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Relatório
A., Limitada, impugnou o ato de liquidação no valor de € 6.811,50,
correspondente à taxa a que se refere a alínea l), do n.º 1, do artigo 15.º,
do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, atualizada pelo Decreto-Lei
n.º 25/2004, de 24 de janeiro, relativa ao posto de abastecimento de
combustíveis localizado na EN n.º 1, ao Km. 278,030, em S. João da
Madeira, praticado pelo Diretor Regional de Aveiro da B., S.A.
*
Fundamentação
A questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do presente
recurso, foi recentemente apreciada pelo Tribunal Constitucional, nos
seus Acórdãos n.º 846/2014, 28/2015 e 90/2015 (acessíveis em
www.tribunalconstitucional.pt) que não julgaram inconstitucional a norma
da alínea l), do n.º 1, do artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de
janeiro, na redação do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, na
interpretação segunda a qual pelo estabelecimento ou ampliação de
postos de combustível é devida taxa por cada mangueira abastecedora de
combustível instalada.
Invocou-se, em fundamento de um tal juízo de não
inconstitucionalidade, no primeiro destes acórdãos o seguinte:
«…3. A recorrente sustenta a inconstitucionalidade da interpretação que
o acórdão recorrido conferiu à alínea l) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei
n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º
25/2004, de 24 de janeiro, interpretação segundo a qual pelo estabelecimento
ou ampliação de postos de combustível é devida taxa [no montante de
€1.362,30] por cada mangueira abastecedora de combustível instalada. No
entender da recorrente, tal interpretação viola os princípios da
proporcionalidade e da justiça, ínsitos no n.º 2 do artigo 266.º da
Constituição.
Deve começar por dizer-se – em consonância, aliás, com a argumentação
aduzida nas alegações do recurso – que, no caso, a incidência das taxas sobre
as bombas abastecedoras surge como um instrumento dirigido à salvaguarda
da finalidade legal do licenciamento, a qual, de acordo com o disposto no
artigo 12.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 13/71, consiste na não afetação da
estrada e da perfeita visibilidade do trânsito.
Contudo, e independentemente desta verificação de princípio, há que
sublinhar que o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber
se a interpretação, adotada pelo tribunal a quo quanto ao disposto no artigo
15.º, n.º 1, alínea l) do já mencionado Decreto-Lei n.º 13/71, segundo a qual
«uma mangueira abastecedora de combustível» corresponde à expressão
«bomba abastecedora de combustível», é, por algum motivo, contrária à
Constituição. Não cabendo ao Tribunal ajuizar sobre o eventual «acerto» ou
«desacerto» que, no estrito plano infraconstitucional, possa ser reconhecida
a esta interpretação, o que se lhe pede resume-se à questão de saber se a
mesma [interpretação] contraria quaisquer «normas» ou «princípios»
constitucionais (artigo 277.º, n.º 1, da CRP), designadamente aqueles que a
recorrente invoca. Em suma, trata-se de saber se «taxar cada mangueira
instalada» (ao invés de «taxar a bomba de gasolina» em si mesma
considerada) tem como consequência a liquidação de um tributo em
montante que se deva considerar, face à Constituição, desproporcionado e
injusto.
Da eventual violação do princípio da proporcionalidade
4. Como é vulgarmente consabido, o princípio da proporcionalidade ou da
proibição do excesso encontra sede textual em diversos preceitos da
Constituição, entre os quais se incluem os artigos 18.º, n.º 2, in fine, e o
artigo 266.º, n.º 2.
Sobre o sentido a conferir a tal princípio tem sido constante a
jurisprudência do Tribunal. A ideia de «proporção» ou de «proibição do
excesso – ideia essa que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os
poderes públicos – refere-se, diz o Tribunal, «fundamentalmente à
necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações
estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se
cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados)
para as pessoas a quem se destinem» (cfr. Acórdão n.º 634/93). Além disso,
como se disse, entre muitos outros, no Acórdão n.º 187/2001, «o princípio da
proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação
(as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se
como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da
exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os
fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos
para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou
proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas
excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)». Da
caracterização de cada um destes «testes» ou «subprincípios» se tem
encarregado ainda numerosa jurisprudência (veja-se, entre outros, o Acórdão
n.º 632/08).
5. A verificação da conformidade da norma ou interpretação normativa
sindicada com o princípio da proibição do excesso exige, contudo e antes de
mais, a consideração cautelosa do objeto do recurso e a caracterização da
posição jurídica da recorrente. É que, como bem se sabe, o juízo relativo à
«proporcionalidade» do agir estadual não se sustenta sempre do mesmo
modo, qualquer que seja a natureza da norma infraconstitucional que se
tenha que julgar e qualquer que seja a posição jurídica subjetiva por essa
mesma norma afetada. Pelo contrário: o iter metódico a seguir na
fundamentação desse juízo será diverso, devendo ser tanto mais exigente
quanto mais intensa for, in casu, a afetação, por via legislativa, de posições
jurídico-subjetivas que devam ser qualificadas como fundamentais.
6. Como se assinalou, a recorrente configura o juízo de
inconstitucionalidade por si alegado na violação dos princípios consagrados
no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.
Contudo, não será seguramente este o «parâmetro» aplicável à questão
sob juízo.
O n.º 2 do artigo 266.º da CRP consagra os limites à atuação das
autoridades administrativas no exercício dos seus poderes discricionários. É
no contexto do uso destes poderes que a Administração está obrigada a agir
no respeito pelos princípios da proporcionalidade e da justiça. Ora, as taxas
em causa, em si mesmas consideradas, não resultam da prática de ato
discricionário, pois que se encontram diretamente previstas no ato normativo
que as suporta. Por outro lado, o objeto do presente recurso é constituído,
não por uma atuação administrativa, mas sim pela interpretação
(jurisdicional) de uma certa norma – como, aliás, não podia deixar de ser –,
norma essa incluída, de resto, em ato formalmente legislativo. Quer isto dizer
que não está em causa a questão de saber se a autoridade administrativa
agiu em (des)conformidade com a Constituição. O que está em causa é a
questão de saber se determinada norma, constante de ato legislativo e
aplicada pelo juiz da causa com certa interpretação, se conforma com as
exigências constitucionais pertinentes, mormente as que decorrem os
princípios da proporcionalidade e da justiça. O facto de estes últimos
receberem (também) apoio textual no n.º 2 do artigo 266.º da CRP não
implica portanto, só por si, que seja este o parâmetro a aplicar ao caso sub
judicio.
7. Excluída que está a aplicação ao caso do disposto no n.º 2 do artigo
266.º, resta saber se a norma sob juízo, contida em ato legislativo, se pode
configurar como norma restritiva de um direito, liberdade e garantia, de
forma a que se lhe aplique o previsto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da
CRP.
A doutrina e a jurisprudência constitucional têm sido firmes no sentido de
concluir que o exercício, por parte do Estado, do poder de tributar não pode
ser concebido como uma afetação ou restrição de direitos fundamentais, face
à qual seja legítimo invocar o regime dos requisitos ou exigências que valem,
constitucionalmente, para as leis restritivas de direitos, liberdades e
garantias. Isto mesmo decorre, desde logo, da existência da
(impropriamente) chamada «constituição fiscal», na qual se definem as
garantias dos contribuintes, os princípios formais e materiais que conformam
o conceito constitucional de imposto, e a configuração deste último não como
afetação de um direito mas antes como obrigação pública de todos os
cidadãos, quando constituída nos termos do artigo 103.º da CRP. E se isto
assim é relativamente à imposição unilateral que forma o imposto, também o
é em relação a esses outros tributos que são as taxas [artigo 165.º, n.º 1,
alínea i) da CRP]
É abundante a jurisprudência constitucional sobre esta última figura.
De acordo com esta jurisprudência, existe uma conceção constitucional
de taxa que resulta da união entre as seguintes premissas: (i) a necessidade
da existência de uma relação sinalagmática entre o tributo que se presta e a
utilidade privada que dele se retira; (ii) contudo, a desnecessidade de uma
exata equivalência económica entre uma coisa e outra; (iii) a aferição do seu
montante em função não só do custo mas também do grau de utilidade
prestada; e (iv) a exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na
sua fixação (Acórdão n.º 115/2002: itálico nosso).
Quer isto dizer que, se a «conceção constitucional de tributo» – a qual
inclui impostos e taxas – é inimiga de qualquer construção que veja
similitudes entre estas imposições e as vulgares restrições a direitos,
liberdades e garantias, tal como estas últimas são reguladas pelo artigo 18.º
da CRP, nem por isso se dispensa, quanto a elas, o requisito ou crivo da
proporcionalidade, enquanto expressão de um princípio que, como já se
disse, vale em Estado de direito (artigo 2.º) para todo o agir estadual. Esta
afirmação, no que às taxas diz respeito, adquire especial sentido na exata
medida em que, aí, a imposição pressupõe um vínculo de signalamaticidade
entre o que se presta (e o quanto se presta) e a utilidade privada que da
prestação se retira.
Contudo, neste domínio, o que o Tribunal sempre disse foi que da
Constituição apenas se retiraria a exigência de uma não manifesta
desproporcionalidade na fixação do montante devido, dada a impossibilidade
de entender o elemento estrutural da taxa (a «correspectividade» ou
«sinalagmaticidade», vistas essencialmente como categorias jurídicas), como
algo equivalente a uma correspondência económica estrita entre o montante
a prestar e o valor da respetiva contraprestação (entre muitos outros,
Acórdãos n.ºs 115/02; 1108/96; 640/95; 461/87; 205/87).
8. Não havendo razões para dissentir desta firme e já antiga
jurisprudência, também se não vê como, in casu, concluir pela
inconstitucionalidade da interpretação da norma adotada pela decisão
recorrida, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade.
Face aos elementos disponíveis, é impossível afirmar que existe uma
manifesta desproporcionalidade entre o montante devido pelo recorrente e a
contraprestação por ele obtida, contraprestação essa que – como já se disse –
se traduziu no licenciamento do posto de combustível que o mesmo
recorrente economicamente explora. Não estando estes dois elementos, que
compõem o «sinalagma» próprio da taxa, relacionados entre si através dos
critérios da equivalência económica, e não sendo possível determinar que o
primeiro – devido ao sentido atribuído pela decisão recorrida à norma
aplicada in casu – atingiu um montante tal que onera de forma excessiva a
exploração económica do bem, impossível também se torna concluir que
houve, por efeito da interpretação adotada pela instância, uma manifesta
desproporcionalidade na fixação do montante da taxa. Tanto basta para que
se não julgue inconstitucional tal interpretação, por violação do princípio da
proporcionalidade.
Da eventual violação do princípio da justiça
10. As considerações acabadas de tecer (inclusive, no que toca à
inaplicabilidade, ao caso, do disposto no artigo 266.º da CRP), valem na
íntegra para a invocada violação do princípio da justiça, decorrente também
da «ideia» de Estado de direito consagrada no artigo 2.º da CRP. A total
ausência de elementos fácticos suficientes torna impossível suportar um juízo
sobre a matéria. Por outro lado, acresce ser ainda discutível que o princípio
da justiça, em si mesmo considerado, assuma relevância autónoma para
efeito de controlo de constitucionalidade [a doutrina tende a minimizar o
alcance prescritivo deste princípio, considerando-o «um princípio aglutinador
de subprincípios que encontram tradução autónoma noutros preceitos
constitucionais e legais – como é o caso da igualdade, da proporcionalidade e
da boa fé» e «residualmente, um princípio como uma “capacidade irradiante”
própria» (leia-se, entre outros, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de
Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, 2.ª edição, 2011, p. 151; em
sentido aparentemente idêntico, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra,
1993, p. 925)]. Tal discussão, porém, é inútil para os presentes autos, posto
que o decisivo é que não existe qualquer evidência de excesso ou injustiça
resultante da interpretação normativa que foi acolhida na decisão recorrida.
11. Em suma, não se descortina qualquer vício de inconstitucionalidade
na alínea l) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro,
na redação do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, na interpretação
que vinha sindicada.”
Aderindo à transcrita fundamentação conclui-se que não se verifica a
inconstitucionalidade material da interpretação normativa objeto do
presente recurso que foi alegada pelo Recorrente.
Mas a Recorrente, nas suas alegações, invocou ainda que a
interpretação normativa em causa sofre do vício de inconstitucionalidade
orgânica. Alega que sendo desproporcionada a taxa em causa, a mesma
resulta num verdadeiro imposto, pelo que se verifica uma
inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva de lei da
Assembleia da República em matéria fiscal (artigo 165.º, n.º 1, i), da
Constituição).
A apreciação desta questão encontra-se prejudicada pela
fundamentação do julgamento da inconstitucionalidade material, uma vez
que se considerou que não existe uma manifesta desproporcionalidade
entre o montante devido a título de taxa e a contraprestação obtida, pelo
que está afastada a possibilidade de se considerar que estamos perante
um verdadeiro imposto.
Por estas razões é de reiterar o juízo proferido nos Acórdãos n.º
846/2014, 28/2015 e 90/2015 e não havendo razões para dissentir das
razões invocadas, é de reiterar o juízo de não inconstitucionalidade nele
formulado.
*
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma da alínea l) do n.º 1 do artigo
15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação do Decreto-
Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, na interpretação segundo a qual pelo
estabelecimento ou ampliação de postos de combustível é devida taxa por
cada mangueira abastecedora de combustível instalada, atribuindo-se à
expressão «bomba abastecedora de combustível» o sentido de
«mangueira abastecedora de combustível»;
e, em consequência,
b) julgar improcedente o recurso interposto por A., Limitada.
*
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades
de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo
diploma).
I- Relatório
Cumpre apreciar.
II - Fundamentos
III – Decisão
ACÓRDÃO Nº 315/2015
I Relatório
«(…)
O conceito de “bomba abastecedora de combustível” para efeitos de
incidência da taxa pela emissão de licença para o estabelecimento ou
amplificação de postos de combustíveis, prevista no artigo 15.º do Decreto-
Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro (com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º
25/2004, de 24 de janeiro), corresponde ao de “mangueira abastecedora”,
enquanto dispositivo destinado a transferir combustível de um reservatório
para um depósito de veículo automóvel, e não ao de “unidade de
abastecimento”.
Este conceito é aquele que melhor se compagina com a necessidade de
prevenir as condições de segurança e circulação nas estradas, tributando o
risco rodoviário acrescido que resulta do maior número de saídas de
combustível licenciadas.
Tal imposição não pode padecer de inconstitucionalidade orgânica por se
tratar de um imposto, já que a mesma surge como a contrapartida jurídica de
uma autorização ou licença (art. 15.º do citado Decreto-Lei n.º 13/71), ou
seja, em áreas onde a atividade dos particulares não é livre mas sim
condicionada, pelo que à luz do disposto no art. 4.º, n.º2, da LGT, a mesma é
subsumível no conceito de taxa.
A liquidação do tributo previsto no citado art. 15.º do Decreto-Lei n.º
13/71, de 23 de janeiro, não padece de inconstitucionalidade material por
violação do princípio da proporcionalidade.»
III – Decisão