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A elevada despesa previdenciária Um pr imeiro mito, repet ido à oficial, os resultados dos regimes
no Brasil, em relação ao que seria exaustão, em todos os momentos previdenciários consideram as
esperado pela nossa estrutura de- em que a necessidade de reforma contribuições ou receitas vincu-
mográfica, associada a um rápido previdenciária volta à pauta po- ladas diretamente à Previdência,
processo de envelhecimento popu- lítica, é o argumento de que não mas não fontes de receitas adi-
lacional ameaça a sustentabilidade existe déficit da previdência e sim cionais necessárias para garantir
fiscal em médio e longo prazos. superávit da seguridade social. o pagamento de benefícios. Ao
Este cenário decorre em larga me- Trata-se de um debate que mais contrário, a “tese” do superávit da
dida de regras previdenciárias confunde do que esclarece a socie- seguridade social foi construída
frouxas, como as que permitem dade. A polêmica é naturalmente sobre distorções graves. O primei-
aposentadorias em idades preco- de cunho ideológico: independente ro deles é naturalizar algo danoso
ces, nas quais não se pode supor do resultado (superavitário ou para a previdência social e para o
perda de capacidade produtiva. deficitário) da seguridade social, o País. A Seguridade Social engloba
Apesar de estarmos realizando gasto público, a carga tributária e a Previdência Social, a Assistência
ajustes previdenciários de forma a efetiva situação fiscal continuam Social e a Saúde. Seu financiamento
lenta e claramente insuficiente, sendo rigorosamente os mesmos. é feito pelas contribuições previ-
alguns grupos ainda questionam Mas a discussão também tem ca- denciárias (exclusivamente volta-
a urgência de uma reforma previ- ráter contábil, no sentido de que das ao pagamento de benefícios
denciária, com base em uma série os resultados são diferentes em previdenciários), mas também por
de mitos. Neste artigo, trataremos função das despesas e receitas que outras fontes, como a Contribuição
de alguns deles. são consideradas. Na contabilidade para o financiamento da segu-
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ridade Social (Cofins) e a Contri- problema concreto, sem solucioná- Mas o “superávit” da seguridade
buição Social sobre Lucro Líquido -lo de fato. Trata-se de um desvio social não é apenas uma maneira
(CSLL). O pagamento de benefícios do verdadeiro debate: os efeitos de evitar a discussão de questões
previdenciários a partir de contri- positivos produzidos pela despesa relevantes. Ele também é falso.
buições de caráter geral (como a Na ânsia de provar que está tudo
previdenciária em relação a ques-
Cofins e a CSLL) tende a gerar um bem com a Previdência Social, seus
tões como sustentabilidade fiscal,
financiamento de caráter regres- defensores promovem distorções
melhor forma de financiamento e
sivo, além de comprometer outros graves na contabilização das des-
usos alternativos desses recursos. custo de oportunidade do uso des- pesas e receitas. Uma dessas dis-
A tese do superávit da segurida- ses recursos para o País. A questão torções é considerar como receitas
de social não resulta em redução do uso alternativo dos recursos, recursos afetados pela Desvincu-
de impostos no presente (pois a por exemplo, é obviamente im- lação das Receitas da União (DRU)
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despesa previdenciária está dada, portante quando se considera que e renúncias previdenciárias. Em
é elevada e tem que ser financia- as despesas previdenciárias, em outras palavras, trata-se de regis-
da), mas, ao negar a existência de um sentido amplo, ou seja, RGPS, trar como receitas recursos que,
desequilíbrios, contribui para um 1 legalmente ou efetivamente, não
RPPS da União e BPC-LOAS , cor-
aumento brutal da carga tributária estão à disposição da Seguridade
respondem atualmente a mais da
no futuro. Social. Seja como for, ainda que os
metade da despesa primária da
recursos afetados pela DRU sejam
No fundo, a tese do superávit da União e certamente tem efeitos de levados em conta, o resultado pri-
seguridade social é apenas uma crowding-out sobre outros gastos mário da seguridade social já tem
vertente da contabilidade criativa: públicos e/ou sobre a evolução da sido deficitário desde 2008 (ver
um mecanismo para esconder um dívida pública. gráfico 1).
Gráfico 1 – Resultado Primário da Seguridade Social em R$ Bilhões e em % do PIB
Considerando Receita da DRU – Governo Central – Brasil – 2005 a 2015
20 0,4%
7,9 4,5
-5,4 -0,5% -0,2% -0,4% -0,6% -1,2% -1,8%
0 0,0%
-0,9
-7,6
-20 -0,4%
-0,2% -21,3
-20,2 -29,9
-40 -0,8%
-39,0
-60 -1,2% -1,2%
-100 -2,0%
-105,9
-120 -2,4%
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
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dorias por tempo de contribuição são os trabalhadores para mitigar riscos sociais que impeçam o trabalho
de maior nível relativo de qualificação/renda, pois produtivo. Os beneficiários das ATCs receberão, por
têm maior probabilidade de acumular 35/30 anos de um período bem maior que os mais pobres, benefícios
contribuição. que, além disso, têm valor médio quase duas vezes
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maior.
O Brasil não é desigual por acaso. Temos método na
nossa desigualdade. Para os trabalhadores urbanos
Os dados da Pnad/IBGE 2014 corroboram esse diag-
mais pobres, de menor qualificação e menor capaci-
nóstico. O percentual de contribuição para a previ-
dade contributiva, temos uma idade média de aposen-
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tadoria de 63 anos. Para os trabalhadores de maior dência é muito baixo entre os mais pobres, que em
renda/qualificação, reservamos aposentadorias aos geral estão na informalidade, e significativamente alto
54 anos de idade (média para as ATCs), idade na qual entre os mais ricos: entre os 10% mais pobres apenas
se pode supor plena capacidade de trabalho – e esse 12,8% contribuem para a previdência social; entre os
é um ponto fundamental, já que a previdência existe 10% mais ricos, são 83,2% (cf. Gráfico 2).
Gráfico 2 – Proporção de Contribuintes para a Previdência Entre os Ocupados por Décimo de Renda Familiar Per
Capita – Brasil – PNAD/IBGE de 2014
A inserção dos jovens de 16 a 20 anos mais pobres no Portanto, ainda que os jovens mais pobres tendam a
mercado de trabalho também é muito precária. Entre
entrar mais cedo no mundo do trabalho, o fazem com
os jovens que estão nos 10% mais pobres, apenas 4,1%
contribuíram para a previdência, enquanto 39,2% altíssimo nível de informalidade e desemprego. Terão
deles estavam desempregados. Entre os jovens que trajetória laboral marcada por baixíssima densidade
estão nos 10% mais ricos, o desemprego foi de 12,5%,
contributiva, que tende a inviabilizar obter 35/30 anos
enquanto 52% deles contribuíram para a previdência
(cf. Gráfico 3). de contribuição.
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Além desses mitos, há outros, como sidade de financiamento do Regime tabilidade fiscal de médio e longo
o que sugere que se pode resolver a Geral de Previdência Social (RGPS) prazos da Previdência Social no
questão previdenciária aumentando continuaria existindo. Finalmente, Brasil, atenuar o custo para as
as receitas ou recuperando dívi- esse tipo de argumento não leva gerações futuras e corrigir distor-
das, sem as reformas para ajustar em conta que toda a dívida previ- ções como as aposentadorias por
o nível futuro das despesas. Esse denciária ativa representa cerca de tempo de contribuição sem idade
argumento ignora que as despesas 65% das despesas do RGPS em um mínima. Um dos elementos da
previdenciárias brasileiras estão único ano (2015) e apenas 4% dela recente crise econômica grega foi
em nível absolutamente incom- é considerada de alta recuperabi- justamente a resistência em rea-
patível com nossa atual estrutura lidade.8 Parcela expressiva jamais lizar uma reforma da previdência
demográfica e que irão crescer for- será recuperada. Isso não quer dizer mais profunda desde a década de
temente nas próximas décadas em que a desastrada política de deso- 80. Os anos sem reforma cobra-
função do nosso envelhecimento. neração da folha de pagamentos, ram seu preço e o ajuste foi muito
Também ignora que há dificuldades adotada nos últimos anos, não deva mais duro do que se tivesse sido
para o contínuo aumento da carga ser revertida: significa, apenas, que feito tempestivamente: desde a
tributária, especialmente após o tais ajustes são insuficientes e não crise, foram pelo menos quatro
incremento ocorrido no final dos tratam do principal, o controle da reformas e vários cortes no valor
anos 1990 e início dos anos 2000. despesa. dos benefícios.9 Ao contrário da
Mesmo que o País acabasse com Grécia, muitos países da OCDE
todas as renúncias previdenciárias Há evidência robusta de que uma têm buscado ajustar paulatina-
(que somam em torno de 14% das reforma ampla é necessária e mente seus sistemas previdenci-
despesas previdenciárias), a neces- urgente para garantir a susten-
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