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Dezembro 2009
1. Na última edição deste Boletim, de 30 de Setembro último, intitulada “No rescaldo da crise, fase mais
difícil parece ultrapassada”, para além de se assinalar o facto de a posição das reservas cambiais ter
evidenciado uma recuperação em Julho - indicador da maior importância para conter os fenómenos
especulativos que seriam susceptíveis de minar a confiança dos investidores e de perturbar seriamente o
normal desenvolvimento da actividade económica – fez-se ainda referência à deslocação a Luanda de
uma delegação do FMI, no início de Agosto, para avaliar as medidas macroeconómicas adoptadas pelas
autoridades no sentido de conter o excesso de despesa tanto pública como privada.
Nesse mesmo documento acrescentava-se que havia ficado agendada para o mês de Setembro uma
nova visita da mesma delegação “...com o objectivo de desenvolver negociações para um programa
mediante o qual o FMI possa prestar assistência a Angola na gestão do impacto da crise internacional na
sua economia”.
4. Afigura-se de especial interesse e oportunidade, nesta edição de final de ano, deixar uma referência
mais desenvolvida à avaliação que ao FMI mereceu a situação da economia angolana bem como às
previsões de evolução a médio prazo, no âmbito do exercício subjacente à aprovação do referido
Arrangement.
5. O FMI começa por recordar que Angola experimentou uma fase de “boom económico” desde o final da
guerra civil, em 2002, beneficiando da forte expansão da produção de petróleo e das vantagens do novo
clima de paz, traduzido numa taxa de crescimento anual de dois dígitos.
Angola tornava-se em 2008 o maior exportador de petróleo de todo o Continente Africano e também o 4º
produtor mundial de diamantes.
Em contraponto, a despesa pública experimentou também um crescimento muito rápido – ritmo idêntico
ao do crescimento das receitas petrolíferas – enquanto que o crédito bancário à economia se expandiu a
ritmo anual superior a 70% nos últimos anos, sinalizando uma forte expansão do consumo e do
investimento privados, em especial das empresas.
Este ritmo impetuoso de crescimento da despesa pública e privada, a que acresceu uma taxa de câmbio
fortemente apreciada em termos reais, colocou Angola numa posição de particular vulnerabilidade quando
em final de 2008 e início de 2009 os preços do petróleo caíram abruptamente, passando de uma média
de USD 98 ao longo de 2008 para USD 44 no 1º trimestre de 2009 - um choque económico externo de
grandes proporções para uma economia muito dependente da actividade petrolífera (recorda-se que as
exportações de petróleo representam mais de 90% das exportações totais de bens e de serviços).
A quebra nas receitas petrolíferas foi ainda agravada pela redução de cerca de 20% na produção de
petróleo em resultado dos compromissos no âmbito da OPEC.
7. É nesse período mais crítico que as Autoridades se viram forçadas a adoptar uma sucessão de
medidas monetárias e orçamentais de contenção da despesa, mencionadas no nosso Boletim de
Setembro (parágrafo nº6), incluindo o racionamento na venda de divisas, com o objectivo fundamental de
suster a hemorragia das reservas em divisas e de preservar a solvabilidade externa do País.
Esse conjunto de medidas, tomadas numa sequência aparentemente forçada pela evolução dos
acontecimentos, não terá sido suficiente, segundo o FMI, para restaurar a confiança nos mercados, tendo
continuado a verificar-se pressão sobre as reservas em divisas bem como o alargamento do “spread”
entre as taxas de câmbio oficial e paralelo, tendo este último atingido um pico de 25% em Setembro.
Note-se, não obstante, que a posição de reservas em divisas, após a recuperação verificada em Julho, se
manteve praticamente estável em Agosto e em Setembro, mostrando que as medidas de contenção da
despesa lograram pelo menos estancar as perdas que haviam sido registadas no período anterior.
8. No último trimestre do ano parece ter-se entrado numa fase de maior acalmia e de controlo da
situação, tendo o BNA retomado a prática de leilões regulares de divisas, passando a gerir a a taxa de
câmbio USD/KWZ de forma flexível, em resultado do que esta passou dos anteriores USD/KWZ=78 para
um valor que é actualmente de USD/KWZ=88,5 traduzindo uma correcção acumulada de cerca de 17%
desde o início do ano (4% em Abril e 13% desde Outubro).
Note-se que nesta nova fase de gestão da taxa de câmbio o BNA não assume um objectivo fixo para a
mesma, aceitando a flexibilidade da cotação diária, em resultado do que a taxa de câmbio tem vindo a
evoluir nas últimas semanas num sistema semelhante ao de “crawling-peg”, seguindo a regra da oferta e
da procura e colocando a taxa oficial em linha com as taxas praticadas pelo sistema bancário.
Como resultado desta nova política do BNA, assinala o FMI que o “spread” entre a taxa de câmbio oficial
e a do paralelo estreitou significativamente, situando-se em Novembro já abaixo de 10%.
Naturalmente como reflexo da nova política do BNA de abertura à venda de divisas ao mercado, o nível
das reservas experimentou em Outubro uma redução, de USD 12,8 mil milhões para USD 12,1 mil
milhões, a qual se deve considerar até pouco expressiva se tivermos em conta que se passou de uma
situação prática de “racionamento” para a satisfação normal da procura do mercado.
9. Passando aos pontos fundamentais do Stand-by Arrangement aprovado pelo FMI, cabe referir que o
mesmo assenta em três pilares:
- Um primeiro pilar contemplando medidas de ajustamento orçamental, a partir de 2010, com uma
redução significativa do défice primário sem consideração das receitas petrolíferas, conseguido em
primeiro lugar através de uma redução da despesa com a aquisição de bens e serviços.
Fica expressamente salvaguardada a realização das despesas sociais necessárias bem como das
despesas em infra-estruturas vitais para o desenvolvimento.
O programa contempla ainda um reforço do sistema de gestão orçamental e das regras de transparência
na contabilização das despesas e das receitas.
- Um segundo pilar consistente no ajustamento controlado das taxas de câmbio, no quadro de uma
política monetária mais rigorosa, em ordem a normalizar as condições de funcionamento do mercado de
câmbios – algo que se pode considerar já em execução desde Outubro último, com a retoma do
funcionamento dos leilões de divisas e a flexibilidade deslizante da taxa de câmbio, atrás referidas.
- Um terceiro pilar dirigido à manutenção da confiança no sistema financeiro, incluindo medidas de reforço
das funções de regulação e de supervisão do BNA, em ordem a limitar os riscos decorrentes da
desaceleração económica e dos elevados montantes atingidos pelos empréstimos em moeda estrangeira
(USD), sem cobertura de risco de câmbio, típicos de uma economia altamente “dolarizada”.
Mas o FMI acrescenta que serão necessárias reformas bem mais profundas para que sejam criadas
condições de desenvolvimento mais sustentado dos sectores não-petrolíferos, reformas especialmente
direccionadas para uma maior competitividade das empresas e o estímulo ao investimento privado.
Neste ponto, permitimo-nos recordar a ênfase que na anterior edição deste Boletim foi dada (ponto IV) à
necessidade de diversificação da produção de bens e de serviços de forma a tornar a produção menos
dependente de um só produto.
11. Passamos às perspectivas económicas para os próximos anos avançadas agora pelo FMI, com base
numa selecção das variáveis mais significativas, incluindo a informação desde 2006 e a estimativa para
2009.
Começando pelo PIB, confirma-se a última previsão que avançamos de um crescimento praticamente
nulo em 2009 (-0,4%), seguido de uma apreciável recuperação em 2010 e anos seguintes (até 2014)
embora longe de atingir o ritmo de dois dígitos observado nos anos anteriores à crise.
Note-se que a produção dos sectores não-petrolíferos deverá crescer sempre mais que a do sector
petrolífero, em especial nos anos finais do período de previsão.
No tocante à inflação, nota-se que se assiste nesta altura a uma aceleração do índice de preços,
resultante do clima de instabilidade criado com a crise e nomeadamente em resultado do comportamento
dos mercados de câmbios, embora nos próximos anos – provavelmente como espectável consequência
das medidas de política macro-económicas enquadradas no “Stand-By Arrangement” – o FMI antecipe
uma considerável desaceleração, para valores bastante inferiores a dois dígitos nos últimos anos da
previsão.
Exportações
Passando à evolução das exportações, cabe salientar a queda abrupta que se verifica em 2009, após
anos de muito forte crescimento, seguindo-se um período de recuperação a partir de 2010 embora com
abrandamento do ritmo de crescimento no período subsequente, certamente em linha com a evolução
esperada dos mercados externos.
Importações
No caso das importações constata-se uma evolução bastante semelhante à das exportações –
crescimento muito rápido até 2008, queda acentuada em 2009 e recuperação forte em 2010, embora com
abrandamento no período subsequente.
Termos de troca
Analisando a evolução dos termos de troca, pode verificar-se que após ganhos sucessivos nos anos
anteriores a 2009, neste último ano Angola sofre uma forte perda, naturalmente como consequência da
quebra da cotação internacional do petróleo. Nos anos seguintes é esperada uma recuperação, embora
moderada a partir de 2011.
VI – Conclusões
12. Estas previsões do FMI não permitem esperar, pelo menos para os anos mais próximos, taxas de
crescimento da economia tão espectaculares como as que se verificaram na fase de “boom” que
antecedeu a crise de 2009.
A economia deverá voltar a crescer a bom ritmo, depois da forte desaceleração de 2009, mas os impactos
da crise deverão continuar a manifestar-se durante um período de tempo considerável, obrigando a uma
gestão macro-económica – basicamente nos planos orçamental e monetária/cambial – bastante mais
exigente para assegurar que os equilíbrios económicos fundamentais não são postos em causa.
Esta análise reveste-se de interesse ainda para as instituições de crédito que directa ou indirectamente
operam no mercado angolano e que são solicitadas a financiar actividades e projectos de investimento,
num e noutro caso carecendo de avaliação formulada com base em cenários de evolução económica
consistentes.
As observações que se encontram expressas neste documento acerca do significado da informação objectiva nele
apresentada, não constituem opinião do Banco BAI Europa, reflectindo exclusivamente a opinião das pessoas que
elaboraram o respectivo texto.