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PLANTÃO PSICOLÓGICO:

NOVOS HORIZONTES
Miguel Mahfoud (org)
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandão
John Keith Wood
Raquel Wrona Rosenthal
Roberta Oliveira e Silva
Vera Engler Cury
Walter Cautella Junior

2ª edição
revista e ampliada

São Paulo
2012
1
Plantão Psicológico: novos horizontes
© 1999 by Miguel Mahfoud
1ª edição: outubro de 1999
2ª edição: setembro de 2012

Revisão Miguel Mahfoud


Daniel Marinho Drummond
Capa e Diagramação Juliana de Souza Vaz
Na capa “Silêncio e presença”, foto de Miguel Mahfoud, 2012

Edição do CD-ROM Daniel Marinho Drummond


Apoio técnico LAPS – Laboratório de Análise de Processos
em Subjetividade/UFMG

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Plantão Psicológico: novos horizontes / Miguel Mahfoud (org.) – 2ª edição, revista e ampliada
– São Paulo: Companhia Ilimitada, 2012.
156 p.
ISBN 978-85-88607-22-4
Vários autores.
Inclui CD.
Bibliografia.
1. Aconselhamento. 2. Auto-realização (Psicologia). 3. Consulta psicológica. 4. Psicologia
aplicada. 5. Psicologia humanista. 6. Psicólogos - Entrevistas. I. Mahfoud, Miguel.

99-4235 CDD-158.3

Índices para catálogo sistemático:

1. Plantão psicológico : Aconselhamento :


Psicologia aplicada 158.3

Direitos desta edição reservados à


C. I. Editora e Livraria Ltda.
Rua Florinéia, 38 - Água Fria
02334-050 São Paulo (SP)
Tel. (11) 2950-4683 / (11) 2574-8539
livrariaciailimitada@gmail.com
www.companhiailimitada.com.br
2
SUMÁRIO

Autores ............................................................................................... 5

Nota à segunda edição ..................................................................... 7

Prefácio
John Keith Wood .................................................................. 9

Introdução
Frutos Maduros do Plantão Psicológico
Miguel Mahfoud .................................................................. 13

A vivência de um desafio: Plantão Psicológico


Miguel Mahfoud .................................................................. 17

Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae:


uma proposta de atendimento aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal ......................................................... 31

Plantão Psicológico na escola: uma experiência


Miguel Mahfoud ................................................................. 45
Plantão Psicológico: novos horizontes

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza


Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e Silva....... 65

Pesquisar processos para apreender experiências:


Plantão Psicológico à prova
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e Silva ....... 97

Plantão Psicológico em Hospital Psiquiátrico:


Novas Considerações e desenvolvimento
Walter Cautella Junior ...................................................... 113

Plantão Psicológico em Clínica-Escola


Vera Engler Cury ............................................................... 131

Psicólogos de plantão...
Vera Engler Cury ............................................................... 151

4
AUTORES

Daniel Marinho Drummond é psicólogo, Mestre em


Psicologia Social pela Universidade Federal de
Minas Gerais, Professor Assistente na Universi-
dade Estadual do Sudeste da Bahia.
John Keith Wood (1934 – 2004) Ph.D. em Psicologia
pelo The Union Institute (E.U.A.), foi professor na
California State University em San Diego (E.U.A.)
onde também fez plantão psicológico no Hos-
pital e no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil,
foi professor no Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas. Foi amigo íntimo e, por
quinze anos, colaborador direto de Carl Rogers.
Desenvolveu uma Psicologia de grandes grupos
e vários projetos internacionais.
Juliana Mendanha Brandão é psicóloga, Mestre em
Psicologia Social pela Universidade Federal de
Minas Gerais.
5
Plantão Psicológico: novos horizontes

Miguel Mahfoud é psicólogo, Doutor em Psicologia


Social pela Universidade de São Paulo, Professor
Associado no Departamento de Psicologia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade Federal de Minas Gerais.
Raquel Wrona Rosenthal (atualmente Raquel Wrona)
é psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, com Especialização em Aconse-
lhamento Psicológico pela Universidade de São
Paulo e Curso de Estudos Avançados da Abor-
dagem Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood).
Psicoterapeuta e facilitadora de grupos.
Roberta Oliveira e Silva é psicóloga pela Universidade
Federal de Minas Gerais, especialista em Saúde
Mental, Família e Comunidade pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais,
especialista em Psicologia Clínica Existencial
pela FEAD, professora na Faculdade Pitágoras
Campus Vale do Aço e psicoterapeuta.
Vera Engler Cury é psicóloga clínica, Doutora em
Saúde Mental pela Universidade Estadual de
Campinas, Docente Permanente do Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas.
Walter Cautella Junior é psicólogo, Doutor em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento
Humano pela Universidade de São Paulo,
Supervisor de prática psicológica e Assistente de
Coordenação de Projetos de Pesquisa no
Laboratório de Estudos e Práticas em Psicologia
Fenomenológica Existencial do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo.

6
NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO

E sta segunda edição do livro “Plantão


psicológico: novos horizontes” nasce para fazer memória.
No melhor sentido do termo: Nasce como ajuda a
darmo-nos conta de algo que, iniciado no passado,
continua presente.
Continuam presentes força e atualidade de seus
artigos. Gerados na fonte viva da experiência real,
amadurecidos no amor ao desafio, continuam a trazer
ao presente sabedoria instigante.
Este volume nasce ampliado: a inclusão do texto
“A vivência de um desafio: plantão psicológico” ajuda a manter
presente entre nós o primeiro artigo a sistematizar a
proposta de plantão psicológico. Artigo este que
continua a ser citado em diversas publicações e utilizado 1
em diversos cursos de formação universitária, a ROSENBERG,
Rachel Lea (Org.).
despeito de seus já muitos anos de presença desafiadora. Aconselhamento
De fato, neste ano de 2012 fazemos memória Psicológico Centrado
viva de 25 anos de publicação daquela proposta do Cliente. São Paulo:
1
original na obra organizada por Rachel Lea Rosenberg . EPU, 1987.

7
Plantão Psicológico: novos horizontes

Ano em que fazemos memória igualmente viva dos


também 25 anos de seu falecimento. Ela permanece
mestra de todos os que, com plantão psicológico,
querem dar uma contribuição à incansável tarefa de
construir e reconstruir uma psicologia da pessoa, do
sujeito atuante em seu mundo de modo livre,
responsável por seu destino. Para todos estes, sem
dúvida, Rachel continua a ser presença geradora.

Esta segunda edição nasce, assim, para fazer


memória. E a Rachel Lea Rosenberg é dedicada.

Miguel Mahfoud

8
PREFÁCIO
John Keith Wood

Este livro traz boas novas.


Primeiramente, apresenta evidências de que o
Plantão Psicológico é um serviço viável para atender
adolescentes, estudantes universitários e outros
membros da comunidade, abastados ou não.
O contato com esse serviço ajuda as pessoas a
lidarem efetivamente com os predicamentos da vida,
não os tratando como problemas que requerem tra-
tamento psiquiátrico. Por exemplo, uma pessoa em uma
“crise espiritual” não está confrontando um problema.
Não está tendo um comportamento normal ou
anormal. É um predicamento envolvendo questões
filosóficas, buscando significados, identidade.
O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra
este ponto de vista em um relato sobre experiências
em um colégio. Plantão seria “um espaço onde o aluno
pudesse buscar ajuda para rever, repensar e refletir suas
questões”. Naturalmente, tal atividade não é apenas uma
conversa entre amigos. Em situações onde uma forma
9
Plantão Psicológico: novos horizontes

diferente de psicoterapia é mais apropriada, a pessoa


recebe a indicação de um(a) profissional competente.
Uma outra boa nova é que plantão psicológico
pode promover uma experiência de aprendizagem
eficaz para estagiários(as). Confrontando a pessoa inteira
no contexto completo da sua existência, o estagiário(a)
necessariamente deve ampliar sua visão do papel da
psicoterapia. O filósofo e matemático inglês Alfred
North Whitehead observou que, “O conhecimento de
segunda-mão do mundo instruído é o segredo da sua
mediocridade”. O tipo de problemas que as pessoas
enfrentam são, em geral, de primeira-mão. A ajuda que
necessitam é de ordem prática. Esta forma de aprendi-
zagem é prática.
Assim, ambos os participantes – o plantonista e
o indagador(a) – participam e se beneficiam de uma
educação intuitiva cujo objetivo é a auto-realização. Em
um encontro de pessoa a pessoa como este, onde se
procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor
parte do outro com o propósito de curar a mente, o
corpo e a natureza, a essência da psicoterapia está, de
fato, sendo redefinida.
O mesmo observa Walter Cautella Junior, des-
crevendo seu trabalho em um hospital psiquiátrico:
“A experiência do plantão psicológico leva a instituição
a reformar sua visão do indivíduo institucionalizado”.
Há promessas de mais boas novas. A palavra
“plantão” vem do francês planton, quando era aplicado
em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa
uma posição fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno
refere-se ao suporte, fora do horário normal, oferecido
por médicos em hospitais ou, como aqui, por um psicó-
logo. Além disso, sua relevância está no fato de que a
origem da palavra planton vem do latin: plantare, plantar.
Um significado dessa palavra refere-se a “planta
do pé”. Assim, o plantão psicológico pode ser visto co-
mo tendo seus pés no chão. Sendo prático. Respondendo
10
Prefácio

às necessidades imediatas dos clientes (que poderão ser


psicológicas ou de qualquer outra ordem).
O segundo sentido de “plantar,” é “meter um
organismo vegetal na terra para enraizar”. Essa é outra
característica do Plantão Psicológico descrito neste livro:
estar plantado na cultura brasileira com suas deficiências
e seus nutrientes. Principalmente, é um organismo vivo
e crescendo. Assim, como lembram as palavras de
Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, “Uma ética das relações in-
terpessoais, sutil mas poderosa, feita de pequenos gestos
e acenos suaves, simples e ainda assim determinada,
parece conduzir os projetos do Plantão Psicológico”.
Se for possível ficar imune e não se deixar res-
tringir por dogmas e modismos filosóficos poderá
continuar a se desenvolver efetivamente de acordo
com as necessidades da população desse tempo e lugar.

John Keith Wood


Jaguariúna, Agosto 1999

11
Plantão Psicológico: novos horizontes

12
INTRODUÇÃO

Frutos Maduros do
Plantão Psicológico
Miguel Mahfoud

D 1
esde a primeira sistematização – nos idos
de 1987 – da inicial experiência de Plantão
Psicológico no Brasil, que se apresentava como 1
MAHFOUD, Miguel.
desafio a ser vivenciado, como semente que muda A vivência de um
de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos desafio: plantão
psicológico. In:
frágeis mas injetando a verde esperança que tudo ROSENBERG, Rachel
transforma, desde então a proposta de um Aconse- Lea (Org.). Aconse-
lhamento Psicológico aberto às mudanças de nosso lhamento psicológico
tempo, de nossa cultura e de nossa realidade social centrado na pessoa.
foi brotando e formando raízes. São Paulo: EPU,
1987, p. 75-83. (Série
Que solo seria o mais propício ao desenvolvimento Temas Básicos de
de algo que prometia vitalidade senão o nosso próprio, Psicologia, Vol. 21).
nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais? Apren- O texto está publi-
der da experiência a partir de um empenho com a reali- cado no presente vo-
lume. Cf. p. 17-30.
dade assim como ela é para de dentro transformá-la.
Assim, em nosso solo brasileiro a experiência de Plantão
Psicológico tomou corpo de maneira original.
O presente livro quer comunicar a sistematização
de um exercício de aprendizagem a partir da experiência
13
Plantão Psicológico: novos horizontes

de empenho em diferentes contextos institucionais.


Diversas experiências de Plantão Psicológico que dão
vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico
que aceitou romper os limites estabelecidos pelo
descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo
reducionismo sentimental de algumas propostas de
psicologia que se querem humanistas.
Veremos aqui os desafios serem enfrentados em
novos horizontes. Tantos desafios permanecem os
mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais
como as dificuldades econômicas e de trabalho,
desafios educacionais, desafios de uma psicologia
humanista atuante dentro das instituições... A novidade
vem da vitalidade da experiência mesma de um
atendimento que aceita outros parâmetros para orientar
seu desenvolvimento. Os novos horizontes são indi-
cados pela própria aprendizagem significativa siste-
matizada com rigor para acolher a vitalidade que com
surpresa emerge.
Queremos que o leitor possa entrar em contato
com a vitalidade da experiência, e com a força provo-
cadora que algo acontecido de fato pode nos comunicar:
a força do possível. Mais do que modelos, encontramos
aqui provocações.
Uma das provocações significativas é a integração
de trabalhos de base humanista inserido em instituições.
Tantas vezes ouvimos o refrão quase automaticamente
repetido de que as instituições têm objetivos diversos
daqueles que movem a Psicologia Humanista já que
esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus pro-
cessos autênticos. As experiências aqui comunicadas
indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de
base humanista que aceitam – com nossos próprios
sujeitos – o desafio de continuamente buscar, no con-
texto assim como se apresenta, a afirmação dos inte-
resses propriamente humanos. Se realmente fosse im-
possível para nós, de que maneira poderíamos esperar
14
Introduçâo

que fosse possível para nossos clientes? Se não fosse


possível para nós, só nos restaria propor o atendimento
psicológico como espaço alternativo, e por isso
inevitavelmente alienante. Encontramos aqui experiências
que podem abrir novos horizontes neste sentido.
Em se tratando de uma novidade que estava
apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi
acolheu a proposta de Plantão Psicológico como algo
“alternativo”. No sentido que seria algo outro em re-
lação ao estabelecido como campo seguro e próprio
do saber e da técnica psicológica. Desconfianças, dúvi-
das, reticências... cultivadas em compasso de espera,
até que os frutos amadurecessem e se pudesse conhecer
de fato esse Plantão. O próprio Conselho Federal de
Psicologia chegou a se pronunciar em documento ofi-
cial, classificando Plantão Psicológico dentre as técnicas
alternativas emergentes. Alternativa de maneira distinta
daquelas de origem confusa ou esotérica, mas entendida
como proposta inovadora, que em certa medida rom-
pe parâmetros estabelecidos por técnicas tradicionais
e que ainda estava aguardando uma avaliação mais rigo-
rosa de sua eficácia pelas instituições de ensino superior
e de pesquisa.
Pois bem, os frutos amadureceram e são aqui
oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemático,
na observação atenta, na sistematização com rigor
metodológico com base em pesquisas de base feno-
menológica. São esses frutos que agora, aqui, são ofe-
recidos à comunidade para que possamos promover
a experiência de Plantão Psicológico com uma concep-
ção clara, de maneira tal a possibilitar sua correspon-
dente avaliação.
Neste sentido este livro dá um passo histórico.
Já não podemos falar em Plantão Psicológico como
técnica alternativa. O atual e crescente interesse do-
cumentado pela presença de mesas redondas e/ou
de comunicação de pesquisa sobre Plantão Psicológico
15
Plantão Psicológico: novos horizontes

em diversos congressos nacionais e regionais já era


um indício dessa mudança. A apresentação dessas
experiências sistematizadas e pesquisadas colocam um
ponto final.
É claro que trata-se de um ponto final só no
caráter de alternativo. Sabemos bem que estamos no
início. Plantão tem ainda muito em que crescer para
exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos
maduros apresentam o Plantão; e sabemos, agora mais
do que nunca, que vale a pena cultivá-lo, que há terreno
propício, que há horizonte amplo onde mirar.
Bom terreno, boas sementes, bons frutos... :
bom proveito!

16
A vivência de um desafio:
Plantão Psicológico
Miguel Mahfoud

A expressão “plantão” está associada a certo


tipo de serviço, exercido por profissionais que se
mantêm à disposição de quaisquer pessoas que deles
necessitem, em períodos de tempo previamente
determinados e ininterruptos.
Do ponto de vista da instituição, o atendimento
de plantão pede uma sistematicidade do serviço ofere-
cido. Do profissional, esse sistema pede uma dispo-
nibilidade para se defrontar com o não-planejado e
com a possibilidade (nem um pouco remota) de que
o encontro com o cliente seja único. E, ainda, da pers-
pectiva do cliente significa um ponto de referência,
para algum momento de necessidade.
Pelo conjunto destas três características, “plantão
psicológico” parece um desafio. E é!
Com os poucos recursos de saúde mental atual-
mente disponíveis à população brasileira, somados à
pouca informação a respeito da especificidade e diver-
sidade de cada área profissional envolvida, a tendência
tem sido a de que os serviços oferecidos se fixem em
algumas prioridades definidas pelos casos mais graves.
Uma consequência é a especialização em demandas
bastante restritas.
17
Plantão Psicológico: novos horizontes

Como atender à demanda de Paula, que


estando apaixonada por um rapaz é pressionada pelo
marido a resolver-se com quem fica, num prazo de
15 dias, sob pena de ser expulsa de casa, e não se sente
em condições de resolver isso? Ou de Sérgio, preo-
cupado com sua esposa por ela estar ouvindo vozes e
acordar à noite imaginando que ele tenha morrido,
pede atendimento para ela? Que tipo de atendimento
seria adequado a Miriam, que, tornando-se viúva aos
30 anos, defronta-se com fortes mudanças em suas
relações pessoais com seu filho de três anos, com sua
família e a do marido, e com amigos, e pede ajuda no
sentido de localizar-se melhor? Ou ainda a Caetano,
que quer saber como convencer seu irmão alcoólatra
de que ele e seus filhos precisam de ajuda psicológica?
Se a “resposta-padrão” do psicólogo é psico-
terapia – como tem sido sua especialização no consul-
tório e outras instituições de saúde mental – parece
não haver como responder à demanda que lhe é feita
naquele preciso momento e por aquela pessoa específica.
Assim, quem vive uma ansiedade ante a alguma
dificuldade circunstancial ou ante a necessidade de se
localizar quanto às possibilidades de recursos de saúde
mental, normalmente permanecem à margem, sem
um espaço adequado onde ser acolhido e ajudado a
lidar melhor com seus recursos e limites.
O enfoque assumido pelo profissional em
Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa é
uma contribuição ao enfrentamento dessa problemá-
tica, na medida em que se coloca disponível a acolher
a experiência do cliente em determinada situação, ao
invés de enfocar o seu problema. Na prática, essa atitude
significa disponibilidade para atender uma gama
bastante ampla de demandas, já que o foco se define
pelo próprio referencial do cliente e não pela especiali-
zação do profissional (como seria, por exemplo, para
um psiquiatra ou psicanalista ortodoxos, entre outros).
18
A vivência de um desafio: Plantão Psicológico

Essa característica de enfocar a experiência do


cliente por seu próprio referencial está ligada a uma
outra, que se refere à possibilidade de responder à
pessoa que coloca sua demanda, já no momento
presente, no aqui e agora da situação do encontro.
O conjunto destas características possibilita,
então, realizar um plantão psicológico, onde o trabalho
do conselheiro-psicólogo é no sentido de facilitar ao
cliente uma visão mais clara de si mesmo e de sua pers-
pectiva ante a problemática que vive e gera um pedido
de ajuda. Nisso, a forma de enfrentar a problemática
se definirá no próprio processo de plantão e com par-
ticipação efetiva de ambos, cliente e conselheiro.
Em relação aos exemplos de demandas ante-
riormente levantados, o plantão psicológico possibilita
atender a Sérgio, ele próprio ali presente e preocupado
com sua esposa, além de esclarecer os recursos dispo-
níveis para o tratamento dela. O mesmo acontece nos
casos de Paula ante seu marido, ou Caetano ante seu
irmão alcoólatra e sua família. E possibilita a Miriam
se localizar ante sua problemática de viúva, clareando
ainda mais seu pedido de aconselhamento psicológico
ou terapia, tornando aquele encontro muito mais signi-
ficativo do que uma inscrição como coleta de dados
sobre a cliente ou sobre sua problemática (como é a
forma clássica de triagem ou inscrição para atendimento
psicoterápico).
Trata-se, então, de enfrentar a problemática que
é apresentada, via a própria pessoa que está presente.
Tomemos aqueles exemplos um a um:

1) Paula procura o plantão psicológico bastante


tensa, preocupada, cabeça baixa. Diz que é a primeira
vez que procura ajuda psicológica e que nunca con-
versou com ninguém sobre seu problema atual. Conta
que se sente encurralada: estando casada há dois anos,
apaixonou-se por outro rapaz com quem trabalha, e
19
Plantão Psicológico: novos horizontes

depois de declarar-se a ele, e confirmar que seus sen-


timentos eram correspondidos, contou ao marido o
que estava acontecendo. Este lhe deu um prazo de 15
dias para que se decidisse, sob pena de ser expulsa de
casa e perder o filho de um ano. Paula não se sentia
em condições de resolver nada, mas a situação era
limite (via a possibilidade de ocorrer agressão física).
O conselheiro procura ouvir com atenção, estar
junto a ela naquele momento marcado por emoções
fortes (amor, medo, raiva...) ante sentimentos de fra-
casso e abandono e ante interesses incertos. Isso facilita
a Paula expor-se, ouvir-se, sentir-se. Sintonizadas, as
perguntas do conselheiro ajudam-na a olhar a situação
e a si mesma.
Durante a sessão dá-se conta da raiva que tem
do marido (inicialmente falava de indiferença) e do
quanto tem sentido falta de sua atenção.
A sessão dura uma hora e marca-se um retorno
ao plantão para três dias depois.
No retorno conta que naqueles dias pôde
explicitar sua raiva pelo marido de forma direta: houve
discussões difíceis e mesmo nesse clima ela pôde
perceber que ele gostava muito dela e não queria que
ela se afastasse. Isso mudou a percepção que vinha
tendo do marido e possibilitou que conversassem de
forma mais clara, como nunca antes, dizendo um ao
outro o que estavam sentindo, o que esperavam um
do outro, o que fazia falta... Diz que combinaram uma
forma diferente de organizar o tempo para que cui-
dassem mais do espaço deles como casal, ao intuírem
a possibilidade de um relacionamento mais vivo.
Na sessão considera o relacionamento com o
marido mais globalmente, desde o tempo de namoro,
e examina sua própria história constituída também por
esse relacionamento. Relativiza seus sentimentos pelo
“outro”, dá-se conta da idealização que tem feito da
pessoa do outro, de quem na verdade é distante.
20
A vivência de um desafio: Plantão Psicológico

Enfim, vê a possibilidade de verificar no próprio


relacionamento com o marido a viabilidade de
continuarem juntos ou de ligar-se a outra pessoa.
Agradece o atendimento e despede-se.
O desfecho do problema talvez nunca che-
guemos a conhecer. Estivemos com Paula, que agora
caminha.

2) Sérgio procura o Serviço de Aconselhamento


Psicológico buscando atendimento para sua esposa.
Conta com detalhes os comportamentos dela que o
preocupam, como, por exemplo: não dar mais conta
de atividades rotineiras como cozinhar, estar comple-
tamente desatenta às necessidades dos filhos, dormir
muito, ouvir vozes e acordar assustada durante a noite
imaginando que ele esteja morto.
O conselheiro, atento também à ansiedade de
Sérgio, comenta que percebe estar sendo difícil para
ele ficar nessa situação, assumindo tarefas que seriam
dela, preocupando-se com os filhos que passam o dia
com ela e assustando-se ao ser apalpado no meio da
noite quando ela quer verificar se está vivo ou morto.
Sérgio passa a falar mais de si mesmo, na sua situação
com a esposa, e a comentar suas dificuldades no traba-
lho onde se sente “abusado”, ampliando a percepção
de seu momento atual.
No final o conselheiro lhe oferece a possibili-
dade de encontros regulares como aquele, caso esti-
vesse interessado em um processo de aconselhamento
para si mesmo que está vivendo um período difícil.
“Eu não, moço! Quem precisa de tratamento é minha
mulher!” – responde prontamente.
Ele pôde aproveitar aquele momento de plantão
também para si mesmo, ocupando um espaço que lhe
foi possibilitado durante a sessão. Agora ele não vê a
necessidade de um espaço mais sistemático neste senti-
do. Sabe, porém, que há essa possibilidade.
21
Plantão Psicológico: novos horizontes

O conselheiro lhe ofereceu indicações de ser-


viços psiquiátricos em que sua esposa poderia ser
atendida, e Sérgio disse que voltaria a procurar o plantão
caso houvesse problemas para o encaminhamento de
sua esposa.
Aquele momento não se desenrolou alheio à
pessoa dele. E o conselheiro esteve com Sérgio, no
horizonte dele, independentemente de continuidade que
pudesse haver.

3) Caetano vai ao Serviço de Aconselhamento


pedindo ajuda para convencer seu irmão alcoólatra
de que ele precisa de tratamento psicológico. Já
aposentado por motivos de saúde, não tem se cuidado,
está sempre muito deprimido, e seus filhos de cinco e
sete anos vêm apresentando comportamentos agressi-
vos e destrutivos.
Comenta que fica muito preocupado com a
situação, que se agrava cada vez mais, e ao mesmo
tempo não pode fazer nada. Conta que já falou com a
esposa de seu irmão, mas ela não o ouve. Sugere, então,
que o conselheiro, como especialista nesses assuntos,
escreva uma carta dizendo que realmente eles precisam
de tratamento psicológico.
O conselheiro aponta os sentimentos de frus-
tação e impotência ante a situação e ante o seu desejo
de intervir. Caetano, então, fala de como seria impor-
tante fazer alguma coisa, pois não confia na educação
que sua cunhada dá aos filhos porque ela trabalha em
um bar.
Perguntado como é o relacionamento entre ele
e sua cunhada, fala de desconfiança da integridade
moral e chega a concluir que tem se relacionado com
ela em tom de acusação, e isso mantém um distan-
ciamento e a não-aceitação de suas opiniões. Assim,
Caetano reconhece seus próprios limites em poder aju-
dar, já que ele próprio não acredita muito nas
22
A vivência de um desafio: Plantão Psicológico

condições pessoais de sua cunhada para que ela pudesse


dar conta do recado. Comenta nunca ter pensado nisto.
O conselheiro explica que embora não possa
lhe fornecer a carta sugerida, compreende que essa
ideia tenha surgido como possibilidade de intervenção
ante o distanciamento e as dificuldades de confiança e
comunicação entre eles.
Um tanto surpreso, Caetano diz que talvez
procure conversar com sua cunhada, mas já não sente
a mesma urgência e o mesmo ímpeto que o levou a
procurar o plantão.
Pergunta sobre os recursos de saúde mental aos
quais poderia recorrer. O conselheiro lhe dá as infor-
mações e Caetano indaga se poderia voltar para con-
versar, caso sinta a necessidade. A resposta é afirmativa,
e ele segue sua história.

4) Miriam procura o Serviço de Aconselha-


mento pedindo atendimento psicológico porque tem
estado intranquila e confusa desde que seu marido
faleceu, há seis meses, em acidente automobilístico.
Diz-se muito só e abandona, e que suas relações de
amizade e parentesco têm se deteriorado. Comenta
que todos a veem de modo diferente agora – viúva
jovem (30 anos) –, tendo surgido preocupações e inte-
resses novos em relação a ela.
O conselheiro percebe que Miriam está falando
de uma experiência muito forte para ela; pode ter algu-
ma noção do que ela está sentindo, e para compreendê-la
melhor faz perguntas sobre alguns aspectos aos quais
já havia se referido vagamente.
Miriam então fala mais sobre sua solidão, sobre
o sentimento de abandono e apesar de saber racio-
nalmente que seu marido não a abandonou, esse senti-
mento a confunde. Comenta em seguida que o con-
vívio com a família (a dela e a do marido) não tem
sido algo que a ajude porque ambas têm a preocupação
23
Plantão Psicológico: novos horizontes

de que ela “imponha respeito”, tome cuidado com as


amizades, não se aproxime de outros homens para
respeitar a memória de seu marido, o que a faz sentir-
se envolvida por uma atmosfera de controle. Por outro
lado, vê-se como jovem, não quer fechar novas
possibilidades para si e para seu filho de três anos, na
vida que têm pela frente. Por outro lado, tem sido
cortejada por homens que há pouco eram apenas seus
amigos e vive essa mudança repentina com dificuldades.
Não estando mais segura dessas amizades, nem pode
avaliar com clareza as intenções das pessoas que se
oferecem para apoiá-la. Comenta que o resultado tem
sido o recuo, e percebe claramente que isso só tem
agravado ainda mais seu mal-estar.
Fica um pouco em silêncio, chora discreta-
mente... Em seguida fala que é bom poder falar com
liberdade sobre tudo isso.
O conselheiro comenta que pôde perceber que
está sendo importante para ela fazer tais comentários,
e que procurar atendimento estava sendo a tentativa
de abrir uma nova porta, alternativa à postura de recuo
que vem tomando.
Pela própria relação que se estabeleceu ali, na-
quele momento, e pela forma como ela olha a si e a
sua situação, o conselheiro pôde avaliar que os senti-
mentos de abandono, deterioração e a percepção de
ser o centro dos interesses não estão ligados a um
comprometimento psicopatológico a nível psiquiátrico;
ela está atenta a sentimentos e movimentos distintos
dentro de si mesma. Assim, diz a Miriam da possibi-
lidade de ser atendida em processo de aconselhamento
psicológico no próprio Serviço de Aconselhamento.
Ela demonstra interesse, e o conselheiro explica-lhe as
condições de atendimento naquela instituição; então
preenchem uma ficha com os dados da cliente (nome,
endereço, telefone, horário disponível para ser atendida
etc.), efetivando assim a inscrição.
24
A vivência de um desafio: Plantão Psicológico

Sendo que há uma fila de espera e tendo-se esti-


mado o início do atendimento para pouco mais de
um mês, o conselheiro informa que durante o período
de espera ela poderá procurar o plantão caso sinta
uma necessidade mais premente de conversar. O anún-
cio da possibilidade é recebido com alívio por Miriam.
Despedem-se, ficando a instituição responsável
por chamá-la quando o atendimento puder se iniciar.

Enfrentar a problemática apresentada a partir


da experiência da pessoa ali presente permite acolher a
demanda já naquele momento, no momento de sua
expressão: e isso é apenas uma primeira característica
importante de um atendimento em sistema de plantão
psicológico. A consequência é que além de se poder
estar disponível a uma gama muito grande de deman-
das, as formas de continuidade são também muito
diversificadas. Assim, nos exemplos dados, o conselhei-
ro pôde atender ao pedido de informação e à ansie-
dade de Sérgio ante sua esposa psicótica; ao pedido
de Caetano que se propunha a ajudar seu irmão alcóo-
latra; pôde atender ao pedido de clarificação de Paula
que se sentia encurralada nas dificuldades com o ma-
rido; e ao pedido de aconselhamento psicológico de
Miriam que se viu numa nova condição social a partir
da viuvez. E ao acolher a demanda já no momento
presente, o referencial do próprio cliente conduz o
processo de atendimento para uma direção ou para
outra: Sérgio mantém o foco da problemática sobre
sua esposa, mesmo clarificando sua própria experiência
na situação-problema; Caetano voltou o foco mais
para si mesmo, para suas possibilidades e limites de
intervenção; Paula, voltando o foco para si e seus
sentimentos, pôde se colocar de forma mais clara com
o marido e não viu mais a necessidade do acompanha-
mento; Miriam, ao examinar sua experiência, confirma
o desejo de um processo de atendimento psicológico.
25
Plantão Psicológico: novos horizontes

Que seja o referencial do próprio cliente a definir


a direção do processo não significa ausência ou passi-
vidade do conselheiro, ao contrário, é a sua presença
clara e atenta que permite ao cliente uma clarificação
maior de seu referencial. Ao mesmo tempo que o con-
selheiro sabe que está facilitando um processo infi-
nitamente mais amplo do que lhe é possível apreender
só naquele momento, sabe estar facilitando também o
processo de crescimento da pessoa, do qual aquele breve
encontro participa (de forma significativa, espera-se!) –
assim como aquele encontro permitiu a Paula desenrolar
um novo processo com seu marido, que segue em
frente independentemente do acompanhamento do
conselheiro.
Uma outra contribuição que cabe ao psicólogo-
conselheiro no momento do plantão é estar atento à
forma de relação que se estabelece e à forma como o
cliente percebe sua problemática, para bem ajudá-lo
também nas diversas possibilidades de continuidade
e/ou encaminhamento. Por exemplo, se Miriam colo-
casse como globalidade a sua percepção de deterio-
ração das relações e de sua identidade, ou com rigidez
a sua percepção de que todos passaram a controlá-la
ou seduzi-la, a proposta de atendimento em Acon-
selhamento Psicológico poderia ser acompanhada de
um encaminhamento para um exame e/ou um acom-
panhamento psiquiátrico. O sistema de plantão psi-
cológico contém um caráter de triagem não-clássica,
sendo que esta não é o centro do encontro, não o
delimita nem o conduz, mas nem por isso está ausente
para o conselheiro quando avalia as possibilidades de
continuidade dentro da perspectiva do cliente.
A flexibilidade do conselheiro quanto à direção
da continuidade do processo é também o que lhe
permite continuar disponível à pessoa que lhe pro-
curou, mantendo o plantão como referência, como
mais um dentre os recursos de saúde mental possíveis
26
A vivência de um desafio: Plantão Psicológico

de serem utilizados. Dessa forma, Sérgio pode procurar


novamente o plantão para novas informações ou para
um atendimento pessoal, e Caetano pode pedir um
atendimento no prosseguimento de seu processo. Esta
disponibilidade do conselheiro pode se manter mesmo
que já se tenha definido a forma de encaminhamento,
como no caso de Miriam, que seguirá um processo
de Aconselhamento Psicológico. A experiência de
plantão como momento significativo da pessoa ante
sua problemática tende a se tornar referência-existencial:
portas abertas que podem significar facilitação para
um novo pedido de ajuda ou facilitação para suportar
a espera do início de um outro processo.
Para que possa se tornar referência estável é
importante que a instituição assegure a presença de
conselheiros disponíveis em certos horários em lugares
fixos, além de manter informações e contatos com
outros recursos de saúde e educação.
É claro que os exemplos de demandas até aqui
apresentados foram escolhidos em função de explicitar
o potencial, a amplitude e a viabilidade do sistema de
plantão psicológico com a contribuição da Abordagem
Centrada na Pessoa. Demandas muito mais simples
são também comuns, e mesmo nestes casos o plantão
pode ser de grande contribuição. Por exemplo:

Lúcia é estudante de arquitetura, trabalha já na


sua área, gosta do que faz, mora com a família. Procura
o Serviço de Aconselhamento Psicológico e pede aten-
dimento dizendo que não ocorreu nada de anormal
nos últimos tempos, mas está querendo se conhecer
melhor, e quer ter um tempo e um espaço específicos
para se dedicar a isso. O conselheiro se interessa por
saber o que tem feito, como tem se sentido em sua
vida quotidiana, e Lúcia fala de algumas dificuldades
de relacionamento com os pais por alguns choques de
valores, de como gostaria de ser mais independente
27
Plantão Psicológico: novos horizontes

desses atritos, mais firme, e de como seu namorado


tem sido importante para ela neste sentido. Assim, fica
melhor delimitado, para a própria Lúcia também, o
seu campo de interesse para iniciar um processo de
atendimento psicológico. Preenchem a ficha de inscri-
ção e o conselheiro lhe explica as condições de atendi-
mento naquela instituição. A sessão durou meia hora.

O plantão permite um sistema de inscrição, por


si, terapêutico – já no momento de pedido de atendi-
mento. Isto porque propicia ao cliente configurar com
mais clareza seu pedido de ajuda – ainda que isso não
mude sua perspectiva. Trata-se de facilitação à clarifi-
cação de sua demanda; o que equivale a dizer, clari-
ficação de seu eu que está em um certo movimento
de busca. Essa forma de inscrição de um Serviço de
Aconselhamento Psicológico não dispensa uma certa
organização burocrática, mas não se pauta por ela.
Se tal sistema de plantão psicológico descortina
um horizonte amplo para atendimentos psicológicos,
não se pode dizer, porém, que suas possibilidades sejam
ilimitadas. Sua viabilidade se insere nos próprios limites
da relação de ajuda. Por isso uma pessoa que vai buscar
o “conselho” para a resolução de seu problema – sem
disponibilidade interna de um contato maior consigo
mesma – pode ficar decepcionada e o conselheiro,
por sua vez, pode ficar sem poder contribuir, mesmo
que queira. Ou uma pessoa que em surto psicótico é
levada por amigos, mas não consegue manter contato
a ponto de se efetivar um encontro com o conselheiro,
pode sair como entrou. Também uma relação de ajuda
permanece circunscrita a limites institucionais e pessoais
do conselheiro e do próprio cliente.
Aceitar manter-se no momento presente, cen-
trado na vivência da problemática que emerge com
sua ansiedade e força particulares no próprio momento
de pedido de ajuda, acompanhando a variação da
28
A vivência de um desafio: Plantão Psicológico

percepção de si e das circunstâncias pela direção que a


clarificação a levar – eis a disponibilidade do psi-
cólogo-conselheiro, que possibilita o atendimento em
plantão psicológico. Assim, num horizonte novo, reto-
mo as palavras do início deste capítulo: “Pelo conjunto
destas características, plantão psicológico parece um
desafio. E é!”.

29
O Plantão de Psicólogos no Instituto
Sedes Sapientiae: uma proposta de
atendimento aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal

No final da década de 70, parte do grupo de


profissionais que antes se reunia como “Grupo de
Psicologia Humanista”, decide constituir no Instituto
Sedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento da
Pessoa, CDP.
Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea
Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos
teóricos, grupos de supervisão e reflexão sobre a
prática clínica, promovia workshops abertos ao público,
ciclos de encontros de profissionais paulistas e também
encontros nacionais, constituindo-se em importante
referência para os interessados em discutir e aprofundar
o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na
Pessoa.
Sempre atenta ao potencial transformador da
ACP, considerando tanto a dimensão individual quanto
a social / comunitária, Dra. Rosenberg propõe a criação
de um serviço de Plantão de Psicólogos, inspirado
nas experiências das walk-in clinics, surgidas nos Estados
31
Plantão Psicológico: novos horizontes

Unidos para prestar atendimento imediato à


comunidade. Até então o Serviço de Aconselhamento
Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob
sua coordenação, já vinha oferecendo o que chamava
“plantão”, e que consistia, naquele caso, em uma
1
ROGERS, Carl disponibilidade mais atenciosa de recepção aos clientes
Ramson. As condi- que procuravam inscrição para atendimento regular
ções necessárias e em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as
suficientes para a
mudança terapêu-
primeiras reflexões sobre as potencialidades de um
tica da personali- serviço de “Plantão Psicológico”: o poder transfor-
dade. In: WOOD, mador da escuta atenciosa, não diretiva, centrada no
John Keith et alii cliente, confiante na tendência ao desenvolvimento
(Org.s). Abordagem das potencialidades inerentes à pessoa (tendência
centrada na pessoa,
Vitória: Fundação atualizante), e na possibilidade dessa tendência ser
Ceciliano Abel de estimulada, mesmo através de um único encontro com
Almeida / Universi- o profissional, desde que este último possa oferecer
dade Federal do sua presença inteira, através de sua própria congruência,
Espírito Santo, 1995,
capacidade de empatia e aceitação incondicional do
p. 157-179. 1
outro, atitudes pilares da ACP.
É de Carl Rogers, o criador da Abordagem
Centrada na Pessoa, a ponderação:

“Se atendermos à complexidade da vida humana com


olhar justo, temos que reconhecer que é altamente
improvável que possamos reorganizar a estrutura da
2
ROGERS, Carl vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite
Ramson. Psicotera- e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus,
pia e consulta psico- poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de
lógica. 1ª ed. São
Paulo: Martins Fon-
esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos
tes, 1987 (Coleção permitir ao cliente que exprima seus problemas e
Psicologia e Peda- sentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento
gogia), p. 207-208. das questões que enfrenta.” 2

Muitas pessoas, em determinada circunstância


de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa
interlocução diferenciada, que lhes propiciasse uma
oportunidade também de escutar a si mesmos,
32
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

identificando e reconhecendo seus próprios sentimentos


e possibilidades de auto direção, no momento em que
enfrentam a dificuldade, sem que necessariamente
tenham que se submeter a atendimento sistemático,
prolongado, como tradicionalmente oferecem as
psicoterapias.

Coube a mim a coordenação e supervisão do


Plantão de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira
vez em agosto de 1980, como um dos chamados
“cursos de expansão”do Instituto Sedes Sapientiae. O
curso tinha duração semestral, e prestava, através de seus
alunos, atendimento psicológico aberto à população.
O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hoje
o chamamos, fundado em São Paulo em 1975, é um
importante centro de prestação de serviços, ensino e
pesquisa ligados às áreas da Psicologia e da Educação,
tendo como compromisso

“assumir sua parcela de responsabilidade na


transformação qualitativa da realidade social, estimulando
todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido
de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa
humana”.3
3
INSTITUTO SEDES
Feliz associação de ideais, nosso Plantão tinha SAPIENTIAE: Carta
lugar certo para acontecer! de Princípios, s/d
(mineo.).
As atividades iniciaram-se pela seleção dos
plantonistas. Os critérios adotados pediam que fossem
psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP,
que tivessem experiência mínima de um ano em
atendimento clínico e estivessem especialmente
sensibilizados pela natureza do serviço proposto.
Contávamos com um grupo de doze planto-
nistas e uma supervisora e estabelecemos o horário
das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras
33
Plantão Psicológico: novos horizontes

para os atendimentos e nossas reuniões. Dedicamos


aproximadamente um mês e meio ao planejamento e à
divulgação do novo serviço, período em que pudemos
compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando
nossa ansiedade, acentuada pela ausência de bibliografia
específica sobre plantão psicológico. Não havia
qualquer menção, nas diversas bibliotecas especializadas
que consultamos, às walk-in clinics das quais Rachel
Rosenberg nos falara.

Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias


de curta duração vinha sendo considerada por autores
que adotavam diferentes abordagens, como por
4
exemplo, os trabalhos de Bellak e Small, de orientação
4
BELLAK, Leopold psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo,
& SMALL, Leonard. desde a década de 70, grande implemento e pesquisa,
Psicoterapia de mas nada de sistemático havia sobre outras experiências
Emergência e Psico-
terapia Breve. Porto de curta duração ou mesmo de sessões únicas de
Alegre: Artes Médi- atendimento.
cas, 1980. Dra. Rosenberg, ao refletir sobre variações no
tempo de atendimento, apontava o caráter preventivo
de uma intervenção no momento oportuno:

“A duração prevista para um atendimento


possivelmente eficaz em terapia tem sofrido modi-
ficações de várias espécies. Comprovações empíricas
de resultados satisfatórios justificam o uso de aten-
dimentos com um número pré-determinado ou má-
ximo de horas. Cria-se uma metodologia específica
para este tipo de atendimento em linhas teóricas
variadas [...], o atendimento de curta duração se insere
como aplicação natural, bem sucedida e cada vez mais
utilizada. Mesmo no caso de problemas graves ou difi-
culdades antigas, conclui-se que o princípio de tudo-
ou-nada – ou seja, terapia profunda e prolongada ou
nenhuma assistência psicoterápica – não tem real
validade. Especialmente em pontos críticos do
34
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

desenvolvimento ou da vivência, uma intervenção


adequada tem, além de efeitos terapêuticos, caráter
5
preventivo de conflitos maiores posteriores”.
5
ROSENBERG,
Alguns alunos supunham que, devido ao caráter Rachel Lea. Terapia
imediato do atendimento, certamente receberíamos para Agora. In:
ROGERS, Carl
muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam Ramson &
na necessidade de contarmos com um psiquiatra ROSENBERG, Rachel
plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta Lea. A Pessoa como
não era criar um serviço para emergências psiquiátricas Centro. São Paulo:
e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no E.P.U., 1977, p. 52.
momento da dificuldade, sem que necessariamente a
intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto
crítico que representasse ameaça iminente à sua
integridade ou à de outros; não era destinado ao suicida
em potencial, como sugeria a divulgação recente do
CVV, Centro de Valorização da Vida, cuja equipe de
plantonistas era constituída por leigos em psicologia e
prestava atendimento inicial por telefone. Por precau-
ção, tratamos de pesquisar e organizar uma relação de
instituições e serviços particulares de psiquiatria, caso
viéssemos a necessitar.
6
A preocupação de Madre Cristina era de que
6
o novo serviço não viesse aumentar as já enormes Madre Cristina,
filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tão nascida Célia Sodré
solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços Dória, cônega de
Santo Agostinho,
prestados. Insistíamos em esclarecer que a intenção não educadora, psicó-
era fazer triagem, embora pudéssemos, eventualmente, loga e fundadora do
realizar encaminhamentos. O Plantão Psicológico não Instituto Sedes
foi concebido como uma alternativa “tampão” para Sapientiae, persona-
acabar com filas de espera em serviços de assistência lidade inesquecível
para a Psicologia e
psicoterapêutica, já que não pretende substituir a psico- para a História bra-
terapia. Não acreditamos que uma única sessão seja sileiras.
capaz de resolver sérios problemas emocionais ou pro-
mover resultados reconstrutivos da personalidade. So-
mente mais tarde é que viemos a descobrir as possi-
bilidades terapêuticas do plantão.
35
Plantão Psicológico: novos horizontes

Fizemos várias reuniões em torno de aspectos


éticos das formas de divulgação: tratava-se de uma
nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como
divulgá-la, transmitindo sua originalidade e
acessibilidade, sem banalizá-la? Optamos pela
7
impressão de cartazes , que foram afixados em diversas
um destes cartazes escolas, igrejas, hospitais, bibliotecas públicas e
7

encontra-se digita- faculdades com o destaque: “Psicólogos de Plantão”


lizado no CD-ROM e o texto:
anexo ao livro.

“Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar


idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no
momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.”

Seguia-se o nome da psicóloga responsável e


seu número de inscrição no CRP, o endereço e horários
do atendimento.

Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes


onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o
atendimento e esclarecer dúvidas a respeito. Os
primeiros a nos procurar foram justamente alguns
alunos desses cursos, uns motivados por questões
pessoais, outros, pelo interesse profissional em
conhecer melhor o Plantão.
Houve uma divulgação num programa da TV
Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou
plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi
ao ar às vésperas da interrupção do serviço devido às
férias. Este fator diminuiu o impacto de sua reper-
cussão, pois os clientes que nos procuraram em segui-
da à edição do programa da TV não puderam ser
atendidos.
O jornal Folha de São Paulo publicou reportagem
do jornalista Paulo Sérgio Scarpa sobre o Plantão
Psicológico, destacando sua utilidade pública. Inte-
ressante assinalar que a seção onde se inseriu a matéria
36
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

intitulava-se “A Folha e as respostas da sociedade à


crise”(07/11/81). Outras menções ao serviço já ha-
viam sido feitas por esse mesmo jornal, em edição de
16/01/81 e em seu caderno “Folhetim”, cuja edição,
em 20/09/81, era dedicada ao tema “Desemprego e
8
Insegurança” . Hoje, passados 19 anos, podemos
8
reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas. Estas matérias se
encontram digita-
O primeiro grupo de doze plantonistas traba- lizadas no CD-ROM
anexo ao livro.
lhou de agosto a dezembro de 1980, dividido em
sub-grupos de seis que se alternavam entre atendimento
e supervisão: enquanto metade prestava plantão às
segundas-feiras, a outra parte reunia-se para supervisão;
às quintas-feiras, invertiam-se as funções. A supervisão
também era acessível ao plantonista durante o trans-
correr de um atendimento, caso precisasse dela. A du-
ração de uma sessão de atendimento poderia variar de
uma a duas horas, dependendo de haver ou não outros
clientes à espera.
Dispúnhamos de sete salas, sendo seis destinadas
ao atendimento e uma para as reuniões de supervisão.

Madre Cristina, confiante na importância da


iniciativa, ofereceu-se para recepcionar os clientes. Assim,
quem procurava o Plantão Psicológico, mesmo nas
noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à
entrada do Sedes, sentada atrás de uma pequena mesa,
apoiada num travesseiro para respaldar suas costas,
que tão vigorosamente suportaram, com coragem e
dignidade, as pressões da luta por justiça social em
nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a
sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza,
já despertando nele uma disposição receptiva ao
encontro com o profissional.
No primeiro semestre de 1981 foi feita nova
seleção de plantonistas e alguns dos ex-alunos, entu-
siasmados que estavam, se re-inscreveram.
37
Plantão Psicológico: novos horizontes

Novamente, para o terceiro curso, no segundo


semestre de 1981, tivemos re-inscrições.
Em 1982 não foi renovada a proposta. A su-
pervisora, preparando-se para sua terceira gravidez,
embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela
dedicação mais intensa às suas filhas, enquanto se afas-
tava do Sedes, levando muito para refletir a respeito
de seus plantões e suas “plantinhas”. Mais tarde, é
convidada a oferecer Plantão Psicológico aos fun-
cionários do mesmo instituto, atividade que desen-
volveu até dezembro de 97. Esse convite atesta o
reconhecimento da importância da proposta e a re-
percussão que o Plantão Psicológico alcançou dentro
daquela instituição.
Trataremos aqui de apresentar como foi
desenvolvido o Plantão Psicológico aberto à co-
munidade.

OS CLIENTES
Nos três semestres do Plantão de Psicólogos,
realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos.
Tínhamos estabelecido três retornos como possibilidade
máxima para cada cliente no mesmo semestre. Enten-
díamos que, cas o nos procurasse com maior freqüência,
isto indicaria a conveniência de encaminhá-lo à
psicoterapia. Tínhamos uma relação de instituições que
prestavam atendimento gratuito, como era nosso caso,
e também uma relação de psicoterapeutas dispostos a
trabalhar por honorários simbólicos.
Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram
mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros;
o nível de escolaridade dos clientes variou de semi-
alfabetizados a curso superior completo; 17% eram
profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo,
fisioterapeuta), e o restante composto por outras
ocupações (escriturário, comerciário, comerciante,
motorista, vendedor, feirante, office-boy, técnicos em
38
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

serviços diversos). Procurou-nos também uma pessoa


que declarou como ocupação, ser “pedinte”. Meses
depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num
dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os
passageiros.

Após cada atendimento, era solicitado ao cliente


que depositasse numa urna um comentário escrito, sem
necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos
recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a reper-
cussão imediata ao encontro:

“Eu nunca havia participado de uma entrevista com


psicólogos. Fiquei até com receio pois não sabia como
iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fácil do que
imaginava. O ‘à vontade’ com que a psicóloga conduziu
o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o
que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar
conclusões ou elucidar dúvidas com o simples desabafo de
minhas preocupações. Senti-me pois tão satisfeita como
se tivesse recebido um presente de Natal ”.

“Não acho que o atendimento recebido tenha resolvido o


meu problema, mas tenho plena convicção de que abriu-
me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir.
Creio que agora estou mais apto a resolvê-lo e muito
otimista por saber que posso”.

“Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer


esta ‘pré-análise’ antes de se definir pelo terapeuta”.

“Não fez minha cabeça”.

“Como é bom ter e sentir que podemos sentar e conversar


com uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensar
que vamos ser censurados”.
39
Plantão Psicológico: novos horizontes

“Achei ótima a idéia desse Plantão. Psicólogos ouvindo


pessoas em casos de emergência ‘emocional’. Deve continuar
e se expandir em vários locais e ser divulgado e ‘ensinado’,
dado como curso nas escolas de Psicologia”.

“Acho essa iniciativa muito válida e isso, acredito eu,


vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes
reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo
sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam,
nossas 23 horas restantes e dias posteriores serão
melhores”.

De maneira geral, os comentários aludiam à


importância de ser ouvido, faziam referências ao alívio
pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria
ser pago, apontavam a necessidade de maior divul-
gação do serviço e a ampliação dos horários de aten-
dimento e alguns revelaram frustração da expectativa
de que pudessem receber atendimento prolongado.

OS PLANTONISTAS
Os plantonistas se referiam com freqüência à
sua experiência como estagiários durante o tempo da
faculdade, declarando o quanto “sofreram” ao se des-
ligar do cliente por ocasião da conclusão do curso de
graduação. Agora, a questão do vínculo, a separação
do cliente, a ansiedade em função desse único encontro,
a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade
(sessão seguinte) para eventual “reparação” de sua
atuação, tudo era discutido sistematicamente nas
supervisões. Suponho que uma das conseqüências
dessas dificuldades dos alunos foi o número de enca-
minhamentos realizados e a quantidade de interven-
ções de natureza diretiva, com tendência a oferecer
respostas e sugestões.
Outra questão diz respeito à superação do
estereótipo de que uma relação de ajuda psicológica
40
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

deva se estender no tempo, de que profundidade e


intensidade sejam diretamente proporcionais à duração
do atendimento. A possibilidade de que uma inter-
venção de natureza breve pudesse ser suficiente para
o cliente não era claramente percebida pelos alunos,
limitação que podemos atribuir à formação que re-
ceberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitação
do psicólogo estava mais voltada para a atividade clí-
nica da psicoterapia ou do psicodiagnóstico através
de testes.
Também em relação às intervenções diretivas
observamos, muitas vezes, que o sentimento de impo-
tência do plantonista diante de clientes de menor poder
aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas e,
de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve
casos em que o aluno procurava encontrar soluções
imediatas, dar conselhos e sugestões ou mesmo insistir
em encaminhamentos muitas vezes não percebidos
como necessários pelo próprio cliente.
Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo de-
pois iniciaria também como supervisora o atendimento
psicológico do tipo plantão em postos de saúde
através da Clínica das Faculdades São Marcos, fez a
seguinte reflexão sobre sua experiência:

“A questão dos valores do psicólogo é importante em


qualquer processo psicoterapêutico, mas quando se trata
de sua ‘vontade de ajudar’ pessoas com problemas de
subsistência, a visão que ele tem da ‘pobreza’ e de seu
próprio lugar na sociedade modela seus objetivos explícitos
e implícitos e suas atitudes. O psicólogo tem a tendência
a se preocupar mais com o ‘como’ de sua atuação do que
com o ‘porquê”, ou seja, com as implicações pessoais e
ideológicas de suas intervenções. Por exemplo, não terá
a mesma postura se acredita que uma tomada de
consciência individual possa ser um fator de mudança,
ou se acredita que somente uma mudança social e política
possa trazer 41
Plantão Psicológico: novos horizontes

soluções para as situações individuais.[...] Ele deve, mais


do que nunca, estar atento às incongruências de seus
sentimentos com os pressupostos intelectuais: até que ponto
ele realmente confia nos recursos da pessoa para enfrentar
suas dificuldades e modificar seu mundo?”9
9
Extraído de rela-
tório pessoal não O SERVIÇO E O CURSO
publicado (1982). Quanto à estruturação do serviço, que acom-
Parágrafo aqui re-
panhava o calendário dos cursos do Instituto Sedes
produzido sob per-
missão da autora. Sapientiae, percebemos que a proposta semestral, com
constantes interrupções devido às férias, além de trun-
car o afluxo de clientes, tornava muito curto o período
de preparação do plantonista, preparação que nos
parece requerer bastante empenho, especialmente no
que diz respeito às bases conceituais da Abordagem
Centrada na Pessoa e aos valores pessoais do profis-
sional. Isto pôde ser confirmado pelo número de re-
inscrições dos alunos para os semestres seguintes, evi-
denciando que não só reconheciam a relevância e
efetividade do Plantão Psicológico, como também a
consciência que tinham da necessidade de aperfei-
çoamento. O tempo breve da relação com o cliente
talvez torne mais perceptível, tanto para o supervisor
como para o próprio aluno, o grau de consistência na
adoção da ACP como referencial para sua atuação. A
ausência de solidez na “atitude centrada na pessoa”
prejudicará a qualidade da relação de ajuda, gerando
no plantonista comportamentos incongruentes e
condutas diretivas.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANTÃO


Nossas próprias “descobertas” antecipam o que
diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder:

“A grande descoberta deste século para as Ciências


Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há
melhor entendimento que alguém possa nos prestar do
42
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase


imperceptíveis de nossa existência” 10.
10
BONDER, Nilton.
Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas não Elul, O mês da escu-
é. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente. ta. Kol: Boletim In-
formativo da Comu-
Presença inteira. Que quer dizer “presença inteira”? nidade Judaica do
Todos sabemos o que significa presença “parcial”. Brasil, Rio de Ja-
Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja neiro, Ano III, n. 7,
realmente nos ouvindo? Mesmo que alguém, ao ser agosto 1998, p. 1.
questionado “Você está ‘mesmo’ me ouvindo?” seja
capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir,
a repetição soará vazia, oca de sentido, se sua presença
estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso não
significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos
até perceber, sem mesmo ter consciência de que
percebemos – pela própria “densidade” de olhar do
outro, pelo tipo de brilho desse olhar – a denúncia da
“parcialidade” da presença. Um olhar nosso ao olhar
do interlocutor poderá revelá-la. A repetição, mesmo
quando se torne uma reprodução, isto é, quando procure
“re-produzir”, sintetizando o conteúdo daquilo que foi
ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca,
é apenas e simplesmente um eco.
Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a com-
panhia dos homens e dos deuses e não se importava
com o Amor. Pã, apaixonado por ela e irritado com sua
indiferença, fez que os pastores da região a despeda-
çassem, espalhando os despojos pelas campinas. Eco,
dispersada por muitos lugares, limita-se a repetir os
sons que se produzem por perto.
Ouvir realmente, e não apenas “ecoar”, requer
concentração do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.).
Não é possível ouvir estando disperso como Eco. E
não estou me referindo a concentração apenas como
capacidade de focalizar a atenção (no cliente ou na
fala do cliente), mas quero ressaltar a concentração
do terapeuta em si mesmo.
43
Plantão Psicológico: novos horizontes

Proponho refletirmos sobre “concentração”


como “congruência”. Parece estranho? Congruência
pode ser entendida como o alinhamento de várias
esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente falan-
do, significaria ter as dimensões do pensar, sentir e
agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter “todos
os centros num mesmo centro”. Congruência é por-
tanto concentração, tomar dentro de si como único
centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento
interno, concentração, presença inteira.
A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando as
qualidades da relação (aceitação incondicional, empatia e
congruência) como fator mobilizador do crescimento
(tendência atualizante) se confirma como perfeito
referencial para o “Plantão Psicológico”, modalidade de
atendimento que vem abrir também novas perspectivas
de contribuição social para o psicólogo.
Relembrando a expressão tão rica de sentidos
do Prof. Miguel Mahfoud, podemos confirmar o Plantão
Psicológico como presença que mobiliza.

44
Plantão Psicológico na escola:
uma experiência
Miguel Mahfoud

1
O presente texto
foi originalmente
apresentado no VIII
Encuentro Latino-
americano del Enfo-
que Centrado en la

O desempenho profissional é fruto possível


Persona, promovido
pela Universidade
de raízes filosóficas, e é verdade que se conhece a Iberoamericana da
árvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho Cidade do México e
pela Universidade
profissional não morrer, ficará só; se morrer um pouco, Autônoma de Aguas-
para uma reflexão mais profunda e para se misturar calientes, em Aguasca-
com o que dá vida, produzirá cem por um. lientes, México, em
Por isso quero agradecer a possibilidade de 1996, com apoio da
1
compartilhar experiências , a oportunidade de pensar FAPEMIG.
um pouco mais no que faço; oportunidade de me
enriquecer pela consciência de que também eu fui
plantado e que também eu sou árvore com raiz e fruto,
e oportunidade de comunicar. O sentido mais
profundo do fruto não é semear de novo?

A Educação tem pedido técnicas à Psicologia.


Mas o risco é o de não se clarear a finalidade geral da
educação, respondendo segundo objetivos precisos
mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco é o
de não explicitarmos (nem a nós mesmos) que a
45
Plantão Psicológico: novos horizontes

finalidade da educação é a formação da pessoa, e


querermos responder a tantas demandas com diversos
objetivos definidos (aumento do rendimento escolar,
auxílio na expressão verbal e escrita, aplacamento de
comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar
muito, podemos até obter resultados, mas poderíamos
ainda assim não estar respondendo à verdadeira
finalidade da educação. Se a explicitarmos, daremo-
nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos,
métodos e técnicas. E, ainda mais importante, daremos
a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores,
isto é, testemunhas de uma consciência ampla possível,
que já começa a ser uma rota de orientação dentro da
desorientação cultural em que vivemos, e que as nossas
crianças e adolescentes não têm como evitar.

É nesse sentido que um pouco ousadamente


evitei assumir uma função psico-pedagógica na escola
em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos
uma condição de trabalho incomum, não sendo cha-
mados a desempenhar as funções de orientação educa-
cional, ou coordenação pedagógica ou disciplinar –
funções estas exercidas por outros profissionais. Pude
então me preocupar com uma contribuição propria-
mente psicológica no âmbito escolar.
Devido à minha formação marcada pela Aborda-
gem Centrada na Pessoa logo quis que também na escola
a psicologia pudesse contribuir primeiramente consti-
tuindo um espaço para o aluno como pessoa. Um espaço
onde se retomasse a finalidade da educação através da
formação da pessoa naquele contexto, assim como é,
com todos os seus recursos e limites, já. Em um contexto
institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente
partícipe da desorientação cultural que todos vivemos,
eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor
e a potência inovadora e criadora da pessoa que cresce
com consciência de si e da realidade.
46
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

Assumindo isso como finalidade, a técnica de


atendimento breve que tem sido chamada de “Plantão
2
Psicológico” serviu como método de presença entre
2
os alunos e professores. Cf. MAHFOUD,
Sabemos bem que a imagem de um Serviço Miguel. A Vivência
de psicologia dentro da escola é visto por todos como de um Desafio:
Plantão Psicológico.
algo muito diferente disso que propomos, e assim In: ROSENBERG, R.
quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas prin- L. (Org.). Aconse-
cipalmente – e a partir – dos alunos, a quem aquele lhamento Psicoló-
Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, então, gico Centrado na
folhetos de divulgação da proposta, que penso possam Pessoa, São Paulo:
EPU, 1987, p. 75-83.
ajudar a explicar a vocês também um pouco do que (Série Temas Bási-
vem a ser um Plantão Psicológico na escola. cos de Psicologia,
Aos alunos de nível colegial foi entregue um Vol. 21)
folheto com trechos da música “Quase sem querer”
do grupo Legião Urbana, e alguns comentários apre-
sentando o Plantão Psicológico. Trazia os seguintes
dizeres:

“Tenho andado distraído,


Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso.
...
Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém
...
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira.
Mas não sou mais
Tão criança a ponto de saber
Tudo.
...
47
Plantão Psicológico: novos horizontes

Sei que às vezes uso


Palavras repetidas
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?”

de “Quase Sem Querer”


(Dado Villa-Lobos/ Legião Urbana)

PLANTÃO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO

– Uma ajuda para quem não quer viver


desperdiçando chances (com os amigos,
com a família, no colégio...).

– Um espaço para procurar ouvir em si as


palavras mais profundas e verdadeiras.

– Uma possibilidade para todo aluno que não


quer viver “quase sem querer”.

Os pedidos de encontro com o psicó-


logo podem ser feitos pessoalmente todas as
3as e 6as feiras nos intervalos da manhã na sala
45 (próximo à biblioteca e à informática).

Ou por escrito, todos os dias deixando


na portaria do Colégio um bilhete destinado
ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu
3
nome, número e classe, data e assinatura.
As ilustrações dos
panfletos apresen-
– Querendo, apareça!
tados neste capítulo
são de Durval Cor-
das, a quem agrade-
cemos a autorização Já o folheto preparado e entregue aos alunos
3
para publicação. de nível ginasial foi o seguinte :
48
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

49
Plantão Psicológico: novos horizontes

50
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

51
Plantão Psicológico: novos horizontes

52
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

53
Plantão Psicológico: novos horizontes

A resposta dos alunos foi bastante positiva. No


início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo
de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente
foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais
do que para os problemas. Isso fez com que mesmo
quando precisávamos chamar alguém para conversar
por pedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar,
ou por pedido de algum professor, a disponibilidade
de tratar dos problemas era já diferente, porque o inte-
resse era por ele, e não por suas notas ou comporta-
mentos. Então até suas notas e comportamentos eram
discutidos; suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua
pessoa continuava a ser o centro, e a resposta à situação
assim como é ainda cabe a ele, que pode agora ter
alguém a quem se referir, com quem se avaliar, em
quem se apoiar. A consciência ampla do educador ali
frente ao aluno se traduz também em disponibilidade
e cumplicidade para que o aluno viva com realismo e
com cuidado consigo mesmo. De modo geral isso é
mobilizado rapidamente e o psicólogo permanece
como referência para o aluno na escola, também para
outras ocasiões mais tarde, e a experiência permanece
como referência dentro do aluno – espero para sempre.

A consciência de si e da realidade pede, antes


de mais nada, discriminação. Quem é quem na escola?
Com quem você pode contar? Quais são os recursos
disponíveis na rede de relacionamentos?
Mas se provoco os alunos a estarem atentos à
realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença
na escola, é porque procuro fazer o mesmo ali. Também
eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as
diferentes contribuições dos vários professores e
coordenadores que convivem muito mais diretamente
com os alunos do que eu, e por isso podem ser um
contato importante para o meu trabalho e para diferentes
formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem
54
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

me dar feed-back de minhas intervenções, podem cooperar


quando também eles se abrem a um tipo de compreensão
dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e
as outras dimensões normalmente deixadas à margem
da sala de aula.

Na verdade a manutenção desse tipo de pro-


posta pede um empenho constante, e disponibilidade
a manter um diálogo continuamente retomado – com
os professores, com os alunos e com o conjunto da
instituição – para se esclarecer a linha do trabalho, e
para que se tenha atenção com o sentido que o trabalho
vai tomando para a instituição:

COM OS PROFESSORES
Quanto aos professores, é fácil que em um
primeiro momento eles sintam que somos “defensores”
dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem-
se incompreendidos. Chamá-los a colaborar conosco na
atenção com os alunos nem sempre é potente para
romper aquela impressão. Às vezes é preciso que eles
vejam alguns passos que estão sendo dados pelo aluno e
que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a
explicitá-los nem sempre é fácil, mas é sempre importante.

COM OS ALUNOS
Quanto aos próprios alunos, é importante
retomar a proposta de que eles próprios podem nos
procurar, e estar atentos às tensões que nossa presença 4
Este folheto en-
suscita entre eles, para poder lidar com elas também contra-se digita-
enquanto escola no seu conjunto, além do âmbito de lizado no CD-ROM
atendimento individual ou de pequenos grupos. que acompanha o
4 livro.
Como exemplo, apresento a vocês um folheto
que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar
comigo no Colégio, e aproveitamos para lidar também
com a tensão existente entre os alunos, ligada ao fato
de que alguns deles se encontravam conosco.
55
Plantão Psicológico: novos horizontes

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Plantão Psicológico na escola: uma experiência

57
Plantão Psicológico: novos horizontes

58
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

59
Plantão Psicológico: novos horizontes

Assim, brincamos um pouco com a tensão, e o


projeto foi re-proposto.

COM A INSTITUIÇÃO
Quanto à necessidade de recolocar continuamente
a proposta, a nível institucional a questão também não é
simples. Às vezes nos sentimos um pouco “marcianos”.
Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às
demandas da instituição retomando sempre o ponto
de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso é
muito desafiador e criativo. Criamos métodos e instru-
mentos novos ao procurar responder aos pedidos e
necessidades da instituição retomando a finalidade da
educação e as contribuições da Psicologia.
Gostaria de citar dois exemplos:

1) O primeiro se refere a um pedido que a


direção da escola nos fez de nos ocuparmos de
Orientação Profissional, sugerindo a aplicação de testes.
Na nossa visão, para aqueles alunos, o problema
se localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classe
sócio-econômica “A”, poderiam escolher o que qui-
sessem – mas na verdade não podem escolher porque
não sabem o que querem, ou porque o caminho pro-
fissional já está traçado por herança familiar (a empresa
da família, o consultório do pai...). Não queríamos
aplicar testes, porque não os ajudaria em nada a
enfrentar o problema de não se conhecerem, e o de
assumirem conscientemente um caminho para si na
vida e na sociedade. Não queríamos substituí-los nessa
tarefa de escolha que é tão importante, e assinala uma
passagem para o mundo adulto.
A atenção a isso nos deu criatividade para
utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos
criados a partir de outros parâmetro teóricos. Uti-
lizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o da
música “Caçador de Mim” (Sérgio Magro/Luís
60
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

Carlos Sá) como imagem da busca de si que aquele


momento de escolha envolve; ou o poema “Que é o
Homem?” de Carlos Drummond de Andrade para abrir
espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num
horizonte amplo.
Mas desenvolvemos um novo método de
Orientação Vocacional adaptando o Método de História
de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum
Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no
Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para
desenharem o gráfico de sua história de vida, assinalando
as experiências mais significativas desde o nascimento
até o momento presente, avaliando-as como positivas
ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que
redijam um texto apresentando um dia comum no
futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho é
possível extrair o critério pessoal com o qual cada um
deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Então se
propõe enfrentar a questão da escolha profissional com
aqueles critérios pessoais, tendo em vista as profissões
que mais favoreceriam a expressão e o desenvolvimento
de suas características; ao invés de perseguir a questão
de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz –
questão esta que parte de uma posição alienada e 5
Cf. MARTINS, C.R.
alienante. Só depois de explicitados esses critérios e Psicologia do Com-
mobilizado esse processo de busca é que utilizamos, portamento Voca-
eventualmente, testes de personalidade (como o de cional . São Paulo:
5
Pfister) e o Modelo de Holland de grupos profissionais EPU/EDUSP, 1978.
associados a características de personalidade. A proposta
é a de enriquecer e ampliar a reflexão sobre si como
6
ser-no-mundo, único e irrepetível, ao invés de esperar 6
daqueles instrumentos uma resposta. FRANKL, V. E.
Psicoterapia e sen-
tido da vida: funda-
2) Outro exemplo, para nós muito significativo, mentos da logote-
foi quanto à dificuldade da instituição em trabalhar rapia e análise exis-
explicitamente a questão das drogas, que preocupa tencial. São Paulo:
muito a todos – direção, professores, pais e alunos. Quadrante, 1973.
61
Plantão Psicológico: novos horizontes

Frente à necessidade de um trabalho de


prevenção ao uso de drogas e frente às dificuldades
7
Cf. CARLINI, E.A.; institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais
CARLINI-COTRIN, adequado procurar utilizar o método que vem sendo
7
B. & SILVA FILHO, chamado de Educação Afetiva , que procura modificar
A.R. Sugestões pa-
fatores pessoais considerados disponentes à utilização
ra programas de
prevenção ao abuso de drogas (como auto-estima, identidade, resistência a
de drogas no Brasil. pressão de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o
São Paulo: CEBRID, tema drogas.
1990. Assim, Sílvia Regina Brandão e eu elaboramos
8
o primeiro material brasileiro de Educação Afetiva ,
8
MAHFOUD, Miguel sempre retomando a questão da centralidade da pessoa,
& BRANDÃO, Sílvia e abordando principalmente o tema da identidade a
Regina. Educação
partir da existência, do ser-no-mundo e o tema da
Afetiva. In: I Con-
gresso Interno do conjugação entre desejo e limite.
Instituto de Psico-
logia da USP. São SITUAÇÃO DESAFIADORA
Paulo, 1991, p. Z6. Para terminar, eu não seria verdadeiro comigo
mesmo se não citasse uma situação que para mim tem
sido muito difícil e desafiadora: trata-se da situação de
morte de alunos, em particular quando há suspeita de
suicídio. Por um lado retomo com muita força a
questão da finalidade da educação no que se refere à
formação da pessoa e à formação de uma consciência
ampla de si e da realidade. Uma morte assim nos coloca
em xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construir
com aquela pessoa, significa que ela não aceitou a
referência que quisemos propor e evidencia o mistério
da liberdade do homem.
Mas também nesse momento a nossa contri-
buição de adultos, educadores e psicólogos passa pela
consciência ampla que podemos testemunhar. E
consciência ampla nesse momento significa poder ficar
frente ao mistério da vida e da morte, perplexos, ao
lado dos adolescentes desorientados. E isso só é
possível para nós adultos se com eles retomamos a
última frase do caderno Educação Afetiva: “retomar
62
Plantão Psicológico na escola: uma experiência

sempre o que é importante para mim, me ajuda a fazer


escolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os grupos
que mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar e
batalhar para ser feliz”.
Isso não é dado por nenhuma identidade social,
por nenhuma formação universitária e por poder algum.
Isso só pode ser dado por uma companhia viva, de
horizonte de vida amplo, à qual cada um de nós pode
ou não aceitar pertencer.
Passa por aí o sentido do nosso trabalho, que
não será dado pela instituição em que trabalhamos, mas
ao contrário, será a instituição que crescerá com sentido
se o carregarmos conosco ao vivermos ali.
Parafraseando a introdução do caderno Educa-
ção Afetiva, quero desejar a cada um de vocês o mesmo
que desejo àqueles com quem trabalho: que também o
seu trabalho “ajude a encontrarmos caminhos sempre
novos – para cada um e para a convivência entre nós –
na constante batalha para ser feliz!”.

63
Plantão Psicológico: novos horizontes

64
Plantão Psicológico na escola:
presença que mobiliza
Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandão
Roberta Oliveira e Silva

Comunicar uma experiência , explicitar seu


1

1
método, ressaltar a potencialidade de uma proposta, dar Expressamos o
visibilidade a um processo real: são objetivos do presente reconhecimento dos
capítulo. Impactar-se com a força do possível que emerge plantonistas que
colaboraram em
de uma experiência: eis a motivação destas páginas. uma primeira siste-
Experiência, é claro, se dá em tempo, espaço e matização desta ex-
contexto social determinados; e da compreensão de seus periência: Matilde
elementos fundamentais depende a continuidade de sua Agero Batista, Ivana
presença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade, Carla B. C. Santos,
Lilian Rocha da Silva,
se assim não fosse, nem ao menos poderíamos chamá-la Romina Magalhães,
de experiência. Procuramos, então, aqui, explicitar o Ronnara Kelles Ri-
palmilhar de um percurso feito. Compartilhado o beiro e Tânia Coelho
caminho com o leitor, a continuidade da experiência já de Alcântara.
será objeto de atenção de todos nós, cada qual em seu
tempo, espaço e contexto social.

TEMPO, ESPAÇO E CONTEXTO SOCIAL


Relatamos aqui a implantação de um Serviço de
Plantão Psicológico em uma escola pública de segundo
65
Plantão Psicológico: novos horizontes

grau num bairro operário na periferia de Belo


2
Horizonte (MG) , estabelecendo um campo de estágio
2
A experiência aqui da disciplina “Aconselhamento Escolar: Plantão
relatada se deu em Psicológico” no curso de Psicologia da Universidade
1997. Federal de Minas Gerais, a partir da proposta de Plantão
Psicológico no contexto escolar elaborada pelo
3
professor .
3
Confira o capítulo Trata-se de uma aplicação original – cunhada
“Plantão Psicoló- em comum entre professor e estagiários – iniciada e
gico na escola: uma levada a cabo com atenção a potencializar os recursos
experiência” , de
pessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituição
Miguel Mahfoud,
neste mesmo livro. apresentavam. Trata-se, então, não de aplicação mecâ-
nica de um novo modelo, mas de atualização de uma
atenção viva às pessoas que compunham a equipe, de
maneira tal que atentas à própria experiência se colo-
cassem no contexto escolar mobilizando a mesma
atenção; de maneira tal que disponíveis ao encontro
com o novo se inserissem na escola despertando o
desejo de encontro e de crescimento que constitui todo
homem; de maneira tal que atentos aos movimentos
de transformação e crescimento se desenrolando entre
nós da equipe, se dispusessem a observar, acolher e
facilitar, com curiosa e discreta abertura, cada
movimento promovido no contexto institucional.
Aquela escola específica foi escolhida por estar
inserida em uma comunidade muito ativa em termos
de movimentos sociais, comunitários e culturais. A
própria escola foi idealizada e construída pela comu-
nidade local (construída enquanto instituição mas
também enquanto espaço físico). Poder contar com
esse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade para
o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma das
intenções, de maneira tal que as relações entre o
atendimento individual, a instituição e a comunidade
em que estão inseridos fossem objeto de atenção; de
maneira tal que o atendimento aos alunos dentro
daquela escola pudesse concretamente contribuir –
66
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

ainda que de maneira simples – com um movimento


social mais amplo que, por posicionamento político e
cultural, valorizamos.
Estabelecemos um contrato com a escola,
através de sua diretora, oferecendo um Serviço de
atendimento em Plantão Psicológico nas dependências
da escola, nos horários normais de aulas, para receber
alunos que solicitassem ajuda psicológica. Em contra-
partida, a escola garantiria alguns aspectos fundamen-
tais para o andamento do trabalho: espaço físico ade-
quado para acomodação dos estagiários onde pudes-
sem ser feitos os atendimentos; autorização aos alunos
para saírem de sala de aula para procurar o Serviço; o
não encaminhamento dos alunos ao Plantão Psico-
lógico por parte de professores e direção.
Uma vez que para atingir nossos objetivos de
mobilizar os alunos era fundamental abrir para eles
um espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livre
de qualquer imposição ou limitação de horários por
parte da escola, era fundamental que eles tivessem a
liberdade de procurar-nos no momento que fizesse
mais sentido para eles, do modo que achassem melhor,
para falar sobre o que desejassem.
A diretoria da escola recebera de bom grado a
proposta e sentia-se honrada em ser o público número
um de um projeto piloto em Belo Horizonte, em
conjunto com a nossa universidade.

PREPARAR: DA APREENSÃO À ATITUDE DE ESCUTA PROFUNDA


Habitualmente, ao se pensar em presença de
psicólogos no contexto escolar emergem duas con-
cepções: a da intervenção psico-sociológica tradicio-
nalmente considerada – com planejamento a partir de
uma leitura diagnóstica da instituição – e a da inter-
venção de base clínica, voltada a favorecer a superação
de dificuldades localizadas no aluno, em seu de-
senvolvimento e/ou saúde mental. Essas concepções
67
Plantão Psicológico: novos horizontes

se apresentam insistentemente a quem se dispõe a


adentrar aquele contexto, e a proposta de um modelo
outro, baseado em acolher as demandas dos alunos
enquanto pessoas – normalmente desconhecidas antes
que se inicie o trabalho – e que procura acompanhar
as ressonâncias institucionais de mobilizações pessoais
– que se verificarão só a partir da intervenção – não
pode deixar de provocar apreensão.
A proposta de Plantão Psicológico em si mesma
já requer uma abertura ao não-planejado; quando se
acrescenta a vinculação institucional a ser delineada no
decorrer do processo, a exigência de disponibilidade
a acompanhar um processo sem um planejamento
prévio é ainda maior. Frente à inevitável apreensão,
uma sugestão: observar atentamente para conhecer;
ouvir profundamente para facilitar a expressão do que
de mais significativo será trazido a nós; estar realmente
presente, disponível, e atentar à mobilização que pode
nascer daí.
Contato com literatura especializada e relatos
de experiências de intervenções nessa modalidade de
Aconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989,
1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaram
que se estabelecesse uma posição de ativo empenho
com a proposta – que é mesmo um tanto descon-
certante –, respaldados também na literatura fun-
damental acerca da Abordagem Centrada na Pessoa
elaborada por Rogers.
A proposta era disponibilizar-se em termos de
tempo e de escuta. Ou seja, os estagiários comporiam
uma equipe sempre presente na escola: estariam
literalmente de plantão ali à disposição dos alunos,
cobrindo todos os horários de funcionamento daquela
instituição, disponíveis ao atendimento à pessoa do aluno
no momento em que ele estivesse precisando de ajuda,
não sendo assim necessário marcar horário com
antecedência e não estaria implicada necessariamente
68
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

uma continuidade de atendimento. O que dirige o


percurso é a necessidade da pessoa, garantida a
permanência da disponibilidade da equipe de plantonistas
e contando com a iniciativa dos próprios alunos
buscarem atendimento quando fizer sentido para eles.
Mas afinal o que estaríamos oferecendo neste
serviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda
para rever, repensar e refletir suas questões. O objetivo
era possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar,
de estarem atentos ao que é realmente importante para
eles naquele momento, e então de se posicionarem
diante disso. O psicólogo neste tipo de serviço não
está ali atento a solucionar algum problema mas
procura estar presente acolhendo a pessoa e escutando-
a ativamente, possibilitando com isso que ela se mobi-
lize frente à sua situação; procura estar centrado na
pessoa mais do que no problema.
Esse momento de preparação fora funda-
mental do ponto de vista do método, pois pôde ficar
claro que ouvir – escuta ativa, profunda – é uma inter-
venção, e que aquilo que verbalizamos para a pessoa,
aquilo que pontuamos ou refletimos devol-vendo para
ela é uma intervenção complementar à escuta, vem
como que acoplada. A escuta, enquanto postura básica,
é saber ouvir o outro, estar preparado e disponível
para receber a vivência que estiver tra-zendo, tomando-
a em sua complexidade original, em seus múltiplos
horizontes, de maneira tal a facilitar que a pessoa
examine com cuidado as diversas facetas de sua ex-
periência. Essa escuta solicita de nós uma atenção a
uma multiplicidade de perspectivas, mas sobretudo
requer uma atenção à perspectiva que aquela pessoa
escolhe – ou pode – no momento examinar para
adentrar sempre mais profundamente na própria expe-
riência; e isso requer mais respeito ao caminho empre-
endido pela própria pessoa do que qualquer habilidade
preditiva por parte do plantonista. Abertura ao novo
69
Plantão Psicológico: novos horizontes

incansavelmente emergente em cada pessoa que


examina sua vivência; abertura maravilhada diante do
mistério da liberdade de cada ser humano, e daquele
ali em particular: é o primeiro passo para entrar em
contato com a realidade das pessoas.
Nos permitimos entrar em contato com o
ouvir não só do ponto de vista teórico (cf. Rogers,
1983; Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa ex-
periência, sabendo que está em nós o recurso funda-
mental para facilitar que o outro se escute a si próprio.
Reconhecemos, então, o fundamento do Plantão
Psicológico naquela atitude que propicia a facilitação
de um processo que é do cliente, e portanto a função
do psicólogo não é conduzir esse processo mas
acompanhá-lo.
Mas, na prática, o que seria ouvir? O que
representaria esse tipo de atenção para com o outro
ali diante de mim? Preocupação primária e fonte de
ansiedade para os iniciantes em atendimento psico-
lógico, mas preocupação e ansiedade em outra medida
sempre presente também para quem, por anos a fio,
busca se colocar diante do outro com a abertura con-
fiante necessária para que se dê um processo na direção
do crescimento e da mobilização, para que se dê um
processo de mudança em função do sentido tão
próprio àquele que pede ajuda.
E na supervisão não poderia ser diferente:
atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa,
e acolhê-los, sobretudo para que cada estagiário pudesse
descobrir-se como terapeuta no decorrer do contato
com o outro, mobilizando seus próprios recursos
afetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo de
escuta, livres de interpretações, generalizações e pré-
concepções, estaríamos mais propícios a nos perceber
e perceber o outro. O grande segredo é o aprendizado
com a própria experiência. E esse segredo se revela
efetivamente só com o decorrer do próprio trabalho.
70
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

CONTATOS INICIAIS
Nos primeiros contatos de toda a equipe do
Plantão Psicológico com a escola confirmamos, da
parte deles, o interesse e a disponibilidade em colabo-
rar. Porém, já de início eram perceptíveis as expecta-
tivas da instituição quanto ao trabalho: a de que res-
ponderíamos a demandas pré-definidas por eles,
ligadas ao que consideravam ser os problemas mais
graves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo,
abuso de álcool e gravidez na adolescência.
Parecia-nos natural que frente à novidade da
proposta, surgisse na escola – juntamente à dispo-
nibilidade e abertura – alguma dificuldade em colocar-
se numa perspectiva diferente, centrada no aluno e a
partir de um posicionamento diverso por parte da
Psicologia. Demo-nos conta de que não era preciso
que a escola entendesse, imediatamente, tudo o que
iríamos fazer ali: o fundamental naquele momento é
que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuação.
Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era o
início de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar,
continuamente, nossa proposta era mesmo parte de
nosso trabalho. No vivo da interação com a instituição
íamos repropondo e reafirmando os princípios e os
fundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmes
em nossa proposta assim como nas exigências
necessárias para colocá-la em prática. E então, melhor
do que argumentar seria mostrar a que viemos.

APRESENTANDO A PROPOSTA
Organizamos uma apresentação da equipe de
plantonistas e de nossa proposta para os alunos – que
sabíamos ser útil a todo o quadro da escola. Evitamos
passar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar o
que é Plantão Psicológico. A apresentação da proposta
ao público interessado precisava ter impacto para marcar
nossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar
71
Plantão Psicológico: novos horizontes

também de explicitar com clareza nosso objetivo. Além


do quê, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximá-
la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a eles
que psicólogo não é “pra doido”, como muitas pessoas
costumam pensar, mas para todos que tenham interesse
em se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer em
suas vivências, cuidar para vivê-las de um modo mais
saudável e consciente; era preciso afirmar que estaríamos
ali disponíveis para acompanhá-los em sua experiência.
Para alcançar tal objetivo elaboramos uma apre-
sentação que fosse clara e próxima dos alunos, procu-
rando utilizar uma linguagem própria da idade deles e
que pudesse abarcar ao máximo a realidade em que
vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois, além
de provocar certo impacto, era uma maneira em que
nos sentíamos muito à vontade. Estávamos lançando
mão de nossos próprios recursos, oferecendo nossa
disponibilidade, cada um podendo se colocar com o
que tem para oferecer tornando o grupo uma equipe
coesa e disponível, cada um com suas diferenças,
facilitando assim que as diversidades se aproximassem.
Essa forma de se apresentar aconteceu nos três
turnos, aproveitando o horário do recreio, por conside-
rarmos ser o momento em que poderíamos estar mais
próximos dos alunos e para passar a mensagem que
estávamos propondo um espaço realmente voltado a
eles na escola. Preparamo-nos sem que os alunos sou-
bessem; apenas a diretoria estava ciente do que iríamos
fazer. Quando tocou o sinal para o recreio e os alunos
começaram a sair das salas e se dirigirem para o pátio
nós começamos a tocar uma música e iniciamos a
apresentação, distribuímos panfletos com a letra de uma
música composta por nós e no verso uma explicação
do que seria o Plantão Psicológico. Utilizamos algumas
músicas já conhecidas, com temática bem jovem e
atual, que traziam questões em direção a se cuidar,
como por exemplo as de Legião Urbana, Kid Abelha,
72
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos também algumas


músicas-paródia e até compusemos “O Rap do Plantão”.
Seguem alguns exemplos:

Rap do Plantão

Cheguei em casa da escola tô cansado de estudar


Meu pai não me entende não adianta conversar
Minha mãe me repreende não tenho com quem falar
Liguei pra namorada e ela não estava lá
Procurei por meus amigos
Me disseram: Sai pra lá!

Ninguém
Quer me entender
Ninguém
Quer me responder

Em minha cabeça tudo roda e eu não sei o que fazer


Quem sou?
De onde vim?
Pra onde vou?
O que fazer, o que fazer?
Não consigo esclarecer tá difícil de entender
Não consigo me acalmar tá difícil de aguentar
Mil problemas me esquentam
Mil questões me atormentam

E os outros no meu pé
Cada um com seu palpite
Minha cabeça dá um nó
E não há quem acredite

E eu?
O que que eu faço desta vida?
E eu?
Qual vai ser a minha história?
E eu?
73
Plantão Psicológico: novos horizontes

Reggae do Plantão
(Paródia de “Pensamento”, do grupo Cidade Negra)

Eu preciso falar do que se passa aqui dentro


Vou procurar o plantão
Preciso de alguém que me escute e me entenda
Prá eu também me entender
É este mundo
É minha vida
Quero mudar
Quero aproveitar

Quem não se cuida


Não curte a vida
Fica parado sem sair do lugar

Exibem poesia as palavras de um rei


Faça sua parte
Que eu te ajudarei

Twist do Plantão
(Paródia de “Twist and Shout”)

Vou conversar no Plantão (no Plantão)


Não sei se tem solução (solução)
É um espaço pra mim (para mim)
É disto que eu tô afim.
Ah... Ah... Ah... Ah... Ah...

Melô do Plantão

No plantão falar é “bão”


Muito “bão” (Repete 3x)
Muito “bão”.
No plantão falar é “bão”.
74
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

Pretendíamos criar um momento de apre-


sentação em que eles se reconhecessem e pudessem
estar mais atentos à explicação que iríamos dar poste-
riormente sobre o Serviço.
Elaboramos uma dramatização que pudesse
representar bem a vivência de um adolescente
incompreendido em sua própria casa e que por fim
resolve buscar ajuda no Plantão Psicológico como meio
de pensar e refletir sobre suas questões.
De início os alunos pareciam espantados e aos
poucos foram se ambientando, começaram a interagir
conosco cantando as músicas e batendo palmas, e até
mesmo dançando. Nos entremeios de uma música e
outra e o teatro íamos falando de forma espontânea
quem éramos nós e o que estávamos fazendo ali.
Procuramos tocá-los no que diz respeito à vivên-
4
cia de ser adolescente cheio de questões, dúvidas, inquie- Uma breve edição
tações e à dificuldade de contar com alguém que possa em vídeo de filma-
gens feitas durante
estar junto com ele acompanhando-o nessa experiência.
estas apresenta-
Estávamos propondo a eles que uma maneira “legal” ções está incluída no
de se cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas CD-ROM anexo ao
e dificuldades, é dar-se a oportunidade de falar dessas livro. As músicas
coisas, pensando sobre elas e sobre como eles podem também podem ser
ouvidas já integradas
estar vivendo de forma consciente cada situação, poden- ao vídeo ou através
do até passar a vê-la de modo diferente. Divulgamos de um CD-player
assim o Serviço de forma descontraída sem perder a convencional (faixas
4
seriedade do nosso compromisso com a proposta. 2, 3, 4, e 5).

OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDAS
No dia seguinte à apresentação da proposta aos
alunos, os estagiários começaram a ficar de plantão, na
sala disponibilizada pela escola, e imediatamente os aten-
dimentos começaram. Os estagiários se dividiam pelos
três turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, e também
no sábado de manhã, o que fazia com que sempre
houvesse um ou dois estagiários na sala do Plantão,
disponíveis para os alunos.
75
Plantão Psicológico: novos horizontes

Nos atendimentos procurávamos acompanhar


a organização própria dos alunos, pois era centrando
na experiência destes que descobríamos como proceder.
Esta atenção ao movimento que os alunos faziam ao
buscar o Plantão Psicológico nos indicava como
responder a este movimento. Sendo assim, o número
de alunos que participava de uma sessão, a duração desta,
a marcação de uma nova, e o próprio andamento de
cada sessão acompanhavam a necessidade do momento
e não uma regra pré-estabelecida. O que mantínhamos
firme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los,
ajudá-los a examinar sua experiência, e a proposta de
que o Plantão Psicológico era para qualquer aluno que
quisesse ‘se cuidar’. Atendemos então indivíduos e
grupos, em uma ou mais de uma sessão, que duraram
de quinze minutos a uma hora e meia.
Nos casos em que os alunos voltavam, sendo
atendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidade
de ajuda que ia além da proposta de atendimento em
Plantão Psicológico (ver abaixo a categoria “Incômodo
com a maneira de ser e de reagir à situações”), nós os
encaminhávamos para Serviços ou clínicas sociais que
oferecessem psicoterapia a um baixo custo ou gratui-
tamente. Foram poucos os casos encaminhados, já que
na maioria não houve esta necessidade.
Ao final do primeiro semestre, realizados aten-
dimentos no período de abril a junho, havíamos
atendido 11,9% do total de alunos da escola (124 de
um total de 1035), em 134 sessões (ver tabela I na
próxima página). Note que o número de alunos
atendidos e de sessões é diferente, já que um aluno
pode ter sido atendido em mais de uma sessão e vários
alunos, em grupo, podem ter sido atendidos em uma
única sessão. Para chegarmos a este total de alunos
atendidos contabilizamos as sessões efetivas, (ou seja,
aquelas em que os alunos haviam se movimentado
frente à alguma questão) deixando de lado, para efeito
76
ALUNOS MATRICULADOS ALUNOS ATENDIDOS ATENDIMENTOS (SESSÕES)

TABELA I
Número de % de alunos Número de % de pessoas % de pessoas Número de
% de
alunos matriculados pessoas atendidas no atendidas no atendimentos
atendimentos
matriculados em relação atendidas no turno em turno em re- no turno
no turno em
em cada ao número turno rela-ção ao lação ao
relação ao
turno total de total de total de
total de
alunos da alunos ma- pessoas
atendimentos
escola triculados no atendidos na
na escola

Dados quantitativos sobre cada turno


mesmo turno escola

Manhã 423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9


Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4
Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7
Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100%

77
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza
Plantão Psicológico: novos horizontes

de contagem, as situações em que os alunos passavam


rapidamente pela sala do Plantão Psicológico para dizer
olá, espiar, ou fazer um comentário, e aquelas em que
os alunos permaneciam conosco por algum tempo
conversando “fiado” ou querendo saber mais sobre
nossa proposta, fazendo perguntas do tipo “O que é
mesmo o Plantão?”. Vale dizer que algumas situações
como estas serviram como via de acesso à ajuda, ou
seja, o aluno chegava como quem não quer nada para
logo em seguida, já ambientado, conseguir falar de si,
transformando a “visita” em um atendimento, que era
então contabilizado.
Durante todo o semestre os atendimentos eram
discutidos nos encontros semanais de supervisão. Para
cada sessão ou atendimento era feito um relatório
escrito. Nestes encontros, além dos atendimentos,
conversávamos também sobre a instituição em seus
diferentes âmbitos, ou seja, falávamos dos professores,
da diretoria, dos turnos, do que observávamos
enquanto estávamos na escola.
Queríamos estar atentos para as repercussões
que nossa presença estava tendo na escola. Isto também
era parte de nossa proposta de Plantão Psicológico.
Ao escutar os alunos, estávamos intervindo também
na instituição, ajudando estes a se dar conta de suas
necessidades frente à escola, o que poderia mobilizá-
los a atuar nesta para transformá-la. Ao escutar a
instituição em cada um de seus âmbitos estávamos
também intervindo, pois surgiam então respostas que
poderiam ser dadas ao grupo.
Um exemplo disto foi nossa atuação diferen-
ciada em relação à características singulares que o turno
da tarde tinha em relação aos outros turnos:
No turno da tarde funcionavam três turmas,
todas do primeiro ano do segundo grau, totalizan-
do cento e vinte e seis alunos. No início do trabalho,
os alunos deste turno não procuraram o Plantão
78
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

Psicológico, diferenciando-se dos outros turnos onde


a procura foi imediata, acontecendo já no primeiro dia
de funcionamento do Serviço. Através de observações
que os estagiários haviam feito enquanto aguardavam
atendimento e de conversas informais com os alunos,
principalmente no horário do recreio, levantamos
algumas características específicas deste turno que
poderiam explicar a não-procura pelos atendimentos
naquele turno. Concluímos que a procura poderia estar
sendo dificultada por:
- um maior controle sobre os alunos, por parte
de quem ocupava a direção da escola naquele
período, no sentido de evitar que os alunos
ficassem fora de sala de aula no horário letivo;
- um maior controle dos alunos sobre os
próprios alunos. Neste turno haviam poucas
turmas, o que fazia cada aluno estar mais
exposto. Todos eles eram novatos na escola –
já que eram turmas de 1ª série do científico – e
estavam provavelmente tentando se ‘enturmar’,
fazer amigos, e a busca por um Serviço de
atendimento psicológico poderia atuar
negativamente neste sentido, pela imagem
tradicional do psicólogo como alguém que
atende ‘loucos’. De fato os alunos que falavam
em procurar o Plantão Psicológico eram
caçoados pelos colegas.
Entendemos que precisávamos intervir dife-
renciadamente neste turno para facilitar o acesso à
ajuda. Criamos para isto uma estória em quadrinhos
que foi colocada em um cartaz bem visível aos alunos
deste turno. Essa estória retratava a situação de um
aluno que queria ir ao Plantão Psicológico mas se inti-
midava pois os colegas caçoavam quando expressava
esta vontade. Ele conversa então com um outro colega
que havia ido mas que se recusa a explicar o que havia
acontecido lá, dizendo que ‘No plantão falar é bão’,
79
Plantão Psicológico: novos horizontes

com uma expressão muito satisfeita, indicando que


este deveria descobrir por si mesmo. O aluno decide
então ir ao Plantão Psicológico. Com este cartaz
estávamos espelhando a situação dos alunos para eles
mesmos. Era já uma escuta.
Uma outra intervenção desse gênero foi a de
uma estagiária, que envolveu um grupinho de alunos,
convidando-os para a ajudarem a confeccionar um
cartaz onde foi escrito ‘Plantão Psicológico’ para ser
colocado na porta de nossa sala. Buscava com isso
aproximar mais os alunos do nosso espaço de aten-
dimento, desmistificando também o psicólogo como
distante e como ‘coisa para doido’.
A resposta a estas intervenções foi imediata. No
dia seguinte à fixação da estória em quadrinhos num
corredor da escola, um grupo de alunos apareceu para
conversar. Os atendimentos começaram então a
acontecer também no turno da tarde, no qual foram
atendidos 46 alunos, ou seja, 37,1% do total de alunos
atendidos na escola. O número de atendimentos neste
turno foi de 14, que corresponde a 10,4% dos aten-
dimentos realizados na escola. A diferença entre o
número de atendimentos e o de alunos atendidos é
grande pois houveram vários atendimentos em grupo
neste turno. Esta ‘preferência’ dos alunos pelos grupos,
e o fato dos atendimentos terem acontecido geralmente
no horário do recreio ou quando algum professor não
comparecia para dar aula, pode ser entendida: se é o
grupo que comparece, diminui o controle individual
que as características de contexto descritas mais acima
exerciam sobre os alunos.
Os turnos da manhã e da noite tinham um
número bem próximo de alunos matriculados, sendo
423 no da manhã e 486 no da noite. Nestes dois turnos
os alunos procuravam o Plantão Psicológico em
qualquer horário, ou seja, no recreio ou durante as aulas,
quando queriam ser atendidos. No turno da manhã,
80
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

foram atendidos 31 alunos (7,3% do total de alunos


atendidos na escola), em 36 atendimentos (26,9% do
total de atendimentos realizados na escola). Houve
atendimentos em grupo, embora não tantos quanto
no turno da tarde. O turno da noite se diferencia neste
aspecto pois quase não houve atendimentos em grupo.
Neste turno ocorreram a maior parte dos atendi-
mentos realizados na escola (62,7% do total), sendo
atendidos 47 alunos (37,9% do total). Quanto à por-
centagem de pessoas atendidas em cada turno em
relação ao total de alunos naquele mesmo turno, os
turnos da manhã e da tarde se assemelham, com
respectivamente 7,3% e 9,7% de seus alunos atendidos.
Já o turno da tarde se destaca pois teve 36,5% dos
seus alunos atendidos, geralmente em grupos, como
já foi dito.
Após passarmos pela experiência de um pri-
meiro semestre atendendo em Plantão Psicológico,
surgiu a necessidade de organizar essa experiência,
buscando entender com clareza as necessidades
daqueles sujeitos que nos procuravam. Essa organi-
zação nos daria, através de uma leitura mais siste-
matizada das demandas dos alunos, um maior co-
nhecimento sobre os sujeitos que atendíamos e,
conseqüentemente, uma ajuda para o entendimento
da dinâmica da instituição escolar e até para nossas
intervenções ali. Além disso, seria importante para o
retorno que daríamos à escola sobre nosso trabalho e,
de forma mais geral, sobre as questões mais discutidas
pelos alunos. Esse retorno, por sua vez, poderia levar
a escola a rever sua visão e sua posição frente aos alunos.
Deste modo, passamos um semestre atendendo
em Plantão Psicológico, ouvindo cada pessoa enquanto
pessoas únicas, com demandas próprias, que iam, à
medida em que eram escutadas e se escutavam, fazendo
seu movimento em direção à mudança (cf. Mahfoud,
1989). Mas a singularidade do movimento de cada
81
Plantão Psicológico: novos horizontes

um não ocultava que muitos alunos ali atendidos vinham


falar de coisas que às vezes eram comuns a outros. E
foi em busca do que fosse comum que fizemos uma
categorização das demandas que os alunos da escola
traziam, a partir dos relatórios dos atendimentos que
eram escritos pelos plantonistas.
É importante frisar que as categorias de de-
mandas não foram criadas antes de examinarmos
atentamente os relatórios, para que tentássemos
encaixar nelas os “problemas já-categorizados” dos
alunos, pois se fizéssemos assim, correríamos o risco
certeiro de distorcer a experiência do aluno enqua-
drando-o em “pré-suposições” nossas. Ao contrário,
optando por uma metodologia fenomenológica,
deixamos que as categorias “emergissem”, fossem
“des-cobertas”, após discussões concentradas sobre
os diversos casos.
Assim, discutimos qual o tema central de cada
atendimento, qual a principal demanda que ali se
sobressaía como uma questão importante para o aluno,
na perspectiva dele. Não tentamos ver o que estava
“por trás” do que ele dizia e nem nos guiar em direção
daquilo que mais se chocava aos nossos olhos – mais
que aos deles – como a violência, que por vezes per-
meava suas realidades.
Algumas vezes, a questão principal de um sujeito
só aparecia ao final de um atendimento, após serem
discutidos outros assuntos ou mesmo problemas. Mas
o momento em que o tema central aparecia era aquele
em que a demanda tornava-se nítida, através de indícios
como uma maior emoção, atenção, entusiasmo,
constrangimento, “brilhos no olhar” ou até a revelação
da própria pessoa dizendo que aquela era sua demanda
principal, era o principal motivo pelo qual estava ali.
As diversas questões principais “descobertas”
eram comparadas entre si a fim de se descobrir se-
melhanças entre elas. Questões que envolviam um
82
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

mesmo tipo de dificuldade, incômodo ou mesmo busca


foram, então, agrupadas sob uma mesma expressão que
as abarcasse todas.
5
Desta forma, elaboramos 15 categorias , além de
uma chamada “demanda indeterminada”. Quando uma 5
A lista das catego-
pessoa vinha ao Plantão Psicológico e durante o aten- rias com sua nume-
dimento várias questões apareciam como igualmente ração pode ser con-
sultada na tabela I
importantes para ela, o atendimento era considerado
nas páginas 106 e
“demanda indeterminada”. Também dentro desta 107 deste livro.
categoria foram incluídos os casos em que não foi
identificada nenhuma demanda claramente ou aqueles
em grupo em que cada pessoa trazia uma diferente
questão, aparecendo então uma multiplicidade de
demandas principais na mesma sessão. Essa impossi-
bilidade de se identificar a demanda se deveu em alguns
casos a relatórios mais interpretativos do que descritivos
que, dando mais ênfase na visão do plantonista do que
na fala do aluno atendido, nos impossibilitou de
identificar sua demanda principal. Perceber essa falha
nos relatórios foi uma indicação valiosa para futuros
relatos de atendimentos e até para atendimentos em si,
nos quais se corre o risco de abandonar a atenção cen-
trada na pessoa que busca o Plantão Psicológico para
voltá-la para elocubrações que a ultrapassam.
A escola tinha expectativas quanto às questões
que mais seriam abordadas pelos seus alunos. Espe-
ravam, por exemplo, que os alunos falassem de
gravidez na adolescência, de seus professores e dire-
toras e ainda de abuso de álcool. Nós mesmos espe-
rávamos que o tema “violência” aparecesse enquanto
uma categoria isolada, já que essa questão foi muito
abordada nos atendimentos. Notamos, no entanto, que
esses temas eram na maior parte das vezes, “apenas”
subjacentes àquilo que mais os incomodava. Como se
fosse um cenário às particulares histórias dos vários
sujeitos que procuravam atendimento ou mesmo mais
uma contingência difícil de suas vidas.
83
Plantão Psicológico: novos horizontes

Foi muito importante entender que, muitas ve-


zes, o que era atordoante para os plantonistas – como
a violência sexual, familiar e de rua – e que talvez por
isso esperávamos que fosse o mais importante e ator-
doante também para a pessoa que nos procurava, às
vezes, podia não se apresentar assim. Desse modo,
percebemos que, atendendo pessoas que vivem uma
realidade diferente da nossa e categorizando esses
atendimentos segundo suas demandas, devíamos
cuidar para que nossa atenção centrada na pessoa e
em sua perspectiva não fosse abandonada em função
de nossos próprios valores.
Entre as categorias de cujo aparecimento havia
alguma expectativa de nossa parte, apenas a demanda
“dificuldade com drogas”(4) foi realmente categori-
zada. No entanto, surgiu apenas um caso em que essa
demanda, enquanto principal, foi apresentada.
De um modo geral, em nossa categorização, a
questão da “violência” apareceu associada a outras,
incluídas na categoria “insatisfação com as atribuições
e contingências” (11). As pessoas cujos atendimentos
foram aí categorizados queixavam-se de insatisfação
com as condições externas a elas, o que as incomo-
davam, mas que independiam de suas ações. O que se
poderia fazer, então, era quase que suportar tal realidade
e se colocar em relação a ela de maneira diferente.
Um exemplo de um caso incluído nesta categoria seria
aquele em que o aluno queixa-se de sua mãe que é
alcoólatra, de seu pai violento e foi “atribuído” a ele,
cuidar dos irmãos mais novos. Tudo isso, são contin-
gências de sua vida que o incomodam com as quais
tem que lidar e que lhe foram impostas por outros, no
caso, o pai e a mãe.
Na categoria “preocupação com conseqüên-
cias de ações ou decisões passadas” (14), foram agru-
pados os casos em que havia uma ansiedade acerca de
decisões ou atos já realizados, como o da aluna com
84
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

medo de estar grávida ou do rapaz preocupado com


as implicações de ter montado um trailler e como
conciliaria isto com seus estudos. Uma outra categoria,
“dificuldade em fazer escolhas”(6), foi criada para
aqueles casos em que uma pessoa tinha diante de si
opções entre as quais deveria escolher uma, a qual
poderia mudar o rumo de sua vida. Incluímos, nessa
categoria, as demandas de orientação profissional e
também demandas relacionadas a outras decisões a
serem tomadas na vida pessoal.
Os casos em que sujeitos tinham que aprender
a lidar com alguma perda que haviam sofrido
configuraram a categoria “elaboração de perdas”(7)
que incluiu perdas por morte ou por separação, como
término de relacionamento amoroso.
Já a categoria “arrependimento e culpa” (1)
abarcou os casos em que as repercussões de atos e
decisões já efetuados levavam a estes sofrimentos es-
pecificados. Havia um questionamento relacionado à
adequação de tais ações e decisões já tomadas, fazendo
com que sentimentos de culpa ligados a valores pes-
soais e sociais emergissem. Um exemplo dessa cate-
goria seria o da aluna que se sentia arrenpendida e
culpada por ter feito um aborto. Esta categoria se
diferencia da categoria “preocupação com as conse-
qüências de ações passadas” pelo fato de que nesta,
havia uma ansiedade (uma pré-ocupação) em torno
das ações já realizadas, como que um medo de sofrer
pelas conseqüências, e na categoria “arrependimento
e culpa”, a conseqüência de um ato já está causando
sofrimento.
As demandas ligadas à categoria “sexualidade”
eram, em sua maioria, associadas a uma necessidade
de discussão, por parte de alunas, a respeito de vir-
gindade, valores da sociedade sobre a sexualidade, a
posição e idéias de cada aluna frente ao assunto. To-
dos os atendimentos dessa categoria foram feitos
85
Plantão Psicológico: novos horizontes

em grupo e no turno da tarde, no qual, talvez pela


idade dos alunos (eram mais novos que os dos outros
turnos), tais assuntos despertassem maior interesse.
Uma outra categoria: “dificuldades com a
escola”(5) englobou os assuntos relacionados à vida
escolar dos alunos, desde dificuldades com um
determinado professor até problemas de atenção, notas
e aprendizagem.
Na categoria “busca de reconhecimento”, agru-
pamos os casos em que os alunos nos procuravam para
nos contar como estavam lidando bem com os desafios
que lhes eram colocados pela vida. Eles já haviam tomado
uma decisão, gostavam da própria maneira de ser e
precisavam apenas de alguém que, de certa forma, po-
deria os deixar mais seguros sobre o que estavam fazendo
ou sobre seu próprio jeito de ser.
Ao nosso ver, o aparecimento da demanda
“busca de reconhecimento” em nossa categorização é
um sinal do diferencial que uma proposta como o
Plantão Psicológico em Escola representa, em relação
a outras propostas de atendimentos psicológicos em
instituições de ensino. Isso porque, ao situar o psicólogo
em um espaço também para o que é saudável, para o
“se cuidar” e não apenas para o “se tratar”, o Plantão
Psicológico abre um caminho para o sujeito que está
bem se expressar de maneira total, obtendo uma escuta
aberta ao seu modo de viver sua própria vida.
Uma outra categoria – “incômodo com a maneira
de ser e de reagir às situações”(10) – abarcou justamente
os casos opostos à última categoria explicada. As
pessoas que entraram nessa categoria queixavam-se de
não estarem felizes com algo no seu jeito de ser, como
nervosismo, timidez, solidão, ou com a forma como
sempre reagiam a situações específicas. Um exemplo
deste caso, seria o da mulher que sempre chorava
quando o marido se atrasava. Ela não gostava desta
sua própria reação ao marido, já que não a ajudava em
86
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

nada. Este tipo de sofrimento, um sofrimento que só


dependia do próprio sujeito para que pudesse ser
alterado, foi o que mais demandou atendimentos
(totalizaram 24 sessões) e sobre o qual mais pessoas se
queixaram (14 pessoas com essa demanda). Através da
relação entre o número de pessoas nessa categoria e o
número de sessões, podemos ver que, para este tipo
de demanda é necessário, na maior parte das vezes,
que uma mesma pessoa seja atendida mais de uma vez.
Por causa das características desta demanda,
cujos atendimentos visam a uma mudança estrutural
na maneira de ser de uma pessoa, e do tempo maior
necessário para que isso aconteça, começamos a
pensar na possibilidade de encaminhar os sujeitos
com essa demanda para uma psicoterapia, o que
fizemos em alguns casos. Isso não quer dizer que o
espaço do Plantão Psicológico não seja suficiente para
que uma mudança estrutural aconteça, pois vimos
que ela ocorreu em alguns atendimentos. Porém, é
uma proposta de atendimento por Aconselhamento
Psicológico, especialmente adequado a mobilizar
mudanças situacionais, ligadas a questões que os su-
jeitos trazem em um determinado momento, causa-
das por algo que os aflige ou acontece agora. Essas
questões situacionais se adaptam muito bem ao espa-
ço dinâmico do Plantão Psicológico. As mudanças
estruturais podem ser trabalhadas mais calmamente
através da psicoterapia com atendimentos mais re-
gulares, mais “garantidos” (porque haverá menos
chance de outra pessoa estar com o psicólogo no
momento da procura) e dentro de um processo que
pode ser mais longo e contínuo (bem maior que o
período letivo ao qual o Plantão Psicológico na esco-
la está atrelado). O encaminhamento de pessoas com
essas demandas para uma psicoterapia ainda possi-
bilita que mais pessoas com as outras demandas
sejam atendidas no Plantão Psicológico.
87
Plantão Psicológico: novos horizontes

Quatro categorias de demandas dizem respeito


a relacionamentos, sendo a primeira delas – “descon-
fiança no relacionamentos”(3) – relacionada a relacio-
namentos em geral: amorosos, de amizade, familiares
etc. Compreende os casos em que o aluno tem uma
pessoa de quem gosta e por quem se empenha, essa
pessoa parece também agir dessa forma, mas o aluno
desconfia da legitimidade dos sentimentos dos outro
para com ele. Essa desconfiança vem muitas vezes
acompanhada de insegurança.
Já a categoria “insatisfação nos relacionamen-
tos com a família” (12) envolve as dificuldades que o
aluno pode ter com qualquer membro de sua família,
exceto o cônjuge, que podem se modificar depen-
dendo de como se coloca frente a elas. Isso é, basi-
camente, o que difere essa categoria da “insatisfação
com atribuições e contingências”, na qual as difi-
culdades existem independentemente do aluno, como
algo realmente externo a ele. Um exemplo para essa
categoria 12, seria o do filho que não consegue conver-
sar e ser mais próximo do pai, embora este se mostre
bastante disponível.
As outras categorias que envolvem relacio-
namentos – “falta de correspondência nos relaciona-
mentos amorosos”(8) e “falta de reciprocidade nos
relacionamentos já estabelecidos”(9) – têm uma dife-
rença básica que é justamente o já-estabelecimento ou
não do relacionamento amoroso. A primeira categoria
citada é aquela na qual os relacionamentos ainda não
estão estabelecidos e uma frase que a explicaria seria:
“eu gosto de alguém que não gosta de mim”. Já no
segundo caso, já há um compromisso “firmado”, de
namoro, casamento, noivado etc, pressupondo-se que
duas pessoas pelo menos se gostam. No entanto, ocorre
que o empenho das duas neste relacionamento não é
recíproco. Um se empenha mais que o outro e essa
falta do outro é que traz o sofrimento. É interessante
88
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

colocar aqui que todas as pessoas aí categorizadas


foram mulheres que se queixam dos relacionamentos
com os companheiros.
Por fim, resta falar da categoria “obter opinião
profissional”(13) que abarca os casos em que a pessoa
procura o Plantão Psicológico realmente para obter
opinião profissional sobre assuntos diversos, como
educação de filhos, escolha de nomes para eles, psico-
patologias de membros da família etc. O assunto de
tais atendimentos não vai se tornando mais pessoal
ou profundo, embora os atendimentos possam durar
mais de 40 minutos. Nestes atendimentos, às vezes,
temos a impressão, que estas pessoas têm uma outra
questão ou incômodo embutidos no que expressam.
A sessão poderia ter um desenvolvimento baseado
nisso, porém, em todos aqueles casos isso não acon-
teceu, talvez porque a demanda principal dos sujeitos
fosse realmente obter informação.
Era claro que as pessoas que nos procuravam
com esta demanda queriam de nós uma resposta às
suas indagações. Nesses momentos, nos firmávamos
em nossa posição de escuta aberta, empática e centrada
na pessoa, mas sem nos esquecer de que seria ela
própria quem deveria encontrar seus próprios recursos
para lidar com suas dúvidas e angústias. Tentávamos
sempre remetê-las a si mesmas, aos seus sentimentos
em relação ao seu “dilema” e à sua capacidade de
resolvê-lo, o que às vezes era bem difícil de se fazer e
caíamos na tentação de dar respostas. A maior parte
das pessoas que procurou o Plantão Psicológico com
essa demanda obteve a informação que buscava. Algu-
mas voltaram para outros atendimentos já com outras
demandas.

ACEITAÇÃO DA PROPOSTA E MOBILIZAÇÕES


Partindo da consideração de que nosso trabalho
é uma proposta inovadora, ou pelo menos desconhecida,
89
Plantão Psicológico: novos horizontes

tivemos um retorno positivo; as pessoas mostraram ter


entendido a proposta e mais do que isso a aceitaram,
colocando-se à disposição para que ela funcionasse, e
apostaram nisso. Não foi necessário esperar o término
do trabalho para constatar essas evidências: a resposta à
nossa presença apareceu durante o decorrer deste.
Algumas mudanças perceptíveis mostraram isso.
Um fato muito interessante aconteceu: a vice-
diretora nos procurou pedindo ajuda psicológica, disse
que gostaria de conversar com um dos estagiários sobre
as questões que a incomodavam naquele momento de
sua vida e que influenciavam seu trabalho na escola.
Comentou que ao ver ao alunos se mobilizando para
buscar atendimento deu-se conta de que ela também
tinha aquela necessidade mas não estava podendo
reconhecê-la até então. Diante desse pedido nos
mantivemos firmes à proposta de prestar atendimento
apenas aos alunos. Mas não deixamos de pontuar –
também consonantes à proposta – que era muito
importante que ela estivesse procurando ajuda nesse
momento que ela julgava crucial, e que a iniciativa de
se cuidar era valorizada e reconhecida por nós. A vice-
diretora pediu licença na escola e iniciou psicoterapia.
Trata-se da mesma pessoa que tínhamos identificado
como um fator determinante quanto ao controle sobre
os alunos tão diferenciado no turno da tarde. Ao
retornar no segundo semestre estava sensivelmente
diferente, em seu modo de agir e inclusive na aparência,
estava mais cuidadosa e flexível no relacionamento
com os alunos e consigo mesma. Vimos esse fato como
resultante da nossa presença propícia à mobilização
em direção à mudança. Nossa escuta em relação à não
-procura dos alunos do turno da tarde por atendimento,
levando-nos a intervir com os cartazes, e a ter como
resposta a estes a procura pelo Serviço, é indício de
que podemos mobilizar também o grupo com uma
ação pontual e eficaz.
90
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

No final do primeiro semestre fizemos um


momento musical para anunciar o encerramento de
nosso trabalho na escola, para um período de férias.
Alguns alunos, do turno da manhã ao nos verem
tocando e cantando, se aproximaram e pediram para
tocar e cantar ao microfone. A princípio ficamos surpre-
sos, mas acolhemos essa iniciativa e o resultado foi uma
grande integração entre nossa equipe e os alunos. Nos
turnos da tarde e noite, devido ao resultado da manhã,
resolvemos convidar os alunos para ocupar também
aquele espaço de expressão. Alguns alunos timidamente
foram se apresentando e expondo seus dotes artísticos.
A participação dos alunos dos três turnos nos fez ficar
atentos para como o Plantão Psicológico vinha susci-
tando neles a iniciativa de se expressarem, de se
mostrarem sujeitos, além do espaço da “salinha” Plantão.
Foi surpreendente ver a repercussão que esse momento
teve entre os professores. Um aluno que era margina-
lizado pelos colegas e desqualificado pelos professores,
por não ter um bom desempenho escolar, e que dizia
tocar vários instrumentos musicais – o que alguns não
acreditavam – teve sua imagem mudada, a partir desse
dia, ao se aproximar de nossa equipe, no “palco”
improvisado, e tocar algumas músicas ao teclado. Todos
se impressionaram com seu dote artístico e o aplaudiram
e elogiaram muito. A partir de então, pelo menos os
professores, passaram a vê-lo como uma pessoa, dotada
de outras capacidades, além de ser mais um aluno dentre
os outros. Em uma reunião do corpo docente, no início
do segundo semestre, foi discutida e muito valorizada
essa forma de expressão dos alunos, o que inclusive
deu margem à iniciativa de criar um momento musical,
em periodicidade regular, em que a participação dos
alunos se tornasse efetiva, podendo vir no futuro a ser
assumida por eles próprios. Percebemos nesses profes-
sores um movimento de reconhecimento da pessoa do
aluno, com quem eles interagiam no dia-a-dia em sala
91
Plantão Psicológico: novos horizontes

de aula, e da importância de se permitir que esse aluno


se expresse enquanto tal. Essa mudança de atitude,
também dos professores, documenta o quanto a nossa
presença na escola é mobilizadora.
Ainda no primeiro semestre, no encerramento,
resolvemos colher informações com os alunos sobre
o Plantão Psicológico. Distribuímos folhetos com a
seguinte pergunta: “O que você achou do Plantão Psi-
cológico? Dê sua opinião mesmo que você não tenha
ido.”, e pedimos que eles respondessem e colocassem
em uma urna no pátio. Queríamos saber como os
alunos estavam entendendo nosso trabalho, nossa pro-
posta e ter uma idéia de como estávamos sendo vistos
por eles. Após a leitura de cada resposta acabamos
por criar categorias que facilitassem o levantamento
de um perfil do que seriam o reconhecimento, a acei-
tação e a adesão à proposta do Plantão Psicológico.
Algumas respostas continham o que eles reconheciam
como características do Plantão, como por exemplo
disponibilidade dos atendentes a qualquer hora que
eles precisassem; a possibilidade de expressar-se na-
quele espaço, falando de si e de suas questões; a eficácia
do serviço que possibilita um resultado efetivo; o
Plantão Psicológico como transformador, proporcio-
nando mudanças de atitude etc. Além dessa percepção
do Plantão Psicológico, falaram do uso que fizeram
dele, revelando processos pessoais, ou seja, a tomada
de consciência de sua postura diante do problema, e
reconhecendo a repercussão do Serviço no âmbito
coletivo, citando mudanças e transformações entre
grupos de colegas e até na relação com a instituição.
Até mesmo os alunos que não foram atendidos se
expressaram com uma avaliação positiva elogiando o
Plantão Psicológico. Alguns destes disseram pretender
procurar o serviço no segundo semestre. Dentre esses
alunos apareceram também algumas categorias que
foram citadas pelos alunos atendidos.
92
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

De um modo geral, vários indícios nos mos-


traram a efetividade dessa proposta, tanto no decorrer
do trabalho quanto no encerramento do primeiro se-
mestre. Pudemos perceber nas opiniões que os alunos
deixaram escritas: nos folhetos de avaliação final; no
próprio retorno que eles nos davam do atendimento
quando vinham nos contar como haviam resolvido
sua questão, ou como lidavam com ela agora; na fala
dos professores e da diretora em uma reunião com
eles no fim do primeiro semestre, em que disseram
ter notado mudanças em alguns alunos no decorrer
do tempo em que o Plantão Psicológico funcionou;
na nossa percepção subjetiva no momento do aten-
dimento, em que estávamos acompanhando o movi-
mento do aluno durante o percurso da sessão.
Nossa presença de escuta atenta nos permitiu
distinguir que há tanto pessoas que apoiam quanto aque-
las que não vão se dispor a colaborar, podendo inclusive
boicotar, prejudicando o trabalho. A experiência nos
ensinou que é fundamental identificar as pessoas com
quem podemos contar. Apostar no contato com essas
pessoas é mais favorável para manter a proposta, bem
como efetivá-la. Estar consciente de que é possível haver
resistências faz parte do trabalho, estar atento para iden-
tificá-las e atuar de modo a mostrar-lhes o benefício
dos resultados é mais eficaz do que lutar contra elas.
Por isso é necessário repropor continuamente a proposta.
Mesmo que algumas pessoas dêem indícios de que já
entenderam, outras podem continuar insistindo numa
compreensão errada da mesma, como por exemplo
alunos pedindo nossa interferência direta quanto a pro-
blemas com professores ou direção, e professores ou
diretoria pedindo nossa ajuda para aqueles que julgam
ser alunos-problema. Ter firme uma postura que confir-
me e reafirme a proposta inicial é elemento fundamental
para mantê-la, além de intervir diretamente, quando
necessário, para explicitá-la de modo claro e eficiente.
93
Plantão Psicológico: novos horizontes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMATUZZI, Mauro Martins. O que é ouvir?. Estudos


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94
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

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facilitando o acesso a ajuda e o surgimento de demandas.
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ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.


95
Plantão Psicológico: novos horizontes

96
Pesquisar processos para
apreender experiências:
Plantão Psicológico à prova
Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandão
Roberta Oliveira e Silva

1
Agradecimento

No capítulo anterior relatamos nossa aos que trabalha-


ram na elaboração
experiência em Plantão Psicológico em uma escola dos dados que
de Belo Horizonte, Minas Gerais, onde apresen- deram origem ao
tamos evidências da eficácia da proposta de Plantão presente texto:
Alessandra R. Alva-
em contexto escolar e identificamos nossa presença renga, Ivana Carla
como mobilizadora. Buscando uma leitura B. C. Santos, Lilian
abrangente, consideramos não apenas os resultados Rocha da Silva,
no âmbito individual, entre os alunos que Matilde Ageri Ba-
atendemos, como também no âmbito coletivo, ou tista, Romina Ma-
galhães, Ronnara
seja, como a instituição recebeu e respondeu à nossa Kelles Ribeiro e
presença. Tânia Coelho de
1
Estávamos , no entanto, interessados em Alcântera.
compreender melhor como ocorriam os atendi-
mentos, em cada sessão, com cada pessoa que nos
procurou. Queríamos entender o processo em si de
cada atendimento, apreender o movimento do que
acontecia no momento em que a pessoa estava diante
de nós (cf. Mahfoud, 1989). Buscamos identificar no
atendimento clínico, propriamente dito, quais as suas
97
Plantão Psicológico: novos horizontes

fases, as mudanças de rumo e o movimento que a


pessoa realizava durante a sessão.
Sabíamos que nossa presença era mobilizadora
no sentido de fazer a pessoa entrar em contato consigo
mesma e pensar mais claramente acerca da questão tra-
zida, explorando mais amplamente seu problema e
assumindo uma posição diante dele. Segundo a Abor-
dagem Centrada na Pessoa o nosso papel era o de um
ouvinte ativo, a pessoa era quem conduzia o próprio
processo e nós “apenas” a acompanhávamos, o que
não quer dizer que seja pouco. Um olhar minucioso
sobre o processo poderia nos informar quais movimen-
tos a pessoa fazia no decorrer do atendimento, permi-
tindo-nos visualizar passo a passo o que existia nesse
tipo de atendimento. Partimos, então, para uma investi-
gação mais detalhada do processo de atendimento.

DESCRIÇÃO INICIAL
Como nosso material de pesquisa utilizamos
relatórios escritos pelos estagiários que haviam realizado
os atendimentos, que descreviam como tinham
transcorrido as sessões.
À medida em que líamos os relatórios, buscá-
vamos identificar fases que emergiam destes, corres-
pondentes ao movimento do cliente em relação à sua
demanda. Se por exemplo, o aluno contasse porque
estava procurando nossa ajuda e em seguida começasse
a falar sobre formas como já tinha agido frente à sua
questão, identificaríamos duas fases. Os relatórios que
não nos permitiam ter uma visão do processo do
atendimento, desta movimentação do aluno, foram
excluídos da análise, para que tivéssemos um maior
rigor na pesquisa.
Ficamos então com 56 relatórios de sessões,
que descreviam 37 casos de alunos atendidos. Destes
37 casos, 27 consistiram de uma única sessão e 10 de
mais de uma (entre 2 e 6 sessões).
98
Pesquisar processos para apreender experiências

DE DESCRIÇÃO DE CASOS A APREENSÃO DE FASES


DO PROCESSO
Inicialmente, as fases que íamos identificando,
eram descritas como no exemplo seguinte:
1) lança dúvida: deixar ou não a escola devido às
dificuldades com matemática.
2) diz que já havia conversado com a professora
sobre a dificuldade e esta deu sugestões que ele
não seguiu.
3) diz que trabalha e da dificuldade de organizar
seu tempo (não estuda em casa).
4) ...etc

Este tipo de descrição parecia-nos um resumo


do atendimento, apresentando demasiadamente o
conteúdo específico da questão trazida por aquele aluno
em particular. Para atingirmos nosso objetivo, era-nos
interessante encontrar uma mesma expressão que fosse
capaz de descrever fases similares em atendimentos
diferentes, mesmo que o conteúdo específico fosse
outro. O aluno podia ter procurado o Plantão Psico-
lógico por estar triste com a morte de alguém ou
porque não sabia se deveria sair da casa dos pais ou
não; em qualquer destes casos ele estava falando do
motivo que o havia levado a buscar ajuda. Para este
momento buscamos encontrar uma expressão. Assim
colocamos lado a lado as fases que havíamos encon-
trado em cada relatório, buscando expressões que
fossem capazes de abarcar momentos similares com
conteúdos diversos. Assim, a expressão 1 do exemplo
acima foi classificada como “AQ – Apresenta a Questão”.
As expressões 2 e 3 foram classificadas em conjunto
como “EQ – Explora a Questão”.
Reunimos um conjunto destas expressões, que
à medida em que eram criadas substituíam as frases
que havíamos separado em cada relatório.
99
Plantão Psicológico: novos horizontes

A primeira fase, na maioria dos atendimentos,


foi a que chamamos “AQ – apresenta a questão” na qual
o aluno diz porque veio, qual é o seu problema ou
dificuldade e às vezes diz o que espera dos plantonistas.
Um exemplo: Raquel chegou dizendo que queria
mostrar algumas coisas aos plantonistas. Queria saber
se podiam dar uma opinião. Tirou vários documentos
da bolsa, enquanto explicava o caso de seu irmão que
havia desaparecido.
Após apresentar a questão, o sujeito geralmente
“apresenta a história (da questão) – AH”ou “explora a questão
– ExQ”. Na apresentação da história, o sujeito conta
os precedentes de sua questão até o momento atual,
temporalmente e, na exploração, ele mostra vários
âmbitos atuais da questão, explorando-os, explicando-
os. No exemplo de Raquel, esta, após o AQ, passou a
explorar o assunto do desaparecimento do irmão,
dizendo que apesar de provas policiais de que ele estaria
morto e da família acreditar nisto, ela não acreditava e
tentava provar para a polícia que ele estava vivo. Se ao
invés de explorar a questão, apresentasse a história da
questão, ela poderia contar vários acontecimento desde
o desaparecimento até o momento presente.
Alguns clientes não apresentaram uma única
questão. Quando o aluno apresentou mais de uma, quase
que simultaneamente, utilizamos a expressão “AV –
apresenta várias questões”. Se este então passou a se
debruçar mais sobre uma questão específica dentre as
que havia trazido, categorizamos como “ElQ – elege
questão”. Em outros casos, alunos que já haviam
apresentado uma questão (AQ) apresentavam uma
nova, seja após explorar a questão inicial (ExQ) ou
mudar de perspectiva (MP – ver abaixo) em relação a
esta. Para estes casos a expressão “OQ – outra questão”
foi atribuída. Uma outra possibilidade encontrada
refere-se aos casos em que após apresentar uma
questão (AQ) o aluno a ampliou, ou seja, manteve a
100
Pesquisar processos para apreender experiências

mesma questão mas englobava novos aspectos de sua


realidade nesta: chamamos de “AmQ – amplia a questão”.
Outras expressões que utilizamos, para nomear
fases foram:
“PI – pede informação” – a questão do aluno era um
pedido de informação do tipo “Se eu der para o
meu filho o nome do meu marido faz mal?”. Estes
pedidos de informação terminaram sempre com
a “obtenção da informação – OI”.
“RA – reafirma atitude” – quando o aluno reafirma a
atitude que tinha frente ao problema, ou à nova ati-
tude que havia assumido em uma sessão anterior.
“NC – não comparece” – o aluno marca uma sessão, falta
e retorna para uma nova sessão. É diferente do caso
em que o aluno marca, falta e não retorna mais, o
que encerraria o processo, pois nos casos aqui incluí-
dos entendemos o não-comparecimento como parte
do processo.
“RQR – relata como a questão se resolveu” – se aplica aos
casos em que entre uma sessão e outra ocorre uma
mudança na situação do aluno, mudança esta que
resolve para este a questão que ele tinha. Um
exemplo é o caso do aluno que namorava uma
garota mas estava “ficando” com outra e se preo-
cupava pois havia uma possibilidade da namorada
“oficial” estar grávida. Ele retorna ao Plantão
Psicológico para uma nova sessão dizendo que a
namorada não estava grávida, ou seja, esta questão
estava resolvida e não havia por que se preocupar.
Mas este fato não eliminou sua questão em relação
a estar com as duas pessoas, o que o faz retomar
esta questão, já discutida em um atendimento ante-
rior. Este tipo de retomada foi chamado “RQ –
retoma questão”.
“RQ – retoma questão” (explicação dada no exemplo acima).
“RCA – relata como agiu” – após o aluno ter compareci-
do a uma sessão ele retorna para contar como agiu
101
Plantão Psicológico: novos horizontes

frente à questão colocada. Estes casos aconteceram


após um “DA – decide agir”, uma “MP – mudança de
perspectiva” ou após um “PR – propõe-se a refletir”.
“PR – propõe-se a refletir” – esta categoria foi usada na
situação que ocorre ao término de uma sessão quan-
do o aluno disse que ia pensar sobre o que havia
conversado com o plantonista. Em todos estes casos
os alunos retornaram para uma nova sessão.
“AP – apresenta possibilidades” – quando os alunos apre-
sentavam uma ou várias maneiras possíveis para
lidar com sua situação ou resolver seu problema,
utiliza-mos esta expressão.

FASES DE ENCERRAMENTO DO PROCESSO


Quanto aos encerramentos de atendimentos,
identificamos uma tríade de fases bastante indicativa
do desfecho do movimento percorrido pelo sujeito
ao longo do processo. São elas:
“MP – mudança de perspectiva”: diz respeito a uma
mudança na forma de enxergar a questão apre-
sentada que passa a ser vista sob outro prisma,
outra perspectiva; muda a idéia que o sujeito tem
sobre sua questão. Nesta fase, a ênfase está na
questão, que passa a ser vista de outra forma. No
exemplo de Raquel apresentado anteriormente,
ocorreu a MP após uma “I – intervenção” decisiva
do plantonista (note-se que isto não é uma regra,
embora aconteça em alguns casos). A aluna dis-
cutia se o irmão estava vivo ou morto mas tam-
bém falava de como ele era importante na vida
dela. O plantonista interviu dizendo que inde-
pendente do fato do irmão estar vivo ou morto,
pelo que falava ele fazia uma falta muito grande
na vida dela, já que não estava mais com ela.
Neste momento a conversa mudou de rumo e a
questão não era mais se ele estava vivo ou não.
Como todo o processo de atendimento pode
102
Pesquisar processos para apreender experiências

ser considerado uma intervenção, apenas denomi-


namos com a letra I aquelas intervenções que haviam
sido bem marcantes, já que após estas a sessão mu-
dou de rumo. As outras intervenções que não tinham
esta característica específica também podem ter feito
parte do processo e ajudado.
“ANA – assume nova atitude”: acarreta lidar com a
questão de forma diferente, assumir uma atitude
diferente diante do problema. A ênfase está no
sujeito diante de sua questão. A aluna Raquel, nessa
fase, logo após a MP, disse que se o irmão estivesse
vivo, um dia iria aparecer pois “quem tá vivo
sempre aparece” o que nos leva a pensar que ela
está considerando que, no momento, ela deveria
aceitar sua ausência e que ela poderia chegar a saber
se ele estava vivo se ele voltasse algum dia.
“DA – decide agir”: é observada quando o sujeito ex-
pressa sua intenção de agir em relação àquela questão
de modo a tentar resolvê-la. A ênfase está na ação
que o sujeito expressa. “DA” é comum em demandas
que exijam ação para serem resolvidas como “difi-
culdades em fazer escolhas/decisão” ou dificuldade
2
nos relacionamentos e mais raras em demandas de É importante
“elaboração de perdas” nas quais, às vezes, “assumir assinalar que só
porque este caso
nova atitude” já é suficiente para a elaboração de
estava suficiente-
uma questão. Nosso exemplo, apesar de ser da de- mente detalhado e
manda “elaboração de perdas”, mostra essa fase bem descrito em um
quando a cliente disse que não iria mais ficar procu- relatório de atendi-
rando a polícia e questionando-a sobre o desapare- mentos, de acordo
com a ordem crono-
cimento do irmão, como fazia antes.
lógica em que os
fatos foram sendo
UM PROCESSO: UMA SEQÜÊNCIA DE FASES relatados, é que
A seguir apresentamos um caso ilustrativo da essa análise por
2
seqüência de fases AH-AQ-ExQ-MP-ANA-DA. : fases pôde ser feita.
Uma aluna chega apresentando a história de sua
questão (AH). Conta que namorava um primo quando
morava em São Paulo e que a mãe não gostava dele.
103
Plantão Psicológico: novos horizontes

Veio para Belo Horizonte pensando que iria


ficar mais fácil o namoro à distância. Namoraram du-
rante três anos dessa forma e diz não saber como
conseguiu. Logo conclui que foi porque eles termi-
naram muitas vezes neste período. Sofreu muito por
sua causa (“ele pisou muito”). Um vez ele esteve em
sua cidade num final de semana e só ligou para falar
que estava ali: não quis se encontrar com ela, não ligou
novamente e foi embora.
Após todo esse relato a aluna apresenta sua
questão (AQ): no início da semana (em que foi feito o
atendimento) ele havia ligado dizendo que estava pre-
cisando da ajuda dela e que queria vir à Belo Hori-
zonte para falar-lhe. Pediu que ela pensasse e telefo-
nasse para dar a resposta. Não sabia o que fazer. Essa
é uma demanda classificada como “dificuldade em
2
fazer escolhas/decisão” .
2
Confira classifica- A seguir, a aluna passa a explorar a questão
ção de demandas no (ExQ): Fala que contou o caso para muitas pessoas e
capítulo “Plantão só uma sugeriu que ela o deixasse vir. A princípio, ela
Psicológico na es-
cola: presença que
diz que não sabe se quer que ele venha; está há um mês
mobiliza”, dos mes- namorando um outro rapaz que estuda em sua escola
mos autores do e está percebendo o quanto é bom ter um namorado
presente capítulo, por perto. Antes não ia a festas, pois todos iam acompa-
neste livro. nhados e ela ficaria sozinha. Quando perguntavam se
ela tinha namorado, dizia que sim e que ele morava
em São Paulo. Durante o atendimento, ela passou a
dizer que quer “dar um tempo” naquele relaciona-
mento e que em São Paulo, existe muita gente a quem
ele pode pedir ajuda, e que se ele estiver com um
problema pessoal ela não quer saber. Além disso, disse
temer que a vinda dele atrapalhasse o namoro com o
atual namorado.
A partir dessa exploração da questão, a aluna
consegue mudar a perspectiva (MP): diz que não sabe
o que fazer, mas sabe que não quer encontrar o ex-
namorado agora. Acha que o que ele está querendo é
104
Pesquisar processos para apreender experiências

voltar pra ela, o que ela não deseja porque não “tem
nada para dar certo” e porque ela está com outro
namorado.
Com essa nova perspectiva, a aluna consegue
assumir nova atitude diante da questão (ANA), a
atitude de quem não quer encontrar o ex-namorado
por três motivos que ela consegue explicitar: a
possibilidade de atrapalhar o novo namoro, no qual
ela quer investir; se o ploblema do ex-namorado for
pessoal e não tiver relação com ela, que ele procure
outra pessoa para ajudá-lo; ela quer interromper o
relacionamento deles. Neste exemplo, as fases MP e
ANA são muito ligadas e, na verdade, elas quase
coincidem já que, a atitude da aluna foi imediatamente
transformada quando ela mudou a perspectiva de sua
questão. Lembramos que a maneira de se distinguir as
duas fases está no foco central do movimento do
sujeito: na fase MP, o foco é a questão, vista sob outra
perspectiva, e em ANA, o foco é o sujeito com uma
nova atitude frente à questão.
A última fase desse atendimento é a do “decide
agir” na qual a aluna expressa que iria ligar para o ex-
namorado dizendo que iria viajar no final de semana
(como sua madrinha havia sugerido) e que, na segunda-
feira, ligaria novamente dizendo que não queria que
ele viesse procurá-la e diria os três motivos.

BUSCANDO UM PADRÃO
Após categorizar mos todas as fases dos
processos passamos a buscar algum padrão na se-
qüência em que essas fases apareciam. Ao se examinar
o conjunto dos casos que tínhamos com as fases ca-
tegorizadas, vimos que existem algumas que apare-
cem com a primeira dos atendimentos que se
repetem para a grande parte de casos, como as fases
AQ, AH ou AV. Vimos também que, ao final dos
atendimentos cujas questões estavam sendo mais bem
105
Plantão Psicológico: novos horizontes

TABELA I

Sessões
Pessoas
Demanda Analisa- Processo de Cada Pessoa
Atendidas
das

1. Arrependimen- 1. AQ - ExQ
2 2
to e culpa 2. AH - AQ - ExQ - DA

2. Busca de 1. RA
2 3
reconhecimento 2. RCA - ExQ - RQ RQ - ExQ

3. Desconfiança
nos relaciona- 0 0 -
mentos

4. Dificuldade 1. AQ - AH - ExQ  RCA - ExQ RA


1 4
com drogas - ExQ  MP  RCA

5. Dificuldade
0 0 -
com escola

1. AH - AQ - I - AmQ - ExQ - PR 
RCA - MP - OQ  RQR - RQ - AP 
RCA - ExQ  OQ - ExQ  RQ - I -
6. Dificuldade em MP - DA
4 11
escolhas /decisão 2. AQ - AH - ExQ
3. AQ - AH - ExQ - MP - ANA - DA
4. AQ - AH - ExQ - MP - PR AP -
MP - DA

1. AQ - I - AP - OQ - I - AP - OQ - AP
7. Elaboração de 2. AQ - ExQ - I - RQ - MP - IQ - ANA
4 4
perdas 3. AQ - ExQ - I - MP - ANA - DA
4. AQ - AH - I - MP - ANA

8. Falta de
correspondência
1 1 1. AQ - AH - OQ - RQ - MP - I
nos relaciona-
mentos amorosos

1. AH - AP - RQ - ExQ - MP  RA
2. AQ - AH - ExQ - ANA
9. Falta de
3. AQ
reciprocidade nos
4. AQ - AH - ExQ - AP - I - DA 
relacionamentos 6 9
RCA - MP - ExQ - ANA - DA  RA
amorosos já
5. AV - ElQ - I - MP - DA  continua
estabelecidos
na demanda 12, caso 3
6. AV - I - ElQ - ExQ - MP

106
Pesquisar processos para apreender experiências

TABELA I - Continuação

Sessões
Pessoas
Demanda Analisa- Processo de Cada Pessoa
Atendidas
das

1. AQ - I - AP
2. AQ - AH - AP
3. AQ - ExQ - OQ
10. Incômodo 4. AQ - OQ - RQ - ExQ - MP - DA
com a maneira de 5. AQ - AH - AP - PR  RCA - MP -
9 11
ser e reagir às OQ - ExQ  AP
situações 6. AQ - ExQ - MP - DA
7. AV
8. AQ - OQ - ExQ - AmQ - I - MP - ElQ - I
9. AV - I - AP - AH - AQ - ExQ - MP

11. Insatisfação
com as 1. AVQ - AP
2 2
atribuições e 2. AH - AQ - AP - OQ - I
contingências

1. AQ - I - AP - ANA
12. Insatisfação
2. AQ - AH - ExQ - AP - DA NC
no relaciona-
4 6 RCA à continua na demanda 2, caso 2
mento com a
3.  RCA - OQ - AP - DA
família
4. AQ - AH  RCA - MP

13. Obter opinião 1. AQ - I - ExQ - I


2 2
profissional 2. PI - OI

14. Preocupação
com conseqüên-
0 0 -
cias de ações ou
decisões passadas

15. Sexualidade 0 0 -

16. Demanda
1 1 1. AQ - AmQ - I - AP
indeterminada

107
Plantão Psicológico: novos horizontes

resolvidas, apareciam as fases MP, ANA e DA nessa


ordem, mesmo se alguma delas não estivesse presente.
Fora estas fases comuns nos inícios e nos finais de
atendimento, cada um parecia ter uma história própria,
um percurso particular que não se assemelhava a um
número significativo de outros casos.

Fizemos então uma organização dos casos


segundo as categorias de demandas. Vimos com isso
que, dentro de cada categoria, os processos dos casos
que estão ali são mais semelhantes, percebendo-se
neles um padrão de forma mais clara do que ao
olharmos todo o conjunto de casos independentemente
das demandas. Em algumas categorias não pudemos
descrever nenhum padrão particular em virtude do
pequeno número de casos.
Algumas categorias são bem ilustrativas desses
padrões (ver tabela I na página anterior)

Nota-se ali como é comum que os sujeitos


iniciem seus atendimentos no que chamamos de
“apresenta a questão”(AQ) e passem logo ao “apresenta a
história”(AH) e/ou “explora a questão”(ExQ). Pode-se
perceber também que à medida em que o sujeito vai
resolvendo sua questão, ocorre a “mudança de perspectiva”
(MP), ele “assume nova atitude”(ANA) e, quando é
possível uma ação, ele “decide agir”(DA). Essa tríade
final – MP-ANA-DA – é bastante indicativa de que o
processo pelo qual o sujeito passou, através do
atendimento no Plantão Psicológico, foi transformador
e bem sucedido. Indica que o sujeito saiu do
atendimento tendo mudado sua visão em relação ao
que trazia, sua posição para lidar com a questão e ainda
a decisão de agir de uma nova maneira.
É interessante notar que, nos casos da deman-
da “elaboração de perdas”, é comum que não haja a
fase “decide agir” no desfecho dos atendimentos.
108
Pesquisar processos para apreender experiências

Provavelmente isso se deve ao fato de que após uma


perda de alguém, principalmente se a causa for a morte,
o que se pode fazer é aprender a lidar com essa nova
questão, assumindo uma nova atitude diante dela que
cause menos sofrimento. Assim, para essa demanda
pode-se considerar um bom desfecho.
Já a demanda “incômodo com a maneira de
ser e de reagir às situações” mostrou-se diferente em
relação às outras justamente pela falta de semelhança
entre seus casos, estes em um número suficiente para
que pudesse configurar um padrão. No entanto, pen-
samos que, por ser esta uma demanda que pede uma
mudança mais estrutural na vida da pessoa e não apenas
situacional, seu processo será mais dependente das
particularidades de cada sujeito com sua maneira de
ser e mais difícil de ser resolvido em apenas um ou
poucos atendimentos. Mais do que apontar para limites
do Plantão Psicológico, isso parece indicar uma
delimitação de campos onde psicoterapia e Plantão
Psicológico não substituem um a outro.

CONCLUINDO
Relatamos aqui uma atividade de pesquisa que
busca olhar com precisão o desenvolvimento dos
processos de atendimento em Plantão Psicológico
(neste caso específico, em contexto escolar), chegando
a identificar fases que nos permitam apreender os
diversos movimentos de que esse processo é consti-
tuído, de maneira a poder chegar a uma avaliação rigo-
rosa do resultado de nossas intervenções.
Sabemo-nos assim estar na esteira das preo-
cupações de sistematização do conhecimento advindo
da experiência que Rogers (1995, 1995a) com muita
clareza realizou, propôs e esperou que fosse conti-
nuada. Trata-se de uma tentativa de continuar a sis-
tematizar a experiência subjetiva advertida em seus
processos apreensíveis, registráveis e mensuráveis
109
Plantão Psicológico: novos horizontes

objetivamente, buscando não perder de vista a


especificidade propriamente humana do processo
estudado. E sabemos estar em companhia de outros
pesquisadores brasileiros que com rigor têm se
empenhado nesse árduo e gratificante desafio (cf.
Amatuzzi, 1993).
Para além da possibilidade de uma avaliação
bastante positiva das intervenções empreendidas, o
que nos parece mais importante e indicativo de um
grande potencial do Plantão Psicológico baseado na
escuta profunda é o fato de podermos chegar a de-
linear um processo de características semelhantes
segundo o tipo genérico de demanda, quando os con-
teúdos dos atendimentos são profundamente diver-
sos. É ainda mais impressionante se atentamos para
o fato de que também o grupo de plantonistas é
grande, com profundas diferenças internas de tempe-
ramentos e de experiências, supervisionados por
quem dá ênfase na descoberta da maneira própria
de conduzir o processo – e ainda assim produz-se
processos semelhantes!
Longe da tentativa de identificar padrões rígidos
que tornasse previsível o processo que permanece
sempre misterioso, a identificação de padrões por de-
manda em um contexto de equipe técnica tão diver-
sificada leve-nos a confiar sempre mais no processo
que com surpresa vemos se desenrolar diante de nós
durante o atendimento em Plantão Psicológico. Que
possamos dar crédito sempre maior à liberdade do
cliente em sua busca, com a alegria profunda e simples
de participar como testemunha de um processo que
se desenvolve muito além de nós mesmos. Que
possamos oferecer sempre mais confiantes nossa escuta
profunda para que cada cliente possa dizer sua palavra
própria e autêntica (Amatuzzi, 1989), e então, assim
que lhe seja concedida a oportunidade, crescer – por
rumo seguro.
110
Pesquisar processos para apreender experiências

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMATUZZI, Mauro Martins. O resgate da fala


autêntica: filosofia da psicoterapia e da educação.
Campinas: Papirus, 1989.

AMATUZZI, Mauro Martins. Etapas do processo


terapêutico: um estudo exploratório. Psicologia: Teoria e
Pesquisa. Vol. 9, n.1, 1993, p. 1-21.

MAHFOUD, Miguel. O Eu, o Outro e o Movimento


em Formação. Anais da XIX Reunião Anual da
Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Ribeirão
Preto: SPRP, 1989, p. 545-549.

ROGERS, Carl Ransom. A equação do processo


da psicoterapia. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s).
Abordagem Centrada na Pessoa. 2ª Ed., Vitória:
Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida / Uni-
versidade Federal do Espírito Santo, 1995, p. 95-122.

ROGERS, Carl Ransom. Pessoa ou ciência? Uma


questão filosófica. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s).
Abordagem Centrada na Pessoa. 2ª Ed., Vitória:
Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida / Univer-
sidade Federal do Espírito Santo, 1995a, p. 123-153.

111
Plantão Psicológico: novos horizontes

112
Plantão Psicológico
em hospital psiquiátrico:
Novas Considerações e
desenvolvimento
Walter Cautella Junior

A intenção deste trabalho é abordar os


desdobramentos que uma experiência de plantão
psicológico bem sucedida gerou em um hospital
psiquiátrico. Tais mudanças não afetaram somente a
rotina hospitalar, mas também a forma de conceber
o fazer psicológico em condições tão específicas. Na
verdade, a experiência do plantão psicológico levou a
instituição a reformular sua visão do indivíduo
institucionalizado.
Para que melhor possamos compreender a
amplitude da experiência e seus desenvolvimentos,
considero importante fazer uma breve descrição da
instituição e dos moldes de funcionamento do
departamento de psicologia antes do plantão
psicológico.
Trata-se de um hospital de porte médio e de
curta permanência que atende pacientes do sexo
feminino em quadro agudo de doença mental. Conta
com duas equipes terapêuticas compostas por:
113
Plantão Psicológico: novos horizontes

psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais,


assistentes sociais, recreacionistas e enfermeiros.
O serviço de psicologia começou a funcionar
em 1988 e utilizava exclusivamente grupos psicote-
rápicos e atendimentos individuais em psicoterapia
breve/focal para atender a demanda da clientela. Com
o passar do tempo, percebíamos certas limitações de
tais procedimentos quando utilizadas em situações com
características tão específicas. Como foi descrito
anteriormente, este é um hospital de curta permanência,
o que acarreta à intervenção psicoterápica uma séria
dificuldade, pois estabelece um limite externo concreto
para o processo. Além disto, sua população possui
características bastante peculiares por tratar-se de pessoas
em quadro agudo de doença com diferentes níveis de
contato com a realidade. Há uma dificuldade maior
para o processo se comparado a pessoas que mantêm
um padrão neurótico. Resumidamente, possuíamos
pouco tempo para abordagem psicológica e a nossa
clientela era muito heterogênea, pois em um mesmo
setor do hospital temos várias patologias, tais como:
neuroses, psicoses, toxicofilias etc.
Ambas as técnicas utilizadas exigem certos pré
requisitos para que o indivíduo possa tirar proveito
da intervenção psicológica. A abordagem de grupo
exige certo tempo para que a pessoa se integre à
dinâmica e assuma uma identidade grupal. Antes disso,
a ação psicoterápica é superficial e limita-se aos
sintomas. Percebíamos que as pessoas que participavam
de tais grupos, muitas vezes, compareciam mobili-
zadas por uma demanda institucional e não por uma
demanda pessoal. Entende-se por demanda
institucional a pressão exercida pela instituição para
que as pessoas se vinculem a psicoterapia. A instituição
vê essa necessidade e acredita nas conseqüências
positivas que o processo pode trazer. A partir disso,
tenta vincular os internos sem o cuidado de que esse
114
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

processo tenha um significado no quadro referencial


do cliente. Se alguém procura ajuda é porque sente
algo e não se considera apto para resolver sozinho.
Sabemos que o trabalho psicológico só é eficiente
quando o indivíduo identifica sua demanda e se propõe
a trabalhar com suas questões. Comparecer ao grupo
por pressão do médico ou da enfermagem, cria um
clima ansiógeno e persecutório que não ajuda no
processo psicoterápico, mesmo que a intenção seja
boa. A composição dos grupos tornava-se extre-
mamente complicada, visto que a população variava
muito em termos de nível intelectual, capacidade de
elaboração e de simbolização etc. Apesar da hetero-
geneidade na composição dos grupos poder ser
benéfica pela diversidade de experiências, o pouco
tempo de intervenção nos levava a tentar potencializar
ao máximo a ação psicoterápica. Se a ação priorizava
os pacientes delirantes ou deficitários do ponto de
vista cognitivo, com certeza parte da população era
colocada à margem do processo. Por outro lado,
priorizando nossa atuação em integrantes com maior
capacidade de elaboração e menos comprometidos
privaríamos a maioria da população. 1
FIORINI, Hector J.
Os atendimentos individuais também sofriam
Teoria e Técnica de
suas limitações. A técnica da psicoterapia breve Psicoterapias. 9ª
determina que o psicoterapeuta estabeleça um foco para edição. São Paulo:
ser abordado em um tempo pré determinado. Segun- Francisco Alves
1
do Fiorini , “o terapeuta deve se colocar frente ao pa- Editora, 1980.
ciente, primeiro, em seu próprio terreno, aceitando 2
2
provisoriamente seus pontos de vista sobre o problema, e Grifo do Autor
só mais tarde – depois de se orientar sobre os motivos
reais do paciente – há de procurar utilizar esses motivos
para fomentar os objetivos terapêuticos que possam
parecer de possível realização”. O curto espaço de
tempo que os psicoterapeutas dispunham para eleger
o foco dos atendimentos podiam levar a uma escolha
errônea. Durante nossa prática percebíamos que muitas
115
Plantão Psicológico: novos horizontes

3
vezes o foco eleito pelo psicoterapeuta não era o
ROGERS, Carl R. mesmo que o cliente gostaria de abordar. Com o tempo
Torna-se Pessoa.
381ª edição. São
o cliente conseguia abandonar o foco adotado pelo
Paulo: Editora Fran- psicoterapeuta e assumir sua verdadeira demanda,
cisco Alves, 1977. porém este movimento levava tempo. Em uma
ROGERS, Carl R & internação de curto prazo, o tempo é um bem precioso
STEVENS B. De e que não pode ser desperdiçado.
Pessoa para Pessoa:
O Problema do Ser Frente a essas dificuldades geradas pelas
Humano: Uma Nova características da população e da própria instituição,
Tendência da Psi- fomos levados a procurar alternativas terapêuticas
cologia. São Paulo: eficientes. Nesse momento, o plantão psicológico nos
Pioneira, 1976.
pareceu uma possibilidade bastante atraente. No entanto,
ROGERS, Carl R. e
Outros. Em Busca ficava o desafio de utilizar uma técnica terapêutica que
de Vida: de Terapia nunca havia sido testada em tais condições.
Centrada no Cliente No ano de 1992 desenvolvemos o primeiro
à Abordagem Cen- plantão psicológico em hospital psiquiátrico. O
trada na Pessoa.
procedimento consistia em colocar à disposição da
São Paulo: Summus,
1983. clientela um psicólogo preparado para o atendimen-
WOOD, John K. e to, em um lugar pré estabelecido, e por um tempo
Outros (Org.). Abor- pré determinado.
dagem Centrada na O referencial teórico adotado é amplamente
Pessoa. Vitória:
Editora Fundação
influenciado pelo existencialismo e a fenomenologia
Ceciliano Abel de e tem como linha teórica principal a abordagem centrada
3
Almeida / Univer- no cliente . A população alvo foi amplamente avisada
sidade Federal do da disponibilidade do profissional e da facilidade de
Espírito Santo, 1994. acesso através de cartazes e informações dadas pelos
outros profissionais. Previamente foi feito um trabalho
de sensibilização com esses profissionais para que pu-
dessem ter um entendimento básico da técnica e do
referencial teórico adotado e, a partir disso, pudessem
falar da disponibilidade do serviço. Aos poucos, foram
se aproximando e aprenderam como utilizar esse novo
instrumento. Na verdade foram estabelecidos vários
horários, em locais diferenciados, uma vez que o hos-
pital possui vários setores.
O plantão psicológico conseguiu colocar-se
aberto a demanda da clientela e trabalhar no sentido de
116
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

potencializar os recursos desta. Pelas suas características


e referencial teórico conseguiu ser eficiente frente a
heterogeneidade da população, uma vez que centra-se
na experiência do cliente. Sendo assim, é possível atender
a demanda do psicótico, do neurótico, do deficiente e
do paciente cronificado, pois tal técnica não precisa que
o cliente possua certos pré requisitos.
Com a premissa básica de colocar-se disponível
frente às necessidades do cliente no momento do
encontro e com a peculiaridade deste poder ser único,
conseguimos uma abordagem terapêutica eficiente em
curto espaço de tempo, visto que o nível de ansiedade,
irritabilidade e agitação dos internos diminuiu
significantemente após o plantão psicológico.
Após a implantação do serviço, começamos a
perceber mudanças significativas nas abordagens
psicoterápicas que já existiam (psicoterapia de grupo
e psicoterapia individual). As pessoas que participavam
dos grupos psicoterápicos não mais compareciam
mobilizados por uma demanda alheia (pressão insti-
tucional). Utilizando-se do plantão psicológico, os in-
ternos conseguiam identificar melhor a sua demanda
e isto levava a um salto qualitativo no seu desempenho
no grupo psicoterápico.
Os atendimentos individuais também foram
influenciados pelo plantão psicológico. Atualmente, o
processo psicoterápico individual inicia-se frente ao
pedido do cliente. Geralmente, ele procurou o plantão
psicológico, conseguiu identificar sua demanda, esta-
beleceu o foco do seu trabalho psicológico e preferiu
abordá-lo de maneira mais sistematizada na psicote-
rapia individual, embora muitas das demandas acabem
se resolvendo no próprio plantão.
Outras vantagens secundárias ficaram evidentes
após a implantação do serviço. Ficou muito mais fácil
fazer os encaminhamentos internos. Após comparecer
ao plantão, sabemos com clareza em qual setor e em
117
Plantão Psicológico: novos horizontes

qual grupo psicoterápico determinada pessoa terá


melhor benefício. Os encaminhamentos externos
também tornaram-se mais eficientes na medida em que
temos maior conhecimento da demanda pessoal.
O plantão psicológico, apesar de sua grande
eficiência, experimenta algumas limitações no âmbito
hospitalar psiquiátrico. Pessoas em quadro delirante
grave, que estão rompidos com a lógica alheia e
submersos em sua realidade paralela, raramente
procuram o plantão. Colocar-se em contato com o
outro é submeter-se à lógica geral. Conseqüentemente,
isto leva a ineficácia da estrutura delirante como
método defensivo. Pacientes em quadro maníaco
podem até procurar o plantão, porém, pela aceleração
4
dos seus processos psíquicos , geralmente, não conseguem
4
EY, Henry e outros. se deter frente as intervenções. Nesse caso, o caráter
Manual de Psiquia- terapêutico é estabelecer um limite externo para a
tria. 5ª edição. Rio de aceleração, visto que o interno não é eficiente nesse
Janeiro: Masson do
momento. Quadros de depressão profunda, também,
Brasil, 1981.
não procuram o plantão psicológico, assim como qua-
dros catatoniformes.
A resposta positiva dos internos provou a
eficácia deste método interventivo, e nos levou a
pensar a possibilidade de utilizá-lo em outras situa-
ções dentro da rotina hospitalar. A instituição eviden-
ciava certas demandas que pareciam ser da alçada
do psicólogo. Tais como: o atendimento à família e
à própria instituição.
Atualmente parece ser de senso comum que
uma ação terapêutica não pode se restringir somente
ao indivíduo institucionalizado. Uma das formas de
entendermos a doença mental é considerá-la como
fruto de um jogo de tensões dentro de um campo
social, onde um membro dessa sociedade não tem
condições de lidar com as vicissitudes desse jogo e
acaba rompendo em um surto psicótico ou uma
descompensação neurótica. Este enfoque nos leva a
118
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

considerar que doente não é somente aquele que


apresenta os sintomas, mas sim, todo o contexto a qual
pertence, no caso a família.
Aquele que manifesta a doença é internado e o
hospital cumpre a sua função terapêutica, no entanto,
quando este é devolvido para a família, é, novamente,
inserido no jogo de tensões que permanece inalterado.
Há uma grande possibilidade de novos surtos surgirem
até o momento que o indivíduo possa elaborar defi-
nitivamente sua posição nesse campo de tensões. É
importante salientarmos que a família age de maneira
defensiva, não identificando, ou identificando com
grandes dificuldades, a responsabilidade no processo
de adoecimento do internado. É menos ansiógeno para
a família depositar a doença em um único membro,
pois sendo assim, sente-se imune, saudável e protegida.
Desta forma, podemos inferir que há um movimento
inconsciente da família, e muitas vezes consciente, no
intuito de perpetuar a doença naquele que manifesta o
sintoma. Tal psicodinâmica explicaria em parte o alto
nível de reinternações e “cronificações psicológicas”,
pois, nesta breve conceituação, não estamos consi-
derando bases orgânicas para a doença mental.
O setor de psicologia trabalha com a hipótese
de que o indivíduo institucionalizado, através do
trabalho psicológico na instituição, pode se dar conta
dessa intrincada psicodinâmica e não mais ocupar o
lugar de representante simbólico da doença social. Não
se trata de negar a fragilidade ou os aspectos individuais
como pode parecer, pois se este não suportou as
tensões sociais é devido, também, a aspectos internos
de desenvolvimento pessoal.
O indivíduo abandonando esse papel de doente
irá gerar um desequilíbrio na psicodinâmica esta-
belecida e isso abrirá espaço para um trabalho elabo-
rativo familiar, ou para que outro membro manifeste
patologicamente o conflito mal resolvido.
119
Plantão Psicológico: novos horizontes

5
BATESON, G. e Outros. Vários autores de várias linhas do pensamento
Hacia una Teoría de La
psicológico abordaram o papel da família e do jogo
Esquizofrenia. In:
SLUZKI, Carlos E. social no processo de adoecimento, evidenciando certa
(org.). Interacción unanimidade neste ponto. Dentre eles, podemos citar
5 6 7
Familiar: Aportes Bateson , Lidz , Laing e principalmente Harold F.
Fundamentales sobre
Teoría y Técnica.
Searles em seu artigo The effort to drive the other person
Buenos Aires: Tiempo crazy – On element in the aetiology and psychotherapy of
8
Contemporáneo, 1971. schizophrenia .
p. 19-56. A prática clínica na instituição, embasada nessa
6
LIDZ, T. e Outros.
maneira de conceber a psicodinâmica da doença
El Medio Intrafamiliar mental, tem gerado efeitos bastante positivos, visto
Del Paciente Esquizo- que o número de pacientes que percebem o seu lugar
frénico: La Transmisión dentro da dinâmica familiar e que pedem atendimento
de la Irracionalidad.
In: SLUZKI, Carlo E. também para a família, vem aumentando progres-
(org.). Interacción Fa- sivamente. A percepção do lugar que ocupam, e a
miliar. Aportes Funda- não mais aceitação de todas as responsabilidades pro-
mentales sobre Teoría
jetadas e depositadas sobre estes, levam a uma desor-
y Técnica. Buenos
Aires: Tiempo Con- ganização familiar caracterizada pelo surgimento de
temporáneo, 1971. uma angústia generalizada. Tais sintomas foram com-
p. 81-110. provados através do aumento do número de famílias
7 que pediam para ser atendidas pelo serviço de psi-
LAING, R. D. e
ESTERSON, A. Cordura, cologia através do serviço social, recepção, funcio-
Loucura y Família: nários etc. Com o aumento da demanda, fez-se ne-
Famílias de Esqui- cessário estruturar um espaço onde a angústia familiar
zofrenicos. Mexico:
Fondo de Cultura
pudesse ser contida e trabalhada. Além disso, está-
Económica, 1967. vamos otimizando o tratamento psicológico realizado
(Biblioteca de Psico- na instituição abarcando de maneira mais abrangente
logia y Psicoanálisis). o “fenômeno patológico”.
Frente ao acima relatado, quatro anos depois da
criação do plantão psicológico, introduzimos um
serviço semelhante voltado exclusivamente para os fa-
miliares dos internos. Foi aberto um espaço onde a fa-
mília é recebida como cliente. Não temos a pretensão
de acreditar que todas as famílias aceitam esse lugar
tranqüilamente. Geralmente, o membro da família che-
ga até o serviço com o seu discurso voltado ao elemento
institucionalizado, e cabe ao plantonista fazer uma
120
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

escuta centrada e seletiva na angústia desse familiar


que buscou o serviço.
O atendimento familiar desenvolvido pelo se-
tor de psicologia é bastante diferente dos atendimen-
tos realizados pelo serviço social e corpo médico. No
plantão psicológico a família é colocada como cliente.
Já no atendimento médico-familiar o intuito é obter
dados e aprimorar a compreensão da estrutura da
doença através da história do paciente inserido no 8
SEARLES, H. F.
contexto familiar. Portanto, não há, prioritariamente, The Effort to Drive
uma ação terapêutica voltada à família. O cliente é the Other Person
Crazy – On Element
aquele que está internado. Quanto ao serviço social, a in the Aetiology and
sua ação visa o bem-estar do indivíduo internado e a Psychotherapy of
readaptação deste à sociedade de uma maneira menos Schizophrenia. In:
traumática. Novamente, o foco encontra-se no paciente Collected Papers on
Schizophrenia and
internado. Ambos os atendimentos são imprescindíveis Reality Subjects .
e de grande importância para o processo terapêutico Nova York: New
porém, não abordam de maneira a provocar mudanças York International
na psicodinâmica familiar. A utilização do plantão psi- Universities, 1975.
p. 254-283.
cológico se justifica pelas características da situação e
da população alvo. Geralmente, surge uma demanda
que estava reprimida pela impossibilidade de encontrar
um espaço próprio para que pudesse se manifestar.
Na doença o foco recai sempre naquele que manifesta
os sintomas. O plantão psicológico abre um espaço
para que a família manifeste seu mal-estar e suas
questões. As características de tal procedimento pa-
recem-nos facilitar o trabalho com esta situação emer-
gencial, imprevisível e desorganizadora que é o adoe-
cimento. Através do plantão psicológico tentamos
aproveitar o momento de ruptura que a doença men-
tal gera na dinâmica familiar e na vida de quem adoece
e, a partir disso, proporcionar uma experiência mais
saudável.
Há ainda certos dados de realidade que re-
forçam a aplicabilidade do plantão familiar nessa
situação. A grande maioria da população alvo (família)
121
Plantão Psicológico: novos horizontes

possui pouco acesso a situações que permitam


uma relação de ajuda. Isso ocorre por vários moti-
vos: falta de conhecimento de sua própria demanda;
desinformação sobre os serviços disponíveis (psico-
terapia individual, familiar, etc.); carência de recur-
sos públicos nessa área; e finalmente, indisponibili-
dade financeira da maioria daqueles que procuram.
O plantão psicológico consegue, de certa forma,
diminuir a distância dessas pessoas a uma relação de
ajuda eficaz.
Outra justificativa para a utilização do plantão
recai na crença fortemente difundida nos plantonistas
que nem toda demanda precisa ser suprida pela
psicoterapia. Todo indivíduo possui uma tendência
inerente para o progresso e uma vez que a situação de
impedimento possa ser abordada, e uma nova vivên-
cia possa surgir, o cliente está livre para seguir seu rumo,
até sentir nova necessidade de parar e se redirecionar.
É evidente que muitas vezes a demanda é para psi-
coterapia, nesse caso é feito um encaminhamento para
serviços externos.
Colocando a família como foco, estamos tam-
bém contribuindo indiretamente com o bem estar do
indivíduo institucionalizado e complementando o traba-
lho psicológico que é realizado durante a internação.
Para que o plantão pudesse ocorrer, foram aber-
tos horários dentro da programação, que coincidiam
com os horários de atendimento familiar realizado
pelos outros membros da equipe. Desta forma, na
medida em que os membros da família vêm manter
contato com o médico, assistente social ou visitar o
paciente internado, se desejarem, poderão ter acesso
ao atendimento psicológico.
Percebe-se que os métodos e técnicas adotadas
são muito semelhantes ao que ocorre para os clientes
internados nesta casa. Essa estrutura de atendimento
tem vantagens para alcançar nossos objetivos.
122
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

As pessoas que procuram o plantão psicológico


não o fazem porque foram convocadas. Portanto,
podemos inferir que há uma mobilização interna que
gerou essa busca. Tal mobilização é fator primordial
para que ocorra mudanças. A convocação para essa
forma de atendimento parece-nos pouco eficiente,
embora possa ocorrer se for de extrema importância
para o trabalho psicológico realizado com o indiví-
duo institucionalizado. Desta forma, a família deixa
de ocupar o lugar de cliente e a ação centra-se no indi-
víduo institucionalizado. Neste ponto percebemos
outra diferença em relação ao atendimento médico e
ao de serviço social. Estes não perdem a eficácia pela
convocação, pois não colocam a família como cliente
da mesma forma que colocamos.
O plantão psicológico, com sua característica
básica de abarcar o cliente naquele momento, possibilita
um trabalho psicológico breve, embora, também, haja
a possibilidade de um trabalho mais longo se houver
a necessidade. O plantonista e o cliente podem decidir
pela sessão única, projeto terapêutico (quatro sessões
aproximadamente) ou pelo encaminhamento desse
membro familiar ou família para um processo mais
longo de psicoterapia familiar (fora da instituição).
A equipe e a instituição foram instruídas para
favorecer a aproximação dos familiares a este serviço
psicológico. O acesso da clientela mantém-se o menos
burocratizado possível. Foram colocados na recepção
e demais dependências sociais do hospital, cartazes
informativos sobre a existência do serviço, disponi-
bilidade do psicólogo, local de atendimento etc.
Em três anos de funcionamento o número de
atendimentos foi aumentando progressivamente. De
um ano para o outro tivemos um aumento superior a
100% no número de clientes.
A carência de suporte externo para os familia-
res gerou uma situação atípica. O plantão psicológico
123
Plantão Psicológico: novos horizontes

familiar é uma estrutura montada prioritariamente


para dar conta das questões familiares durante o
período de internação. No entanto, percebemos o
aumento significativo da procura do serviço mesmo
após a alta do cliente principal. Isso acaba gerando
uma sobrecarga do serviço. Temos como norma bási-
ca não recusar o atendimento dessas pessoas, porém
tentamos encaminhá-las para serviços externos. Tal
procura acaba reforçando a consolidação desse espaço
de continência. No futuro temos o intuito de desen-
volver um ambulatório para dar conta dessa demanda
na própria instituição, porém, para isso, precisaremos
aumentar a equipe de plantonistas.

Fiéis à idéia de uma ação abrangente do doente


mental, começamos a pensar a instituição como um
cliente em potencial. Atualmente fica difícil pensarmos
em uma ação terapêutica eficiente, sem inserirmos no
processo aquele que se propõe a “tratar”.
Abordando o hospital com a visão da psicolo-
gia institucional, o entendemos como um organismo
vivo que reage frente a sua população alvo. Desen-
volve-se uma relação dialética entre a instituição e a
clientela. As ações desta, assim como as reações, vão
interferir diretamente no andamento do processo tera-
pêutico. A importância da sanidade institucional sempre
foi amplamente discutida e valorizada. Se consideramos
o processo terapêutico pessoal do profissional de saúde
mental como fundamental para a eficácia da abordagem,
nada mais razoável que utilizarmos os mesmos parâ-
metros quando falamos da instituição de saúde mental.
9
José Bleger abordou com precisão a intrincada psi-
9
BLEGER, José. codinâmica institucional no ato terapêutico. Segundo
Temas em Psico- ele, há a tendência da instituição em se burocratizar na
logia. Buenos Aires: sua ação terapêutica. Este processo surge como defesa.
Nueva Vision, 1980.
As estruturas das instituições são as mesmas de seu obje-
to de trabalho. Sendo assim, para trabalharmos com
124
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

doentes mentais em instituições há a necessidade de


“tratarmos” concomitantemente a instituição.
Trabalharmos com a instituição implica em
oferecermos aos seus integrantes condições para falar
de suas questões, assim como, de sua relação com esta.
Buscamos abordar o coletivo através do individual.
Frente ao acima citado tornou-se fundamental
oferecer aos profissionais da casa de saúde um espaço
de continência. Não somente para abarcar a instituição,
mas também para fornecer subsídios ao funcionário
que vive em contato direto com a doença mental.
Quadros psicóticos tendem a ser ameaçadores para
aqueles que não estão preparados psiquicamente. A
desorganização do psicótico tende a ameaçar a ordem
interna de quem convive com estes. Isto é prejudicial
para a saúde psíquica do funcionário e acaba refletindo
na instituição, uma vez que irá utilizar-se de mecanismos
defensivos que prejudicarão a dinâmica institucional.
Como exemplo destes mecanismos podemos citar a
indisponibilidade e a irritabilidade no trato com o
cliente, faltas ao serviço, grande rotatividade da equipe
de apoio etc. Além de tais manifestações, havia uma
demanda explícita por grande parte dos funcionários
que nos procuravam com a necessidade de falar de
suas experiências no cotidiano hospitalar e reorganizá-
las de maneira mais saudável.
Oferecer atendimento aos funcionários trazia
uma série de questões. Primeiramente havia a di-
ficuldade de montar uma equipe para atender essa
nova clientela. Parecia-nos pouco eficiente que os
plantonistas da própria instituição atendessem a
este público. Tal atitude seria tão incoerente quanto
um psicoterapeuta desenvolver uma “auto-terapia”. 10
BLEGER, José.
Sabíamos da impossibilidade de abarcar a institui- Psico-Higiene e Psi-
ção fazendo parte dela. Bleger conceituou com pre- cologia Institucional.
cisão as diferenças entre o psicólogo institucional e Porto Alegre: Artes
10 Médicas, 1984.
o psicólogo na instituição . Para que fosse viável,
125
Plantão Psicológico: novos horizontes

trouxemos um plantonista de fora da instituição. Isto


resolveu os prováveis conflitos de interesse que
surgiriam se fossem utilizados os profissionais da
instituição. Além disso, a isenção deste plantonista
propiciou maior liberdade para que o funcionário
abordasse suas questões. A própria estrutura do plan-
tão facilitou o acesso ao serviço. Contamos com a
disponibilidade da instituição para que os funcioná-
rios pudessem procurar o serviço durante o período
de trabalho. Isto gerou a necessidade de reestruturar
as grades de horários, acarretando maior trabalho
das chefias. No entanto, as experiências anteriores
bem sucedidas com o plantão facilitaram a supera-
ção de tais transtornos.
Embora a intenção básica não seja esta, o plan-
tão ao funcionário também pode ser como porta
de entrada para outras modalidades de atendimento
e suporte se for necessário. Assim como com os inter-
nos e seus familiares, o funcionário pode ser atendido
na própria instituição em esquema de psicoterapia
breve e focal, se o caso. Se a demanda for para uma
psicoterapia de longo curso, este será encaminhado
para instituições ou consultórios fora do hospital.
Paralelamente, montamos grupos operativos para que
as questões relacionais e operacionais pudessem ser
abordadas.
Consolidou-se novo espaço dentro da rotina
hospitalar. A experiência vem nos mostrando que se a
instituição passa por períodos mais críticos, com
sobrecarga de trabalho, diminuição de funcionários
ou qualquer outra tensão, a procura pelo plantão
aumenta. Sendo assim, além do caráter terapêutico, o
plantão oferece elementos para que o plantonista tenha
uma visão relativamente precisa da saúde psíquica da
instituição.
Após a implantação deste serviço, diminuiu
significativamente os problemas de relacionamento
126
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

entre os funcionários, conseqüentemente, criou-se um


ambiente terapêutico mais eficiente.
Até então foram relatadas as mudanças
operacionais que as várias experiências com o plantão
psicológico geraram na rotina hospitalar. Sem dúvida,
passou de técnica coadjuvante a um lugar central no
funcionamento do serviço de psicologia. No entanto,
a amplitude das mudanças geradas pelo plantão
psicológico não recai somente no aspecto operacional.
Acredito que a principal mudança seja subjetiva e sutil.
Como foi dito nas primeiras linhas deste texto,
o plantão psicológico propiciou uma reformulação
na visão institucional do indivíduo institucionalizado.

Existem diferenças significativas na forma de


entender e abordar o doente mental entre os vários
profissionais da saúde. Apesar da proximidade e das
áreas de justaposição, a formação teórica e o embasa-
mento filosófico dos vários profissionais levam a esta
discrepância na abordagem do doente. Os vários pro-
fissionais podem utilizar os mesmos conceitos de
doença mental, porém a postura frente ao cliente acaba
sendo muito diferente. Cada profissional, munido de
seus conhecimentos científicos e de sua concepção de
homem e mundo, vai colocar-se frente ao outro de
maneira particular na tentativa de promover saúde.
Entre a psicologia e a medicina não é diferente.
Há divergências significativas entre as abordagens. O
médico na sua formação, recebe forte influência das
ciências naturais. A visão naturalista determina que o
observador de um dado fenômeno tente se manter
isento neste processo para não influenciá-lo. A partir
dessa premissa, o médico quando se coloca frente ao
doente procura manter-se afastado para que possa
observar com isenção. Esta isenção dará segurança para
a escolha da terapêutica necessária. Nesta intervenção
está implícito que o cliente não sabe sobre si e espera
127
Plantão Psicológico: novos horizontes

que o outro, no caso o médico, realize uma ação sobre


ele. Considero a palavra “paciente”, termo muito utilizado
por este profissional, bastante esclarecedora e típica dessa
relação. O paciente é aquele que espera “pacientemente”
a ação de outro para a solução de um desequilíbrio. Sua
principal característica é a resignação e a conformação.
É aquele que espera passivamente um resultado. Todo
organismo possui uma tendência inerente ao equilíbrio.
Vários autores abordaram em diferentes momentos esta
tendência. Freud aborda o “princípio de constância” nos
11
seus artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos .
11 12
FREUD, S. A His- Piaget aborda o princípio da equilibração . Rogers
tória do Movimento quando fala sobre a tendência atualizadora parece-nos
Psicanalítico: Arti- ressaltar essa tendência inerente do indivíduo a procurar
gos sobre Meta- 13
psicologia. Rio de um equilíbrio satisfatório . A própria biologia usa este
Janeiro: Imago, 1974. princípio como regra geral. Caso ele não consiga chegar
(Edição Standard a esta homeostase por seus próprios meios, recorre a
Brasileira das Obras outros no intuito que este atue de maneira técnica para
Psicológicas Com-
promover o equilíbrio. Percebe-se que nesta forma de
pletas, XIV).
intervenção o médico adota a postura de técnico.
12
PIAGET, J. e
INHELDER, B. A Psi- O psicólogo também atua no sentido de ajudar
cologia da Criança. o outro a equilibrar-se, porém a postura pode ser outra
São Paulo: Difel,
quando sua ação é influenciada pela fenomenologia.
1974.
Enquanto a medicina promove uma ação direta sobre
ROGERS, C. R. seu paciente, acreditamos que através de uma relação
13

Tornar-se Pessoa. terapêutica com características específicas, podemos


São Paulo: Francisco facilitar para que nosso cliente se equilibre. Desta forma,
Alves, 1977.
não atuamos sobre o mesmo, porém acompanhamos
como instrumento facilitador para este equilíbrio.
Mesmo em casos graves, onde a tendência da
pessoa em estabilizar-se em um modo saudável de
funcionamento parece estar irremediavelmente com-
prometido, a postura frente a ele, enfatizando seu
aspecto saudável e seu potencial, costuma trazer
respostas positivas. Acreditamos que o psicoterapeuta
deva oferecer-se como ferramenta ao seu cliente. A
128
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

experiência do plantão em hospital psiquiátrico mostra


que por maior que seja o comprometimento afetivo,
cognitivo, intelectual e relacional do cliente, a dispo-
nibilidade do plantonista acaba deflagrando um mo-
vimento saudável do cliente. O plantonista serve como
estímulo para a busca de níveis mais saudáveis de
integração psíquica (deixamos de ver o cliente como
receptor passivo de uma ação terapêutica e o coloca-
mos no lugar de autor no seu processo de aprimora-
mento e crescimento). O homem se desenvolve a partir
de sua experiência e a função do plantonista é pro-
porcionar condições para que o indivíduo possa expe-
rienciar, na relação com este, situações que evidenciam
características novas e des conhecidas no seu modo
de funcionar, experiências diferentes daquelas conhe-
cidas anteriormente e marcadas pela ineficiência e
patologia. Com esta concepção, aquele que procura
ajuda psicológica, mesmo dentro de um hospital
psiquiátrico, perde a marca de “paciente” e adquire o
status de agente, pois apropria-se de seus rumos.
O corpo clínico do hospital considera a doença
14
mental como a “patologia da liberdade” . Segundo
14
este conceito, doente mental é o indivíduo que perdeu BASSIT, W. e
a capacidade de fazer opções. Ele mostra-se incapaz Sonenreich C. O
de estabelecer regras para si, sendo assim, fica prisio- Conceito de Psicopa-
tologia. São Paulo,
neiro de seus sintomas. Como exemplo, podemos pen- Manole, 1979.
sar no sujeito fóbico que restringe sua vida com medo
de encontrar o objeto de sua fobia, ou o obsessivo,
que apesar de perceber a incoerência de seus pensa-
mentos obsessivos ou de seus rituais mágicos, sente-se
impotente frente a eles. Podemos citar o delirante que
interage com o mundo de maneira restrita a partir das
suas convicções delirantes. Este é um conceito médico,
no entanto, ele pode ser muito eficiente orientando a
ação psicológica em um hospital psiquiátrico.
Se considerarmos a doença mental como um
cerceamento à liberdade, toda a ação terapêutica e o
129
Plantão Psicológico: novos horizontes

ambiente hospitalar devem levar ao livre arbítrio. A


partir desta premissa, o plantão psicológico passa a ser
um instrumento fundamental para promoção da saúde
pelas suas características.
A resposta positiva dos clientes (internos, famílias
e funcionários) levou a instituição a mudar a concepção
de doente mental. Este deixou de ser visto como um
receptor passivo da ação alheia, e foi alçado a condição
de agente de seu processo de mudanças. O interno
adquiriu a possibilidade de desejar e de trabalhar no
sentido de viabilizar seus desejos. Esta nova concepção
adquirida pela instituição, criou um ambiente mais
propício para que os internos façam suas escolhas.
Abrindo espaço para que este se posicione e tome
posse de suas experiências, propiciamos o resgate da
cidadania do indivíduo institucionalizado. Percebemos
portanto, que a experiência do plantão não modifica
somente aquele que é alvo da intervenção, mas também,
todos os envolvidos indiretamente. O sistema de idéias
que sustenta a prática do plantão psicológico acaba
por impregnar o ambiente onde ocorre a experiência.
Sendo assim, o plantão psicológico adquire a caracte-
rística de catalisador de mudanças. Mudança é essencial
para o desenvolvimento.

130
Plantão Psicológico
em Clínica-Escola
Vera Engler Cury

“A cada novo plantão aprendemos um pouco mais sobre


as aflições de nossa comunidade e perdemos o medo de
enfrentar nossas próprias angústias, ao tentarmos entrar
em contato com o mundo do outro a partir de sua
urgência.”

Depoimentos como este fazem parte dos


encontros semanais de um grupo de supervisão de
orientação humanista, e mais especificamente “centrada
no cliente,” da Clínica-Escola do Instituto de Psicologia
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
localizada na região central da cidade. O serviço de
pronto-atendimento psicológico foi implantado em 1994,
a partir do projeto de dois alunos do Curso de
Especialização em Psicoterapias Institucionais do
Departamento de Psicologia Clínica.
O oferecimento desta modalidade de aten-
dimento clínico-psicológico efetivou-se como de-
corrência da constatação de um alto índice de
desistência por parte da clientela que busca ajuda
naquela instituição, frente às longas filas de espera
para psicoterapia e também pela observação de que
algumas pessoas procuram a clínica numa situação
de emergência. Em ambos os casos verificava-se a
impossibilidade de o sistema atender à solicitação
131
Plantão Psicológico: novos horizontes

imediata do cliente. O Plantão Psicológico viabiliza um


atendimento de tipo emergencial – compreendido
como um serviço que privilegia a demanda emocional
imediata do cliente – e que funciona sem necessidade
de agendamento, destinado a pessoas que a ele recorrem,
espontaneamente, em busca de ajuda para problemas
de natureza emocional.
Operacionalmente, os períodos cobertos pelos
plantonistas ainda são restritos, pois nem todos os
grupos de supervisão que atuam na Clínica-Escola
participam desta prática. A divulgação é feita através
de cartazes distribuídos internamente na própria
universidade e também em postos de saúde, hospitais,
escolas e centros comunitários. Cabe às recepcionistas
da clínica psicológica controlar o fluxo de pessoas para
não sobrecarregar os horários do plantão e elas o
fazem encaminhando os clientes que não terão con-
dições de ser atendidos naquele plantão para o próximo.
Cada período perfaz quatro horas com a presença de
dois plantonistas. Há flexibilidade quanto à duração
de cada sessão, levando-se em conta as idiossincrasias
dos clientes e também as limitações que advêm da
inexperiência dos estagiários; procura-se, no entanto,
manter como parâmetro a hora terapêutica de cinqüenta
minutos. Estabeleceu-se como rotina a possibilidade
de um retorno, em casos em que isto se fizer necessário
e mediante uma tomada de decisão do próprio
plantonista. Embora os clientes atendidos durante os
plantões possam ser encaminhados à triagem da
própria Clínica-Escola para atendimento psicoterápico,
grande parte dos encaminhamentos tem sido externo,
frente a significativa e crônica demanda que congestiona
e dá origem às filas de espera da instituição. No entanto,
o objetivo primordial do plantão é o de se constituir
num serviço alternativo às psicoterapias tradicionais,
especificamente voltado àqueles que por inúmeras
razões não se beneficiariam (ou não estariam
132
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

disponíveis) de um atendimento clínico a médio ou


longo prazo.
Em termos institucionais, o Plantão Psicológico
compõe o elenco das práticas clínicas sob
responsabilidade dos estagiários do último ano do Curso
de Psicologia, juntamente com o serviço de triagem,
psicoterapias individuais, grupais e de casal, assim como
grupos de espera, sob supervisão de docentes com
diferentes abordagens teóricas Os plantonistas, sendo
alunos do último ano do curso de Formação de
Psicólogos, também são responsáveis por outros
atendimentos psicoterápicos - individuais ou grupais –
nos moldes tradicionais, já que optaram pelo campo de
estágio em clínica-escola como parte de sua formação.
Historicamente, o serviço de plantão psico-
lógico da PUC-Campinas inspirou-se no modelo
desenvolvido pelo Setor de Aconselhamento Psi-
cológico do Instituto de Psicologia da USP de São
Paulo (cf. Mahfoud, 1987) na década de oitenta, no
entanto, apresenta um caráter inovador, representado
pela participação de supervisores com abordagens
teóricas diferentes – cognitivista e centrada no cliente
– numa mesma modalidade de relação de ajuda
psicológica. Esta posição coincide com uma perspec-
tiva de integração, proposta e defendida em relação
ao conceito de Clínica-Escola que une estes docentes-
supervisores. Compreendem que a vocação de uma
instituição como esta é a de enfrentar o desafio de
um atendimento psicológico compatível com as ne-
cessidades da comunidade alvo e também voltado
para a formação clínica do aluno, priorizando a re-
lação interpessoal que possibilita o diálogo cliente-
estagiário. Insere-se aqui uma tomada de posição mais
ampla sobre a concepção de atendimento clínico,
soltando-o das amarras de um viés que tradicio-
nalmente o atrelou à psicoterapia como única via para
a intervenção e, com esta, a uma temporalidade
133
Plantão Psicológico: novos horizontes

estabelecida a priori – quanto mais longo o processo


terapêutico, maior sua eficácia.
Contrariando esta visão, o trabalho em equipe
desenvolvido para a implantação do serviço de plantão
psicológico buscou transcender e subordinar as dife-
renças teóricas a um objetivo comum: a flexibilização
das práticas de intervenção clínica institucional já
existentes em prol de uma ajuda psicológica que se
mostrasse mais empática aos apelos da comunidade,
neste contexto e época. Manteve-se, no entanto, a auto-
nomia de cada supervisor quanto às estratégias clínicas
para efetivação do atendimento.
Para os plantonistas que atendem nos moldes da
Abordagem Centrada na Pessoa, esta experiência tem
sido considerada fundamental ao lançá-los num tipo de
relacionamento interpessoal de ajuda psicológica em que
suas atitudes e crenças são postas à prova de maneira
dramática (vide anexo). Questionam-se sobre a efetivi-
dade da ajuda prestada aos clientes, já que o parâmetro
de continuidade da intervenção que os amparava num
processo psicoterápico tradicional não está disponível: o
tempo conspira de forma a exigir deles uma disponibi-
lidade emocional imediata e genuína para o encontro com
o outro; preservar a autonomia emocional do cliente e,
ainda assim, ativamente, facilitar-lhe o desenvolvimento
de um processo gerador de alternativas à angústia viven-
ciada, eis o desafio revisitado a cada novo atendimento.
A ênfase na ativação de um processo experiencial de
caráter intersubjetivo colabora para que o plantonista não
transforme o atendimento numa relação de natureza
autoritária ou filantrópica, face à sedução exercida pela
aparente fragilidade do cliente. Wood (1995) enfatizou:

“esta abordagem se realiza quando alguém dirige a melhor


parte de si mesmo à melhor parte do outro e, assim, pode
emergir algo de inestimável valor que nenhum dos dois
faria sozinho”.
134
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

A experiência acumulada desde a implantação


do serviço tem se mostrado decisiva para uma trans-
formação, tanto dos supervisores envolvidos quanto dos
estagiários e quiçá da própria população atendida,
gerando pesquisas que poderão alicerçar novos rumos
para as clínicas-escola de Psicologia. Do ponto de vista
técnico, o plantonista recorre a atitudes e estratégias
clínicas que objetivam o acolhimento adequado ao clien-
te de forma a possibilitar a explicitação da demanda
emocional que o aflige, no exato momento em que busca
uma relação de ajuda psicológica. Considera-se como
cliente aquele que se apresenta, não importando se a
queixa refere-se a uma terceira pessoa, pois o atendimento
é de caráter imediato e não visa necessariamente o enca-
minhamento a processos psicoterápicos. Ancona-Lopez
(1996), em sua tese de doutorado, corrobora esta posição:

“quando o cliente vem à procura de um psicólogo, ele


quer ser atendido em suas necessidades, pouco importando
sob que nome este atendimento se efetue. Na prática, no
entanto, o que acontece com freqüência é que, por nomear
sua prática, o psicólogo deixa de fazer a sua parte,
postergando sua intervenção e empobrecendo um encontro
rico de possibilidades.” (p.15)

Abre-se, portanto, uma ampla gama de possibi-


lidades quanto ao desenvolvimento da relação cliente-
plantonista, embora esta seja breve. Cabe salientar que a
eficácia do serviço prestado não utiliza como critério o
grau de resolutibilidade do problema, isto é, não se prioriza
como foco do atendimento a queixa em si, considerada
como algo objetivável e despida dos significados que lhe
são atribuídos, mas sim a pessoa, compreendida como
um todo que se revela em suas formas características de
expressão, matizes de comportamento, atitudes e emoções,
visando lhe conferir autonomia e também facilitando-
lhe a reflexão, na busca de maneiras ou caminhos possíveis
135
Plantão Psicológico: novos horizontes

para transpor as dificuldades que vivencia. Even-


tualmente, cabe ao plantonista orientar o cliente, pres-
tando-lhe as informações necessárias para com-
preender a instituição e suas alternativas frente a ela,
além de abrir-lhe outras possibilidades quanto aos
recursos disponíveis na comunidade.
Deve-se evitar, no entanto, que o entusiasmo
nos leve a considerar o plantão como panacéia para
todos os males. As limitações existem, já que obvia-
mente não se pode pretender que uma alternativa de
intervenção clínica venha a suprir as inúmeras carên-
cias de nosso sistema de Saúde Mental a esfera pública.
Ao possibilitar a explicitação da demanda emocional
do cliente, o plantonista depara-se com a escassez dos
recursos institucionais da comunidade para acolher
estas necessidades que muitas vezes brotam do solo
fértil das desigualdades sociais e financeiras. O desem-
prego avoluma-se de maneira assustadora nas grandes
cidades, destruindo as esperanças de milhares de fa-
mílias que assistem impotentes aos descaminhos de
seus filhos mais jovens seduzidos pelo ouro falso do
tráfico de drogas e dos assaltos. As escolas de periferia
parecem andar à deriva frente à realidade avassaladora
de uma violência urbana que desdenha seus cânones e
não acredita mais na educação como possibilidade de
ascensão social. Cabe aos plantonistas, sensibilizar-se com
este quadro insólito e transformar o contexto das clínicas-
escola no sentido de uma aproximação com um modelo
mais comunitário, revertendo a tendência anacrônica de
reproduzir os consultórios particulares, ao flexibilizar o
elenco de serviços oferecidos à população dando-lhe
voz e credibilidade pelo desenvolvimento da auto-
nomia emocional. Ademais, no âmbito teórico, o Plantão
Psicológico representa um avanço na medida em que
diferentes abordagens psicoterápicas poderão desenvol-
ver pesquisas sobre a eficácia da adoção de novos mode-
los, quanto à relação interpessoal de ajuda psicológica.
136
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

A VIVÊNCIA DO PLANTÃO PSICOLÓGICO COMO TEMA


DE PESQUISA
Numa pesquisa recentemente concluída (cujos
resultados parciais foram apresentados durante o “VI
Encontro Estadual de Clínicas-Escola”, ocorrido em
Itatiba, SP, em agosto de1998) sobre as condições
desta implantação, buscou-se caracterizar o modelo
de pronto-atendimento psicológico oferecido à
comunidade. Adotando uma metodologia feno-
menológica, desenvolveu-se um estudo de tipo
qualitativo que constou da análise de depoimentos
colhidos junto aos supervisores, plantonistas e
funcionários da Clínica-Escola da PUC-Campinas,
a partir dos passos propostos por Amedeo Giorgi
(1994). O objetivo principal foi o de descrever a vi-
vência do plantão para aqueles que se responsa-
bilizam por sua efetivação institucional. O contato
com os diversos sujeitos constou de entrevistas
abertas, em número suficiente para contemplar o
critério de saturação, isto é, a coleta dos depoimentos
foi interrompida quando não se observou mais
nenhum elemento novo no conteúdo das falas dos
sujeitos pesquisados sobre o tema em questão. Duas
questões básicas nortearam este estudo:

a) O serviço de pronto-atendimento psicológico


oferecido à comunidade pela Clínica-Escola da
PUC-Campinas constitui-se, efetivamente, numa
alternativa de relação de ajuda psicológica?
b) Quanto à for mação do futuro psicólogo, a
participação como plantonista representa uma
oportunidade de ampliação da experiência clínica?

As entrevistas foram gravadas e realizadas


individualmente, desenvolvendo-se a partir de algumas
perguntas que focalizavam o tema da pesquisa, quais
sejam:
137
Plantão Psicológico: novos horizontes

1) O que é para você plantão psicológico?


2) Você vê algum tipo de contribuição do plantão para
a formação do aluno?
3) Em relação aos pacientes desta clínica, você percebe
algum tipo de contribuição do plantão à comunidade?
4) Que tipos de pacientes você encaminharia ao plantão?

As perguntas acima serviram apenas como um


roteiro para a entrevistadora; caso o conteúdo, esponta-
neamente, já incluísse os principais aspectos referentes
ao tema da pesquisa, elas não eram formuladas.
Cada depoimento foi transcrito, textualizado
(etapa que corresponde a transformação da transcrição
em texto escrito) e procedeu-se, então, a uma análise
das unidades de significado de forma a se obter a
compreensão psicológica de cada uma delas. Final-
mente, após terem sido estabelecidas algumas cate-
gorias a partir das sínteses específicas dos 12 (doze)
1
depoimentos, compôs-se a síntese geral, ou seja, a
estrutura do vivido em relação ao tema.
1
Consulte o anexo
“Plantão Psicoló- ANÁLISE DOS RESULTADOS:
gico: vivência dos
plantonistas” no
final deste capítulo.
Categorias extraídas das Sínteses Específicas:

Conceito sobre o plantão psicológico: consiste


num tipo de ajuda, ou atendimento profissional
imediato, aberto às pessoas da comunidade que se
sentem desesperadas, com problemas ou em crise;
caracteriza-se por fornecer alívio, orientação e apoio
em situações de urgência.
Contribuição para a formação do estagiário:
possibilita o acesso a uma diversidade de pessoas e
problemas, levando a um contato direto com o
inesperado, criando impacto emocional, desenvolvendo
uma escuta diferenciada e promovendo um raciocínio
clínico mais rápido e preciso. Também promove um
138
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

senso de responsabilidade ampliado, ao retirar o aluno


de uma situação de aprendizagem mais protegida.
Quanto aos benefícios aos pacientes: sentem-se
acolhidos no momento mesmo em que surge uma
necessidade de ajuda, ao estarem desorientados, com
um problema muito sério, ou simplesmente quando
precisam desabafar com alguém. O atendimento ofere-
cido pelo plantonista ajuda a diminuir a ansiedade, per-
mite uma compreensão do problema, oferece uma
perspectiva e uma visão mais realista do trabalho do
psicólogo, como alguém que sabe ouvir e está ali na hora
exata da procura.
Tipos de pacientes que encaminhariam ao
plantão: pessoas desorientadas, que chegam aos pran-
tos, que precisam de alguém naquele momento, mães
desesperadas, pessoas que esperam por uma vaga para
fazer psicoterapia, ou aquelas que apenas querem con-
versar para tirar dúvidas e receber informações sobre
o trabalho do psicólogo e as formas de atendimento da
instituição.

No processo de interpretação (terceira etapa a


compor uma análise fenomenológica dos dados, poste-
rior à descrição e à compreensão) destacaram-se alguns
elementos do vivido, obtidos a partir das sínteses especí-
ficas dos depoimentos de estagiários e supervisores, en-
quanto representantes da equipe de técnicos da instituição.
Visando trazer ao leitor uma compreensão mais particu-
larizada destas vivências, passamos a transcrevê-las abaixo:

Estagiários:
– inicialmente, ansiedade frente aos períodos de espera
pela chegada de clientes e;
– dificuldade em confiar em si mesmo(a), frente ao
inesperado;
– frustração pela ausência de uma equipe interdis-
ciplinar para dar suporte aos atendimentos;
139
Plantão Psicológico: novos horizontes

– após alguns atendimentos, desenvolvimento de


autoconfiança e iniciativa;
– sentimentos de solidariedade e respeito pela
comunidade;
– amadurecimento pessoal e profissional como decor-
rência de uma escuta empática aos clientes;

Supervisores:
– entusiasmo frente ao amadurecimento do grupo de
estagiários pela inclusão de plantão psicológico como
uma alternativa de atendimento;
– desenvolvimento de confiança nos recursos internos
dos plantonistas;
– necessidade de maior entrosamento com outros
supervisores;
– frustração frente à ausência de uma retaguarda
psiquiátrica;
– satisfação pela possibilidade ampliada de reflexões
e discussões sobre a prática clínica institucional nos
grupos de supervisão;
– grande interesse em dar continuidade a este tipo de
serviço, tanto em função dos benefícios à população,
quanto pelos objetivos pedagógicos;

Como o Plantão Psicológico é apreendido pelas


pessoas que se responsabilizam por este serviço na
Clínica-Escola da PUC-Campinas:
Supervisores, estagiários e funcionários com-
preendem o Plantão Psicológico como um tipo de
relação de ajuda imediata, que fornece alívio, orien-
tação e apoio em situações de emergência às pessoas
da comunidade que se sentem desesperadas ou com
problemas muito sérios. Elas parecem gratas por
terem sido acolhidas no momento em que buscaram
ajuda psicológica, ou quando precisavam muito
desabafar com alguém. Este tipo de atendimento
parece ajudá-las no sentido de diminuir a ansiedade,
140
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

permitindo uma compreensão do problema, oferecendo


novas perspectivas e uma visão mais realista do
psicólogo como aquele que sabe ouvir e está ali na
hora exata da procura. O estagiário, por sua vez, torna-
se mais acessível e menos rígido, dando a impressão
de ter amadurecido, pois já não se espanta tanto com o
inesperado e movimenta-se com mais desenvoltura pela
clínica, relacionando-se de maneira mais espontânea
com os clientes e os funcionários.
Os supervisores, cujos alunos participam do
Plantão Psicológico, sentem que o grupo amadurece e
que os encontros tornam-se uma oportunidade para
gratificantes discussões sobre a comunidade, seus
problemas, as possibilidades de ajuda, as frustrações
frente aos próprios limites, assim como para a construção
de uma cumplicidade repleta de idealismo e de promessas
que aumenta a confiança mútua. Aqueles que não
participam do serviço, mostram-se receosos quanto à
falta de uma retaguarda psiquiátrica na instituição e à
inexperiência dos estagiários em lidar com situações mais
complicadas, principalmente com a possibilidade de
clientes em surto psicótico. Alguns chegam a alertar
para os riscos de um atendimento deste tipo para o
agravamento de uma patologia, já que o acolhimento
poderia mascarar o quadro pela redução dos sintomas.
As funcionárias de um modo geral mostram-se
otimistas em relação à existência do Plantão Psicológico,
pois este parece aliviar-lhes da árdua tarefa de lidar
com aquelas pessoas confusas, que chegam à instituição
sem saber o que vieram buscar, ou com as que parecem
tão desamparadas e sofridas que chegam a comovê-las.

Esta pesquisa coincide com uma linha de


interesse profissional mais recente da autora com
ênfase no desenvolvimento de práticas clínicas
institucionais. Neste sentido, Macedo (1986) já pre-
conizara a necessidade de que o psicólogo clínico
141
Plantão Psicológico: novos horizontes

fosse levado, desde a sua formação, a refletir criti-


camente e conscientizar-se do ponto de vista social e
político, para ser capaz de desenvolver uma definição
ideológica norteadora numa busca por modelos
alternativos mais adequados à extensão dos serviços
psicológicos a toda população, desvinculando-os do
estereótipo de uma prática específica para as classes
privilegiadas. Identificada com a mesma intenção, a
motivação que tem nos conduzido nesta direção
origina-se de um questionamento: qual a relevância
de se adotar o enfoque existencial-humanista como
um posicionamento teórico-filosófico e como
perspectiva de atuação clínica numa sociedade como
a brasileira?
O fato de a Abordagem Centrada na Pessoa
submeter a importância dos conhecimentos teóricos e
das habilidades técnicas ao desenvolvimento de um
tipo de relação interpessoal em que os potenciais
humanos de autodeterminação possam ser liberados
e promovidos requer que o profissional preste-se a
um mergulho corajoso em situações da vida cotidiana,
acabando por quebrar modelos e estilos tradicionais,
aventurando-se em novos contextos, rompendo certos
limites ou, simplesmente, imprimindo visões pessoais
a velhos problemas. O respeito pelas pessoas, o reco-
nhecimento do outro como totalidade e unicidade, a
intolerância frente às manifestações de valores deter-
ministas que tendem a enfocar o ser humano generi-
camente, o compromisso com o devir humano, são
denominadores comuns das várias linhas de teoria e
psicoterapia com esta inspiração (Cury, 1993). A psico-
logia humanista com uma visão que prioriza os
aspectos saudáveis do ser humano, assim como as
possibilidades de crescimento, e a Abordagem Centrada
na Pessoa com sua ênfase na tendência formativa
(Rogers, 1980) têm muito a contribuir para a formação
do psicólogo clínico, na medida em que permitem uma
142
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

forma de abordar os fenômenos da realidade pautada


pela noção de que o ato de compreender já se constitui
em um tipo de intervenção. Restitui ao encontro inter-
pessoal seu caráter transformador que, numa escala
mais ampla, implica em considerar que a evolução de
uma sociedade depende das condições existentes para
que as pessoas, individualmente ou em grupo, possam
engajar-se em rituais institucionalizados que lhes
garantam a oportunidade e o contexto apropriado
para compartilhar suas vivências, sentindo-se respeita-
das e valorizadas.
A ênfase desta pesquisa incide sobre a área da
Saúde Mental Comunitária e a inserção do psicólogo
clínico nas práticas institucionais. A sistematização de
tais práticas faz-se necessária e urgente na medida em
que no Brasil está em andamento uma reestruturação
das políticas em relação à saúde pública e, como de-
corrência, das instituições responsáveis pelos progra-
mas de saúde mental, tanto na prevenção e promoção
de saúde, quanto no que concerne à atenção secundária
e terciária (Campos, 1992), priorizando o desenvol-
vimento de intervenções contextualizadas, interdis-
ciplinares e flexíveis. Numa perspectiva mais ampla:

“o objetivo historicamente mais recente da higiene mental


já não se refere tão somente à doença ou à sua profilaxia
e sim também à promoção de um maior equilíbrio, de um
melhor nível de saúde na população. Desta maneira já
não interessa somente a ausência de doença e sim o
desenvolvimento pleno dos indivíduos e da comunidade
total. A ênfase da higiene mental translada-se, assim, da
doença à saúde e, com isto, à atenção sobre a vida
cotidiana dos seres humanos. E isto é, para nós, de vital
importância e interesse.” (Bleger, 1984, p. 22).

A proposta para a aplicação de esforços no


sentido de uma prática clínica coerente com o
143
Plantão Psicológico: novos horizontes

posicionamento teórico-filosófico da Abordagem


Centrada na Pessoa contida neste texto, necessita da
adoção de uma metodologia de pesquisa, cuja
interpretação dos dados (intervenções clínicas)
contemple uma descrição e compreensão dos mesmos
enquanto fenômenos interpessoais, que emergem ao
longo de um processo dinâmico de vivências com
significado próprio e intransferível. O reconhecimento
de nossa contribuição será decorrência direta de nossa
competência para comunicar e discutir cientificamente
de maneira a confirmar uma prática referendada e
substanciada na realidade sócio-cultural e num modelo
de intervenção clínica efetivo. O verdadeiro pesquisar
em Psicologia é aquele que busca resgatar o que de
mais íntimo e pessoal pertence a cada um, legitimando
estes significados como um bem coletivo. Nas palavras
de Carl Rogers (1980):

“Minha confiança é no processo pelo qual a verdade é


descoberta, alcançada e aproximada. Não é uma confiança
na verdade já conhecida ou formulada.”

Finalmente, a experiência vivida e os resultados


do estudo sugerem que o Plantão Psicológico repre-
senta uma flexibilização quanto às formas de aten-
dimento clínico oferecido à população, podendo levar,
também, a uma economia para o sistema, na medida
em que promove encaminhamentos internos e ex-
ternos. De maneira geral, proporciona, efetivamente,
uma relação de ajuda suficiente, reduzindo as listas de
espera junto ao próprio serviço de triagem. Quanto ao
estagiário-plantonista, desenvolve uma compreensão
mais abrangente da comunidade, amplia sua capaci-
dade diagnóstica pela diversidade de casos atendidos
num espaço de tempo relativamente curto, e aprende
a estabelecer um contato emocional com os clientes a
partir de uma escuta empática que precisa ocorrer de
144
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

imediato. Também vivencia um processo de amadu-


recimento pessoal que confere maior autonomia a
sua prática clínica. Os clientes, da forma como são
apreendidos pela instituição, beneficiam-se da oportu-
nidade de um atendimento psicológico que se confi-
gura no momento em que há uma demanda emocio-
nal, diminuindo o nível de ansiedade e viabilizando o
surgimento de recursos pessoais para a busca de solu-
ções para a problemática vivida.
A despeito do Plantão Psicológico ser caracte-
rizado pelos cépticos como apenas mais um tipo de
intervenção a dois, breve demais para produzir qual-
quer mudança duradoura, diríamos que este serviço
tem contribuído para nos aproximar da verdade so-
frida que confere realismo ao suor e às lágrimas de
nosso povo, mas paradoxalmente tem também aumen-
tado nossa fé no processo dos relacionamentos inter-
pessoais pelos quais transita e é intensificada a possi-
bilidade de recuperação da dignidade humana em sua
mais nobre acepção.
Quanto às instituições em geral, e às Clínicas-
Escola em particular, deixemos de atribuir a seu andar
paquidérmico todas as culpas: as limitações quanto ao
âmbito dos serviços prestados à população decorrem
com mais freqüência da facilidade com que se faz uso
delas para justificar atitudes conformistas e vícios pro-
fissionais e, com menos, da eficiência de seus entraves
administrativos.

145
Plantão Psicológico: novos horizontes

Anexo:

Plantão Psicológico:
vivência dos plantonistas

“Uma coisa é por idéias arranjadas,


outra é lidar com pessoas, de carne e sangue, e mil e
tantas misérias”.

Guimarães Rosa
Grande Sertão Veredas

A experiência de atender no plantão psicológico


é uma oportunidade desafiadora, tanto para a forma-
ção acadêmica quanto para o desenvolvimento pessoal.

Quando um aluno se propõe a ser plantonista, é


necessário que ele tenha disponibilidade para lidar com
situações imprevisíveis, acolhendo pessoas. Indepen-
dente de quem sejam. Na verdade, quando nos sentamos
frente a alguém no plantão, não sabemos nada sobre
essa pessoa, quais os motivos pelos quais ela está ali,
suas angústias, medos, necessidades, expectativas etc.

No desenrolar do atendimento, entramos em


contato com a pessoa, da forma como ela se apresenta.
A partir desta única interação, buscamos ser empá-
ticos, tentamos proporcionar um clima psicológico
facilitador para que ela possa expressar-se livremente,
entrar em contato com seus sentimentos, e, na medida
do possível, possa aliviar a tensão e um pouco da dor
pela qual está passando.

Muitas vezes, o motivo da procura pelo Plantão


Psicológico não se refere apenas a angústias ou medos,
mas sim, pessoas que vêm em busca de um espaço para
se expressar, alguém para ouvi-las, ou mesmo, uma busca
por outras alternativas, como por exemplo: solução
146
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

para problemas de familiares ou terceiros, encami-


nhamento para outros profissionais etc.

Ressalta-se que, no Plantão Psicológico, o fator


tempo é fundamental, pois se busca equacionar a de-
manda das pessoas, com os recursos que o plantonista
e a instituição dispõem, em uma única sessão. Essa
proposta cria uma situação peculiar: o plantonista não
acompanha o desenrolar do processo.

A oportunidade de experiênciar o atendimento


no Plantão Psicológico, traz em si a possibilidade de
entrar em contato com “Tem sido um desafio constante
praticar o que aprendemos durante o estágio. A expe-
riência de aprender nessa abordagem tem me mostrado
caminhos que antes pareciam mais obstáculos”.

“Atender na Abordagem, mostrou-me o que é


‘estar genuinamente com alguém’, considerando-se
todas as peculiaridades. Requer que você esteja
“inteiro”, pois, todo o trabalho desenvolve-se a partir
desta relação”.

“Acreditar na capacidade de crescimento do ser


humano é o primeiro passo para o atendimento na
Abordagem Rogeriana, que com certeza deve permear
todo o processo terapêutico”.

“Propicia uma nova visão do atendimento clí-


nico particularmente no que se refere ao poder do
terapeuta no processo, pois há ênfase na capacidade
que o próprio indivíduo tem para o crescimento”.

“No início foi difícil atender na Abordagem


Rogeriana e compreender qual seria o meu papel frente
às colocações do cliente e muitas dúvidas surgiram,
mas estas foram ficando mais claras à medida em
que eu experienciava a relação terapêutica e observava
as conseqüências de minhas atitudes”.
147
Plantão Psicológico: novos horizontes

“Há muito tempo, eu desejava atuar na Abor-


dagem Rogeriana, finalmente, este ano pude concre-
tizar minhas aspirações. E, confesso, tem sido melhor
do que eu imaginava. Rogers é mesmo incrível... As
situações de aprendizado e crescimento são constan-
tes, seja nas supervisões, nas discussões dos textos,
no atendimento, no progresso do cliente, etc. Passamos
por momentos inesquecíveis e de valor inestimável” .

“A oportunidade de participar de um grupo em


que “abrimos uma roda” e compartilhamos o estudo
e o atendimento clínico na perspectiva rogeriana foi
uma experiência valiosa por diversas razões. Em
especial, pela possibilidade de aprender da compreen-
são teórica e clínica de Rogers em um espaço que
podemos ouvir e dizer as histórias reais de que passa-
mos a fazer parte quando somos psicoterapeutas”
.diferentes experiências de interação: quanto a faixa
etária, nível sócio-econômico e cultural, queixas, etc.
Conseqüentemente, amplia a vivência clínica do aluno
de 5o ano.

A experiência como plantonista possibilita ainda


uma plasticidade quanto às perspectivas profissionais,
no sentido de viabilizar futuras aplicações deste modelo
de pronto atendimento em outros contextos.

148
Plantão Psicológico em Clínica-Escola

BIBLIOGRAFIA:

ANCONA-LOPEZ, S. A Porta de Entrada: da entrevista


de triagem à consulta psicológica. Tese de Doutorado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP,
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BLEGER, J. Psico-Higiene e Psicologia Institu-


cional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

CAMPOS, G.W.S. Reforma da reforma; repen-


sando a saúde. São Paulo: Huicitec, 1992.

CURY, Vera E. Abordagem Centrada na Pessoa: um estudo


sobre as implicações dos trabalhos com grupos intensivos para
a terapia centrada no cliente. Tese de Doutorado.
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas, 1993.

GIORGI, Amedeo A phenomenological perspective


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Phenomenological Psychology, 25 (2): 190-220,
1994.

MACEDO, R. M.(org.) Psicologia e Instituição:


novas formas de atendimento. São Paulo : Cortez,
1986.

MAHFOUD, Miguel. A vivência de um desafio: plantão


psicológico. In: ROSENBERG, R.L. (org.). Aconse-
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Paulo: EPU, 1987, p. 75-83 (Série Temas Básicos
de Psicologia, vol. 21).

ROGERS, C. R. A Way of Being . Boston,


Massachusetts: Houghton Mifflin, 1980.
149
Plantão Psicológico: novos horizontes

ROSENBERG, Rachel L. (Org.). Aconselhamento


Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU,
1987 (Série Temas Básicos de Psicologia, Vol. 21).

WOOD, J.K. et alii (Org.s) Abordagem Centrada


na Pessoa. 2ª ed., Vitória: Editora Fundação
Ceciliano Abel de Almeida / Universidade Federal
do Espírito Santo, 1995.

150
Psicólogos de plantão...
Vera Engler Cury

U m conjunto de atitudes ao abordar os


problemas de natureza emocional desenvolvido
pela Abordagem Centrada na Pessoa em suas
múltiplas aplicações – desde a psicoterapia indi-
vidual, passando pelos pequenos grupos intensivos
até os surpreendentes encontros de comunidade –
gerou também esta perspectiva de pronto aten-
dimento psicológico que ao longo destes capítulos
compartilhamos. E é esta mesma vinculação aos
pressupostos teórico-filosóficos da Psicologia Hu-
manista, através de um de seus mais ilustres ex-
poentes, Dr. Carl Ransom Rogers, que tem possi-
bilitado um processo genuíno de troca de experiên-
cias, gerando afinidades, a despeito das diferenças
quanto a contextos e propostas numa realidade
sócio-cultural que nos instiga, a despeito de toda a
perplexidade.
Respeitosamente, os plantonistas aguardam por
seus clientes, sem saber quem serão, o que os trará,
151
Plantão Psicológico: novos horizontes

como ajudá-los... Quando chegam, repete-se um


encontro feito de apertos de mão, olhares, conversas...
e assim, despretensiosamente, atitudes simples de
acolhimento trazem de volta a magia dos rituais: de
homens primitivos ao redor de fogueiras ancestrais
até a comovida cumplicidade destes momentos
refazem-se os elos históricos de nossa humanidade
em processo de vida. Estas são horas solenes porque
nos tornam a todos mais humanos e este mesmo ritual,
que ao ser reencenado perpetua valores e crenças,
paradoxalmente tem o dom de transformá-los. E desta
mesma sociedade exaurida por inúmeros conflitos,
sacudida por atos violentos, por vezes tão injusta com
as minorias e tão complacente com os tiranos, surgem
ainda ideais, “sonhos de um mundo mais livre e de
uma psicologia mais justa”.
Cabe-nos como psicólogos, neste novo século
que se anuncia, a difícil convivência com a AIDS, com
a miséria da alienação, com a dor suprema da perda
de contato do homem com seus vizinhos – em nome
de uma absurda supremacia étnica; porém é nosso
também o prazer de uma intimidade ímpar e a indes-
critível alegria de compartilhar a retomada da consciên-
cia e da autonomia. Desdenhamos as bolas de cristal,
pois é pobre adivinhar quando se pode chegar bem
perto e ao ouvir o outro sentir os ecos de uma empatia
revisitada, bebendo da própria fonte. A verdadeira
sabedoria não reside no domínio dos fatos, mas sim
no incrível mistério de compartilhar com as pessoas a
jornada que as levará ao encontro consigo mesmas e
da qual emergem fortalecidas.
Não podemos nos omitir ante uma América
Latina atormentada por tantas dificuldades. Para ta-
refa tão complexa, nosso compromisso enquanto
profissionais e cidadãos faz-se urgente e impres-
cindível, já que a Psicologia é por excelência a ciência
que privilegia os afetos, os vínculos, a integração
152
Psicólogos de plantão...

do indivíduo com o contexto sócio-cultural que o


coletiviza e lhe confere o sentido de pertinência. Num
cenário em que sanidade e loucura parecem não ter
fronteiras definidas, ainda é nossa a tarefa de criar
encontros que sejam mais do que simples trocas de
palavras; cabe-nos a missão de transformar o mundo
através de trabalhos empreendidos em salas de aula,
consultórios de psicoterapia, empresas, centros comu-
nitários, presídios, favelas, hospitais, centros de saúde,
ou até mesmo nas ruas.
Há, por outro lado, questionamentos de ordem
ética que incidem sobre os atendimentos institucionais:

“em toda a área de saúde mental questionam-se hoje os


objetivos e os efeitos verdadeiros do atendimento insti-
tucional. Trata-se de definir, para além dos limites
explícitos, a quem, ou ao que, interessam os procedimentos
que são oferecidos ao público para seu bem-estar. A uma
análise cuidadosa, muitos fatos se revelam servindo antes
à manutenção da própria instituição do que aos seus
usuários.” (Rosenberg,1987).

Não devemos ingenuamente negligenciar tal


alerta; o psicólogo-plantonista deve responsabili-
zar-se pela forma como as diversas instituições
compreendem e inserem o serviço do Plantão Psico-
lógico, mantendo para tanto a necessária lucidez
quanto à ideologia vigente e impedindo que esta prá-
tica sirva aos interesses daqueles que pretendem pela
multiplicidade de mode-los de atendimento, apenas
mascarar as diferenças e ludibriar a população, substi-
tuindo a necessidade real de tratamentos psicológicos
pelo oferecimento de serviços e técnicas de caráter
amadorístico e sem embasamento teórico. O risco está
em nos aliarmos a uma visão poderosamente discri-
minadora que vincula a quantificação dos atendimentos
à eficiência do modelo institucional.
153
Plantão Psicológico: novos horizontes

Os mestres que nos precederam – Abe Maslow,


Carl Rogers, Rachel Rosenberg – tinham em comum
a coragem para superar os dogmas e o entusiasmo
para buscar o inédito. As teorias são necessárias mas,
com o tempo, tornam-se mistificadas; retomar os
questionamentos, redescobrir seus significados, atua-
lizar seus objetivos, impedi-las de cristalizar, eis o maior
empreendimento do pesquisador, pois como sabemos
toda cronificação é um obstáculo ao crescimento. O
conhecimento não é algo linear, a aprendizagem só
ocorre quando nos interessamos profundamente pelo
objeto de estudo. E que estranho objeto é o nosso: mer-
gulhamos no outro para emergirmos mais conscientes
de nós mesmos. Confiar em nossos clientes nos ensina
a ter fé na possibilidade de um mundo mais humano.
Pessoas desrespeitadas tornam-se violentas, mas aque-
las a quem foi outorgado o privilégio de uma escuta
respeitosa geram novos ventos para atitudes mais soli-
dárias e altruístas.
A despeito de tudo isto, estamos de plantão,
de maneira ativa e pertinaz! Esta parece ser uma alter-
nativa suficientemente contemporânea para levar
nossos estagiários ao encontro desta que nos cabe
como realidade, neste tempo e neste país. Já não se
pode mais esperar pelas “revoluções silenciosas” que
embalaram os sonhos do compenetrado Carl. Uma
ética das relações interpessoais, sutil mas poderosa,
feita de pequenos gestos e acenos suaves, simples e
ainda assim determinada, parece conduzir os projetos
do Plantão Psicológico aqui comunicados.
Que esta conversa-diálogo, por onde transitam
nossos testemunhos e crenças, possa contar a você,
leitor, um pouco de nossa alma de aventureiros,
crédulos demais para desacreditar da dignidade
humana, irremediavelmente psicólogos para dar de
ombros quando as instituições criadas para ajudar
pessoas já não sabem mais reconhecer seus apelos.
154
Psicólogos de plantão...

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ROSENBERG, Rachel L. (Org.) Aconselha-


mento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo:
EPU, 1987 (Série Temas Básicos de Psicologia, Vol. 21).

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Plantão Psicológico: novos horizontes

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