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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Introdução

Conceito
A responsabilidade civil é uma das fontes das obrigações1. Nos contratos, a
obrigação nasce a partir de uma conduta lícita e bilateral, através de um acordo de
vontades. Na responsabilidade civil, por outro lado, a obrigação resulta de uma conduta
unilateral e, via de regra, ilícita.

Essa obrigação é primariamente a de indenizar, reparar um dano causado pela


conduta ilícita. Essa é a origem e o figurino clássico da responsabilidade civil: a
obrigação de repara um dano que decorre do cometimento de um ato ilícito.

Evolução
Direito Antigo
A responsabilidade civil teve um quadro evolutivo cuja origem remonta à
vingança privada do direito romano. Posteriormente, o Estado passou a chamar pra si a
função de organizar essa vingança, o que culminou com a Lei das XII Tábuas. Havia,
nesse modelo, uma tipologia de atos específicos, associados a crimes como furto,
assassinato, etc., e que geravam a responsabilidade do agente. Dava-se ao agente, nesse
modelo, a oportunidade de indenizar a vítima, em dinheiro, antes da vingança
propriamente dita. Mas, em todo caso, continuava sendo uma forma de vingança - só
que institucionalizada e tipificada.

O sentido da evolução da responsabilidade civil foi a busca por um mecanismo


genérico de responsabilização. A Lex Aquilia representou um grande avanço nesse
sentido. Com ela, a responsabilidade civil muda e passa a considerar a
proporcionalidade entre o dano causado e a resposta. Dessa forma, não havia mais
uma tipificação apriorística como nas XII Tábuas. Ademais, passou a aceitar atos não
apenas criminosos (vide figura romana do quase delito) e, com o advento da ideia de
"injúria", inaugurou o primórdio da responsabilização genérica, o que se refletirá no
direito moderno.

1 O Código atual divide as fontes das obrigações em quatro, a saber, os contratos, os títulos de crédito, os atos
unilaterais e a responsabilidade civil.

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Estado Liberal e Código de 16


O Código de 1916 sofreu uma influência muito marcante do código francês, que
no seu art. 1382 consagrou uma cláusula geral de responsabilidade civil2. A ideia dessa
cláusula é que quem por sua conduta causa dano a a outrem fica obrigado a reparar o
dano que causou. Isso foi reproduzido no código de 1916 no art. 59, segundo o qual
quem por ação ou omissão voluntária, imprudência ou negligência, violasse direito
alheio ou causasse prejuízo a outrem, ficaria obrigado a indenizar.

Dessa ideia pode-se inferir alguns dados. Primeiro, que a conduta externada pode
ser ativa ou passiva, mas sempre voluntária, o que pressupõe o discernimento do
agente. Deve haver, portanto, uma vontade juridicamente apreciável, e não mera
vontade natural.

Segundo, ressalte-se que o agente que com essa conduta causa prejuízo a outrem
fica obrigado a reparar. A conduta, portanto, tem que ser a causa do dano. Ademais, tal
conduta deve violar direito alheio, sendo portanto uma conduta ilícita, via de regra.

Observe-se, por fim, que ao referir-se a negligência e à imprudência, o art. 159


referia-se à`culpa em sentido amplo (um erro de procedimento, de conduta).

Percebe-se, destarte, que a responsabilidade civil era associada a uma conduta


voluntária culposa. O legislador portanto não se contentava com a causalidade pura,
isto é, com a existência no caso concreto da tríade “conduta, dano e nexo de
causalidade”. De fato, como regra, as legislações liberais exigiam que, para haver
obrigação indenizatória, o dano decorresse de uma conduta voluntária e culposa.

Nesse contexto, portanto, a culpa era o critério de que se valia o legislador para
“escolher quem vai indenizar”. Era, em outras palavras, o nexo de imputação da
responsabilidade civil. No figurino clássico da responsabilidade, então, quem indeniza é
o culpado, havendo assim uma sobreposição entre as condições de culpado e
responsável.

O art. 59 do código de 1916, assim como sua origem francesa, é a tradução clara
do que se chama de responsabilidade civil subjetiva, ou aquiliana. Esse artigo foi
reproduzido no Código Civil de 2002, com algumas mudanças entretanto, que
demonstram uma evolução do tema.
Cabe salientar que, no seu quadro tradicional, a responsabilidade civil atendia a
uma ideologia própria daquele momento. Não apenas o código brasileiro, mas todos os

2Segundo o art. 1382 do Código francês, “tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autrui un dommage, oblige
celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer”.

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códigos romano-germânicos do século XIX sofreram influência direta do código


francês, editado após a revolução. A ideologia contida nesses ordenamentos tinha, em
suma, três características fundamentais, que explicam a adoção desse modelo de
responsabilidade:

Figurino
Clássico da
Responsabilidade
Conduta Civil o culpado
voluntária deve indenizá-
culposa la
Culpa
que
causa Diminuição
de modo
que
Individualismo
patrimonial da
vítima

Patrimonialismo
1. Individualismo;
Os códigos do século XIX, são ainda hoje acoimados de códigos individualistas.
Foram, de fato, uma forma de afirmação de um espaço privado contra um Estado
que até então era absolutista, onipresente nas relações privadas. Não deixa de ser
verdade que eram individualistas, mas o fato é que esses códigos atenderam a um
reclamo fundamental da época. No âmbito da responsabilidade civil, esse
individualismo se refletiu numa responsabilidade individualizada, na qual vale a
máxima “o culpado indeniza”.

Atualmente, a responsabilidade civil não é mais sempre individualizada, como no


modelo clássico. Hoje, por exemplo, se Ticio sofre um acidente automobilístico,
pode ter direito a uma indenização seguritária. O seguro obrigatório é um fundo
composto de contribuições, e destinado à indenização das vítimas de acidentes
automobilísticos. Todos que têm veículos pagam essa contribuição. É uma
indenização coletivizada, portanto.

2. Patrimonialismo;
A ideologia fundamental da revolução francesa foi garantir um espaço para as
relações interprivadas, mas afetas fundamentalmente a um novo estamento social
que acendia: a burguesia.

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O burguês faz negócios (contrato e empresa). Ora, se o foco era a ascensão da


burguesia, a preocupação fundamental era com o espaço protetivo do seu
patrimônio.

Faz-se uma critica a esses códigos por serem eminentemente patrimonialistas. Isso
se reflete na responsabilidade civil, que era eminentemente patrimonializada. Era
uma responsabilidade civil cuja ocupação fundamental era, portanto, de
recomposição do patrimônio da vitima desfalcado pelo cometimento do ilícito.
O tal do “prejuízo causado”, que gerava a obrigação de indenizar, era entendido
como um desfalque no patrimônio. Essa ideia remete à teoria da diferença,
segundo a qual a determinação da indenização se daria por mera conta
matemática: patrimônio antes do dano menos patrimônio depois do dano. Isso só
faz sentido partindo-se do pressuposto de que o dano é sempre um prejuízo
patrimonial, e portanto mensurável pecuniarimanete.

3. Culpa;
Quem é o culpado pelo prejuízo? O nexo de imputação nesse modelo é
fundamentalmente a culpa. Assim, na ausência de culpa, mesmo que haja conduta,
dano, e nexo causal, não há indenização.

Crise do Modelo Clássico


Esse modelo clássico, com o tempo, mostrou-se insuficiente. Mas o que mudou?
Quais foram as causas principais de se colocar em xeque esse modelo tradicional?
Foram, sobretudo, dois fenômenos:

1. A Revolução Industrial;
No campo dos contratos, a revolução industrial trouxe a massificação dos
contratos, os contratos standartizados. No campo dos danos, observou-se o
advento da “era dos acidentes”. De fato, a produção no modelo fordista, com o
uso generalizado de máquinas, favoreceu em grande medida a eclosão de eventos
danosos. O grande problema é que nos acidentes, principalmente quando
causados por máquinas, nem sempre é possível identificar o “culpado”, que
muitas vezes ficava anônimo. Mesmo que possível, a prova dessa culpa era
sempre muito difícil para a vítima, o que obstava sua indenização.

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Como um consumidor provaria a culpa de um funcionário de uma empresa


fornecedora, por exemplo? O encargo da vitima de provar a culpa de alguém
individualmente considerado - sobre quem recairia a obrigação se indenizar - era
muito grande. Diante desse quadro, o figurino básico da responsabilidade civil
passou a não atender a um reclamo obvio de indenidade das pessoas, que cada vez
mais ficavam privadas da indenização pelos danos sofridos.

2. Guerras mundiais;
A segunda guerra mundial trouxe o fenômeno de subalternização, reificação do
ser humano. No campo da responsabilidade civil, esse fenômeno levou a uma
nova preocupação do sistema: entendeu-se que a responsabilidade civil não
deveria ser mero instrumento de recomposição patrimonial da vítima... deveria ter
também um papel preventivo do dano.
Ademais, mesmo já tendo se verificada a ocorrência do dano, a preocupação não
deveria ser apenas de recomposição pecuniária, mas também pessoal da vítima.
Daí a ideia hoje da existência de danos pessoais: físicos, psíquicos, em suma,
danos extrapatrimoniais.

Portanto, esses eventos trouxeram para responsabilidade civil outras funções,


além da básica (ressarcitória, indenizatória): a função preventiva, de prevenção da
ocorrência danosa. E, hoje, especialmente no que concerne aos danos ambientais,
fala-se não só mais de prevenção de riscos conhecidos, mas de precaução contra
riscos incertos.

Além de erigir-se essa segunda função da responsabilidade civil, passou-se


também a discutir de haveria uma terceira função, punitiva.

Estado Social e Transformações da Responsabilidade Civil


Todo esse panorama, protagonizado pela revolução industrial e as grandes
guerras, colocou em xeque o modelo tradicional da responsabilidade civil, que precisou
evoluir para fazer frente às mudanças do mundo moderno. Essa evolução, no âmbito do
direito pátrio, pode ser observada no novo código, que trouxe algumas alterações na
matéria. Essas alterações se deram sobretudo em três aspectos:

1. Responsabilidade Coletivizada;
O advento de uma responsabilidade socializada traz em si a ideia fundamental de
eficiência do sistema. De fato, diante da magnitude dos resultados danosos e da

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incerteza inerente aos acidentes industriais, passou-se a se pensar em mecanismos


de coletivização da responsabilidade civil, mecanismos estes que tornam a
indenização automática.

Passou-se então a se pensar nos seguros. O seguro de responsabilidade civil


diante de terceiro permite que se indenize, automaticamente, um terceiro a quem
causei um dano, o que torna a indenização mais eficiente.

Outro exemplo é o dos acidentes de trabalho. Se um operário se acidenta no


trabalhado faz jus a uma indenização coletivizada. Assim, conforme o tamanho do
prejuízo que experimenta (ficar afastado, não poder mais trabalhar, etc), goza de
uma série de auxílios assecuratórios, que são coletivizados e previstos legalmente.

Problema 1
Por que a indenização não é sempre coletivizada?

Uma responsabilidade civil eminentemente socializada só dá certo em países de economia


forte. De fato, o único país em que a responsabilidade civil é totalmente socializada é a
Nova Zelândia. No Brasil, por exemplo, um trabalhador que se acidenta no trabalho e faz
jus a uma indenização coletivizada, não se contenta com essa indenização porque ela não
cobrirá todos os danos experimentados. O argumento econômico contra essas
indenizações socializadas, portanto, é que não há no Brasil a possibilidade econômica de
um sistema de responsabilidade civil eminentemente socializada, o que prejudica a
eficiência desse sistema.
Há também um argumento de natureza moral filosófica: um sistema de responsabilidade
civil coletivizada implica indenizações automáticas, tarifadas. Ora, se partimos da
premissa de o papel moral da responsabilidade civil é também de incutir nas pessoas a
responsabilidade moral de não causar prejuízo a outrem, essas indenizações tarifadas e
portanto previsíveis não trariam uma despreocupação com esse principio básico?
Hoje, portanto, essa responsabilidade coletivizada não substitui a individual, mas se
acopla a ela.

2. Indenidade Pessoal;
A responsabilidade civil, nesse quadro evolutivo, se desprendeu daquela ideia
exclusivamente patrimonialista (teoria da diferença), passando a ostentar também
uma preocupação com a integridade pessoal da vítima. É essa ideia de preservar
não só o patrimônio da pessoa, mas ela própria, que deu desenvolvimento à
doutrina do dano moral.

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3. Risco;
Como vimos, com a crescente industrialização e consequente prodigalização dos
acidentes, a culpa passou a ser insuficiente como critério de imputação. Diante
dessa insuficiência, desenvolve-se a ideia da responsabilidade civil sem culpa,
objetiva. Nesse sentido, erigiu-se um outro nexo de imputação que pudesse
substituir a culpa em determinados casos com o intuito de garantir a indenização à
vítima: o risco.

Isso significa que atualmente nem sempre a responsabilidade civil se associa a


uma conduta culposa, isto é, as vezes o responsável não é alguém que é culpado,
mas alguém que assumiu o risco de causar o dano. Nesse sistema, não se
procura mais um "culpado", portanto, procura-se um responsável pelo
ressarcimento.

Problema 2
Por que não abandonar de vez a culpa?

Apesar do surgimento de outros critérios de imputação, não dá pra abandonar a culpa por
completo. Primeiro, porque a culpa, que é a grosso modo um erro de conduta, tem um
papel profilático, educativo, no sistema. Ou seja, as pessoas deveriam se preocupar em
não agir com culpa e em não causar prejuízo a outrem. E responsabilizar culpados tem um
papel no sentido de desincentivar condutas culposas.
Outro argumento, mais pragmático, remete à questão do direito de regresso. Como
vimos, há determinadas pessoas que respondem independentemente de culpa - por outro
nexo qualquer de imputação. Há alguns casos que essas pessoas, depois de indenizar,
podem exercitar o direito de regresso. E, não raro, nesse exercício se discuta a culpa.Por
exemplo, o Estado responde pelo dano que seus servidores causam a terceiros, mas tem
direito de regresso contra esse servidor, e no exercício desse direito de regresso discute-se
a culpa do último.

É fato que a escolha do risco como um possível critério de imputação, e o


consequente desprendimento da culpa como critério exclusivo, representou um grande
passo no processo evolutivo da responsabilidade civil. No entanto, cabe observar, que
hoje esse papel de critério de imputação não é mais desempenhado apenas pelo risco.
Não há mais, portanto, um binário entre culpa e risco para a determinação da
responsabilidade. De fato, existe hoje uma multiplicidade de critérios de imputação.
O legislador escolhe, conforme o caso concreto, o critério que será utilizado, seja ele a
culpa, o risco, a obrigação de segurança, vigilância, etc.

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O ideal é uma disciplina normatizada de responsabilidade civil que abra espaço


para todos esses critérios de imputação. Um sistema, portanto, eclético. Foi, alias, isso
que o código atual quis fazer. ele pretendeu congregar diferentes nexos de imputação.

A Responsabilidade Civil no Código de 2002


Segundo o art. 927, aquele que comete ato ilícito fica obrigado a ressarcir. Esse
artigo não define o que é ato ilícito, e necessariamente se remete a outro no qual está
plasmada essa definição: os artigos 186 e 187 da parte geral.

1
(1916) Art. 159. Aquele que, por ação (2002) Art. 186. Aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência, ou ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito, ou causar imprudência, violar direito e causar dano 2
prejuízo a outrem, fica obrigado a a outrem, ainda que exclusivamente
reparar o dano. moral, comete ato ilícito.
3

Houve nesse artigo 159 quatro alterações no código de 2002:

1. Imprescindibilidade do Dano;
O código atual tirou o “ou” e colocou o “e”. Com isso, o legislador quis indicar
que o que se indeniza é o dano, então uma violação a direito alheio que não causa
dano algum não se indeniza.

2. Substituição da ideia de prejuízo pela de dano;


A segunda alteração foi a troca da palavra prejuízo pelo termo “dano”. A razão
dessa troca pode ser explicada através da ideia de dano evento e dano prejuízo,
expressões cunhadas por Antônio Junqueira. São dois momentos logicamente
distintos e sucessivos da ocorrência danosa.

Por exemplo, contrato uma demolidora para demolir um muro no meu quintal,
mas na madrugada antes disso um caminhão desgovernado derruba o muro (sem
causar outros danos). Há dois momentos distintos: no momento em que o
caminhão derrubou o muro, alterou-se a realidade, inclusive do ponto de vista
econômico (havia um muro, e não há mais). Foi, portanto, um evento danoso. Mas

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num segundo momento, considerando que a vítima queria realmente destruir o


muro, não há um prejuízo.

Dano evento portanto se refere à ocorrência no mundo dos fatos que o altera;
dessa ocorrência, num segundo momento - dano prejuízo - pode ou não decorrer
um prejuízo pra vítima.

3. Dano Moral;
A terceira mudança diz respeito à previsão expressa do dano moral, que inexistia
no código velho. Assim, o prejuízo não é mais associado apenas a um aspecto
material. Não obstante a falta de previsão expressa, alguns artigo eram
interpretados como contemplativos do dano moral. Uma dessas interpretações era
acerca do próprio art. 159 e aquele “ou”: entendia-se que quando o sujeito
violasse direito alheio mas sem causar prejuízo patrimonial, era dano moral.
Mas isso não faz mais sentido. Afinal, admite-se hoje que o próprio dano pode ser
também moral, então o temo “dano” já abrange a ideia de dano moral.

4. Responsabilidade Objetiva;

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de


culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.

Foi também incluído, no art. 927, um parágrafo único segundo o qual também
haverá a obrigação de reparar o dano - independentemente de culpa, um
responsabilidade civil objetiva portanto - nos casos expressos em lei, ou quando a
atividade normalmente desempenhada pelo agente implicar risco ao direito de
outrem.
Ok, há responsabilidade civil sem culpa. Mas onde estão esses casos? Segundo o
parágrafo, em primeiro lugar, nos casos previstos em lei, seja em lei própria
(responsabilidade do CDC, por dano ambiental, por dano atômico, etc); seja no
próprio código civil, que prevê uma série de casos especiais (responsabilidade dos
pais, do empregador, dentre outras hipóteses casuísticas).

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O parágrafo estabelece, em segundo lugar, uma cláusula geral de responsabilidade


civil sem culpa pelo riso da atividade - sempre que alguém exercita uma
atividade que induz risco a outrem

No fundo, o que fez o código foi, nessa tese, abrir espaço a diferentes nexos de
imputação da obrigação de indenizar. Parece ter ainda ficado naquela dicotomia
binária de culpa e risco, apesar de trazer outras hipóteses de indenização sem
culpa e distinta do risco, mas de maneira especial. Em outras palavras, estabeleceu
uma cláusula geral de responsabilidade objetiva fundada no risco, que figura hoje
ao lado da cláusula geral da responsabilidade subjetiva, mas outros nexos de
imputação continuam restritos a casos especiais.
Todos esses modelos se complementam, afinal a atual responsabilidade civil se
caracteriza pela multiplicidade de critérios de imputação. Mas cabe salientar que,
desde o direito romano, a responsabilidade civil gira primariamente em torno da
reparação de um dano, e hoje há também na ideia de prevenção. Mas o que
importa é que, seja objetiva ou subjetiva a responsabilidade, é imprescindível que
haja um dano - a reparar ou a prevenir.

Elementos da Responsabilidade Civil

Responsabilidade
Civil

Conduta Dano
Nexo
Causal

Dano
No seu modelo tradicional, o dano era concebido como um desfalque
patrimonial causado pela conduta ilícita do agente. No âmbito da responsabilidade
civil, todavia, um dos assuntos que mais evolui foi justamente a ideia de dano. Quanto

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mais avança a sociedade, a tecnologia e a ciência, mais se favorece o aparecimento de


novos fenômenos lesivos, o que traz a necessidade de se compreender o dano de uma
maneira mais ampla.

Nesse contexto, entende-se o dano hoje como qualquer lesão a um interesse


juridicamente protegido - seja esse interesse patrimonial, extrapatrimonial, individual,
coletivo, difuso, etc. O dano hoje, portanto, não é mais apenas um desfalque
patrimonial, mas qualquer espécie de afronta, de lesão a qualquer interesse tutelado pela
lei.

É preciso observar, porém, que não é qualquer dano que atrai a incidência da
disciplina da responsabilidade civil. Em outras palavras, não é todo dano que se
indeniza, mas tão somente o dano injusto.

De fato, diariamente sofremos uma miríade de danos, mas na maioria das vezes
“faz parte”. Por exemplo, tenho uma padaria, e certo dia um concorrente - em
decorrência da sua livre iniciativa constitucionalmente assegurada - resolve abrir uma
outra padaria perto. Ora, se ele não incorrer em nenhum ato de concorrência desleal, a
concorrência é a priori lícita, e apesar de naturalmente me acarretar um dano, não tenho
nenhum direito a indenização.

Requisitos
Quando a doutrina examina esse requisito fundamental da responsabilidade civil,
costuma identificar três notas distintivas daquilo que efetivamente configura um dano:
deve ser atual, certo e subsistente. Mas esses requisitos são inafastáveis? Vamos antes
de tudo defini-los:

Dano atual é um dano já configurado, isto é, já há o dano perpetrado, é atual.


Não só é um dano já configurado, como também um dano ainda não reparado, ou seja,
subsistente.
Além disso, é um dano certo, ou seja, não é hipotético, remoto. Há certeza de que
ele aconteceu.

Esses requisitos, diante da multifacetada configuração atual da responsabilidade


civil, são colocados hoje em xeque. Por que?

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Problema 3
E se a extensão do dano não for atual?

Há determinados danos que até são certos, e subsistentes, mas sua extensão não é
exatamente atual. Por exemplo, Tício passa no sinal vermelho e atropela Caio, que propõe
uma ação de indenização nos moldes tradicionais - ele pleiteia uma indenização pelos
danos sofridos (valores das cirurgias, dos tratamentos médicos, etc.). Durante os meses
que se seguem, apesar de no instante imediato da operação não ter sido necessário, surge a
necessidade de se colocar uma prótese. Ou seja, pela própria essência da lesão, é possível
que haja futuramente um agravamento dela. É um desdobramento da atualidade do
dano.
A questão é: verificado o agravamento, o valor dessa prótese precisa ser objeto de uma
nova ação de indenização contra Tício? Afinal, ele já foi condenado a indenizar,
reconhecido culpado pela eclosão do evento danoso... Não! Caio não precisa promover
outra ação de indenização, porque toda a dinâmica do efeito danoso já foi apreciada: não
se exclui que o resultado danoso tenha outros desdobramentos. É claro que Tício poderá
discutir por exemplo se a prótese era necessária, mas não pode discutir a responsabilidade.
A ideia de dano atual, portanto, precisa ser compreendida em termos, porque pode haver
sim esses desdobramentos danosos não de início aferífeis - mas isso não tira a atualidade
do dano.

Na responsabilidade civil há um inadimplemento de uma obrigação, que pode ser


contratual ou extracontratual. Uma das consequências do inadimplemento em geral é a
ocorrência de perdas e danos. O dano pode ser patrimonial ou moral. O dano
patrimonial, por sua vez, pode ser emergente (o desfalque patrimonial - aquilo que em
virtude do evento danoso o sujeito efetivamente perdeu do seu patrimônio) ou lucro
cessante (é um acréscimo patrimonial já esperado que deixou-se de ter por causa do
efeito danoso).

Por exemplo: Caio passa no sinal vermelho e bate no taxi de Ticio, que gasta X
reais pra conserta-lo (dano emergente), e fica 30 dias parado durante esse conserto.
Consequentemente, deixa de lucrar a receita que ele auferiria nesses 30 dias se o dano
não tivesse ocorrido (lucro cessante).
Mas se o dano tem que ser certo, como posso dizer que é certo se é relativo a um
lucro futuro? Nos 30 dias é possível que Ticio não tivesse nenhum passageiro, podia
ficar doente e por isso ficar parado...

Essa certeza, portanto, tem que ser compreendida em termos: conforme o caso,
tem que ser compreendida como probabilidade, a partir de um juízo de razoabilidade.
Tanto é que quando o Código Civil define o lucro cessante, utiliza expressamente o
temo “razoavelmente deixou de lucrar”.

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No exemplo, se Ticio nos últimos dois ano a cada 30 dias tinha um rendimento
médio de y reais, é razoável imaginar que no tempo que ficou parado também teria esse
rendimento. Assim, a título de lucro cessante, é isso que lhe será pago.

Problema 5
Responsabilidade pela perda de uma chance: dano certo ou remoto?

Imaginemos que eu contrato um advogado pra me defender numa demanda. Perco em


primeiro grau mas ele perde o prazo pra recorrer daquela sentença que me era
desfavorável. Há dano? Depende! A pergunta é: quem garante que se tivesse havido
recurso ele seria acolhido?
É o mesmo problema da certeza do dano. Seria importante, mesmo para fins
indenizatórios, avaliar qual seria a chance de o recurso ser provido - é um critério de
probabilidade. Para essa análise há alguns parâmetros: qual era a posição majoritária
daquele tribunal para o qual o recurso seria endereçado sobre aquela matéria?
Ademais, não basta a falha do advogado, é preciso que haja dano dela decorrente. Não é
possível dizer de antemão, com efeito, que houve ou não um dano, e a dificuldade para
tratar com esse tipo de problema - da perda de uma chance - está justamente nessa
dificuldade de determinação apriorística da certeza do dano.

Talvez o grande segredo dessa matéria seja tentar interpretar pela negativa:
imaginar as hipóteses em que o dano é hipotético, remoto. Por exemplo, Tício estava
indo prestar um concurso público, mas foi atropelado no caminho. A título de lucro
cessante, ele poderia pedir todo o salário que ganharia até se aposentar no cargo, com os
prováveis acréscimos por tempo de serviço? Não, porque isso é um dano remoto! Quem
garante que se ele tivesse chegado no concurso, ele passaria?

Mas em outra hipótese, imaginemos que Ticio já está investido no cargo e ao ser
atropelado é obrigado a se aposentar por invalidez. Nesse caso, a situação muda: aqui o
dano não é remoto, passado o tempo se ele não morresse ele seria promovido - então são
devidos os acréscimos.

Um exemplo jurisprudencial emblemático acerca da responsabilidade civil pela


perda de uma chance envolve o show do milhão, segue a ementa:
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA
FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA
OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas,
pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não
indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido
pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor,

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impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado


de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido
(STJ - REsp: 788459 BA 2005/0172410-9, Relator: Ministro FERNANDO
GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de
Publicação: DJ 13.03.2006 p. 334)

No caso, uma moça participou do show e respondeu corretamente todas as


perguntas, mas não respondeu a última, pois essa não tinha uma resposta certa.
Indignada, moveu uma ação contra a empresa, pedindo danos materiais relativos ao
prêmio máximo que deixou de ganhar.

A pergunta é: mas se houvesse uma resposta certa, qual a garantia que a autora
teria acertado? Entendeu-se que ela tinha uma probabilidade bastante razoável de
acertar. A produtora do programa recorreu ao STJ, que, trabalhando com a ideia de
probabilidade, reduziu a indenização a 1/4 do valor do prêmio. Partiu-se da premissa de
que, como eram quatro alternativas, se houve uma correta ela tinha 25% de chance de
acertar. É uma solução casuística, e não tecnicamente certa, mas mais equânime.
Vistos os requisitos do dano, vamos ver algumas classificações:

Certo

Requisitos Atual

Subsistente
Dano

Classificação

Lucro cessante
Direto Individual Patrimonial
Lucro emergente
Indireto Coletivo Extrapatrimonial
Perda de uma
chance

Dano de risco?

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Dano de Risco
A questão do “dano de risco” coloca-se dentro do problema da certeza do dano.

Por exemplo, Caio é vizinho de uma usinas de material altamente radioativo.


Pode-se imaginar que ele sofra danos como a desvalorização do imóvel, por exemplo.
Mas ele sofre, com a proximidade dessa usina, algum dano pessoal? Digamos que Caio,
apesar do alto risco de desenvolver, na prática não desenvolveu câncer nem nada.

O que certamente é possível admitir é que pode ter havido um dano


extrapatrimonial traduzido pelo abalo ao direito da tranquilidade. Afinal, não é um
simples transtorno diário o fato de ser atingido por uma radiação dessa magnitude. Do
ponto de vista do dano moral é mais fácil de imaginar uma solução, portanto. Mas só?
Segundo Caio Mario, não há apenas um dano moral na situação, mas também um
dano que residiria na chance de o sujeito desenvolver uma doença. E a indenização
seria relativa ao acompanhamento médico que o sujeito terá que ter durante toda a vida
para ver se desenvolveu a doença ou não. Mas é uma posição controvertida.

Se pensarmos na questão do risco, temos que nos perguntar: a potencialidade já é


um dano? Seria possível considerar que, em casos como esse, é tão grande a magnitude
do risco que ele já se transforma num dano?

Dano Moral
Dano moral, apesar de ser uma expressão consagrada, pode suscitar um
equívoco que se reconduz à origem de seu desenvolvimento. O equívoco consiste
em associar o dano moral à ideia de dor, sofrimento, angústia.

Claro que a vítima pode experimentar esses sentimentos diante do dano, mas
não há como saber! A ideia canônica de “preço da dor” está totalmente superada.
Alias, associar o dano moral a essas sensações tem consequências lógicas
insustentáveis: significaria, por exemplo, negar o dano moral do recém nascido.

É preferível, assim, chamar o dano moral de dano extrapatrimonial. Esse


dano extrapatrimonial tem modernamente sido associado a um resultado não
economicamente aferível, decorrente de um agravo sério a um direito essencial,
da personalidade. Da ideia de dano moral como agravo a um direito essencial
decorre que a vítima não precisa ter discernimento.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Não
confundir
Não com simples
transtorno! Entendido
associar
de maneira
com dor e
residual
sofrimento!
Agravo sério...
Dano
Extrapatrimonial

...a direito
essencial Resultado não
aferível
economicamente

Problema 6
Pessoa jurídica sofre dano moral?

Na doutrina, diz-se que a dignidade é o valor fonte dos direitos morais. Ora, se os
danos morais decorrem de lesão a direitos essenciais, e estes por sua vez se baseiam
na dignidade, então é preciso ser pessoa natural para sofrer dano moral. Pessoa
jurídica, afinal, não tem dignidade...
Nesse sentido, boa parte da doutrina sustenta que o que pode acontecer na pessoa
jurídica é um dano que não pode ser apreciável, mas que ainda assim é econômico.
A jurisprudência, no entanto, vai no sentido contrário. Godoy, por sua vez, sustenta
que é claro que o dano moral, concebido como violação a direito da personalidade, só
pode ser sofrido por pessoa natural. Mas o código civil estabelece, no art. 52, que às
pessoas jurídicas aplica-se no que couber os direito protetivos dos direitos da
personalidade da pessoa natural. Ou seja, não se nega que a pessoa jurídica não tem a
dignidade humana, mas o código lhe empresta esses direitos protetivos. Nesse
sentido, seria possível extender também por empréstimo a questão da indenização
moral.
A pessoa jurídica é um expediente a favor da pessoa natural, um instrumento de
persecução comum de interesses das pessoas naturais, o que justificaria o empréstimo.

Os nossos direitos da personalidade são cada vez mais amplos (a imagem,


honra, privacidade, saúde, etc), de tal forma que seria insustentável
considerássemos que toda e qualquer violação a esses direitos representam um dano
moral.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

O dano moral é uma resposta sistemática a um agravo a direito essencial. O


expediente do dano moral é uma resposta do sistema à sua própria preocupação de
tutelar de maneira especial esses direitos.

É justamente por essa preocupação que, quando há uma séria violação a um


direito essencial, isto é, um dano moral, não exige-se prova: é in re ipsa. Ou seja, o
dano moral congrega num só momento lógico o evento e o prejuízo, o qual reside
na própria conduta de violação. Enquanto no dano patrimonial os momentos do
dano evento e dano prejuízo são distintos e separados no tempo, no dano moral eles
se sobrepõem.

Assim, por ser uma resposta sistemática dessa magnitude, não pode ser
banalizado. Anderson Schreiber, em “Novos Paradigmas da Responsabilidade
Civil”, trata justamente dessa preocupação de não banalizar o dano moral, dando
exemplos de ações frívolas.

O que se entende, em suma, é que o dano moral não se configura diante de


meros aborrecimentos, inevitáveis na vida.
Uma ideia hoje em desenvolvimento é que sempre que há um dano que não pode
ser economicamente mensurável, pode ser associado a um dano moral. Assim, o dano
moral não se restringiria a uma questão estrita de agravo a direito essencial.

Quantificação da Indenização Moral

Indenização
Moral

Função Função
Não pode ser Reparatória Preventiva Não pode ser
muito alto! (se
muito baixo!
for, gera
(se for, não
enriquecimento
afeta o ofensor)
sem causa)
Vítima foco Ofensor

Valor Valor
compensatório dissuasório

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Verificado o dano moral, o juiz fixa a indenização... mas qual é o valor desta?
De que critérios se vale o juiz para fixá-la? Antes de tudo, é preciso estabelecer
algumas premissas: é preciso determinar qual a função da responsabilidade civil,
isto é, se é só reparatória, se tem um cunho preventivo, ou até mesmo punitivo.

A função reparatória da indenização seria a de minimizar os efeitos da ofensa


sofrida, dando à vítima uma soma em dinheiro3 . Se a função é meramente
reparatória, o foco adotado pelo juiz é a situação da vitima, que não vai ser
reparada, mas compensada ao menos. Embora tenha que ser um valor que
compense, não pode ser um valor que enriqueça a vítima, que seria um
enriquecimento sem causa.
Contudo, se entendermos que a responsabilidade tem outras funções além da
meramente compensatória, o critério de que se vale o juiz não é só o foco da vítima.
Por exemplo, se partir-se do pressuposto de que a responsabilidade civil tem
também uma função preventiva, deve-se considerar que a indenização moral deve
ser tal que desestimule o ofensor a repetir a ofensa no futuro.
Deve ser um valor que simultaneamente compense a vítima sem enriquece-la,
mas ao mesmo tempo que desestimula o ofensor, que faça com que ele pense duas
vezes na próxima ocasião em que se encontrar nas mesmas circunstancias. É o que a
jurisprudência têm entendido de maneira recorrente.

3 Há uma crítica acerca da penuniarização do dano moral: por que é sempre uma resposta pecuniária? Criou-se,
diante desse questionamento, uma série de respostas alternativas, como retratação pública por exemplo.

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Problema 7
E se não houver valor que atenda a ambas as funções?

Dado que os critérios para a fixação da indenização são distintos de acordo com a
função que se almeja, e considerando-se que ambas as funções devem ser observadas,
o juiz poderia chegar a uma situação de aporia: dependendo da disparidade da situação
econômica da vítima e do autor, nunca vai chegar a um valor que atenda
simultaneamente a ambos os critérios, ou seja, um valor que compense a vítima sem
enriquece-la, certamente não será um valor dissuasório do ofensor, e vice versa.
Uma solução para isso seria uma aplicação analógica do dispositivo do parágrafo
único do art. 883, que diz:

Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim
ilícito, imoral, ou proibido por lei.
Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de
estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.

Assim, se aplicar-se essa solução, parte do valor indenizatório seria revertida para
vítima, na extensão suficiente para que ela fosse compensada, e parte para uma
instituição altruística.

Problema 8
A indenização tem função punitiva?

É possível imaginar que a responsabilidade civil tenha também uma função punitiva.
A jurisprudência, ao fixar a indenização moral, mais que uma preocupação preventiva
e prospetiva, tem se utilizado da indenização para punir o ofensor. Mas a questão é:
realmente existe essa função no nosso sistema indenizatório?
Como vimos, deve-se considerar no arbitramento da indenização a compensação da
vítima, sem enriquece-la, e a dissuasão do ofensor - mas isso não deve ser confundido
com um valor punitivo. São coisas diferentes: na prevenção, olha-se para ao futuro,.
Uma indenização preventiva é prespectiva, enquanto a punitiva olha para o que o
sujeito já fez, é retrospectiva portanto.
OBS: há no Brasil inúmeros projetos de lei no CN para tarifar o dano moral - isso
implicaria tipificar quais são as ofensas. entende-e a preocupação do legislador em
estabelecer parâmetros máximos e mínimos, como forma de dar previsibilidade. mas
se a IM é uma rsposta, geralmente, a agravo sério a direito essencial, seria
constitucional impor limitações apriorísticas à indenização, à tutela?
seria um ganho de segurança jurídica mas com grande risco de injustiça. adstringe-se
a esses patamares situações, vítimas, completamente diferentes.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Dano Direto e Indireto


O critério adotado para distinguir danos diretos e indiretos diz respeito a
quem sofreu o dano. A vítima que reclama a indenização por um dano indireto o
sofreu por tabela, por ricochete.

Há, portanto, a interposição de outra pessoa entre a situação da vítima e do


ofensor: da vítima que sofreu diretamente o dano.

Ofensor Vítima Dano Vítima


dano Indireto
Direta Indireta

Acão de indenização

Por exemplo, Caio atropela Ticio, cujos filhos podem sofrer eventualmente
dano material reflexo, e certamente dano moral reflexo. O dano é reflexo, pois é
uma consequência da morte do pai.

Se os filhos forem menores, dado que o pai tem o dever de sustento,


necessariamente há dano material. Se forem maiores mas ainda dependem
economicamente do pai, também sofrem dano material. Alias, se nem filho for, se
for por exemplo um afilhado, mas era sustentado por Tício, sofreu também um
plano material reflexo. Todos eles podem propor uma ação de dano material reflexo,
cujo pagamento se faz nos moldes de uma prestação alimentícia: mas, saliente-se, é
indenizatório, não tem nada a ver com direito de família.

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Problema 9
E se o filho tinha renda?

Digamos que o pai morre e deixa um filho maior que tinha emprego. O dever que um
pai deve a um filho maior que se sustenta é um dever de socorro, não de sustento. De
fato, o filho não precisava da assistência naquele momento, mas fica privado da
possibilidade de pedir alimentos se precisasse no futuro. Mas aí voltamos à questão
dos requisitos do dano: há certeza ou é um dano hipotético? Isso envolve a verificação
de qual a probabilidade dessa assistência mostrar-se necessária.
O maior problema do dano moral é o limite. Não se pode aprioriticamente limitar a
incidência da responsabilidade, principalmente quando relacionada ao parentesco.
Mas também deve-se evitar abusos!

Dano Individual e Coletivo


No dano individual, pouco importa quantas pessoas o sofrem em virtude de
um mesmo evento, desde que seja individualmente aferível.

No dano coletivo, por sua vez, é uma comunidade que sofre o prejuízo, o que
dá uma dimensão diferente ao dano. Para identificar o dano coletivo, o próprio
CDC, no art. 81, define o que seria interesse coletivo, que violado gera um dano
coletivo:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida
em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os


transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas
por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os


transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de


origem comum.

O CDC dentro do gênero “interesse coletivo” distingue duas espécies: o


interesse coletivo propriamente dito de um lado e o interesse difuso, de outro. A

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

diferença é a possibilidade ou não de determinação das pessoas que compõem


essas comunidades: no interesse coletivo há uma comunidade cujos membros são
determináveis. No difuso os membros são indetermináveis, isto é, afetam uma
coletividade não aprioristicamente determinável pelos seus membros.

interesse coletivo membros


Interesse strito sensu determináveis
Coletivo
interesse membros
difuso indetermináveis

Individual strito
Interesse sensu
Individualmente
Individual aferível
Individual
homogêneo

Por exemplo, a categoria dos funcionários públicos compõe uma comunidade


que tem um interesse coletivo. Apesar de cada um ter, evidentemente, um interesse
individual, juntos têm também um interesse da categoria.
O CDC fala também dos interesses individuais homogêneos. Esses são
interesses individuais, não são coletivos, apesar de possuírem a mesma essência.
Por exemplo, um grupo de pessoas afetadas de um mesmo modo por um produto
defeituoso.
Conclui-se do art. 81 que todo interesse coletivo violado gera um dano
coletivo, que pode ser em sentido estrito ou o difuso. Isso nos remete a uma forma
nova de compreender o dano.
Desde a década de 1980 se prevê a possibilidade de ações públicas para
defesa de interesses públicos. Quem primariamente tem a iniciativa pra fazer essas
ações é o Ministério Público. Na operacionalização das ações coletivas no âmbito
da responsabilidade civil, há sempre uma certa perplexidade no que concerne a
quem a propõe e pra quem vai a indenização. Essas indenizações, geralmente, são
revertidas a fundos. Todas as vítimas da talidomida, por exemplo, hoje são
beneficiados por um fundo indenitário criado por lei.
Mas saliente-se que, apesar dessa perplexidade, não há dúvida quanto à
existência em si do dano coletivo no direito civil brasileiro.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Dano Moral Coletivo


A jurisprudência resistiu por muito tempo à configuração de um dano moral
coletivo. Dano moral coletivo seria um dano moral, mas que não é sofrido por cada
qual dos membros da coletividade individualmente considerado: é sofrido pela
comunidade como um todo. Por exemplo, o agravo e ofensa a uma raça, o dano
cultural, paisagístico, etc. São danos que afetam toda a comunidade de maneira
difusa.

Apesar dessa resistência inicial, atualmente não só se admite, como se admite


em texto positivo: no art. 216 da Constituição, na lei de ação civil pública
(7347/85), e no art. 6o, VI do CDC. Todos esses dispositivos prevêem a
possibilidade de ocorrência do dano moral coletivo.

Observe-se que, na ideia de dano moral coletivo, agravam-se as discussões


sobre quem postula a ação e pra onde vai a resposta indenizatória. Apesar de
uma questão por vezes muito difícil, trata-se de um problema ex post, de direito
positivo portanto. Depende, dessa forma, do sistema: alguns até admitem a
iniciativa individual.

No caso do dano ambiental e paisagístico é simples: é destinado à


recomposição, dentro do possível, daquilo que se danificou. Mas e por exemplo no
dano cultural?

Normalmente nessa área, como vimos, trabalha-se com a ideia de fundos, que
podem ser uma solução para isso.

Tese de Antonio Junqueira: o dano social


Da ideia de dano coletivo e de dano moral coletivo desenvolveu-se a ideia de
dano dano social. Esse termo, acunhado por Antionio Junqueira, é sinônimo de dano
coletivo. O autor considerou que se verificasse em duas situações básicas, sempre
levando a um rebaixamento da qualidade de vida em geral das pessoas da
comunidade. Considerou que em duas situações especificas haveria esse
rebaixamento, e que este seria moral:

1. Quando houvesse graves desrespeitos a obrigações gerais de segurança


(não necessariamente contratualizadas). Por exemplo, nas épocas agudas de
overbuck.
2. Condutas exemplarmente negativas também podem levar esse
rebaixamento moral. Por exemplo, o caso do Zeca Pagodinho, na época em

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

que ele fez propaganda pra uma determinada cerveja mas trocou pra outra
abruptamente. Isso gerou diversas discussões sobre o desrespeito a boa fé
objetiva contratual e como aquilo representava um dano moral coletivo.

São condutas que ultrapassam a esfera do interesse pessoal, rebaixando a


dignidade da comunidade como um todo. Mas o que Junqueira diz a respeito
daquelas questões acerca da iniciativa da ação e da destinação da indenização?

Primeiro, quem pode pleitear essa indenização? O que Junqueira defendia é


que nesses casos de dano social, este pudesse ser objeto de uma resposta nas
próprias ações individuais que eventualmente fossem ajuizadas. Pensou numa
categoria autônoma, uma nova categorização para de algum modo ampliar a
possibilidade de resposta do sistema a esses danos.

Nesse sentido, teoricamente, a ação a ser proposta não necessariamente


precisava ser uma ação coletiva, podia ser individual. Junqueira defendia o exemplo
americano do procurador privado.

A segunda pergunta: pra onde vai a indenização? Junqueira defendia que seria
para o autor até certo ponto pelo dano que ele próprio prove ter experimentado.
O juiz, por sua vez, fixaria um plus a título de dano social - e que reverteria ao autor
como uma espécie de prêmio por ter atuado no interesse da sociedade. Mas
Junqueira também não rejeitava a ideia de que esse prêmio poderia ser revertido não
ao autor mas a um fundo, o que o Godoy acha mais justo.
O maior problema dessa tese diz respeito à natureza desse plus: a ideia de um
plus indenizatório também não remeteria a uma função punitiva da
responsabilidade? Ele não enfrentou de frente o problema, que no fundo remete à
questão: é possível no Brasil uma indenização essencialmente punitiva?

Função punitiva na Indenização Moral


Na prática, muitas das indenizações por dano moral que vemos na
jurisprudência são animadas pela punição, pois há uma confusão entre as duas
funções. Consequentemente, não raro misturam-se funções diversas que deveriam
levar a instrumentos diversos de arbitração indenizatória - a função punitiva e
preventiva.

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Problema 10
Há função punitiva da responsabilidade civil?

O problema, reiterando, é quanto à existência da indenização punitiva no direito


brasileiro, tomada de empréstimo dos sistemas anglosaxões. É interessante notar que
algumas legislações latinas e mais novas adotam o dano punitivo - recentemente se
alterou a legislação argentina do consumidor pra se admitir a indenização punitiva por
exemplo. Mas e o nosso sistema?
Para Aguiar Dias, prevenção e punição atuam de maneira conjunta na indenização.
Para o Godoy, essa tese de que essas funções se misturam não parece sustentável, uma
vez que os critérios para a fixação de indenização são distintos. Maria Celina Bodin,
em sua obra “Dano à Pessoa”, nega a possibilidade da indenização punitiva no Brasil,
mas ressalva graves hipóteses de danos morais coletivos em que ela não afastaria a
indenização.
Há dois principais argumentos contra a ideia da função punitiva do dano moral. O
primeiro, que é o pior argumento, baseia-se na ideia de que o direito civil não é
punitivo, não tem papel sancionatório. O problema é que o direito civil tem sim
inúmeras passagens em que é punitivo. Os artigos 419 e 440, por exemplo, que
estabelecem cláusula penal e a pena pra quem, de má-fé, cobra dívida não devida. O
art. 1258, parágrafo único, também nesse sentido, estabelece uma indenização
decupicada a título indenizatório a quem invade menos de 1/20 do terreno vizinho de
má fé (o cidadão pode se tornar dono, desde que pague o valor da terra invadida vezes
10, o que é no fundo uma punição). Tem punição até no direito sucessório: se um
herdeiro tem a posse de bens do de cujus mas não arrola no inventário, perde o direito
à herança daquele bem.
Ok, argumento falho então. O melhor argumento para negar a existência da função
punitiva, de fato, recorre ao princípio da legalidade: não há sanção sem lei anterior
que a preveja. Ora, não há, realmente, nenhum artigo no código que diga textualmente
que a indenização poderá ser também punitiva... mas e implicitamente?
Há um artigo que para alguns parece inviabilizar a ideia de indenização punitiva,
enquanto para outros parece corroborar com ela: o famigerado 944, que diz que a
indenização se mede pela extensão do dano. Essa celeuma levou à criação do
enunciado 379 do CEJ, que diz que o art. 944 não impede a admissão no direito
brasileiro.
Com base em que? Essa admissão fundamenta-se na renovada compreensão da ideia
de dano, que como vimos deixou de ser um dano meramente patrimonial que se mede
matematicamente. Numa concepção ampla do dano, portanto, haveria espaço pro dano
punitivo.
Admitindo o dano punitivo no Brasil, o que é bem problemático, ainda assim é preciso
não confundir a indenização punitiva com a preventiva. E mais, é preciso indicar qual
é o quantum dessa indenização - quem paga tem que saber, pra pelo menos poder
recorrer, quanto da indenização foi a título de punição e quanto de compensação. Não
dá pra mistura tudo sob égide de uma indenização única, até pelo princípio do
contraditório.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Nexo Causal
A questão mais difícil da RC é histórica: a questão do nexo causal. Este
envolve menos um problema jurídico e mais uma questão de fato, de acordo com a
doutrina de forma geral. O nexo causal liga o evento à conduta, de modo a
concluir-se que naquele caso o fato antecedente (conduta) foi o motivo de
ocorrência do fenômeno lesivo (dano).
A determinação do nexo causal visa à identificação de qual foi ou quais foram
as causas eficientes para a eclosão do evento danoso, o que pode ser difícil na
prática.

Causalidade

Suposta ou Coletiva ou
Simples Omissiva Múltipla
Alternativa Anônima
Nexo causal Nexo causal
físico normativo
naturalístico Nexo Causal
Plúrimo

Contribuição de várias
pessoas ao mesmo
tempo

Causalidade
Sucessiva

Contribuição de várias
causas diferentes

Causalidade Física Simples


O nexo causal físico naturalístico é simples: é o elo de causa e efeito entre a
conduta e o dano é simples. Por exemplo, se Caio dá um soco em Tício, a causa da
lesão sofrida é evidente, e é determinante do evento. Mas digamos que a
ambulância bate enquanto ele estava sendo levado ao hospital e ele sofre um
acidente. Ora, isso não teria acontecido se Tício não lhe tivesse deferido o soco,
mas isso significa que Tício é responsável também por essas lesões?

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Causalidade Omissiva ou Normativa


Além da causalidade simples e física, existe também a causalidade omissiva.
Ao contrário do que ocorre na primeira, do ponto de vista físico, uma omissão
tecnicamente não é causa de nada. Por exemplo, se o sujeito omite o socorro, ele do
ponto de vista físico não provoca nada, não dá gênese a nenhuma cadeia causal no
mundo material.

Mas então dá onde vem o nexo causal nessas hipóteses? A conduta omissiva
envolve outra questão, uma questão normativa, e não física. Estabelece-se um elo
com as providências que o sujeito tinha a obrigação de enfrentar. O elo, dessa
forma, se estabelece com a conduta que foi omitida, e não com a omissão em si. Se
estabelece, portanto, com o que juridicamente o sujeito tinha que fazer mas não
fez.

Essa conceituação levou à alcunha do termo causalidade normativa, que


busca expressar que o elo que se estabelece não é naturalístico, mas jurídico. A
causalidade normativa convive hoje com a causalidade física.
No casos de responsabilidade objetiva, o exame da causalidade muda:
determinados agentes vão responder não porque o dano tenha sido por eles próprios
causados do ponto de vista naturalístico, mas do ponto de vista normativo. Por
exemplo, o transportador que não entrega a correspondência na data certa por um
problema do carro. Haveria uma quebra da causalidade do ponto de vista físico, mas
do ponto de vista jurídico não, e consequentemente ele inclusive pode responder por
fortuito.

Sempre que se trabalha com responsabilidade por omissão trabalha-se com um


nexo de causalidade normativo.

Concausalidade
Quando a causalidade é simples não há problemas. O complicado é quando
nos deparamos com concausas, ou seja, casos em que mais de uma causa leva à
eclosão do resultado danoso. A questão que surge nessas hipóteses é: ok, são várias
causas, mas quais dentre esses antecedentes causais é o fato que podemos
considerar eficiente, necessário pra eclosão do evento danoso?

Cabe aqui fazer uma distinção. A concausalidade pode se manifestar por um


nexo causal plúrimo, o que significa que houve a contribuição de várias pessoas

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

no mesmo instante para a conclusão de um evento danoso. Nesse caso, quando o


ilícito é extracontratual, a responsabilidade é inclusive solidária.

O difícil é a concusalidade sucessiva, ou seja, quando verifica-se a


ocorrência de várias causas sucessivas de eclosão do evento danoso. Por exemplo,
Caio empresta uma arma pra Ticio, que empresta pra Mevio, que a larga num local
x onde Sempronia a encontra; Semprônia dá a arma pra Plutonio que finalmente a
usa pra atirar em Satúrnio. Quem é responsável? Se Semprônia não tivesse dado a
arma pra Plutônio isso não teria acontecido, mas também não teria acontecido se
Caio não tivesse emprestado a Tício. Isso torna Caio responsável?

Para esses casos de concausalidade sucessiva, a doutrina desenvolveu três


principais teorias: a teoria da equivalência de condições; a teoria da causalidade
adequada; e por fim a teoria da causalidade imediata.

1. Teoria da Equivalência de Condições;


Segundo essa teoria, derivada do direito penal, todas as condições
antecedentes à eclosão do evento danoso e que de algum modo, mais ou
menos intenso, tenham interferido na eclosão do dano são causas 4. No
exemplo da cadeia causal que culminou com o tiro em Satúrnio, todos seriam
co-responsáveis.

O problema dessa teoria é que, tomada literalmente, implica uma regressão


infinita do nexo causal, pois são inúmeros os fatos que poderiam ter
contribúido para a configuração do dano (no exemplo, se a arma não tivesse
sido fabricada o resultado danoso não se teria observado, isso significa que o
fabricante é também responsável?), e isso a torna insustentável.

2. Teoria da Causalidade Adequada;


Ao seguir essa teoria, o juiz faz um exame retrospectivo de eliminação nos
antecedentes causais, eliminando os fatos que não seria por si só eficientes
para a eclosão do evento danoso. Assim, não importa a ordem cronológica das
causas, o que importa é encontrar a causa que por si só foi eficiente para a
consecução do efeito danoso.

4O raciocínio lógico seguido para se determinar quais são essas causas dar-se-ia pela exclusão: se, ao eliminar-se
mentalmente uma determinada condição da cadeia de circunstâncias, o resultado danoso deixaria de concretizar-se,
então aquela condição foi causa, e, portanto, existe o nexo causal entre ela e o resultado. Por isso, é também
conhecida como teoria da conditio sine qua non.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

3. Teoria da Causalidade Imediata;


Para encontrar a causa que se liga ao resultado danoso de modo a ensejar a
responsabilização do agente, por essa teoria, fixa-se a última causa eficiente
pra eclosão do evento danoso. Aqui, portanto, importa a ordem lógica e
cronológica das causas. Afinal, o juiz deve identificar na cadeia causal o
último evento determinante pra conclusão do dano. Quem sustenta essa tese
vale-se do art. 403 do Código, que utiliza o termo "direito direto e imediato"5 .

Alguns autores criticam essa teoria dizendo que esse artigo só se aplica para
casos de inexecução contratual, mas isso é um equívoco porque o artigo está
na parte geral.

No direito brasileiro, alguns autores sustentam que a tese adotada é a


causalidade adequada e outros a imediata. Mas, o fato é que as três teorias são
insuficientes quando consideradas individualmente. O que deve ser feito com o
objetivo de identificar o elo causal é a análise de fato levando em consideração
elementos que as três teorias dão.

Equivalencia
Verificação todos os fatos
1 que condicionaram a
eclosão do evento danoso.
Adequada
Verifica-se quais dessas Imediata
condições são causas Por fim, verifica-se se houve
2 eficientes. algo que interrompeu o nexo
causal entre a causa e o
resultado danoso.
3

Nessa retrospectiva causal, portanto, identifica-se primeiro as condições, tudo


que contribuiu para o evento; depois, quais dessas de fato desencadearam o evento
danoso; e por fim: investiga-se se houve algo que interrompeu o nexo.

5 Segundo o art. 430, “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os
prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual.”

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Interrupção do Nexo Causal


Há um acórdão6 do Moreira Alves do resolveu um caso emblemático de
causalidade sucessiva. No caso, alguns presos do Paraná, por conta de uma falha na
segurança, conseguiram fugir. Passaram-se alguns meses, e eles se reorganizaram
com outros criminosos e assaltaram uma joalheria. A vítima propôs uma ação contra
o Estado dizendo que tinha sofrido o dano por causa da falha de segurança.

Sucede que, conforme o desdobramento fático havido depois da fuga, a ação


poderia ser procedente ou não. Se o assalto tivesse acontecido simplesmente depois
da fuga, sem qualquer acréscimo de fatos novos aos antecedentes causais, o Estado
seria responsável. Mas parece nesse caso ter acontecido a interrupção do nexo,
uma vez que fatos subsequentes se interpuseram na cadeia causal, de modo a
romper a força da causalidade dos fatos antecedentes. o STF entendeu que pelas
características de fato, entre a falha e o assalto, fatos outros independentes do
primeiro se juntaram, interrompendo portanto o nexo causal.

Num outro caso7 , julgado no STJ, uma mulher foi arrebatada de um


estacionamento de supermercado e morta. Seus sucessores pleitearam dano reflexo
contra o supermercado, que se defendeu sob a égide a interrupção do nexo causal. O
STJ, porém, negou essa defesa, determinando a responsabilidade do supermercado
portanto.

O que importa, para a configuração da interrupção, é verificar a ocorrência de


fatos subsequentes que ter-se-iam interposto naquela cadeia causal, tornando
remoto o fato primeiro como determinante para a conclusão do resultado danoso. A
causa eficiente passa a ser outra completamente desligada da anterior.

Há, ainda, um outro julgado8 , que tratou do caso de uma mulher que foi
arrebatada de noite no banco, extorquida e violentada. Propôs, por isso, uma ação
de indenização contra o banco pelos danos pessoais que havia sofrido: além do dano
físico, o dano moral. Entrou em relevo a discussão sobre a interrupção do nexo.

O fundamental pra haver rompimento do nexo causal é que os fatos


subsquentes sejam desligados do primeiro fato. Assim, o fato subsequente pode
ser próximo do primeiro fato, mas não ser consequência lógica dele. Caso
contrário, o primeiro fato permanece na cadeia causal de maneira eficiente. Para

6 RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.


7 STJ Resp. n. 419.059.
8 Apelação 033.2770-61 de 2009.

31
Responsabilidade Civil Giselle Viana

que o primeiro fato permaneça na cadeia, o último não precisa nem ser uma
conseqüência natural dele, basta que tenha sido por ele favorecido.

Nesse último caso, não se pode negar que o arrebatamento favoreceu o evento
danoso. Então, na opinião do Godoy, não teria havido interrupção do nexo.

Por fim, pra não deixar de fora a doutrina, na obra “O Problema do Nexo
Causal”, de Gisele Sampaio da Cruz, há uma profunda análise dessas questões.
Acerca da interrupção, a autora dá o exemplo de Pereira Coelho: um caminhão bate
numa casa afetando suas fundações e, posteriormente, um vento forte a derruba. A
que se deveu a queda da casa? O ciclone não é conseqüência necessária da batida,
óbvio. Mas o resultado (queda da casa) do fato 2 (ciclone) foi favorecido pelo fato 1
(batida), que por sua vez causou o abalo das estruturas da casa. Diante disso, o
autor defende que não haveria interrupção, pois o primeiro fato favoreceu o efeito
mais danoso do segundo.

Causalidade Suposta ou Alternativa

Problema 11
E se for impossível identificar o certo dentre os possíveis responsáveis?

Imaginemos que Caio e Ticio vão caçar, separadamente. Por coincidência, foram caçar
no mesmo lugar, com o mesmo tipo de arma e munição. Por mais coincidência ainda,
atiram ao mesmo tempo e um deles atinge uma pessoa que estava passando. Partindo-
se da premissa de que no caso concreto não foi possível demonstrar quem atirou no
sujeito, se era da arma de Caio ou Tício, mas que era certo que foi um dos dois... o
que fazer? Ninguém responde, afinal não se provou o nexo causal? Respondem os
dois, e um vai ter que pagar pelo que não fez?
Transportado esse exemplo pra outro contexto menos hipotético, há o caso do vaso
que caiu do edifício Copan na cabeça de um transeunte. Quem responde: o dono da
unidade por onde o vaso foi atirado. Mas e se não se identificar de qual unidade caiu?
Por vezes não há como se provar de qual unidade caiu, mas há como provar que caiu!
A jurisprudência passou da ideia de irresponsabilidade nesse caso, para a ideia de
responsabilidade do condomínio, e hoje traz ideia de responsabilização das unidades
de onde poderia ter caído.

32
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Causalidade Coletiva ou Anônima


Há determinados grupos não institucionalizados, mas com certa estabilidade,
que produzem danos a terceiros.

Por exemplo: no raxa, responsabiliza-se o sujeito que causou o acidente.


Entretanto, as vezes não é possível identificar exatamente quem foi o cidadão.
Diante disso, questiona-se: se é possível identificar o grupo, que é constante, é
possível responsabilizar o grupo?

Outro exemplo é o de um grupo relativamente estável de torcedores não


institucionalizados que causam danos. Se o prejudicado identificar quem causou o
dano, pode propor uma ação de indenização contra. Mas e se não identificar?
Derivando da causalidade suposta ou alternativa, hoje se tem a ideia de que se
pode responsabilizar grupos estáveis mas não institucionalizados que têm
atuação danosa repetitiva.

Culpa
A culpa só faz sentido dentro da ideia de responsabilidade subjetiva, sendo
seu nexo de imputação e elemento nuclear.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão Art. 927. Aquele que, por ato ilícito
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e (arts. 186 e 187), causar dano a
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente outrem, fica obrigado a repará-lo.
moral, comete ato ilícito.

De acordo com o art. 186, a culpa pressupõe um comportamento voluntário.


Diante dessa exigência legal, a ideia de culpa e de responsabilidade civil subjetiva é
incompatível com os chamados atos reflexos, isto é, atos praticados em estado de
sonambulismo, de hipnose e outros estados de consciência.

A culpa traduz um comportamento contrário ao direito, a violação de um


dever preexistente por um comportamento voluntário. Pouco importa que a violação
decorre de dolo ou de culpa em sentido estrito: quando falamos em responsabilidade
civil subjeitva, falamos de culpa lato sensu.

33
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Dolo
A distinção entre o dolo e a culpa reside na intenção, que é o elemento
finalístico da vontade. Intenção, logo, é a vontade dirigida para um fim
predeterminado. A perquirição da intenção volta-se para o agente: quando o agente
age com dolo, ele projeta, antevê, e persegue o resultado danoso.
Ademais, no dolo, a conduta já nasce ilícita. O juízo de desvalor incide sobre
a própria conduta, que é ilícita desde sua origem. Isso porque o agente causador
projetou o resultado, e conscientemente dirigiu sua vontade ao encontro do evento
danoso. É uma infração consciente do dever jurídico.

A culpa lato sensu é uma violação voluntária de um dever jurídico


preexistente. No dolo, essa infração é intencional, consciente, e na culpa em sentido
estrito não.

São dois os elementos do dolo, portanto: a representação do resultado e a


consciência da ilicitude desse resultado.

Comportamento
voluntário Representação
do resultado
antijurídico
Previsibilidade
Culpa Dolo
Consciência da
Violação de um ilicitude desse
dever de cuidado Desvalor Desvalor
resultado
incide incide
objetivo
sobre o sobre a
resultado conduta

Culpa em sentido estrito


Ja na culpa a conduta nasce lícita. O agente não antevê o resultado, ou se
antevê não o tolera, não compactua com ele, não dirige sua conduta à consecução
desse resultado. Por isso, na culpa strito sensu o juízo de desvalor não incide sobre
a conduta, mas sobre o resultado, o efeito desse desvio de conduta. A infração do
dever pré-existende não é consciente, decorre da falta de cuidado, de atenção, etc.
A culpa, portanto, se caracteriza por um erro de conduta. A previsibilidade é o

34
Responsabilidade Civil Giselle Viana

limite mínimo da culpa - o resultado tem que ser previsível, mesmo que não tenha
na prática sido previsto pela agente.

Dever Objetivo de Cuidado


É um princípio ético não causar dano a outrem. Por isso, todo homem deve
atuar com cautela, para que sua conduta não resulte em lesão a bens jurídicos
alheios. Essa atenção, essa cautela, é o que chamamos de “dever de cuidado
objetivo”.

O dever de cuidado objetivo não contempla apenas a escolha da melhor


conduta, ou seja, o comportamento mais adequado na direção do cumprimento do
dever de cuidado. De fato, o dever de cuidado também abrange a capacidade, a
aptidão do agente.

Dever
de
Cuidado
Escolha da Melhor Habilidade do
conduta agente

Escolha equivocada de Falta de conhecimento


comportamento específico exigido
violação

A contratio sensu, a violação do dever de cuidado pode estar associada tanto a


uma escolha equivocada de um comportamento, que enseja a lesão a um bem
jurídico alheio, quanto à falta de habilidade do agente.

Por exemplo, um médico especialista faz um procedimento alheio à sua


especialidade, mas que é o procedimento certo para o caso, como um obstetra que
realiza uma cirurgia de ortopedia - ele sabe a melhor conduta, sabe que para aquele
caso a intervenção que precisa ser realizada é a cirurgia X, mas não tem o expertise
para realiza-la. E essa falta de conhecimento específico é suficiente para
caracterizar a violação ao dever de cuidado. Aquele que não tem as habilidades
exigidas deve abster-se de praticá-la - se a pratica, age com culpa e é responsável.

35
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Observe-se que, na prática, há uma certa dificuldade na aferição do erro de


conduta na violação de um dever objetivo de cuidado.

Evolução Histórica
Assim como a própria responsabilidade civil evoluiu com o tempo, a ideia de
culpa sofreu algumas alterações, sobretudo com a passagem do estado liberal para o
estado social.

Estado Liberal
No contexto do liberalismo, a culpa tinha uma dimensão marcadamente
axiológica. O dever objetivo de cuidado era pautado por uma avaliação moral e
subjetiva da conduta individual. Assim, seu exame se dava em concreto: pela
investigação das características do agente, sua intenção, etc.

Essa aferição do erro de conduta por meio de uma avaliação psicológica da


culpa é um traço característico das sociedades individualistas - e seus respectivos
códigos civis - do século XIX. Qual a razão disso?
O contexto do Estado liberal é o contexto do protagonismo da autonomia da
vontade. Nesse sentido, imperava no campo contratual o princípio da autonomia
privada, da relatividade dos efeitos contratuais e a força obrigatória dos contratos.
Essa liberdade, tão desejada pela burguesia, tinha um viés patrimonialista: era pela
liberdade contratual que a burguesia pretendia enriquecer.
De fato, a grande preocupação que permeava a época era com o progresso
científico, o desenvolvimento econômico. Como o século XIX marca a passagem
para a sociedade industrial e a ascensão da burguesia, o ideário naturalmente estava
voltado nesse momento para o desenvolvimento econômico, a circulação de riqueza.

Nesse contexto, a responsabilização civil era considerada um entrave ao


desenvolvimento, e como tal precisava ser limitada. Para fomentar o progresso
científico e tecnológico, era necessário portanto uma visão mais restrita da
responsabilidade civil, e por conseguinte da culpa, que era encarada como um limite
à autonomia privada.

Nesse contexto, a culpa assume uma concepção principiológica - avalia-se o


dever de conduta à luz do caso concreto.

36
Responsabilidade Civil Giselle Viana

No entanto, com o avanço da sociedade industrial, a massificação da


produção, a automatização das industrias e a disseminação dos danos, fez-se mister
um novo modelo de responsabilização que correspondesse às novas prioridades
sociais. Essa transformação histórica, própria do século XX, é marcada pelo
advento tanto da constituição mexicana quanto da alemã, que identificam o
surgimento do estado social.

Estado Social
Com o avanço científico, a difusão dos danos anônimos e inevitáveis, e o
surgimento do Estado social, o direito civil teve que moldar-se aos novos valores
em jogo. Assim, aqueles princípios liberais foram relativizados, com o surgimento
dos princípios da boa-fé objetiva, da equidade e da força social do contrato.
No campo da responsabilidade civil, o nascimento do Estado social marca a
passagem de uma concepção psicológica da culpa para uma concepção normativa:
a culpa se objetiva. O foco que antes era sobre o agente, o empresário, passa a ser a
vítima.

Dentro de uma sociedade industrial, no contexto de massificação da produção


fica muito difícil identificar o causador do dano, que passam a ser anônimos,
aparecendo mais em estimativas que como pessoas concretas. Nesse contexto muda-
se o foco, que passa a ser a reparação de danos injustos. O protagonismo passa a
ser da justiça social, da solidariedade. Essa última, observe-se, é inclusive
fundamento da república do Brasil, e fundamenta a ideia de culpa objetiva.
Nesse cenário, como aferir o erro de conduta? A partir de um juízo normativo
e comparativo entre a conduta concreta e um modelo abstrato de comportamento.
Para isso, estabelecem-se standarts - modelos de comportamento - pelos quais
abstratamente se idealiza as condutas esperadas para cada circunstência. Uma vez
criado esse padrão em abstrato, faz-se um juízo comparativo com a conduta
concreta, concluindo-se se ela foi adequada ou não.

A análise da violação do dever de cuidado no Estado social, portanto, é uma


aferição pautada por um juízo comparativo, o que é um critério de objetivação da
responsabilidade civil.

Com a ideia de culpa normativa, evita-se o subjetivismo, na medida em que


não há uma preocupação com o que o agente previu, se ele previu e tolerou, se ele
quis o resultado ou não quis, etc. Normatizada a culpa, pouco importa se o agente
agiu com dolo ou culpa - o que importa é a realização de juízo comparativo entre o

37
Responsabilidade Civil Giselle Viana

modelo abstrato ideal e conduta concreta, e se há entre eles um descompasso há


culpa, e consequentemente responsabilidade civil.

Atualmente
Desde o surgimento do estado social, portanto, observamos em geral uma
progressiva objetivação da responsabilidade civil. O dado novo da atualidade é a
crescente pluralidade social.
Numa sociedade plural, multifacetada, há uma fragmentação dos modelos
abstratos de conduta: não há um único a servir de parâmetro para as condutas
concretas. Os modelos de conduta são múltiplos, e levam em consideração a
atividade na qual se deu o evento lesivo, as circunstâncias pessoais e
socioeconômicas dos atores envolvidos, etc. Para as mais diversas situações são
utilizados parâmetros de conduta específicos e diferenciados. Assim, não há mais
um único padrão ético de conduta: o modelo não é mais o bonus pater famielies,
pois este não comporta a pluralidade da realidade moderna.

Estado Liberal
Concepção
principiológica e Estado Social
psicológica da culpa. Concepção normativa da
Análise moral e culpa. Atualmente
subjetiva da conduta Comparação entre Sociedade multifacetada
concreta. conduta concreta e e consequente
Foco: empresário ideal: boa-fé objetiva. fragmentação dos
Foco: reparação de modelos de conduta.
danos injustos. Parâmetros e critérios
diferenciados para cada
situação.

38
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Classificações

Imperícia, negligência e imprudência;


São exteriorizações de condutas culposas. Na imprudência há uma conduta
comissiva. Um motorista que conscientemente conduz seu veículo acima da
velocidade limite, por exemplo, age de forma imprudente.

A negligência, por sua vez, é uma conduta omissiva. Assim, o motorista que
não se atenta ao cuidado exigido, em relação à manutenção dos freios por exemplo,
age de forma negligente.

Já a imperícia consiste na falta de habilidade no exercício de uma atividade


técnica. Um motorista por exemplo que não tem habilitação e conduz mal seu
veículo, ocasionando um acidente. Falta-lhe conhecimentos e habilidades técnicos
específicos para exercício de uma atividade técnica.
Essas não são bem classificações da culpa, mas exteriorizações de condutas
culposas. Demonstram erros de conduta, violações do dever objetivo de cuidado, e
não existe entre elas uma gradação de culpa.

Culpa grave, leve e levíssima;


São classificações da culpa quanto à sua intensidade: a culpa grave é a
imprudência extremada. A culpa leve é a falta de atenção ordinária, que era
exigida do agente no caso. A culpa levíssima é a falta de uma atenção
extraordinária, uma habilidade especial.

A culpa grave se aproxima muito do dolo. É a culpa consciente do direito


penal. O que acontece é que o agente antevê o resultado antijurídico mas não
tolera seu acontecimento.

39
Responsabilidade Civil Giselle Viana

intensidade da culpa

Levíssima Leve Grave Dolo

Culpa strito sensu

Culpa lato sensu

Durante muito tempo essa classificação foi irrelevante para fins de


responsabilidade subjetiva. Isso porque, desde a Lex Aquilia, sempre se entendeu
que a culpa levíssima já era suficiente para gerar a obrigação indenizatória. De fato,
a indenização - de acordo com o art. 944 - se mede pela extensão do dano. Nesse
sentido, pouco importa a intensidade da culpa, pois o critério é o dano. O dano
advindo de uma culpa grave pode ser insignificante, e não pela intensidade dessa
culpa a indenização será maior.
Essa irrelevância da gradação da culpa é um traço que distingue a
responsabilização civil da penal. No campo penal, a culpa é relevante, pois nem
toda conduta culposa gera responsabilização penal (só as previstas). Ademais,
importa também na medida em que é determinante para a fixação em abstrato da
pena, e também para a dosimetria, isto é, a fixação da pena em concreto.
Todavia, essa classificação hoje é potencialmente relevante no próprio direito
civil. Dispõe o parágrafo único do art. 944 que quando houver uma grave
desproporção entre o dano e a culpa, pode haver uma redução equitativa da
indenização:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e
o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

As três diretrizes do código civil são a eticidade, a socialidade e a


operabilidade (definidas pelo Miguel Reale). O princípio da eticidade traz ínsita a
ideia de equidade, de justiça. Ora, não é razoável transferir por completo a

40
Responsabilidade Civil Giselle Viana

desgraça dos herdeiros da vítima para o causador do dano que agiu com uma culpa
levíssima, por exemplo. Por isso, por um imperativo de equidade, inseriu-se no
código esse parágrafo único, que prevê a possibilidade excepcional de uma redução
equitativa da indenização.

Claro que se o causador tiver condições financeiras de financiar, não é


preciso reduzir. Excepcionalmente há um espaço para a redução equitativa, mas
essa pressupõe a desproporção, e deve levar em conta o princípio da equidade e a
não transferencia da desgraça de uns para outros.

Observe-se, ainda, que há um direito subjetivo a essa redução equitativa,


desde que presentes os pressupostos. Não fica à mera discricionaridade do juiz,
portanto.

Problema 11
Há redução equitativa quando o dano é moral?

Essa redução é aplicada em caso de dano moral? Não, pois no dano moral não há um
ressarcimento de dano, mas uma compensação por um dano extrapatrimonial. Ela é
arbitrada judicialmente, e não medida pela extensão do dano.
Isso, todavia, não significa que o ressarcimento por dano moral não leva em
consideração esse tipo de desproporção entre culpa e dano. Afinal, para fins desse
arbitramento, leva-se em conta vários critérios, e dentre eles a culpa do agente, e
também a condição socioeconômica da vítima e do agente, a reprobabilidade da
conduta, etc.
Dizer que o 944 não se aplica ao dano moral não implica uma repercussão negativa ao
agente, pois sua culpa já será valorada no momento do arbitramento da compensação
financeira.

Culpa Concorrente
A culpa concorrente vem tratada no art. 945 do código. Para a ocorrência do
dano a vítima colaborou, concorreu. Isso ocorrendo, haverá uma minoração da
indenização. Mais uma vez, é o princípio da eticidade inspirando a solução do caso
concreto: primeiro pela incorporação dessa norma no código civil, e posteriormente
na aplicação no caso concreto.

41
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano.

É melhor falar em concorrência de causas. A vítima pode ter sido negligente,


imprudente, mas se a sua conduta não colaborou para o dano pouco importa. Ou
seja, só se a vítima cooperou para a eclosão do resultado jurídico verifica-se a culpa
concorrente.

Efeito
Uma vez verificada a culpa concorrente da vítima, o que acontece? Uma
corrente afirma que o efeito é o compartilhamento na mesma proporção dos
prejuízos (meio a meio do valor indenizatório). Essa seria a solução mais coerente
se partirmos do pressuposto de que o que importa é só a extensão do dano, e não a
intensidade da culpa.

Mas a solução entendida pela doutrina e pela jurisprudência tem sido


diferente. A tendência é, no caso da culpa concorrente, considerar a intensidade da
culpa relevante. Se por exemplo provar-se que a conduta da vítima concorreu mais
para o dano que a do próprio agressor, a indenização será menor e proporcional à
sua colaboração 9. Contudo, se não for possível aferir a intensidade da culpa de cada
um, aí sim a vítima terá a indenização correspondente à metade do prejuízo.

Princípio da Culpa Provada e da Culpa Presumida


No estado liberal vigorava o princípio da culpa provada. Não bastava a
conduta culposa, era preciso que a vítima provasse que o agressor agiu
culposamente. Esse princípio vigorou nos códigos civis liberais, e sua razão de ser
era a proteção do empresário, que como vimos permeava o espírito da época. Com a
passagem para o estado social, o princípio da culpa provada acaba se tornando uma
diretriz vocacionada para a injustiça: para o não ressarcimento de danos injustos.

Dentro do quadro de evolução da responsabilidade civil no sentido da sua


progressiva objetivação, houve o esvaziamento do princípio da culpa provada, com

9Percebe-se, aqui, uma mitigação daquela visão segundo a qual a intensidade da culpa é irrelevante. Outro aspecto
dessa mitigação é o caso do parágrafo único do 944, que trata da redução equitativa no caso de desproporção.

42
Responsabilidade Civil Giselle Viana

o estabelecimento da culpa presumida (isso além daquela questão da conceituação


psicológica de culpa etc). A doutrina e a jusrisprudência passaram a observar em
algumas situações a culpa presumida do agente, cabendo a este provar sua não
culpa.

Um caso de culpa presumida era a responsabilidade por danos causados por


animais. Inicialmente, a vítima tinha que demonstrar a culpa do agente. À época do
código de Bevilaqua, a interpretação da jurisprdência foi no sentido de que nesses
casos já presume-se a culpa, e se o agente não provar sua não culpa a indenização já
está assegurada. Essa presunção vigorava também nos casos de responsabilidade
dos pais e dos empregadores.
No caso do empregador em relação ao empregado, contudo, a jurisprudência
foi além e estabeleceu uma presunção absoluta de culpa, e não relativa. Hoje a
responsabilidade nesses casos é objetiva.

Nesse processo de objetivação, portanto, está o estabelecimento de presunções


de culpa. Esse estabelecimento está dentro de uma mudança de ótica, própria da
passagem do Estado liberal para o social. Hoje, portanto, não há mais o
protagonismo da responsabilidade civil subjetiva: temos dois modelos distintos,
sem relação hierárquica entre si.

Responsabilidade Objetiva
Na responsabilidade subjetiva, ao nexo de causalidade agrega-se um elemento
que qualifica a conduta, isto é, a culpa.

A responsabilidade civil objetiva se estabelece independentemente de culpa, o


que a retira da discussão no caso concreto. Nesse sentido, se o agente tem uma
responsabilidade objetiva, é irrelevante discutir se ele agente agiu com imperícia,
negligência, etc. No caso de responsabilidade objetiva, se o réu quiser fazer prova
da não culpa, o juiz deve indeferir essa produção de prova, portanto.

Nexos de Imputação
Grosso modo, a responsabilidade civil objetiva é uma responsabilidade civil
independente de culpa. Há situações portanto em que é suficiente a mera
causalidade entre a conduta e o dano para que se configure o dever de indenizar.

43
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Mas isso não significa necessariamente que ela sempre dispense qualquer nexo de
imputação. Pode haver, com efeito, exigência de um nexo de imputação especial
(diferente da culpa, obviamente) e isso sem que a responsabilidade deixe de ser
objetiva.

Por exemplo, na responsabilidade civil por dano ambiental, o agente poluidor


fica obrigado a ressarcir bastando que se demonstre o nexo de causalidade entre sua
conduta e o resultado danoso. A responsabilidade se dá portanto pela causalidade
pura, que dispensa qualquer nexo de imputação que se agregue a ela para que faça
nascer a obrigação de reparar. É assim também na responsabilidade civil do Estado
por atos comissivos. Alguns autores chamavam esses casos de responsabilidade
objetiva agravada.

Responsabildiade
Culpa
Conduta Subjetiva

Nexo de Responsabildiade
Causalidade Objetiva Agravada

Risco
Dano defeito Responsabildiade
etc.
Objetiva

Em outros casos, como mencionado, apesar de não exigir a culpa, o legislador


exige outro nexo que se agregue à causalidade para gerar a obrigação de ressarcir.
Observe-se que continua sendo caso de responsabilidade civil objetiva, afinal
prescinde da culpa. Esse critério pode ser, por exemplo, o risco, a vigilância, a
segurança, etc.
Por exemplo, no CDC, os artigos 12, 14, 18, e 20 textualmente estabelecem
uma responsabilidade objetiva afeta ao fornecedor10 . Na responsabilidade civil
consumerista, portanto, o fornecedor responde independentemente de culpa, mas
isso não significa que basta ao consumidor provar o nexo de causalidade entre o

10 A não ser que seja um profissional liberal, pois nesse caso volta-se a exigir a culpa. O pressuposto é de que a
contratação de profissionais liberais são pessoais, se estabelecem com base na confiança, e por isso é menos
rigoroso. Mas se, por exemplo, contrato uma empresa de prestação de serviço médico, voltar-se-ia à
responsabilidade civil sem culpa.

44
Responsabilidade Civil Giselle Viana

dano e o fornecimento daquele produto ou serviço - é preciso, com efeito,


demonstrar a existência de defeito. O defeito, portanto, é o critério que se agrega
necessariamente ao nexo de causalidade para determinar a obrigação ressarcitória
do fornecedor.

Saliente-se, portanto, que apesar de ser uma lei tutelar, o CDC não se contenta
com a causalidade pura! A causalidade deve ser qualificada por um nexo de
imputação, que no caso é o defeito. Assim, dispensa-se a culpa mas exige-se o
defeito como critério de imputação.

Mas o que é defeito? Defeito é uma falta de qualidade do produto ou serviço.


Essa falta de qualidade pode ser ou do ponto de vista da segurança esperada (dá-
se, nesse caso, o chamado “fato do produto ou do serviço”, previsto nos arts. 12 e
14) ou da prestatividade (caso de “vício do produto”, de acordo com os arts. 18 e
20).

Cláusula Geral de Responsabilidade Objetiva


Como vimos, a responsabilidade objetiva representou um ponto do processo
evolutivo da responsabilidade civil. Hoje temos no código civil casos de
responsabilidade sem culpa, e mais do que isso, do mesmo modo que há uma
cláusula geral de responsabilidade subjetiva, há uma de responsabilidade sem culpa,
consagrada parágrafo único do art. 927:

Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de


reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade 1
2 normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Esse artigo prevê duas hipóteses de responsabilidade independentemente de


culpa:

A) Nos casos previstos em lei: seja em lei especial (responsabilidade do


Estado, dano atômico, ambiental, etc.) ou no próprio código civil, tratados de
maneira pontual (responsabilidade por fato da coisa por exemplo).

45
Responsabilidade Civil Giselle Viana

B) Nos casos de atividade de risco: aqui se afigura a consagração da cláusula


geral. É o caso em que a atividade normalmente desempenhada pelos agente,
por natureza induz a um risco aos direitos de outrem, ao interesse alheio.

Vamos analisar os elementos dessa cláusula:

1. Atividade;
Muitos extendem a noção desse dispositivo pra aplicar a casos que são de
enorme risco, que envolvem um imenso perigo, mas que não envolvem uma
atividade.
Por exemplo, Caio dá uma carona a Tício, mas sofre um acidente durante o
trajeto - é atingido por outro carro que passou no sinal vermelho. Caio não teve
culpa, e ambos se machucam e querem propor uma ação de indenização. Podem
propor uma ação contra o motorista do outro carro - para isso, o título jurídico de
que vão se valer é a responsabilidade civil subjetiva (afinal, ele atravessou no sinal
vermelho!). Mas Ticio não pode processar Caio sob o fundamento de ele ter dado a
carona, exercendo um ato de grande risco, uma vez que dirigir um automóvel
realmente envolve um risco diferenciado. Ele não pode fazer isso porque ato não se
confunde com atividade, e a cláusula geral do 927 exige a atividade.

Mas como definir atividade? Atividade pressupõe, em primeiro lugar, a prática


de vários atos repetidos. Contudo, não basta isso para que se configure uma
atividade, é preciso também que esses atos se interrelacionem de forma a
voltarem-se à consecução de uma atividade última.

Por exemplo, eu outorgo um mandato pra Tício vender um imóvel em meu


nome. Ao vender o imóvel, Ticio praticou um ATO. Se, em outra hipótese, outorgo
um mandato pra que ele venda 20 imóveis, são só 20 atos, porque eles não se
interrelacionam para a consecução de um objetivo único.

Agora, se outorgo uma procuração pra que ele administre meu patrimônio, o
que ele fará é uma série de atos coordenados entre si e voltados para um objetivo
único: a administração do meu patrimônio. Estará, portanto, realizando uma
atividade.Esse conceito de atividade suscita algumas questões. Em primeiro lugar,
essa atividade precisa ser lucrativa? Há quem entenda que sim... há quem entenda
que não. Veremos isso depois.

46
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 12
Responsabilidade do 927 e do CDC: diferentes nexos de imputação

Ora, mas se para atrair a incidência da responsabilidade consumerista o produto


necessariamente deve ostentar defeito, e para a responsabilidade civil não, isso não
tornaria inútil o CDC? É verdade que o código civil pode conter disposições melhores
para o consumidor que o próprio CDC, e nesses casos ele que vale... mas é um desses
casos?
O problema é que o código civil também exigiu um nexo de imputação, só que diferente
do CDC - o risco.
Na prática, isso deu uma alternativa a mais para o consumidor, que pode ser melhor
conforme o caso.
Alguns autores, por outro lado, sustentam que tem que ter defeito porque enxergam no
parágrafo único do 927 o fato de serviço.
Outros sustentam que além de não precisar de defeito, é hipótese de causalidade pura.

2. "Normalmente";
O que é indiscutível é que a atividade que pode atrair a aplicação do parágrafo
único do 927 é uma atividade lícita. Ora, se a atividade foi ilícita ficamos no caso
geral da responsabilidade subjetiva.

A premissa dessa assertiva é a possibilidade de responsabilização derivada de


uma conduta lícita. Hoje no nosso sistema a responsabilidade civil, de fato, não se
estabelece somente diante de um ilícito: mesmo um ato lícito pode gerar dever
indenizatório. Por exemplo, se alguém me ameaça e eu me defendo, estou agindo de
maneira lícita. Se no exercício da legítima defesa eu causo um prejuízo a quem me
ameaça, não preciso indenizar, portanto. Porém, se causo dano a um terceiro, tenho!
Nesse caso eu teria que indenizar mesmo tendo realizado um ato lícito. Aqui,
analogamente, há indenização mesmo que a atividade seja lícita.

Mesmo em face de uma atividade ou ato lícitos pode haver obrigação de


indenizar, portanto. O fundamento dessas indenizações é a equidade, que levou o
legislador a opções discricionárias no sentido de atribuir a obrigação de indenizar
mesmo em situações em que o responsável não agiu com culpa.

47
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Normalmente

Licitude Habitualidade

Ausência de
defeito

O segundo significado que podemos depreender do "normalmente" é a


habitualidade. A expressão “normalmente desenvolvida” portanto traria o sentido
de alguém que habitualmente exercita essa atividade.

A ideia subjacente a esse dispositivo é a de que quem tira proveito do


exercício habitual de atividade que causa prejuízo aos outros deve indenizar.
Esse “normalmente” tem ainda um terceiro significado - além de lícita e
habitual pode-se entender que é uma atividade desempenhada sem defeito. Isso
distinguiria essa responsabilidade da expressa no CDC. No entanto, mesmo que
prescinda do defeito, ainda assim não é uma hipóteses de causalidade pura, pois
ainda tem o terceiro elemento (o risco).

3. Risco;
O artigo define as atividades por ele abrangidas como aquelas que por sua
natureza implicam risco aos direitos de outrem. Mas que risco é esse?

A teoria do risco no direito civil e particularmente na responsabilidade é o


produto de um desenvolvimento intenso que teve início no séc. XIX. Desde então o
risco tem sido estudado, e consequentemente comporta inúmeras variantes. Nessa
tipologia do risco, sempre permeia o debate a pergunta: que risco, na sua
multifacetária apresentação, é esse?

O desenvolvimento da teoria do risco é atribuído geralmente a dois autores,


que invocaram a questão do risco para discorrer sobre o mesmo evento: a explosão
de uma máquina que lesionou seus operadores. A máquina era nova, estava
conservada, então não houve culpa. Mas não parecia justo que os trabalhadores

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

quedassem irressarcidos. Houve, portanto, a necessidade de se encontrar outro nexo


de imputação além da culpa, por um imperativo de equidade.

A partir daí se desenvolveu a ideia de que algumas pessoas devem responder


não porque tenham culpa, mas porque desenvolvem uma atividade de forma a criar
risco ao direito de outrem. A ideia fundamental desse dispositivo é de risco criado.
Desde então essa ideia do risco se desenvolveu muito, com a identificação de várias
modalidades de risco.

1. Risco Integral e Risco Mitigado;


Muitos autores sustentam que risco integral diz respeito a casos de
responsabilidade civil sem culpa e nos quais não se admite excludentes. Para
esses autores, risco mitigado, por outro lado, diria respeito aos casos
responsabilidade civil em que se admitem excludentes. MAS NÃO É ISSO!

Há alguns excludentes que envolvem a própria quebra do nexo de


causalidade. Não dizem respeito, portanto, ao nexo de imputação, mas ao
estabelecimento do nexo causal, que é uma questão prévia e essencial da
responsabilidade civil, por ligar a conduta ao dano. Mas então qual seria o
caso de risco integral em que não se admitem excludentes?

Ao ver do Godoy, risco integral são casos de causalidade pura, em que o


legislador estabelece uma obrigação de ressarcir independentemente de nexo
de imputação. Basta, nesses casos, o nexo causal entre conduta ou dano. Isso
porque o legislador já escolheu aquela atividade como causa per se geradora
de responsabilidade civil. Mas acontece que mesmo nesses casos cabe
excludente.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 13
Risco do 927: integral ou mitigado?

Estabelecemos então que risco integral remete à causalidade pura, enquanto o risco
mitigado não. Mas a questão agora é: e o risco mencionado no 927, é o integral ou o
mitigado?
Na opinião do Godoy, não é caso da causalidade pura. O pior argumento a favor desse
entendimento é a constatação de que as hipóteses de causalidade pura precisam estar
especialmente dispostas, porque são sempre excepcionais no sistema. Outro argumento,
melhor, é que a própria referência que a lei fez à exigência de um risco a rigor já afasta a
hipótese de ser causalidade pura.
Toda atividade envolve um risco. Se fosse pra dizer que era uma hipótese de causalidade
pura, bastava que o legislador dissesse que quem exerce uma atividade responde pelos
danos por ela causados. Mas não, ele explicita que deve haver risco, qualificando a
atividade portanto.

2. Risco Defeito;
A ideia de risco defeito demonstra uma tentativa de trazer um paralelo perfeito
entre o código civil e o CDC, exigindo-se a existência de um defeito. Já
falamos sobre isso.

3. Risco Empresa;
Alguns autores sustentam que esse risco de que o 927 trata é o risco
profissional ou empresarial, que junto com o risco administrativo forma uma
espécie de tríade de atividades profissionais em sentido amplo e que geram
risco e que portanto devem gerar a responsabilidade civil para as pessoas que
as exercem.

Quem defende isso toma por base a origem sociológica do dispositivo pra
defender que quem exerce uma atividade empresarial ou profissional e com
isso gera risco a outrem deve responder independentemente de culpa.

Deve-se tomar uma cautela básica fundamental. Primeiro, percebe-se que


dependendo da interpretação que se dê, voltar-se-ia à tese da causalidade
pura . Isso porque todos que exercem uma atividade empresarial ou
profissional acabariam respondendo independentemente de culpa... então
bastaria que o legislador tivesse dito isso!

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Seria preciso, portanto, para defender essa tese, diferenciar as grandes


estruturas relativamente à sua potencialidade lesiva. Por exemplo, não se
pode colocar no mesmo saco uma atividade empresarial de venda de algodão
doce e uma usina atômica. Então teria que ser não todas, mas tão somente
aquelas atividades empresariais que implicam um risco alto.
Mas isso implicaria admitir que a atividade exercida é necessariamente
lucrativa. Então, ao se defender o risco empresa, esta-se associando a
atribuição dessa responsabilidade ao intuito lucrativo da atividade.

O problema disso é que há atividades que não são lucrativas mas que podem
ter uma alta potencialidade danosa.

4. Risco Proveito;
É um problema entrever aqui ou não a necessidade de o risco ser risco-
proveito. Esse proveito precisa ser econômico, lucrativo?

O argumento histórico é que o código de 1916 dizia que o empregador


respondia pelos atos praticados pelo seu empregado. Entendia-se que
empregador é a pessoa individual, pois quando trata-se de pessoa jurídica
utilizava-se o art. 622, que fala em pessoa jurídica que explora atividade
industrial. A visão é que o empregador respondia por fato do empregado, e
empregador pessoa jurídica também desde que explorasse uma atividade.
Havia uma atribuição de responsabilidade civil mais grave a pessoa jurídica.

No entanto, esse dispositivo foi suprimido. Caio Mario, no seu projeto de


código civil, sumiu propositalmente com esse artigo, com o intuito de não
gerar diferenciação entre empresa e empregador individual para fins de
responsabilidade civil.

5. Risco Perigo;
O Código não tratou de “atividade de risco” mas de risco da atividade. Para o
Godoy, não precisa ser uma atividade perigosa. Algumas atividades bancárias
por exemplo não são perigosas, mas geram um enorme risco.

5. Risco Especial;
Ok, nenhuma das classificações acima se demonstrou suficiente pra definir o
risco do 927, mas então qual é esse risco? Qual é o nexo de imputação?

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Para o Godoy, o código quis estabelecer uma responsabilidade afeta a quem


com a sua atividade gera um risco diferenciado, um risco maior ao interesse
de outrem.

Na tramitação do código a palavra "especial" foi suprimida, mas se ela estava


lá antes é porque era a ideia original do legislador. A causalidade, portanto,
não é pura! Há atividades que geram menor ou maior risco.

Há três critérios pra saber se o risco é especial:

Risco
Especial

Critérios de aferição

Estatístico Técnico Máximas da


Científico Experiência

Quais as É possível que a Se não há critério


probabilidades de técnica permita a estatístico/científico
ocorrer um evento identificação de um para o caso, o juiz
danoso naquela risco maior daquela pode se valer da
atividade? atividade. experiência comum.

Por exemplo, a negativação significa dizer que a pessoa tem seu nome
apontado num órgão de cadastramento de proteção ao crédito. Se o indivíduo
está negativado, fica obstado de comprar crédito, o que é bem grave. Quem
indica o nome pra esses órgãos são os associados, e isso gera um grande risco.
Não precisa de estatísticas pra saber que esse é um risco especial: todo mundo
sabe que a negativacao é produto de alguns atos que geram especial risco.

Em suma, a atividade a que se refere o código é a atividade lícita habitual


sem defeito que gera especial risco a direito de outrem.

Essa responsabilidade admite excludentes. De fato, ainda que o nexo causal


seja normativo, e não físico naturalístico, é preciso saber o que estava dentro e o
que estava fora do risco normal da atividade.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Todavia, a comprovação pelo réu que ele tomou todas as medidas de cautela
possíveis para evitar que o risco se convertesse em dano não configura um
excludente! Provar isso é provar que não teve culpa - e esse é um casos de
responsabilidade objetiva, então a existência ou não de culpa é irrelevante. Há
códigos em que há uma presunção relativa de culpa, o que possibilita ao réu provar
que não teve culpa porque tomou todas as medidas de cautela necessárias, mas aí
não é responsabilidade objetiva.

Fato do Serviço;
Como o código civil se situa em relação ao CDC nessa questão da
responsabilidade? É preciso distinguir o dano que acontece em decorrência da
atividade, e o que acontece em virtude do produto, que já está fora da esfera de
controle do agente, já posto em circulação.
Essa diferenciação é importante pois se a vítima experimenta o dano em
virtude do produto, não se aplica o 927 mesmo se a relação for civil. Nesse caso,
aplica-se o fato do produto, que está tratado no código civil no art. 931. Se a relação
for consumerista, aplica-se o art. 12 do CDC.

Bom, o código civil e o CDC já estão, então, devidamente situados em relação


ao dano acontece quando o produto já esta longe do controle do agente.

O problema é quando o dano está diretamente afeto ao exercício da


atividade, pois nesse caso pode haver uma zona de intersecção entre o código civil
e o CDC. Isso porque o CDC estabelece uma responsabilidade objetiva pelo fato do
serviço, e o Código Civil, no 927, estabelece também uma responsabilidade
objetiva, mas pelos fatos da atividade, que pode no entanto abranger serviços
também.

[CDC] Art. 14. O fornecedor de serviços [CDC] Art. 927. (...) Parágrafo único.
responde, independentemente da Haverá obrigação de reparar o dano,
existência de culpa, pela reparação dos independentemente de culpa, nos
danos causados aos consumidores por casos especificados em lei, ou quando a
defeitos relativos à prestação dos atividade normalmente desenvolvida pelo
serviços, bem como por informações autor do dano implicar, por sua natureza,
insuficientes ou inadequadas sobre sua risco para os direitos de outrem.
fruição e riscos.

Há, com efeito, uma intersecção: se for uma prestação de serviço, seria
possível enquadra-la tanto no 927 quanto no CDC. Disso decorre que, se for uma

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

relação consumerista, pode haver uma dupla incidência em favor do consumidor.


Ou seja, ele tem uma alternativa: pode provar defeito, atraindo a aplicação do CDC,
ou provar um risco especial, com a consequente aplicação do código civil. Parte-se
da premissa, sempre bom reiterar, que o código civil pode ser aplicado
subsidiariamente quando dispor de forma mais favorável ao consumidor.

Fato do produto;
O fato do produto está disposto no art. 12 do CDC e no 931 do Código civil:

[CDC] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, [CC] Art. 931. Ressalvados
nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, outros casos previstos em lei
independentemente da existência de culpa, pela especial, os empresários
reparação dos danos causados aos consumidores por individuais e as empresas
defeitos decorrentes de projeto, fabricação, r e s p o n d e m
construção, montagem, fórmulas, manipulação, independentemente de
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, culpa pelos danos causados
bem como por informações insuficientes ou pelos produtos postos em
inadequadas sobre sua utilização e riscos. circulação.

Para pleitear a indenização consumerista pelo fato do produto, o consumidor


tem que provar defeito. Já o código civil não exige nada, nenhum nexo de
imputação. Mas o que prevalece?

Para o Godoy, tem que se exigir defeito em ambos, mesmo nas relações
paritárias abrangidas pelo 931, ainda que este não exija o defeito expressamente.
Isso porque o produto já está longe da esfera de controle do fornecedor, então ele
não poderia ter uma responsabilidade agravada em relação à responsabilidade sobre
a atividade (o 927 exige o risco).

Exemplos de Risco Especial


A súmula 492 do STF trata da responsabilidade das empresas de locação de
veículos e diz:
A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o
locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.

Portanto, as empresas locadoras de veículos respondem objetivamente pelos


danos provocados pelos veículos que alugam. Alguns dizem que essa

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

responsabilidade deriva de um dever de vigilância. Outros dizem que o fundamento


remete ao fato de que locar carros é perigoso, a atividade portanto envolve um risco
diferenciado por conta do que se aluga - e por isso as locadoras deveriam
obrigatoriamente contratar seguros.

Ainda, segundo a súmula 479 do STJ:


As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados
por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no
âmbito de operações bancárias.

Assim, trata de hipótese de um falsário que se vale dos dados pessoais de


alguém e abre uma conta de banco, mas não paga nada. Posteriormente, quem é
cobrado é a vítima, quando percebe que está com seu nome negativado. É um caso
muito recorrente e a súmula diz que é o banco que responde.

Mas, no fundo, o banco também é vítima dos falsários! Então qual é o título
jurídica da sua responsabilidade? Alguns defendem que ele falhou com o dever de
segurança. Mas a falsificação pode ser absolutamente imperceptível, não resultando
de uma falha de segurança do banco. Ademais, no CDC o dever de segurança é
baseado no que era razoável se esperar. Será que seria razoável exigir do banco que
em cada contratação fizesse uma perícia nos documentos?

Na verdade, talvez em algum caso concreto não tenha havido falha de


segurança, mas em todo caso há um risco especial. Faz parte do risco normal da
atividade do banco, que a bem do incremento dos seus negócios faz contratos de
maneira cada vez mais informal.

Quanto aos órgãos de cadastramento, segundo a consolidação do


entendimento da jurisprudência, eles só respondem se antes de negativarem não
avisaram o negativado, ou se mantém esse negativamento por mais de 5 anos.

O ponto é que esses órgãos exercem uma atividade, regular, mas que não é
uma atividade lucrativa, porque são associações. É uma atividade de utilidade
pública, cujo intuito é dar mais segurança ao crédito público, minimizando o risco
de inadimplência e consequentemente garantindo créditos mais baratos. Isso parece
enfraquecer a tese de que a atividade, para fins de aplicação do parágrafo único do
art. 927, precisa ser lucrativa.

Outro caso é o do empregador. O art. 7o, inciso XXVIII, diz que o empregador
responde pelo dano sofrido pelo empregado durante o trabalho em caso de dolo ou
culpa. O empregado, portanto, tem que provar o dolo ou culpa do empregador. Mas
se essa atividade empresarial é uma atividade de especial risco, o empregado pode

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

se valer do 927? Alguns autores sustentam que não, argumentando que o código
civil não pode se sobrevaler à constituição. Mas, vendo sob a ótica da evolução do
direito civil, pode-se imaginar que o que a constituição fez foi um grande avanço,
pois antes era preciso provar dolo, e que o código civil deu prosseguimento a essa
evolução, prevendo a responsabilidade objetiva nesse caso.
Podemos, por fim, falar do exemplo dos grupos não institucionalizados: desde
que não nos filiemos à teoria do risco empresa, até pode-se-ia considerar a
responsabilidade objetiva, se possível provar que era um grupo constante e sempre
com as mesmas pessoas, nos moldes de uma atividade.

Responsabilidade do Incapaz
Na ideia de voluntariedade está ínsita a compreensão de discernimento do agente.
Disso decorre que o agente, para fins de responsabilidade civil, é aquele que tem, do
ponto de vista jurídico, consciência da sua conduta e das consequências que ela traz.
É por isso que, no sistema brasileiro, o incapaz nunca respondeu – por faltar-lhe essa
consciência.

Havia no código anterior uma única exceção, uma única hipótese em que
excepcionalmente o incapaz podia responder civilmente: o art. 15611. No sistema
brasileiro, a incapacidade é graduada (relativa ou absoluta) e pode derivar de causas
diferentes (etária, etc). Dizia o artigo que o menor entre 16 e 21 anos, equiparava-se ao
maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, quando procedeu com culpa. Era,
portanto, uma responsabilidade subjetiva que afetava o menor púbere.

A escolha atual do legislador foi qualquer que seja a hipótese, causa ou


modalidade de incapacidade, há determinados incapazes que podem perfeitamente
responder do ponto de vista civil pelos danos que provocam: aqueles incapazes com
patrimônio, e portanto aos quais a indenização que teriam que pagar não traria grandes
perigos. O ponto é: se ele pode, por que não indenizar a vítima então?

Esse entendimento está expresso no art. 928, que prevê uma hipótese em que esse
incapaz, não obstante sua falta de discernimento, pode responder:

11Diz o art. 156: “O menor, entre dezesseis e vinte e um anos, equipara-se ao maior quanto às
obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for culpado.”

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que de- verá ser
eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que
dele dependem.

Condições
Quando o incapaz pratica um ato danoso já há quem por lei responda por ele -
normalmente seus pais, o educador, a instituição em que estiver abrigado.

Desde o código anterior há quem responda pelo incapaz na regra geral, e portanto
já havia mecanismos para ressarcir a vítima nesses casos. Todavia, há situações em que
a lei determina que quem normalmente responderia pelo incapaz no caso concreto não
responde. Quando concretamente não houve essa responsabilização, aí o incapaz pode
responder... Mas ainda com uma cautela suplementar: se a responsabilidade não
acarretar ao incapaz - ou pra quem dele dependa - qualquer especial risco.

O art. 928, caput, então, estabelece uma regra geral (o incapaz não responde) e
uma exceção - poderá responder desde que aconteça uma de duas condições: ou os
responsáveis pelo incapaz no caso concreto não têm a obrigação de responder por ele;
ou não têm meios para pagar a indenização.

Os pais respondem pelos atos danosos dos filhos menores que estejam sob sua
autoridade e em sua companhia. Mas pode ser que o ato tenha sido praticado fora dessa
hipótese, os pais podem estar com seu poder familiar suspenso, por exemplo. Ainda,
quanto à segunda hipótese, há pais que estão no exercício do poder familiar, o filho
estava sob sua autoridade, mas os pais não tem meios para pagar a indenização, não têm
patrimônio. Mas o filho tem - então nesse caso é possível que o incapaz responda
também.
Observe-se que não importa o tipo de incapacidade, para fins desse dispositivo.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Indenização Equitativa
Chegando-se a conclusão de que no caso concreto o incapaz vai responder, ele
não responderá como o capaz: responderá por uma indenização equitativa. Por traz
desses artigos está uma ideia de equidade, portanto, que nada mais é que uma justa
distribuição, uma solução mais justa pra um problema concreto.
Fixada a obrigação indenizatória do incapaz, destarte, essa indenização deverá ser
equitativa e não será paga se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que
dependem dele. A ideia do legislador foi de fazer do incapaz alguém responsável pelo
pagamento da indenização desde que isso não lhe traga um risco. Assim, ainda que o
incapaz tenha que responder, ele só será condenado a pagar indenização desde que o
juiz esteja seguro que não lhe trará qualquer risco a sua existência digna dentro do
padrão de vida que sempre teve.

Critérios de Fixação
Se ele puder pagar, uma vez observados os dois pressupostos, mesmo assim a
indenização será equitativa. Mas o que é indenização equitativa? Ora, se é equitativa
então de alguma forma ela foge à regra normal da indenização. Essa regra, segundo o
art. 449, caput, é que a indenização como regra se fixa em razão do tamanho do prejuízo
causado. Se mede, portanto, pela extensão do dano.

Se aqui a indenização é equitativa, para arbitrá-la o juiz não deverá levar em conta
exclusivamente a regra geral, de extensão do dano, portanto. Tem, antes de tudo, que ser
a solução mais justa ao caso concreto, levando em conta que quem está indenizando é
um incapaz, isto é, alguém que normalmente não indenizaria.

Ok, tem que ser justa e não se mede só pelo dano. Mas quais os critérios para fixar
uma indenização equitativa?

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 14
A indenização equitativa é sempre reduzida?

Boa parte da doutrina, diante disso, sustenta que essa indenização será reduzida, ou seja,
menor que o prejuízo efetivamente causado. Mas quanto a menos? A lei não estabelece
quais os critérios para essa redução, mas há um consenso que se deve levar em
consideração as condições pessoais do incapaz e da vítima, além de critérios objetivos
como o grau de reprobabilidade da conduta.
godoy não concorda que a indenização deve ser necessariamente reduzida por dois
motivos:
1. Quando o legislador quis uma indenização equitativa necessariamente reduzida, em
outra passagem (no parágrafo único do 994 - desproporção entre o grau de culpa do
agentes e o tamanho do prejuízo causado à vítima, que já vimos), esse disse "reduzida".
Aqui ele não disse.
2. No caso concreto, uma indenização completa pode sim ser equitativa. Se o incapaz
tiver muito patrimônio e pra ele não fazer diferença, porque não pagar o valor integral?
Poder-se-ia argumentar que essa avaliação econômica das partes é indevida, mas a
consideração econômica das parte será feita de qualquer modo, a fins de determinar o
quanto será reduzido - então não é aprioristicamente uma consideração indevida.
Mas, se o incapaz pagar o valor integral, não se equipara ao capaz? Não! Porque a
diferença entre eles já está feita - só se está cogitando o pagamento da indenização pois
no caso concreto passou-se já por todos aqueles pressupostos.
Para Godoy, portanto, essa indenização equitativa não se mede pelo tamanho do prejuízo
causado, mas não se deve excluir a possibilidade dela no caso concreto ser cabal.

Observe-se, por fim, que o incapaz só responderá se o ato praticado no caso


concreto é reprovável, ou seja, se no caso concreto traria uma obrigação indenizatória
mesmo para o capaz.

Responsabilidade Indireta
É chamada de responsabilidade civil indireta ou complexa porque quem paga a
indenização não é quem praticou o ato danoso.
Qual o critério de atribuição? Qual fundamento dessa regra? Porque alguém
responde por um ato que não praticou?

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

O fundamento é de garantia. De algum modo, quem responde tem um vínculo


especial com quem causou o dano: a conduta deste de algum modo se sujeita à
fiscalização, à direção do primeiro. A ideia do legislador foi de atribuir a
responsabilidade a alguém que de algum modo tenha algum poder de direção sobre a
conduta daquele que causou o dano, o agente lesivo.
Dessa forma, entre o dano e o responsável há a interposição da conduta de alguém
- o causador direto do dano, cuja conduta de alguma forma se sujeito à direção daquele
responsável. O código, no art. 932, elenca esses casos12:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:


I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas


condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício


do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por


dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente


quantia.

Evolução
No código civil anterior não bastava esse poder de direção do responsável sobre a
conduta do agente lesivo. Com efeito, o código exigia também a culpa do responsável:
ou pela vigilância da conduta do causador direto (culpa in vigilando) ou culpa na
escolha do causador do dano (culpa in eligendo)13. Assim, sempre em que a vítima
pleiteasse a indenização do causador indireto, teria que provar que ele falhou ou na
vigilância que lhe era afeta (pais, tutores, etc) ou na escolha do causador direto (patrão,
preponente, etc). Então seria caso de responsabilidade civil subjetiva.

12 Desconsiderar o inciso V do art. 932. Isso não tem nada a ver com responsabilidade indireta. Ou esse sujeito
participou do crime, e nesses caso é corresponsável e responde direta e solidariamente; OU se aproveitou do ato
criminoso praticado por outrem, e nesse caso terá que se desfazer desse proveito. Mas não terá que ressarcir o
prejuízo, mas o valor do efetivo benefício que teve, a título de enriquecimento ilícito e não de indenização.
13 Nesse sentido, o código dizia, no art. 1523, que “Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as
pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou
negligência de sua parte”.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

O código de Bevilaqua, no projeto, dizia que havia uma presunção de culpa - ideia
que havia sido construída com base num artigo do código civil francês. Mas, sendo
uma presunção relativa de culpa, ainda estava no campo da responsabilidade subjetiva,
mas já era um passo adiante pois era o responsável que tinha que provar sua não culpa.

Com o avanço da jurisprudência, para o caso do patrão foi editada a súmula 341
do STF, pela qual a presunção de culpa passou a ser absoluta no que concerne à
responsabilidade do empregador14 . Ou seja, se o ato culposo praticado pelo empregado
fosse danoso, o patrão responderia de forma automática. Se a presunção é absoluta, não
admite prova em contrário. Ora, se a culpa deixou de ser discutível, é um caso de
responsabilidade objetiva, e não subjetiva.
O caminho evolutivo dessa matéria acabou desaguando na redação do atual artigo
933:

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente,


ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados
pelos terceiros ali referidos.

Assim, nessas indenizações, não adianta na defesa o responsável tentar provar


aquilo que antes podia provar como forma de isenção da responsabilidade. O juiz nem
deve deixar fazer prova disso.

A responsabilidade indireta hoje portanto não se baseia da ideia de culpa... mas


então qual o critério de imputação?

Alguns sustentam que é o risco - mas não é bem isso (em última instância
significaria dizer que ter filhos é assumir um risco...). O legislador, na verdade, quis
estabelecer uma especial garantia afeta a quem tem uma especial obrigação de
direção (no sentido amplo, de supervisão).
Essa evolução partiu da ideia de que era preciso priorizar a indenidade da vítima.
Mas era necessário estabelecer um critério para essa imputação, e na opinião do Godoy
esse nexo é a direção.

14Segundo a súmula 341 do STF, “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou
preposto”.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Relação com a Responsabilidade Direta


A responsabilidade indireta exclui a direta? Não! Segundo o art. 942, parágrafo
único, há responsabilidade solidária em determinados casos, e um deles é justamente o
art. 932. Logo, a responsabilidade indireta como regra não exclui a direta.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e
as pessoas designadas no art. 932.

Incapaz
Mas, no caso específico do incapaz, não está dito que ele só responde se os
responsáveis por ele não podem responder no caso concreto? Ora, se a lei diz que o
incapaz SÓ responde se o responsável não responder no caso concreto, estabeleceu uma
responsabilidade subsidiária. Como imaginar nesse caso uma hipótese de
responsabilidade solidária, se já é subsidiária? No caso do incapaz, portanto, esse
parágrafo do 932 precisa de uma ressalva - há uma contradição entre esse parágrafo
(que diz que todos os responsáveis indiretos e diretos respondem solidariamente) e o
dispositivo do 932 (que diz que o incapaz só responde subsidiariamente).

62
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 15
A responsabilidade do incapaz é solidária ou subsidiária?

Parece que a solução para superar essa contradição vai contra essa interpretação. Há um
projeto que pretende solucionar isso dizendo que na verdade pode haver sim uma
solidariedade no sentido de que os pais ou responsáveis não tem condição de responder
de maneira completa, e portanto leva-se a uma indenização equitativa dela até onde os
responsáveis poderiam pagar. O incapaz continuará sendo responsável - verificado que
os responsáveis não podem pagar por completo, o incapaz poderia pagar, mas um valor
que os responsáveis seriam solidariamente responsáveis também.
A vantagem é que no caso da responsabilidade dos pais tutores e curadores, ainda que
eles respondam eles próprios podem ser beneficiados por uma indenização equitativa.
Ou seja, se eles ao indenizar também ficarem privados do que pra eles era necessário
também teriam direito a uma indenização equitativa.
Mas essa interpretação é forçada. Melhor entender que responsável indireto e direto
respondem solidariamente, salvo no caso de incapaz, pois nesse caso a responsabilidade
é subsidiária. O problema é que a lei não fez essa ressalva.

Observe-se por fim que se o responsável indireto paga a indenização, tem direito
de regresso, de acordo com o art. 934:

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver
pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu,
absoluta ou relativamente incapaz.

Assim, se o patrão indeniza o dano causado pelo empregado, têm contra o último
direito de regresso pelo que pagou. Não obstante, o artigo faz uma ressalva quanto ao
descendente incapaz. Assim, se o pai indeniza pelo ato que seu filho causou, não poderá
reaver o que pagou em regresso. Isso também reforça a ideia de que a solidariedade não
se aplica a pais e filhos.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Responsabilidade dos Pais


O inciso I do art. 932 diz que são responsáveis os pais pelos filhos menores que
estiverem sob sua autoridade e companhia. No código de 1916 havia o termo “poder”
em vez de “autoridade”.

Primeiro, os pais não respondem automaticamente por qualquer ato praticado por
qualquer filho. Na verdade, apenas respondem pelos atos danosos e reprováveis
praticados pelos seus filhos menores desde que eles no momento da prática do ato
danoso estejam em sua autoridade e companhia.

Fundamento
Qual é o fundamento básico dessa responsabilidade? No caso dos pais, há um
inerente poder dever de direção e vigilância sobre os filhos menores, pois isso faz
parte do poder dever familiar. Há também o dever de formação, de educação dos
filhos.
O que é o ato praticado pelo filho que esteja sob a autoridade e em companhia dos
pais? Há pais destituídos do poder familiar - pais de descumpriram de maneira grave
seus deveres de pais podem ser destituídos do seu poder familiar - ou seja, que não tem
os filhos sob sua autoridade. O fato é que se os pais foram destituídos do poder familiar,
é simples, pois alguém o está substituindo, e portanto responsável sempre há.
Mas as vezes o que acontece é que os pais estão no exercício do poder familiar
mas só um deles tem a guarda. Daí a pergunta: e se o ato danoso se deu no momento em
que um dos pais não está no exercício do direito de visita? E se ele estava? Quem deve
responder?

Pra responder isso, importa definir qual é o elemento preponderante de


determinação da responsabilidade - de educação ou vigilância. Afinal, se for de
educação, ambos seriam responsabilizados independentemente de com quem estava o
filho no momento da prática do ato danoso.

A doutrina diverge, mas o Godoy acha que quem responde é o pai que estava com
o filho sob sua autoridade no momento. Essa posição é corroborada pela troca da
palavra poder por autoridade no novo código, dando a entender que menos importaria a
cotitularidade do poder familiar no caso, e mais importaria o poder jurídico de direção
naquele momento.

64
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Nessa linha, se o filho estivesse por exemplo com os avós - que também têm
direito de visita - quem teoricamente responderia seria os avós.
E no momento em que o filho está na escola? Os pais, claro, ainda tem poder
familiar, mas transferem a autoridade à escola? Tem-se entendido que no momento em
que a criança está na escola é a escola que responde pelos seus atos danosos. Há uma
causa jurídica de transferência da autoridade sobre o filho menor, que é o que acontece
quando a criança está na visitação juridicamente acertada dos avós.
O que é importante nessa seara portanto é verificar se há uma causa jurídica para
a transferência dessa autoridade. O pressuposto disso é a preponderância do dever de
vigilância sobre o de educação.
As vezes, o que acontece é que há um a afastamento por causa fática, e não
jurídica - e aí os pais não se eximem da sua autoridade. Por exemplo, autorizei meu
irmão a passear com meu filho e ele bate em alguém. Sou demandada para indenizar, e
eu digo que ele não estava na minha companhia. MAS não havia uma causa jurídica que
me afastasse da autoridade, então sou sim responsável.

Filhos Emancipados
E no caso da emancipação? Há diversas causas de emancipação, como casamento,
exercício de função pública, etc etc. No art. 5o a lei distinguiu causas legais de
emancipação e emancipação concedida. Se a causa é legal, o menor se tornou maior,
então os pais não respondem.

Problema 16
Emancipação concedida afasta a responsabilidade dos pais?

Na emancipação legal, portanto, os pais não respondem. Mas e quanto à emancipação


concedida pelos pais? O problema decorre da constatação de que se entendermos que os
pais se isentam da sua responsabilidade em virtude da concessão de emancipação, isso
poderia ser usado como forma de se livrar da responsabilidade sobre filhos
problemáticos. Entende-se portanto que os pais continuam respondendo até que o filho
alcance a maioridade cronológica. Mas, como para efeitos jurídicos o filho já é maior,
boa parte da doutrina sustenta que aqui há uma responsabilidade solidária.
A defesa da tese oposta pode ser feita pela interpretação literal do artigo que diz que os
pais respondem pelos filhos menores, uma vez que esse artigo não faz nenhuma
ressalva. Mas essa interpretação não preserva a coerência do sistema: pois ela possibilita
que os pais se isentem, por ato próprio, de uma responsabilidade que lhes é legalmente
imposta.

65
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Responsabilidade do Tutor e Curador


A segunda hipótese de responsabilidade indireta é a do tutor e curador. O tutor é
um substituto dos pais, responsável então por incapazes menores de idade. O curador,
por um incapaz maior de idade. Eles respondem, de acordo com o art. 932, inciso II, nos
mesmos moldes que os pais.

Na avaliação casuística da ocorrência danosa atribuída ao tutelado ou curatelado,


a autoridade do tutor ou curador não chega na mesma extensão da dos pais. A causa
jurídica de transferência da autoridade atua em maior extensão - o juiz deve levar em
consideração que eles não devem a mesma coisa que os pais devem aos filhos.
Observe-se que há um certo consenso em que, diferentemente dos pais, o tutor e
curador que indenizam tem direito de regresso. No entanto, pra quem defende essa tese,
o direito de regresso se exerce com a mesma limitação do art. 928, porque o incapaz
como regra não responde. Ou seja, o regresso estaria sujeito à prova de que o incapaz
pode pagar, e isso pode levar ao resultado de o tutor não ser completamente ressarcido.
Isso parte do pressuposto de que ele está sendo remunerado pela tutela. De fato,
há tutores que exercem essa função de forma remunerada, em contraposição àqueles que
utilizam a tutela mesmo como uma forma atenuada de adoção. Mas, mesmo nesse
último caso, em que o tutor não é remunerado, responde por uma aproximação com a
figura dos pais.
Mas, em todo caso, como tutor em verdade não é pai, existe um certo consenso de
que existe direito de regresso. Há alguns autores que sustentam a impossibilidade desse
direito de regresso, mas não é a tese predominante.

Responsabilidade do Empregador
O empregador e o comitente, respondem independentemente de culpa pelo ato
danoso praticado pelo empregado ou pelo preposto no exercícios o trabalho que lhes
competir ou em razão desse trabalho.

No código anterior figurava a expressão “patrão, amo ou comitente”. No atual,


saiu a expressão patrão e entrou a “empregador”, embora o significado seja o
mesmo. Observe-se que para ser empregador pouco importa se é pessoa natural ou
jurídica.

66
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Fundamento
A ideia subjacente a esse dispositivo, que impõe uma responsabilidade ao
proponente por ato que não é seu, é a ideia que quem se vale do serviço de
outrem, tendo sobre esse trabalho qualquer espécie de poder de direção, responde
pelo dano causado diretamente por este que está no exercício do trabalho.

Evolução
O que mudou foi o título de imputação dessa responsabilidade civil, que no
projeto de Bevilaqua era culpa presumida, na redação do 1523 acabou voltando a
ser culpa simples, e que posteriormente, por interpretação evolutiva do código
anterior, a jurisprudência reconheceu que é presumida, como foi já mencionado.

Hoje, essa mesma responsabilidade é objetiva. O grande passo evolutivo dessa


matéria se deu justamente no exame do caso da responsabilidade do empregador.
Por força da súmula 491 o STF entendeu que essa presunção é absoluta. Ora, se a
presunção é absoluta, o empregador deixa de poder alegar em defesa sua não culpa,
a responsabilidade deixou de ser subjetiva e tornou-se objetiva.

Numa ação em que a vítima pleiteia uma indenização contra o empregador,


não cabe a este provar que escolheu errado o empregado, pois isso entre na seara da
culpa (in eligendo) e nesse caso culpa não se discute.

Com a superveniencia do CDC, esse inciso III perdeu muito do seu espaço de
incidência. Afinal, com o CDC, todas as pessoas jurídicas fornecedoras de
produtos ou serviços em massa passaram a responder diretamente pela falha
ou defeito, pelos atos danosos causado por esses produtos ou serviços. Assim,
hipóteses que eram tratadas pelo inciso III (regra de responsabilização indireta)
passaram a ser tratadas pelo CDC (responsabilização direta). Esse dispositivo então
tem hoje uma aplicação residual para hipóteses que não sejam de consumo.

Requisitos
1. Relação de Emprego;
O primeiro requisito para a incidência desse dispositivo é, claro, a existência
da relação de emprego. Pouco importa as condições dessa relação, basta que
o causador direto seja empregado.

67
Responsabilidade Civil Giselle Viana

O empregador precisa, para responder, explorar uma atividade lucrativa? Na


opinião do Godoy, não há necessidade de que o empregador exerça por
intermédio dos seus empregados uma atividade lucrativa. O fato de o atual
código não ter reproduzido o art. 1522, que dizia exatamente isso, é um
indicativo de que atualmente a lucratividade da atividade não é mais
imprescindível.

2. “No exercício ou em razão do trabalho”;


O empregador não responde só porque o ato danoso foi praticado pelo
empregado, deve-se identificar a exata causa do ato. De fato, o ato danoso
praticado pelo empregado para atrair a responsabilização do empregador
precisa ser praticado no exercício do trabalho.

Por exemplo, se o motorista de Caio causa um acidente levando o filho do


último à escola, é responsável pois ele estava no exercício do trabalho de
acordo com o trabalho que lhe foi cometido e de acordo com as ordens que lhe
foram dadas, com a direção que Caio externou em relação a seu trabalho.
Mas é possível que ele tenha batido o carro depois de levar o filho de Caio na
escola, enquanto deveria estar esperando. Estaria, nesse caso, no período do
seu trabalho mas agindo contra as ordens do empregador. Nesse caso, ainda
assim o empregador responde, porque a ideia fundamental é que naquele
momento o empregado ainda estava sob sua direção, a sua disposição, mesmo
que descumprindo suas ordens.

Portanto, ainda que o empregado contrarie as ordens do patrão, se age no


exercício do seu trabalho, o empregador responde.

Mas, imagine-se que, finda a jornada de trabalho semanal, o motorista em vez


de deixar o carro na garagem, resolve, por conta própria, levar o carro para
casa. Nesse caminho, ele causa um acidente. O empregador, na opinião do
Godoy, responde. Aqui se envolve o problema da alteração redacional do
código. Antes dizia-se que o trabalho deveria ser praticado "por ocasião" do
trabalho, mas hoje diz "em razão de". Parece que houve uma extensão da
responsabilidade do empregador. Para o Godoy, numa interpretação extensiva,
a expressão "em razão de" quer dizer que, toda vez que o ato praticado tiver
sido favorecido pela relação de emprego, a responsabilidade direta incide
sobre o empregador.

68
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Nesse último exemplo, o fato de o motorista estar com o carro que foi objeto
da causa do acidente é algo totalmente favorecido pela relação de emprego, já
que o empregado só estava com aquele carro por conta do emprego como
motorista.

Há alguns exemplos jurisprudenciais difíceis, porque há um momento em que


o poder de direção dessa por completo, mas é difícil identificar esse momento.

Quando há por exemplo desvio de função. O empregado não apenas age em


desconformidade com as ordens recebidas, mas com sua própria função. Mas,
se a conduta se deu em razão do trabalho, pouco importa. Exemplo: faxineiro
que pega a chave do carro de um cliente, usa-o e bate.
A pergunta é: o emprego favoreceu a ocorrência do dano?

Outro exemplo: o carro era da empresa, mas motorista não era motorista da
empresa, tinha outra função.

Se o motorista com o próprio carro cause um acidente durante o trabalho, o


patrão responde. O que importa é que seja seu empregado, não seu carro.
Observe-se que, do ponto de vista trabalhista, acidentes que acontecem in
itinerie geram responsabilidade também.

Preposto
Não há no direito civil, embora haja no direito trabalhista e no empresarial,
uma exata definição do que é preposição para fins de responsabilidade civil. O
código diz que o comitente responde pelo ato do preposto15. Mas o termo comitente
traz ideia da relação jurídica de comissão, e hoje a comissão é um contrato típico do
código civil. É uma espécie de mandato sem representação - o comissário age no
interesse do comitente mas em nome próprio. Aqui, não tem nada a ver com o
contrato de comissão.

Como qualificar a relação entre proponente e preposto para fins de


responsabilização? O preposto do direito trabalhista é normalmente o empregado.
No direito empresarial, por sua vez, o preposto é um auxiliar da empresa, que tem
funções específicas. Ambas essas definições são insatisfatórias para o caso em tela.

15Não confundir isso com representante legal da pessoa jurídica, que não é preposto, não é empregado e não
é nem representante (não é alguém que fala pela pessoa jurídica, é a própria pessoa jurídica).

69
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Precisamos, antes de tudo, pensar na intenção do código ao incluir o termo


preposto ao lado de empregado. O fato é que tanto o código velho quanto o novo
tiveram a intenção de não deixar nada de fora. Sucede que as vezes não há uma
configuração perfeita da relação de trabalho nos moldes trabalhistas - mas ainda
assim há a atuação de alguém em benefício de outrem. É alguém que, mesmo que
não remunerado, mesmo que eventualmente, está agindo naquele momento sob a
direção de outrem. E isso pode acontecer fora da relação de emprego, o que não
deveria excluir a responsabilidade aprioristicamente. Assim, sempre que alguém
está atuando sob as ordens de outro, atrai a responsabilização pra esse outrem -
desde que o ato tenha sido praticado em razão dessa função.

Exemplos
Há uma tendência da jurisprudência de alargar demais o conceito de
preposição. Por exemplo, o empréstimo de um carro: alguns acórdãos dizem que
quem emprestou responde, por força da relação de preposição. Para o Godoy, por
outro lado, quem empresta não responde pelo ato do comodatário por esse título
jurídico. Quem empresta responde pelo fato da coisa, pela titularidade do carro, e
não por uma suposta relação de preposição.

Outro caso é o do vallet: se deixo meu carro no vallet quando vou a um


restaurante, este responde, mas não por preposição. O que há é um contrato
coligado (contratos autônomos que se unem numa única relação). Essa coligação
implica que o restaurante não se pode dizer terceiro, afinal a empresa de vallet só
estava lá porque tinha um contrato com o restaurante. Isso gera uma solidariedade
solidária entre todos os que se integram à cadeia de fornecimento. Mas não se trata
de preposição!

Outro exemplo: o médico assistente erra e causa um dano - posso propor uma
ação contra o cirurgião chefe? Esse, em relação à equipe médica (salvo o
anestesista, cuja atividade é autônoma na cirurgia) não tem nenhuma relação de
emprego. No entanto, ele chefia a equipe. Logo, ele pode ser responsabilizado por
ser preponente.

Mas e o hospital, nesse caso em que a equipe errou, responde? É preciso


identificar a relação entre o médico e o hospital. Se o médico for empregado do
hospital, há responsabilidade direta do CDC. Mas, nos grandes hospitais,
normalmente os médicos pertencem a clinicas próprias que prestam serviços a

70
Responsabilidade Civil Giselle Viana

hospitais - há um credenciamento e o médico é autorizado a usar as dependências


do hospital, mas não é empregado.

Alvino Lima, nesse sentido, traz do direito italiano uma ideia ampliada de
proposição, que entende do ponto de vista econômico organizacional. O hospital,
nesse sentido, seria proponente do médico, não porque tenha qualquer opção de
direção sobre o ato cirúrgico, mas porque a organização do ato - dispõe dos meios,
determina como quando onde vai acontecer, etc. - é do hospital. Godoy acha
exagerado. A maioria dos acórdãos, alias, não responsabiliza o hospital, a não ser
que a falha seja da sua própria atuação (ex: falhou a hospedagem, a enfermagem,
etc.). Seguindo esse entendimento, para responsabilizar o hospital então não seria
pela preposição, talvez pelo CDC dependendo do caso.

Responsabilidade do Hoteleiro
O hoteleiro responde pelo hóspede, tenha sido o ato do último contra outro
hóspede, contra um empregado da hotelaria, ou contra terceiro. O que se exige é
que o ato tenha sido praticado durante ou por causa da hospedagem.
Cuidado com a qualificação jurídica! Em relação à responsabilidade do
hospedeiro, é preciso separar as hipóteses em que a responsabilidade civil que ele
tem é contratual e diante da bagagem. O hospedeiro responde pela bagagem do
hóspede por força do contrato de depósito - é portanto uma responsabilidade direta
e própria. Não responder, todavia, por ato ou fato de alguém. O que se trata aqui é
da responsabilidade do hospedeiro pelo ato danoso que o hospede prática durante
a hospedagem.

Relação com o CDC


Boa parte dessa matéria está coberta pelo CDC. Se um hospede causa dano a
outro hóspede, haveria uma falha de segurança na verdade. Afinal, o hospedeiro,
que hospeda por dinheiro, é um fornecedor de serviço, e deve como tal garantir a
segurança legitimamente esperada daquele serviço para o consumidor. É, portanto,
uma responsabilidade direta e objetiva pela falha de segurança. Na hipóteses de
agressão, o que se dá é um fato do serviço.
Se um hospede causa dano a um terceiro, também é possível aplicar o CDC.
Segundo o art. 17 do CDC, o consumidor pode ser aquele que adquire o produto ou

71
Responsabilidade Civil Giselle Viana

serviço, ou aquele que de algum modo é por ele vitimado. Um visitante que sofre
um dano no hotel praticado pelo hospede também é abrangido pelo CDC, nesse
sentido.

Se quem é atingido é o empregado, o CDC não incide... e aí sim o empregador


pode ser responsabilizado com base na responsabilidade por fato ou ato de terceiro.

Requisitos
Para aplicar esse dispositivo, a hospedagem deve ser onerosa. Essa
onerosidade, todavia, pode ser direta ou indireta. O que se afasta são as
hospedagens por mera cortesia.
Existem alguns estabelecimentos “mix”, que agregam serviços de hotelaria
anexos a outros, as vezes até de moradia. O que é preciso verificar é o que
predomina: se serviço de flat, de hotel, etc.

Responsabilidade do Educador
O educador responde pelos atos praticados pelos educandos. Atos praticados
pelo educando contra outro educando, contra um terceiro, ou contra um professor
ou empregado do educador.

Acontece a mesma coisa em relação ao CDC: se a vítima é um outro aluno, ou


um terceiro, provavelmente poderá fazer uso do CDC. Mas se foi um professor,
pode-se valer a vítima desse dispositivo.
No código velho, a primeira interpretação era de responsabilização apenas do
internato. Isso está superado. Hoje se aplica a qualquer estabelecimento de ensino
que cobre por isso.

Quanto aos estabelecimentos de ensino superior particulares, a ideia


predominante é que não se aplica, porque teoricamente o estabelecimento não tem
mais poder de direção sobre o aluno. Mas isso não significa que não se aplique o
CDC. Nos estabelecimentos de ensino público, a responsabilidade civil é do Estado.

72
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Requisitos
Aplicando-se o cdc, o ato danoso reprovável praticado pelo aluno tem que ter
sido praticado em meio à atividade educativa.

Quando o aluno prática o ato danoso durante a aula é fácil. O problema é que
as vezes o aluno prática o ato danoso já fora da escola, mas ainda nos limites da
vigilância da escola. A escola, em regra, responde. Se havia por exemplo
funcionários da escola nesses limites, ainda se mantinha o poder direção, que é a
base do dispositivo.

E se o aluno burlou a vigilância e saiu sem permissão, a escola continua


respondendo pois falhou na vigilância. Mas se a escola aceitava essas saídas, então
não responde, pois nãõ haveria falha na vigilância.

Direito de Regresso
Se a escola indenizou a vítima, ela tem direito de regresso? Se sim, contra
quem? Esse dispositivo se aplica a hipóteses de estabelecimentos de ensino não
superior, então o pressuposto é que o causador do dano é incapaz. Boa parte da
doutrina sustenta que há direito de regresso contra o incapaz nos moldes do 928.

Mas e os pais, respondem? Para responder isso, temos que voltar àquela
questão sobre o que prevalece para a responsabilização dos pais, se a vigilância ou
o poder dever de formação. Afinal, se entendermos que é a educação formação,
continuam responsáveis mesmo que a criança esteja na escola quando realizou o
dano. Para o Godoy, o que prevalece é o poder dever de vigilância, que foi
transferido à escola no momento em que a criança foi entregue ao educador. Nesse
sentido, os pais não seriam responsáveis.

73
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Responsabilidade pelo Fato da Coisa


Conceito e Fundamentos.
No que concerne ao tema da responsabilidade civil pelo fato das coisas, a
primeira questão com a qual nos deparamos é terminológica: ora, a “coisa” não faz
nada... então não é exatamente a coisa que provoca dano a alguém. É, na verdade, a
conduta de uma pessoa em relação a uma coisa que acaba provocando o dano. Ou
seja, o dano é causado pela ação de alguém em relação à coisa – que tem portanto
um papel de instrumento da causação. Seja a coisa móvel, imóvel, animada ou
inanimada, a ideia é que ela se coloca entre o causador do dano e a vítima.

Agente conduta Coisa dano Vítima

responsável papel
pelo dano instrumental

Essa matéria é muito mal tratada no Direito brasileiro. O Código Civil dispõe
sobre alguns casos particulares de responsabilidade sobre fatos de certas coisas, mas
prevê regras distintas para cada caso, regras inclusive contraditórias entre si no que
tange a quem vai responder. Ou seja, falta um critério legal único de imputação da
responsabilidade pelo fato da coisa, o que dificulta bastante para o aplicador do
direito.

Isso não significa que a previsão de uma regra geral per se esgote o debate.
Com efeito, outros ordenamentos, como o francês, apesar de possuírem uma regra
geral, ainda assim enfrentam problemas em definir qual foi o critério adotado pelo
legislador para imputar a responsabilidade pelo fato da coisa.

O Direito Francês
A regra geral da responsabilidade pelo fato da coisa cumpriu um papel
importante no direito francês, uma vez que surgiu no contexto da revolução

74
Responsabilidade Civil Giselle Viana

industrial, quando multiplicavam-se os acidentes causados por máquinas. Imputar a


responsabilidade ao dono da coisa pressupõe a ideia de que o dono é quem tem a
guarda da coisa, um poder de direção sobre ela. Tendo esse poder, é-lhe afeto o
dever de cuidado, a obrigação de impedir que a coisa sob sua guarda seja
instrumento de causação de um dano.
Sucede que muitas vezes o dono não tem poder de direção sobre a coisa. Se a
ideia fundamental é que ele responde pelo fato da coisa pois tem sua guarda, então
se o dano acontece quando a coisa não está sob a guarda do dono, a
responsabilidade deixa de ser dele e torna-se do guardião, isto é, aquele que de fato
tem a guarda no momento do dano. É essa ideia de guarda em que se baseava a
responsabilidade pelo fato da coisa.

No entanto, com a revolução industrial essa ideia passou a propiciar


interpretações indesejáveis. Por exemplo, quando o operário sofria o acidente no
manejo da máquina, quem detinha o poder de guarda seria ele? Se fosse, justamente
aquele que se queria responsabilizar, isto é, o empresário, ficava eximido, pois a
responsabilidade seria do próprio empregado.

Fazia-se mister, portanto, definir melhor o que seria a tal da “guarda”.

Teorias sobre a “Guarda”


Surgiram, assim, uma série de teorias para explicar a ideia da guarda como
subjacente à responsabilidade pelo fato da coisa.

1. Teoria do Proveito;
Alguns sustentam que essa guarda deve ser examinada à luz do proveito que
ela beneficia. Assim, o responsável seria aquele que se aproveita, que se
beneficia da coisa. No exemplo da máquina, o empresário responderia, por ser
aquele em favor de quem a máquina era operada.

2. Teoria do Poder Material de Direção;


Uma segunda teoria sustenta a ideia de que o guardião é quem tem o poder
material de direção da coisa, o poder fático e direto de direção. Isso leva a
uma conclusão completamente oposta no exemplo histórico do operário, pois
quem tinha esse poder era a própria vítima, que seria a responsável, portanto.

75
Responsabilidade Civil Giselle Viana

2. Teoria do Poder Jurídico de Direção;


Uma terceira tese diz que o que importa é o poder de direção jurídico sobre a
coisa.

Não há uma resposta quanto a qual dessas teorias adotamos. Mesmo no


sistema francês, em que há uma regra geral, até hoje discute-se qual guarda é essa:
se é jurídica ou fática. Isso faz toda a diferença, uma vez que a coisa pode não estar
com o proprietário em virtude de uma razão jurídica (comodato, locação, depósito)
ou de uma razão de fato. Se o poder de direção for jurídico, o fato de a coisa não
estar com o proprietário por uma razão meramente fática - e não jurídica - não
excluiria sua responsabilidade.

Vamos analisar as três regras sobre responsabilidade civil pelo fato da coisa
previstas no código. Observe-se, primeiramente, que o fato de o código elencar
apenas essas três não exclui, eventualmente, a responsabilidade pelo fato de outras
coisas. Essas outras hipóteses são admitidas por uma construção doutrinária e
jurisprudencial. Afianal, o principio subjacente à responsabilização pelos fatos de
animais, ruínas e efusos e dejetos é o mesmo, por exemplo, na responsabilização do
comodatário no empréstimo de um carro, dentre outros.

Responsabilidade pelo Fato de Animal.


O primeiro artigo a tratar da matéria é o art. 936, que trata da responsabilidade
civil pelo fato do animal. Diz que o dono, ou o detentor da animal, ressarcirá o dano
causado por este, caso não prove culpa da vítima ou força maior. Percebe-se que o
código claramente adotou a tese responsabilidade objetiva nesse caso.

2
Art. 936. O dono, ou detentor , do animal ressarcirá o dano por este causado, se
não provar culpa da vítima ou força maior .
1

1. “Culpa da Vítima ou Força Maior”


O antigo art. 1527 também dizia que o dono ou detentor responsabilizar-se-ia
pelo fato do animal. A diferença é que o inciso I do código anterior elencava dentre
os excludentes de responsabilidade o fato de o dono guardar o animal com o

76
Responsabilidade Civil Giselle Viana

cuidado exigido. Dessa forma, era permitido ao dono ou detentor provar a sua não
culpa. O que havia, nesse sentido, era uma presunção relativa de culpa, que
poderia ser elidida. Não se tratava, destarte, de responsabilidade objetiva.

A jurisprudência e a doutrina, numa interpretação evolutiva dessa regra,


passaram a entender que, se o fato não se deu por culpa exclusiva da vítima, nem
por força maior, então se deu por conta da falta de cuidado do dono. Haveria uma
presunção absoluta de culpa, portanto.

Na nova regra, o dono ou detentor só não responde se provar a quebra do


nexo de causalidade. Ou seja, se provar a culpa exclusiva da vítima ou a força
maior. Não é mais necessária, portanto, a discussão acerca da culpa, já que a
responsabilidade passou a ser objetiva por força da própria lei.

2. “Dono ou Detentor”
Mas quem responde? Como vimos, a responsabilidade do dono pelo fato da
coisa decorre da presunção de que ele detém a sua guarda. A relevância da guarda é
tal, nesse artigo, que o próprio código diz que, se o dono não tiver a guarda, quem
responde é que a tem, isto é, o “detentor”.

Mas o que é ser detentor? Qual a causa dessa detenção? O código, no capítulo
de posse, dá uma definição para detenção. Detentor é quem não é possuidor pois
tem a coisa consigo em nome e sob as ordens de outrem. Ao dizer “dono ou
detentor”, o código parece afastar a responsabilidade do dono quando há um
detentor.

Caio Mario sustenta que em caso de posse jurídica entregue a outrem – por
exemplo, vou viajar e deposito meu cachorro num pet shop – o dono não responde.
O problema é que, estendendo essa regra ao empréstimo de um carro, o dono
também não responderia. Far-se-ia necessário, nesse caso, determinar se há
realmente um contrato de comodato, ou se há uma mera tolerância, permissão, e não
propriamente um contrato.

Lembrando que não se exclui, em todos esses casos, a possibilidade de haver


um outro responsável, mas por outra causa jurídica. É muito comum que animais
causem acidentes em rodovias. Nesses casos em geral são propostas ações de
indenização contra as concessionárias por falha na fiscalização na rodovia, o que
afasta por exemplo a responsabilidade do dono do animal que pode ter cercado mal

77
Responsabilidade Civil Giselle Viana

sua fazenda. O título jurídico nas ações contra a rodovia não seriam a
responsabilidade por fato da coisa, mas pela falha na fiscalização que lhe é afeita.

Responsabilidade pelo Dano Infecto.


2
Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de
sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

1. Falta de Reparos de Necessidade Manifesta;


Pela redação literal do art. 937 é preciso, diante da ruína, perguntar-se
primeiro se foi em decorrência da falta de reparos, e segundo, se essa falta de
reparos era manifesta. Assim, a vítima teria que provar que os reparos omitidos,
além de exigidos eram evidentes.

sim indeniza
O dano decorreu Mas essa falta
Interpretação da falta de de reparos era

? ?
literal reparos? manifesta?
não
não indeniza

O dano decorreu Então essa falta


Interpretação da falta de de reparos era indeniza

? !
evolutiva reparos? manifesta!

O que a doutrina e a jurisprudência fizeram aqui foi o mesmo exercício


interpretativo que em relação ao dano por fato de animal no sistema anterior.
Pergunta-se, primeiro: a casa caiu? Sim. Causou dano? Sim. Mas caiu por que? Não
foi por fortuito, nem por culpa exclusiva da vítima, então caiu porque faltavam

78
Responsabilidade Civil Giselle Viana

reparos manifestos. É uma interpretação evolutiva, contemplativa de uma


responsabilidade objetiva do dono da casa ou da construção.

Ressalte-se que aqui não há a indicação clara de que a responsabilidade é


objetiva, então entende-se isso por construção doutrinária e jurisprudencial.
Essa interpretação é facilitada pela comparação com a responsabilidade pelo fato de
animal, já que ambas possuem o mesmo fundamento.

Observe-se, ademais, que quando o código fala em ruína do edifício ou


construção, a interpretação não é restritva, ou seja, não precisa ser o completo
desabamento do edifício. É muito comum que aconteça o desprendimento de
rebocos, por exemplo, e essa situação também estaria contemplada na regra.

2. Responsabilidade do Dono;
Uma vez determinado o motivo da ruína que acarretou o dano, ou seja, a falta
de reparos, cabe analisar a quem deve ser atribuída a responsabilidade. Aqui, o
código refere-se expressamente à responsabilidade do dono. Nesse ponto, parte
daquele pressuposto de que é ao dono que cabe em primeiro lugar o dever de
cautela, de guarda.

Não obstante a responsabilidade do dono, não se exclui uma eventual


responsabildiade solidária do construtor, por exemplo. O que muda é o título
jurídico que atrai a responsabilidade: no caso do contrutor, a responsabilização se
daria pelo fato da construção, e não por força do art. 937.

Mas e se o imóvel estiver alocado, isso altera a responsabilidade do dono?


Imaginemos, portanto, que o imóvel está alocado, e há uma manifesta falta de
cuidado na conservação pelo inquilino. Pela redação do dispositivo, o dono não
poderia, aparentemente, se defender alegando não ter a guarda jurídica da coisa por
estar locada, pois o código estabeleceu a responsabilidade do dono (e não do
detentor, como no caso da responsabilidade pelo fato de animal, por exemplo). Essa
opção parte do pressuposto de que o dever de conservação da coisa, em última
análise, o dono nunca perde – e mesmo se ele transferir a posse da coisa, continua
tendo a obrigação de conferir se ela está sendo conservada e cobrar tal
conservação.

Nessa hipótese, é possível que haja direito de regresso. Mas perante a vítima,
parece que a opção do legislador foi considerar sempre afeta ao dono o dever de

79
Responsabilidade Civil Giselle Viana

segurança, partindo de uma presunção de guarda jurídica, para efeito de segurança


da coisa, para o proprietário.

Responsabilidade pelo Fato de Efusos e


Dejetos.

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente
das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

A única alteração redacional sofrida pelo art. 938 é que código anterior falava
em “casa”, e o atual fala em prédio, o que amplia o conceito.

Vimos essa matéria quando tratamos da cuasalidade alternativa ou suposta,


como no exemplo do vaso que cai do edifício Copan na cabeça de um transeunte. É
claro que quem responde, em primeiro lugar, seria o dono da unidade da qual caiu o
vaso. O problema se coloca quando é impossível determinar de qual apartamento o
vaso caiu. Ao tratar dessa hipótese, a doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido
de responsabilizar o condomínio e, atualmente, as unidades do condomínio de onde
pode ter caído o vaso.
Observe-se que o artigo não faz qualquer menção à hipótese de prova da não
culpa. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade objetiva do habitante.

Problema 17
Se é o habitante que responde, e o dono?

O artigo atribui a responsabilidade “àquele que habita o prédio”. Na responsabilidade


pelo fato do animal (coisa móvel animada), o código falava em dono ou detentor. Na
pelo fato da ruína (coisa imóvel), apenas o dono. Aqui (coisa móvel inanimada), apenas
o detentor, isto é, o habitante.
Aparentemente o legislador entendeu que a direção material sobre os objetos de dentro
do prédio é mais relevante para quem nele mora. Assim, a responsabilidade (em sentido
lato) de quem de fato mora num apartamento sobre as coisas que estão dentro dele é
muito mais nítida que a responsabilidade de um eventual locador.

80
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Despossamento Injusto
Todas as hipóteses que analisamos até agora são hipóteses em que a guarda
tinha uma causa jurídica (locação, comodato, etc). É claro que toda essa discussão
se torna indevida quando o dono é injustamente desapossado. Se um sujeito rouba
um carro, por exemplo, não se pode responsabilizar o dono.

Mas por exemplo, se em vez de roubo foi um furto, que por sua vez ocorreu
pela incúria do próprio dono? O dono, por exemplo, deixa o carro aberto com a
chave dentro. Nesse caso o dono pode responder por concorrência culposa.

Responsabilidade pelo Automóvel.


Há algumas situações que, pela falta da explicitação de uma regra geral,
continuam duvidosas. A responsabilidade pelo fato da coisa é uma teoria bastante
utilizada para acidentes de automóvel, não apenas quando é emprestado mas
também quando é locado, depositado ou objeto de contrato de arrendamento
mercantil e alienação fiduciária. O que acontece nesses hipóteses?

Locação e Comodato
No caso da locação, a súmula 492 do STF 16 diz que a empresa locadora de
veículos responde pelo dano causado pelo inquilino pelos danos causados. Mas o
fundamento da responsabilidade não é a responsabilidade pelo fato da coisa, mas a
responsabilidade pelo risco da atividade.

Mas então, e se a locação for particular? Se o critério for a guarda jurídica,


tanto na locação quanto no comodato o dono não responde. Se o critério for o
proveito, então na locação o dono responde, e no comodato não.

Leasing, Alienação Fiduciária em Garantia e Depósito


No leasing e na alienação fiduciária em garantia a jurisprudência não hesita
em dizer que o dono não responde.

16 Vide p. 54.

81
Responsabilidade Civil Giselle Viana

O leasing é a cessão de uma coisa móvel ou imóvel, onerosa e temporária. Ao


final do tempo, o arrendatário tem uma de três opções: devolver a coisa; pagar um
valor residual e tornar-se dono da coisa; ou substituir a coisa. É um contrato
socialmente típico. O arrendador, que é o dono, não responde, segundo a
jurisprudência. Mas se o sujeito está usando e pagando pela coisa, não é semelhante
à locação?

Alienação fiduciária em garantia é uma compra e venda em condição


resolutiva. O devedor fiduciante – portanto alguém que tem uma dívida – aliena em
garantia a propriedade da coisa que é sua para um credor fiduciário – para garantir o
pagamento da dívida. Uma vez paga a dívida, a compra e venda se resolve e a
propriedade da coisa volta a ser do fiduciante. Enquanto a dívida não é paga, a
propriedade da coisa é do credor fiduciário, embora a posse direta permaneça com o
devedor fiduciante. A jurisprudência diz que quem responde é o devedor fiduciante,
que tem a expectativa de voltar a se tornar dono, mas não é dono. A
responsabilidade então se estabelece não em razão da propriedade, mas da posse, já
que o fiduciante não tem propriedade da coisa enquanto perdurar a alienação
fiduciária em garantia. O critério de atribuição de quem é o responsável se dissocia
da propriedade da coisa.

No caso do depósito - se, por exemplo, deixo o carro no estacionamento e o


manobrista o bate - as soluções são casuísticas. Primeiro pela falta de uma regra
geral, e segundo pela falta de um critério único para todas as hipóteses do código
civil.

RC pela Cobrança de Dívida


Cobrança Antecipada.

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos
casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o
vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as
custas em dobro.

82
Responsabilidade Civil Giselle Viana

1. Má-fé?
Por predominar a ideia de que esse dispositivo contem uma hipótese de pena,
doutrina e jurisprudência se encaminharam para a tese de que essa cobrança, para
justificar a sanção, deve ter sido realizada de má-fé, ou seja, é preciso que
propositalmente o credor tenha querido cobrar a divida que não podia pois ainda
não vencida. É a tese predominante, e se justifica por uma época em que o próprio
abuso de direito se vinculava à má-fé.

Todavia, hoje o abuso de direito não depende mais de má-fé! Para o Godoy,
deve-se proceder aqui como se procede nas relações de consumo: há uma mesma
sanção no art. 42 paragráfo 1o no CDC:

Art. 41. (...) O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do
indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção
monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

No CDC, portanto, há dispositivo que estabelece igual sanção. No entanto, no


CDC não se exige a má-fé! Com efeito, segundo o art. 41, o fornecedor que cobra
antecipadamente sé se exime da sanção se provar que cobrou por erro justificado.
Ou seja, o que importa é se havia causa justificativa para esse erro.
Para o Godoy, esse mesmo raciocínio pode ser levado ao Código Civil. A
razão jurídica que permitiria a transposição é a constatação de que o abuso de
direito hoje não se vincula à ma-fé, o que é inferível do art. 186.

2. Hipóteses Admitidas em Lei.


Há ainda outros requisitos para a incidência dessa sanção, ainda que não se
considere a má-fé. Com efeito, o art. 937 estabelece a incidência da pena desde que
a cobrança tenha sido realizada de maneira antecipada e fora das hipóteses em que
a lei admite.

Essas hipóteses estão no dispositivo do art. 333 do Código, que trata das
hipóteses em que há risco de pagamento ou risco da garantia:

83
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo
estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro
credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias,
ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

Cobrança de Dívida já Paga.

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem
ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a
pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o
equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

O art. 940 estabelece a responsabilidade daquele que cobra o que já foi pago,
parcialmente pago, ou aquele que cobrar mais do que é devido. No primeiro caso,
deve pagar ao devedor o dobro do que cobrou e, no segundo, o que for cobrado a
mais. Na essência a situação é a mesma daquela do artigo anterior: a cobrança
abusiva de uma divida. Ademais, aqui o fundamento da regra também é de
natureza sancionatória.

É preciso, para a incidência da sanção, que se demonstre a má-fé do credor?


A súmula 159 do STF diz que sim, mas lembrando que ela foi editada à luz do
código civil anterior, e desde então a teoria do abuso de direito evoluiu e ela não faz
mais muito sentido hoje, apesar de ser ainda a tese predominante.
STF Súmula nº 159 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência
Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento
Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 86. Cobrança Excessiva -
Boa Fé - Sanções
Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do Art. 1.531
do Código Civil.

84
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Desistência.
O art. 941 diz que as penas dos artigos anteriores não se aplicam quando o
autor desistir da ação antes da contestação da lide. Há, nesse artigo, três aspectos
muito importantes.

Dá a exata natureza das


previsões anteriores.
1
Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor
desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver
indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

3 2
Ideia do mal menor: o
Indenização devedor ainda não chegou
condicionada à não a se abalar para se
incidência da pena! defender daquela cobrança.

Logo de tela nos deparamos com uma contradição no art. 941. Segundo o
artigo, havendo desistência, ressalva-se ao réu o direito de haver uma indenização
mediante prova do prejuízo sofrido. Ou seja, a indenização só será paga se houver a
desistência da demanda antes da contestação. O dispositivo dá a entender, embora
tenha dito que é uma pena, que é uma indenização. Mas se houve a pena, não tem
indenização - que só é devida se for excuída a pena. Se o código diz que é uma
pena, não poderia condicionar a indenização à não incidência da pena!

Exigência de Demanda Judicial


No Código Civil, para haver a sanção, é preciso que a cobrança indevida tenha
sido veiculada judicialmente. A questão é: como cobrar a sanção? O devedor
precisa primeiro ganhar a ação pela qual está sendo cobrado, mediante o
reconhecimento de que a cobrança era indevida, para depois ajuizar uma ação para
cobrar, por sua vez, a sançào do credor?

A jurisprudência tem entendido que o réu não precisa esperar, pode cobrar a
sanção nos mesmos autos da cobrança indevida. Antes exigia-se, para tal, a
reconvenção. Mais modernamente, tem-se entendido que o réu pode exigir o

85
Responsabilidade Civil Giselle Viana

pagamento da sanção na própria defesa, não sendo preciso fazer a reconvenção,


portanto.

Redução por Equidade


Essa penalidade pode ser reduzida por equidade? O art. 413 do Código civil
trata da redução da cláusula penal quando excessiva (observe-se que não se trata de
redução quando ela está acima do limite! É quando o juiz a considera
excessivamente desequilibrada). Imaginemos que no caso concreto a sanção na sua
totalidade se mostre excessiva. O juiz pode reduzi-la por equidade de modo a
reequilibrar a relação?
O legislador não afasta essa hipótese, embora se trate de uma punição, mesmo
esta deve ser razoável. Talvez a ideia de redução equitativa ajudasse a resolver o
problema da indenização complementar cumulatviva. Muitos sustentam a ideia de
que haja uma indenização a for fe, suplementar, em relação ao prejuízo que
ultrapasse o valor da indenização. Mas muitos sustentam que cumular o valor dessa
indenização seria excessivo. Seria mais lógico se, no caso concreto, se realmente
fosse excessivo, reduzir.

86
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 18
E o CDC, o que tem a dizer sobre isso?

Essa matéria cria uma dificuldade pela existência do dispositivo do art. 42, parágrafo
único, do CDC, que diz que o consumidor cobrado em quantia indevida (abarca todas
aquelas hipóteses que analisamos) tem direito à repetição do indébito - em valor igual ao
dobro do que pagou em excesso - salvo engano justificado.
Primeiro, há uma distinção de área de incidência. As relações aqui são de consumo, e
tratam portanto de uma cobrança abusiva veiculada por um fornecedor diante de um
consumidor.
Sucede que o CDC estabelece alguns requisitos diferentes do Código civil - ora mais
restritivos, ora mais ampliativos. De um lado, o CDC não exige má-fé do fornecedor -
este se exime da sanção apenas se provar que o engano foi justificado, como vimos. Tal
engano, observe-se, não pode ser algo que esteja afeto ao dever básico de cuidado que o
fornecedor tem quanto à cobrança. “Erro do sistema”, por exemplo, não é engano
justificado!
Por outro lado, o CDC é mais restritivo em outro aspecto: para haver a incidência da
sanção do dispositivo é preciso que a dívida consumerista indevidamente cobrada tenha
sido paga pelo consumidor. Essa exigência é inferível da previsão do instituto da
repetição do indébito. A sanção da repetição dobrada pressupõe logicamente o
pagamento, pois repetir é devolver, e para devolver tem que ter sido pago.

Exige que a dívida tenha


CDC sido paga
pode combinar
as regras?
Exige a má-fé do credor
Código
Civil
Exige a demanda judicial

A grande dificuldade, que não vamos resolver: pode-se misturar os regimes, em favor do
consumidor? Trazer para o CDC, por exemplo, a inexibilidade do código civil do efetivo
pagamento da dívida indevida, mas não trazer a exigência de má-fé, nem a exigência da
demanda judicial? Alguns entendem que pode, outros que não. Mas uma coisa é certa: a
mistura de penas em si não é sempre vedada, mas seria preciso uma espécie de ponto no
sistema que autorizasse isso, não pode ser algo discricionário.
Por exemplo, pode-se levar a inexigibilidade de má-fé para o Código Civil, como vimos,
mas porque própria conceituação da cláusula geral do abuso de direito no Código se
desprendeu da má fé: há uma ponte, não é arbitrário.

87
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Responsabilidade contratual.
A responsabilidade civil historicamente foi tratada à luz de grandes
classificações, ensejadas pela distinção entre nexos de imputação. Mas essas devem
ser examinadas com a função que elas tem, isto é, compreender a essência das
coisas. Uma dessas hipóteses de classificação divide a responsabilidade civil em
contratual e extracontratual.

Tese da Unificação.
Sucede que mesmo na responsabilidade contratual, é a lei que empresta
vinculatividade àquele negocio juridico, estabelecendo as consequências para sua
violação. Diante dessa constatação, há uma tendência crescente em superar essa
dicotomia, ouseja, em trabalhar com a responsabilidade civil dissociada dessa
distinção entre contratual e extracontratual. Defende-se, portanto, uma unificação
da responsabilidade civil nesse ponto, sob o argumento de que, no fundo, o
mecanismo é um só, e as diferenças seriam acidentais.

Quem defende essa tese geralmente argumenta com base no CDC, que por sua
vez não fez expressamente essa dicotomia. De fato, o CDC inclusive estabelece
algumas consequências que se aplicam a todas as hipóteses, independentemente da
existência ou não de um contrato na base da relação de consumo. É o exemplo da
responsabilidade pelo fato de consumo ou serviço.

Diferenças Legais.
Do ponto de vista civil, não obstante, é preciso ter muito cuidado com a ideia
de superação da dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual, pois
há problemas operacionais que decorreriam dessa unificação. Afinal, há algumas
importantes diferenças de tratamento legal conforme a responsabilidade seja
contratual ou extracontratual.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Constituição da Mora e Juros Moratórios


Uma dessas diferenças remete à questão da mora. Segundo a regra geral, o
devedor pode ser considerado em mora a partir do momento em que a prestação for
exigível e não tiver sido cumprida. É preciso, nesse caso, que seja não só vencida
mas também líquida.
Isso não se aplica aos ilícito extracontratuais! Excepcionalmente, nesses
casos, o devedor é considerado em mora a partir do exato instante em que
cometeu um ilícito, isto é, a partir do fato, mesmo que a obrigação ainda não seja
liquida.
STJ Súmula nº 54 - 24/09/1992 - DJ 01.10.1992
Juros Moratórios - Responsabilidade Extracontratual
Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual.

Qual a relevância dessa diferença? Ao sentenciar ao pagamento de uma


indenização, o juiz determinará os juros moratórios que incidirão sobre aquele valor
indenizatório, e para isso deve estabelecer a partir de qual momento esses juros
passam a ser contados. Para isso, ele deve determinar o momento em que se
constituiu a mora, pois essa será a data inicial da incidência dos juros. Ora, se esse
momento é diferente nos casos de ilícito contratual e extracontratual, então o juiz
deve determinar se é caso de responsabilidade contratual ou extracontratual.

Mas porque existe essa exceção? É uma escolha que possui como pressuposto
uma gradação: entende-se que o ilícito extracontratual é mais grave. Essa ideia
reporta-se ao mesmo raciocínio do direito penal, que visa a uma resposta imediata
do direito penal à conduta punível.

Ônus da Prova
Se a responsabilidade é contratual, a situação da vítima do ilícito é mais
cômoda: para a vitima pleitear uma indeização basta ela demonstrar que a prestação
contratual não foi cumprida, e transfere-se ao outro contratante o ônus de provar ou
que cumpriu ou que não cumpriu por uma causa justificada.

Na responsabilidade extracontratual, o ônus probatório é da vítima. Se há


um acidente de trânsito, é ônus da vítima provar a culpa do motorista.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Solidariedade
A regra é que a solidariedade não se presume: ou ela está prevista em lei ou
em manifestação de vontade. No caso da responsabilidade extracontratual, há
previsão legal, no art. 492. Na responsabilidade contratual, por outro lado, em
regra não há solidariedade, a não ser que tenha sido ajustado.

Contratos Benéficos
O art. 392 diz que, nos contratos benéficos responde por culpa o contratante
que dele se aproveita, e somente por dolo aquele a quem o contrato não favorece.
Isso rende muita discussão nos contratos de transporte: a carona é mera cortesia, um
contrato? Se fosse um contrato, seria um contrato benéfico. E, nesse, quem está
propiciando o benefício só responde por dolo. Mas o contrato de transporte presume
onerosidade, então a carona não é um contrato! A responsabilidade civil então é
extracontratual. Transporte só é contrato se for oneroso, então isso está resolvido.

Excludentes de Responsabilidade
Excludentes são causas que ou rompem o nexo de causalidade ou excluem a
ilicitude.

Excludentes

Afastamento da Quebra do Nexo Cláusula de não


ilicitude Causal indenizar

Legítima Defesa Fato da vítima ou


de terceiro

Exercício de direito
reconhecido Fato fortuito ou de
força maior
Estado de
Necessidade

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

O código não organizou muito bem essa matéria. De fato, não há um capitulo
que contemple e organize todas as excludentes, dispondo sobre suas regras de
incidência, elas estão espalhadas pelo Código civil.

Afastamento da Ilicitude
As três primeiras excludentes que vamos analisar afastam a ilicitude da
conduta, mas só afastam a responsabilidade indenizatória conforme o caso.

A legítima defesa e o estado de necessidade têm no direito civil a mesma


definição do direito penal. O que importa, do ponto de vista civil, é o resultado
danoso do ato praticado - seja em legítima defesa, no exercício regular de um
direito legal, ou em estado de necessidade. A questão fundamental é: nesses atos, se
causo dano a alguém, devo ressarcir? Depende!

Essa matéria precisa ser analisada à luz de três artigos. Na parte geral, no art.
188, encontramos a previsão dessas causas como excludentes justamente da
ilicitude. O artigo diz que não constituem atos ilicitos aqueles praticados em
legitima defesa, em exercício de direito legalmente assegurado. ou em estado de
necessidade.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:


I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover
perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.

A grande questão esta na responsabilidade civil decorrente da causação


potencial de dano a alguém. Já no capitulo da responsabilidade civil, entram as
regras do art. 929 e 930 - neles, estabelecem-se regras não muito claras sobre as
consequências danosas.

O art. 929 diz que se a pessoa lesada ou dono da coisa no caso do inciso II do
188 (estado de necessidade) - não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito a
indenização pelo prejuízo sofrido. A contrario sensu, se alguém age em estado de
necessidade ou em legítima defesa e causa um dano àquele responsável por criar o

91
Responsabilidade Civil Giselle Viana

estado de perigo ou pela agressão que se quer repelir, então não haverá obrigação
reparatória.

Por exemplo, em estado de necessidade causo agressão a quem causou o


incêndio. Ora, se foi o indivíduo que causou o estado de necessidade in firt place,
não há por que eu indeniza-lo!

Exclusão da
Exclusão da Ilicitude
responsabilidade

Legitima defesa

Vítima: causador
DANO
Exercício de direito do estado de
reconhecido necessidade ou
da agressão.

Estado de
necessidade

Mas e se o dano foi a terceiro? É a hipótese abasrcada pela regra do artigo: se


para repelir uma injusta agressão de Mevio ou para me livrar de um estado de
perigo criado por ele eu causo um dano a Caio, tenho que indeniza-lo! Se, agindo de
maneira lícita, o agente causa um dano a terceiro, ele apesar dessa licitude, tem que
indenizar. É mais um caso no sistema, além do 927 parágrafo único, de
responsabilidade civil pelo ato lícito.

É evidente que se o agente tiver que indenizar um terceiro nesse caso, tem um
direito de regresso contra quem provou a situação de perigo ou agressão.

92
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 19
O agente tem direito de regresso

O que se questiona até hoje é se essa própria escolha do legislador - de não excluir a
responsabilidade ressarcitória pelo dano causado a terceiro - foi boa do ponto de vista
ontológico. Afinal, primeiro, é claro que não é uma escolha fácil, pois há dois interesses
legítimos (aquele que agiu de maneira licita ao repelir uma agressão ou perigo - e de
outro um terceiro que não tem nada a ver com aquilo então não deveria ser prejudicado)
contrapostos. Alguns criticam essa escolha dizendo que os interesses contrapostos são
igualmente legítimos.
E mais, no caso de estado de necessidade, esse tipo de obrigação indenizatória
desestimularia condutas louváveis - como salvar pessoas de situações de perigo. Por
exemplo, pode-se argumentar que diante de um incêncio o indivíduo pensaria duas vezes
para salvar pessoas, pois com isso assumiria o risco de ter que indenizar terceiros caso
resultasse em algum dano.
Pra quem critica essa escolha, a melhor escolha teria sido uma indenização equitativa,
como a do incapaz e do art. 944 paragráfo. Mas não é essa a escolha do legislador, então
a regra geral é que só se exclui a responsabilidade do agente se o dano tiver sido
infringido a quem provocou o estado de necessidade ou a agressão.

Legítima Defesa de Terceiro


É possível que alguém aja em legítima defesa de terceiro, ou estado de
necessidade de um terceiro, e que, agindo em benefício desse terceiro, cause dano
a um “quarto”.
Se eu causo dano a Tício agindo em estado de necessidade para beneficiar
Caio, terei que indenizar Tício, e tenho direito de regresso contra aquele que causou
o estado de necessidade. Mas a pergunta é: também não tenho direito de regresso
contra quem eu agi no interesse, ou seja, contra Caio? Afinal, o dano que causei a
um terceiro foi num contexto de favorecimento a esse outrem? O direito de
regresso contra esse outrem, assim, poderia ser considerado uma forma a evitar o
enriquecimento sem causa.

Há quem sustente que, quando o agente faz isso e causa dano a outrem no
fundo está gerindo negócio alheio. O princípio que anima a gestão de negocio, isto
é, a administracao oficiosa de direito alheio que gera ao outro a obrigação de
ressarcir, é justamente evitar enriquecimento sem causa. Haveria, nesse sentido,
direito de regresso.

93
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Também concorre a essa questão o art. 930 do Código Civil, que diz:

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro,
contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver
ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se
causou o dano (art. 188, inciso I).

Assim, segundo o parágrafo único, a mesma ação [de regresso] competira


contra aquele em defesa de quem se causou o dano. O problema é que esse
dispositivo remete ao inciso primeiro, que trata da legítima defesa, e o caput remete
ao inciso II, que trata do estado de necessidade. A solução é aplicar para os dois,
afinal a razão de ser é rigorosamente a mesma.
Como se dá o direito de regresso? Quando nasceu a ideia do direito de
regresso, entendia-se que não haveria uma escolha indistinta. Primeiro o agente
deveria pleitear o regresso contra aquele que foi o causador da situação de
perigo ou agressão. Apenas se nào conseguisse obter o regresso, pleitearia um
segundo regresso contra o terceiro - regressos sucessivos. Hoje o que se sustenta é
que haja um regresso indistinto, mas com um potencial segundo regresso em favor
daquele em que em favor se agiu.

Mevio agressão injusta Caio


de

ação de
fes
a

regresso

Tício dano
Semprônia

ação de
indenização

94
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Excludentes do Nexo Causal


Culpa Exclusiva da Vítima ou de Terceiro
Primeiro, uma observação terminológica: a expressão “fato exclusivo da
vitima” é mais adequada, pois por não falar em culpa, não pressupõe o
discernimento da vítima.

O que acontece nessa hipótese é que a causa do dano que a vítima sofreu é
atribuível à sua própria conduta, de tal modo que o chamado causador direto foi
mero instrumento da vítima. Consequentemente, quebra-se o nexo de causalidade
entre a conduta do causador direto e o dano infringido à vítima, já que o nexo de
causalidade, na verdade, se estabelece com a conduta da própria vítima.

Conduta
(da vítima)

Cria o nexo de
causalidade Causador Papel
Vitima instrumental!
entre dano e a direto
própria vítima

Dano

Essa excludente vale também para as relações consumeristas, mas com


algumas ressalvas. Sucede que algumas hipóteses que eram tratadas como culpa
exclusiva da vitima acabam sendo hoje recompreendidas. Por exemplo o tal do
“surfista rodoviário”, a culpa é dele então ele não pode responsabilizar a
transportadora. No entanto, em algumas hipóteses, diante da repetição dessa prática
numa mesma linha, sem que sejam tomadas providências por parte da empresa, vem
se considerando que haja uma concorrência causal, o que não excluiria a
responsabilidade da transportadora.

95
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 20
Culpa concorrente da vítima é relevante na resposabilidade objetiva?

A conduta da vítima, de fato, pode ter contribuído com a do ofensor para a causação do
dano. É o caso de concorrência causal culposa da conduta da vitima ao evento lesivo.
Por exemplo, dois carros batem porque um estava em velocidade excessiva e o outro
atravessou no sinal vermelho.
Essa culpa concorrente não é um excludente de responsabilidade. É uma causa de
proporcionalização da responsabilidade civil. Não confunda com culpa exclusiva da
vítima!
O que se discute na culpa concorrente é: se a vitima age com culpa concorrente mas o
agente responde objetivamente, é possível aplicar a proporcionalização? Por exemplo, o
agente é uma empresa de transporte - uma vez demandado, claro que pode alegar culpa
exclusiva da vítima, mas pode se valer da proporcionalização se há concorrência da
culpa da vítima? O fato de a responsabilidade da empresa ser agravada torna irrelevante
a concorrência causal culposa da vítima?
Essa questão pode ser resolvida através do princípio da boa-fé objetiva: seria solidário
imaginar que a vitima pode ser ressarcida de maneira integral por um prejuízo que ela
também provocou? Não! Isso levaria a um enriquecimento sem causa, repudiado pelo
sistema. A questão está hoje portanto resolvida.

Fato de Terceiro
Se um terceiro fecha um ônibus e esse bate na vítima, a empresa de ônibus
pode alegar fato de terceiro para se eximir da responsabilidade de indenizar? Não!
Se fechado no transito é um fato de terceiro que se coloca dentro do risco normal
da atividade, e fato de terceiro interno não exclui a responsabilidade, ainda que
enseje direito de regresso.

Há um dificuldade inerente quanto à força excludente do fato de terceiro. E as


vezes a lei cria ainda mais confusão - especialmente quando há concorrência
normativa.

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o


passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Nesse sentido, o art. 735 do Código diz expressamente que a responsabilidade

96
Responsabilidade Civil Giselle Viana

contratual do transportador não é elidida por culpa de terceiro. Esse artigo reproduz a
súmula 186 do STJ:
STF Súmula nº 187 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante
do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição:
Imprensa Nacional, 1964, p. 96.
Responsabilidade Contratual do Transportador - Acidente com o Passageiro -
Culpa de Terceiro
A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o
passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação
regressiva.

O problema é que o CDC, no art. 14, traz uma disposição inversa... E aí? Não
só no caso do transporte, mas em casos de responsabilidade por fato de terceiro em
geral, nem exclui sempre nem exclui nunca.. O fato de terceiro só é uma causa
excludente desde que no caso concreto tenha força pra romper o nexo de
causalidade. Na responsabilidade objetiva o nexo não é físico naturalistíco, o que
cria uma dificuldade, mas ainda assim o fato de terceiro precisa ser apto a rompe-lo
para que exclua-se a responsabilidade indenizatória.

Caso Fortuito ou de Força Maior


Tanto o caso fortuito quanto a força maior têm aptidão pra romper o nexo
em tese, e em concreto conforme a situação. O caso fortuito tem um regramento
geral no Código, que está na parte geral do direito das obrigações.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir.

O parágrafo único do art. 393 consagra as duas características básicas do caso


fortuito ou de força maior: a necessariedade e a inevitabilidade. É equivocado dizer
que o fortuito pressupõe imprevisibilidade... precisa ser um fato irresistível, mas não
precisa ser imprevisível!

Essas características de necessariedade e inevitabilidade também marcam o


fato de terceiro, que atende a esses mesmos requisitos - é uma avaliação que se faz
em relação ao dano causado.

97
Responsabilidade Civil Giselle Viana

A diferença é se esse fato é humano ou da natureza. Quando é humano, é


tratado como força maior. Quando é da natureza, fortuito. Parte da doutrina diz o
contrário. Mas essa distinção pouco importa do ponto de vista operacional, o que
importa é que se revista das duas características mencionadas.

A importância é diferenciar o fortuito interno e externo quando a


responsabilidade é objetiva, pois o nexo causal é normativo e não físico
naturalistico.

Por exemplo, se o motorista de um ônibus sofre um infarto, o onibus se


desgoverna e causa dano aos passageiros, trata-se de um fortuito - evento necessário
e inevitável, e nesse caso até mesmo imprevisível. Ok, mas isso rompe o nexo?
Não! A empresa de ônibus responde pois o mal súbito do motorista está dentro do
risco pelo qual a empresa responde. Não importa se a empresa sabia ou não do
estado de saúde do motorista, pois trata-se de responsabilidade objetiva e não se
perquire culpa portanto. Mas se um raio cai na cabeça do motorista, aí claro que
exclui.
Nas relações paritárias, em que a responsabilidade se estabelece em função da
culpa, é mais fácil. Se selo um contrato de compra e venda de um carro mas não
consigo busca-lo por conta de uma enchente, por exemplo, quebra-se a causalidade.

Mas e quanto ao assalto? Para fins de responsabilidade civil, rompe o nexo na


responsabilidade objetiva? A dificuldade está em verificar se o evento se coloca ou
não dentro do risco normal da atividade. Há uma tendência em dizer que exclui,
mas há hipóteses em que entende-se que não. Isso depende muito também da
expectativa que se tem em relação à segurança fornecida. Não há uma resposta
pronta, a análise é casuística.

Assim como no caso da culpa exclusiva da vítima, algumas situações


historicamente consideradas de exclusão da responsabilidade deixaram-se se-lo. Por
exemplo, assaltos dentro do ônibus. Hoje, em algumas hipóteses, em que o roubo se
pratica de forma reiterada, na mesma linha, etc. e diante da omissão da empresa em
tomar medidas acautelatórias, a jurisprudência admite que o fortuito externo passa a
adentrar o risco interno da atividade. Logo, a empresa responderia.

Cláusula de não Indenizar.


A cláusula de não indenizar é um pacto bilateral, um negócio jurídico, cujo
objeto é afastar a obrigação de indenizar.

98
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Em primeiro lugar, há uma questão terminológica: alguns preferem chamar de


cláusula de irresponsabilidade. No entanto, outros autores entendem que cláusulas
de irresponsabilidade seriam clausulas legais de isenção de responsabilidade, e não
as pactuadas. Não obstante, é certo que o próprio termo “cláusula” traz a ideia de
algo pactuado. Ademais, observe-se que essas cláusulas afastam não propriamente a
responsabilidade, mas sua consequência: a indenização. Ror isso, Godoy acha que
do ponto de vista técnico essa terminologia, “cláusula de não indenizar” seria
melhor.

Uma vez que a cláusula de não indenizar decorre de um negócio jurídico,


sujeita-se a todos seus requisitos de validade.
Não há grandes divergências quanto ao cabimento dessas cláusulas tendo em
vista elidir a obrigação indenizatória no caso da responsabilidade civil contratual.
Mas e na responsabilidade extracontratual?

Problema 21
Pode haver cláusula de não indenizar danos extrapatrimoniais?

Para a grande maioria da doutrina, a cláusula de não indenizar somente seria


excludente em casos de responsabilidade civil contratual. Assim, costumeiramente se
consedera que tais cláusulas não caberiam para os casos de responsabilidade
extracontratual.
Mas por que? Alguns sustentam que é impossível uma clausula de não indenizar
nesse caso pois não se sabe ainda quem são os causadores do futuro dano. Não dá
pra fazer negócio se você ainda nem sabe com quem. Há, portanto, uma uma
indefinição apriorística na responsabilidade extracontratual que impossibilitaria
uma cláusula como essa.
Godoy não acha esse argumento bom, pois é possível sim imaginar uma cláusula de
não indenizar para pessoas determinadas e, ainda assim, para fatos de
responsabilidade extracontratual. Por exemplo, pode-se acertar com os vizinhos que
eventuais danos não ensejarão responsabilização. Ora, a relação de vizinhança não é
uma relação contratual, mas há um contato entre partes determinadas.
Sendo assim, o melhor argumento contra essa possibilidade seria relativo à própria
gravidade dos danos extracontratuais. Dizer que a cláusula de não indenizar só tem
cabimento nas hipóteses de responsabilidade contratual deve envolver como
pressuposto, portanto, que isso seria incompatível com o tratamento mais gravoso
da responsabilidade extraconratual conferido pelo sistema.

99
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Requisitos
Em alguns casos de responsabilidade contratual, mesmo sendo possível a
pactuação da cláusula de não indenizar, esta tem que atender a certos requisitos.

Materialmente bilateral
Responsabilidade
Requisitos da contratual?
Não incidir em caso de dolo
Cláusula de Não
Indenizar
divergência
Não ferir a ordem pública, a doutrinária
moral e os bons costumes

Primeiro, ela tem que ser negocial. Quer em relações paritárias, quer em
relações consumeristas, ela tem que ser materialmente bilateral, não pode ser
importa por uma das partes. Dessa forma, não pode por exemplo ser imposta num
contrato de adesão em desfavor do aderente.

Ademais, a cláusula de não indenizar não pode excluir a responsabilidade


quando o dano tiver sido causado por uma conduta dolosa. Seja no contrato seja
numa relação extracontratual, imaginando que isso seja possível. Se o dano for
causado por uma conduta dolosa, essa clausula não incide, e ela nem pode ser
prevista nesse sentido.

Além do mais, ela não pode ferir a ordem pública, os bons costumes, e a
moral. O caso de dolo, apesar de ser tratado de maneira específica, é no fundo
contemplado aqui também nesse conceituação genérica, por ferir a moral. Podem
ser encaixadas nesse requisito também algumas situações comuns como cláusulas
que representam um excessivo desequilíbrio (por exemplo, pactuada para uma das
partes e sem uma contrapartida econômica).
Antes do CDC, era possível encaixar nessa hipótese essas cláusulas quando
feriam a própria essência do contrato. É o caso do estacionamento que diz não se
responsabilizar pelos objetos deixados no carro - isso fere a essência do contrato de
depósito. No entanto, nas relações consumeristas isso já é resolvido, de forma mais
direta, pela regra de nulidade de todas essas clausulas de não indenizar.
Muitos autores afastam a incidência dessa cláusula em relação a danos
pessoais - biofísicos etc, entendendo que esse afastamento decorreria da vedação de
cláusulas que afrontam a moral e os bons costumes.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Jurisdição Civil e Penal.


O art. 935 do Código Civil consagra a relativa interdepêndcia entre a
jurisdição civil e penal que tenham sido instauradas para o mesmo caso.

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

O juiz civil, ao analisar um caso de responsabilidade civil que tenha repercussão


na esfera penal, como regra não se vincula ao que for decidido na esfera penal. O
pressuposto básico desse dispositivo é que a exigência probatória no crime é muito
maior que no cível. Por isso, o sistema aceita que alguém não seja condenado no crime,
mas pelo mesmo fato seja condenado no cível.
Por força dessa ideia, por outro lado, é possível também que haja relações de
interpenetração entre essas jurisdições. Ora, se no crime a exigência probatória é
maior, e o sujeito é condenado, é preciso discutir sua autoria de novo na esfera
civil? Segundo o art. 144 do Código Civil, não. Diz o dispositivo que a sentença
penal condenatória faz coisa julgada no cível e faz título executivo. Ou seja, com
a sentença condenatória em mãos, resta à jurisdição cível apenas liquidar o dano.

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Saliente-se que a coisa julgada se faz para quem foi o autor do fato. Tício
pode, em virtude de um dano sofrido e infringido pelo réu criminal propor uma
ação de indenização contra o empregador desse réu, por exemplo. Afinal, como
este não foi parte do processo criminal, não se faz coisa julgada em relação a ele, e
ele pode ser demandado na esfera cível. É claro que a prova do crime vai ser
aproveitada, então não se discute quem praticou o crime, mas discute-se se o
empregador responde.

Ademais, tudo que se tenha decidido de maneira categórica no crime vincula


no cível. Se o autor tiver, por exemplo, sido absolvido no crime, isso vincula no
cível? Sim se tiver sido categoricamente afirmado! O indivíduo pode ter ser sido

101
Responsabilidade Civil Giselle Viana

absolvido por varias causas: o juiz pode ter reconhecido que não houve o fato ou
que houve mas o fulano não foi o autor, e nesse caso é categórico. Se o sujeito for
absolvido por falta de prova, por outro lado, não vincula no cível.

Liquidação do Dano
Na parte da responsabilidade civil no código, há uma primeira seção destinada
ao tratamento da obrigação de indenizar, e um segundo ao tratamento da
indenização. Seria mais preciso, aqui, em lugar de indenização, falar-se em
“liquidação do dano”.

Esse titulo induz à crença equivocada de que a indenização seja a resposta


sistemática primeira para o cometimento de um ato danoso. Mas, na verdade, há
outras formas primárias de reparação do dano. A reparação in natura, por
exemplo, consiste em repor a parte que sofreu o dano no estado em que antes se
encontrava. Apenas se isso não for possível é que aplica-se o mecanismo
sistemático subsidiário de resposta, isto é, a indenização.

Anderson Schreiber, nessa seara, trata do fenômeno da monetarização da


responsabilidade civil. Isso é muito importante especialmente nas hipóteses de
danos extrapatrimoniais, que são aqueles agravos a direitos essenciais que
normalmente não são economicamente mensuráveis. As vezes uma reparação não
patrimonial tem o mesmo fim, e acabaria sendo melhor na prática que uma
indenização.

Por exemplo, no CDC, art. 12, há um dispositivo que determina que quando
um produto apresenta um defeito o fornecedor tem 30 dias para tentar reparar. É um
caso de reparação in natura.

Quantificação da Indenização
O art. 499, caput, expressa a regra romana segundo a qual a indenização se
mede pelo tamanho do dano. Ok, o difícil é definir exatamente o que é dano.
Como vimos, diante da realidade multifacetária que o dano possui atualmente, nem
sempre é fácil quantificá-lo com base na teoria da diferença, pois há determinados
danos que não são economicamente aferíeis, há danos difusos, há danos que

102
Responsabilidade Civil Giselle Viana

dependem de um arbitramento judicial... enfim, mais do que em liquidar, a


dificuldade hoje reside na caracterização do dano e suas consequências.

Reprobabilidade da Conduta
A regra é, portanto, que a indenização se mede pelo dano. Sendo assim, outros
elementos diferentes da extensão do dano - como, por exemplo, a culpa - nunca
entraram na sua liquidação. Ou seja, historicamente o grau de reprobabilidade da
conduta do agente sempre foi irrelevante para quantificar a indenização, muito ao
contrario do que ocorre no direito penal. De fato, ao fixar a pena, no crime, o juiz
leva em consideração as circunstâncias do art. 159, dentre as quais há o grau de
reprobalbilidade da conduta. No civil, o que importa é o tamanho do dano causado,
o que está consagrado desde a Lex Aquilia.

Redução Equitativa

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa
e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

A novidade está na exceção, estabelecida no atual Código Civil, em nome da


equidade: a regra do art. 944, parágrafo único. Esse dispositivo diz que se houver
excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz
reduzir equitativamente a indenização.

Problema 22
A redução equitativa da indenização é constitucional?
É constitucional um dispositivo que limita a indenização concedida à vitima, deixando-a
parcialmente irrressarcida? Afinal, a indenização, se reduzida, ficará aquém do prejuízo
causado. Sim, é constitucional, e isso é quase consensual. O que anima esse dispositivo é
também um valor constitucional: a justiça, a equidade daquela relação. Entende-se que
a solução mais justa, nesses casos de desproporção, é repartir desgraças. O legislador
pensou que há determinados casos em que alguém age com um grau de culpa mínimo, e
mesmo assim causa um dano imenso - e quando há essa desproporção séria entre a culpa
e o dano, não é justo transferir toda a desgraça para o ofensor.
Exemplo: Caio senta de maneira um pouco brusca no sofá, que acabou derrubando um
vaso, que cai da janela e mata o transeunte Tício, deixando sua família desamparada.
Saliente-se que é preciso que haja uma culpa levíssima. Logo, aquela máxima segundo a
qual para a responsabilidade é irrelevante o grau de culpa não é tão precisa. Realmente,
como regra, é irrelevante, mas há exceções.

103
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Problema 23
A redução equitativa é faculdade ou dever do juiz?

Se a lei diz que o juiz poderá reduzir, a pergunta é: ele pode não reduzir? Em outras
palavras, esse “poderá” denota uma facultatividade do juiz, ou é uma obrigação? Visto
pelo ótica do réu, ele possui um direito subjetivo a essa redução?
Godoy entende que esse “poderá” não é uma faculdade do juiz por si só. Mas será que
por algum outro motivo ele poderá deixar de reduzir? Boa parte dos autores sustenta que
é direito do ofensor não ser condenado a uma indenização cabal, pois o “poderá” deve
ser interpretado como um “deverá”. Godoy não acha. Isso porque o fundamento da regra
é a equidade, ou seja, evita-se simplesmente transferir a desgraça da vítima ao ofensor.
Não há grande divergência quanto a esse fundamento. Se é essa a ideia, mesmo tendo
agido com um grau mínimo de culpa, causando um dano imenso, se o ofensor puder
indenizar sem qualquer desgraça para si, por que não?
A regra geral é da indenização cabal, logo, essa exceção tem que ser interpretada de
forma restritiva, e de acordo com seu fundamento, isto é, a equidade. Deixar de
reduzir, num caso concreto, pode ser mais equânime!
Mas pera, isso não remete a um juízo de ordem econômica? Isto é, se o ofensor tem
dinheiro o suficiente para pagar a indenização cabal sem que isso lhe traga quaisquer
desgraças... um juízo tal não seria indevido e discriminatório?
Ora, de fato é uma discriminação, mas a lei não veda discriminações - veda aquelas sem
causa. Tanto é que, inevitavelmente, a situação econômica dos envolvidos será pondera
uma hora ou outra na indenização. Explico: uma vez determinado que é caso de reduzir,
o juiz deve estabelecer o quanto irá reduzir.
Os critérios de que se vale o juiz para estabelecer o quantum da indenização
equitativa não estão na lei, mas aparecem em outras lei. Com efeito, o código português
diz que deve-se levar em conta a condição econômica das partes. O argentino, a exemplo
do português, diz que o juiz deve levar em consideração a situação econômica do
lesante. Mas se está a levar em consideração a situação econômica das partes
expressamente em algumas legislações estrangeiras, talvez seja uma discriminação
importante, e sendo assim porque não utiliza-la para verificar se é equânime reduzir
aquela indenização?
Para o Godoy, portanto, o juiz pode sim deixar de reduzir a indenização, mas não porque
a lei diz “poderá”, mas se ele considerar que naquele caso concreto a indenização cabal é
equânime. Não se pode apriorisicamente dizer que no caso concreto todo dano causado é
imenso também para o lesante, tratando de maneira abstrata situações que deveriam ser
analisadas em concreto. O ônus da prova, observe-se, é da vítima.

Dano Moral
Isso aplica-se ao dano moral? Não é que não se aplique, mas não se aplica de
maneira literal. No dano moral, não há um prejuízo aprioristicamente

104
Responsabilidade Civil Giselle Viana

mensurável. Se a lei fala de uma redução, é preciso ter um objeto a ser reduzido,
então deve haver um valor previamente aferível. E isso não existe no dano moral, e
por isso não faz muito sentido uma aplicação literal do paragráfo. No entanto, isso
não faz muito diferença na prática, pois as circunstâncias do fato de qualquer
modo devem ser consideradas quando o juiz for arbitrar o valor da indenização
moral.

Responsabilidade Objetiva
Esse dispositivo de aplica a casos de responsabilidade civil objetiva? O
legislador escolheu como e em que medida a equidade de aplica: quando a culpa for
levíssima e o dano enorme. Ora, se ele falou em grau de culpa, está falando de
responsabilidade subjetiva.

Não obstante, no caso de responsabilidade objetiva poderia haver uma


desproporção objetiva entre a situação da vitima e a situação do responsável.
Assim, apesar de fugir do próprio pressuposto da regra, alguns poucos autores
sustentam também a aplicabilidade da regra para casos de responsabilidade
objetiva, com fundamento na equidade.

Concorrência Culposa

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em
confronto com a do autor do dano.

O art. 945 trata da hipótese de culpa concorrente, isto é, quando a própria


vítima contribuiu com o dano que sofreu. O agente responde porque concorreu
para o evento danoso, mas a vítima também concorreu, então isso deve ser levado
em conta na fixação da indenização.

Ambos - vítima e agente - contribuem para a eclosão do evento danoso. Então


como se liquida o dano? Primeiramente, para falar em liquidação do dano, é preciso
saber que dano se está liquidando. A primeira confusão que se faz quando se fala
em culpa concorrente é achar que é um dano só - não é! Se duas pessoas se
envolvem num acidente, as duas sofrem um dano - que pode ter valores diferentes.
É preciso então antes de tudo saber qual dano se está indenizando.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Se Caio sofreu um dano de 100 reais, e também contribuiu para seu próprio
dano, a pergunta é: a sua conduta culposa, para o seu próprio dano, foi maior ou
menor? Se foi equivalente, então o juiz o condenará a 50. Mas e se foi Tício que
propôs a ação, visando a reparação do dano de 50, e ambos concorreram com igual
grau de culpa - então paga 25! As indenizações podem ser diferentes apesar de
proporcionalmente iguais.

Não é necessário, saliente-se, que o juiz considere que as duas partes


concorreram igualmente. O juiz pode entender que a conduta de um concorreu de
forma mais intensa que o de outro, nesse caso pode determinar uma divisão distinta
(30% por ex).

ação de
Caio Tício
indenização

passou no sinal ultrapassou o limite


vermelho de velocidade

70% concorrência
causal
30%

Indenização:
R$300
Dano de (de Tício a Caio)
Caio =
R$1000

É possível que a concorrência culposa da vítima seja um fato de


proporcionalização da indenização a ser paga pelo agente quando a
responsabiilidade é objetiva? Tem-se entendido que sim! Afinal, apesar de a
responsabilidade ser objetiva, a concorrência culposa fere a boa-fé objetiva do
contrário.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Casos Especiais
A lei estabelece alguns casos particulares de danos que envolvem dificuldades
próprias na sua liquidação.

1. Indenização em caso de Morte


Como o dano
moral
1
Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras
reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da
família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se
em conta a duração provável da vida da vítima.
2
3
Dano material Despesas ligadas ao
por ricochete funeral, mas não de
absoluta necessidade.

Essa indenização se fixa sempre que alguém é responsável pela morte de


outrem. Não é preciso que o responsável tenha agido com dolo, nem que tenha sido
condenado na esfera penal, basta que seja responsável.
O dispositivo diz que a indenização não exclui outras reparações no seguinte:
danos materiais, pagamento de despesas com o tratamento da vítima (pode não
ter morrido imediatamente, pode ter sido submetida a um tratamento prévio que
acarretou despesas); despesas do funeral e o luto da família.

O que é o luto da família? Essa discussão era mais aguda no código anterior,
em que não havia a admissão expressa do dano moral. À luz do código anterior,
alguns diziam que esse luto da família era exatamente a previsão de um pagamento
de indenização moral, previsto por lei. Seria uma indenização moral, saliente-se,
por ricochete. Era, nesse sentido, visto como uma espécie de válvula de abertura
para a incidência da indenização moral, que não era expressamente admitida.
Outros sustentavam que era mais uma hipótese de dano material - mas relativo
a que? Às despesas havidas ligadas ao funeral, mas não absolutamente necessárias.

107
Responsabilidade Civil Giselle Viana

Por exemplo, a despesa com mausoléu17. É essa interpretação que vigora hoje, no
entendimento do Godoy.

As tais despesas com o luto da família, portanto, não são entendidas


atualmente como dano moral. Afinal, este está expressamente disposto, e não
precisa de nenhum esforço hermenêutico para ser aplicado. Pode-se pleitear,
portanto, dano moral pela morte de alguém - já que o próprio caput diz que não se
exclui outras indenizações.

Alimentos
O inciso II continua elencando os elementos da indenização em caso de morte.
Diz que também consistirá na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os
devia, considerada a expectativa de vida do morto se o evento não tivesse ocorrido.

Trata-se de um dano material por tabela, por ricochete. Sucede que a morte
pode ter privado alguém vivo de um sustento que o morte lhe dava. As vítimas
diretas ficaram privadas da assistência material, o sustento ou auxílio que o morto
prestava-lhe. Esse dano é ressarcível por meio de uma pensão de alimentos.
Problema: quem são potencialmente essas pessoas privadas do sustento que
lhes era destinado pelo morto? Lembremos da distinção das possíveis origens dos
alimentos: podem originar-se do direito de família, sendo devidos em virtude do
valor básico da solidariedade familiar (o estado elege alguns familiares mais
próximos para socorrer aquele necessitado que não pode sustentar a si próprio, já
que o próprio Estado não pode socorrer todo mundo); pode também decorrer de
manifestação de vontade, sob a forma de uma liberalidade, prescindindo de
qualquer vínculo familiar. A terceira origem possível dos alimentos é justamente
essa: a título de responsabilidade civil.

Os alimentos, aqui, constituem uma indenização - o vínculo básico, portanto,


é o dano. Ora, se o vínculo decorre do dano, não é obrigatório que a vítima indireta
seja parente! Pode ser, por exemplo, um afilhado que o dito cujos sustentava.

E se o sujeito não era naquele momento sustentado, mas havia grande chance
de vir a ser. A morte lhe privou, portanto, da chance de ser sustentado. Essa
hipótese envolve a teoria da responsabilidade pela perda de uma chance. Faz-se
mister um juízo de probabilidade, que pressupõe uma análise casuística.

17Observe-se que o entendimento ia no sentido de que as despesas com mausoléu só eram


indenizaveis nesse caso se a família de fato tinha condições para pagar um, caso contrário
verificar-se-ia enriquecimento sem causa.

108
Responsabilidade Civil Giselle Viana

E se quem morreu foi um filho menor de idade? Por exemplo, Caio tem 17
anos de idade e trabalha, ajudando no sustento da casa. Nesse caso, já havia uma
contribuição efetiva, então é fácil.

Mas e se o filho menor que morreu era ainda criança, e portanto ainda não
trabalhava. Essa discussão foi travada por muitos anos, mas hoje encontra-se já
superada pela sedimentação de uma súmula do Supremo:
STF Súmula nº 491 - 03/12/1969 - DJ de 10/12/1969, p. 5931; DJ de
11/12/1969, p. 5947; DJ de 12/12/1969, p. 5995.
Indenização - Acidente - Morte de Filho Menor - Trabalho Remunerado
É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não
exerça trabalho remunerado.

Qual o pressuposto dessa súmula? Por que a morte de um filho menor que não
possui remuneração efetiva constitui um dano material reflexo para os pais?
Entende-se que, trabalhando ou não, na realidade brasileira, um filho é sempre uma
força de contribuição para a economia da família. Hoje é raro que só um dos
membros da família se incumba do sustento do lar.

Mas, garantida a indenização, a partir de quando ela é devida?

Há limitação etária para o trabalho: a partir dos 14 anos o sujeito pode


trabalhar apenas como aprendiz. Alguns acórdãos, enfrentando essa questão,
passaram a determinar a indenização apenas a partir de quando o morto completaria
14 anos. Ainda hoje há acórdãos nesse sentido, mas não é mais o que prevalece. De
fato, entende-se atualmente de forma majoritária que, não obstante exista essa
limitação etária, a contribuição é muito comum que se preste muito antes. Tem,
nesse sentido, prevalecido a tese de que a pensão deve ser paga a partir do fato, da
morte do menor, portanto.
E até quando essa pensão deve ser paga? Havia uma primeira tese de que essa
pensão deveria ser paga até a maioridade. Por construção jurisprudencial,
estabeleceu-se a idade média de 25 anos, ao pressuposto de que nessa idade a
vítima teria autonomia e deixaria de representar um auxílio aos pais - que são as
vítimas indiretas.
Isso está superado! Mesmo que o indivíduo adquira autonomia aos 25 anos e
até mesmo saia de casa, isso não significa que ele deixe de servir como força de
auxílio para os pais, ainda que em menor extensão. O que predomina hoje na
jurisprudência, nesse sentido, é o entendimento de que esses alimentos devem ser

109
Responsabilidade Civil Giselle Viana

pagos até quando o filho completaria a idade de sua expectativa de vida (65 anos,
por exemplo). A não ser, é claro, que os pais morram antes.

A partir dos 25 anos, no entanto, a força de contribuição não seria mais a


mesma, afinal a vítima teria já sua própria família. Quando o filho menor já
trabalhava, fica mais fácil imaginar o valor da pensão
Parte do que ganhava, usava para si mesmo, ou seria usado para compor um
fundo familiar também destinado a pagar futuramente suas próprias despesas.
Então, fixa-se a indenização para 2/3 sobre o que o menor recebia, ou se ainda não
trabalhava, sobre o salário mínimo.

Portanto, a partir do evento, não importa quantos anos tinha a vítima direta, e
paga-se até quando a vítima em teoria viveria. Esse valor da pensão se reduz no
momento em que a vítima completaria 25 anos.

E se o filho morreu já maior de idade? Tende-se, nessa hipótese, a trabalhar


com a realidade. Pergunta-se: o filho efetivamente contribuía para a economia
doméstica dos pais? Se sim, paga-se a pensão, abatidas as despesas que o filho teria
consigo mesmo. Mas paga-se até quando? Até quando o filho vivesse? O que se tem
entendido é que, se o filho morto já era maior, contribuiria por um tempo razoável
de 5 anos. O pressuposto é que, se ele já era maior, não contribuiria a sua vida toda
para o auxílio dos pais. Há uma certa incoerência aparentemente.

Sucede que quando morre o filho menor, é muito mais difícil trabalhar com
faixas fixas, pois o futuro é muito distante e incerto. Quando quem morre é maior, a
jurisprudência tem uma facilidade maior de trabalhar com prazos.

Se aquele filho maior de idade que morreu não contribuía com os pais,
ressurge a discussão da perda de uma chance.

E se quem morreu foi o pai, de quanto é a pensão? Se o filho for menor, fica
muito mais fácil avaliar a perda econômica que isso representa: fixa-se a pensão em
função daquilo que o pai efetivamente ganhava, geralmente reduzindo o 1/3 que
ele gastaria consigo mesmo.

Mas e se o pai não trabalhava? Estabelece-se a pensão com base no salário


mínimo. Se o pai fosse autônomo, o juiz fixa a pensão sobre o que considerar, dadas
as provas, a força de sustento que o pai tinha.

Até quando se paga essa pensão? Aqui, tem-se fixado até 25 anos da vítima,
isto é, o filho menor. Ao pressuposto análogo ao do direito de família - o dever de
sustento que os pais tem em relação aos filhos, de acordo com a regra geral, se

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

estabelece até quando o filho completa a maioridade; a jurisprudência alargou esse


prazo para até 25 anos, considerado como o final da idade universitária. Claro que
após os 25 anos é possível que o pai tenha que pagar alimentos para o filho, mas
isso depende do binômio necessidade-possibilidade. Até o filho completar a idade
universitária - desde que esteja na universidade ou se preparando para ela - ele
recebe a pensão indenizatória.

Se o pai morreu mas o filho era maior? A pensão se paga por 5 anos.

Morte do Cônjuge ou Companheiro(a)


À época em que essa matéria começou a ser discutida, a mulher era
considerada pela jurisprudência, para esse fim indenizatório, uma “despesa” e não
uma contribuição econômica. Assim, com a morte da mulher, entendia-se que o
marido não tinha direito a nenhuma indenização. Isso, obviamente, está totalmente
superado:

Mas não é raro que a mulher não trabalhe efetivamente. Paga-se a indenização
do mesmo jeito, mas com base no salário mínimo, abatando-se o que ela gastaria
consigo mesma. A ideia é de que mesmo não trabalhando, a mulher propicia ao
marido maior potencial de trabalho fora, além de auxiliar na casa. Vale também o
inverso, se o marido cuida da casa e a mulher trabalha.

Mas e se por exemplo o cônjugue não trabalha nem ajuda em casa? Paga-se a
indenização por dano material pela morte dele? Sim, em qualquer circunstância,
como é próprio da relação conjugal ou da união estável, há sempre um suporte do
ponto de vista material ao outro, e por isso é sempre devida a pensão.

Se a pensão é fixada em salário mínimo, é uma das hipóteses excepcionais em


que ele pode servir como índice de atualização. Acontece que aqui a verba tem
natureza alimentar, e por isso é possível vincular ao salário mínimo.
Segundo a súmula 246 do STJ, se houve pagamento de seguro obrigatório, que
é uma forma de indenização coletivizada, em virtude do falecimento, esse valor
deve ser abatido da indenização:
STJ Súmula nº 246 - 28/03/2001 - DJ 17.04.2001
Seguro Obrigatório - Indenização Judicial
O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização
judicialmente fixada.

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Responsabilidade Civil Giselle Viana

Isso não vale para o seguro facultativo, nem pra verbas previdenciárias! Essas
pensões incluem 13o, a não ser que a vítima fosse profissional liberal, que não
recebe 13o. Há, nesse ponto, uma certa sincronia com as regras trabalhistas.

Ainda, segundo o art. 475-Q do CPC, é possível mas não obrigatório que
nessas indenizações o juiz mande constituir o capital que garanta o pagamento da
pensão. Trata-se de uma cautela, que pode ser no caso considerada como
desnecessária pelo juiz. Quando o responsável é pessoa jurídica, é comum incluir
nessa constituição do capital a folha de pagamento da vítima.

No mesmo artigo, no parágrafo 3o, o CPC, estabelece que a cláusula rerus


está íncita nessa pensão, que é portanto indivisível. Assim, se recrudescer a
necessidade do credor vale a possibilidade da revisão.

É possível que a vítima peça para que essa pensão seja paga de uma só vez. O
código autorizou isso em caso de lesão corporal, mas no caso de morte não há
previsão expressa nesse sentido.

Dano Moral
Quem sofre dano moral pela morte de alguém? Até onde vai essa
possibilidade? Alerta: no nosso sistema, isso é uma aporia.

No código português, só pode pleitear essa indenização quem for sucessor do


de cujus. Se tiver filhos, os pais não podem. Se tiver pais, os avós não podem. A
exceção é sobre os cônjuges e companheiros. Os códigos civis francês e alemão,
assim como o nosso, também não preveem uma limitação. Ao tratar da matéria, os
legisladores no fundo tiveram que optar entre considerar que o autor reclamar a
indenização por direito próprio ou reclama pela condição sucessória (como o
português).

Não há, portanto, previsão legal... e nem consenso na jurisprudência. Há uma


tendência em trazer do direito estrangeiro essa limitação. Mas como não está na lei,
não há limite apriorístico. Todo mundo então pode pedir a priori.

No que tange à jurisprudência, há uma tendência em atribuir a indenização


para o grupo familiar: desse modo, se os filhos pleitearem a indenização, o juiz
fixa-la-á de forma a já abranger todos os familiares, e não só os filhos que pediram.
Assim, se os outros quiserem uma fatia, têm que pedir perante os que já receberam.

Mas então é um direito ilimitado? Por óbvio que não. Todos os direitos são
limitados. Qual o limite que o nosso sistema conhece? Ora, o abuso de direito!

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Observe-se que isso não tem nada a ver com o dispositivo do art. 12,
parágrafo 1o, que confere legitimidade extraordinária para que os sucessores tomem
medidas de tutela da personalidade de quem já morreu. Esses familiares não estão
pleiteando direito próprio! Estão pleiteando a tutela de direito de personalidade de
quem já morreu, mas sobre algo que pode projetar efeitos para depois da morte. É
uma preocupação com a tutela da projeção de efeitos do direito da personalidade de
quem já morreu, e não com a indenização dos parentes pelo dano moral decorrente
da morte.

Lesão Corporal
O art. 949 e 950 tratam da lesão a saúde. O art. 949 trata da hipótese de lesão
da qual não decorre incapacitação laboral:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o


ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da
convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

O art. 950 também trata de uma lesão corporal, mas da qual decorre
incapacitação laboral:

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o
seu ofício ou profissão , ou se lhe diminua a capacidade de trabalho , a
indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da
convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que
se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja


arbitrada e paga de uma só vez.

No caso do art. 949, é preciso pagar as despesas do tratamento, além de


quaisquer outras despesas com medicamento, atendimento médico, etc. São
devidos, ademais, os lucros cessantes, os eventuais danos morais, etc. Lembrando
que é possível que as lesões se agravem posteriormente, criando a necessidade de se
complementar o valor já pago.

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O art. 950 trata da hipótese de lesões incapacitantes. Se o sujeito, em virtude


da lesão sofrida, não pode mais trabalhar, deve ser indenizado pela perda da
remuneração que tinha. Nesse caso, realiza-se perícia que ateste a incapacitação da
vítima.

As vezes, o sujeito até pode trabalhar, inclusive na mesma atividade que


exercia, mas para isso terá que depreender maior esforço. Esse percentual de
comprometimento também deve ser apurado, e será também recebido a título
indenizatório.

Mas e se o sujeito fica incapacitado de trabalhar na atividade que exercia, mas


não em outras? Nesse caso, a indenização se fixa em razão do total que o sujeito
recebia ou deve-se abater o valor da nova remuneração? Em princípio, tem o
direito de haver uma indenização cabal. No entanto, se provar-se que ele
efetivamente conseguiu nova ocupação e está de fato recebendo renda, pode-se
compensar.

Realiza-se, aqui, um cálculo prospectivo: leva em consideração a vida


provável da vítima. Deve-se tomar algumas cautelas! Esse pagamento se faz em
função do futuro, e no futuro podem acontecer circunstâncias que alterem a
situação.

Quando se faz o pagamento de uma só vez, normalmente se vincula o


pagamento a uma conta, que será movimentada periodicamente - não é, portanto,
disponível de imediato. Alguns exigem que em contrapartida, o credor que está
recebendo de uma só vez, estabeleça uma espécie de garantia. É um pagamento de
uma só vez que ainda não está completamente operacionalizado no sistema, gerando
assim certa dificuldade.

Observe-se, ainda, que há uma tendência na doutrina e jurisprudência em


estender essa regra para o dano resultante de morte. Mas isso traz ainda mais
problemas, afinal a incerteza, no caso da morte, é ainda maior! Primeiro porque é
devida a terceiro, e não à vítima direta. Segundo, porque implica períodos muito
mais longos, e valores muito mais elevados.

Dano Estético
A lesão pode acarretar consequências morfológicas à vítima, ou seja, marcas
físicas permanentes, ainda que não incapacitantes.

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O Código anterior dizia, no art. 1538, que a soma devida no caso de lesão
seria duplicada se do ferimento resultasse aleijão ou deformidade. O parágrafo,
ainda, trazia a pérola: “Se o ofendido, aleijão ou deformado, for mulher solteira ou
viuva ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dota-la, segundo as posses
do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito” (!!!).
A dificuldade relativa ao dano estético reporta-se à sua possível autonomia
perante o dano material e o dano moral. De fato, modernamente tem sido entendido
o dano estético como uma categoria autônoma, entendimento endossado pela
súmula 387 do STJ, segundo a qual o dano estético é cumulável com o dano moral.
Ora, se é cumulável significa dizer que não é uma categoria de dano moral!
STJ Súmula nº 387 - 26/08/2009 - DJe 01/09/2009
Licitude - Cumulação - Indenizações de Dano Estético e Dano Moral
É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.

O problema é que, historicamente, o dano estético foi ora enquadrado nos


danos morais, ora nos materiais, pois uma deformidade realmente pode suscitar
danos morais e materiais, além do estético propriamente dito. Por exemplo, em
virtude de uma deformidade, o sujeito pode ter um dano moral resultante de uma
baixa de autoestima. É um dano moral resultante de um dano estético. A fixação é
uma só! Por isso foi historicamente confundido com o dano moral. Passou-se a
exigir que houvesse uma deformidade que de alguma maneira expusesse ou
constrangesse a vítima, já que se entendia que o dano moral estava ligado ao
sofrimento da última.

Alguns autores começaram a pensar que há determinados danos estéticos que


podem inclusive trazer dano material. Quando o trabalho da vítima, por exemplo,
depende de sua imagem, como no caso das modelos, e fica obstado por conta da
deformidade.

Recentemente tem-se entendido que, de fato, o dano estético pode ter


consequências morais ou materiais, mas tem um significado próprio que autoriza
uma indenização própria. Seria uma alteração morfológica séria, relevante, mas
que não precisa ter uma consequência especial moral (não precisa expor a
constrangimento nem ser visível) ou material (não precisa acarretar incapacitação
ao trabalho). É por isso que a súmula estabelece a possibilidade de sua cumulação.

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Usurpação ou Esbulho do Alheio

Art. 952. Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa,


a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título
de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao
prejudicado.

Parágrafo único. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa,
estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não
se avantaje àquele.

O art. 952 estabelece uma indenização em caso de usurpação ou esbulho do


alheio. Além dos exemplos clássicos de condutas típicas do direito penal, como o
furto e o roubo, há outros casos apenas civis, como por exemplo no caso de uma
resolução de um compromisso de compra e venda - tal resolução extingue a causa
de ocupação do imóvel, e essa ocupação portanto deve ser indenizada, pois trata-se
da usurpação de algo alheio.

Uma vez verificada a usurpação ou esbulho de coisa alheia, é devida a


restituição da coisa e os lucros cessantes, já que quem ficou privado
indevidamente do uso do que é seu, deixou de potencialmente auferir um proveito
resultante desse uso. Ora, lucro cessante é justamente o valor dessa privação, que
deve ser indenizado.

Mas como se fixa esse valor? Normalmente é comum se recorrer ao valor


locativo que a coisa tem, ou seja, a potencialidade de renda que a locação da coisa
propicia. Assim, não importa se no caso em concreto o dono não pretendia alocar a
coisa, e não importa que ele não tenha que alugar outra durante a privação,
indeniza-se de qualquer jeito. Afinal, o que está sendo pago não é a locação, mas o
valor da privação! É uma estimativa de liquidação do dano.

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Ofensa à Honra

Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação


do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz
fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias
do caso.

Parece indicar que a indenização depende da configuração penal da calúnia,


injúria ou difamação, mas não depende!

O parágrafo único é um tanto quanto problemático. Sucede que há


aparentemente duas interpretações possíveis para esse parágrafo. A primeira é que
prejuízos não patrimoniais poderão se demandados só se não provar prejuízos
patrimoniais, mas isso não faz sentido porque ambos podem ser cumulados. Uma
segunda interpretação seria no sentido de que, se o autor não puder provar o
prejuízo material, o juiz pode dar a esse prejuízo um valor a for fe, apriorístico. Mas
que valor? A sugestão do Godoy é desconsiderar esse parágrafo...

Ofensa à Liberdade Pessoal


Em virtude da ofensa à liberdade pessoal, pode-se pedir indenização em
virtude do dano material ou moral, contanto que provado o dano.

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento


das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar
prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:

I - o cárcere privado;

II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;

III - a prisão ilegal.

O artigo procede dando exemplos dessas ofensas: cárcere privado, prisão por
queixa ou denúncia falsa ou de má-fé, e a prisão ilegal.

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Se alguém é preso porque foi vítima de uma queixa, isso só ensejará


responsabilização para quem deu a notícia criminal se esta tiver sido feita de má-fé.
Se alguém é investigado ou processado criminalmente, mesmo sem ter sido preso
(não há ofensa à liberdade pessoal, portanto), em virtude de uma noticia criminis.
Nessa situação, não se exige má-fé para que o autor indenize, mas ele também não
indeniza sempre! Quem dá uma notícia crime, afinal de contas, está a exercer um
direito. A ideia fundamental, aqui, é que uma noticia criminis, mesmo que não de
má-fé, mas infundada. Essa ideia transparece o dever objetivo de cautela, e
deveria nortear inclusive a hipótese da notícia-crime que enseja prisão, e portanto
ofensa à liberdade pessoal.
Sobre a prisão ilegal, observe-se que nos casos de prisão decretada de maneira
cautelar ou provisória, o fato de o sujeito ser depois absolvido não gera por si só
direito a indenização. Será, no entanto, se houver teratologia nessa prisão.

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