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DEPARTMENT OF SPANISH AND PORTUGUESE

THE UNIVERSITY OF TEXAS AT AUSTIN


LITERATURA BRASILEIRA
Prof. Ivan Teixeira

Roteiro Mínimo sobre Conto

Ivan Teixeira
(Reservam-se os direitos)

Narrativa é o texto que contém estória ou enredo. A presença da narrativa é essencial para que um
escrito seja considerado prosa de ficção, porque o enredo é uma das condições para a imitação ou
representação da vida por meio das palavras. A narrativa atribui ficcionalidade ao texto, isto é,
transforma-o em texto ficcional. Todavia, isso não quer dizer que não possa haver narrativa em verso ou
em outros modos de representação da vida, tal como ocorre com a poesia narrativa, com o cinema, com
os quadrinhos e até com a pintura e a escultura. Assim, a narrativa pode assumir diversas formas. Em
prosa, sua feição mais tradicional nos tempos modernos é o conto, a novela e o romance.1

O critério mais amplo para a caracterização dessas três modalidades de narrativa é a extensão,
que tem a ver com a complexidade da ação imitada e com o número de personagens envolvidas. Por essa
perspectiva, pode-se adotar as seguintes definições.

Conto é uma narrativa curta, com uma só ação, tratada de maneira sumária e direta. Sua ação
confunde-se com a anedota, o que não quer dizer que deva ser necessariamente humorística, mas sim que

bem caracterizados. Depois do Modernismo, essa modalidade narrativa assumiu extrema flexibilidade,
como deixam ver os mini-contos de Dalton Trevisan e algumas crônicas de Rubem Braga.

1
. Para desenvolver o estudo sobre a narrativa, o leitor interessado pode consultar o estimulante Theory of
Literature: a Very Short Introduction, de Jonathan Culler, Oxford, New York, Oxford University Press, 2000; ou
Handbook of Narrative Analysis, de Luc Herman e Bart Vervaeck, Lincoln, London, University of Nebraska Press,
2005.

1
Machado de Assis é um mestre do conto. É possível imaginar que o intenso convívio de Machado
de Assis com os jornais e revistas de seu tempo, não só como escritor mas também como leitor, tenha
determinado sua volumosa produção de contos e crônicas. Ao menos em parte, essa observação pode
igualmente justificar a soberana preferência dele por capítulos curtos nos romances da segunda fase de
sua carreira. Essa mesma contingência, que muitas vezes é toda a essência, torna-se mais evidente na
opção de Edgar Allan Poe pelo conto, levando-o a conceber, praticar e conceituar essa modalidade
narrativa a partir de sua relação com os veículos para os quais escrevia. Alegando que a intensidade da

hora, supõe que o leitor de seu tempo preferisse textos curtos a textos longos. Aparentemente superficial,
esse poderá ser argumento decisivo ao conceito de conto, modalidade que Poe, necessariamente,
concebia como short story. Há vários argumentos documentais em favor da hipótese de que Machado
conhecia os contos de Poe. É provável também que tenha conhecido a doutrina da extensão como fator
determinante do conceito desse tipo de narrativa.
Em ambos os autores, o conceito decorre da atividade no jornal e para o jornal, de onde o conto
emigra para o livro, dando lugar à crônica naquele ambiente provisório. É provável que o discurso de
Machado em favor do conto origine-se em Poe, ainda que por meios diferentes. Em vez de o enobrecer, o
brasileiro simula indiferença e um certo desdém pelo novo gênero, fingindo pouca convicção sobre o
valor dos próprios contos. Sabendo-se criador de uma nova tradição em seu país, a voz do argumento
busca apoio na tradição européia de Diderot e de Merimé, assim como no exemplo do vizinho americano,
Várias Histórias, em que declara que os contos de Poe se

M. de Assis E. A.Poe

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A novela fica a meio caminho entre o conto e o romance. Tal como o conto, a novela também
explora uma única ação, embora desenvolva um pouco mais a análise das personagens e imprima um
andamento mais vagaroso ao ritmo do enredo. Exemplos consagrados de novela são Amor de Perdição,
de Camilo Castelo Branco, e O Alienista, de Machado de Assis.

O romance típico possui uma narrativa longa, com mais de um núcleo de ação. Isso quer dizer
que seu enredo é complexo, desdobrando-se numa estória multifacetada, com muitas personagens, cujas
vidas são, quase sempre, representadas em sua totalidade. Os grandes romances possuem conexão com a
vida política, ideológica, filosófica e social de um dado momento histórico, mesmo quando faz uso
intenso da fantasia, como se observa em O Guarani, de José de Alencar, e Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa.

Modalidades de Conto

O conto clássico estabelecido, sobretudo, a partir da tradição instaurada pelo escritor francês
Guy de Maupassant caracteriza-se por conter uma só ação, tratada de maneira sumária e direta. Sua
matéria confunde-se com a anedota, sendo, por isso, chamado também anedótico. Como se definiu
anteriormente, isso não quer dizer que deva ser humorístico, mas sim que deve conter uma estória
concentrada, breve e com desfecho surpreendente. Explorando uma só célula dramática, o conto clássico
possui unidade de ação. Em outros termos, seu enredo contém um só conflito, cujas dimensões se
esboçam logo nas primeiras páginas, de tal modo que o interesse pelos acontecimentos não seja
suplantado por outros possíveis focos de atenção. As personagens são delineadas com brevidade e
concisão, sendo logo postas em contato dinâmico com o evento narrado.

-se, de
maneira sintética, a longa e duradoura amizade entre dois homens (Camilo e Vilela), até que o amor pela
mesma mulher (Rita) os conduz ao confronto, que termina em inesperado acontecimento. O seguinte

clássico:

Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das
origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a
carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que
queria vê-lo médico; mas o pai morreu e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe
lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província,
onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir
banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo e foi a bordo

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recebê-lo.

É o senhor? Exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu


marido é seu amigo; falava sempre do senhor.

Além de unidade de ação, o conto tradicional apresenta, via de regra, unidade de espaço. Isso
quer dizer que a ação se desenvolve em cenário mais ou menos limitado, de modo que a atenção do leitor
não se desvie da ação para o ambiente. Além disso, há unidade de tempo, ou seja, o narrador privilegia o
presente, acompanhando os acontecimentos como se ocorressem no momento em que os apresenta. Não
promove grandes inversões temporais, como costuma acontecer no romance. Prefere a linearidade
cronológica. Todavia, pode haver breves recuos ao passado, mas sempre para explicar pormenores da

sentido, o conto aproxima-se do drama, que apresenta um conflito no presente.

Tão importante quanto o clássico ou anedótico, é o conto moderno ou de atmosfera, consagrado


pelo escritor russo Anton Tchecov. Nessa modalidade de conto, a estória com princípio, meio e fim
anedota ou enredo cede lugar ao esboço de uma situação lírica, em que geralmente se exploram
propriedades singulare

dezessete anos (Nogueira) em conversa solitária com uma respeitosa senhora casada (Conceição), em
casa dela, depois das vinte e duas horas. Nogueira e Conceição sabiam que o marido, naquela noite, a
deixara em casa para se divertir com a amante, o que acontecia uma vez por semana. Tal situação infunde
particular clima de erotismo, cumplicidade e insinuação à conversa. A análise dessa situação ocupa todo o
interesse da narrativa, em que nada acontece de conclusivo ou espetacular, exceto pela profunda
impressão causada no adolescente, que nunca pôde decifrar os reais sentimentos e intenções da senhora
naquela noite.

Outra espécie bastante comum na literatura brasileira é o conto alegórico, que costuma abordar
noções abstratas a partir de situações concretas. Em outros termos, empenha-se em explorar, por meio de
narrativa oblíqua e figurada, uma convicção filosófica, um importante conceito cultural ou um preceito
moral. Geralmente, apresenta situações absurdas como se fossem ocorrências normais, tal como se
Rosa. Seria o

No primeiro exemplo, investiga-se o problema do conhecimento humano por meio do relato


supostamente científico de um cientista louco, que se entrega obstinadamente à busca de sua essência

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mediante a investigação minuciosa das camadas de significado sobrepostas à imagem do rosto refletida
no espelho. Sem nenhum incidente, o conto assume a forma de complicado jogo de raciocínio ou de
ação metafísica da existência concretiza-se
na viagem metafórica de um homem rumo à terceira dimensão das coisas, para além da visão dualista do
mundo ocidental, limitada aos extremos inconciliáveis de vida e morte, terra e água, céu e inferno, corpo
e espírito.
em que se condensa a idéia de que uma obra-prima emana da solidão do gênio e da própria vida. Como se
vê, a narrativa alegórica é aquela cujo tema extrapola os limites do assunto, podendo conter mais de uma
interpretação.

Depois do Modernismo, o conto assumiu extrema flexibilidade, como deixam ver as crônicas de
Rubem Braga ou os mini-contos de Dalton Trevisan. Observe-se um exemplo deste último, para se ter
idéia do ponto a que chegou o despojamento literário do autor, extraído do livro Ah, É, em que os textos,
em vez de títulos, recebem números:

O jantar para os dois casais amigos. Na parede uma das mulheres nuas de Modigliani.

Tanta festa, muito riso: o lombinho está uma delícia. Até que um dos maridos:

Essa moça do quadro. Ela sorri para você?


É o meu consolo das horas mortas.
A dona acode, oferecida:
Ela sou eu, não é, bem?
Um murro na mesa estremece prato e espalha talher:
Ela é você? Quando você teve esse amor desesperado nos olhos? Esse perdão
infinito na boca?
Outro soco espirra vinho tinto na toalha:
Não se conhece, sua bruxa?

iálogo na estrutura do
conto, que pode, também, apresentar boa parte da narrativa praticamente só por meio de diálogos. Essa é
outra aproximação do conto com o teatro. O interesse da narrativa de Dalton Trevisan decorre, sobretudo,
do comportamento imprevisto do marido, que, em respeito à arte, esculhamba com a vida, agredindo a
própria mulher diante dos convidados. Isto é, a mulher de carne e osso ainda que seja a própria esposa
jamais se equipararia às formas ideais representadas pelo quadro de Modigliani. É em nome do ideal da
arte como imitação superior da vida que o anfitrião desconsidera a etiqueta do convívio social,

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desfazendo a mesa e ensopando a toalha. Assim, o anfitrião, que parece um grosseirão, pode ser um fino
exemplar da espécie humana.

Enredo
Conforme Aristóteles, uma boa estória deve conter começo meio e fim, isto é, deve possuir um
enredo organicamente estruturado. Pela perspectiva do escritor, que imita a vida por meio da narrativa,
enredo é o modo de dar forma aos acontecimentos para transformá-los numa verdadeira estória, por meio
da qual ele busca o sentido das coisas no mundo.
O enredo é um pouco mais do que uma simples seqüência de acontecimentos. Deve possuir uma
situação inicial, seguida de um incidente que altere a estabilidade do início e desencadeie uma mudança
na vida das personagens, as quais passam a agir movidas pelo desejo de restaurar a ordem do início ou
algo que a substitua. O final da estória deve esclarecer o que sucedeu com o desejo que desencadeou os
acontecimentos narrados pela estória. O enredo é uma estrutura que independe de sua forma
representacional ou imitativa, pois um filme mudo pode conter a mesma estória que uma revista em
quadrinhos ou um romance.

Estrutura
O enredo é um dos principais integrantes da estrutura de uma obra literária. Por estrutura de uma
obra entende-se a correlação entre suas partes, que devem resultar num todo organizado em que a soma
dos elementos é sempre superior ao significado isolado dos mesmos. Apreender a estrutura de uma
narrativa é estabelecer a correta relação entre seus componentes: é entender, por exemplo, as motivações
da mudança de comportamento de Augusto Matraga e as alterações que isso produz no enredo do famoso
conto de Guimarães Rosa.

Narrador

Enredo é o que acontece com as personagens de uma narrativa, apresentada por uma voz a que se
dá o nome de narrador. O escritor é aquele que escreve; narrador é aquele que conta. O primeiro nem
sempre é acessível ao leitor; o segundo está sempre a nossa disposição, desde que abramos um livro e
iniciemos a leitura.
A descoberta do perfil do narrador e de seu modo de expressão é muito importante para o
entendimento de uma estória. Para isso, o leitor deve ficar atento ao discurso da narrativa, que nada mais
é do que o texto em que se configuram os elementos de sua estrutura: desde o enredo, estilo, narrador e
personagens, até o cenário e o tempo em que se desenvolve a trama.

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Ponto de vista ou foco narrativo é a perspectiva segundo a qual o narrador conta sua estória.
Trata-se, portanto, de uma espécie de lugar hipotético de onde ele vê as coisas de que fala. Esse lugar
hipotético pode facultar ao narrador uma visão interna ou externa, total ou parcial dos incidentes e das
personagens de sua estória, de onde resultam as várias classificações do narrador ficcional.
A estória pode ser contada por alguém que participou dos acontecimentos (narrador em
primeira pessoa), assim como pode ser contada por alguém que não participou dos incidentes, mas que
os conhece de maneira detalhada (narrador em terceira pessoa).
Quando rememorar sua própria vida, o narrador em primeira pessoa será também a personagem
central, razão pela qual se classifica como narrador-protagonista. Essa modalidade de narrador costuma
apresentar uma visão limitada dos acontecimentos, já que não tem acesso ao que se passava em outro
lugar quando vivia determinado incidente, como freqüentemente sucede com Sérgio, de O Ateneu. Mas
poderá também falar de si e privilegiar a vida de outrem, tal como se vê em A Cidade e as Serras, de Eça
de Queirós. Nesse caso, saberá mais do objeto de seu interesse, sendo por isso classificado como
narrador-observador ou narrador-testemunha.
Sem falar de si, o narrador em terceira pessoa trata as personagens pelo nome ou pelos pronomes
ele ou ela. Pode apresentar domínio total ou parcial da narrativa. Quando sabe tudo sobre o que fala, é
conhecido como narrador em terceira pessoa onisciente. Nesse caso, costuma ser identificado com a
voz suprema da criação do mundo. Quando profere uma frase, imediatamente surge o seu referente.
Conhecedor de tudo o que acontece em todos os lugares de sua estória, apresenta os dados como se os
soubesse desde as origens, revelando detalhes e apresentando explicações. A principal marca de
onisciência de um narrador é o seu domínio sobre o universo psicológico das personagens, condição que
lhe faculta interpretar suas vontades e esclarecer suas motivações.

Personagens
Há personagens que, no desenho de seu modo de ser, apresentam traços fixos, sem sofrerem
alterações essenciais no decorrer da trama. Geralmente, tais personagens não são focalizadas em sua
intimidade psicológica, mas em suas ações exteriores. Por isso são chamadas personagens planas. Um
bom exemplo é Loredano, de O Guarani. Ocupam lugar de destaque nos romances de aventura, em que se
obtém a atenção do leitor por meio da surpresa da ação. Uma manifestação importante da personagem
plana é o tipo, que encarna traços estereotipados de certos grupos sociais ou psicológicos, o que pode ser
observado em José Dias, de Dom Casmurro. Em vez de representar as particularidades de um indivíduo, a
personagem típica representa a somatória de características de outras pessoas. Por sua natureza
especular e metafórica, aproxima-se da personagem alegórica.

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Por outro lado, há personagens que se constroem a partir de dentro, revelando novas e
surpreendentes faces no processo de aperfeiçoamento ou de degradação do caráter. Chamam-se esféricas.
Por meio delas, o escritor constrói um indivíduo, e não o estereótipo que resulta do agrupamento de traços
coletivos. Geralmente, tais personagens participam de estórias que encenam o universo psicológico ou
moral de personagens em crise existencial. Assim, a ação exterior cede lugar às complexidades da vida
interior, como acontece nos melhores romances e contos de Machado de Assis.

Assunto e Tema
Ao ler um livro, o leitor deve ter consciência absoluta de que o faz, isto é, não deve jamais perder o
domínio sobre a trama, o assunto e o sentido geral do texto. Assunto é a matéria de uma obra de ficção,
tomada em sua dimensão específica. Tema é a interpretação do assunto, que assume dimensão mais
abstrata e geral. O assunto é mais objetivo do que o tema. O primeiro decorre da escolha do escritor,
assim como o segundo depende mais da capacidade interpretativa o leitor. Assim, o assunto de São
Bernardo, de Graciliano Ramos, é a ascensão e decadência de um fazendeiro do sertão nordestino, ao
passo que seu tema poderia ser a problematização da idéia de que nem sempre os fins justificam os meios.

LEITURA
QUATRO CONTOS EM QUATRO MOMENTOS

PRIMEIRO MOMENTO: SÉCULO XIX

TRÊS TESOUROS PERDIDOS


Machado de Assis

Uma tarde, eram quatro horas, o Sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite que levava não
o fez reparar em um cabriolé que estava parado à sua porta. Entrou, subiu a escada, penetra na sala e...
dá com os olhos em um homem que passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.
Cumprimentou-o polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-
lhe:
Senhor, eu sou F..., marido da senhora Dona E...
Estimo muito conhecê-lo, responde o Sr. X...; mas não tenho a honra de conhecer a senhora

Dona E...

Não a conhece! Não a conhece!... quer juntar a zombaria à infâmia?


Senhor!...

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E o Sr. X... deu um passo para ele.
Alto lá!
O Sr. F..., tirando do bolso uma pistola, continuou:
Ou o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão!
Mas, senhor, disse o Sr. X..., a quem a eloqüência do Sr. F... tinha produzido um certo efeito,
que motivo tem o senhor?...
Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha mulher?
A corte à sua mulher! não compreendo!
Não compreende! oh! não me faça perder a estribeira.
Creio que se engana...
Enganar-me! É boa!... mas eu o vi... sair duas vezes de minha casa...
Sua casa!
No Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...
Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...
Não; não; é o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo que ressalta de toda a sua
cara? Vamos, ou deixar a cidade, ou morrer... Escolha!
Era um dilema. O Sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola. Pois
toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.
Surgiu, porém, uma objeção.
Mas, senhor, disse ele, os meus recursos...
Os seus recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.
E tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:
Aqui tem dois contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta imediatamente.
Para onde vai?
Para Minas.
Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdôo-lhe, mas não volte a esta
corte... Boa viagem!
Dizendo isto, o Sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que desapareceu
em uma nuvem de poeira.
O Sr. X... ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e ouvidos;
pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a realização de um dos seus mais caros
sonhos. Jantou tranqüilamente, e daí a uma hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa
apenas um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu
destino.

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No dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o Sr. F... para a sua chácara de Andaraí,
pois tinha passado a noite fora.
Entrou, penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:

Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser.


Desesperado, fora de si, o Sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido
às oito horas.
Era P... que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os dois
contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do Sr. X..., subiu; apareceu o moleque.
Teu senhor?
Partiu para Minas.
O Sr. F... desmaiou.
Quando deu acordo de si estava louco... louco varrido!
Hoje, quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:
Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda
carteira cheia de encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as algibeiras!...
Neste último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.

Obras Completas, vol. II, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1986.

se conhece de Machado de Assis. Foi publicado


pela primeira vez em A Marmota, no ano de 1858,
quando o artista tinha 19 anos.

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SEGUNDO MOMENTO: SÉCULO XX
(PRIMEIRA METADE)

UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA
Monteiro Lobato

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens.


Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro,
a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis
sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
Mas João Teodoro acompanhava com aperto no coração o deperecimento visível de sua Itaoca.
- Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons - Agora só um e bem ruinzote. Já
teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate
mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando...
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer
que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
- É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada
de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado.
Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio.
Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada...
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que
prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser
delegado - e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!...
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela
madrugada botou-as num burro, montou no seu cavalo magro e partiu.
- Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
- Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
- Mas como? Agora que você está delegado?
- Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.
E sumiu.

Cidades Mortas, São Paulo, Brasiliense, 1959.

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TERCEIRO MOMENTO: SÉCULO XX
(SEGUNDA METADE)

O COBRADOR

Rubem Fonseca

NA PORTA da rua uma dentadura grande, embaixo escrito Dr. Carvalho, Dentista. Na sala de espera vazia
uma placa, Espere o Doutor, ele está atendendo um cliente. Esperei meia hora, o dente doendo, a porta abriu e surgiu
uma mulher acompanhada de um sujeito grande, uns quarenta anos, de jaleco branco.
Entrei no gabinete, sentei na cadeira, o dentista botou um guardanapo de papel no meu pescoço. Abri a
boca e disse que o meu dente de trás estava doendo muita. Ele olhou com um espelhinho e perguntou como é que eu
tinha deixado os meus dentes ficarem naquele estado.
Só rindo. Esses caras são engraçados.
Vou ter que arrancar, ele disse, o senhor já tem poucos dentes e se não fizer um tratamento rápido vai
perder todos os outros, inclusive estes aqui e deu uma pancada estridente nos meus dentes da frente.
Uma injeção de anestesia na gengiva. Mostrou o dente na ponta do boticão: A raiz está podre, vê?, disse
com pouco caso.
São quatrocentos cruzeiros.
Só rindo. Não tem não, meu chapa, eu disse.
Não tem não o quê?
Não tem quatrocentos cruzeiros. Fui andando em direção à porta.
Ele bloqueou a porta com o corpo. É melhor pagar, disse. Era um homem grande, mãos grandes e pulso
forte de tanto arrancar os dentes dos fodidos. E meu físico franzino encoraja as pessoas. Odeio dentistas,
comerciantes, advogadas, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa canalha inteira. Todos eles estão me
devendo muito. Abri o blusão, tirei o 38, e perguntei com tanta raiva que uma gota de meu cuspe bateu na cara dele,
-- que tal enfiar isso no teu cu? Ele ficou branco, recuou. Apontando o revólver para o peito dele comecei a aliviar o
meu coração: tirei as gavetas dos armários, joguei tudo no chão, chutei os vidrinhos todos como se fossem balas,
eles pipocavam e explodiam na parede. Arrebentar os cuspidores e motores foi mais difícil, cheguei a machucar as
mãos e os pés. O dentista me olhava, várias vezes deve ter pensado em pular em cima de mim, eu queria muito que
ele fizesse isso para dar um tiro naquela barriga grande cheia de merda.
Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para ele, agora eu só cobro!
Dei um tiro no joelho dele. Devia ter matado aquele filho da puta.

Contos Reunidos, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

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QUARTO MOMENTO: SÉCULO XXI

Rodrigo Lopes de Barros

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A Carne do Metrô, Florianópolis, Editora Katarina Kartonera, 2009.

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