouco animador, depois de muitos anos.
Isto não é uma crítica aos irmãos de Chapecó mas, sim, à nossa
estratégia de plantar igrejas. Em seguida, numa pincelada,
indicamos que Paulo, no livro de Atos, deixa-nos exemplos para
a implantação de igrejas, ou seja, que devemos pensar estrategica­
mente. Por último, vamos ver o que pode ser feito, e logo nos
deparamos com duas considerações.
Primeira: poderão as nossas juntas enviar para o campo
missonário 5.000 dos melhores pastores já formados em nossos
seminários? Não. Faltam-nos recursos e não temos pastores
suficientes.
Segunda: podemos continuar a abrir trabalhos e a plantar
igrejas de modo a alcançar os muitos municípios e cidades, em
nossa geração, nos moldes que nossas juntas e igrejas vêm
fazendo? Não. Faltariam pastores, recursos e levaríamos anos para
atingir o alvo proposto.
Quais são, então, as nossas alternativas?

USO DO RECURSO HUMANO


Sempre ouvimos dizer que “pessoas são mais importantes do
que métodos”. Todavia, quando se trata de implantação de igrejas,
me parece que não acreditamos que o “recurso humano” seja de
fato mais importante, pois, a primeira coisa em que pensamos é
o local, a capela, o salão de cultos. Nas nossas igrejas temos um
potencial grande de homens e mulheres que desafiados por nós,
poderão produzir muito para o Reino. Como?

Homens que Estão Sendo Transferidos


Com alguma freqüência temos pessoas de nossas igrejas
mudando para outros lugares. O que geralmente se faz? Na
maioria das vezes é dado um tapinha no ombro dele e falamos
que, quando chegar lá, procure uma igreja e não se esqueça de
pedir sua carta de transferência. Quando fazemos isso perdemos
uma grande oportunidade de alargar a visão e mostrar a ele como
Deus poderá usá-lo na cidade para a qual está mudando. Por
exemplo; um homem de negócios convertido e discipulado em
nossa igreja foi transferido pela companhia para a cidade de
Campinas, SP, para junto da Cidade Universitária. Devido às
circunstâncias, sugerimos alguns passos específicos.
1. Comprar ou alugar uma casa que tivesse uma sala bem
grande para estudos bíblicos. Em outras palavras, não pensar
somente nele, mas também na causa de Cristo.
2. Que tivesse em mente começar o mais cedo possível um
grupo de estudos bíblicos, provavelmente na sexta-feira.
3. Que nós, a igreja base em São Paulo, daríamos apoio:
— Nós iríamos lá ocasionalmente para ensinar.
— Providenciaríamos outros leigos para visitar o trabalho,
dar testemunho ou ensinar.
— Que ele iria abrir uma conta bancária que começaria com
a oferta dele próprio, que não mais seria dada à igreja mãe.
— Que esse ou qualquer outro recurso que entrasse ali fosse
usado na compra de boa literatura para envagelização, como
compra de livros, folhetos, Bíblias, além de cadeiras ou jantares
evangelísticos com amigos. Noutras palavras, já estávamos
encorajando o empresário a investir sua oferta na evangelização
e ao mesmo tempo, dando-lhe autonomia financeira.
Resumo; O irmão foi. Hoje, após uma fase como missão, em
que passou da sala de visitas para o salão de um hotel e, no
momento, para um anfiteatro de uma faculdade, já foi organizada
a Igreja Batista da Cidade Universitária de Campinas, contando
com mais de 300 pessoas. São grandes as perspectivas para o
futuro, pois já compraram um terreno de 6.000 m^ para construir
seu próprio edifício. Também já começaram a plantar igrejas em
duas outras cidades. Na verdade, a igreja que plantaram em
Ribeirão Preto (seria então nossa neta), já está com uma
freqüência de mais de 250 pessoas e estão comprando um terreno
de 10.000 m l
Homens que São Desafiados a Se Mudarem
Temos muitos casais em nossas igrejas que aceitariam o
desafio de mudar para outra cidade, iniciando assim um novo
trabalho evangélico. Muitas vezes temos que desafiar exatamente
aqueles que são os mais atuantes na nossa igreja. O pastor que
teme “perder” um casal, é alguém que não tem o reino de Deus
em vista, mas apenas a “sua” igreja.
Temos desafiado os casais mais dedicados de nossa igreja a
se mudarem de São Paulo e começar igrejas em outras cidades.
Nem sempre somos bem-sucedidos. Gostaria no entanto de deixar
aqui um caso que deu certo:
Carlos e Marinelza Prandini, ambos veterinários, eram líderes
dos trabalhos nos lares de nossa igreja. Possuíam uma casa perto
de Florianópolis, SC, onde passavam as férias. Sabendo que Santa
Catarina é um estado com poucos evangélicos, inclusive possuindo
o menor número de igrejas de nossa denominação no Brasil,
começaram a orar. Foi nesse ponto que os desafiamos, com a
possibilidade de “perder” um dos mais importantes casais no
ministério da igreja. Ambos aceitaram o desafio! Levaram com
eles mais um casal (um advogado e sua esposa) e se agregaram a
um professor universitário que já pertencera à nossa igreja e que
também mudara para lá.
Com a ajuda da Primeira Igreja Batista de Florianópolis, que
nos cedeu mais um casal (ele advogado, ela professora universitá­
ria), abrimos uma missão, utilizando a sala e a garagem da
habitação de um dos casais. Mais de 30 pessoas já foram batiza­
das. O veterinário foi ordenado pastor. A igreja já foi organizada
e os membros já compraram um terreno de 6.700 m l
Como denominações, juntas, igrejas, precisamos urgente-
temente “lançar mão” do grande potencial “leigo” de nossas
igrejas, visando iniciar novas igrejas.
Pastores Fazedores de Tendas
Nossos seminários deveriam incluir no currículo algo sobre
“fazer tenda”. Ensinar o jovem a descobrir como se consegue um
emprego na “sua Chapecó”. Quem sabe, como professor,
balconista, bancário, programador etc., claro, vai depender da
habilidade de cada um. O importante é ter o suficiente para
manter a família com certa dignidade e iniciar o trabalho em base
sólida. Com o Reino em mente, não é vergonha alguma para um
pastor fazer tendas por um período.
O que precisam é desenvolver a visão de ganhar o bairro,
a cidade, para Jesus Cristo, e não encarar a igreja como “trampo­
lim” a fim de subir a cada dois ou três anos para uma igreja
maior. É necessário que absorvam a seguinte visão: Deus me
chamou para ganhar este lugar para Cristo e só sairei daqui com
uma ordem específica dele.

USO DE UM AMBIENTE “NEUTRO”


Geralmente quando vamos iniciar um trabalho numa cidade,
pensa-se logo numa “capela” ou “templo”. Não precisamos e não
devemos começar por aí.
Temos visto que é melhor começar em casas, com um
ambiente acolhedor, pensando inicialmente em ganhar pessoas. O
trabalho iniciado na casa vai, pela graça de Deus, produzir frutos.
Então, as próprias pessoas vão sentir a necessidade de maior
espaço. Pode-se pensar em hotéis, escolas e até bons galpões.
Usamos no Morumbi o Novotel, a garagem do hotel, uma escola
e finalmente estamos no nosso próprio salão. No início, pense em
pessoas não em templo.

UMA METODOLOGIA MAIS ATUALIZADA


Por vezes, somos muito formais nas nossas reuniões. Usamos
método e linguagem que só as pessoas de dentro da igreja
entendem. Pastor, peça a um de seus membros para escrever o
testemunho dele, e você verá que a linguagem é toda evangélica
e que o pagão não a entenderia.
Além de uma linguagem que seja entendida, é extremamente
importante que a mensagem também seja relevante e atual. No
início do trabalho, quando ainda estiver começando os estudos no
lar para iniciar uma igreja, aproveite até o títulos das mensagens
para despertar o interesse do pagão. Alguns exemplos usados por
nós incluem: O jovem de hoje na história de ontem (Lc 15);
Quando um morto fala (Lc 16); Homem passivo, mulher selvagem
(Gn 3:1-7). O importante é não fazer do estudo bíblico, que deve
ser prático e descontraído, um cultinho todo formal e pesada­
mente solene.

CONCLUSÃO
Precisamos plantar igrejas, mas elas precisam ser bem
plantadas. Um trabalho que não inicia bem, leva muitos anos para
se fírmar, pois, lhe faltam liderança e recursos.
Vamos ser práticos. Onde você e sua igreja gostaria de
plantar uma igreja? Ponha o nome aqui ________. Quais os
recursos disponíveis ? Quais são os maiores obstáculos a serem
vencidos? É certo que Deus está dirigindo-os a plantar uma igreja
ali?
Há muitos “Chapecós” que precisam de sua ajuda. Parta para
oração e ação.

NOTAS
^Peter Wagner, Estratégias para o Crescimento da Igreja, trad. Luiz Teixei­
ra Sayão (São Paulo: SEPAL, 1991).
^Almir Etelvino dos Santos, História dos Batistas Catarinenses (Santa Cata-
rina: Elbert, s.d.).
Al!
^Roland Allen, Missionary Methods: St. Paul’s or Ours? (Grand Rapids,
MI: Eerdmans, 1962) 3.

LIVROS SUGERIDOS
Carriker, Timóteo. Missão Integral: Uma Teologia Bíblica. São Paulo: SEPAL,
1992.
Hesselgrave, David J. Plantar Igrejas: Um Guia Para Missões Nacionais e Trans-
culturais. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1984.
Keys, Lourenço Eduardo. Crescimento Equilibrado na Igreja Local. São Paulo:
SEPAIVCresça, 1981.
Meeks, Wayne A. The First Urban Christians: The Social World o f the Apostle
Paul. New Haven, CT: Yale University Press, 1983.
Neumann, Mikel. Alcançar a Cidade: A s Células na Evangelização Urbana. Trad.
Célia Louise R. Rocha. São Paulo: Vida Nova, 1993.
Peters, George W. A Theology o f Church Growth. Grand Rapids, MI: Zon-
dervan, 1981.
Wagner, Peter. Plantar Igrejas para a Grande Colheita. Trad. Silvia Gerusa F.
Rodrigues. São Paulo: Abba Press, 1993.
ISI
INOVANDO UMA IGREJA TRADICIONAL:
Esquentando um Povo Querido sem Queimar a Casa

Paulo Solonca*

Alguém comparou a postura da igreja ante as inovações e


transformações da estrutura eclesiástica e suas estratégias, como
um pai que compra um uniforme pela primeira vez para seu filho.
Ele vibra intensamente e se orgulha. Entretanto, o tempo vai
passando e o filho cresce. O uniforme tem de ser abandonado. É
preciso comprar outro. Aí a vibração não é mais a mesma. Quem
é pai ou mãe já se acostumou com a idéia de que, por causa do
crescimento, é preciso estar constantemente renovando e inovando
as roupas de seus filhos.
Qualquer ser vivo atravessa períodos de crescimentos. A
igreja é um organismo vivo em crescimento contínuo. A convivên­
cia com mudanças e adequações no seio da igreja deveriam fazer
parte do normal, do cotidiano. A igreja brasileira não pode correr
o risco de cair no mesmo erro de muitas das igrejas européias e
estagnar-se no tempo. Insensível à velocidade das transformações
que caracterizam nossos dias, essas igrejas sucumbiram por não se
abrirem para o novo, para o atual. Centenas de templos na Euro­
pa já foram vendidos para empresas, restaurantes e até mesmo
boates e casas de meretrício. Igrejas e instituições desapareceram
por se agarrarem a uma forma eclesiástica obsoleta.

■paulo Solonca é pastor titular da Primeira Igreja Batista de Florianópolis;


coopera com a Associação Mundial dos Discípulos de Jesus Cristo, (A.M.D.); é
membro do diretório da Sociedade Bíblica Internacional do Brasil; conferencista;
diretor da Editora do Discípulo; e autor de oito livros, incluindo Raios de Es­
perança (São Paulo; SEP AL/Aura, s.d.) e Manual do Discípulo (Florianópolis:
SOCEP/Editora do Discípulo, 1993). Para mais informações, escreva para: Caixa
Postal 111, 88.000-000 Florianópolis, SC.
Nosso Deus é um Deus dinâmico. A história prova esse fato.
Nosso Deus é o Deus do novo. Evangelho é Boa Nova. Nosso
Deus é o Deus do novo nascimento. Nosso Deus é o Deus que
diz: “Eis que faço novas todas as coisas”. Veja a inovação histórica
criativa promovida por Deus: Éden, Noé, Abraão, Isaque, Jacó,
Israel, a lei, o tabernáculo, os profetas, o templo, Jesus, a Igreja.
Todos esses desdobramentos da revelação divina apontam para um
Deus que renova, se adapta, se contextualiza. Um Deus que
recria. Um Deus que dá novas formas ao que ficou superado. Um
Deus que sopra seu Espírito sobre estruturas mortas e elas passam
a viver como o vale dos ossos secos de Ezequiel 37 {cf. também Ec
3:1-8).
Algumas leituras neotestamentárias agora fariam muito bem.
No livro de Atos dos Apóstos, podemos perceber essa habilidade
nos discípulos. No capítulo 6, podemos notar como os discípulos
priorizavam as “funções dinâmicas” em vez da forma (organização,
estrutura). Em outras palavras, a instituição dos diáconos só surgiu
como conseqüência de uma necessidade: os doze não podiam mais
atender à mesa das viúvas, sem prejudicar suas prioridades de
dedicação à Palavra e oração. Nos capítulos 10 e 11, podemos
observar a boa disposição do apóstolo Pedro, que* venceu os
preconceitos e se envolveu com algo totalmente novo e, de certo
modo, proibido, até então: os gentios. No mesmo livro de Atos,
percebemos a grande capacidade de adaptação dos discípulos a
novas circunstâncias. As reuniões da igreja não acontecem no
templo, mas sim nas casas. Paulo não deixa dúvidas a respeito de
sua grande habilidade em inovar o ministério. Ele diz que sabia
mudar de procedimento para poder alcançar seus objetivos com
os judeus, ou aqueles que viviam sem lei, ou os fracos. Ele chega
a dizer: “... Fiz-me tudo para com todos, com o fim de por todos
os modos, salvar alguns.
Portanto, concluímos que a disposição de adaptação às novas
circunstâncias no ministério é uma habilidade fundamental a ser
desenvolvida na vida de qualquer líder que deseja caminha com
segurança rumo a objetivos e resultados efetivos e duradouros.
LIDANDO COM A TENSÃO ENTRE O NOVO E O VELHO
Estar ou não dispostos a mudar é a fronteira sutil e real que
tem dividido mentalidades e causado grandes atritos, prejudicando
assim a unidade da igreja. O crescimento sempre traz consigo
alguma mudança na natureza. Não querer mudar é arriscar-se a
parar de crescer. Qualquer instituição ou estrutura que se recusa
adaptar-se a novas realidades acaba por falir, sucumbir, desapa­
recer do cenário da história atual. Obviamente, cada pessoa ou
instituição tem o direito de dar o rumo que preferir à sua vida e,
caso decida que já sofreu transformações demais e que não deseja
nenhuma outra mudança, é livre para manter sua decisão. Mas
uma coisa é certa: terá de conscientizar-se de que, se ficar imóvel
enquanto os que vivem a seu redor continuam mudando, isso vai
criar-lhe conflitos.
Certo dia, meu pai pendurou um quadro em nossa sala de
estar quando ainda éramos crianças. Nele estavam escritas as
seguintes fulminantes palavras de um autor anônimo:
O homem que se decide a parar, até que as coisas melhorem,
verificará mais tarde que aquele que não parou e colaborou com
o tempo está tão longe que jamais poderá ser alcançado.
Toda mudança requer uma combinação de humildade, coragem e
visão.

Entre o Sonho e o Desespero


No entanto, há várias tensões em torno de qualquer transfor­
mação, incluindo o idealismo e o pessimismo.
Idealismo. Dietrich Bonhoeffer, um homem notável por sua
vida de compromisso e sofrimento como cristão, escreveu a
respeito do perigo de sonhar com uma comunidade ideal e o
efeito desastroso que isso pode ter em sua vida. Bonhoeffer
afirma: “Quem ama seu sonho de igreja mais do que as próprias
pessoas que compõem esta igreja a destrói.”^ Quem adota essa
postura acaba acusando, julgando e condenando, pois exige, em
nome de Deus, que seu sonho seja realizado e, por fim, acaba
queixando-se de Deus. Pessoas que só contemplam o ideal não
conseguem conviver com o real. Muitas e muitas comunidades
cristãs se desfizeram porque alguns líderes perseguiram apenas um
sonho ideal. Pecaram por não serem flexíveis a ponto de admitir
falhas de percurso. Esqueceram-se de que estavam lidando com
homens, e homens falham. Portanto, um dos perigos de um bom
projeto de inovação é o sonho de um utopismo evangélico, através
de mudanças ideais.
Pessimismo. Outro risco, porém, é uma atitude de pessimis­
mo, desalento, desespero por nunca conseguir criar uma verda­
deira união de mentes e corações. Tal atitude cínica ri com
desdém de todo esforço por fomentar uma mudança significativa
sobre a atual situação. Nos lábios de tais pessoas, só se ouvem
frases como: “Não vai dar certo.” “Já tentamos isso antes.” “Não
vai funcionar.” “É pura perda de tempo.” “É dinheiro jogado
fora.” “É tempo perdido.” Às vezes a disposição para mudanças
diminui com o tempo. As articulações da mente enferrujam com
o passar dos anos. Há artrite mental e reumatismo existencial e
espiritual. Não é raro pessoas com mais de 40 anos de idade
pensarem da seguinte maneira: “Deixem-me em paz! Já vi muita
coisa, fiz demais em minha vida para agora ter de experimentar
algo novo. Tenho experiência, hábitos formados, modos fixos de
ver e proceder que me serviram durante vários anos e continuarão
a ser úteis por muito mais tempo, sem precisar recorrer à última
moda. Na minha idade, qual a vantagem de envolver-me em
problemas alheios? Os outros podem seguir suas opiniões. A esta
altura, tenho direito a que me deixem em paz e não me incomo­
dem. Eu trilharei o caminho já conhecido...”
Equilíbrio bíblico. A realidade funcional de uma mudança
significativa de uma igreja ou comunidade está a meio caminho
entre o sonho ideal e o pessimismo paralisante. Reconhecer e
aceitar tal realidade funcional é condição básica para levar adiante
qualquer esforço de entendimento mútuo da prática de uma vida
em comum inovada. No livro Viverem Comunidade, Carlos Vallés
diz:
O ideal sonhado tem uma idéia muito alta da vida comunitária, ao
passo que o pessimismo tem uma idéia muito baixa de seus
membros, e ambas as atitudes conseguem o mesmo lamentável
resultado de tornar impossível, na prática, a vida compartilhada de
grupo. A igreja que conhece suas próprias dificuldades aceita as
suas limitações, não esquece suas frustrações e fracassos passados
e, ao mesmo tempo, tem consciência serena de seu próprio valor,
reconhecendo as quaUdades inegáveis de cada um de seus
membros, valorizando positivamente cada esforço e cada avanço
em direção a uma nova comunidade de pensamento, de trabalho
e de vida — esta igreja tem a melhor garantia de que chegará a
encontrar a si mesma e a continuar avançando no caminho da
unidade. O realismo sincero é a primeira base do êxito^
Em nosso caso, esse realismo ganha a influência poderosa e
criativa da fé. Não somos uma empresa que busca lucros m ate­
riais. Não somos nem oficina nem fábrica. Nosso objetivo não é a
eficiência burocrática nem a produtividade industrial. Não nos
juntamos ao acaso nem nos escolhemos uns aos outros. Em nossa
vida, uma força comum nos impele e nela reconhecemos um
chamado, uma providência, uma vocação. Não são as nossas
preferências que nos unem. É o próprio Deus que nos coloca lado
a lado.
O mundo de hoje é caracterizado por sociedades feridas,
divididas, dispersas. É aí que Deus deseja estabelecer, na múltipla
maravilha de seu poder, células de graça para unir, reconciliar e
curar, como sinal de sua presença atual em nosso meio. A igreja
local é o projeto de Deus para ser isso: imagem e amostra daquilo
que há de ser a vida na eternidade, na casa do Pai. Somos um
sinal, uma garantia, uma parábola, uma promessa. E essa pro­
messa é nossa vida. For menor que seja a nossa igreja e por mais
frágil que seja a nossa união, representamos a Palavra de Deus,
encarnamos Sua providência, instrumentalizamos Sua ação.
A s Virtudes e os Vícios da Tradição
Tradição é o processo mediante o qual as verdades religiosas
normativas são transmitidas de uma geração para outra. Como tal,
a tradição é encontrada em todas as comunidades religiosas, em
forma oral ou escrita, tendo seu conteúdo num cânon fechado ou
num organismo vivo.
A s virtudes da tradição. Os protestantes e evangélicos, por
mais inclinados que ainda sejam a desconsiderar este fato,
precisam reconhecer que a tradição antecedeu e ajudou a formar
o cânon das Escrituras. Seu modo particular de entendê-las e,
portanto, sua própria vida comunitária, foram moldados por
tradições específicas, consciente ou inconscientemente.
No Novo Testamento, a palavra paradosis significa: “tradi­
ção”; “ensino etc. transmitido de uma geração a outra”.^ De um
modo geral, é usada negativamente por Jesus e positivamente
pelos apóstolos. Cristo repudiava as “tradições humanas” (Mt
15:3; Mc 7:9, 13). Mas os apóstolos seguiam o estilo didático do
dia (incluindo o dos rabinos), transmitindo e explicando a tradição
evangélica que tinham recebido do Senhor e dos apóstolos (1 Co
11:2; 2 Ts 2:15; 3:6).
Em princípio, os evangélicos quase sempre rejeitam a
tradição, embora necessariamente tenham permitido que reapare­
cesse na prática em alguma outra forma. Lutero rejeitou as
tradições eclesiásticas como distorções do evangelho verdadeiro,
achado somente nas Escrituras. No decorrer dos tempos, a
tradição foi-se tornando mais e mais forte, a ponto de assumir a
mesma dimensão das Escrituras. Concílios, credos confessionais,
legislação sinodal, ordens eclesiásticas, ritos e costumes come­
çaram a formar tradições protestantes quase tão obrigatórias
quanto as dos católicos.
Os vícios da tradição. Pesquisas realizadas recentemente
descrevem o perfil de uma igreja tradicional como possuindo os
seguintes traços:
— Dificuldade em promover mudanças.
— Saudosismo exagerado.
— Dificuldade em se relacionar com outros grupos que não
sejam da mesma denominação e ordem.
— Louvor e adoração mais rígidos. Preferência por hinos
centenários e históricos, com pouco espaço para hinos e cânticos
contemporâneos.
— A personalidade mais importante é um pastor, ou um
grupo de pastores.
— Os cargos e títulos são mais importantes do que a função.
— A formalidade é imensa.
— Ênfase acentuada sobre “os costumes e a tradição”.
— Prioridade na informação nem sempre acompanhada de
“formação”.
— Pouco espaço para promover a mutualidade.
— Ativismo cristão defmido por assistência aos cultos e
atividades da igreja.
— Cultos vespertinos com muita ênfase na evangelização, em
prejuízo de estudos bíblicos e doutrinários.
— Calendário denominacional acima do calendário das reais
necessidades locais.
— Dificuldades em adotar material didático de outra fonte
a não ser a sua denominação.
Considerações Preliminares para Mudanças na Igreja Local
Existem certas orientações que podem nos ajudar quando
contemplamos mudanças significativas na igreja local, seja
tradicional ou não:
1. Ser abalizadas na Palavra de Deus.
2. Ser baseadas em necessidades comprovadas.
3. Acontecer como resultado de uma percepção concreta,
não devido à pressão de modismos.
4. Ser o resultado da transferência geral de uma visão.
5. Caminhar sem romper com suas raízes (familiares e
geográficas).
6. Respeitar a história da igreja local e da denominação.
7. Respeitar a cultura local.
• 8. Permitir o diálogo contínuo entre a comunidade da igreja
local.
9. Começar pequeno e caminhar gradativamente, sem press
ou radicalismo.

“ONDAS ECLESIÁSTICAS” E DIÁLOGO COMUNITÁRIO


NA TRANSFORMAÇÃO DA IGREJA
Discernindo uma “Onda Eclesiástica” de uma Mudança Saudável
Um dos maiores obstáculos encontrados quando se caminha
em direção à inovação do ministério é o temor de “estar embar­
cando em uma onda eclesiástica”. Como o próprio termo explica,
onda é algo que surge com vitalidade, mas que se vai tão rápido
como chegou... Uma onda eclesiástica não tem consistência
doutrinária. É um modismo. Normalmente são manipulações emo­
cionais ou intelectuais que varrem igrejas incautas e despre­
paradas. Grande parte das divisões na Igreja tem acontecido como
conseqüência de inovações alicerçadas nessas ondas.
1. A onda eclesiástica é quase sempre cópia de um modelo
de igreja ou comunidade que está fazendo sucesso na atualidade.
Já uma mudança saudável pode ocorrer sem que se esteja copian­
do absolutamente nada da atualidade, aliás, pode até estar
baseada e inspirada em experiências do passado.
2. A onda eclesiástica surge rápida como um tufão. A
mudança saudável, por sua vez é gradual e calma.
3. A onda eclesiástica quase sempre vem acompanhada de
manipulação emocional ou intelectual. Já a mudança saudável é
resultado do poder e obra do Espírito Santo em parceria com
homens fiéis e idôneos.
4. A onda eclesiástica geralmente envolve partes específicas
do Corpo de Cristo (só jovens, só mulheres, só velhos...) Já a
mudança saudável acontece com a participação de todas as faixas
de uma igreja.
5. Uma onda eclesiástica pode levar uma igreja a construir
um ministério parcial com ênfase exagerada em apenas alguns
itens da natureza e missão da Igreja de Cristo (por exemplo: só
missões, só evangelização, só discipulado, só ação social, só
libertação, só cura interior, só alguns dons especiais etc...).

Diálogo: Transformação sem Transtorno


Uma das melhores ferramentas para começar a inovar uma
igreja é o diálogo. Num grupo, se existir um bom diálogo,
geralmente não haverá problemas sem solução. O diálogo
autêntico, quando realmente existe, é sempre fecundo, porque é
o encontro de almas na claridade. O diálogo deveria ser mais
comum e natural entre pessoas que vivem juntas. Todavia, é
estranho como há indivíduos que compartilham os mesmos
espaços físicx)s, os mesmos projetos de vida ou os mesmos
empreendimentos, sem no entanto conseguirem uma comunicação
efetiva através do diálogo.
Como funciona o diálogo transformador?
1. O diálogo não é uma conversa, mas também não é uma
discussão ou um debate.
2. Não devemos nos preocupar em argumentar. Não devemos
nos preocupar em nos defender. Não devemos nos preocupar em
atacar e ferir.
3. No diálogo não se deve pretender convencer, mas sim
fazer-se entender. Essa é uma atitude fundamental no diálogo.
Não convencer, mas expor nossas razões, idéias e sentimentos.
Não ser convencido, mas entender. Estas duas posturas — con­
vencer e expor não apenas são diferentes mas podem até ser
opostas. Podemos compreender um ponto de vista sem aceitá-lo.
4. Quando escutamos, não devemos fazê-lo na intenção de
encontrar falhas naquilo que estão nos dizendo. Pelo contrário,
devemos fazê-lo com um verdadeiro desejo de entender seu ponto
de vista, sentir-nos como os outros se sentem, colocar-nos em sua
pele, “vendo com seus olhos”. Aí se encontram o valor e a riqueza
de um diálogo; em fazer-nos o outro e, conseqüentemente, sair de
nós mesmos e poder considerar uma opinião à qual talvez nos
oponhamos. Isso é coragem intelectual. Temos nossa opinião e a
defendemos, mas agora nos dispomos a ouvir alguém que defende
a opinião contrária e não nos colocamos na defensiva. Não nos
fechamos, não temos medo de escutar. Não nos escondemos atrás
de preconceitos, nem de suspeitas. Pelo contrário, temos verda­
deiro interesse em saber como se consideram as coisas do outro
lado do nosso ponto de vista. Permitimo-nos viver a opinião que
rejeitamos e tentamos compreender por que alguns a defendem.
5. Não devemos ter medo de perder. Não devemos ter medo
de ser mudados, bem como de ter nossas convicções alteradas.
6. Ao dialogar, devemos simplesmente escutar, prestar aten­
ção, deixar que novas idéias cheguem à nossa mente. Depois de
ouvir tudo o que há para ser dito, mudaremos ou não de opinião.
7. Diálogos nunca terminam. Eles são contínuos. Enquant
durar a vida, permanecerão os diálogos.

OS TRÊS GRANDES INIMIGOS DA INOVAÇÃO


Desejo de Obter Segurança
Analise estas afirmações: “Andar nos velhos caminhos dá a
sensação de saber por onde estamos andando, saber o que nos
espera e como enfrentar qualquer situação. Os caminhos parecem
sempre claros, seguros, confiáveis.” “A experiência é importante.”
“A história dá segurança.” “A instituição nos faz fortes.” “Séculos
de tradição não podem estar errados.” “Anda com os outros e
faze o que sempre fizemos.” “Não brinque com fogo.” “Não se
arrisque.” “Segurança antes de tudo e, principalmente, em
assuntos espirituais.” “O novo sempre implica em riscos, e a
natureza humana tende a fugir do perigo. A mudança é sempre
contra a natureza.”
Moisés teve de assumir essa mesma atitude em meio ao povo
israelita no êxodo, no deserto. O Egito podia ser escravidão,
trabalho e dor, mas era também segurança. O risco, o perigo, a
aventura com o Senhor era o deserto. E a reação dos israelitas
diante da proposta de Moisés era clara e definida — deixa-nos!
Queremos continuar a servir os egípcios. Se não temos honra,
temos pelo menos segurança {cf. Êx 14:12). Para tais pessoas, a
escravidão conhecida é melhor do que a liberdade de conhecer.
Trabalhos forçados em casa são menos arriscados do que peregri­
nar no deserto. A estabilidade é mais segura do que a mudança.
Contudo, sem a aventura no deserto não há o gozo da
liberdade. Não há avanço, não há piogresso, não há terra prometi­
da. E depois, o perigo de que, ao chegar por fim à terra prometi­
da, convertamo-la em outro Egito de cativeiro mais sutil, em outra
cômoda permanência, e nos neguemos a seguir para outros
desertos e outros trabalhos, outra liberdade e outra terra prometi­
da. A mudança torna-se cada vez mais difícil.
Muitos de nós têm a mesma reação de um prisioneiro que
passou grande parte de sua vida na cadeia, esperando com muita
ansiedade o dia de sua libertação. Finalmente chega o grande dia.
Abrem-se as portas da cela e ele é convidado a sair. Entretanto,
de modo muito forte, uma sensação de insegurança o invade.
Prefere continuar ali fechado a ter de enfrentar uma etapa de
riscos, intranqüilidade, trabalho. Ali no cárcere ele está seguro,
tem cama, roupa e comida.

Falta de Coragem para Renunciar


Há outro bloqueio que nos impede de experimentar uma
mudança saudável. Esse é um mecanismo traiçoeiro e perigoso
que pode prejudicar muito, exatamente por ser algo sutil e oculto,
não podendo ser desmascarado com facilidade. Mudar quer dizer
abandonar alguma atitude que havíamos seguido durante anos, e
o modo de agir implica nessa atitude. Uma convicção que tivemos
desde sempre e que nos fez agir de certa forma durante anos a
fío. Se mudamos e deixamos de fazer algo que sempre fizemos,
começando a realizar algo novo, estamos admitindo que nossa
atitude ou prática anterior não era a ideal, não era perfeita, não
era absoluta, enfim, estava equivocada. Ao fazer algo novo, ao
começar a mudar, ao ser diferente daquilo que fomos até agora,
proclamamos que erramos ou que não usamos métodos e estra­
tégias ideais.

A Exagerada Institucionalização
O experiente apóstolo Paulo temia que a igreja perdesse sua
simplicidade: “Mas receio que assim como a serpente enganou a
Eva com a sua astúcia, assim também sejam corrompidas as vossas
mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo”
(2 Co 11:3). Em nossos dias, a igreja pouco se parece com aquela
dos tempos primitivos. Uma das pragas que tem afetado sua saúde
é a institucionalização.
Citamos abaixo algumas observações de um pesquisador
sobre o que acontece com grupos, sociedades e igrejas que se
institucionalizam.
1. A organização torna-se mais importante do que as pessoas.
2. Os indivíduos passam a funcionar dentro da organização
como meras engrenagens de uma máquina.
3. A individualidade e a criatividade perdem-se no meio das
estruturas.
4. Os arranjos estruturais na organização começam a ser
rígidos e inflexíveis.
5. As pessoas tendem a “idolatrar” a instituição acima dos
objetivos para os quais ela foi criada. Em outras palavras, o meio
transforma-se em fim.
6. A comunicação fica comprometida, particularmente por
causa da atmosfera repressiva que se estabelece na instituição.
7. As pessoas tornam-se escravas dos estatutos, regimentos,
manuais, regulamentos, declarações etc. Isso tudo compromete a
liberdade de pensamento, bem como hipnotiza e petrifica o senso
crítico tão saudável em qualquer sistema.
8. Para sobreviver dentro de uma estrutura fria, as pessoas
desenvolvem mecanismos de interesses— paralelos à organização.
Daí nascem as divisões e departamentos onde a competição
impera.
9. A moral tende a degenerar-se. Os indivíduos perdem de
vista os objetivos iniciais. Ficam desencorajados e começam a
criticar a organização, em especial seus líderes.
10. À medida que a organização cresce, o processo de
institucionalização se estratifica. A hierarquia da liderança é
fortalecida e a disputa por primazia e poder sufoca a participação
espontânea dos indivíduos.
As tendências acima são do pior cenário, mas infelizmente
caracterizam algumas igrejas. No entanto, o discipulado comunitá­
rio, ou seja, aquele realizado simultaneamente com várias pessoas
em torno da estratégia de grupos pequenos, constitui uma
alternativa de resgate da verdadeira vida da igreja de Jesus Cristo.
Qualquer programa de inovação que não considera a vida
comunitária está fadado ao fracasso.

AS INOVAÇÕES QUE EXPERIMENTAMOS


EM FLORIANÓPOLIS
Quando cheguei a Florianópolis, em 1985, encontrei na
Primeira Igreja Batista um rol de membros com mais de 200
pessoas. Entretanto, apenas acerca de 30 freqüentavam as
atividades. O rebanho vinha de um período de um ano e meio sem
pastor. Liderados nesse tempo por um grupo de “leigos” que já
tinha uma visão sintonizada com a minha, resolvi arregaçar as
mangas e trabalhar duro. Que fazer com uma igreja desmotivada,
sem recursos financeiros, cheia de traumas do passado? Que fazer
com um templo antigo e de tamanho apenas razoável para grandes
reuniões, entretanto não projetado para ser funcional, carecendo
de salas para pequenos grupos, circulação e outras dependências?
Concluí que a minha prioridade, como pastor, era investir
inicialmente na liderança. Aproveitei a alternativa de um grupo de
dez casais que já se reuniam antes de minha chegada, numa
koinonia. Começamos a estudar o livro A Medida de um Homem
Espiritual,"^ o qual trata das qualificações espirituais dos líderes de
uma igreja local.
A chamada escola bíblica dominical sofreu uma pequena
variação. Em vez de ser dividida em classes, adultos e jovens
permaneciam no templo para ouvir um estudo sobre as implica­
ções da filosofia de uma igreja neotestamentária. Logo em
seguida, dividiam-se em grupos de trabalho para desenvolver
questões práticas sobre o assunto e, finalmente, voltavam para
compartilhar suas conclusões.
Resolvemos começar a produzir e editar um material
didático que fosse apropriado às necessidades da igreja.
Os cultos da noite deixaram de ser evangelísticos e tornaram-
se essencialmente doutrinários, visando a edificação dos santos.
O louvor começou a caracterizar-se por uma maior partici­
pação da congregação em períodos crescentes de cânticos
espirituais mesclados com hinos tradicionalmente conhecidos. Até
então havia uma separação entre louvor e culto. A igreja passou
a entender que tudo era culto.
A estrutura dos cultos, embora pré-delineada, passou a ser
flexível e aberta para testemunhos, pedidos de oração, participação
das crianças, adolescentes etc. Essa flexibilidade estendeu-se
também para a inclusão de cânticos que eram inseridos no
momento, segundo a inspiração dada pelo Espírito a quem estava
ministrando o louvor. Atualmente, o louvor ocupa cerca de uma
hora de nossos cultos.
Resolvemos caminhar do formal para o informal, embora
zelando pela ordem e reverência. Iniciamos o uso de retroprojetor
para cânticos e esboços das mensagens.
O templo da igreja, que antes ficava fechado quase a semana
toda (com exceção das quartas-feiras, para o chamado culto de
oração), passou a permanecer aberto todos os dias. Logo o povo
acostumou-se a freqüentá-lo para aconselhamento ou a fim de
usar a biblioteca e nossa pequena videoteca.
Priorizamos a vida comunitária com “junta-panelas” nos
almoços de domingos, passeios, piqueniques, olimpíadas de
esportes, passeios ciclísticos, gincanas, bazares beneficentes,
cantina após os cultos, abertura de novos grupos de discipulado e
comunhão. Esta vida comunitária afetou significativamente a
liderança da igreja, que começou a sentir as implicações de ser
uma equipe coesa.
Incluímos em nossa programação os retiros para casais e,
posteriormente, para jovens, adolescentes e juniores. Descobrimos
o tremendo potencial evangelístico que tais retiros proporcio­
navam. Mais de 30 casais foram alcançados pelos retiros e hoje
estão integrados à igreja, sendo que alguns até já fazem parte da
liderança.
Decidimos incentivar, facilitar e investir para que os líderes
(presbíteros, diáconos, líderes de células de discipulado,
professores, diretoria) participassem de congressos como APEC,
SEPAL, VINDE e outros que fossem úteis à causa.
Proporcionamos estudos e laboratórios para que os membros
pudessem aprender e praticar seus dons espirituais e sacerdócio
individual.
Resolvemos atribuir a responsabilidade de escolha dos cargos
e outras funções ao conselho da igreja. As assembléias dos
membros tornaram-se mais espaçadas.
A igreja passou a enxergar além dos muros denominacionais
e descobriu o “Reino”. Começou a abrir-se para a comunidade
pública, oferecendo ajuda aos necessitados através de um núcleo
de assistência social devidamente constituído e credenciado.
Cursos sobre como parar de fumar, artesanato, pintura, pré-escola
e outros foram organizados e ministrados.
Grupos de discipulado começaram a multiplicar-se e o
pastoreio descentralizou-se.
Como resultado da visão do discipulado, foram organizadas
duas congregações. Membros transferidos para outras cidades,
devido à sua ocupação profissional, levaram consigo as sementes
do discipulado, pastoreio em sub-rebanhos, estilo de louvor,
governo da igreja etc. Isso fez com que essa experiência se
repetisse em vários contextos da igreja brasileira.
Aprendemos com a experiência que a função está acima das
estruturas, dos cargos e dos títulos. Como resultado, a igreja
resgatou o ministério do sacerdócio individual. Já não há mais
aquela profunda distinção entre “clero” e “leigo”. Todos são desa­
fiados a ser sacerdotes.
Outra distinção significativa, conseqüência de nossa visão
sobre o sacerdócio individual, foi a necessidade de investir em
conselheiros espirituais. Para tanto, a igreja acertou a vinda
mensal do Pr. W erner Heuser, do Seminário Bíblico de Gramado
e do MENAC. Cerca de 20 novos conselheiros estão sendo
preparados para o aconselhamento bíblico.
Finalmente, outra inovação foi formar seus próprios líderes.
A igreja aproveita os cursos externos que são oferecidos por
extensão, ou mesmo os intensivos e básicos, mas não perde a
convicção de que pode formar seus obreiros através do discipulado
e do treinamento aqui mesmo no próprio contexto da igreja local.
Hoje temos cerca de dez casais que, apesar de não passarem por
uma instituição de ensino teológico tradicional, exercem a função
de pastores, mesmo sem o título e sem precisar abandonar suas
ocupações profissionais.

CONCLUSÕES
Como Saber se Preciso Mudar ou Não?
Abaixo citamos alguns sintomas negativos que mostram à
liderança a necessidade de mudar e inovar a igreja local.
1. Sentimento de letargia espiritual. As coisas estão estagna­
das em sua vida e ministério.
2. Há focos de resistência ou mesmo oposição ao seu
ministério por parte da liderança.
3. Frustração crescente em relação a pessoas, situações ou
responsabilidades.
4. Sentimento de insuficiência, aquela sensação de saber que
existe “algo mais” sem, contudo, poder enxergar o “como
alcançar”.
5. Um sentimento de inutilidade. Aquele clima de “estar
sobrando” no ministério.
6. Perceber que já não se consegue estipular alvos concretos.
Perdeu-se o controle da situação.
7. Uma debandada geral do rebanho para outros apriscos.
8. Seus “planos infalíveis” fracassaram.

É claro que a mudança na estrutura da igreja não resolve


tudo. Às vezes existe pecado na vida da igreja, dos líderes ou do
próprio pastor, e isso deve ser tratado biblicamente, com firmeza.
Mas, sendo purificados espiritualmente, há muito que podemos
fazer para criar condições em que os membros aprendam a
exercitar nova fé no Senhor, andando por novos caminhos.

Aspectos Fundamentais da Inovação


Mudar só para mudar não faz sentido. Devemos orar e
conhecer bem a realidade de nossa igreja local diante dos padrões
do Novo Testamento. Para determinar se mudanças são
necessárias, devemos levar em conta os seguintes fatores:
1. Conhecimento lúcido da base bíblica e teológica.
2. Conhecimento da realidade que se quer mudar, mergu­
lhando nos fatos.
3. Coragem e desarmamento intelectual (sem preconceitos).
4. Flexibilidade e discernimento.
5. O novo genuíno não é a mesma coisa que o espetacular.
6 .0 novo deve incluir elementos do velho. Novas estratégias
devem sempre partir de outras já conhecidas.
7. O que para nós é novo possivelmente já existiu antes, em
alguma forma, em outro período e lugar.
8. Um método novo envolto numa linguagem estranha corre
o risco de ser mal comprendido.
9. O que é novo hoje será velho amanhã. O que hoje pode
ser identificado como um movimento pode se transformar rapida­
mente num monumento. Sempre haverá fluxo e refluxo entre o
velho e o novo.
10. Qualquer esforço em promover o novo no contexto da
igreja e que não tenha a sua inspiração e coordenação no Espírito
Santo está fadado ao fracasso.
A incapacidade que uma igreja local desenvolve em atualizar-
se está diretamente ligada à falta de visão, medo, covardia,
preconceito, rivalidade, preocupação com o julgamento dos outros,
falta de autenticidade, falta de criatividade, falta de convívio com
outros grupos da Igreja universal, inflexibilidade dos líderes,
conveniências, insegurança e traumas passados. Em suma, a
incapacidade da igreja local em se desenvolver criativamente é
devida ao fato de ela não deixar Jesus Cristo operar como Sua
Cabeça.
Libertando a Igreja para Ser Igreja
Rótulos. Um dos grandes problemas que tem afetado a
caminhada da igreja em direção ao novo são os rótulos. Ao
entrarmos em contato com alguém que se diz irmão de fé, logo
queremos saber de que categoria ele é: tradicional ou carismático,
conservador ou progressista, denominacional ou “do Reino”,
aberto ou fechado, de igreja morta ou de igreja viva.
Isto tem levado alguns irmãos a fazer julgamentos precipita­
dos e nocivos. Os rótulos falam. As manchetes ofuscam. Julgam
por catálogo. Condenam em série, por atacado. Estigmatizam com
um adjetivo apenas. Tal é um juízo mesquinho que, com um
pouco de atenção e cuidado, podemos desmascarar e desterrar de
nossa maneira de pensar e falar. Os rótulos de “velha geração” e
“nova geração”, ou “tradicional” e “renovada”, prestam-se no
mínimo a equívocos que só dificultam a plenitude do Reino.
Outro erro é atribuir o tradicional, o conservador aos mais
velhos. No Reino de Jesus, a idade não vale como fronteira. Entre
nós há jovens que são conservadores decididos e velhos que são
perfeitamente liberais. Não deve existir o “vazio de gerações”. O
que existe são distâncias mentais entre as diferentes pessoas, e a
idade desempenha seu papel nisso. Mas divisões rígidas baseadas
somente na idade não correspondem à realidade. Precisamos
aprender a não compartimentalizar a igreja.
Nossas igrejas locais precisam saber como mudar. Os líderes
têm de ajudar a congregação a; (1) conhecer bem o ensino do
Novo Testamento sobre a igreja; (2) reconhecer suas próprias
necessidades espirituais; (3) discernir seu contexto não-evangélico
a que Cristo nos enviou com as Boas Novas; e (4) entender o
processo de inovação de que os membros podem participar — em
fé, unidade e esperança.

NOTAS
'Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, trad. Ilson Kaiser (São Leopoldo, RS:
Sinodal, 1989) 67.
^Carlos G. Vallés, Viverem Comunidade, trad. Luiz João Gaio (São Paulo:
Loyola, 1987) 19.
’Veja “jia p á ô o a ij”, A Greek-English Lexicon o f the New Testament, de
W. F. Arndt e F. W. Gingrich (4? éd., Chicago: University of Chicago, 1957)
621a.
“'Gene A. Getz, A Medida de um Homem Espiritual, trad. Yolanda M.
Krieven (São Paulo: Literatura Evangélica Int., 1977).

LIVROS SUGERIDOS
Bama, George. O Poder da Visão. Trad. João Marques Bentes. São Paulo: Abba
Press, 1993.
Getz, Gene A. Sharpening the Focus o f the Church. Chicago: Moody Press, 1974.
Richards, Lawrence O. A New Face for the Church. Grand Rapids, MI: Zon-
dervan, 1972.
______e Gib Martin, Teologia do Ministério Pessoal. Trad. Neyd Siqueira. São
Paulo: Vida Nova, 1984.
Snyder, Howard A. The Problem o f Wine Skins: Church Structure in a Technologi­
cal Age. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1975.
191
A IGREJA LOCAL E MISSÕES MUNDIAIS:
Engajando-se na Grande Comissão

Edison Queiroz de Oliveira’

Jesus Cristo disse: “Eu edificarei a rainha igreja”. O instru­


mento de Deus para continuar Sua obra na terra é a Igreja. Por
isso, como líderes e membros de igrejas, devemos avaliar nossos
programas e atividades à luz do propósito que Deus tem para Sua
Igreja.
Vamos estudar, ainda que de modo rápido, algumas passa­
gens bíblicas que nos ajudarão a ver o propósito de Deus para o
Seu povo.

O CONTEÚDO GERAL DA BÍBLIA É MISSIONÁRIO


A Bíblia, desde Gênesis até o Apocalipse, é um livro
missionário, a partir do ponto de vista bíblico, o propósito de
Deus é simplesmente reconciliar o homem consigo. O problema
é que muitas vezes estudamos a Bíblia, não para buscar o
propósito de Deus e sim para buscar respostas ou bases para
nossas idéias. Precisamos avaliar nossa hermenêutica a partir do
ponto de vista dos propósitos de Deus.

"Edison Queiroz de Oliveira foi pastor da 1“. Igreja Batista de Santo André,
Presidente da COMIBAM, Brasil, e o autor de A Igreja Local e Missões (São
Paulo: Vida Nova, 1987). Atualmente é diretor de “Atos 1:8 em Ação”, orga­
nizada para envolver pastores e igrejas locais em missões. Para mais infor­
mações sobre literatura e conferências escreva para: C P . 9505, 80.613-991
Curitiba, PR.
No A. T , Israel era o Instrumento Missionário de Deus
Deus criou a nação de Israel com propósitos missionários. O
chamado de Deus para Abraão em Gênesis 12:1-3 demonstra isso:
Ora, disse o Senhor a Abraão: Sai da tua terra, da tua patenteia e
da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei
uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê
tu uma bênção: abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os
que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da
terra.
Note o final desta chamada de Abraão: “Em ti serão benditas
todas as famílias da terra”. Deus tem o propósito de abençoar
todas as famílias da terra, através da nação de Israel. Por isso
Deus deu a Israel o ofício sacerdotal, o que significa que Israel
deveria ser o mediador entre Deus e as outras nações. Em Êxodo
19:5 encontramos as seguintes palavras:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes
a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre
todos os povos: porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de
sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos
de Israel.
O propósito de Deus era usar Israel para abençoar outras nações.
O livro de Salmos também mostra o propósito missionário de
Deus, de uma forma um pouco diferente. Aqui, Deus tem o
propósito de espalhar Sua glória a todas as nações, e a melhor
forma de espalhar a glória de Deus é através das bênçãos que Ele
dá ao homem.
Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplan­
decer sobre nós o seu rosto, para que se conheça na terra o teu
caminho; em todas as nações a tua salvação. Louvem-te os povos, ó
Deus; louvem-te os povos, todos. (SI 67:l-.3)

Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, todas as terras.


Cantai ao Senhor, bendizei o seu. nome; proclamai a sua salvação,
dia após dia. Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os
povos as suas maravilhas. (SI 96:1-3; cf 1 Cr 16:23, 24)
Além dos Salmos, os profetas também tinham a preocupação
de restaurar o povo de Israel, a fim de que pudesse cumprir com
fidelidade o propósito de Deus e servir como instrumento para
que as bênçãos pudessem alcançar outros povos.
Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande entre a nações
o meu nome; e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas
ofertas puras; porque o meu nome é grande entre as nações, diz o
Senhor dos Exércitos. (Ml 1:11)
No N T., a Igreja é o Instrumento Missionário de Deus
O povo de Deus, a partir de Cristo, é a Igreja, ou seja o
conjunto dos que pessoalmente entregaram sua vida a Cristo, tive­
ram a experiência do novo nascimento e foram batizados no
Corpo de Cristo. O apóstolo Paulo apresenta brilhantemente o
trabalho de Deus unindo gentios e judeus num só corpo,
formando um novo povo que é a Igreja.
Naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e
sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele
é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derrubado a
parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu na sua
carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos
dois criasse em si mesmo um novo homem, fazendo a paz, e
reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da
cruz, destruindo por ela a inimizade. (Ef 2:12-16)
Eis por que a própria vida e obra de Cristo foi uma demons­
tração clara do propósito de Deus em reconciliar o homem
consigo. E assim Cristo deu a Grande Comissão aos Seus discípu­
los: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”
(Mc 16:15). Ao dar esse mandamento aos Seus seguidores. Cristo
deu também a promessa do poder do Espírito Santo, ou seja, esse
trabalho deve ser feito debaixo da capacitação de Deus. Em outras
palavras, Deus faz a obra e cada discípulo de Cristo é o instru­
mento que Ele usa para tal.
Biblicamente, o Espírito Santo está intimamente ligado com
a obra missionária. Infelizmente, hoje em dia há algumas igrejas
que não entendem o propósito da vinda do Espírito Santo e
desenvolveram uma teologia segundo a qual o Espírito Santo é
dado simplesmente para nos ajudar a receber bênçãos — e não
para servir a Deus, como é o propósito original. Não podemos
aceitar essa dicotomia entre o Espírito Santo e a obra missionária.
Se estudarmos a doutrina do Espírito Santo à luz dos propósitos
de Deus, vamos descx)brir que o Espírito Santo veio para ajudar
o cristão a ter uma vida vitoriosa e assim ser instrumento de Deus
para espalhar a glória divina através da salvação de outras vidas.
No dia de Pentecostes, representantes de todas as partes do
mundo da época ouviram as grandezas de Deus. Parece que o
Espírito Santo estava chamando os cristãos, dizendo-lhes: Vejam
bem, o propósito é que as nações possam conhecer as grandezas
de Deus! Isso é visão missionária. O Espírito Santo estava
mostrando a vontade e a direção do Seu poder. Ao olharmos o
livro dos Atos dos Apóstolos, vamos descobrir que logo após a
descida do Espírito Santo, a igreja começou a espalhar a glória de
Deus através da pregação do evangelho, alcançando o mundo
daquela época. E não é somente isso, pois, se estudarmos a
história da igreja, vamos verificar que sempre que houve um
movimento de avivamento espiritual, o resultado final foi um
grande avanço missionário, tal como aconteceu com os morávios.
Outra forma de ver claramente o propósito missionário de
Deus é através do estudo das cartas do Novo Testamento. Quando
Paulo e os demais autores estavam escrevendo, estavam preocupa­
dos com o crescimento espiritual e a manutenção da igreja dentro
dos propósitos de Deus, o que indica o propósito missionário.
Às vezes pergunto a alguns pastores por que eles ensinam a
Palavra de Deus ao seu povo, e ouço como resposta: “Para que
eles tenham maturidade na vida cristã”. Então pergunto: “Qual é
o propósito dessa maturidade?”, e eles chegam à conclusão de que
é para servirem melhor a Deus. Em outras palavras, o propósito
do ensino bíblico é a capacitação dos crentes para que sejam
frutíferos e úteis na obra de Deus.
A igreja tem como finalidade principal a obra missionária.
Todos os ministérios da igreja devem entender que o propósito
final de todo o seu trabalho é espalhar a glória de Deus, e essa
obra não deve limitar-se à região onde a igreja local está estabele­
cida. Cristo foi muito claro em Atos 1:8, quando disse que a área
de influência da Igreja deve ser Jerusalém, Judéia, Samaria e os
confins da terra. Uma igreja que pensa e trabalha somente na sua
Jerusalém está fora da vontade de Deus. Por outro lado, uma
igreja que só pensa nos confins da terra também está fora da
vontade de Deus. A visão de Deus para Sua Igreja é que alcance
Jerusalém, Judéia, Samaria e os confins da terra ao mesmo tempo,
envolvendo todos os seus membros pessoalmente, através de
testemunho pessoal, oração e contribuição financeira.

MÉTODOS MISSIOLÓGICOS TRADICIONAIS NO BRASIL


Na segunda e na terceira parte do trabalho, quero antes
discutir alguns dos metódos que têm sido usados por igrejas e
denominações e depois apresentar algumas alternativas que têm
provado ser de grande utilidade para o avanço missionário.
Primeiro, quais são os métodos missiológicos atuais no Brasil.
O Método “Nada”
Algumas igrejas praticam o método denominado “nada”. Este
método tem sido ensinado em algumas escolas teológicas, e equipa
a igreja para não fazer nada em relação a missões. Estudei
aproximadamente cinco anos no seminário. Durante todo esse
tempo, tive somente uma classe de Missões Mundiais, onde o
professor nos mostrava o que a nossa denominação estava fazendo
por missões mundiais. Saí do seminário sem qualquer idéia de
que, como pastor de uma igreja local, a minha prioridade deveria
ser missões mundiais. Infelizmente há igrejas que têm adotado
este método e não fazem nada em prol do avanço do reino de
Deus em outras nações.
O Método “Familiar”
Outro método adotado por algumas igrejas começa quando
Deus chama alguém da igreja local para a obra missionária. Essa
pessoa comuniea a visão ao pastor, mas este não toma nenhuma
atitude ou providência no sentido de apoiar o candidato e dar-lhe
condições de preparo e envio. Logo, a família do candidato, por
ver nele o chamado divino, começa a sustentá-lo no preparo e
finalmente no envio ao campo missionário.
O pior deste método é quando o pastor traz o candidato ao
púlpito da igreja, informa a igreja de que ele está indo ao campo
missionário, faz uma oração sem compromisso, dá-lhe dois
tapinhas nas costas e diz: “Que Deus te abençoe!” Depois afirma
que sua igreja enviou um missionário para tal lugar.
Conheço seminaristas e missionários que têm sido sustenta­
dos por suas famílias. Louvado seja Deus por essas famílias que
têm recebido as bênçãos divinas pelo fato de estarem sustentando
os missionários. Mas, onde está a igreja local?
O Método de Buscar Apoio em Diversas Igrejas
Este método tem sido muito difundido no Brasil, por duas
razões: falta de visão e apoio da igreja local e falta de condições
da igreja local para sustentar o missionário. O problema deste
método é que o missionário não tem uma base forte e sólida para
seu sustento. Freqüentemente, algumas igrejas assumem um
compromisso temporário e não aprofunda suas raízes com o
missionário.
O Método Denominacional
Este método tem sido muito usado no Brasil e creio que tem
servido de bênção para o avanço da obra missionária. As igrejas
se unem em cooperação, enviam ofertas regularmente para a
denominação e, através dessas ofertas, os missionários têm sido
enviados. Tenho, porém, algumas considerações a fazer quanto a
este método.
1. É impessoal. Um dos pontos fracos deste método é que o
membro da igreja não se envolve pessoalmente com a evangeli­
zação do mundo. Ele não conhece o missionário pessoalmente,
não sabe onde ele está, nem o que está fazendo, por isso não ora
regular e consistentemente pelo missionário nem por missões
mundiais. Ele simplesmente dá o seu dízimo e, no dia dedicado a
missões mundiais, faz uma oferta especial.
2 Não é estratégico. Outro problema é que a tradição tem
substituído a estratégia e a hierarquia denominacional tem
substituído os membros da igreja em si. Em vez de a igreja local
estabelecer uma estratégia de alcançar sua Jerusalém, Judéia,
Samaria e os confms da terra, a denominação ou agência mis­
sionária é quem estabelece a estratégia. A igreja se torna apenas
ura recurso, era lugar de ser a base sólida da obra missionária.
3. Envolve apenas alguns. Neste método, apenas alguma
pessoas da igreja se envolvera, e raesrao assira é ura envolvimento
muito superficial. O pior é que alguns colocam a obra missionária
sobre os ombros das mulheres da igreja, não sobre a igreja corao
um todo.
Como pastor de uma igreja denominacional, há alguns anos
eu atuava era relação à obra raissionária da seguinte forma: no
calendário da nossa denominação apareciam os dias reservados
para raissões locais, raissões estaduais, missões nacionais e missões
mundiais. Aqui, já se vê uma falha crítica deste método. Se
missões é a tarefa suprema da igreja, como é possível separar
apenas quatro domingos para raissões dentro de um ano com 52
domingos? E, no domingo de Missões Mundiais, eu colocava na
porta da igreja os raateriais promocionais que recebia da denomi­
nação e ia para o púlpito a fim de dirigir o culto especial de
missões. Cantávaraos o hino raissionário, eu fazia uma oração bem
superficial e impessoal em favor de “todos os missionários do
raundo”, pregava sobre missões e explicava ao povo que deveriam
distribuir alguns folhetos. No final, tirávaraos uraa oferta que seria
enviada para a denominação. E, como pastor, eu descansava e
dizia: “Este ano já fizemos raissões. Agora somente no ano que
vem”.
De fato, como pastor, eu não tinha nenhuma idéia da
responsabilidade da igreja e, conseqüentemente, a igreja também
não tinha responsabilidade alguma. Mais uma vez, quero enfatizar
que Deus tem usado nossas denominações para enviar muitos
missionários e plantar igrejas em outras partes do mundo, o que
é digno de crédito. Mas creio que todo o potencial que as igrejas
denominacionais têm não está sendo usado.

UM OUTRO CAMINHO:
PREPARANDO A IGREJA LOCAL
Quero apresentar uma alternativa que, creio, vai nos ajudar
como igreja brasileira a sermos mais efetivos na evangelização do
mundo.
Precisamos de um Sério Movimento de Oração
A oração é a base para o avanço da obra de Deus. Todo
movimento de avivamento que resultou num avanço da obra
missionária começou com pequenos grupos orando.
1. Portanto devemos orar.
Devemos orar no Espírito, com sabedoria e com estratégia.
Devemos orar por pastores e igrejas locais para que tenham
visão missionária. Devemos orar especificamente para que os
pastores de nossas igrejas tenham a visão e as prioridades corretas
em relação ao trabalho de Deus.
Devemos orar pelos missionários. Devemos orar de maneira
objetiva pelas necessidades pessoais dos missionários e pelo seu
trabalho no campo. Daí se esclarece a necessidade do
envolvimento pessoal dos membros da igreja com o missionário.
Mais envolvidos pessoalmente, os membros da igreja local se
familiarizam com a geografia, a cultura, as dificuldades e tensões
do ministério, e com a própria personalidade do missionário, assim
desenvolvendo uma oração mais objetiva e efetiva.
Devemos orar por novos obreiros. O Senhor Jesus mandou a
igreja orar por novos obreiros: “Rogai, pois, ao Senhor da seara
que mande trabalhadores para a sua seara” (Mt 9.38).
Devemos orar pelo mundo. A igreja deve receber infor­
mações sobre a situação do mundo e as necessidades evange-
lísticas, para poder orar com sabedoria e especificamente. Quando
a igreja ora, o envolvimento dos crentes com missões se torna
mais pessoal e os resultados são evidentes, tanto na maturidade
espiritual do crente como na vida da igreja.
2. Idéias práticas sobre como orar para as missões. Oração no
cultos principais da igreja. Em nossa igreja, colocamos atrás do
púlpito um mapa mundial bem grande apenas com o contorno dos
países e a cada domingo apresentamos no boletim da igreja
informações de um país, pintamos de determinada cor esse país no
mapa, oramos no culto e eu desafio os crentes a orarem pelo país
durante a semana. Isso ajuda na visão, porque todos os domingos,
quando os crentes na igreja olham o mapa com algumas partes
sem pintar, eles se conscientizam de que o trabalho ainda não está
acabado. Essas informações se encontram no livro Batalha Mun­
dial, de Patrick Johnstone.*
Divulgar informações pessoais. Além de orarmos por um país
específico, colocamos também no boletim da igreja trechos de
carta de um dos nossos missionários para oração específica.
Oramos no culto e os crentes oram durante a semana. Junto com
trechos da carta, registramos o endereço do missionário para que
os membros da igreja possam se corresponder com ele. E impor­
tante que a igreja conheça as necessidades específicas para orar.
Por exemplo, orar pela vida espiritual, pela adaptação no campo
missionário, pelo aprendizado da língua, pela estratégia correta,
pelos relacionamentos pessoais etc.
Oração em grupos pequenos. A igreja pode organizar diver­
sas reuniões pequenas para orar especificamente pela obra mis­
sionária. Essas reuniões podem ser na própria igreja, no trabalho,
nos lares, enfim, em qualquer lugar.
Precisamos de Pregação e Ensino Bíblico Sobre Missões
Aqui, parece que chegamos a uma redundância porque, se a
pregação e o ensino são bíblicos, naturalmente os resultados serão
missionários, já que a Bíblia é um livro missionário. Creio que
devemos incorporar as bases bíblicas de missões em todos os
níveis de ensino da igreja. No currículo das nossas escolas
dominicais, deveríamos deixar bem claro que todo o nosso ensino
tem um propósito claro e específico: que todos os membros da
igreja estejam equipados para um envolvimento mais efetivo na
evangelização do mundo.
Os pastores deveriam organizar um programa de pregação
expositiva da Palavra, sempre colocando o propósito fínal da
pregação; que todos os membros da igreja estejam equipados para
espalhar as boas novas através de evangelização, boas obras e
compromisso com missões. Além da exposição da Palavra, seria
importante compartilhar informações missionárias nos cultos da
igreja, para que os membros saibam o que Deus está fazendo ao
redor do mundo e também estejam alertas quanto aos desafios
que temos diante de nós.
Precisamos de Informação Missionária Atualizada
A igreja precisa saber o que está acontecendo no mundo em
termos de missões. O cristianismo está avançando. É importante
que os crentes saibam que o seu esforço está sendo compensado,
as orações estão sendo respondidas e o investimento financeiro
está valendo a pena.
Também é importante que a igreja ouça testemunhos e
experiências de missionários para que conheça mais profunda­
mente a obra missionária.
Além disso, os membros das nossas igrejas precisam conhecer
as necessidades espirituais do mundo atual. Ainda existem 12 mil
grupos de povos não alcançados com o evangelho. Em alguns
locais, as igrejas cristãs não estão crescendo. Ainda existem países
fechados para a pregação do evangelho. Essas informações vão
promover responsabilidade e envolvimento dos membros.
Uma das melhores formas de fazer crescer a chama de
missões na vida dos crentes é a Conferência Missionária Mundial,
onde separamos um tempo determinado e concentramos a
pregação, inspiração e informação na obra missionária. Nessa
semana, trazemos pregadores com profunda experiência na obra
missionária, missionários com experiência no campo, vocacionados
para darem testemunho, convidamos as juntas e agências
missionárias para exporem seus trabalhos e usamos da melhor
forma possível a presença desse pessoal para promover a perso­
nalização de missões.
Precisamos de um Compromisso Profundo
Infelizmente, hoje em dia existe uma falta de compromisso
em algumas igrejas em relação à obra missionária. Mesmo algumas
igrejas que têm sido fiéis em orar e contribuir financeiramente
para alguns missionários, demonstram que o compromisso não é
profundo. Creio que, em Atos 13:3, quando a igreja de Antioquia
impôs as mãos sobre Paulo e Barnabé, não foi simplesmente para
orar por eles. Antes, constituiu um sinal de compromisso com eles
na execução da obra. O trabalho missionário é tarefa da igreja
local, e os missionários são os instrumentos da igreja para
execução da sua obra. Gosto muito de uma frase de João Wesley,
um dos fundadores da Igreja Metodista: “A minha paróquia é o
mundo”. O conceito de paróquia na Igreja Metodista é a área de
influência da igreja. Notem que esse homem tinha a visão e o
compromisso corretos. A área de influência de minha igreja é o
mundo. A igreja local deve entender sua responsabilidade em
executar a obra missionária e ter como princípio o conceito de que
a igreja está indo ao mundo através dos seus missionários.

COMO ENVIAR SEUS PRÓPRIOS MISSIONÁRIOS


Quero apresentar algumas atividades missionárias que
deveriam ser atinentes à igreja local, mas que infelizmente ela tem
dado a outros:
Identificando os Candidatos
A identificação e reconhecimento da chamada missionária
devem vir da igreja local. Hoje em dia alguns vocacionados
matriculam-se nas escolas teológicas sem nenhum compromisso
com a igreja e da igreja, têm apenas uma carta de recomendação
assinada pelo seu pastor. Creio que não deveria ser uma carta de
recomendação e sim uma carta de compromisso da igreja. Mas,
infelizmente, eles terminam seu curso teológico e se apresentam
a uma junta ou agência missionária como se estivessem prontos
para ir ao campo missionário. E essas organizações enviam-no sem
o apoio e o compromisso da igreja local. Isso está totalmente
errado e fora dos princípios da eclesiologia bíblica.
Muitas vezes ensinamos eclesiologia e defendemos a igreja
como o único organismo de Deus na terra, mas desrespeitamos a
igreja ao fazermos a obra de Deus separados dela. Não só as
juntas e agências missionárias, mas todos os demais segmentos do
movimento evangélico deveriam fazer uma revisão de sua posição
diante das igrejas, se arrependerem e voltarem para as bases,
procurando trabalhar para ajudar estas igrejas a cumprirem a
tarefa.
Por outro lado, esses segmentos do movimento evangélico
têm feito o trabalho separados das igrejas porque não encontram
abertura e apoio dos pastores para a visão que Deus tem colocado
em seus corações. Creio que também nós, pastores e líderes de
igrejas locais, deveríamos nos arrepender e abrir as portas para
que essas organizações que chamamos de “paraeclesiásticas”
possam vir e nos ajudar a cumprir a tarefa que nos é comum: a
evangelização do mundo.
A igreja tem o dever de dar oportunidade para que seus
membros desenvolvam seus dons espirituais e trabalhem produzin­
do fruto, então os demais membros reconhecerão a chamada
divina na vida dos irmãos. Ninguém melhor que os membros das
igrejas locais para dizer quem é quem em termos de chamada
missionária. Se produz fruto aqui, vai produzir fruto no campo. Se
não dá fruto aqui, é melhor não mandar ao campo.
Treinando os Candidatos
A igreja local tem a responsabilidade de treinar os candi­
datos. Esse treinamento deve ser feito na área espiritual e minis­
terial. Vida espiritual e ministério são desenvolvidos na igreja
local, daí a necessidade de a igreja ter programas ministeriais que
criem condições de exercício de ministério.
Em nossa igreja, fixamos algumas áreas-alvo para alcançar­
mos com o evangelho, seguindo o texto de Atos 1:8, e utilizamos
essas áreas para treinar os membros da igreja a desenvolverem seu
ministério, dentro das seguintes fases:
Fase 1. Jerusalém: nossa cidade e região. Desenvolvemos um
currículo básico de treinamento, dado na igreja, e organizamos
diversos tipos de trabalho, apoiando outras igrejas a plantarem
novas igrejas, trabalho de evangelização de um bairro, trabalho
com prostitutas e homossexuais, trabalho com viciados em drogas,
trabalho nas favelas etc. Para cumprir esses alvos, usamos todos os
meios possíveis, tais como a música, o teatro, esportes etc. Assim,
todos os membros da igreja têm a oportunidade de exercer seus
dons espirituais e desenvolver ministérios específicos, sob a
supervisão de líderes mais experimentados.
Fase 2. Judéia: região sul do Estado de São Paulo. Desenvol­
vemos programas de finais de semana para ajudar igrejas daquela
região a plantarem novas igrejas. Este trabalho tem proporcionado
a oportunidade para aqueles selecionados e aprovados em
Jerusalém poderem exercer e aprimorar o ministério debaixo da
supervisão de um dos pastores locais. Aqui o treinamento se
aprofunda, tanto nas áreas de vida espiritual e ministerial como
nas áreas de relacionamento e convivência, que são muito impor­
tantes.
Fase 3. Samaria: Estado da Paraíba. Desenvolvemos um
projeto de um mês, levando candidatos e membros de nossa igreja
para o sertão da Paraíba a fim de ajudar igrejas a implantar novas
congregações na região. Neste projeto, a seleção é mais rígida,
pois exigimos boa experiência e aprovação nas fases anteriores.
Fase 4. Confins da Terra: tribo hupda no Brasil e dois países
do norte da África. Os candidatos aprovados nos treinamentos
anteriores recebem o treinamento específico (lingüística, enfer­
magem etc. ) e são enviados ao campo como missionários. Nesse
treinamento, a seleção se torna fácil e natural, porque as pessoas
não aprovadas naturalmente começam a sair do programa,
enquanto aquelas que realmente têm chamado ficam e suportam
a carga. Para receberem o treinamento específico mencionado
acima, dependemos de outras organizações.
Enviando os Candidatos
Biblicamente, a responsabilidade de enviar missionários
pertence à igreja local. Mas a igreja deve reconhecer que necessita
da ajuda das agências e juntas missionárias para que o trabalho
seja mais efetivo. É muito difícil para a igreja local cuidar de toda
a parte burocrática, do envio de dinheiro e do controle dos vistos
para os países. Além disso, as agências e juntas missionárias
desenvolveram bases que facilitam este trabalho e a avaliação do
missionário no campo. O problema é que muitas juntas e agências
estão enviando missionários sem hgação com as igrejas locais, e
isso tem acontecido pela falta de visão e ferramentas na igreja
para desenvolverem o ministério de missões mundiais.
Levantando Recursos para a Obra Missionária
Infelizmente a igreja no Brasil tem sofrido um complexo de
inferioridade. Muitas vezes ouvi pastores dizendo que não temos
condições de sustentar missionários no campo. Creio que o
problema aqui não é dinheiro e sim compromisso. A experiência
de minha igreja tem provado que dinheiro não é problema, pois
quando os crentes estão comprometidos, dão ofertas com alegria
e liberalidade.
Dr. Oswaldo Smith apresenta o que ele chama a Oferta
Missionária de Promessa de Fé. ^ Os princípios deste método estão
baseados em 2 Coríntios 8-9, quando o apóstolo Paulo estava
levantando ofertas para ajudar os cristãos pobres de Jerusalém.
Este método foi um instrumento de Deus para revolucionar a vida
financeira da igreja como um todo, bem como a dos seus
membros. Temos usado a estratégia há quinze anos e sempre
ultrapassamos o alvo fixado. Gostaria de dar uma breve explicação
da Oferta Missionária de Promessa de Fé:
1. Fé. D ar por fé é depender de Deus para ofertar. É cre
que Ele nos vai dar primeiro, e assim poderemos dar para missões.
Este princípio bíblico tem dois lados.
a. Tudo vem de Deus. Cremos que tudo que temos recebido
vem das mãos de Deus. Se trabalhamos, é porque Deus nos tem
dado saúde, sabedoria, emprego e todas as condições necessárias
para termos nosso sustento.
b. Crer que Deus pode dar mais. Se Deus nos tem abençoado
com uma determinada quantia mensal, Ele é poderoso para nos
dar mais do que isso. Aqui está a chave para o princípio de fé:
pedir a Deus que nos dê mais dinheiro, não para ficarmos mais
ricos ou acumular tesouros, mas, sim, para aplicar no trabalho
missionário. Isto não é fazer “negócio” com Deus; antes, é
depender dele para contribuir mais.
2 Promessa. Este princípio baseia-se em 2 Coríntios 9:5, onde
lemos que os irmãos já haviam prometido anteriormente a oferta.
a. É um compromisso. Esta não é uma oferta recolhida nos
cultos normais de nossas igrejas, onde os membros consultam o
bolso ou a conta bancária e dão. Ao contrário, é um compromisso
que cada crente vai assumir de dar na dependência de Deus. Ou
seja: quando Deus me der, eu vou cumprir o prometido.
b. Entre você e Deus. Por ser um compromisso entre o
crente e Deus, nem os pastores, nem líderes ou qualquer outra
pessoa irá cobrar ou pressionar o crente para dar. É um assunto
particular entre o crente e Deus.
3. Oferta. A oferta missionária pela fé é uma oferta alçada.
Não é dízimo. O dízimo é uma porcentagem estabelecida por
Deus para o sustento do ministério local. Por isso é errado tirar
do dízimo para cumprir com a OMPF.
4. Missionária. Este princípio é obtido por inferência. Se os
crentes de Corinto poderiam prometer uma oferta especial, tendo
fé na dependência de Deus para ajudar os pobres de Jerusalém,
e o método funcionou, podemos usar o mesmo método para
levantar o sustento de missões.
a. Vai ser aplicada somente em missões. Se a oferta é
destinada a missões, os pastores e líderes da igreja devem garantir
que essa importância será aplicada única e exclusivamente em
missões. Nem um centavo dessa importância poderá ser aplicado
em outra causa.
b. Vai levar a glória de Deus a todas as nações. Este é o
ponto mais importante da Oferta Missionária de Promessa de Fé.
No Salmo 96:3 a Palavra de Deus ordena: “Anunciai entre as
nações a sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas”.
Através da OMPF, missionários serão enviados, vidas serão salvas,
igrejas serão implantadas e a glória de Deus será espalhada a
outras nações.
MISSIONARIA
p r in c íp io s d a o f e r t a
DE PROMESSA DE FÉ
2 Coríntios 8-9

1. FÉ
a. Tudo vem de Deus
b. Crer que Deus pode dar mais

2. PROMESSA (2 Co 9:5)
a. É um compromisso
b. É um compromisso entre você e Deus

3. OFERTA: Vai além do dízimo (para a igreja local)

4. MISSIONÁRIA
a. É só para missões
b. Levará a glória de Deus às nações

Vantagens. Os benefícios da oferta missionária de promessa


de fé são:
— É pessoal, ajudando na personalização de missões
mundiais na igreja local. Cada crente pessoalmente se compromete
com a obra de Deus.
— É constante. O salário do missionário é mensal e não
anual, por isso este método ajuda o crente a contribuir mensal­
mente para a obra missionária e os missionários terão seu
sustento.
— Ajuda no crescimento espiritual da igreja. Os crentes terão
tremendas experiências de fé através deste método.
Precisamos de Boa Manutenção da Obra Missionária
Para algumas igrejas, missões tem sido a onda do momento.
Mas, para aquelas que assumiram um compromisso e estão dentro
da vontade de Deus, missões tem sido a prioridade em todos os
seus programas e atividades. Para manter esta prioridade é
importante que a igreja mantenha um forte ministério de missões
mundiais.
Algumas igrejas têm separado um grupo de pessoas para
formarem um conselho missionário, cujo propósito é ajudar a
igreja na sua tarefa missionária. Note bem que o propósito é
ajudar a igreja na tarefa, e não executar em nome da igreja. Em
outras igrejas o nome é departamento, secretaria, ministério de
missões etc. Mas, não importa o nome. O essencial é que esse
grupo esteja ajudando a igreja na tarefa missionária.
Algumas das atividades desse ministério são as seguintes:
1. Fixar as metas para o ministério de missões mundiais.
2. Desenvolver a estratégia de missões mundiais.
3. Promover o movimento de oração por missões.
4. Educar a igreja em missões mundiais.
5. Estimular e administrar as ofertas missionárias.
6. Desenvolver o manual missionário da igreja.
7. Organizar a conferência missionária mundial.
8. M anter a igreja informada sobre as necessidades mundiais.
9. Manter a igreja em contato com os missionários e vice-
versa.
Temos diante de nós o desafio de levar o evangelho a 12.000
grupos de povos que ainda não foram alcançados. A igreja local
tem a responsabilidade de colocar o evangelho à disposição desses
povos. Missões não é questão de metodologia e, sim, de vida
espiritual.
Minha oração é que Deus envie um grande avivamento para
a nossa pátria, de tal forma que pastores e líderes levem suas
igrejas a um profundo compromisso com Deus e sua palavra.
Como resultado, veremos missionários saindo da nossa pátria para
outras partes do mundo. Igrejas serão implantadas entre os povos
não alcançados. E Deus será glorificado.
NOTAS
'Patrick J. Johnstone, Batalha Mundial, trad. I.uiz Teixeira Sayão (3^. ed..
São Paulo: Vida Nova, 1987).
^Oswald J. Smith, O Clamor da Mundo, trad. João Marques Bentes (São
Paulo: Orlando S. Boyer, 1972) — em processo de reedição.

LIVROS SUGERIDOS
Araújo, Alex, Carlos Calderon, et al Atlas de COMIBAM. Guatemala e São
Paulo; COMIBAM, 1987.
Carriker, C. Timóteo. Missões na Bíblia: Princípios Gerais. São Paulo: Vida
Nova, 1992.
______, ed. Missões e a Igreja Brasileira. 5 vols. São Paulo: Mundo Cristão, 1993.
Green, yi\cha.e\. Evangelização da Igreja Primitiva. Trad. Hans Udo Fuchs, T'. éd..
São Paulo: Vida Nova, 1989.
Hesselgrave, David. A Comunicação Transcultural do Evangelho. Vol. 1: Comu­
nicação, Missões e Cultura. Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo:
Vida Nova, 1994.
Limpic, Ted. Panorama Estatístico do Trabalho Missionário Brasileiro no Mundo.
São Paulo: SEPAL, 1992.
Queiroz de Oliveira, Edison. A Igreja Local e Missões. São Paulo: Vida Nova,
1987.
Taylor, William David. Capacitando a Força Missionária Internacional. Trad.
Lilian Barreto Venssimo. Viçosa, MG: Ultimato, 1993.
/lO/
A IGREJA BRASILEIRA E O SÉCULO XXI:
O Presente e o Futuro

Entrevista com Caio Fábio D ’Araùjo Filho’

Como presidente da Associação Evangélica Brasileira, o pastor


tem uma perspectiva única e privilegiada para avaliar a igreja
evangélica em nosso país — uma das maiores e mais crescentes no
mundo. Em teimos gerais, faça um perfil da igreja nacional.
Avahando o quadro geral da igreja, primeiramente vemos
que ela cresce explosivamente na base, no meio dos pobres. Aqui
há uma coisa interessante: a pobreza cresce no Brasil e a igreja
explode na pobreza. É impressionante como a igreja evangélica,
que tem suas raízes na pobreza, está crescendo assustadoramente.
A segunda coisa interessante, neste quadro geral, é o fato de que
a parte da igreja de classe média tem conseguido fazer o
ministério de manutenção de seus membros, mas ela não cresce na
velocidade em que deveria crescer — muito menos ainda na classe
alta. Entre aqueles que são empresários e profissionais liberais
evangélicos, está crescendo muito mais a perspectiva de se
conhecerem uns aos outros como cristãos e formarem associações
que segmentam a realidade e a existência deles. Esse grupo se
associa, mas não está conseguindo transformar o crescimento
associativo deles, dentro da igreja, num crescimento que propor-

Pr. Caio Fábio D ’Araújo Filho é fundador e presidente de Visão Nacional


de Evangelização (VINDE) e presidente da Associação Evangélica Brasileira
(AEvB) desde sua fiindação em 1990. Autor de cerca de 50 livros (com 2
milhões vendidos), Pr. Caio é especialmente conhecido por seu programa na
televisão, “Pare e Pense”, e as conferências VINDE. Suas cruzadas de
evangelização já reuniram mais de 8 milhões de pessoas no Brasil e no exterior.
A entrevista e redação são do editor.
cionalmente atinja a mesma quantidade de pessoas dos segmentos
deles no lado de fora. Esse é um quadro geral que eu diria a nível
de crescimento.
Na questão das grandes qualidades desta igreja e dos seus
grandes defeitos, eu diria o seguinte. Grande qualidade é a alegria:
a igreja evangélica brasileira é uma igreja alegre. A liturgia
evangélica brasileira no país inteiro é, quase toda, uma liturgia
feliz, há muita manifestação de exuberância de alegria espiritual
em nossos cultos. Isso é contagiante. Mais ainda, eu diria que boa
parte desta igreja que cresce e que explode tem conseguido
trabalhar muito de perto, fazendo uma associação entre a sua
liturgia e a cultura em volta. Isso, de uma maneira espontânea.
Não é o resultado de uma reflexão. É o resultado de uma
espontaneidade total. Eu me impressiono muito quando vejo, por
exemplo, na Baixada Fluminense, que é uma das regiões do país
onde a igreja mais cresce explosivamente, como essa igreja de
pobres trabalha de maneira muito espontânea com a sua presença
nessas comunidades usando e extraindo da comunidade os
elementos culturais que ela acolhe em seu próprio culto, sua
própria liturgia, ritmos e estilos musicais. Certas coisas do
ambiente cultural são trazidos e incorporados à liturgia, o que faz
com que haja uma proximidade muito maior entre a liturgia desta
igreja e a população em geral, do lado de fora. Eu diria que a
maior virtude da igreja evangélica no Brasil é essa alegria de
celebração.
Uma segunda coisa muito forte é o papel do leigo, espe­
cialmente no movimento pentecostal, onde a igreja cresce através
da evangelização feita pelo leigo. A figura do pastor nos
movimentos pentecostais é muito mais uma figura de superinten­
dência e não tanto essa, que realiza o crescimento, como nas
espectativas das igrejas tradicionais de classe média. O movimento
de leigos afirma a liberdade do leigo de pregar e de iniciar
trabalhos e igrejas sobre as quais eventualmente ele vai poder ser
ungido pastor, até porque ele não é ordenado pastor em função
de um currículo acadêmico que ele completou. Ele é ungido em
função da evidência de um ministério que ele manifestou. Eu acho
que essas são as duas grandes qualidades que afirmam o
erescimento na igreja.
Com relação aos defeitos, eu diria que o maior de todos eles
tem a ver eom o elemento ético. Há uma fraqueza ética na igreja,
e essa fraqueza tem sua raiz na fraqueza reflexiva. Ou seja, essa
igreja alegre e feliz identificada com boa parte da população, que
explode em função do ministério leigo, tem dado muito pouco
valor ao estudo e à reflexão na Palavra. Sem o estudo, sem a
reflexão na palavra, não se adensam no coração de ninguém os
referencias que formam o caráter, que balizam o comportamento,
que enchem o ser com conteúdos éticos, que o capacitam a viver
não apenas uma santidade religiosa, mas uma santidade social
ampla. Essa santidade ampla se manifesta inclusive e sobretudo
nas relações seculares do cristão e da igreja. O elemento ético
então é o mais deficiente.'
Esta lacuna ética tem sido manifestada sobejamente no
fracasso de muitos daqueles que são os representantes da igreja
evangélica no âmbito político. Até aqui, na maioria dos casos há
exceções louváveis. A maioria, entretanto, não tem conseguido se
diferenciar do ambiente secular político brasileiro. A única
diferença é que eles são evangélicos e os outros são agnósticos,
católicos não-praticantes, macumbeiros ou espíritas kardecistas. É
apenas uma diferença de clichê. Do ponto de vista do compor­
tamento e da ética, as diferenças praticamente inexistem. Esta é
a parte mais fraca da igreja evangélica do Brasil hoje, e isso me
preocupa muito.
Pensando nos paradoxos na igreja evangélica brasileira,
algumas contradições me chamam a atenção. Primeira, quem sabe
não faz e quem faz geralmente não sabe. Ou seja, o pessoal que
reflete, que escreve, que produz, que ensina, geralmente não está
fazendo as coisas que ensina e que diz saber. E o pessoal que faz
e que põe a mão na massa, geralmente é o pessoal que^faz sem
saber. Não sabe o que está fazendo nem por que faz. Há uma
desconexão que chega a ser quase engraçada entre quem sabe e
não faz, e quem faz e não sabe.
A segunda coisa que me impressiona é o fato de que,
geralmente, os que crescem muito são aqueles que têm menos
conteúdo ético e os que têm mais conteúdo ético não crescem. Isso,
também, é uma contradição. Devemos tentar encontrar um termo
de conciliação entre esses pedaços, essas partes até aqui
divorciadas.
Uma terceira contradição é que geralmente os mais sadios na
igreja não oram por cura divina, e os que estão orando por cura
divina estão geralmente muito doentes em algumas áreas, seja no
caráter, na família ou em alguma outra manifestação de suas
vidas. Essa é uma outra ironia, é uma outra contradição a ser
resolvida.

Qual é a sua teologia da igreja de Jesus Cristo? Como se


entende a Igreja universal, o Corpo de Cristo? Como se define a
igreja local? E o que é o relacionamento entre as duas?
Em primeiro lugar a Igreja na sua perspectiva católica,
universal, é uma realidade só conhecida por Deus na sua
plenitude. Eu, no máximo, tenho a pretensão de identificar alguma
visibilização dela. Mas eu continuo a crer naquilo que se tornou
axioma de paz na igreja no passado, quando afirmavam que a
igreja, enquanto instituição, tem muitos aos quais Deus não tem,
e que Deus tem muitos aos quais a igreja enquanto instituição
jamais conheceu. Eu creio nisso. Agora, a definição de Igreja
como o Corpo de Cristo no mundo, eu diria, simplificando, é a
comunidade que se conhece como comunidade em relação ao sa­
crifício realizado e consumado por Jesus Cristo na Sua cruz e na Sua
ressurreição. Isto é, a Igreja é o ajuntamento dos seres humanos
que discernem a salvação em Jesus Cristo, que celebram esta sal­
vação tanto em comunidade quanto através da sua vivência de fé
na intenção de fazerem essa graça conhecida por todos os homens.
Com isso, eu estou*incluindo na Igreja, o Corpo de Cristo, todo
aquele que se encontra com Jesus Cristo em fé, e que toma para
si a bênção do que Jesus realizou na Sua cruz e na Sua ressur­
reição. Ele quase automaticamente se sente impelido a se ajuntar
àqueles que manifestam a mesma fé. Mas eu não estou excluindo
a possibilidade de que Deus tenha membros de seu Corpo místico
invisível e universal que não conseguiram se encontrar dentro de
um projeto comunitário de fé. Acho sadio e normal que isso acon­
teça, mas não quero nem de longe insinuar que Deus não possua
filhos que não tenham, por uma razão ou outra, ou por uma limi­
tação histórica, ou mesmo psicológica ou sociológica, conseguido
se identificar com o movimento comunitário que a gente chama
de igreja.
A diferença disso para a igreja local é que a igreja local não
consegue essa recessão. A igreja local é absolutamente visível e a
Igreja universal lida com o elemento da invisibilidade que se
manifesta no ajuntamento e nas muitas comunidades de fé. Mas
ela também está aberta para essas exceções do indivíduo que não
conseguiu encontrar a experiência comunitária, mas que nem por
isso deixou de encontrar a salvação. Agora, a igreja local lida
apenas com essa eategora inicial de visibilidade — quem está nela
é dela e quem não está nela não é dela — porque ela não pode
lidar com outra categoria, a não ser essa, do ajuntamento
comunitário, que é radicalmente local.

Nosso título, Ultrapassando Barreiras, implica que há obstá­


culos que impedem que a igreja evangélica brasileira seja melhor,
encarnando o Corpo de Cristo no país. Na sua opinião, quais são as
barreiras principais?
Em primeiro lugar, eu diria, a dificuldade enorme que o
protestantismo trouxe à experiência de fé no mundo, com a
tendência radical à divisão. Sou protestante. Celebro as verdades
que o protestantismo redescobriu e trouxe para a experiência da
fé do povo de Deus. Mas eu critico imensamente a falta de
hierarquização de verdades no protestantismo. O protestantismo
salientou tanto a verdade, que não conseguiu passar para a
comunidade do povo da fé que existem algumas verdades
superiores a outras verdades. A gente não pode se dividir por
qualquer verdade. Divisão só é algo aceitável se ela acontecer era
função de uraa verdade essencial. A verdade da unidade precisa
ser afirmada sobre verdades menores. Nós nos tornamos —
portanto todos aqueles que receberam influência forte do
protestantismo — pessoas com a tendência radical ao
individualismo, que joga para o alto qualquer possibilidade de
carainhar paciente e toleranteraente cora os diferentes. As
próprias ênfases na Bíblia localizam-se no sacerdócio universal de
cada crente — e são maravilhosas. Mas a falta dessa pregação de
hierarquia de verdades faz com que essas duas doutrinas bíblicas
e verdadeiras trabalhem contra a unidade da igreja. Vemos isto
pelo fato de qualquer um poder simplesmente dizer: “Eu recebi
essa instrução direta da palavra, e eu vou fazer isso — aconteça
o que acontecer doa a quem doer — porque eu sou sacerdote de
mim mesmo”. Isso gerou o individualismo que trabalha contra a
unidade e contra o que Jesus disse em João 17, onde a unidade é
um dos elementos mais fundamentais e essenciais para a
deflagração da evangelização do planeta. Ele ora para que o todo
seja um e creia. Essa oração não é apenas um idealismo divino
tipo “Eu gostaria que todos que crêem em mim seja um”. Jesus
está afirmando uma coisa extremamente pragmática para que a
humanidade não desperdice recursos e potenciais. A unidade
maximiza o poder da igreja em todos os níveis, para consumar a
sua própria missão no planeta. Então, essa oração de Jesus pela
unidade afirma o elemento idealizante da vivência e do amor,
mas, também, afirma o aspecto pragmático da realização da
missão.

O Brasil é conhecido por seu denominacionalismo, seja


tradicional ou nacional. Como o pastor entende o papel das deno­
minações?
O Brasil é um país com fortes matizes denominacionais. Já
foram muito mais fortes. Houve um tempo em que as denomina­
ções significavam barreiras intransponíveis na comunicação. Hoje
em dia, elas já não necessariamente significam isso. Elas conti­
nuam com suas manchas e suas pinturas denominacionais muito
fortes, mas a fronteira se tornou um muro cada vez mais baixo.
Hoje é mais fácil passar sobre esses muros denominacionais.
Conquanto as denominações sejam vistas negativamente, eu
não consigo vê-las negativamente. Vejo o denominacionalismo
separatista e proselitista como uma coisa maligna e mesmo
demoníaca. Mas eu não vejo a denominação como uma coisa ruim
em si, quando ela não está possuída pelo separatismo, pelo
proselitismo e pela arrogância que afasta e impede a comunhão
entre os diferentes. Ao contrário, quando as denominações são o
que são, afirmam as suas identidades, celebram as suas próprias
características, amam o Senhor, amam o Reino, conseguem
respeitar e até celebrar a presença dos outros irmãos e quando
admitem a possibilidade não apenas de cooperarem com os outros,
mas também de cultuarem ao Senhor pela riqueza da diversidade
de seu Corpo, então, eu entendo que a própria diversidade
denominacional ajuda o trabalho da evangelização dos segmentos
mais variados na sociedade. É natural que as denominações
acabem se transformando em ajuntamentos de pesssoas que se
identificam umas com as outras. Essa identificação mútua quase
sempre faz com que elas se tornem eficazes no alcance dos que
estão fora da igreja. Mas as denominações têm, também, pontos
de identificação, sejam sociais, econômicos, culturais ou de
qualquer outro nível. Eu não tenho nenhum problema com a
denominação desde que a denominação não seja denomina-
cionalista. E não creio que a denominação seja um empecilho para
a unidade da igreja.
Quando Jesus está falando da igreja, ele não está falando de
uma igreja monolífica, vaticanizada, uma igreja-estado, uma igreja
estruturada ou uma igreja de organização. Ele está falando de
uma organicidade viabilizada pelo amor, pela solidariedade, pela
tolerância, pela compreensão de auto-pertencimento e
pertencimento mútuo e pela alegria — de, apesar de diferentes,
nos sabermos um nas coisas essencias no Reino de Deus. É esta
unidade que nos capacita a, juntos, nos amarmos, servirmos
mutuamente, servirmos àqueles aos quais Deus nos deu no mundo
e, sobretudo, a tentarmos alcançar os confins da terra com a
pregação da palavra de Deus. Eu creio que, quando estas coisas
estão claras, as denominações deixam de ser um problema para a
unidade, e deixam de ser um obstáculo para a comunhão do povo
de Deus. Elas podem, até, havendo esta grandeza de alma e de
espírito, se transformar em agentes extremamente estratégicos de
uma evangelização que se torna mais eficaz no alcance dos iguais.
Geralmente se pensa em unidade denominacional à custa de
doutrinas importantes. Como a igreja brasileira pode crescer doutri­
nária e teologicamente, assim fortalecendo sua unidade em vez de a
destruir?
Eu acredito que só vale a pena admitir algum tipo de divisão
na igreja de Jesus, se essa divisão for pela defesa das coisas
fundamentais. As coisas fundamentais não são muitas, são poucas.
As coisas fundamentais passam por hierarquia de umas cinco ou
seis afirmações básicas e inegociáveis, primeiro, a Santa Trindade.
Segundo, a salvação única e exclusiva em Jesus Cristo, e no Seu
sacrifício consumado e acabado na Sua cruz e na ressurreição. Em
terceiro lugar, o absoluto da Palavra de Deus como regra de fé e
de prática, a Bíblia como referência radical. Em quarto lugar, a
certeza de que a salvação acontece pela graça mediante a fé em
nosso Deus, Jesus Cristo. E quinto, o valor — eu não diria
absoluto ma?, fundamental — da comunhão dos santos no Corpo de
Cristo. Então, essas cinco coisas são inegociáveis. Elas são
fundamentais e absolutas. Agora, boa parte das divisões que
acontecem na igreja surgem em função de coisas _que vêm muito
abaixo dessas aí. São formas, são estilos, são tendências, são
interpretações diferentes de doutrinas secundárias que, a meu ver,
são importantes para caracterizar a identificação de uma
denominação. A denominação tem de ser séria na afirmação
dessas coisas que a identificam, esse grupo histórico. Ela tem de
ser grande o suficiente para dizer que aqui dentro da minha casa,
a administração da casa passa por este nível de meticulosidade.
Mas o condomínio do Corpo de Cristo implica em muitas
casas e muitas familias. diferentes. Existem coisas básicas e regras
básicas nesse condomínio, mas admite-se a diferença na
organização interna de muitas.dessas famílias. Eu acho tão simples
a gente entender o Corpo de Cristo como este grande condomínio
de coisas básicas inegociáveis, e a denominação e a igreja local
como sendo essas famílias que têm as suas próprias vivências
internas, suas próprias regras e sua própria cultura referencial
para consumo interno. É assim que a vida acontece. Não sei por
que a igreja não consegue imitar a vida.
Qual é seu sonho para a igreja evangélica brasileira no século
XXI?
Realmente, o que consigo sonhar com mais clareza é com
uma igreja que não seja vista necessariamente como tendo muito
poder. Eu até oro para que ela não tenha muito poder político.
Oro para que ela tenha muito poder no Espírito Santo e para que
ela seja uma referência ética esmagadora. Oro para que ela tenha
cristãos bem posicionados em todo os seguimentos da sociedade,
no mundo político, cultural das artes, da mídia secular, no ensino
nas escolas, nas universidades, nos esportes, que haja grandes
referências cristãs no mundo das legislações e da justiça. Oro para
que ela esteja presente em todos os seguimentos, com gente muito
bonita e de Deus, que não esteja lá em nome da igreja e, sim, da
sua consciência cristã e de sua cidadania responsável. Que a igreja,
enquanto instituição, seja uma grande referência de justiça, de
verdade, de ética, de amor e de solidariedade construtiva no país.
Esse é um sonho de uma igreja que cresça fantasticamente em
termos numéricos, mas que não sacrifique seu conteúdo evangélico
básico. Caso contrário, nós vamos ter de dizer que existe a igreja
evangélica, mas que ela não tem nada a ver com o evangelho de
Jesus. O meu sonho é que esta igreja evangélica seja evangélica
por causa do Evangelho, e que não seja evangélica só porque os
evangélicos tomaram o país.

Qual é o papel atual da Associação Evangélica Brasileira? E


quais são seus potenciais diante das igrejas? E diante do governo
brasileiro?
O papel da Associação Evangélica Brasileira, primeiro, é de
servir de plataforma para todos esses experimentos de unidade
que a igreja vem tendo, inter-fronteiras denominacionas. Ela quer
ser essa plataforma. Em segundo lugar, ela quer ser este fórum
onde grandes questões do país e da igreja sejam discutidas e onde
se chegue a consensos que se transformem em propostas para a
vivência da igreja no país. Terceiro, ela quer ser um fórum onde
sejam produzidas profecias éticas para a vida do país e para a vida
da igreja. E em quarto lugar, ela quer ser uma referência para
diálogos e para interlocução entre as igrejas evangélicas, que
formam o corpo da igreja evangélica brasileira, e os segmentos
organizados e seculares da vida nacional, incluindo o governo
executivo, legislativo, judiciário, e as muitas manifestações
organizadas da sociedade brasileira, como o movimento da
cidadania e a própria mídia que é um poder à parte no Brasil.
A Associação Evangélica Brasileira então, neste último
aspecto, quer ser essa interlocutura. Nesse sentido, ela tem feito
muito progresso, especialmente em alguns estados brasileiros
onde essa interlocução da AEvB está cada dia mais firmada junto
aos poderes constituídos. Um exemplo disso é o que está
acontecendo na cidade do Rio de Janeiro onde, no último ano
inteiro, praticamente todas as semanas AEvB teve espaço na mídia
secular, nos grande jornais. No fínal do ano de 93, esse espaço
chegou a ser diário nos grandes jornais, onde as coisas que está­
vamos dizendo e fazendo encontraram tanta ressonância e reper­
cussão, que gerou cobertura positiva da mídia secular e até
mesmo, eu diria, entusiasmada. O nosso desejo é que chegue o
tempo em que essa repercussão não aconteça apenas em alguns
estados mas aconteça no país inteiro. Que essa interlocução seja
reconhecida, sobretudo, pelas posturas éticas equilibradas que a
AEvB possa assumir na sua caminhada.
Com relação aos vínculos da Associação Evangélica Brasileira
com as igrejas e denominações institucionais evangélicas no Brasil,
eu diria que hoje, em 1994, temos cerca de 150 entidades e
denominações evangélicas associadas. Para uma sociedade que
começou em 1991, acho esse um grande progresso. Esse ano de
1994 iniciou de maneira extremamente promissora. Algumas
denominações históricas, que vinham observando a caminhada da
AEvB, tomaram a decisão de se fíliar recentemente. Algumas
outras estão era processo de filiação. E algumas outras estão
convidando a AEvB para se fazer presente nos seus concílios ou
convenções nacionais para que se discuta a filiação delas. Um
outro fenômeno acontecendo é o daquelas que dizem; por
enquanto nós não podemos nos afiliar por questões internas, mas
estamos satisfeitíssimos com o nível e a qualidade de represen­
tação que AEvB está oferecendo à igreja do lado de fora. E há
aquelas denominações que já nos disseram que, por questões
históricas e estatutárias, jamais se associarão à AEvB, mas que
dão liberdade a seus ministros e às igrejas locais para que o façam
caso queiram.
Esses primeiros três anos da AEvB foram anos de demons­
tração para comunidade evangélica acerca do conteúdo e dos
compromissos que AEvB tem. Eu acho que agora chegou a época
em que nós já deixamos de semear. Chegou uma época em que,
mais do que semear, vamos começar a colher. Eu vejo ^ s
próximos três anos uma colheita muito grande de adesõe& j^
grupos dos mais variados à AEvB. Isso ocorrerá especialm snf^éD
ela conseguir se manter, num ano eleitoral como
isenta e sem servir de plataforma política eleitoral quer
que seja. A capacidade da AEvB de se mamer/í^Ml^::^acima de
disputas políticas e partidárias é a grande p œ m fc ^ v a e a grande
força que ela tem para afirmar-se c o m ^ w ía ^ tíd a d e séria, que
não está aí para servir de instrumento j^ ^ ii^ n e m para favorecer
projetos políticos ou pessoais^ejéíayCQnsfeguir se manter isenta
dessa forma, creio que vai c o ^ ^ ^ K ^ ^ e s p a ç o enorme de respeito
e de credibilidade junto a t o o a | ^ igrejas do país.

Vista diante evangélicas de outros países, qual a


contribuição d a ^ ^ ^^ tm sile ira para o mundo evangélico? O que
temos para ^ ^ n d è ^ a s igrejas de outros continentes?
A griíndK^m da igreja evangélica brasileira para o
m u n d a S v l ^ que tem a ver com a força do ministério do leigo.
_]pa mais forte do crescimento evangélico no país tem sido
/ido pelas igrejas de índole, de natureza, pentecostal e
ámática. Estas são essencialmente voltadas para o papel e
riíinistério do leigo, o que acontece em função dos seus carismas
pessoais. Eu acho que essa é a grande contribuição, que não é o
que eu vejo nas igrejas nos Estados Unidos e nem na Europa. É
uma característica da igreja do Terceiro Mundo, cada vez mais. É
uma igreja que cresce em função de dons, não de cargos e de
funções; cresce em função de carismas, não em função de
treinamento de qualificação secular; cresce na alegria, e não em
função da estratégia; cresce em função do entusiasmo avassalador.
e não em função de métodos sacralizados. Acho que essa é a
grande contribuição, a santa anarquia do leigo apaixonado.
Sobretudo, nós temos de aprender das outras igrejas aquilo
que tem a ver com a questão ética. Essa não é uma lição que
todas as igrejas do mundo têm para nos dar. Por exemplo, o
Estados Unidos hoje vive uma crise ética muito grande nos dois
extremos na igreja. O lado histórico vive uma crise ética e moral
muito grande na área do comportamento, especialmente quando
aceita negociar certas referências morais e inegociáveis como a
ordenação de homossexuais ou a convivência tranqüila com certos
pecados que a Bíblia condena com veemência. O outro extremo
da igreja americana, que também está em crise ética, é o extremo
carismático — especialmente relacionado aos televangelistas e à
presença da igreja na televisão, ao pedido inescrupuloso de dinhei­
ro. Então, são dois extremos americanos que eu gostaria que a
igreja evangélica não aprendesse.
Eu acho que na linha do meio e do eixo há um equilíbrio
grande entre esses dois extremos, especialmente no que diz
respeito à vivência ética, da administração, do patrimônio da
igreja, da busca de transparência na gestão e na administração dos
bens da comunidade, e na separação entre o ministério pastoral
e a gestão financeira da igreja. São coisas sadias que a igreja
evangélica do Brasil precisa aprender com muita rapidez.

Voltando para a igreja local, o irmão tem sido pastor de duas


igrejas. Quais têm sido suas prioridades como pastor? O que o irmão
diria para pastores hoje, para melhor levarem suas igrejas locais a
uma verdadeira adoração e cristo-centricidade?
Eu fui pastor local apenas por onze anos. Cerca de sete anos
em Manaus e quatro em Niterói. Desde 1984 não sou mais pastor
local. Eu me dedico exclusivamente às atividades da VINDE e ao
ministério da evangelização de massas, com muitas igrejas
envolvidas e com muita ministração para pastores e líderes. No
entanto, meu ministério local teve algumas características.
A primeira delas foi uma ênfase muito intensa na oração.
Nós sempre valorizamos imensamente não só a coisa da oração
pessoal, mas também a oração comunitária, numa igreja que faz
vigílias, que intercede, que busca ao Senhor, que ora pela cidade,
que ora pelo mundo, que enfrenta forças espirituais em oração.
Essa foi uma marca nos dois pastorados.
Em segundo lugar, houve uma ênfase muito grande na prega­
ção da Palavra e no ensino da Palavra aplicada à vida real das
pessoas. Eu sempre tive a preocupação de afirmar doutrinas que
dessem balizamentos de saúde para a igreja. Mas nunca me preo­
cupei com doutrinarismo. Sempre me preocupei em ver a Palavra
se transformar em palavra viva para a vida das pessoas. Não
queria ensinar sexo dos anjos, mas aplicar as palavras às neces­
sidades psicológicas, emocionais, familiares e profissionais do dia-
a-dia das pessoas. Queria vê-la se tornar carne e sangue, no
benefício que podia trazer à vida cotidiana dos crentes.
Em terceiro lugar houve uma ênfase grande na liberdade. Ou
seja, afirmamos a santidade para se viver com Deus, mas sem
camisa de força. Defendemos liberdade para as pessoas se
mostrarem e se manifestarem enquanto seres humanos na sua
individualidade. Então significa que, nas igrejas que eu pastoreei,
nunca tivemos crises com a mocidade. Nunca tivemos crise com
ritmo musical, com a liturgia. Nunca tivemos crises com arte.
Nunca tivemos crise com gosto diferente: gosto para todo mundo;
prato para todos os sabores; liberdade para as pessoas se
mostrarem e afirmarem as suas próprias predileções.
Em quarto lugar, houve uma preocupação em fazer com que
essa igreja — que ora, que ouve a palavra sempre aplicada à vida,
que é livre para se mostrar — fosse uma igreja para fora e que
não ficasse enclausurada e se auto-celebrando. Fosse uma igreja
que saísse à rua, que usasse os veículos da modernidade, que
usasse a televisão, o rádio, o jornal, que fizesse grandes encontros
ao ar livre. Queríamos que a igreja mostrasse a sua cara para o
lado de fora, que tivesse ações cotidianas nas escolas e nas
universidades, e que tivesse interesse grande em marcar presença
forte nas cidade através de ações relacionadas também à questão
social. Ou seja, essa seria uma igreja que se visibiliza, que
evangeliza nos segmentos dos mais variados, e que também
manifesta a sua bondade solidária através de movimentos e ações
de amparo aos desfavorecidos do mundo.
Estas são as minhas ênfases como pastor local. As duas
igrejas que eu pastoreei cresceram muito, apesar de eu nunca ter
sido um pastor de tempo integral. Desde que eu me converti, a
minha prioridade sempre foi o lado de fora. Eu nunca fui pastor
só da igreja local. Sempre fui pastor da cidade, preocupado com
as grandes coisas acontecendo na cidade. Sempre viajei duas ou
três vezes por semana para outras cidades e estados. Mas apesar
disso, essas igrejas sempre cresceram muitíssimo. Elas estão aí:
uma em Manaus, onde meu pai continua no pastorado e onde
conserva as mesmas marcas; e a outra em Niterói, onde a minha
família se congrega. Eu já não sou pastor dela há dez anos, mas
essas marcas ainda estão presentes — eu diria que, em Manaus,
de uma maneira bem mais acentuada, até, do que em Niterói.

ALGUNS LIVROS DE CAIO FÁBIO


D’Araùjo Filho, Caio Fábio, Abrindo o Jogo Sobre o Aborto. Venda
Nova, MG: Betânia, 1985.
______. A Bíblia e o Impeachment. Niterói: VINDE, 1992.
______. Cantares. 3^ ed., Niterói: VINDE, 1992.
______. Espírito Santo — O Deus que Vive em Nós. São José dos
Campos, SP: CLC Editora, 1991.
_. Igreja: Comunidade do Carisma. Niterói: VINDE e São Paulo;
SEPAL, 1989.
__. Igreja: Evangelização, Serviço e Transformação Histórica. Niterói:
VINDE e São Paulo: SEPAL, 1987.
__. Jonas: O Sucesso do Fracasso. Niterói: VINDE, 1986.
_ . N o Divã de Deus. 2 vols. Niterói: VINDE, 1992.
__. Novos Líderes para uma Nova Realidade. Niterói: VINDE, 1993.
_. O que Deus Uniu... Niterói: VINDE, 1992.
__. Perdão: Encarnação da Graça. Niterói; VINDE, 1986.
_. Principados e Potestades. São Paulo: Mundo Cristão, 1983.
__. Um Projeto de Espiritualidade Integral. Niterói: VINDE, 1993.
__. Respostas à Calamidade. Niterói; VINDE, 1993.
__. Síndrome de Lúcifer. Venda Nova, MG: Betânia, 1988.
__. Viver: Desespero ou Esperança? São Paulo: Mundo Cristão, 1983.
CONCLUSÃO

Ultrapassando Barreiras: Novas Opções para a Igreja Brasileira


na Virada do Século X X I desafía-nos a repensar o porquê da igreja
— e, à luz da resposta, reorientar as formas das nossas igrejas.
Junto com outros pastores do país, esses autores estão voltando à
Bíblia para reesclarecer os ensinos divinos sobre a igreja e daí
aplicar esses princípios em novas formas no contexto brasileiro.
Gozamos de muito crescimento na igreja evangélica do
Brasil. A graça de Deus tem sido grande para conosco. Mas um
organismo vivo vai se adaptando e mudando de forma. Se o casulo
da lagarta não se abrir, a bela criatura morre lá dentro. A Igreja
universal, o Corpo de Cristo, jamais vai morrer. Mas a igreja local,
sob uma casca endurecida, pode sufocar a vida corporal e espiri­
tual por dentro.

No seu livro A Igreja no A no 2001, Francis A. Schaeffer


escreveu:
Devemos ter a coragem de mudar qualquer coisa em nossos
cultos [da igreja]. Permaneça dentro dos limites da forma do
Novo Testamento, mas considere tudo o mais como campo livre,
sob a liderança do Espírito Santo. Faça reuniões para orar sobre
o que vocês podem e devem mudar nos cultos, com o objetivo de
fazer com que nossas igrejas sejam vivas na geração que estamos
enfrentando.
Além disso, você pode deixar de ter tantas reuniões sem sig­
nificado em sua igreja. Podem-se eliminar aquelas que tiveram
razão de ser ontem, mas que nada significam no dia de hoje, e
assim os oficiais e os membros da igreja poderão passar mais
tempo com seus lares abertos para os outros. Há dúzias de
reuniões, em quase todas as igrejas, que bem poderiam ser
abolidas — reuniões que não têm nada a ver com as normas das
Escrituras e, por isso, não são sagradas.
...É claro que logo no início será difícil, porque freqüen­
temente terão de lutar contra a elite evangélica tradicional.
...Precisamos ensinar um cristianismo de conteúdo e pureza
doutrinária. Precisamos praticar essa verdade em nossas ativi­
dades eclesiásticas e em nossa cooperação religiosa, se quisermos
que os homens, jovens ou velhos, levem a sério nossa afirmação
da verdade ... E devemos ser livres para mudar o que for neces­
sário na constituição e prática da nossa igreja.'

Quantas vezes, protegemos as nossas formas tradicionais de


ser igreja, não tanto por fidelidade a Cristo, mas por motivos de
política eclesiástica ou de desconhecimento bíblico sobre a igreja?
Ficamos contentes com experiências passadas, sem buscar a pleni­
tude que o Senhor da Igreja oferece para a igreja local. A verdade
é que podemos ser mais bíblicos em nossas igrejas, e mais usados
por Deus para alcançar nossa vizinhança, cidades e países para
Cristo.
Ao mesmo tempo, o pluralismo é importante. Dificilmente
uma igreja local será tudo para ganhar todos. Precisamos apreciar
a diversidade denominacional. E também, dentro dessas denomi­
nações, devemos encorajar pensamentos bíblicos e novas formas
de igreja para que tenhamos opções para o século XXI. Oramos
para que este livro e o próximo volume contribuam para esse fim.

J. Scott Horrell

NOTAS

'Francis A. Schaeffer, A Igreja no A no 2001, trad. Helga Homem de Mello


Anderson (Goiânia, GO: APLIC, 1975) 140-143, modificado por Lucy Yama-
kami.

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