Sunteți pe pagina 1din 3

Recensão Crítica

189

L’invention des sciences modernes


Isabelle Stengers (1995), Paris: Flammarion

As condicionantes sociais dos corpos galileanos – que é definida pela


da ciência dinâmica clássica – é inseparável dos mó-
veis que ela definiu, pertence unicamente
Stengers começa por lembrar que a so- aos corpos galileanos”, pois esses corpos,
ciologia das ciências “põe em causa” a tradi- definidos pela existência dum dispositivo
cional separação entre ciências e sociedade. experimental, permitem sustentar, face à
Esta inquietação do campo científico repe- multiplicidade de proposições rivais, que
te uma outra inquietação, de 1962, quando essa velocidade é apenas uma maneira entre
Thomas Kuhn propôs a categoria de “ciência outras de definir o comportamento desses
normal”: o cientista prático não é a ilus- corpos. Assim a abstracção é relativa à inven-
tração gloriosa do espírito crítico e do ra- ção duma prática experimental ou “artefac-
cionalismo lúcido, cada paradigma determi- to de laboratório” (p.99) que a distingue de
na as questões legítimas e os critérios com uma ficção entre outras ao “criar” um facto
que devem ser reconhecidas as respostas que “singulariza uma classe de fenómenos
aceitáveis. Porquê então o escândalo actual entre os outros” (p.101). Repare-se no su-
acerca da sociologia das ciências? Kuhn não blinhado da autora na referência à invenção
sublinhou “a dimensão social das ciências” de uma prática experimental, que delimita
ao mostrar que o cientista deve ser descri- uma certa classe de fenómenos.
to como um membro de uma comunidade e Mas a autora analisa as complicadas rela-
não como “um indivíduo racional e lúcido”? ções da ciência com os interesses económi-
(pp.11 e 12). co-sociais que actualmente a podem impul-
Kuhn e o conjunto dos historiadores “inter- sionar: “Entre a constituição de um território
nos” desenvolvem o tema da grande diferen- disciplinar e a construção social de um mun-
ça dos últimos “quatro séculos europeus”,
do que permite aos produtos da disciplina
em que se criou a ciência moderna. Segundo
“fazer história” com os interesses sociais,
Kuhn, foi aqui que se realizou a condição da
económicos políticos e industriais, a relação
possibilidade da ciência, ou seja, a existên-
é ao mesmo tempo intensa e mascarada”.
cia de sociedades que dão às comunidades
A sua vulnerabilidade situa-se assim face a
científicas os meios de existir e de trabalhar
uma multiplicidade de factores de influência:
sem interferência nos seus debates. Mas os
“as ciências não são, por destino, aliadas do
historiadores “externos” sublinham que ou-
poder, mas são, por definição, vulneráveis a
tras condições singulares marcaram esses
todos aqueles que podem contribuir para a
quatro séculos, perguntando: “a indústria, o
estado, o exército, o comércio, não entram criação de diferenças, para a estabilização de
verdadeiramente na história das comunida- interesses, para a desqualificação das ques-
des científicas senão apenas no duplo título tões incómodas, para a facilitação da promo-
de fontes de financiamento e de beneficiá- ção dos laboratórios. Esta singularidade põe
rios da produção?” (p.18). o problema da sua coexistência com a de
outros actores (…) num mundo concebido
Vulnerabiblidade da ciência como campo de manobra” (p.144).
e o debate com terceiros Daí também o risco do individualismo: o
cientista escolhido pelo poder, aliás “mobili-
Uma condição da ciência moderna é a sua zado” (ou “seleccionado como representan-
artificialidade. Por exemplo, ”a velocidade te legítimo de um problema”, linhas acima)

Revista Lusófona de Educação


Revista Lusófona de Educação, 9, 2007
190

“ficará feliz e orgulhoso por se ver chamado ciências de terreno, que as distingue das
como especialista por um poder que o re- ciências de laboratório. Não se encontram
conhece como único representante legítimo aqui os dispositivos experimentais no sen-
de um problema”. Poderá considerar que tido galileano, que dão ao cientista o poder
o essencial é que “o valor da sua pesquisa de pôr em cena a sua própria questão, isto é,
seja reconhecido e receba (enfim) o finan- de purificar um fenómeno e de lhe dar o po-
ciamento que merece” (p.147). der de testemunhar a esse respeito; os ins-
Mas a discussão dos problemas com ter- trumentos do naturalista ou do cientista de
ceiros, numa postura clássica de distinção terreno dão-lhe a possibilidade de coligir in-
entre sujeito(s) e objecto(s), aparece como dícios que o guiarão na tentativa de recons-
processo de independência face ao poder: tituir uma situação concreta, de identificar
“O desafio que me proponho, o de desligar relações, não de representar um fenómeno
ciência e poder sem por isso desligar ciên- como uma função munida das sua variáveis
cia e polémica, pode ser posto em termos independentes”. Além disso: “nenhum terre-
de distinção entre sujeito e objecto”, divi- no vale por todos (…) aquilo que um terre-
são “clássica” mas “polémica” (p.150). Ora, no permite afirmar, pode um outro terreno
para a autora, “a singularidade das ciências contradizê-lo” (pp.156 a 159).
modernas mantém essa distinção, porque é Em vez de juízos individualizados em labo-
dessa distinção que nasce o risco. Assim, já ratório, a análise é essencialmente colectiva,
não se trata de superar o poder da ficção os cientistas já não juízes, mas investiga-
ou invenção inerente às ciências modernas, dores, as suas “ficções” implicam “intrigas”
trata-se sempre de o pôr à prova, de sub- cada vez mais inesperadas: “verdade, reali-
meter as razões inventadas “a um terceiro dade e pesquisa entrelaçam-se mutuamen-
susceptível de as pôr em risco” (p.151). te numa operação que cria narrativas onde
Como exemplo significativo a autora refe- antes compreendíamos por discernimento”
re o campo da “artificial life” que “congrega (p.161).
uma multidão de cientistas muito diferen- Daí a controvérsia como condição da ciên-
tes, todos aqueles que conseguem, através cia moderna: é como cientistas que aqueles
de técnicas recentes (robótica, simulação que hoje tentam modelizar o efeito estufa,
em computador) capturar e reproduzir um as consequências da desflorestação, os efei-
traço de um ser vivo” (p.155). Não se trata tos da poluição, contribuem para incomo-
de reduzir as alianças, mas de fazê-las pro- dar os cálculos político-económicos, pois os
liferar e, correlativamente, tais alianças não “novos dados”, apresentados pelos cientis-
se passam “no cume”: “nenhuma disciplina é tas, já não são “provas” estáveis, mas incer-
rainha, lugar prometido onde a vida se tor- tezas” (p.163).
nará objecto de ciência”. Assim “robóticos e
simuladores interessam-se apaixonadamen- O homem e as suas paixões,
te por tudo o que os etólogos sabem sobre medida de todas as coisas
tal traço do comportamento, próprio de tal
espécie, em tais condições” (…) (p.156) O enunciado sofista de que o “homem é
a medida de todas as coisas” é, assim, “uma
Da ciência de laboratório à ciência caracterização da aventura humana que liga
de terreno: a controvérsia verdade e ficção, enraiza ambas na paixão
que nos torna capazes tanto da ficção como
Mas a autora sublinha que actualmente de pôr à prova essas ficções” (p.187). “A
algo de diferente se passa por comparação invenção das ciências modernas exigiu um
com o estudo do movimento por Galileu: estilo de paixão que faz do autor científico
“entramos numa problemática própria das um híbrido singular, entre juiz e poeta. O

Revista Lusófona de Educação


Recensão Crítica
191

cientista-poeta “cria” o seu objecto, “fabri- é a de que a ciência actual deverá procu-
ca” uma realidade que não existe tal e qual rar “desligar ciência e poder, sem por isso
no mundo, mas que é antes da ordem da fic- desligar ciência e polémica”, o que pode ser
ção. O cientista-juiz tem de conseguir fazer posto “em termos de distinção entre sujeito
admitir que a realidade que ele fabricou é e objecto”, como vimos. É que a invenção
susceptível de conter um testemunho fiável. actual da ciência é de base interdisciplinar
Por isso, os historiadores da ciência têm e congrega uma diversidade de cientistas
como princípio fundamental o de que o muito diferentes, onde “nenhuma disciplina
conhecimento humano é constantemente é rainha” e onde a relação “entre represen-
transformado, são narradores que assumem tação legítima e opinião” é vista como “um
a evolução como condição essencial da ci- hábito de pensamento”.
ência: “A paixão dos narradores darwinistas Essa tensão entre os pólos da represen-
não faz deles nem poetas, no sentido de fa- tação especializada e o da opinião, que se
bricantes, nem juízes, nem profetas, mas tor- vive no âmbito de ciências de terreno como
na-os vulneráveis à ironia, porque a medida são fundamentalmente as actuais, torna-se a
das histórias da Terra que eles aprendem a proposta fundamental da autora, vista como
contar exige deles uma estética da contingên- um risco a assumir. Por isso, sublinha uma in-
cia”. Assim, o historiador de ciência vive no separabilidade de princípio entre a qualidade
inter-face da contingência da vida humana e “democrática” do processo de decisão polí-
da exigência de rigor: “o humor do narrador tica e a qualidade “racional” da controvérsia
darwinista reside na maneira como ele pode especializada (p.180). Por fim, lembremos
ao mesmo tempo dizer a contingência e a que esta obra de Stengers prenuncia a temá-
exigência não contingente que o faz existir tica de uma outra obra posterior, de Latour
e o liga à aventura humana”.
(2004), que recentemente recenseámos nes-
Finalmente, o humor não tem de ser so-
ta revista: “Politiques de la nature. Comment
mente muro protector das paixões cien-
faire entrer les sciences en démocratie”.
tíficas, mas pode ser constitutivo dessas
paixões. Assim, os cientistas poderiam tor-
José B. Duarte
nar-se “medida” de um devir que não auto-
j.b.duarte@netcabo.pt
rize a separação entre produção de saber e
produção de existência. Porque é sem dú-
vida aqui que convergem os dois sentidos
do enunciado sofista, o que conjuga medida
e política e o que conjuga medida e devir.
Nos dois casos, a ficção torna-se vector de
devir, e a diferenciação entre representação
legítima e opinião, o poder atribuído à ver-
dade de vencer a ficção, torna-se o “hábito
de pensamento” que nós temos de aprender
a pôr em risco. Nos dois casos, a nossa pai-
xão ocidental pela verdade exigirá dela que
saiba separar verdade e poder, e saiba ligar
verdade e devir” (p.189).

A qualidade democrática do debate


científico

O cientista é, correntemente, “mobiliza-


do” pelos poderes. A proposta da autora

Revista Lusófona de Educação

S-ar putea să vă placă și