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DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
autoras
MARIA ALEJANDRA LEAL
LETÍCIA FONSECA
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial luis claudio dallier; roberto paes; gladis linhares; karen
bortoloti; marília gomes godinho
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
isbn: 978-85-60923-57-1
cdd 372.41
Prefácio 7
Objetivos 46
2.1 Bases teóricas para alfabetização 47
2.1.1 Concepção tradicional / empirista para alfabetizar 48
2.1.2 Bases da Teoria Cognitivista e Sócio-Interacionista para alfabet-
ização: Influências de Piaget e Vygotsky. 50
2.2 A Psicogênese da Escrita – Emília Ferreiro e Anna Teberosky 52
2.3 A genética da escrita: Compreendendo as representações icônicas
não icônicas 57
2.3.1 Hipóteses e quantidade mínima de grafia 60
2.3.2 Hipótese pré-silábica 60
2.3.3 Hipótese silábica 63
2.3.4 Hipótese alfabética 63
Atividade 64
Reflexão 65
Referências bibliográficas 74
Referências bibliográficas 75
3. Práticas de Alfabetização:
Alfabetizar Letrando 77
Objetivos 78
3.1 Alfabetização e Letramento: Contexto histórico e definições 79
3.2 O que é Alfabetizar letrando? 89
3.3 Organizando um ambiente alfabetizador 92
Atividades 97
Reflexão 98
Referências bibliográficas 98
Objetivos 102
4.1 Ser leitor: Compreendendo e desenvolvendo
a prática da leitura 103
4.2 Atividade de leitura: Objetivos, estratégias
e conhecimentos prévios 106
4.3 Formação de leitores em espaços escolares e não escolares. 117
4.4 Acompanhando a evolução da leitura:
Atividades através de estratégias 119
Atividade 122
Reflexão 122
Referências bibliográficas 128
Referências bibliográficas 129
Objetivos 132
5.1 Avaliar ou acompanhar? Refletindo sobre
acompanhamento do processo alfabetizador 133
5.1.1 Avaliação inicial dos procedimentos de escrita e leitura:
Acompanhando evoluções. 135
5.2 Habilidades e competências do professor
alfabetizador contemporâneo 142
Atividade 148
Referências bibliográficas 152
Gabarito 152
Prefácio
Prezados(as) alunos(as)
7
processos, das concepções e dos fatores que envolvem a dinâmica da alfabeti-
zação e letramento.
É preciso conhecer a si mesmo, o aluno, os instrumentos teóricos e práticos
do exercício docente. Enfim, é preciso aprender a ser e continuamente apren-
der a ser professor alfabetizador. Por tudo isso, futuro professor alfabetizador,
convidamos você a participar direta e ativamente de sua própria formação,
aproveitando todas as oportunidades de leitura, estudo, questionamentos, ex-
pressões de suas concepções para que a disciplina seja bem aproveitada, con-
tribuindo de forma satisfatória com a sua formação.
Em cada capítulo vocês poderão entrar em contato com especificidades e
importantes pontos que envolvem o processo alfabetizador, de modo a articu-
lar as teorias e fundamentos históricos que embasam a prática da alfabetização
de forma reflexiva e crítica.
Bons estudos!
1
Alfabetização:
Métodos e
Contexto Histórico
Neste capítulo veremos que a alfabetização é um fenômeno socialmente cons-
truído e, como uma construção social, é permeada por ideologias de base histó-
rica e por um conjunto de práticas comunicativas ligadas ao contexto. Portanto,
vamos refletir, a partir do desenvolvimento da história dos métodos de alfabe-
tização no Brasil, o conceito de alfabetização ao longo da história brasileira,
refletindo o conceito de mundo, sociedade, e de homem de acordo com o con-
texto social vigente em determinado momento histórico.
OBJETIVOS
O objetivo deste capítulo é proporcionar a compreensão do desenvolvimento da história dos
métodos de alfabetização no Brasil, refletindo sobre o contexto histórico que envolve cada
método, bem como o conceito de mundo, sociedade, e de homem de cada contexto social
vigente.
10 • capítulo 1
1.1 Alfabetização no Brasil: Métodos e
contexto histórico
[...] Até então, a história da escola e a história da alfabetização foram linhas sinuosas e
difusas que, se em algum momento se uniam e se confundiam, logo adiante mantinham
distância, marcando cada uma a sua independência: na maior parte das vezes, ensinar
a ler competia aos pais. p. 16
capítulo 1 • 11
Neste momento, surge também a preocupação de como alfabetizar. O mé-
todo Graser, por exemplo, ensinava primeiro as letras, as sílabas e, por fim, as
palavras. Outro método utilizado no Brasil, realizado por Scholtz, discípulo de
Graser, foi a combinação do método Graser com o método fonético: as crianças
traçavam as letras não dizendo os seus nomes, mas os seus sons.
Também, M. Shüler, baseado no método alemão de Lüben e Vogel, propôs
a utilização simultânea do método analítico-sintático, que compreendia o en-
sino por meio de palavra-chave com auxílio de cartaz com desenho correspon-
dente à letra a ser ensinada: desenho do sapo para ensinar a letra s com a pala-
vra-chave sapato. O famoso alfabeto ilustrado que ainda utilizamos.
De acordo com o contexto histórico que envolve as transformações e o sur-
gimento de novas necessidades sociais, culturais e político-ideológicas, a al-
fabetização foi se processando, foi se moldando de acordo com as exigências
vigentes, pois, no contexto republicano, a industrialização e a urbanização
trazem consigo novos valores e a necessidade de garantir a todos o mínimo de
instrução vinculada à ideia de estabilidade social pela classe dominante e de
ascensão social pela camada popular através do sucesso escolar. Vejamos:
12 • capítulo 1
Nesse sentido, a ação escolar não é dotada de poder ilimitado, pois age nos
estreitos limites do possível (o pedagógico), fato demonstrado pelo seu passado
de êxitos e fracassos.
Com a simultaneidade do ensino da leitura e escrita, com base no método
analítico-sintético, combinado com a lição de coisas (as gravuras), a Pedagogia
alcança, segundo afirmação de F. Buisson (em 1911), o maior aperfeiçoamento
técnico para o ensino das primeiras letras.
Com essa concepção, foi possível encontrar um esquema de trabalho esco-
lar em que o processo de alfabetização poder ser estendido às crianças do povo.
A escola, tal como foi concebida na época, se revela um excelente instru-
mento de alfabetização, pois era, ao mesmo tempo, eficaz (além de promover
uma técnica rudimentar de leitura, permitia a veiculação de novos valores), rá-
pida (um ano era suficiente), segura (permitia o controle diário de aprendiza-
gem) e, evidentemente, econômica. Era tudo o que os republicanos queriam.
(BARBOSA, 1994, texto tópico extraído da p. 20)
Diante das considerações do contexto social, podemos perceber que a ma-
neira de alfabetizar teve variações em razão das concepções de alfabetização
que despontavam no âmbito educacional em consonância com as necessida-
des da sociedade.
Em nossa contemporaneidade, mais uma vez, a concepção de alfabetiza-
ção passa por outra mudança muito significativa, porém vale lembrar que essa
concepção não significa abandono nem retrocesso do que já foi realizado neste
processo. Significa uma forma de percepção e compreensão da realidade con-
temporânea em virtude das necessidades sociais desta.
O contexto atual é marcado pela amplitude da necessidade de comunicação
e da grande variedade de materiais e instrumentos para tal.
Estamos inseridos numa sociedade globalizada, digital e cibernética mar-
cada pela comunicação sem fronteiras, na qual a informação e o conhecimento
são produzidos e veiculados freneticamente e a necessidade da leitura e inter-
pretação de nossa realidade é primordial em nossas relações sociais. Diante
disso, as escolas se colocam ao serviço da sociedade para alfabetizar letrando
as crianças para este contexto. Ou seja, “ensinar a ler e escrever no contexto
das práticas sociais da leitura e da escrita” (SOARES, 1998, p. 47). Esta é a nova
perspectiva de alfabetização, a relação simultânea da oralidade e da escrita me-
diante a vivência prática da leitura e da escrita.
capítulo 1 • 13
Tfouni (1995) considera que a relação entre a escrita e a oralidade não
é uma relação de dependência da primeira para com a segunda, mas de
interdependência, em que ambos os sistemas de representação se in-
fluenciam mutuamente. Esse entendimento, que vai à direção de um
continuum interativo da oralidade com a escrita, é extremamente importante
para nós, educadores, uma vez que elimina as possíveis dicotomias existentes
entre os segmentos de ensino e que levam à crença de que às crianças pequenas
se deve oferecer o cuidado e a brincadeira, enquanto para as crianças da escola
formal o importante são as cartilhas e os exercícios que visam ao domínio da
leitura e da escrita.
Nesse novo entendimento do processo de alfabetização, podemos desen-
volver uma prática em que o letramento permeia o contexto dos berçários, dos
grupos de crianças da educação infantil e de toda a escola fundamental.
Alguns estudos recentes sobre a alfabetização destacam a relevância de
uma nova práxis que não se limita a um modelo linear e positivo de desenvol-
vimento, em que a meta é fazer com que a criança aprenda a usar e decodifi-
car sinais gráficos, saindo de um ponto “x” e chegando a um ponto “y”. O foco
recai em um movimento de aprendizagem que valoriza as práticas letradas e
a relação destas com as atividades sociais e culturais. Nessa perspectiva, a alfa-
betização é ligada a um amplo contexto, não se restringindo às horas-aula das
instituições educacionais e não relegando a um segundo plano a realidade do
alfabetizando.
Segundo as afirmações de Cook-Gumperz (2008), a alfabetização não pas-
sou a existir somente com a chegada da industrialização e com a escolarização
das massas. O trabalho de alguns historiadores sobre a cultura popular descre-
ve a existência de uma cultura letrada, bastante ativa, mesmo antes do século
XVIII e anterior ao surgimento da escolarização universal e compulsória. Nota-
se a presença de um movimento de alfabetização que afetava a vida das pessoas
comuns bem antes da industrialização. Por exemplo, cartas pessoais, diários,
anotações, registros, livros, panfletos, tratados políticos, almanaques, eram
parte frequente e essencial na vida cotidiana de várias das pessoas comuns, que
viviam em lares urbanos e rurais.
14 • capítulo 1
Como e por que essa cultura letrada ocorreu; por que razões os homens e as mulheres
comuns aprenderam a ler e, em um grau menor, a escrever? Nenhum fator único, con-
siderado sozinho, pode explicar porquê. Nem a necessidade econômica imposta pelos
acontecimentos comerciais ou industriais nem as escolas fundadas pela ordem supe-
rior para convencer, controlar ou, de alguma forma, moldar as classes trabalhadoras
podem explicar como a alfabetização se disseminou tanto. A adoção e o uso de uma
tecnologia como a escrita, por grande número de pessoas, não se explica apenas por
forças institucionais ou materiais. Pelo contrário, determinadas motivações para apren-
der a ler e escrever devem ser consideradas em termos da estrutura de significados
que tem definido a cultura popular desde o século XVI. As pessoas não se alfabetiza-
vam por esta ou aquela razão, mas porque eram cada vez mais tocadas, em todas as
áreas de suas vidas, pelo poder da comunicação, que somente a palavra escrita possibi-
lita. Portanto, havia uma motivação para ler e escrever: essas habilidades permitiam que
os homens e as mulheres funcionassem efetivamente em uma variedade de contextos
sociais. Isso explica por que, na ausência de escolas externas, cenários nativos eram
responsáveis pela criação e transmissão da alfabetização popular (LAQUEUR, 1976,
apud COOK-GUMPERZ, 2008, p. 37).
capítulo 1 • 15
Em contrapartida, havia também outras opiniões. Uma delas, bastante de-
fendida pelos capitalistas industriais, pautava-se na crença de que, se a escola-
rização fosse controlada e limitada, as autoridades poderiam usá-la para que os
trabalhadores aprendessem hábitos considerados melhores, tais como a assi-
duidade, a frugalidade, a bondade e a virtuosidade, isto é, hábitos necessários
à formação de uma força de trabalho industrial. Desenvolvida ainda no século
XVIII, houve uma linha ideológica de alfabetização que pressupunha que as ha-
bilidades letradas para todas as pessoas poderiam resultar em igualdade e em
possibilidade de nova ordem social e política (COOK-GUMPERZ, 2008).
Retornando ao cenário do século XIX, o grande objetivo da escolarização
em massa foi controlar a alfabetização, e não promovê-la. Em vez de expandir
as experiências de vida da classe trabalhadora, a escolarização agiu como uma
força social e burocrática. A alfabetização passou a ser ligada a um processo
de ensino e aprendizagem que enfatizava aspectos comportamentais e morais,
bem como a simples capacidade de codificar e decodificar escritos com fins
direcionados à preparação de uma força de trabalho industrial. O importante,
nesse cenário, era a disciplina, a moral e a aquisição de algumas competências
pontuais.
Conforme observa Cook-Gumperz (2008), essa nova alfabetização escola-
rizada foi diferenciada dos processos anteriores de alfabetização popular, di-
cotomizando esta última da cultura comum local. A consequência foi que as
pessoas comuns passaram a ter menos controle sobre seus próprios produtos
culturais.
Se houve um momento em que a ideologia da alfabetização esteve voltada
para uma utopia de igualdade e possibilidade de uma nova ordem social, as
mudanças históricas e sociais do século XIX estimularam uma ideologia de al-
fabetização em que o “esforço individual, o sucesso econômico e o avanço da al-
fabetização por meio da escolarização estavam necessariamente relacionados”
(COOK-GUMPERZ, 2008, p. 44).
Havia a crença numa fórmula que levaria à mobilidade econômica ascen-
dente e que representava o resultado da equação “alfabetização mais escola-
rização”. Os mais capazes conseguiriam alfabetizar-se e atingiriam o sucesso
educacional, tornar-se-iam pessoas letradas, mais bem-sucedidas e contribui-
riam para o progresso da sociedade. Os analfabetos, por sua vez, considerados
pessoas em desvantagem, inclusive intelectual, teriam menor probabilidade
16 • capítulo 1
de ascensão social, sendo o analfabetismo a causa de sua própria pobreza.
Portanto, a ideologia desse período, além de ligar a alfabetização e a escolariza-
ção à formação do indivíduo virtuoso, enfatizou a seletividade da transmissão
do conhecimento.
Em meados do século XX, a alfabetização foi institucionalizada como um
direito humano básico, por carta da UNESCO, o que lhe garantiu certa univer-
salização. Defendida a positividade de uma alfabetização para todos, podemos,
no entanto, questionar-nos a que ideal essa universalização efetivamente se
operou.
Segundo Cook-Gumperz (2008, p. 45), a ideologia alfabetizadora que fun-
damenta a escola no século XIX assume um novo caráter. De ponte para uma
virtude moral, a alfabetização passa a ser vista como uma habilidade cogniti-
va. Como uma forma de sistema de escrita, torna-se uma supratecnologia que
permite o desenvolvimento de outros modos de transmissão de informações.
Desse modo, não representa um meio de expressão da cultura ou o desenvolvi-
mento progressivo para as pessoas e as sociedades, mas uma “tecnologia fun-
damental sobre a qual se constroem as sociedades modernas”, uma “pré-con-
dição para qualquer mudança ou progresso futuro”. Difunde-se a ideia de que
“sem alfabetização não existe escolarização ou educação”.
Nessa concepção de que alfabetizar é a conquista de uma habilidade que
proporciona outros crescimentos cognitivos, sem a qual não é possível a reali-
zação de outras aprendizagens nem mesmo a avaliação de outras potencialida-
des, há uma burocratização ainda maior do processo alfabetizador, divorcian-
do, fortemente, as pessoas de qualquer base cultural e comunitária.
Na observação de Cook-Gumperz (2008, p. 49), o ato de relacionar a alfabe-
tização com as habilidades adquiridas por meio de uma escolarização tecno-
lógica gera, como consequência, a redução da aprendizagem das várias habili-
dades, incluindo a da alfabetização, “a um processo técnico que é considerado
socialmente neutro”. O paradigma psicométrico, procedente dessa ideologia,
firma a noção de que todas as habilidades cognitivas adquiridas por um proces-
so evolutivo universal podem ser definidas e mensuradas com precisão. Testes
padronizados indicam a falta de capacidade do indivíduo, e não apenas a falta
de aprendizagem ou de experiências sociais.
capítulo 1 • 17
O movimento de alfabetização é, então, entendido como aquele que pode
ser aprendido e adquirido em instituições especializadas e por meio do esfor-
ço individual. As pessoas menos prósperas nas realizações educacionais são
igualmente vistas como aquelas menos merecedoras de oportunidades sociais.
“Uma pessoa não alfabetizada consta como uma pessoa não educável” (COOK-
GUMPERZ, 2008, p. 45). O efeito dessas práticas de escolarização e alfabetiza-
ção é a manutenção de uma população estratificada e a ênfase na necessidade
de separar, seletivamente, os talentos individuais, para a ocupação de papéis
diferenciados na pirâmide social.
Para Cook-Gumperz (2008), desse movimento histórico, social e cultural
herdamos duas linhas de pedagogia baseadas no ideal de uma alfabetização
universal, que também exercem influência no modo como vemos e entende-
mos a sociedade e as oportunidades individuais. A primeira linha, pautada
numa perspectiva mais progressista, pressupõe que a escolarização traz bene-
fícios para as pessoas, possibilitando-lhes um desenvolvimento letrado. Nessa
visão, “o efeito benéfico da educação é aumentar o entendimento do indivíduo
e a sua capacidade de compreender e controlar uma quantidade maior de infor-
mações simbólicas”.
Além de promover a eficiência industrial e o progresso, a educação inter-
mediada pela alfabetização visa a proporcionar às pessoas um melhor uso de
suas vidas. Em termos sociais, a esperança é de melhora nos padrões de traba-
lho e da cultura, bem como a efetivação de condições mais igualitárias (COOK-
GUMPERZ, 2008, p. 50).
A segunda linha representa o crescimento da sofisticação tecnológica no
âmbito da prática educacional. Em outras palavras, tal visão é o resultado do
aperfeiçoamento das técnicas de testagem, que intencionam avaliações neu-
tras e objetivas das capacidades individuais, de modo que os objetivos educa-
cionais sejam diferenciados conforme as diferentes faixas de habilidades. Há
maior ênfase na elaboração de currículos concentrados na instrução individua-
lizada e na produção de resultados e testes que possam ser usados para pensar
o ensino e a aprendizagem. As habilidades técnicas adquiridas na escola são
objetos dos testes e das taxas de alfabetização.
Críticas a essas linhas sugerem, primeiramente, que deve haver cuidados na
ligação entre alfabetização e escolarização, pois pessoas que não tiveram opor-
tunidades de frequentar a escola podem vir a ser menos valorizadas e ser vistas
como indivíduos sem conhecimentos, portanto indivíduos iletrados. É preciso
18 • capítulo 1
atenção também para que os ritmos diferenciados no processo de alfabetiza-
ção não sejam rotulados de incapacidades.
Outro aspecto relevante recai na atenção para que maior liberdade em sala
de aula, ou a ênfase nas necessidades individuais, não resulte, em nível de um
currículo social oculto, num maior controle sobre a compreensão e as aprendi-
zagens culturais, reforçando as ordens sociais existentes.
A autora (COOK-GUMPERZ, 2008, p. 39) sumaria dizendo que não foi a es-
colarização que desenvolveu a alfabetização. Reforça que a alfabetização, ante-
rior aos interesses industriais e à escola para as massas, gerou o crescimento
de uma cultura comum ligada a movimentos por mudanças sociais. Para ela, a
equação entre a alfabetização e a escolarização é mutável e, por isso, é impor-
tante refletir criticamente sobre tal relação. Por fim, acrescenta que é possível
ter alfabetização sem escolarização, lembrando, no entanto, que as duas po-
dem potencializar-se quando realizadas conjunta, reflexiva e inteligentemente.
Muitas vezes, as competências técnicas que a escola tanto almeja são tra-
duzidas unicamente como resultado de padrões normativos e práticas prescri-
tivas. Nesse modo de pensar, as diferenças linguísticas das comunidades são
vistas como déficits sociolinguísticos e as vivências particulares, bem como os
significados e os sentidos experienciados num ambiente extraescolar, são ig-
noradas ou avaliadas e julgadas perante uma única norma.
capítulo 1 • 19
Cresce, assim, a importância de pensar a alfabetização como um movimen-
to que potencializa o desenvolvimento letrado da pessoa, de forma que a lin-
guagem seja usada para fins sociais mais amplos e significativos.
20 • capítulo 1
ler palavras formadas com tais sílabas, chegando, então, ao ensino de frases
isoladas ou agrupadas. A escrita limitava-se à caligrafia, à cópia, aos ditados e
à formação de frases com ênfase na ortografia e no desenho correto das letras.
As primeiras cartilhas brasileiras, produzidas no final do século XIX, tam-
bém se baseavam no método da marcha sintética e, nesse mesmo período, já
se podiam ver algumas disputas sobre diferentes formas de realização do mé-
todo do ensino da leitura, que podia ser iniciado a partir das letras ou, ainda,
da palavra.
O método da palavração, ou método João de Deus, foi bem difundido no
Brasil, a partir da década de 1880, e consistia em iniciar o ensino da leitura a
partir da palavra, para, depois, analisar os valores fonéticos das letras. Esse foi
um período em que a ênfase do ensino estava na questão do método, ou seja,
no como ensinar “metodicamente”, relacionado com o quê ensinar no âmbito
do método escolhido.
Com a Proclamação da República, a educação ganhou definitivo des-
taque, representando a esperança e a utopia da modernidade. Tornou-se
um espaço institucionalizado, com um processo sistemático de ensino
das práticas de leitura e de escrita. Diante da necessidade de instauração
de uma nova ordem política e social, o ensino da leitura e da escrita tornou-
-se um meio privilegiado para a aquisição do saber, para o esclarecimento das
massas iletradas e para o desenvolvimento social.
Na primeira década republicana, a partir de 1890, professores formados
pela Escola Normal de São Paulo, reorganizada em meio à reforma da instrução
pública no estado de São Paulo, passaram a defender o método analítico para o
ensino da leitura, o qual também foi disseminado a outros estados brasileiros e
tornado obrigatório nas escolas públicas paulistas.
O método analítico, de forte influência da pedagogia norte-americana, ba-
seava-se numa nova concepção de criança. Sendo a criança o ponto de partida
do método e sabendo que ela apreende o mundo de forma sincrética, define-se
que o ensino deveria adaptar-se às necessidades biopsicológica dos aprendi-
zes. Assim, no método analítico, o ensino da leitura deveria começar pelo todo
para depois chegar à análise das partes constitutivas. Os modos de implanta-
ção do método foram diferenciando-se, dependendo do que os seus defensores
consideravam como sendo o todo, a palavra, a sentença ou a historieta. Mas,
de modo geral, priorizou-se a historieta como sendo o ponto de partida para o
ensino da leitura.
capítulo 1 • 21
As cartilhas produzidas no início do século XX também passaram a fun-
damentar-se nas concepções do método analítico. Com a difusão desse novo
método, iniciou-se uma acirrada disputa entre os partidários do modo analíti-
co de ensinar e os que ainda defendiam e utilizavam os tradicionais métodos
sintéticos. Apesar das divergências, a ênfase do ensino continuou a incidir na
leitura, uma vez que o ensino inicial da escrita era visto como uma “questão
de caligrafia (vertical ou horizontal) e de tipo de letra a ser usado (manuscrita
ou de imprensa, maiúscula ou minúscula), o que demandava treino, mediante
exercícios de cópia e ditado” (MORTATTI, 2006, p. 8).
No final década de 1910, o termo alfabetização começou a ser usado refe-
rindo-se ao ensino inicial da leitura e da escrita. Se o debate, no final do século
XIX, focava a questão do método, nas primeiras décadas da República, o centro
das discussões recai em questões didáticas subordinadas às questões de ordem
psicológica da criança. A problemática passou a ser como ensinar, tendo em
vista as habilidades visuais, auditivas e motoras das crianças.
Com os ideais da autonomia didática proposta pela Reforma Sampaio Dória
na década de 1920, aumentam as resistências dos professores quanto à adoção
do método analítico. Na busca de novas propostas e soluções para os proble-
mas do ensino da alfabetização, surgem os métodos mistos ou ecléticos. A ideia
foi conciliar os dois tipos básicos de ensino da leitura e da escrita, ou seja, rea-
lizar um ensino analítico-sintético ou vice-versa.
As disputas não acabaram, mas foram suavizadas, porque a ênfase no mé-
todo deixou de ser tão central. “O aporte teórico presente na obra Testes ABC
para verificação a maturidade necessária à aprendizagem da leitura e escrita,
de Lourenço Filho, original de 1934, apresentou novas e revolucionárias ba-
ses psicológicas para alfabetização (BERTOLLETTI, 1997).”
Nesse livro, o autor apresenta resultados de pesquisas com alunos de 1º grau (atual 1ª
série do ensino fundamental), que realizou com o objetivo de buscar soluções para as
dificuldades de nossas crianças no aprendizado da leitura e da escrita. Propõe, então,
as oito provas que compõem os testes ABC, como forma de medir o nível de maturida-
de necessária ao aprendizado da leitura e de escrita, a fim de classificar os alfabetizan-
dos, visando à organização de classes homogêneas e à racionalização e à eficácia da
alfabetização (MORTATTI, 2006, p. 9).
22 • capítulo 1
A alfabetização passou a envolver a questão da medida e o método subordi-
nou-se ao nível de maturidade das crianças separadas em classes homogêne-
as. Mas, embora as bases teóricas fossem outras, permaneceu a função instru-
mental do ensino e da aprendizagem da leitura, que continuava a ser entendida
como habilidade visual, auditiva e motora. A escrita manteve-se como habili-
dade caligráfica e ortográfica a ser ensinada simultaneamente à habilidade da
leitura.
As cartilhas de alfabetização desse período passam, então, a fundamentar-
se nos métodos mistos ou ecléticos, havendo, também, a produção de manuais
do professor, que acompanhariam as cartilhas e serviriam de guia à prática do
alfabetizador. A centralidade da alfabetização, nesse período que se estende até
a década de 1970, pautou-se, portanto, nas questões de ordem didática – como
ensinar –, que são subordinadas às questões de ordem psicológica, ou seja, à
maturidade da criança – a quem se ensina (MORTATTI, 2006).
No início da década de 1980, novas urgências políticas e sociais suscitaram
a necessidade de novas mudanças na educação, em particular o enfrentamen-
to do fracasso da escola na alfabetização das crianças. Segundo Patto (1999),
a pesquisa educacional nesse período concluiu haver uma distância cultural
entre a escola e a sua clientela majoritária; uma distância bem evidente nas ca-
racterísticas do material didático, dos conteúdos e da linguagem, que se apre-
sentavam como estranhos à criança. Nas discussões sobre alfabetização, tam-
bém se chegou à conclusão de que as formas e os conteúdos do ensino estavam
distantes da realidade concreta da criança.
Mortatti (2006) menciona que, como correlato teórico-metodológico na
busca de soluções para a problemática educacional, introduziu-se, no país, o
pensamento construtivista sobre alfabetização, decorrente de estudos realiza-
dos pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro e colaboradores sobre a psi-
cogênese da língua escrita. O construtivismo apresentou-se, então, não como
um método novo, mas como uma revolução conceitual que demandava o aban-
dono das teorias e das práticas tradicionais. A partir de então, há um grande
esforço, por parte de autoridades educacionais e de pesquisadores acadêmicos,
para convencer os alfabetizadores de certa apropriação do construtivismo, ga-
rantindo, dessa forma, a institucionalização dessa concepção na rede pública
de ensino. Foi um período de divulgação massiva de artigos, de teses acadêmi-
cas, de livros, de vídeos, de cartilhas, de sugestões metodológicas e de relatos
capítulo 1 • 23
de experiências. Atualmente, temos, em nível nacional, a institucionalização
do construtivismo na alfabetização, como pode ser verificado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs).
A entrada do construtivismo no âmbito educacional faz emergir uma forte
disputa entre os seus partidários e os defensores (nem sempre confessos) dos
métodos tradicionais (em especial, o misto ou eclético), os quais também eram
a favor das tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de matu-
ridade, para a classificação dos alfabetizandos. Novamente, surge outro tipo de
ecletismo processual e conceitual em alfabetização.
Mortatti (2006, p. 12) observa que, nesse período da década de 1980, tam-
bém houve a emergência do pensamento interacionista em alfabetização, que,
gradativamente, ganhou destaque e gerou certa disputa entre os seus defenso-
res e os defensores do construtivismo. Essa nova disputa dilui-se, à medida que
alguns aspectos de “certa apropriação do interacionismo foram sendo concilia-
dos com certa apropriação do construtivismo, apropriação que, de certo modo,
foi subsumida no discurso institucional sobre alfabetização”.
Como visto, ao longo do período histórico, houve uma recorrente mudança
discursiva no âmbito da disputa pela hegemonia de certos métodos de alfabe-
tização. Cada mudança discursiva, cada nova implantação metódica significou
a necessidade de produzir uma versão do que é tradicional, desqualificando-o,
pois havia o temor de que o que era considerado passado e antigo pudesse gerar
uma herança incômoda capaz de impor resistências à fundação do novo.
24 • capítulo 1
No entanto, segundo Mortatti (2006), se houve desejos de mudanças ao lon-
go da história, também pode-se notar permanências e semelhanças, que indi-
cam continuidades entre os diferentes momentos. Dentre as semelhanças e as
permanências, fica a questão do método, pois se percebe que, mesmo postu-
lando a mudança de métodos, há um eixo central, uma preocupação que per-
passa o tempo e que indica que a eficácia da alfabetização é uma questão de
método. Tem-se, também, a permanência da psicologia como base teórica que
direciona grande parte das discussões sobre o ensino da leitura e da escrita.
O movimento histórico da alfabetização no Brasil evidencia, assim, que a
desejada ruptura com a tradição, muitas vezes, processa-se somente no nível
da base das elaborações conceituais, permanecendo, na prática, certos ideais
do passado. Observa-se, igualmente, que o interesse pela alfabetização aparece
de forma autônoma, objetivando a consolidação de projetos políticos e sociais
decorrentes das urgências de determinada época. Como consequência, a alfa-
betização continua a ser entendida como o aspecto mais complexo da relação
problemática entre educação e modernidade, fazendo do ensino-aprendiza-
gem da língua escrita, na fase inicial de escolarização, um índice de medida e
de testagem da eficiência da ação modernizadora da educação contra o que é
primitivo ou bárbaro.
Como observa Mortatti (2006, p. 14), atualmente, a discussão sobre os méto-
dos de alfabetização também é algo bastante presente. Para a autora, esse não é
um debate novo e “tampouco se trata de pensar que, isoladamente, um método
possa resolver os problemas da alfabetização”. “Se, por um lado, a questão do
método é importante, ela não é a única nem a mais relevante; é apenas um dos
aspectos de uma teoria educacional relacionada com uma teoria do conheci-
mento e com um projeto político e social”.
Não dá para supor que totais rupturas com o passado, ou o seu resgate sau-
dosista, são o caminho para projetar o futuro.
É preciso conhecer aquilo que constitui e já constituiu os modos de pensar,
de sentir, de querer e de agir de gerações de professores alfabetizadores (mas
não apenas), especialmente para compreendermos o que desse passado insiste
em permanecer. Pois é justamente nas permanências, especialmente as silen-
ciadas ou silenciosas, mas operantes, e nos retornos ruidosos e salvacionistas,
mas simplistas e apenas travestidos de novo, que se encontram as maiores re-
sistências. E é também de seu conhecimento que se podem engendrar as reais
capítulo 1 • 25
possibilidades de encaminhamento das mudanças necessárias, em defesa do
direito de nossas crianças de ingressarem no mundo novo da cultura letrada,
o qual, embora há mais de um século prometido, vem sendo, veladamente,
proibido a muitas delas, que não conseguem aprender a ler e a escrever. Em
defesa, enfim, de seu direito de, por meio da conquista da leitura e da escrita, e,
sobretudo, de seu sentido, não serem submetidas apenas ao dever de aprender
a, codificar e decodificar signos linguísticos, na ilusão de um dia (quem sabe?)
poderem finalmente ler e escrever, se permanecerem na escola e se alguém
lhes ensinar de fato; em defesa de seu direito de, por meio da conquista do sen-
tido da leitura e da escrita, ser resgatadas do abandono a escuridão e a solidão e
não capitularem frente à proibição de ingressarem no novo mundo prometido
(MORTATTI, 2006, p. 15).
Dado o exposto até o momento, cabe a nós, professores, acompanhar aten-
tamente o progresso dos alunos para melhor conduzir o processo de alfabetiza-
ção, utilizando, desta forma, a metodologia adequada mediante o conteúdo, o
objetivo e o desempenho das crianças.
O que quero dizer é que não há uma metodologia eficaz, mas metodologias
adequadas para o contexto do processo de ensino e aprendizagem. Não há um
manual pronto, acabado, de como realizar determinada prática, pois toda prá-
tica deve ser fruto de reflexões do fazer pedagógico.
26 • capítulo 1
dantes era, porém não deixando de considerar o seu objetivo primeiro: ler e es-
crever, agora no contexto contemporâneo, valorizando no ler e escrever: quem,
o quê, para quê e como.
Vemos, então, que o conhecimento do professor de abordagem prática
e teórica sobre o processo de ensino e aprendizagem da linguagem também
avançou, ou melhor, tornou-se mais profundo e complexo, porque muitas são
as contribuições das ciências humanas que vêm agregando conhecimentos e
contribuições sobre a aprendizagem do ato de ler e escrever, como, por exem-
plo, a linguística, a sociolinguística, a psicolinguística, a filosofia, a antropolo-
gia articuladas ao processo de cultura, ideologia, política e socioeconomia da
sociedade global de que fazemos parte.
capítulo 1 • 27
Como consequência, há, na história, repetidos esforços de mudança impul-
sionados pela superação do que se considera como “tradicional” e, portanto,
responsável pelo fracasso da escola em alfabetizar. Por muito tempo, quase um
século, relata Mortatti (2006), os esforços concentraram-se na mudança dos
métodos, o que acirrou a disputa entre os que se consideravam portadores de
um modelo novo e revolucionário e os que continuavam a defender os méto-
dos considerados antigos e tradicionais. A partir das últimas décadas, a ênfase
na questão dos métodos tornou-se tradicional e os problemas da alfabetização
passaram a ser pensados no âmbito das políticas públicas, por meio da com-
preensão do processo de aprendizagem da criança, da psicogênese da língua
escrita, dentre outros pontos de vista.
Essas disputas históricas sobre o novo e o tradicional, segundo Motatti
(2006), levam-nos a pensar sobre o que realmente é esse “tradicional”, quanto
desse “tradicional” permanece nas práticas alfabetizadoras, mesmo quando a
intenção é a superação, ou, ainda, como dialogam a tradição e os repetidos es-
forços de mudança.
O tema da alfabetização no século XXI, tem sido considerado como uma
área de estudo produto de diversas pesquisas e trabalhos realizados. Segundo
Mortatti (2011):
28 • capítulo 1
Envolvendo, para sua compreensão, diferentes áreas/campos/disciplinas do conheci-
mento (Didática, Pedagogia, Linguística, História, Psicologia, Psicolinguística, Neuroci-
ências, “áreas médicas”), suas múltiplas facetas também se relacionam, “individualmen-
te”, com outras múltiplas facetas de outros fenômenos estudados nas diferentes áreas/
mantém relações/interfaces (MORTATTI, 2011, p.08).
capítulo 1 • 29
Assim, o aspecto multifacetado da alfabetização vem sendo incorporado
nas mais diversas funcionalidades, principalmente quando se compreende
esta prática como engendrada em um contexto mais amplo, que não culpabili-
za, ora a criança, ora o método de trabalho.
Deixa-se de discutir como eixo central se um método é mais eficaz que ou-
tro para colocar a aprendizagem da criança em foco. Percebe-se assim a ascen-
são de novas ideias, uma revolução conceitual que demanda o abandono das
teorias e práticas tradicionais.
Neste momento os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) emergem,
não como métodos de trabalho, mas como guia para postura e organização da
prática alfabetizadora, apontando o construtivismo como um novo postulado
teórico para alfabetização.
Vale ressaltar que muito embora a emergência deste novo conceito de alfa-
betização é constantemente entendida como ruptura com tudo que já foi feito,
e muitas vezes, isso processa-se somente no nível da base das elaborações con-
ceituais, permanecendo, na prática, certos ideais do passado, o que deve ser
repensado.
A partir desta nova perspectiva, acredita-se que não há uma única meto-
dologia eficaz mas sim diversas metodologias adequadas para o contexto do
processo de ensino e aprendizagem, o que pressupõe-se que não há manual
pronto, mas que toda prática deve ser fruto de reflexões do fazer pedagógico.
Portanto, a total ruptura com o passado ou o seu resgate saudosista, am-
bos de postura radicais, não são o caminho para projetar o futuro. Cabe a nós
professores: Acompanhar o processo de alfabetização, utilizando metodologia
adequada diante do: conteúdo, do objetivo e do desempenho dos alunos.
ATIVIDADES
01. Escreva um comentário sobre o primeiro princípio do modelo do construtivismo, lem-
brando-se de que este não é um método de alfabetização, mas um modelo de ensino da
linguagem e de alfabetização – segundo Teberosky e Colmer – que impactou a concepção
de alfabetização na América Latina, principalmente no Brasil.
“O primeiro princípio construtivista é teórico. Consiste em orientar as estratégias de ensino
em função da convicção dos professores de que seus alunos não partem do zero, e sim de
que têm conhecimentos prévios construídos, a partir dos quais se devem criar pontes para
as novas aprendizagens”.
30 • capítulo 1
02. Hoje, a grande maioria das escolas não utiliza as cartilhas como principal material meto-
dológico de alfabetização; utilizam livros didáticos que as substituíram. Diante disso, pesquise
o material utilizado pelas professoras das séries de alfabetização (1º e 2º ano do Ensino
Fundamental) e proceda com a seguinte análise:
1. Os textos do livro didático fazem parte do contexto das crianças?
2. Os textos têm alguma proximidade com a linguagem cotidiana da criança?
3. Há ilustrações? Elas explicam, complementam ou servem de pretexto ao texto?
4. Os exercícios propostos visam à compreensão do texto? Como?
5. O livro leva em conta o conhecimento que a criança já possui sobre leitura?
6. Há ênfase no significado do texto ou na mecânica da leitura?
7. Apresente três aspectos positivos e três negativos do livro didático que você analisou.
REFLEXÃO
Inovar, superar o tradicional, melhorar a prática, significa romper com tudo o que já foi feito?
Ou inovar e ter novos projetos para o futuro representa a reflexão sobre o passado, o levan-
tamento de hipóteses sobre o que pode ser feito diferentemente, seguido de um plano de
ações que visam à resignificação? Esses parecem questionamentos importantes, quando
pensamos nos métodos de alfabetização que fundamentarão a nossa prática educativa, bem
como quando se pensa sobre políticas de alfabetização. Se a história nos mostra que não há
um sentido de ler e de escrever baseado em “verdades” científicas, fixas e definitivas, talvez
possamos inferir que a questão metodológica é, também, um aspecto educativo que não
pretende indicar modelos rígidos e invariáveis. Por isso, torna-se relevante uma formação
que capacite o professor para a organização de situações de aprendizagem que partam de
uma análise reflexiva do momento de alfabetização em que está cada um de seus alunos,
para que, a partir dessa realidade, possa fazer uso de métodos e de práticas alfabetizadoras.
LEITURA
Para aprofundar a discussão realizada neste capítulo realizem a leitura do livro:
MORTATTI, M. R. L. (org). Alfabetização no Brasil: Uma história de sua história. São
Paulo: Cultura acadêmica, Marília, 2011.
capítulo 1 • 31
Cadernos CEDES
ISSN 0101-3262 versão impressa
Cad. CEDES v.20 n.52 Campinas nov. 2000.
Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secular
Maria do Rosário Longo Mortatti*
Resumo: No Brasil, a partir da última década do século XIX, com a organização republi-
cana da instrução pública, observa-se o início de um movimento de escolarização das práti-
cas de leitura e de escrita, bem como de identificação entre o processo de ensino inicial des-
sas práticas e a questão dos métodos. A partir de então, a cartilha vai-se consolidando como
um imprescindível instrumento de concretização dos métodos propostos e, em decorrência,
de configuração de determinado conteúdo de ensino, assim como de certas silenciosas, mas
operantes, concepções de alfabetização, de leitura, de escrita e de texto, cuja finalidade e
cuja utilidade se encerram nos limites da própria escola e cuja permanência se pode observar
até os dias atuais. O objetivo deste artigo é, mediante análise dessas questões, problematizar
a relação entre cartilha de alfabetização e cultura escolar e seus desdobramentos na história
da educação e da alfabetização em nosso país.
Palavras-chave: cartilha, alfabetização, ensino da leitura, cultura escolar, história da
alfabetização
1. Necessidade apontada desde o final do século XIX no Brasil, o processo de nacionali-
zação do livro didático – produzido por brasileiros e adequado à realidade brasileira – acom-
panha, pari passu, o anseio de organização republicana da instrução pública e, simultane-
amente, faz-se acompanhar do surgimento e da expansão do mercado editorial brasileiro,
que, na escola, encontra espaço privilegiado de circulação e público consumidor de seus
produtos.
No entrecruzamento desses anseios e dessas iniciativas, o ensino inicial da leitura5 é
tomado como problema estratégico, tornando-se um importante índice para medir a eficácia
da escola em relação ao cumprimento da promessa com que acena às novas gerações e que
a caracteriza e justifica: o acesso ao mundo público da cultura letrada. Inicia-se, assim, um
movimento de escolarização das práticas culturais de leitura e de escrita e sua identificação
com a questão dos métodos de ensino. Lugar de destaque passa, então, a ocupar as tema-
tizações, as normatizações e as concretizações sobre esse ensino e sobre um tipo particular
32 • capítulo 1
de livro didático, a cartilha, na qual se encontram o método a ser seguido e a matéria a ser
ensinada, de acordo com certo programa oficial estabelecido previamente.
Embora, já na segunda metade do século XIX, encontrem-se cartilhas produzidas por
brasileiros, o impulso nacionalizante nessa área faz-se sentir, especialmente em alguns esta-
dos, a partir da década de 1890, solidificando-se nas primeiras déc adas do século XX, quan-
do se observa o engendramento de fenômenos correlatos: apoio de editores e especializa-
ção de editoras na publicação desse tipo de livro didático; surgimento de um tipo específico
de escritor didático profissional – o professor; e processo de institucionalização da cartilha,
mediante sua aprovação, sua adoção, sua compra e sua distribuição às escolas públicas, por
parte de órgãos dos governos estaduais.
Em virtude de estar abordando fenômenos que ocorrem em um período histórico relativa-
mente longo, no qual se observam variações terminológicas, e a fim de evitar anacronismos lé-
xico-semânticos, para me referir ao processo de ensino da leitura e da escrita na fase inicial de
escolarização de crianças, utilizarei ora ensino da leitura, ora ensino da leitura e da escrita, ora
alfabetização, buscando ser fiel à denominação da época em que se registra sua ocorrência.
2. Acompanhando o movimento histórico das tematizações, das normatizações e das
concretizações sobre a questão dos métodos, as primeiras cartilhas brasileiras, produzidas,
sobretudo por professores fluminenses e paulistas por meio de sua experiência didática,
baseavam-se nos métodos de marcha sintética (processos de soletração e de silabação).
Assim, iniciava-se o ensino da leitura com a apresentação das letras e dos seus nomes, de
acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras em sí-
labas e conhecendo-se as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas
sílabas e letras e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, ela
restringia-se à caligrafia e ao seu ensino, à cópia, aos ditados e à formação de frases, enfati-
zando-se a ortografia e o desenho correto das letras.
va ve
ve va vai
vo vi
2ª LIÇÃO vi vo
vo vu viu
va ve
vu vi vu vou
capítulo 1 • 33
vovó ave avô o-vo
eu vi a vi-ú-va
EXERCÍCIO
vi-va a vo-vó
vo-vô vê o o-vo
a a-ve vo-a-va
34 • capítulo 1
discussão prioriza as questões didáticas, ou seja, o como ensinar, com base na definição das
habilidades visuais, auditivas e motoras do aprendiz.
A partir de então, observa-se um movimento de institucionalização do método analítico,
que se consolida com a publicação das Instruções práticas para o ensino da leitura pelo
methodo analytico – modelos de lições, expedidas pela Directoria Geral da Instrucção Pu-
blica do Estado de São Paulo, em 1915. Nesse documento, passa-se a priorizar a historieta
(conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógicos), como núcleo de sentido
e ponto de partida para o ensino da leitura, enfatizando-se as funções instrumentais desse
ensino.
capítulo 1 • 35
8. Eu gosto muito de leite.
9. Gosto do leite quando tem nata.
10. É da nata que se faz a manteiga.
11. É da nata que também se faz o queijo.
12. Não mames todo o leite, bezerrinho!
13. Deixa um pouco de leite para mamãe fazer manteiga.
CA-VA-LO CA-VA-LE-TE
7. Va-mos, Vu-vu!
36 • capítulo 1
Observa-se, no entanto, embora com outras bases teóricas, a perma-nência da função
instrumental de ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita, entendidas como habilida-
des visuais, auditivas e motoras; e começam a produzir-se os manuais do professor acom-
panhando as cartilhas, assim como dissemina-se a ideia da necessidade de um “período
preparatório”.
11ª LIÇÃO
A u-va O o-vo
va ve vi vo vu
vo-a-va vi
capítulo 1 • 37
Exemplo 4 – Página da Cartilha do povo, de M.B. Lourenço Filho. São Paulo:
Melhoramentos, 1928, p. 15,
Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação (UNESP-Marília).
va ve vi vo vu
va ve vu vo vu
Vv Vv
38 • capítulo 1
construtivista ou interacionista e seus alunos não utilizam diretamente esse instrumento em
sala de aula, como ocorreu nos casos transcritos a seguir.
* É importante ressaltar que a produção intensa de novas cartilhas não impediu a con-
tinuidade de circulação das antigas, muitas das quais continuaram a ser utilizadas por
várias décadas, depois da publicação de suas primeiras edições. A esse respeito, ver
Pfromm Neto e outros (1974) e Mortatti (1998, 2000)
A bola é do Guto.
O gato furou a bola.
O Guto e o gato.
1. A uva é da titia.
2. O cavalo é a uva.
3. O vovo é do titio.
4. A vila é bela.
capítulo 1 • 39
Exemplo 8 – Página do caderno de uma aluna do Ciclo Básico (1ª série) de es-
cola pública, em 1995,
Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação (Unesp-Marília).
5. Ao longo desses aproximados 120 anos, a cartilha sofreu alterações relativas ao mé-
todo e teve aprimorados e atualizados vários de seus aspectos, especialmente o suporte
material e os temas abordados nas lições. Entretanto, permaneceu até os dias atuais, assim
como conservou-se intocada sua condição de imprescindível instrumento de concretização
de determinado método, ou seja, da sequência necessária de passos predeterminados para
o ensino e a aprendizagem iniciais de leitura e de escrita e, em decorrência, da configuração
silenciosa de determinado conteúdo de ensino, assim como de certas, também silenciosas,
mas efetivamente operantes, concepções de alfabetização, de leitura, de escrita, de texto e
de linguagem/língua. Essas concepções operantes podem ser assim sintetizadas:
• alfabetização: processo de ensinar e de aprender o conteúdo da cartilha, de acordo com o
método proposto, o que permite considerar alfabetizado o aluno que tiver terminado a cartilha
com êxito, ou seja, que tiver aprendido a ler e a escrever, podendo, assim, começar a ler e a
escrever
• leitura e escrita: instrumentos de aquisição de conteúdos escolares, cujas finalidade e
utilidade se encerram nos limites da própria situação escolar, ou seja, de ensino e de apren-
dizagem;
• texto: conjunto de frases, por vezes com nexos sintáticos entre si, constituído de palavras
escolhidas de acordo com o nível de dificuldade adequado ao momento de aprendizagem;
• linguagem/língua: expressão do pensamento e instrumento de comunicação, cujo fun-
cionamento assume características especificamente voltadas para a situação de ensino e de
aprendizagem escolares9 .
40 • capítulo 1
• certos conteúdos cognitivos e simbólicos, que, selecionados, organiza-dos, normatizados e
rotinizados, sob o efeito dos imperativos de didati zação, constituem, habitualmente, o objeto
de uma transmissão deliberada no contexto das escolas (Forquin, 1993, p. 167).
Ora, um dos principais aspectos da cultura que se constitui objeto de ensino na escola
é precisamente, a linguagem/língua, que nos precede, ultrapassa, institui e constitui como
seres humanos e sujeitos sócio-históricos. Daí decorre a importância estratégica, no âmbito
desse projeto, da escolarização das práticas de leitura e de escrita e do seu ensino inicial às
novas gerações, assim como da sua estreita relação com o engendramento de uma cultura
escolar.
Como se observa nos exemplos de lições de cartilhas e de cadernos de alunos apre-
sentados no tópico anterior, na história da alfabetização em nosso país podem-se identificar
certos conteúdos cognitivos e simbólicos – relaciona-dos com aquelas concepções de alfa-
betização, de leitura, de escrita, de texto e de linguagem/língua – que, selecionados, organi-
zados, normalizados, rotinizados e didatizados, continuam constituindo objeto de transmissão
deliberada, sobretudo mediante a utilização, direta ou indireta, da cartilha de alfabetização até
os dias atuais, a despeito das normatizações oficiais contrárias10 e dos avanços da linguística
contemporânea, especialmente na vertente da análise do discurso e da teoria da enunciação,
em que se fundamentam pensamentos contemporâneos sobre alfabetização, como os de
Geraldi (1984, 1991, 1996) e Smolka (1989).
Dessa forma, no âmbito da realização de sua função educativa, mediante processo de
transmissão cultural intencional, explícita e organizada para as novas gerações e com base
em uma razão pedagógica essencialmente normativa e prescritiva, cuja tentação é o anseio
de universalização, na escola brasileira, vem-se ensinando e aprendendo uma imagem ideali-
zada de linguagem/língua – e, em decorrência, de leitura, de escrita e de texto – que constitui
o objeto de uma aprovação social e sua versão autorizada, sua face legítima.
Devido à legitimidade e ao valor intrínseco que a autoridade pedagógica do professor
(ainda) confere a esses conteúdos e ao fato de ser a escola o lugar, por excelência, para se
aprender a ler e escrever, mesmo o valor instrumental – relativo ao acesso à instrução e ao
mundo público da cultura letrada – anunciado ou desejado para essa aprendizagem é subs-
tituído por um valor decorrente, em si, de uma finalidade restrita à própria aprendizagem, de
modo que, à pergunta Para que aprender a ler e escrever?, uma das respostas possíveis – ou,
talvez, a única – seja: Para aprender a ler e escrever.
Diferentemente do que aponta Forquin, no que se refere à história da alfabetização no
Brasil, a seleção cultural escolar (o que tem valor educativo, de acordo com certa escala e
certo juízo de valor) sofreu poucas variações com a época, as ideologias políticas ou peda-
capítulo 1 • 41
gógicas dominantes (op. cit., p. 160), prevalecendo certos aspectos constantes tidos como
universais e constitutivos de uma cultura escolar, para cujos engendramento, transmissão e
perpetuação têm-se, aliada ao conservadorismo cultural da escola e do professor, a contri-
buição fundamental da cartilha de alfabetização.
42 • capítulo 1
o que o falso Fausto oferece-lhe; nem é Fausto, o sábio, quem promete instruir o incauto
estudante. Assim também, na escola brasileira, o que se tem oferecido aos estudantes é o
acesso a certa cultura escolar, mediado, especialmente, pela cartilha de alfabetização, esse
primeiro e emblemático instrumento substitutivo do trabalho de professores e de alunos, que
se apresenta como portal do mundo prometido e que forma nossas crianças, no sentido da
constituição de um modo de pensar, de sentir, de querer e de agir, relacionado com a imagem
idealizada de linguagem/língua e com modelos equivocados de leitura, de escrita e de texto.
Será, de fato, a cartilha de alfabetização um mal necessário? Que outras concepções,
que outras práticas, que outros conteúdos, que outras finalidades da alfabetização e que
outras formas de acesso ao mundo da cultura seriam possíveis, no sentido de romper com
esse pacto secular?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTOLLETI, E. N. Cartilha do povo e Upa cavalinho!: O projeto de alfabetização de Lourenço
Filho. In: MONARCHA, C. (org.) Lourenço Filho: Outros aspectos, mesma obra. Campinas: Mercado
das Letras, Unesp, 1997, p. 91 – 117.
COOK - GUMPERZ, J. A Construção da alfabetização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. 2 ed. Porto
Alegre: Artmed 2008.
MORTATTI, M. R. L. Os sentidos da alfabetização: São Paulo – 1876/1994. São Paulo: Ed. Unesp,
2000.
MORTATTI, Maria Rosário Longo. História dos Métodos de Alfabetização no
Brasil. 2006. Disponível em: <portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.
pdf>. - TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez,1995.
capítulo 1 • 43
44 • capítulo 1
2
Contribuições para
a Alfabetização:
Teorias da
Alfabetização
Ensinar as crianças a ler, escrever e lidar de maneira competente com a língua
portuguesa é um dos objetivos presentes nos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCNs) para os professores das primeiras séries do Ensino Fundamental.
Diante dessa importante tarefa, o professor alfabetizador não pode deixar de
conhecer e de se perguntar sobre as conceituações preliminares da escrita
construídas pelas crianças, pois é justamente esse conhecimento que funda-
mentará a sua prática. Neste capítulo, falaremos sobre os aportes teóricos que
buscam explicar a gênese da aquisição da escrita. Entendê-los é relevante na
medida em que possibilita a realização de um trabalho pedagógico atento para
o desenvolvimento psicológico da criança, para a maturação dos processos cog-
nitivos envolvidos e para as relações sociais mais complexas que supõem a for-
mação dos conhecimentos como construção social e coletiva.
Portanto neste capítulo iremos conhecer as bases epistemológicas que
fundamentam a psicogênese da escrita de Emília Ferreiro, além de conhecer
as bases teóricas que envolvem as principais práticas alfabetizadoras, refle-
tindo sobre as contribuições das teorias Construtivista, Histórico – Cultural
(Sociointeracionista), concepção empirista e suas contribuições para a
alfabetização.
OBJETIVOS
O objetivo deste capítulo é proporcionar a você a oportunidade de estudar, analisar e refletir
sobre as contribuições da psicogenética em torno do conhecimento que a criança possui e
desenvolve da escrita
Bem como compreender os princípios filosóficos, epistemológicos, psicológicos e didáti-
cos das concepções empirista, construtivista e sóciointeracionista de alfabetização em seus
contextos específicos.
46 • capítulo 2
2.1 Bases teóricas para alfabetização
Sabemos que a leitura e a escrita, o ato de ler e escrever, são elementos funda-
mentais para participação social na qual nos torna, para além de seres huma-
nos, também sujeitos sociais.
Assim, a aquisição da leitura e da escrita é compreendida como uma for-
ma de inclusão social, que nos possibilita um posicionamento crítico do
mundo no qual estamos inseridos, nos colocando enquanto cidadãos críti-
cos, proporcionando-nos, sobretudo o acesso à informação e à produção do
conhecimento.
Como já sabemos, diferente da aprendizagem da língua oral, o ato de ler
e escrever não são compreendidos como naturais, mas sim, como parte de
processos apreendidos através de relações e interações sociais estabelecidas
ao longo de nossa vida.
Vimos em nossos estudos, que a prática educacional, ao longo de um
processo histórico, vem sofrendo transformações em seus paradigmas, apre-
sentando a partir da década de 80, novos enfoques em torno da prática pe-
dagógica e da compreensão que envolvem os processos de aprendizagem e
desenvolvimento do educando.
Para tanto, compreende-se que no processo de aquisição da leitura e da
escrita, professor alfabetizador, entendido como um mediador na construção
do conhecimento, tem sua prática pedagógica ancorada em uma perspectiva
crítica de educação, o que pressupõe-se a devida compreensão acerca do pro-
cesso que envolve todo o processo de alfabetização, exigindo de certa forma
que o docente trilhe claramente seus objetivos, ressignificando constante-
mente sua prática.
Veremos aqui, algumas das principais concepções de ensino e aprendi-
zagem da língua escrita que trazem especificidades para a postura docente
alfabetizadora, sendo possível perceber a existência in locus de uma prática
docente multifacetada quando se fala em alfabetização.
Deste modo, no que se refere a concepção e a prática alfabetizadora, se faz
necessário compreender as diferentes bases teóricas que sustentam posturas
práticas e metodológicas na alfabetização. Aqui, apresentaremos alguns pos-
tulados que envolvem as concepções empirista/ tradicional, sociointeracio-
nista, construtivista e psicogenética.
capítulo 2 • 47
2.1.1 Concepção tradicional / empirista para alfabetizar
48 • capítulo 2
Dentro desta concepção, segundo apontado por Mortatti (2006) encontra-
mos nas práticas escolares muitas atitudes e pressupostos didáticos enreda-
dos em uma perspectiva, que seguindo uma linha comportamental, propõe
um ensino reprodutivista, pouco reflexivo, em que o aluno é compreendido
como uma “tabula rasa”.
Esta proposta é, em grande parte, sustentada pelos métodos tradicionais
expressos em antigas cartilhas de alfabetização, e atualmente ainda em ma-
teriais postilados e livros, propondo um trabalho alfabetizador através de
conteúdos desconectados das práticas sociais vivenciadas pelos alunos, bem
como metodologias que desconsideram o aluno como um colaborador ativo
de seu processo de aprendizagem.
Vale ressaltar, que para uma concepção tradicional de educação e alfabe-
tização, o papel do professor é o de autoridade intelectual, sendo aquele que
detém o saber e, portanto, o único responsável pela condução do processo
educativo, devendo assumir funções que visam controlar os alunos. Nesta
perspectiva o aluno é entendido como um receptor passivo dos conhecimen-
tos transmitidos pelo professor, devendo acumular informações simples de
forma parcial por meio da memorização, sendo capaz de sintetizar o aprendi-
do, e acumular informações.
Em suma, a concepção empirista/tradicional do conhecimento não
leva em consideração o que o aluno já conhece, na verdade o conhecimento
real, nesta perspectiva, encontra-se fora do sujeito, sendo preenchido e assi-
milado através de seu contato com o mundo, já que o conhecimento está na
realidade exterior e é absorvido por nossos sentidos.
CONEXÃO
Para saber mais sobre a concepção tradicional alfabetizadora leia o artigo: “Inatismo, em-
pirismo e construtivismo: três ideias sobre a aprendizagem” acessando: www.revistaescola.
abril.com.br
capítulo 2 • 49
2.1.2 Bases da Teoria Cognitivista e Sócio-Interacionista para
alfabetização: Influências de Piaget e Vygotsky.
(Piaget, 1975).
Entender como a criança aprende tem sido um importante ponto nas dis-
cussões que envolvem a educação há tempos. Algumas teorias possuem eixos
que se encontram em alguns setores divergindo em outros, o que nos possibi-
lita uma reflexão crítica em torno da temática central – a criança.
Como base para muitas reflexões sobre a construção do conhecimento,
bem como entendimento do sujeito, destacam-se as teorias desenvolvidas
por Piaget e Vygotsky, sendo elas advindas de outros campos do conhecimen-
to mas com grandes influências nos estudos sobre educação.
Contrapondo-se as ideias defendidas pelas correntes inatistas (conheci-
mento está no indivíduo) e empiristas (conhecimento está na realidade exter-
na ao individuo) algumas propostas, com embasamento construtivista sugi-
ram no século 20 como uma alternativa para explicar o aprendizado.
A partir desta nova perspectiva – Cognitivista/Piagetiana - o sujeito é ativo,
possuindo importantes potencialidades, mas, precisando da relação com os
objetos e espaços para esse desenvolvimento se concretize.
Diferente das propostas de uma pedagogia tradicional, a teoria piagetiana
introduziu postulados e ideias inovadoras, contribuindo para construção de
uma pedagogia conhecida como Construtivista que propôs que a criança é a
própria construtora do seu conhecimento. Sendo o conhecimento construído
e desconstruído a todo momento, mediante a ação desta com o mundo e os
objetos que a cercam. Pontua-se a presença ativa do sujeito, sendo preciso
agir sobre o objeto e transformá-lo, como defende Piaget (1896-1980).
Ressalta-se um equívoco comumente encontrado ao falar em "método
construtivista de ensino". Sabe-se que tal teoria inspirou muitas obras so-
bre Educação, como por exemplo a Psicogênese da língua escrita de Emilia
Ferreiro e Ana Teberosky, que embasa inúmeras pesquisas sobre alfabetiza-
ção nas últimas décadas. Na perspectiva construtivista, o professor não está
preso à um método, mas deve criar suas ferramentas a partir dos inúmeros
50 • capítulo 2
contextos que atua, concebendo ações e desafiando os alunos para que a
aprendizagem ocorra.
Vale frisar que para que haja avanços reais na aprendizagem dos alunos,
o docente precisa ter claro que é parte de sua função considerar as demandas
de toda turma, propondo questões e desafios que gerem aprendizado.
Em alguns momentos de seus estudos, Piaget apontou para o papel da
interação na produção do conhecimento e nestes momentos se aproxi-
mou dos estudos desenvolvidos por Lev Vygotsky (1896-1934) e sua teoria
sociointeracionista.
Vygotsky, partindo de uma abordagem histórico-cultural de educação, co-
loca como premissa o impacto da interação social humana sobre a aprendiza-
gem e o desenvolvimento. Em sua abordagem, ele aponta que a formação do
indivíduo se dá a partir das relações sociais, ou seja, por meio da interação do
indivíduo com um meio/mundo humanizado (VYGOTSKY, 2000).
Neste contexto, a linguagem, aparece como um fundamental um instru-
mento de mediação, visto que é através dos processos de mediação que a inte-
ração social ocorre, e é a partir desta que a criança se apropria dos comporta-
mentos e da cultura humana.
Partindo disso, Vygotsky aponta a relação entre aprendizagem e desenvol-
vimento a partir das interações, ou seja da participação do outro, pontuando
em sua teoria, um importante conceito denominado Zona de Desenvolvimento
Proximal ou Potencial (ZDP), no qual a interação social cria possibilidades de
avanços superiores àquelas que seriam observadas individualmente.
Considerando os pressupostos da abordagem sociointeracionista, fica
claro que, nela, a participação do outro, enquanto mediador e parceiro de in-
terações, é um elemento chave para o desenvolvimento humano.
Nesta perspectiva podemos considerar que para o processo de ensino e
aprendizagem especificamente para alfabetização, esta concepção aponta
para uma concepção de desenvolvimento humano, que explica a aprendiza-
gem, como uma condição que impulsiona o desenvolvimento.
Assim, no que se refere a alfabetização, a teoria de Vygotsky permite ao
professor alfabetizador, a realização de uma prática pedagógica mediadora,
na qual o professor desenvolve o processo ensino/aprendizagem, conside-
rando as potencialidades dos alunos e propiciando situações desafiadoras de
apropriação de conhecimentos.
capítulo 2 • 51
Dentro de uma proposta construtivista, que envolvem as propostas
Cognitivista e Sociointeracionista - ao realizar a função de mediador, o pro-
fessor alfabetizador permitirá que os alunos realizem atividades com e/ou
sem auxílio, conduzindo-os à compreensão à medida que se aproximam da
realização de outras ações mais independentes, ou seja, nessa perspectiva,
o professor tem por objetivo levar seu aluno a um aprendizado potencial,
pois, quanto mais ele aprende, mais ele coloca em jogo novas descobertas e
hipóteses.
Destaca aqui a importância de o professor conhecer as teorias de apren-
dizagem que embasam uma perspectiva construtivista, integrando assim os
conhecimentos teórico-práticos na organização de sua prática docente.
"As primeiras tentativas já não são vistas como rabiscos, mas uma espécie de escrita"
– FERREIRO (2002).
52 • capítulo 2
partem do pressuposto de que a aquisição da escrita baseia-se na atividade
da pessoa que, estando em contato e tendo interações com ela, desenvolve
esquemas de assimilação com relação ao objeto escrito sucessivamente mais
complexos, decorrentes de seu desenvolvimento cognitivo.
Tanto os trabalhos de Ferreiro e Teberosky como os de Luria demonstra-
ram que a aprendizagem da escrita implica uma história no interior do de-
senvolvimento individual, que é iniciado pela criança bem antes da primeira
vez que o professor lhe coloca um lápis nas mãos e lhe mostra como formar as
letras (AZENHA, 1995).
A natureza da crítica feita por Ferreiro e Teberosky, assim como por Vygotsky, à forma
pela qual a linguagem escrita usualmente era vista e tratad a, uma técnica depen-
dente apenas de métodos adequados, é idêntica, apontando ambas para o caráter
simbólico do sistema, algo que as práticas escolares tomadas como um todo tendiam
a ignorar, tanto na década de 1920 como na de 1970 (AZENHA, 1995, p. 17).
capítulo 2 • 53
alguns professores, ainda nos dias atuais, apesar de toda tentativa feita pela
metodologia da alfabetização de levá-las em consideração.
Ambas as teorias criticam a forma mecânica com a qual a escola tem tra-
tado o ensino da escrita, usando técnicas motoras relacionadas ao desenho
das letras e à associação de formas sonoras a formas gráficas e sua decorrente
memorização. Pode-se dizer que essas duas abordagens, com suas investiga-
ções, apresentam uma ruptura com o conhecimento científico acumulado
anteriormente sobre o tema.
As pesquisas de Ferreiro e Teberosky foram elaboradas com o objetivo
de construir uma nova explicação sobre o processo e a forma pelos quais as
crianças aprendem a ler e a escrever.
Para essas pesquisadoras, o debate escolar sobre a alfabetização, até en-
tão, restringira-se aos embates entre métodos de ensino. Esse debate de na-
tureza eminentemente metodológica não conseguia explicar os altos níveis
de evasão e de repetência nas séries iniciais da escolarização, em especial na
escola pública. Na concepção dessas autoras, havia um reducionismo psico-
lógico subjacente aos métodos de ensino confrontados (AZENHA, 1995).
Com os avanços teóricos da linguística da década de 1960 (principalmen-
te os empreendidos pelos trabalhos de Carol Chomsky, Kenneth Goodman,
Frank Smith e Charles Read), ficou mais clara a disponibilidade de novos co-
nhecimentos sobre o saber linguístico da criança. Ferreiro e Teberosky vincu-
laram essa possibilidade à teoria da inteligência de Piaget.
A busca da ampliação de conhecimentos da linguagem, notadamente
marginal nos estudos piagetianos, objetivava superar o reducionismo de te-
orias psicológicas que informavam os métodos de ensino, principalmente o
associacionismo (AZENHA, 1995, p. 21).
Ancoradas no desenvolvimento cognitivo de Piaget, as pesquisadoras de-
monstram que o conhecimento é amplamente ligado à direção e ao enqua-
dramento dos objetos aos esquemas de ação dos indivíduos. O processo que
faz com que os esquemas de assimilação sejam constituídos pela generali-
zação dos esquemas de ações e de sua aplicação a novos objetos constitui o
principal motor do desenvolvimento cognitivo. Essa tese piagetiana sobre o
processamento do conhecimento é aplicada, pelas pesquisadoras, à investi-
gação da gênese da escrita (AZENHA, 1995).
54 • capítulo 2
Esse aporte teórico é o que fundamenta as críticas feitas por Ferreiro e
Teberosky àquelas práticas alfabetizadoras que buscavam definir o melhor ou
mais eficaz método de ensino da leitura e da escrita. Como observam Ferreiro
e Teberosky, é o sujeito da aprendizagem que está no centro do processo, e
não o método que, supostamente, conduz a aprendizagem ou que o veicula.
Para essas autoras, há clara distinção entre os passos que um método propõe
e o que acontece na cabeça do sujeito que aprende (AZENHA, 1995).
Em relação aos métodos analíticos e fonéticos, as autoras apontam para a
existência de um acordo básico entre ambos, já que o iniciante deve associar
fonemas da fala a sinais gráficos, residindo nessa correspondência adequada
o ponto crucial da aprendizagem. Consequentemente, a discriminação au-
ditiva é uma competência prévia importante para a “boa aprendizagem” da
escrita.
Em relação aos métodos analíticos, o reconhecimento global de palavras
ou unidades maiores é o elemento crucial e, portanto, a capacidade de reali-
zar discriminações predominantemente visuais torna-se o pré-requisito a ser
satisfeito como preparação para a escrita.
Consequentemente, ainda segundo essa crítica, o conteúdo da discussão
é equivocado nos dois grupos de métodos de ensino, porque ambos têm como
ponto de partida a mesma concepção do aprendiz, vinculada ao associacio-
nismo como teoria de aprendizagem, com ênfase em discriminações percep-
tuais necessárias para a aprendizagem da língua escrita, reduzindo-a à asso-
ciação de respostas sonoras a estímulos gráficos (AZENHA, 1995, p. 22-23).
AZENHA, M.G. Imagens e letras. Os possíveis acordos de Ferreiro e Luria.
São Paulo: Ática, 1995.
Seguindo a teoria de Piaget, Ferreiro e Teberosky afirmam que os objetos
do conhecimento, ou seja, aquilo que pode ser conhecido pelo sujeito, de-
pende da disponibilidade de instrumentos cognitivos decorrentes do próprio
aparato cognitivo. As propriedades de um objeto podem ou não ser observá-
veis para um sujeito.
A definição de observável é relativa ao nível de desenvolvimento cogniti-
vo da pessoa, e não às suas capacidades sensoriais. Assim, na psicogenéti-
ca há uma progressão nos observáveis que é concomitante com o desenvol-
vimento dos esquemas interpretativos do sujeito. O progresso cognitivo e a
capítulo 2 • 55
constituição do sujeito do conhecimento parecem ser, principalmente, liga-
dos à construção endógena, representada pelos esquemas assimilativos.
Elaborando as conceituações sobre a genética da aquisição da escrita,
Ferreiro e Teberosky fundamentam-se nessa ideia piagetiana sobre como o
conhecimento se desenvolve e também entendem que a constituição dos fa-
tores endógenos é central para os progressos no entendimento do sistema
linguístico (AZENHA, 1995).
Ferreiro e Teberosky defendem uma concepção de escrita como sendo um
sistema de representação, opondo-se à ideia de código. As autoras entendem
que, em um sistema de representação, há o estabelecimento, feito por con-
venção, dos atributos do objeto que é representado. Esses atributos substi-
tuem o objeto que representa. Durante a fase de aquisição da escrita, a crian-
ça, ainda que inserida em um contexto em que esse sistema de representação
já está constituído, deve compreender a “natureza da representação feita pela
escrita e as formas pelas quais essa representação opera, vivenciando os mes-
mos problemas conceituais próprios dos períodos de construção social do
sistema” (AZENHA, 1995, p. 26).
A argumentação de Ferreiro e Teberosky indica que, para compreender o
funcionamento da escrita, a criança põe em jogo os esquemas de assimila-
ção que o seu desenvolvimento cognitivo permite no momento, construindo,
dessa maneira, teorias sobre a escrita. As ideias que as crianças fazem sobre a
escrita, inicialmente, deformam a representação do objeto, devido ao caráter
de seus instrumentos cognitivos que possuem esquemas assimilativos ainda
primitivos.
Tais deformações ou erros infantis constituem as formas idiossincráticas
de assimilar o objeto e expressam a lógica própria desse processo de aquisi-
ção. Isso ocorre particularmente quando a produção da escrita não é resul-
tante de cópia imediata ou da representação da escrita de palavras cuja forma
gráfica foi memorizada anteriormente (AZENHA, 1995, p. 26).
Com pesquisas realizadas pelo “método da indagação”, inspirado no mé-
todo clínico de Piaget, Ferreiro e Teberosky concluíram que as crianças cons-
troem “teorias” ou “hipóteses” sobre a linguagem escrita, que se sucedem
em uma progressão regular e constituem o que chamam de níveis ou fases de
aquisição.
56 • capítulo 2
2.3 A genética da escrita: Compreendendo
as representações icônicas não icônicas
capítulo 2 • 57
Há, pois, uma progressão nas grafias – que passam da semelhança figurativa à grafia
tratada como “forma qualquer”; ou melhor, da grafia circular (a “bolinha”) que, sem ser
necessariamente figurativa, corre o risco de transformar-se em tal, quando vai inseri-
da em um desenho. Há também uma progressão na localização das grafias (dentro /
na fronteira / fora da imagem). Porém também há, simultaneamente, uma progressão
no controle da quantidade de grafia e na constituição das grafias enquanto objetos
substitutos (FERREIRO, 1990, p. 106).
58 • capítulo 2
uma quantidade de grafias aumentar se há muitas coisas na imagem, e dimi-
nuir se há só uma”.
Só em um momento seguinte é que as crianças passam a atribuir “nomes”
ao conjunto de grafias; elas passam a supor que nessas grafias encontram-se
os nomes dos objetos representados. Segundo Ferreiro (1990, p. 112), as le-
tras começam a representar o “nome” do objeto. O “nome”, nesse momento
da evolução, não é a interpretação exata do objeto, é um conjunto de letras,
ou seja, “nome é o escrito, e não a interpretação do escrito”. Essa primeira
simbolização da escrita “não envolve nenhuma conservação do significado
atribuído”. Por exemplo, “se o cartão que diz ‘cachorro’ é transferido para ou-
tra imagem (qualquer que seja ela) esse mesmo cartão 'dirá' o nome do novo
objeto” (FERREIRO, 1990, p. 113).
As mesmas letras, na mesma ordem, podem dizer nomes diferentes segun-
do a relação que se estabeleça com os objetos ou as imagens. Inversamente,
diferentes letras podem dizer a mesma coisa, se forem atribuídas ao mesmo
objeto ou imagem. Fora desta relação, não dirão “nada” ou voltarão a ser, sim-
plesmente “letras” (FERREIRO, 1990, p. 113).
Ferreiro (idem, p. 113) observa que, nesse período, a dependência da ima-
gem com as letras tem uma razão de ser. As crianças já entendem que as letras
são objetos substitutos, que elas possuem significado. Mas qual é o significa-
do? Para saber o significado das letras, é “preciso colocá-las em relação com
os elementos de outro sistema (o sistema dos objetos do mundo)”, no caso
o sistema das imagens. Esse é um momento em que as “letras servirão para
representar uma propriedade essencial dos objetos, que o desenho como tal
não consegue representar: o nome”.
Para Ferreiro (ibidem, p. 122), é extremamente importante pensar sobre
esse período que antecede as escritas convencionais. É um período pouco es-
tudado e pouco observado na evolução da escrita e também menos reconhe-
cido pela instituição social (familiar ou escolar). É um período que mostra
“no estado mais puro os processos construtivos que aparecem quando o su-
jeito tenta apropriar-se do conhecimento dos outros”; que nos permite “com-
preender quanto há de criatividade na busca de regularidades, de princípios
gerais, de hipóteses generativas” que, à primeira vista, parecem confusos e
desordenados.
capítulo 2 • 59
2.3.1 Hipóteses e quantidade mínima de grafia
O nível pré-silábico é aquele em que na escrita não se nota a busca de qualquer cor-
respondência entre grafias e sons, caracterizando-se por grafismos primitivos, escritas
unigráficas e sem controle de quantidade de grafias. Na “leitura”, as crianças não fazem
corresponder partes da escrita a partes da palavra ou sílabas, deslizando o dedo em um
só movimento por toda a extensão da “palavra escrita” (FRANCHI, 2006, p. 96)
FRANCHI, E. Pedagogia da alfabetização. São Paulo: Cortez, 2006.
60 • capítulo 2
A escrita pré-silábica demonstra uma intenção de escrever. Opera-se, nes-
se momento, com duas propriedades fundamentais: a arbitrariedade das for-
mas utilizadas e a ordenação linear.
Exemplo 1
Escritas unigráficas com pseudoletras e casos de não diferenciação entre
as palavras.
Indica um estágio menos avançado na compreensão do caráter simbóli-
co das grafias. Nas escritas unigráficas, as crianças usam uma ou no máximo
duas grafias para cada nome.
Exemplo 2
Uso de grafias convencionais e de procedimentos de diferenciação entre
as palavras. Geralmente, as crianças se baseiam na hipótese da quantidade
mínima de grafias.
capítulo 2 • 61
Exemplo 3
Escrita que evidencia a evolução para o nível silábico.
Apesar de a criança ainda estar no nível pré-silábico, sua escrita pode ser
pensada como estando em um momento intermediário de evolução para o
nível silábico. Há indícios de que a criança já vem operando com unidades
linguísticas. “Além de variar a quantidade e o repertório de grafias para dife-
renciar uma escrita das outras, já se pode observar a presença de letras (às ve-
zes uma só) que correspondem a sons das palavras escritas” (FRANCHI, 2006,
p. 107).
62 • capítulo 2
2.3.3 Hipótese silábica
capítulo 2 • 63
uma relação entre grafias e fonemas. A criança incorpora a ideia de que a escri-
ta da sílaba nem sempre pode ser realizada com uma letra (FRANCHI, 2006).
Ainda há problemas qualitativos na escrita das crianças. Perceber o uso da
hipótese alfabética, ou seja, entender que a criança escreve alfabeticamente
não quer dizer que a criança está plenamente alfabetizada. Ela ainda não co-
nhece as regras da convenção da escrita, tornando-se necessária a aprendiza-
gem da ortografia. Do ponto de vista conceitual, Ferreiro e Teberosky enten-
dem que a criança “já enfrentou todos os problemas cognitivos importantes
para a compreensão do sistema”, e por isso “pode ser considerada alfabetiza-
da” (AZENHA, 1995, p. 37).
ATIVIDADE
01. Após a análise e reflexão do que foi estudado neste capítulo responda: qual a contri-
buição de Ferreiro e Teberosky à prática de alfabetização ao demonstrarem que as crianças
constroem hipóteses sobre a linguagem escrita?
64 • capítulo 2
REFLEXÃO
No processo de aquisição da escrita, há conflitos cognitivos que se colocam. Podemos en-
tender, então, que o problema da criança não consiste em identificar uma ou outra grafia
em particular, mas em compreender a estrutura de um sistema. Desse modo, é importante
que o professor entenda qual é a concepção que a criança tem sobre a escrita em um dado
momento, a fim de ajudá-la a fazer uso das situações comunicativas e a compreender a ex-
pressão gráfica de maneira significativa, contextualizada e motivada
LEITURA
ICÓCCO, Maria F. e HAILER, Marco A. Didática de alfabetização: decifrar o mundo: alfabe-
tização e socioconstrutivismo. São Paulo: FTD, 1996
FERREIRO E. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo, Cortez, 2002.
A obra Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever, de Emilia Ferreiro, conduz o leitor
a uma reflexão sobre as práticas de leitura e escrita e a importância da diversidade no pro-
cesso de alfabetização. O livro reúne trabalhos apresentados em congressos pela autora,
psicolinguista que desenvolveu a teoria da Psicogênese da Escrita a partir de contribuições
das teorias Piagetianas.
"Que nos comprometamos com os futuros leitores para que a utopia democrática pareça
menos inalcançável. As crianças - todas as crianças, garanto - estão dispostas para a aven-
tura da aprendizagem inteligente. Estão fartas de ser tratadas como infradotadas ou como
adultos em miniatura. São o que são e têm direito a ser o que são: seres mutáveis por natu-
reza, porque aprender e mudar é seu modo de ser no mundo. Entre o 'passado imperfeito' e o
'futuro simples' está o germe de um 'presente contínuo' que pode gestar um futuro complexo:
ou seja, novas maneiras de dar sentido (democrático e pleno) aos verbos 'ler' e 'escrever'.
Que assim seja, embora a conjugação não o permita" (Ferreiro, 2002).
capítulo 2 • 65
7. Concepção empirista
Revisitando as concepções sobre o ensino e a aprendizagem de leitura e escrita, na con-
cepção empirista, a explicação para o fracasso escolar do sujeito parte do pressuposto de
que este não possui maturidade para aprender ler e escrever, sendo, portanto, submetido a
exercícios de prontidão até que venham suprir tal carência, para em seguida adentrar no uni-
verso das letras. A concepção empirista fundamenta o modelo tradicional de alfabetização,
concebendo-o enquanto processo de codificação e decodificação da língua escrita, pautada,
sobretudo, na memorização inicial de sílabas simples seguidas das sílabas complexas para a
formação de palavras. Neste sentido, a preocupação neste modelo de alfabetização é a escrita
enquanto representação da fala, enfatizando a dimensão individual do processo de alfabetizar,
de modo que a escrita é constituída enquanto atividade neutra e mecânica, sendo necessário
inicialmente ensinar a escrita das letras para depois ensinar a ler e escrever. Nesta perspectiva,
os exercícios de coordenação motora que estimulem a lateralidade, a discriminação visual, à
percepção espaço-temporal são requisitos para aprender a escrever, pois o treino e a repetição
são elementos indispensáveis para a preparação da aquisição da escrita, haja vista que, nessa
concepção, escrever é sinônimo de copiar, restringindo o ensino da escrita a exercícios de cali-
grafia, cópias, ditados, com ênfase no desenho correto das letras e na memorização excessiva
de palavras, como requisito para uma grafia correta. Considerando a alfabetização enquanto
processo mecânico, o problema da aprendizagem da leitura e da escrita é considerado nesta
concepção, como uma questão de escolha de métodos mais adequados para o aluno domi-
nar o código escrito. Com base nos estudos de Mortatti (2006), reiteramos que a concepção
empirista realça os aspectos relacionados à metodização da leitura e da escrita na busca de
que método seria mais eficiente para ensinar o sistema de escrita alfabética, abrangendo basi-
camente duas práticas metodológicas de aquisição da língua escrita: os métodos analíticos e
os métodos sintéticos. Os métodos sintéticos evidenciam o ensino e a aprendizagem da leitura
numa compreensão da “parte” para o “todo” postulam o processo de ensino e aprendizagem
da leitura e da escrita a partir da associação de estímulos visuais e auditivos, com “[...] ênfase
excessiva nos mecanismos de codificação e decodificação, apelo excessivo à memória e não
à compreensão pouca capacidade de motivar os alunos para a leitura e a escrita [...]” (CARVA-
LHO, 2005, p. 23), uma vez que não oferecem situações significativas onde os alunos possam
pensar acerca da escrita, percebendo a sua real função nas ações comunicativas. Em contra-
posição aos métodos sintéticos, os métodos analíticos pressupõem a compreensão do texto,
evidenciando a análise do “todo” para as “partes”, cuja proposta segue a ordem das unidades
maiores (palavras, frase, texto) para as unidades menores (letras, sílabas), procurando romper
com o princípio da decifração, cuja crença reside na visão globalizada da realidade, para a per-
cepção do todo antes de captar os detalhes (CARVALHO, 2005).
66 • capítulo 2
A concepção empirista nestes termos desconsidera a aquisição da linguagem escrita a
partir dos condicionantes sociais da criança, ao tempo que o processo de alfabetização ocor-
re de forma descontextualizada da realidade, sem, contudo imprimir um significado social no
processo de aprendizado da língua escrita.
8. Concepção psicogenética
A ênfase excessiva na eficácia dos métodos de alfabetização, no cenário educacional
brasileiro, se estende até meados da década de 1980, com a chegada dos resultados dos
estudos de Ferreiro e Teberoski (1999) acerca da concepção psicogenética de aquisição
da língua escrita, inaugurando uma revolução conceitual sobre a alfabetização, à medida
que refuta as antigas práticas de ensino e aprendizagem do sistema alfabético, concebendo
a criança enquanto sujeito que pensa acerca do funcionamento da escrita. Baseada nos
pressupostos teóricos da psicologia genética de Jean Piaget, esta concepção não se cons-
tituiu em um novo método de alfabetização. Tomando como parâmetro a compreensão do
processo de aquisição da língua escrita e falada pela criança, a alfabetização passa a ser
vista a partir do princípio de “como se aprende”, deslocando a atenção para a compreensão
do processo de construção do conhecimento realizado pelo aluno, uma vez que a aquisição
da leitura e escrita ocorre de maneira simultânea. Assim, a aprendizagem ocorre a partir da
interação do sujeito cognoscente (criança) com o objeto cognoscível (língua escrita) e o
sucesso da alfabetização decorre da transição das fases evolutivas de construção do conhe-
cimento sobre a escrita pelas quais passa a criança. Neste enfoque, Ferreiro e Teberosky
(1999) apresentam uma revolução conceitual ao explicarem a forma como a criança aprende
a ler e escrever, ao definirem as fases sucessivas (pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e
alfabética) pelas quais a criança passa durante o processo de aquisição da língua escrita.
Dessa forma, o papel do professor é o de mediador entre o sujeito cognoscente (aluno) e o
objeto cognoscível (código escrito), considerando a construção do conhecimento realizada
nesse processo, onde o aluno é um sujeito ativo, capaz de formular hipóteses, comprovar,
categorizar, a partir das experiências que vai realizando na interação com a língua escrita.
As contribuições da teoria psicogenética ao processo de ensino e aprendizagem da lín-
gua escrita traduzem-se no reconhecimento da criança enquanto sujeito ativo na construção
da escrita, bem como na importância dada ao professor quanto ao conhecimento de como
o aluno aprende, com vistas à elaboração de situações desafiadoras para a alfabetização da
criança, a fim de desenvolver uma aprendizagem significativa, desconsiderando a disputa en-
tre métodos adequados para alfabetizar. Por outro lado, a revolução conceitual impulsionada
pelo paradigma psicogenético suscitou equívocos quanto à compreensão acerca dos erros
capítulo 2 • 67
construtivos no processo de aprendizagem, no que se refere a intervenções pedagógicas
face às situações de construção do conhecimento, haja vista que a compreensão desse novo
conceito significou a não interferência do professor diante do processo de construção do
conhecimento do aluno para evitar bloqueios na aprendizagem.
9. Concepção sociointeracionista
A concepção sociointeracionista está fundamentada nos pressupostos teóricos do ma-
terialismo histórico-dialético, cuja compreensão da realidade é marcada pela história humana
em constante luta pela transformação a partir da ação interativa do homem com a natureza.
Parte da premissa de que o homem constitui-se através de interações sociais, onde transfor-
ma e é transformado nas relações produzidas no espaço social e no tempo histórico. Nessa
perspectiva, a aprendizagem é resultante das interações sociais, uma vez que estas desem-
penham papéis determinantes na constituição dos sujeitos, principalmente no que se refere
ao desenvolvimento das funções psíquicas do homem, tais como as representações do real,
a produção do pensamento e a utilização da linguagem como instrumento do pensamento
e como meio de comunicação (REGO, 1995). A leitura e a escrita são, portanto, concebidas
enquanto objetos culturais que estabelecem diferentes usos e funções com base no con-
texto social da criança. A concepção sociointeracionista compreende a importância que tem
para o professor alfabetizador o conhecimento de como ocorre o processo de construção do
conhecimento da língua escrita pela criança, no entanto avança para a compreensão da im-
portância da dimensão social neste processo de aquisição do conhecimento enquanto objeto
cultural, considerando que o processo de aprendizagem da criança depende [...] essencial-
mente da interação com o “outro” e, sobretudo, das “relações de ensino”, no caso da apren-
dizagem escolar (MORTATTI, 2007, p. 162). No âmbito escolar, o professor é considerado,
portanto, o parceiro mais experiente no processo de aquisição da língua escrita, no papel de
mediador entre a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento potencial do
aluno, a partir da proposição de situações didáticas significativas, da troca de experiências
e das pistas fornecidas nas situações de aprendizagem. O papel de mediador, de parceiro
mais experiente requer do professor, a percepção sensível do outro através da observação
e do registro das características peculiares das crianças, ao considerá-las enquanto sujeitos
interativos e produtores de conhecimento, que trazem para a escola experiências da língua
escrita, tudo isso visto como um rico material a ser explorado no contexto da alfabetização.
O sociointeracionismo vai além da discussão acerca de métodos de alfabetização, bem
como não concebe que a aquisição da linguagem implica somente uma dimensão individual,
mas enfatiza, sobretudo, a criança enquanto ser interativo na construção do conhecimento
mediada por seus pares, considerando, pois, a dimensão social no processo de aquisição
68 • capítulo 2
da escrita, de modo que o conceito de alfabetização supera o paradigma de mera tarefa de
codificação/decodificação, ao tempo que situa a aprendizagem do código a partir dos usos
sociais da escrita atribuindo-lhes sentido e significado com base nas diferentes situações de
utilização. Nesse sentido, há uma ampliação da questão metodológica, não se reduzindo a
métodos clássicos de alfabetização, mas referindo-se a
capítulo 2 • 69
objetivos específicos (KLEIMAN, 1995, p. 19). Tais práticas de usos da escrita extrapolam
as situações específicas de sala de aula, as quais classificam os sujeitos como alfabetizados
ou não-alfabetizados e concebem a forma escolar da escrita como via única para a sistema-
tização da realidade social. Ainda segundo Kleiman (1995), a escola não está preocupada
com o desenvolvimento do letramento como prática social, mas apenas com a prática da
alfabetização, como aquisição de códigos alfabéticos e numéricos, a fim de desenvolver na
criança uma competência individual necessária para o sucesso escolar, sem considerar a
dimensão social desse aprendizado, relacionando-o com as práticas sociais da língua oral
e escrita desenvolvidas pela família e outros grupos que a criança participa. Para Soares
(2004), o termo letramento surge a partir das novas relações estabelecidas com as práticas
de leitura e escrita na sociedade, ao passo que não basta apenas saber ler e escrever, mas
que funções a leitura e a escrita assumem em decorrência das novas exigências impostas
pela cultura letrada. Ainda segundo Soares (2004, p. 47), a alfabetização é [...] a ação de
ensinar/aprender a ler e a escrever, ao tempo que letramento [...] é estado ou condição de
quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a
escrita. Assim, o letramento implica a apropriação da escrita e sua utilização nas diversas
práticas que envolvem a leitura e a escrita, extrapolando o processo inicial de aquisição do
código alfabético, que constitui uma especificidade da alfabetização, bem como consideran-
do as práticas vivenciadas cotidianamente nos contextos culturais. O termo letramento é um
fenômeno plural, multifacetado, cuja compreensão implica os usos e funções das demandas
de leitura e escrita postas pela sociedade letrada, não apenas para o sujeito que sabe ler e
escrever, mas também para quem utiliza o código a partir de alguma mediação, como dife-
renciar mercadorias pela marca, reconhecer o valor do dinheiro, ouvir uma notícia de jornal,
dentre outras situações decorrentes de utilização da escrita presentes no contexto de uma
sociedade grafocêntrica. Decorrem desta perspectiva, categorias distintas da definição de
letramento, tais como a dimensão individual e a dimensão social para a compreensão do
termo enquanto um fenômeno plural, socialmente construído, cujo significado é explicitado
a partir do contexto histórico de cada grupo social. Conforme Soares (2004), na dimensão
individual, o letramento é visto como um atributo pessoal, que envolve um conjunto de ha-
bilidades lingüísticas e psicológicas desenvolvidas nos processos de leitura e escrita que
caracterizam uma pessoa enquanto letrada ou iletrada a partir do desenvolvimento de deter-
minadas habilidades avaliadas com base em critérios como ler e escrever com precisão, por
exemplo. Por outro lado, dada a especificidade do contexto onde ocorre a ação comunicativa
da língua por meio da escrita, a dimensão social do letramento considera o uso que o sujeito
faz da leitura e da escrita em dado contexto social, a partir da especificidade e natureza dela
decorrente. A dimensão social do letramento realça os princípios de uma alfabetização crítica,
70 • capítulo 2
transformadora, que considera o sujeito um ser histórico, situado nos diferentes contextos
sociais e, portanto capaz de utilizar a escrita enquanto ferramenta para o desenvolvimento de
suas competências para melhor atuar na sociedade tecnológica. Assim, o princípio de uma
alfabetização transformadora coaduna com uma educação problematizadora, na perspectiva
freireana, [...] comprometida com a libertação, empenhada na desmistificação [...] (FREIRE,
1987, p. 72) do domínio da palavra a uma minoria elitizada que detém o poder da escrita,
legitimando as relações de dominação entre os que se apropriaram da tecnologia da escrita
e aqueles que não a possuem, sendo, portanto marginalizados. É importante observar, no
entanto, que a discussão em torno dos processos de alfabetização e letramento não implica
na substituição e ou dissociação de um termo por outro, lembrando que ambas as categorias
conceituais de aquisição da língua escrita envolvem processos complexos que se traduzem
em diferentes dimensões.
capítulo 2 • 71
cional exigem dos educadores a busca contínua de inovações, visando a melhoria de suas
práticas pedagógicas, uma vez que este processo implica rupturas e reelaborações de co-
nhecimentos, tornando-se por isso uma instância na qual emergem razões essenciais para
a sobrevivência e satisfação pessoal e profissional do professor, sob o foco do desenvolvi-
mento profissional, concebendo o professor como um ser que interage com o saber, sendo
a escola um espaço permanente de produção de conhecimento. Reportando-nos aqui, de
modo específico ao campo da alfabetização, podemos analisar as implicações pedagógicas
decorrentes com base nas duas grandes vertentes de compreensão da realidade - de um
lado, a prática tradicional e, de outro, as práticas sociointeracionistas – na aquisição da leitura
e da escrita. Nesta ótica, numa concepção tradicional, o professor alfabetizador tem sua ação
voltada para a memorização, bem como para atividades repetitivas de estímulo-resposta, sem
significado para quem as realiza, haja vista que a leitura e a escrita são concebidas enquanto
processos mecânicos, dissociados do contexto cultural do aluno. Revisitando as bases teóri-
cas do sociointeracionismo, destacamos a relevância atribuída às interações sociais na pro-
dução do conhecimento, uma vez que a aprendizagem ocorre como um fenômeno inerente
às relações estabelecidas entre o sujeito e seus pares. Neste aspecto, a prática pedagógica
é marcada por uma rede de interações que envolvem não apenas professores e alunos, mas
todo o processo educativo, incluindo os resultados da ação docente. Quanto à aquisição da
leitura e escrita, na prática sociointeracionista, esta é concebida como um processo social,
uma vez que, numa sociedade grafocêntrica, o ato de ler e escrever são considerados objetos
culturais. Portanto, este processo de aquisição da leitura e da escrita não deve desconsiderar
os aspectos sociais do aluno, uma vez que alfabetizar por si só não basta mais. É preciso,
portanto, desenvolver práticas sociais de leitura e escrita, a partir de seus diferentes usos
e funções requeridos pela sociedade, de modo a compreender o letramento enquanto um
novo conceito de compreensão acerca da função social da escrita. O fazer diferenciado da
alfabetização na perspectiva do letramento exige do professor alfabetizador conhecimentos
específicos acerca da natureza da aquisição da leitura e da escrita, a fim de que possa com-
preender a dinâmica do processo de aprender pelo aluno com vistas à sistematização do
código escrito. Com base no exposto, evidenciamos o papel fundamental que a professora
alfabetizadora assume no processo de apropriação da escrita, sendo necessária a sistema-
tização de conhecimentos linguísticos, psicolinguísticos e sociolinguísticos acerca da língua
materna, a fim de que desenvolva situações significativas de ensino, proporcionando ao aluno
uma aprendizagem bem-sucedida na apropriação da escrita, de modo que este compreenda
os usos e funções sociais desse produto cultural. As reflexões acerca da especificidade da
72 • capítulo 2
alfabetização e do letramento nos revelam a necessidade da vinculação dos dois termos
na prática pedagógica alfabetizadora, de modo que o trabalho pedagógico desenvolvido na
escola contemple uma proposta de “alfabetizar letrando”, onde o ensino e a aprendizagem
do código estejam permeados pelas práticas sociais de utilização da escrita, conferindo-lhe
sentido e significado a partir de suas diferentes finalidades no contexto social, afinal, numa
sociedade letrada, não basta apenas aprender ler e escrever, é preciso praticar socialmente
a leitura e a escrita, compreendendo as finalidades decorrentes nos diversos contextos de le-
tramento. Por outro lado, alfabetizar letrando não constitui um novo método de alfabetização
que consiste na utilização de textos variados no ambiente escolar, mas de ressignificar o sen-
tido da alfabetização, sobretudo numa perspectiva pedagógica na melhoria de metodologias
relacionadas à aquisição da escrita, haja vista que, conforme Soares (2004), há múltiplos
métodos para a aprendizagem inicial da língua escrita. As práticas de alfabetização desenvol-
vidas na escola devem contemplar a contextualização da escrita com base nas situações re-
ais de uso dessa tecnologia na sociedade, oferecendo condições para o letramento ao tempo
que situam os gêneros textuais demarcando suas funções comunicativas. Consideramos a
ressalva de que a escola não pode garantir o acesso a todos os tipos de leitura ou mesmo
a sua utilização, no entanto, enquanto agência promotora do letramento deve encaminhar o
aluno ao acesso da cultura letrada, possibilitando-o o conhecimento das diferentes formas
de utilização dos recursos comunicativos. Tal proposição encaminha a discussão acerca do
papel da professora alfabetizadora nesse contexto, a fim de que possa desenvolver práticas
significativas de ensino que possibilitem o desenvolvimento do aluno acerca do funciona-
mento e utilização da escrita. O papel da professora alfabetizadora, nesse sentido, é a de me-
diadora desses conhecimentos, tendo em vista a potencialização das funções psicológicas
superiores da criança, a fim de que esta possa se desenvolver autonomamente. Ressaltamos
nesse aspecto, a importância do conhecimento acerca do funcionamento da escrita e de
como a criança aprende, como saberes necessários à professora alfabetizadora, objetivando
o desenvolvimento de situações significativas de aprendizagem, possibilitando aos alunos
refletir sobre o uso e a função social da escrita no seu cotidiano, como aspectos integrantes
da organização do trabalho pedagógico na alfabetização. Neste contexto, discutir sobre a
prática pedagógica alfabetizadora é refletir também acerca de vários determinantes, dentre
os quais destacamos: a concepção acerca do homem que se deseja formar; as estratégias
didáticas a serem desenvolvidas rumo ao desenvolvimento de uma prática que focalize a
aprendizagem numa dimensão significativa, considerando a função social da escrita, bem
como a ação crítico-reflexiva que deve permear o fazer docente.
capítulo 2 • 73
Notas conclusivas
Com base na reflexão ora mencionada neste trabalho consideramos relevante compreender
a prática pedagógica como elemento de produção do conhecimento ao tempo que se confi-
gura como espaço de reflexão para a ação, concebida a relação indissociável entre teoria e
prática. A proposta de alfabetização na perspectiva do letramento constitui um desafio para
o professor, pois requer mudanças significativas acerca das questões teórico-metodológicas
que norteiam a prática pedagógica a partir do ensino da leitura e da escrita de forma me-
cânica e repetitiva, sustentada pelos métodos tradicionais expressos nas antigas cartilhas
de alfabetização, desenvolvendo conteúdos desconectados das práticas sociais vivenciadas
pelos alunos. Nesse contexto, a ressignificação da prática alfabetizadora decorre da ação
crítico-reflexiva que deve permear o fazer docente, considerando a concepção acerca do
homem que se deseja formar e as questões teórico-metodológicas em torno da alfabetização
e do letramento rumo a uma aprendizagem significativa.
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74 • capítulo 2
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Ática, 2003.
capítulo 2 • 75
76 • capítulo 2
3
Práticas de
Alfabetização:
Alfabetizar Letrando
Neste capítulo veremos que a alfabetização é um fenômeno socialmente cons-
truído e, como uma construção social, é permeada por ideologias de base histó-
rica e por um conjunto de práticas comunicativas ligadas ao contexto. Portanto,
vamos refletir sobre o conceito de alfabetização integrado ao de letramento, de
acordo com o conceito de mundo, de sociedade, de homem que se pretender
formar ou emancipar – em outras palavras, de acordo com o contexto social
vigente.
OBJETIVOS
O objetivo desta unidade é levar você a refletir sobre os conceitos e as práticas escolares
de alfabetização e letramento no contexto social contemporâneo no qual estamos inseridos.
78 • capítulo 3
3.1 Alfabetização e Letramento: Contexto
histórico e definições
capítulo 3 • 79
Soares ressalta:
80 • capítulo 3
CONEXÃO
Para saber mais, acesse www.edrev.info/reviews/revp57.pdf.
Em 1986, o termo letramento foi utilizado no Brasil por Mary Kato na obra No mundo
da escrita: uma perspectiva psicolinguística, da Editora Ática, SP. Em 1988, passa a ter
conotação no discurso educacional ao ser definido por Tfouni em Adultos não alfabeti-
zados: o avesso do avesso da Editora Pontes, SP.
capítulo 3 • 81
atenção para o sujeito que aprende, ou seja, para a criança e sua relação com o
objeto de aprendizagem que é a língua.
Os estudos de Emilia Ferreiro, Ana Teberosky, Carraher, Luria e outros pos-
sibilitaram uma profunda reflexão sobre o processo de alfabetização, colocan-
do o aluno como sujeito da aprendizagem e o professor, como mediador neste
processo e a comprovação de que a criança inicia seu processo de alfabetização
antes e durante a escolarização, pois a leitura e a escrita não são práticas ex-
clusivas da escola, mas práticas sociais que vão à escola para que possam ser
apreendidas socialmente com vistas às suas funções.
Além disso, é preciso deixar claro que o construtivismo não é um método e
muito menos uma proposta de prática pedagógica, mas uma importante fun-
damentação teórica que nos leva, como educadores, a repensar nossa concep-
ção de ensino e aprendizagem, a relação da criança com o objeto de aprendi-
zagem e a nossa postura como mediadores desse processo. E, diante de todo
este instrumental teórico, podemos selecionar os conteúdos, os objetivos e a
metodologia que melhor efetive o processo de alfabetização.
Podemos perceber que a concepção construtivista sobre a alfabetização en-
caminhou uma percepção ao conceito e à prática de alfabetização e letramento.
Diante disso, pautaremos nossas reflexões nas considerações de Tfouni sobre
alfabetização e letramento – ela que foi uma das precursoras, como já vimos, do
uso do termo no Brasil – e de Kleiman.
A pesquisadora infere que a necessidade de começar a falar em letramento
surgiu a partir da tomada de consciência dos linguistas de que havia alguma
coisa além da alfabetização, mais ampla e até mais determinante. Para ela, le-
tramento não é sinônimo de alfabetização; significa um conjunto de práticas
sociais que usam a escrita. O letramento, em seu entendimento, objetiva inves-
tigar não somente quem é alfabetizado, mas também aquelas pessoas que não
o são “e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no so-
cial”. Entretanto, diz a autora, o sentido dominante, e difundido historicamen-
te, situa o indivíduo letrado como sinônimo de pessoa alfabetizada, erudita, de
muitas letras.
No século XIX, com os movimentos de educação em massa, desenvolve-se
um referencial de letramento denominado modelo autônomo. Nessa concep-
ção, o letramento é definido como uma atividade estritamente voltada para os
textos escritos. A escrita passa a ser entendida como um produto completo em
si mesmo, que não precisa estar preso ao contexto de sua produção para ser
82 • capítulo 3
interpretado. Passa a existir uma diferenciação entre o uso oral e o uso letra-
do da língua, os quais ficam separados, isolados, caracterizando, assim, uma
grande divisa. Segundo a tese do modelo autônomo de letramento, há carac-
terísticas marcadas para as modalidades orais e para as modalidades escritas
de comunicação. No primeiro caso, há a presença de um raciocínio emocional,
contextualizado e ambíguo, que é pré-lógico, primitivo e concreto. No segundo
caso, há um raciocínio abstrato e descontextualizado, que é lógico, moderno
e científico. Dessa maneira, a escrita representa uma ordem de comunicação
bastante distinta da oral (KLEIMAN, 1995; TFOUNI, 1995).
O letramento no modelo autônomo, tomado como sinônimo de alfabetiza-
ção e amplo domínio da leitura e da escrita de textos, é entendido como a causa
do progresso, da civilização, da tecnologia, da liberdade individual e da mobili-
dade social. Dessa maneira, sociedades com indivíduos letrados são superiores
e mais avançadas do que aquelas cujos membros se pautam, primordialmen-
te, na comunicação oral. Além do progresso da sociedade, outra consequência
atribuída ao processo de letramento, na perspectiva do modelo autônomo, é a
aquisição de funções lógicas mais desenvolvidas. Acredita-se que o desenvolvi-
mento da escrita é o meio mais importante para o desenvolvimento cognitivo,
possibilitando o alcance do pensamento abstrato, a mudança dos signos para
os conceitos (KLEIMAN, 1995; TFOUNI, 1995).
Segundo Kleiman (1995), a tese das consequências cognitivas da aquisição
da escrita, que aponta diretamente para o divisor pensamento concreto versus
pensamento abstrato, parece remontar às efetivas diferenças na resolução de
problemas de classificação, categorização, raciocínio lógico dedutivo, dentre
outros, constatados por Luria em pesquisas realizadas no início da década de
1930, em regiões da União Soviética.
O pesquisador trabalhou com dois grupos associativos. Um era composto
de camponeses que ainda viviam sob as condições de um regime feudal, isto é,
pessoas mais velhas, analfabetas, subsistentes de economias tradicionais. Já o
outro grupo era formado por pessoas mais jovens, alfabetizadas, com frequên-
cia de dois a três anos no processo de escolarização, participantes das comunas
e que viviam em regiões que passavam por transformações socioeconômicas e
culturais profundas, devido ao engajamento na Revolução.
O procedimento da pesquisa consistia em apresentar um conjunto de obje-
tos que deveriam ser comparados e, com base nessa comparação, classificados
como membros de uma categoria genérica: um pepino e uma rosa pertencem à
capítulo 3 • 83
vida vegetal; uma coruja e um peixe, à vida animal. Como resultado, Luria pôde
perceber que os sujeitos mais jovens e alfabetizados comparavam os objetos
utilizando categorias genéricas, enquanto os camponeses respondiam seguin-
do esquemas práticos e utilitários. Respondendo, por exemplo, ao questiona-
mento sobre o que o sangue e a água têm em comum, um entrevistado cam-
ponês disse que a semelhança entre eles é que a água pode lavar todo tipo de
sujeira e, então, pode lavar o sangue também. Sobre essa pesquisa realizada por
Luria, Kleiman ressalta ter havido, no período, o problema do isolamento da
variável que determina as diferenças, pois, na maioria das vezes, o letramento e
a escolarização acontecem simultaneamente, o que torna complicado afirmar
que é a aquisição da escrita a causa do pensamento lógico e abstrato.
Foi somente quase cinco décadas depois da pesquisa de Luria que um estu-
do comparativo sociocognitivo, feito por Scriber e Cole (1981) com o povo Vai na
Libéria2 , pôde clarificar que as consequências cognitivas consideradas como
superiores, que permitem à pessoa um controle maior sobre os processos men-
tais e as informações simbólicas, muitas vezes atribuídas somente à alfabeti-
zação, ou melhor, à aquisição da habilidade de escrita, são, principalmente,
decorrentes da escolarização (KLEIMAN, 1995; COOK-GUMPERZ, 2008).
A relevância dessa pesquisa foi evidenciar que o desenvolvimento de habi-
lidades mentais mais abstratas, que o modelo autônomo de letramento atribui
universalmente à escrita, é consequência, na realidade, da qualidade de possi-
bilidades de determinado contexto cultural e social. Em termos de sociedade,
esse estudo fornece argumentos que permitem, de certa forma, desbancar a
reprodução do preconceito que separa as pessoas em duas espécies cognitiva-
mente distintas: a dos que sabem ler e escrever e a dos que não sabem.
84 • capítulo 3
escolares que objetivam práticas discursivas que valorizem não apenas o saber,
mas também o saber dizer.
Diferentemente do modelo autônomo de letramento, o modelo ideoló-
gico focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito
por uma sociedade; afirma que as práticas de letramento são social e cultural-
mente determinadas, ou seja, o letramento é apontado como produto do de-
senvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção, dentre
outros fatores, fazendo com que os instrumentos linguísticos e conceituais que
ele põe à disposição das pessoas não sejam neutros nem inocentes. O mode-
lo ideológico não pressupõe uma relação causal entre letramento e progresso
ou civilização. O importante, nessa perspectiva, é investigar as característi-
cas das áreas de interface entre prática oral e prática escrita (TFOUNI, 1995;
KLEIMAN, 1995).
O letramento, nesse modelo ideológico, não quer dizer apenas aquisição
da habilidade escrita. Representa um movimento que começa com o nascer e
alcança amplitude com a aquisição da escrita. Se o letramento se inicia com o
nascimento, ou melhor, com a primeira inserção da pessoa no meio social e vai
adquirindo abrangência maior com as interações associativas e institucionais,
a argumentação que se propõe mostrar é que o termo iletrado não pode ser em-
pregado como antítese de letrado. O que se quer dizer é que não existe, nas so-
ciedades modernas, um grau zero de letramento, isto é, não existe o iletramen-
to, não existem pessoas iletradas. Podemos falar em graus de letramento, que
serão mais ou menos sofisticados, dependendo das possibilidades oferecidas à
pessoa (TFOUNI, 1995).
Partindo do pressuposto de que não há pessoas iletradas na sociedade, mes-
mo que algumas não tenham participado do processo de escolarização, a infe-
rência a que se chega é que o letramento e a alfabetização são processos inter-
ligados, porém separados no tocante à sua abrangência e natureza. Podemos,
dessa forma, separar o fenômeno do letramento do processo da escolarização,
mesmo sabendo que, comumente, o letramento acompanha o processo de alfa-
betização. Evitam-se, assim, as classificações preconceituosas decorrentes da
aplicação das categorias letrado e iletrado, que geralmente, são associadas às
características alfabetizado e não alfabetizado.
Outro aspecto muito importante presente no modelo ideológico de letra-
mento é a não dicotomia entre oralidade e escrita. Nessa perspectiva, o letra-
mento é entendido em meio a um continuum, não há quebra nem oposição
capítulo 3 • 85
entre a prática oral e a escrita. Alguns autores trabalham com a interface entre
a oralidade e a escrita, afirmando que nem toda escrita é formal e planejada
nem toda oralidade é informal e sem planejamento. Uma carta pessoal, por
exemplo, é uma escrita que tem semelhanças com a conversação; há também
palestras, que são orais, com características bem planejadas e formais, como as
praticadas na escrita (TFOUNI, 1995; KLEIMAN, 1995).
Kleiman (1995) menciona que as reflexões de Bakhtin indicam que a lingua-
gem, seja qual for a sua modalidade de comunicação (oral, escrita ou gestual),
é, por natureza, polifônica. Isso quer dizer que a linguagem possui várias vozes,
ou seja, possui vozes outras que não a do enunciador. Sendo, então, polifônica
a linguagem, temos, também, o pressuposto do dialogismo, que é a incorpora-
ção do outro no texto do autor. Para Bakhtin, essas são características linguísti-
cas presentes nos mais diversos tipos de textos, mesmo que possuam grandes
diferenças formais e de complexidade, devido ao modelo e ao gênero a que pos-
sam pertencer.
Entendendo, portanto, que toda modalidade de linguagem possui caracte-
rísticas comuns, vale pensar a oralidade e a aquisição da escrita por meio de
suas semelhanças constitutivas e não por meio das diferenças. Compreendê-
las pela via das semelhanças evita a separação social entre os alfabetizados e os
não alfabetizados, bem como a tendência de rotular os não alfabetizados de ile-
trados, julgando pessoas que, na maioria das vezes, não tiveram oportunidades
de alargar o seu grau de letramento com base na norma estabelecida pelos gru-
pos dominantes da sociedade. Em suma, evita-se a reprodução do preconceito.
Como dito anteriormente, para a ideologia disseminada pelo modelo au-
tônomo de letramento parece inquestionável que a aquisição da escrita tenha
como consequência cognitiva o desenvolvimento do pensamento lógico e abs-
trato. Porém, Tfouni (1995, p. 26) diz que a questão que se coloca para nós é: a
inversa é verdadeira? Pode-se concluir que quem não adquiriu a escrita é inca-
paz de raciocinar logicamente? Segundo a própria autora, “não é isso que os da-
dos mostram”. Pesquisas desenvolvidas por ela mesma ou sob sua orientação
evidenciam alguns fatos interessantes sobre o raciocínio lógico de adultos não
alfabetizados. O primeiro deles, observa Tfouni, “é que, ao contrário do que se
pensa, os não alfabetizados têm capacidade para descentrar seu raciocínio e
resolver conflitos e contradições que se estabelecem no plano da dialogia”.
O dialogismo remete-se à elaboração gradativa de sentidos entre os interlo-
cutores (leitores e escritores) e os textos. Nessa construção de sentidos, o autor
86 • capítulo 3
interage com diferentes vozes, ou seja, há interação polifônica, fazendo com
que o texto que se quer produzir não seja visto isoladamente, mas em correla-
ção com outros discursos similares ou próximos. Os não alfabetizados resol-
vem problemas, conflitos e descentram seu raciocínio a partir de planos de re-
ferência muitas vezes delimitados pela experiência. Entretanto, eles comparam
esses planos para que possam decidir qual deles será usado para a resolução
do problema proposto. Dessa maneira, pode-se dizer que os não alfabetiza-
dos também lidam com a construção de sentidos na elaboração de seus textos
orais, lidam com o dialogismo e a polifonia, sendo, portanto, autores.
A autoria é o eixo do conceito de letramento, como defendido por Tfouni. Os
não alfabetizados, ou pessoas que tiveram pouco tempo ou escassas oportuni-
dades de escolarização, também podem ser autores – se não de textos escritos,
podem ser autores de textos orais. Segundo a pesquisadora, o autor é “aquele
que organiza o discurso escrito, dando-lhe uma orientação por meio de meca-
nismos de coerência e coesão, mas também garantindo que certos efeitos de
sentido e não outros serão produzidos durante a leitura”.
Dessa forma, pode-se dizer que “efeitos de sentido, tais como: a sensação de
cumplicidade entre narrador e leitor/ouvinte, ou ainda a criação de um efeito
de suspense, seriam preenchidos pela função-autor” (TFOUNI, 1995, p. 53). Se
os não alfabetizados podem ser considerados autores, é porque há controle e
efeito de sentidos em seus textos, o que indica, então, uma maneira de descen-
trar o raciocínio e apresentar uma lógica do pensamento.
Para Tfouni (1995), o conceito de autor tem a ver com a noção de sujeito
do discurso. O autor atua no intradiscurso, na organização e no processo de
criação de seu texto; o sujeito do discurso atua na dimensão do interdiscurso,
ou seja, na dimensão daquilo que já foi dito e que circula sobre determinado
assunto.
Mais especificamente, pode-se dizer que o autor é aquele que tece o fio do
discurso de modo que o leitor ou o ouvinte da trama tenha a impressão de ser
aquele texto um produto linear, coerente, coeso e que tem começo, meio e fim.
No processo de criação do texto, existe um movimento de deriva e dispersão
de sentidos, que a função-autor pretende e precisa controlar; o autor, de textos
tanto escritos como orais, precisa fazer com que outra pessoa entenda o que se
está dizendo. O sujeito do discurso remete à existência de uma pessoa que tem
a sua formação desenvolvida no interior de um discurso.
capítulo 3 • 87
Segundo Gallo (1992), o sujeito do discurso é formado no meio social em
que está inserido. Essa pessoa não vive em um vácuo social, não se constitui
independentemente de um mundo de opiniões, crenças, hábitos, costumes e
ideologias. Quando esse sujeito se coloca na origem de seu dizer, de seu texto,
importa para o interior desse seu discurso as falas que já existem e que circu-
lam na formação discursiva em que está inserido. O sujeito do discurso, leva
para o texto o interdiscurso, ou seja, o “já-lá” – aquilo que já estava lá, no social,
quando o autor o utilizou. O que sustenta o sujeito do discurso é uma memória
discursiva que guarda as informações presentes nas leituras, nas músicas, nos
dizeres, nas experiências de viagens etc.
Toda essa discussão sobre alfabetização e letramento evidencia a negativi-
dade de separar, numa grande divisa, pessoas alfabetizadas e letradas daquelas
não alfabetizadas e, portanto, consideradas iletradas. O aspecto negativo desse
pensamento pauta-se, principalmente, no rótulo atribuído àqueles indivíduos
que, por não terem tido oportunidades, são classificados como incapazes, infe-
riores e, no limite, não dignos de atenção educativa.
Vimos, também, que tal entendimento preconceituoso não é verdadeiro,
pois pessoas não alfabetizadas ou com pouco tempo de escolarização possuem
graus de letramento, evidenciados em suas habilidades de autoria. Tal fato in-
dica que o letramento não está necessariamente ligado aos processos escolares,
entretanto sabemos que os níveis de letramento podem muito bem ser poten-
cializados com oportunidades educacionais e de alfabetização. Agora, fica-nos
um questionamento: se a inserção em uma sociedade letrada não garante for-
mas iguais de participação, como é que a escola, e os profissionais da educação,
podem contribuir para potencializar a capacidade letrada de seus educandos?
CONEXÃO
Para um estudo mais aprofundado sobre os modelos “Autônomo” e “Ideológico” de Letra-
mento descritos por Street, indica-se a leitura completa da obra de Ângela Kleiman, 1985.
88 • capítulo 3
3.2 O que é Alfabetizar letrando?
Se sabemos o que significa alfabetizar e letrar, vale colocar que alfabetizar e
letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria
alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas
sociais da leitura e da escrita. (Soares, 1998, p. 47)
O que vamos encontrar no discurso da educação sobre as práticas de ensino
é um incessante convite à reflexão mais aprofundada da possibilidade da reali-
zação da prática de alfabetização na perspectiva do letramento.
Essa perspectiva busca ressaltar a importância e a necessidade de se alfa-
betizar mediante práticas reais de leitura e escrita. Práticas sociais, as quais
fazem parte do contexto social das crianças, da realidade cultural que envolve
sua vida.
A proposta é aprender significativamente, ou seja, a criança aprende a de-
senvolver suas competências de leitura e escrita, mediante a prática constante
de suas habilidades técnicas de leitura e escrita adquiridas.
Nós, professores, diante dessa proposta, temos que procurar a utilidade
significativa do conteúdo a ser desenvolvido na alfabetização para que a crian-
ça, como sujeito da aprendizagem, possa ter oportunidade de refletir sobre o
conhecimento anterior e o conhecimento durante a escolarização deixando
evidente para análise e reflexão do professor como mediar sua aprendizagem
diante da hipótese de escrita que apresentar.
Entretanto, podemos optar por práticas que propiciem um contexto rico de
oportunidades, tentando, dessa forma, não acentuar a desigualdade de ofere-
cimento de condições, vigente na sociedade; práticas que contribuam para po-
tencializar o grau de letramento dos educandos, que favoreçam a autoria, que
levem em conta a pluralidade e a diferença e que formem o pensamento crítico.
Uma prática interessante de ser desenvolvida com crianças em período ini-
cial de alfabetização é a elaboração de textos coletivos. Um primeiro destaque
que podemos atribuir a essa prática recai, justamente, na valorização do texto
oral. As crianças podem, por exemplo, ouvir uma história e, depois, ser incenti-
vadas a relembrar e recontar a história ouvida, organizando, conjuntamente, a
composição do texto escrito. Essa é uma prática amplamente relevante, porque
o professor atua como um mediador do entendimento da organização estrutu-
ral de um texto. Nesse processo de mediação, as crianças podem questionar,
capítulo 3 • 89
elaborar hipóteses, confrontar hipóteses e chegar a decisões coletivas – um pro-
cesso que colabora para a compreensão de alguns recursos necessários para a
elaboração de textos escritos.
Na construção coletiva de textos, o grupo tem a oportunidade de conver-
sar sobre efeitos de sentidos e sobre o uso de artifícios que possam garantir
o controle e a organização desses sentidos, a fim de dar coerência e coesão à
narrativa; nesses momentos coletivos, as crianças assumem a função-autor,
pois, como dito, têm que organizar os sentidos e montar a história de maneira
que ela tenha início, meio e fim, garantindo a coerência e a coesão do texto. A
construção coletiva de textos é um momento em que as crianças lidam com o
intradiscurso e com o interdiscurso.
É importante que a temática do texto coletivo também seja significativa
para as crianças; é importante que escrevam textos sobre algo que conheçam,
que tenham estudado, que tenham conversado ou que tenham vivenciado e ex-
perienciado, pois, dessa forma, terão mais subsídios para enriquecer o con-
teúdo textual.
Em suma, a elaboração de vários textos coletivos, mediante as discussões
conjuntas sobre caminhos de organização textual, ajuda na construção da me-
mória discursiva das crianças – quando tiverem que organizar, criar outros tex-
tos, sozinhas ou coletivamente, poderão lembrar-se dos recursos, dos efeitos,
das regras e dos modelos debatidos.
Imersas em situações que favorecem a significação da função social da es-
crita, as crianças passam a conhecer a necessidade de planejamento e organi-
zação de ideias para produzir textos escritos, passam a conhecer a estrutura de
um texto (carta, texto instrucional, diálogos, recados, bilhetes etc.), bem como
sua função social. É também um momento importante para que tenham avan-
ços quanto à base alfabética, à ortografia e aos procedimentos (gramaticais)
necessários para escrever cada vez melhor. Pode-se planejar momentos em que
as crianças tenham que fazer revisões dos textos, elaborando estratégias para
garantir a coerência e o entendimento deles. Assim, as crianças desenvolvem
autonomia progressiva nas produções de leitura e escrita, apreciando o próprio
trabalho escrito, bem como o de seus amigos.
Como se vê, um trabalho contínuo entre oralidade e escrita, bem como de-
bates, conversas, elaborações de hipóteses e experiências, é um meio potencial
para ajudar as crianças na organização de seus textos, na apropriação da função
-autor, enfim, no desenvolvimento de uma consciência textual.
90 • capítulo 3
Como visto, os exemplos apresentados nessa seção evidenciam práticas que
abrem espaço para o saber dizer, para a produção de sentidos, para o desenvol-
vimento da autoria e da criatividade, deixando de lado o pensamento parafrás-
tico, isto é, aquelas formulações e respostas em que o que vale é um sentido
único e preconcebido.
A alfabetização, nesses exemplos, não se resume à mera codificação, não
se restringe à junção de sílabas, ao conhecimento das letras, à produção de um
texto cujo valor está apenas na quantidade de acertos ortográficos. Partindo de
um conceito de alfabetização que valoriza o letramento, essas práticas revelam
o incentivo do desenvolvimento da autoria, do uso dos sentidos discursivos, da
criatividade, da expressão linguística, sem, obviamente, deixar de lado o estudo
das palavras, da ortografia, enfim, das normas cultas da linguagem. O diferen-
cial é que as crianças não precisaram decorar regras ou empregá-las de modo
descontextualizado, sem significado ou sentido.
O saber dizer e o saber escrever são praticados e aprendidos em meio aos
interesses da vida da criança, de modo, muitas vezes, lúdico, desafiador, cons-
trutor de hipóteses e significativo.
capítulo 3 • 91
CONEXÃO
Para saber mais sobre o assunto “Analfabetismo Funcional” acesse um artigo de Thomaz
Wood Jr. — publicado 24/07/2013 pelo link:
http://www.cartacapital.com.br/revista/758/analfabetismo-funcional-6202.html
92 • capítulo 3
A equipe de professores, em conjunto com o grupo de coordenação e dire-
ção da escola, pode debater possibiidades de tornar o espaço físico da institui-
ção um verdadeiro, concreto e grande portador de texto. Na biblioteca pode-se
pensar, por exemplo, na elaboração de pastas com o catálogo dos livros, cada
grupo da instituição pode elaborar cartazes com indicações de livros, filmes ou
documentários interessantes. Nos refeitórios podem ser fixados cartazes ou
distribuídos folhetos com curiosidades sobre alimentos, higiene no preparo da
alimentação, nutrição, bem como o cardápio da semana. As salas e corredo-
res são possibilidades de exposição de trabalhos e produções elaborados pelos
alunos.
Nos pátios, pode-se organizar “cantos” contadores de história, com poesias,
com cordéis, com letras de músicas e até mesmo, com informações sobre al-
gum tema útil para a sociedade no momento, como é o caso da dengue, polui-
ção, aquecimento global, problemas com drogas, entre outros.
Como se vê, o prédio escolar pode ser um espaço agradável, com elementos
de autoria daqueles que o frequentam, informativo e portador de mensagens e
textos.
Quanto aos suportes de textos, estes são objetos especificamente pro-
duzidos para a escrita, como livros, revistas, jornais, documentos em geral.
Portanto, promover o contato participativo da criança com estes materiais aju-
da-a a compreender sua função e servir de suporte para produção dos mesmos,
e além de constituir um rico material de leitura, com o qual as crianças apren-
dem determinados conceitos relacionados com o que está impresso, ou seja,
aprende a observar o que está escrito, identificando letras e encontrar seus va-
lores sonoros; o observar e relacionar ilustração com a escrita; a folhear revista,
livro, jornal; aprende a postura de leitor ao manter o material diante de si e a
reconhecer e selecionar o tipo de material impresso para buscar de-terminado
assunto ou informação de acordo com o gênero e função.
Para que a criança possa envolver-se efetivamente com a leitura e a escrita, é
importante que ela seja inserida num ambiente adequado e propício à cultura
da escrita.
Vejamos, na íntegra, o que Teberosky e Colomer (2003, pp. 106-111) trazem
sobre o ambiente de cultura escrita.
capítulo 3 • 93
Características de um Ambiente de “Cultura Escrita”
94 • capítulo 3
ordenar ou exortar, ou para informar as pessoas. Entre eles, podemos encon-
trar pôsteres, cartazes, painéis, textos comemorativos, folhetos etc.
Outro tipo de material consiste nos portadores de textos do espaço domés-
tico, que estão presentes em todos os lares. Estamos nos referindo, aqui, aos
rótulos, signos, marcas e logotipos feitos sobre embalagens impressas de uma
grande diversidade de materiais como, por exemplo, papel, madeira, lata, vi-
dro, plástico, pano, cerâmica etc., e também folhetos, material publicitário,
manuais com diversas fontes e cores.
É claro que tais escritos domésticos são um pouco peculiares, no sentido de
que são compostos pela mistura de princípios icônicos e alfabéticos: são escri-
tos com letras, mas não são lidos como quaisquer palavras, pois se tornaram
algo semelhante aos hieróglifos.
Os escritos domésticos dão informação e comunicam diretamente sem pas-
sar pela linguagem. Pensemos nos cartazes de McDonald´s, Antártica, Coca-
Cola, Danone, Parmalat, Nestlé, etc.
E, finalmente, existem os escritos das máquinas interativas, incluindo o
computador. Muitas máquinas, presentes no ambiente infantil, têm escritos
sobre modos de uso, que ordenam de forma interativa e sequencial as ações
que os usuários devem realizar.
Por exemplo, o telefone público, os caixas automáticos, as máquinas de
vender bilhetes de metrô, de comprar balas ou chicletes, ou as de aparelhos
eletrônicos. Nessas máquinas também se misturam escrita alfabética, ícones e
ilustrações diversas.
Aprender a usar esses tipos de aparelho significa ter um nível de alfabetiza-
ção “funcional”.
capítulo 3 • 95
Ditar títulos de histórias é uma maneira de lembrar os livros conhecidos.
Uma série de estudos evidenciaram que o conhecimento que as crianças têm de
títulos de histórias é um indicador da quantidade de histórias que escutaram.
A partir desta lembrança, pode-se chegar a predizer uma parte de seu voca-
bulário receptivo (em compreensão) e expressivo (em produções).
Vejamos, a seguir, alguns exemplos de ditados de títulos de histórias conhe-
cidas, que podem ser feitos pelo professor.
O professor propõe o ditado de títulos de histórias. As crianças chegam a
lembrar 15 títulos, os quais são escritos no quadro-negro pelo professor na for-
ma de lista, tornando visível o ato de contar os títulos conhecidos.
96 • capítulo 3
4. Qualidade do material para a criança
Um fator importante para a aprendizagem da leitura é que os professores
desenvolvam critérios de seleção de livros e materiais para despertar o interes-
se e facilitar a compreensão da criança.
Para realizar essa tarefa, os aspectos mais importantes a serem levados em
consideração são a qualidade e a clareza das ilustrações, as características de
previsibilidade do texto, sua extensão, o nível do vocabulário e dos conceitos, o
grau de repetição e de simplicidade da estrutura da história.
Deve-se ter em mente também que existem muitos recursos visuais, como
slides, desenhos ou marionetes, que ajudam a criança a lembrar a sequência
dos episódios escutados.
ATIVIDADES
01. Com base na perspectiva da realização da prática social de alfabetização, ou seja, na
perspectiva de “Alfabetizar letrando”, elabore e descreva uma atividade de escrita significativa
para crianças de 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, destacando a função social da prática
da atividade, o conteúdo e o objetivo.
02. Depois, faça um comentário pessoal sobre a realização desta atividade, destacando suas
impressões, dificuldades, descobertas, frustrações e o que conseguiu aprender fazendo este
exercício pedagógico.
capítulo 3 • 97
REFLEXÃO
Alfabetizar letrando implica numa constante reflexão sobre as práticas e as concepções que
nós, professores, adotamos ao envolver sistematicamente as crianças no universo da escrita.
Também nos envolvemos numa situação de análise e recriação de nossas metodologias de
ensino, cuidando para que o aluno não aprenda a ler e escrever alfabeticamente de maneira
autônoma, mas aprenda a ler, compreender e produzir textos que compartilhamos socialmente.
LEITURA
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
1998.
A obra, escrita em três temas, aborda o significado de letramento, a distinção entre al-
fabetização e letramento e avaliação e mediação do letramento, destacando, contudo, que o
letramento envolve fatores que variam de habilidades e conhecimentos individuais a práticas
sociais, competências funcionais e valores ideológicos e metas políticas.
Magda Soares
Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
ARQUIVO EM PDF DISPONÍVEL EM: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.
pdf/&sa=U&ei=F0-WU_OPOoivPK78gBg&ved=0CDEQFjAF&usg=AFQjCNH1FnkSbp-
6dZ_ZXp35z9zDVrmSYQw
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRO, E. Alfabetização e cultura escrita, Entrevista concedida à Denise Pellegrini In Nova
Escola
A revista do Professor. São Paulo, Abril, maio/2003, pp. 27 – 30.
GALLO, S. L. Discurso da escrita e ensino. Campinas: Ed. Da Unicamp, 1992.
KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática
social da escrita. Campinas, Mercado das Letras, 1995.
98 • capítulo 3
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 1998
SOARES, M. B. O que funciona n alfabetização? In: PÁTIO, revista pedagógica, Ano XII nº 47 ago/
out, 2008.
SOARES, M. B. Alfabetização e Letramento têm o mesmo significado? ? In: PÁTIO, revista
pedagógica, Ano IX nº 34 maio/jul, 2005.
TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez,1995.
capítulo 3 • 99
100 • capítulo 3
4
Práticas de Leitura:
Uma Perspectiva
Transformadora
Neste capítulo, estudaremos sobre a importância dos diversificados tipos de
textos e experiências de leitura que as crianças vivenciam na escola e no am-
biente familiar e, consequentemente, a prática significativa de leitura na escola
para a construção da competência comunicativa.
Vamos assim, refletir sobre o que é ser um leitor atualmente, considerando
as exigências sociais e compreender como a leitura faz parte de nossa vida, den-
tro e fora do espaço escolar.
OBJETIVOS
O objetivo desta unidade é buscar motivar sua reflexão sobre os diversificados tipos de expe-
riências e envolvimentos que as crianças podem e precisam ter com a leitura num contexto
de alfabetização significativo mediante leitura de diferentes gêneros de texto.
102 • capítulo 4
4.1 Ser leitor: Compreendendo e
desenvolvendo a prática da leitura
A história sem fim é um livro de fantasia escrito por Michael Endle e publicado
originalmente em 1979. Nessa obra, o personagem central é um garoto chama-
do Bastián Balthazar Bux, que rouba um livro chamado A história sem fim de
uma pequena livraria. Como todo e qualquer ser humano, Bastián tinha uma
grande paixão, uma paixão misteriosa e muito ardente.
A paixão de Bastián Baltasar Bux eram os livros. Quem nunca tiver passado tardes
inteiras diante de um livro, com as orelhas ardendo e o cabelo caído no rosto, lendo e
lendo, esquecido do mundo e sem perceber que estava com fome ou com frio... . Quem
nunca tiver lido à luz de uma lanterna, embaixo das cobertas, porque papai, mamãe ou
alguma outra pessoa solícita apagou a luz com o argumento bem intencionado de que
tem de dormir, porque amanhã precisa levantar bem cedinho... . Quem nunca tiver cho-
rado aberta ou dissimuladamente, lágrimas amargas porque uma história maravilhosa
acabou e era preciso despedir-se dos personagens com os quais tinha corrido tantas
aventuras, que amava e admirava, pelo destino dos quais temera e rezara e sem cuja
companhia a vida pareceria vazia e sem sentido...
Quem não conhecer tudo isso por experiência própria, provavelmente não poderá
compreender o que Bastián fez então (SOLÉ, 1998, p. 13).
Muitas vezes nos perguntamos por que é que vários alunos não gostam de
ler. Aspectos como o lugar cada vez menor que a leitura ocupa no cotidiano das
pessoas, precariedades relativas a ambientes de letramento e, até mesmo, a
própria formação precária de um grande número de profissionais atuantes na
educação, que não são leitores, mas que têm que ensinar os seus alunos a ler e
a gostarem de ler, certamente contribuem para a realidade da não apreciação
da leitura, tão presente nas escolas.
A leitura demanda paixão e, para formar leitores, devemos, nós, professo-
res, também ser apaixonados pela leitura. Somente à medida que apreciamos a
atividade de ler conseguimos elaborar momentos prazerosos de leitura em sala
de aula, eliminando, assim, do contexto educacional aquelas atividades áridas
capítulo 4 • 103
de decifração de palavras que não oferecem descobertas, não estimulam, não
são gostosas e acabam por afastar, cada vez mais, os alunos da relação com as
palavras.
As práticas árduas, desmotivadoras, sem sentido ou significado provêm de
concepções errôneas sobre o que é o texto, a leitura, enfim, a linguagem, e fun-
cionam como um poderoso instrumento de exclusão. Vale, então, os seguintes
questionamentos: como ler sem o contato com textos, sem a aprendizagem de
estratégias que facilitam a leitura e lhe conferem sentido, sem a vivência praze-
rosa com as histórias, sem o conhecimento dos vários tipos de textos veiculados
na sociedade?
Nossa tarefa, no papel de educadores, parece ser dupla: desenvolver em nós
mesmos o conhecimento e a paixão pela leitura para que assim possamos, con-
sequentemente, ajudar nossos alunos nessa relação de necessidade, prazer e
gosto pelo ato de ler.
Compreender qualquer forma de material escrito não quer dizer extrair, de-
duzir ou copiar os significados, mas construí-los. Podemos dizer, então, que,
quando lemos, construímos uma interpretação. Nessa construção intervêm o
texto e o leitor ativo, que processa e atribui significado àquilo que está escrito.
Um leitor experiente apresenta algumas características básicas que tornam
a sua leitura uma atividade consciente, reflexiva e intencional. Em primeiro lu-
gar, podemos dizer que o proficiente lê porque tem um objetivo em mente, ou
seja, ele sabe para que está lendo; ter um objetivo ajuda a assumir o controle da
leitura. Em segundo lugar, tem-se que ele utiliza seus conhecimentos prévios
para compor o processo de compreensão e de significação da mensagem do
texto. Também faz previsões à medida que lê, usando estratégias que o ajudam
104 • capítulo 4
no movimento de interpretação. São estratégias que precisam ser ensinadas e
referem-se a um processo interno capaz de oferecer pistas e contribuir na ela-
boração de hipóteses sobre o texto. Tais hipóteses vão sendo verificadas no de-
correr da leitura, permitindo ao leitor construir a interpretação, a compreensão
daquilo que lê (SOLÉ, 1998, KLEIMAN, 1996).
capítulo 4 • 105
4.2 Atividade de leitura: Objetivos,
estratégias e conhecimentos prévios
106 • capítulo 4
O propósito de ensinar as crianças a ler com diferentes objetivos é que, com o tempo,
elas mesmas sejam capazes de se colocar objetivos de leitura que lhes interessem e
que sejam adequados. O ensino seria pouco útil, se quando o professor desaparecesse,
não se pudesse usar o que se aprendeu (SOLÉ, 1998, p. 101).
capítulo 4 • 107
uma informação geral, não há uma busca concreta nem é preciso saber deta-
lhadamente o que diz o texto; é suficiente ter uma impressão geral. Por exem-
plo, quando pegamos o jornal, não lemos cada notícia ou cada matéria. Às
vezes, lemos a manchete e essa simples leitura já é suficiente para passarmos
para outra; há ocasiões em que a manchete é sugestiva e, então, passamos ao
cabeçalho que sintetiza toda a notícia. Se desejarmos nos aprofundar um pou-
co mais, temos a opção de ler toda a notícia ou procurar um parágrafo que trata
de um aspecto concreto que suscita nosso interesse. Muitas vezes, dependendo
do título, do autor, das colunas que uma matéria ocupa, já decidimos se vamos
lê-la ou não (SOLÉ, 1998).
Este tipo de leitura, muito útil e produtivo, também é utilizado quando con-
sultamos algum material com propósitos concretos; por exemplo, se precisa-
mos elaborar uma monografia sobre algum tema, geralmente lemos com todos
os detalhes o que nos dizem sobre esse tema em diversas obras, enciclopédias,
livros de ficção etc. Antes de nos decidirmos a ler em profundidade as obras
capazes de nos ajudarem em nossa tarefa, tentamos ter uma visão ampla delas
e depois selecionamos o que mais nos interessa (SOLÉ, 1998, p. 95).
Figura 4.1 – Aluna no momento da leitura, lendo livro de sua escolha da biblioteca da escola.
108 • capítulo 4
• Ler para comunicar um texto a um auditório
Esse tipo de leitura é geralmente realizado em conferências, aulas magis-
trais, apresentações com a leitura de poesias etc. O objetivo principal, aqui, é
que a mensagem da leitura seja muito bem compreendida pelas pessoas ou-
vintes. O leitor pode usar uma série de recursos: entonações, pausas, exemplos
não lidos, ênfase em certos aspectos, entre outros. É importante que o texto a
ser lido em voz alta seja previamente conhecido, o que ajudará na entonação,
no respeito às pontuações, clareza de dicção etc. (SOLÉ, 1998).
Figura 4.2 – Alunos realizando a ilustração de uma parte da história que mais gostou, após o
registro bibliográfico do livro e de sua apreciação da história lida.
capítulo 4 • 109
generaliza, também se generalizam para os alunos certos objetivos de leitura:
ler para depois poder responder a certas perguntas formuladas pelo professor”
(SOLÉ, 1998, p. 100). Devemos sempre nos lembrar de que uma visão ampla da
leitura, com o objetivo geral de formar bons leitores, não apenas para o contex-
to escolar, exige maior diversificação nos propósitos e nas atividades que pro-
movem os textos e suas leituras.
Caso seja necessário resumir o que se leu ou responder a um questionário,
é importante que os alunos o saibam, porque farão a leitura de forma diferente.
CONEXÃO
Acesse www.crmarioscovas.sp.br e procure ler artigos que relacionem a prática de leitura na
escola e na família e também artigos que abordam a leitura enquanto prática social, pois há
uma diversidade de autores que trazem estudos muito interessantes.
110 • capítulo 4
• Estratégia de seleção: Esta estratégia visa uma leitura que seleciona al-
gumas letras dentro de uma ou mais palavras para que se busque o sentido do
texto. Essa estratégia não traz prejuízo para compreensão do sentido.
• Estratégia de antecipação: Consiste em fazer previsões do que será lido,
através de informações explícitas no texto e em suposições.
• Estratégia de inferência: Baseia-se nas suposições que fazemos a partir
das informações obtidas na antecipação do que ainda será lido. Neste caso,
algumas atividades pressupõem conhecimentos prévios do assunto a ser
abordado.
• Estratégia de verificação: Consiste em confirmar ou não as hipóteses le-
vantadas sobre o conteúdo do texto, considerando as antecipações e inferên-
cias feitas durante o processo de leitura.
Vale ressaltar que estas estratégias podem ser utilizadas em uma mesma
atividade leitora, passo a passo, ou mesmo de forma individual, dependendo
dos objetivos pretendidos. Todas estas estratégias requerem uma orientação
docente.
Ainda, vale lembrar que os conhecimentos prévios são fundamentais, sen-
do estes aqueles saberes que o aluno possui sobre o mundo, sobre a vida e que
o ajudam a ler um texto, a entender o que nele consta. Afinal...
O que eu sei sobre esse texto?
A questão do conhecimento prévio é muito importante quando se fala sobre
práticas de leitura, porque é a partir desse conhecimento organizado na mente
que podemos entender, interpretar, criticar, utilizar, recomendar, rejeitar uma
nova informação.
Vejamos o que é o conhecimento prévio. Segundo Solé (1998), a pessoa,
durante a sua vida, por causa das interações sociais, em especial as interações
com seus diferentes educadores, constrói representações da realidade, dos
elementos constitutivos da cultura. Esses esquemas de conhecimento, que
podem ser mais ou menos elaborados, com maior ou menor grau de relações
entre si, representam o conhecimento que temos em determinado momento
da vida, o qual é sempre relativo e sempre ampliável. É mediante tais esquemas
de conhecimento que as pessoas compreendem uma situação, uma conferên-
cia, uma informação trabalhada na escola, nos meios de comunicação ou em
textos. Dessa forma, as pessoas atribuem significado às coisas a partir de seus
capítulo 4 • 111
conhecimentos prévios, a partir daquilo que já sabem, daquilo que já faz parte
de sua bagagem experiencial.
Diante de uma atividade de leitura, é necessário que o professor se pergunte
com que bagagem as crianças a abordarão, prevendo que essa bagagem não
será homogênea. Conhecer a bagagem dos alunos, ou seja, seus conhecimen-
tos prévios, é importante porque eles condicionam enormemente a relação da
criança com o texto e a interpretação que ela constrói. Além de dar dicas sobre
os sistemas conceituais dos aprendizes, um olhar refinado para a bagagem do
aluno também pode evidenciar as expectativas, os interesses e as vivências. Se
um professor percebe que a leitura de um texto ficará além das possibilidades
das crianças, talvez seja melhor substituir ou articular algum tipo de ensino
que proporcione aquilo de que necessitam (SOLÉ, 1998).
Para trabalhar os conhecimentos prévios dos alunos, o professor pode:
f) dar uma explicação geral sobre o que será lido. Não se trata de explicar
o conteúdo, mas de indicar a temática e, talvez, ver um filme, desenho ou docu-
mentário sobre o assunto;
g) ajudar os alunos a prestar atenção a certos aspectos do texto que podem
ativar os conhecimentos prévios. Nessa situação, o professor pode conversar
sobre as ilustrações que às vezes acompanham os escritos ou falar sobre títu-
los, subtítulos, enumerações (do tipo 1, 2, 3... ou “em primeiro lugar”, “em se-
gundo lugar”, “secundariamente”, “por último”...), sublinhados, mudanças no
formato das letras, palavras-chave e até mesmo sobre expressões tais como: “A
ideia principal...”, “O objetivo é...”, “Um exemplo do que se quer dizer...”, “Os
aspectos desenvolvidos são...”, dentre várias outras expressões que, quando
identificadas, ajudam na compreensão da mensagem textual. Levar os alunos a
prestar atenção nos indicadores presentes no texto (sublinhados, itálicos, fon-
tes diferenciadas, negritos etc.) é um recurso que os ajuda a criar hipóteses so-
bre a temática e comunicar ao grupo aquilo que já conhecem, bem como suas
dúvidas e curiosidades;
h) incentivar os alunos a expor o que já sabem sobre o tema. A ideia é abrir
um debate para que os leitores falem, de modo geral, sobre experiências, con-
ceitos, curiosidades, leituras anteriores, relacionados ao tema central do texto
que será lido.
Ao mesmo tempo em que ressalta a relevância dos debates em torno dos
conhecimentos prévios dos alunos, Solé (1998) observa que as conversas, se
não forem conduzidas de forma correta, poderão desviar-se da temática ou dos
112 • capítulo 4
aspectos principais da leitura, cansar os alunos, não propiciar a participação
de um número maior de crianças, não atingir uma organização clara do deba-
te. Por isso, a autora indica que, depois da discussão, sejam sintetizados os as-
pectos mais relevantes daquilo que foi falado, os quais ajudarão as crianças a
enfrentar a leitura do texto (enquanto ocorre o debate, o professor pode ir elen-
cando na lousa tópicos daquilo que é comentado).
Depois da leitura, os alunos podem tanto perceber que seus conhecimen-
tos se encaixaram na mensagem emitida pelo texto, ou foram ampliados,
como também podem verificar que seus esquemas de conhecimento não se
ajustaram exatamente ao conteúdo do escrito e que a informação proporcio-
nada contradiz total ou parcialmente os conhecimentos prévios. Segundo Solé
(1998, p. 45):
Em qualquer um desses casos, vemo-nos obrigados a efetuar uma revisão
desse conhecimento, para que a nova e/ou contraditória informação possa
se integrar a ele. Esta revisão pode ter múltiplos resultados: ampliação do co-
nhecimento prévio com a introdução de novas variáveis, modificação radical
do mesmo, estabelecimento de novas relações com outros conceitos. De qual-
quer forma, nosso conhecimento anterior sofreu uma reorganização, tornou-se
mais completo e mais complexo, permite-nos relacioná-lo a novos conceitos, e
por isso podemos dizer que aprendemos.
Vale lembrar que até mesmo os menores têm conhecimentos prévios. O
professor pode atuar junto aos esquemas de conhecimentos dos pequenos, fa-
zendo-os interessar-se pela leitura mesmo antes de saberem ler. Segundo Solé
(1998, p. 58):
capítulo 4 • 113
Atividades de leitura com o “Quadro de ajudantes do dia”
Dica de atividade:
— O professor pode criar um quadro temático (que pode ser feito de pano,
de madeira ou com um papel de espessura mais grossa e resistente). No qua-
dro deverá haver ímã, velcro ou outro tipo de encaixe para “grudar” placas com
os nomes das crianças. O nome de cada criança será escrito em placas (com
formatos de figuras, de acordo com a temática ilustrada no fundo do quadro).
Diariamente, em rodas de conversas, as placas com os nomes serão espalhadas
no chão, e as crianças farão a leitura dos nomes, que serão grudados no painel,
indicando os ajudantes do dia.
— Para incentivar a leitura dos nomes que estão escritos em placas ou figu-
ras recortadas em material de EVA (ou cartolina plastificada) e serão grudados
no painel, os professores podem usar dicas desafiadoras (“dicas megadifíceis”,
“dicas misteriosas” etc.) para que as crianças “leiam” o que consta no quadro,
tentando “acertar” a qual nome a dica se refere. Por exemplo, se em determi-
nado dia da semana os ajudantes são Maria, Sofia, Lucas, Fernando, algumas
dicas podem ser:
“O nome dessa criança tem 5 letras, começa com M e termina com A”.
“O nome dessa criança tem a letra O, a letra I e a letra A”.
“O nome dessa criança tem a letra S no final”.
“O nome dessa criança tem 8 letras e a letra N aparece duas vezes”.
114 • capítulo 4
Atividades de leitura com o “Quadro de presença”
Dica de atividade
— O professor pode preparar dois conjuntos de plaquinhas: um conjunto
com a foto das crianças e outro conjunto com o nome das crianças. Em ativida-
de de roda, o professor espalha no chão as placas com as fotos e as placas com
os nomes e pede para que cada criança pegue o seu nome e sua foto para fixar
no quadro de presença.
— O professor também pode pedir para que cada criança pegue a foto de
um amigo que está presente. Em seguida, o professor, com uso de dicas, ajuda
a criança a “ler” e “encontrar” a plaquinha com a escrita do nome do amigo da
foto.
“No nome do Rafael tem a letra R e a letra A. O som dessas duas juntas é RA.
Que outras palavras podemos formar com RA?”
“O nome da Júlia e o nome do João começam com a mesma letra. Que letra
é essa? Que outras palavras vocês acham que começam com J?
capítulo 4 • 115
Atividades de leitura com o “Quadro de rotina”
Dica de atividade
“Pessoal, hoje nossa chegada foi aonde? É, foi na casinha de bonecas. Maria,
por favor, pegue a placa em que está escrito ‘Casinha de bonecas’”.
116 • capítulo 4
Pessoal, que letra é essa (indicando a letra “s”)? Isso mesmo, é a letra “s”.
Quantas letras “s” existem nas palavras dessa placa? É isso mesmo, a letra “s”
aparece duas vezes.
O que é leitura?
• Trabalho ativo de construção do significado do texto;
• Não se trata apenas de extrair informação da escrita, decodificando-a;
• Não é um “evento natural”: É preciso que o indivíduo tenha consciên-
cia de que está aprendendo a ler, a usar estratégias de leitura, construindo
significados.
A formação de leitores ocorre apenas no espaço escolar?
Não. Para um processo inicial o professor, atua como aquele que apresenta
alguns instrumentos pra que ele explore a leitura. Mas, diferentemente do que
muitos acreditam, a escola não é a principal ou única porta de entrada para o
aprendizado do sistema de escrita. Fora da escola, em casa, bem como em ou-
tros ambientes sociais, as crianças estão expostas a diversas práticas de leitura
e escrita (cartazes, placas, outdoors, bilhetes, correspondências, canções, revis-
tas, jornais, rótulos e histórias).
No entanto, é no interior da escola que todo esse conhecimento é organizado
e o processo de aquisição da escrita é feito de forma sistemática e significativa.
Vale ressaltar, que aprender a ler só possui função na escola pela sua neces-
sidade fora dela, ou seja, é fora da escola que o leitor irá exercitar diariamente
sua leitura, ampliando seu repertório e experimentando novas formas de inter-
pretação e leitura de mundo.
Quando se fala em leitura de mundo o que nos vem à mente?
Pode-se dizer que para ler o mundo o leitor precisa de um rico aparato esco-
lar, que o embase para compreensão de informações e o ampare de conteúdos
e referências bibliográficas. No entanto, sabe –se que a criança começa a apren-
dera ler antes de sua entrada na escola, e que continua aprendendo também
fora dela.
capítulo 4 • 117
Podemos afirmar que a interação do leitor com o texto acontece tanto den-
tro do espaço escolar como fora dele. Afinal, como já sabemos ler é uma ação
que vai além da decifração de letras, envolve a interpretação e compreensão de
uma ou várias mensagens.
Assim, uma interpretação de textos está diretamente relacionada com as ex-
periências, conhecimentos já adquiridos, valores existentes, percepção lógica e
com a subjetividade de cada leitor, todos constantemente colocados em inter-
locução com o autor do texto escrito, à medida que conversa-se com as ideias
lidas buscando compreendê-las.
Sabemos que ler é mais do que decifrar um código linguístico, é caminhar
na construção de sentido a partir de um texto escrito, atribuindo assim signifi-
cado a um texto, é saber interpretar a ideia escrita.
118 • capítulo 4
4.4 Acompanhando a evolução da leitura:
Atividades através de estratégias
Ao ler, usamos várias estratégias que nos ajudam a ter mais rapidez e agilidade
na leitura, sendo fundamental por parte do professor, propor situações e que
os alunos possam desenvolvê-las. Confira abaixo algumas propostas de leitura
de acordo com as estratégias de seleção; antecipação; inferência e verificação,
apresentadas acima no item 4.2.
1. Utilizando a estratégia de seleção
capítulo 4 • 119
2. Utilizando a estratégia de antecipação
A cegonha e a raposa
Um dia, a raposa que era amiga da cegonha, convidou-a para jantar. Mas
preparou para a amiga uma porção de comidas moles, líquidas, que serviu
em uma pedra lisa.
Ora, a cegonha, com seu longo bico, por mais que se esforçasse, só conse-
guia bicar a comida machucando o bico, sem comer nada.
A raposa insistia para que a cegonha comesse, mas ela não conseguia, e
acabou indo para casa com fome.
Em outra ocasião, a cegonha convidou a raposa para jantar com ela.
(Popular)
120 • capítulo 4
4. Utilizando a estratégia de verificação
capítulo 4 • 121
Através destas atividades, que envolveram estratégia específicas, foi possí-
vel perceber que a leitura é um processo gradual, no qual exercita-se cotidiana-
mente, através de experiências do dia-dia e outras para fins específicos, todas
com intuito de nos transformar e nos formar leitores experientes e reflexivos,
refinando nossa capacidade interpretativa e nosso raciocínio.
ATIVIDADE
Diante do exposto nesta unidade e com base nos exemplos de atividades de leitura reali-
zadas em sala de aula, elabore uma atividade de leitura direcionada para o 1º ou 2º ano do
Ensino Fundamental, séries de alfabetização. Contemple um planejamento estruturado: tema
da atividade, objetivo, série a que se destina, número de alunos, tempo de execução (números
de aulas e minutos para tal), justificativa da atividade para com a série escolhida, descrição
das etapas da atividade, recursos materiais para a realização da mesma, avaliação.
REFLEXÃO
Para que possamos de fato realizar em nosso cotidiano escolar práticas de leitura em uma
perspectiva transformadora é sempre necessário perceber os locais onde a leitura se en-
contra ou mesmo se “esconde”! Assim ao nos depararmos com textos, sejam eles: literários,
informativos, publicitários, ou mesmo parte de outras produções como o cinema e outras
produções culturais, explore! Sempre vale a pena explorar ao máximo todas as linguagens
que os gêneros textuais diversificados apresentam! Os nossos futuros e prósperos leitores
agradecem!
LEITURA
Leiam o artigo “Contos de fadas, quando o chapéu muda de cor” In: ROMÃO, L. PACÍFICO,
S. Era uma vez uma outra história. Leitura e interpretação na sala de aula. São Paulo: DCL,
2006.
Romão e Pacífico (2006) relatam o trabalho que desenvolveram com alunos do Ensino
Médio em que propuseram o estudo do conto Chapeuzinho Vermelho em sua versão mais
clássica e de mais nove versões dessa narrativa, evidenciando aos alunos a possibilidade de
recontar, de deslocar as tramas para outras regiões de sentido.
122 • capítulo 4
Com base na leitura de Chapeuzinho Vermelho, as autoras dizem ter conduzido os alunos
à observação de detalhes que eles mesmos julgavam mais importantes na história, mobilizan-
do diversas possibilidades de compreender os personagens, as cenas, o figurino, o cenário,
as falas etc. A leitura das outras versões do mesmo conto mostrou aos alunos que aquilo
que era “apenas um conto de fadas” se tornou “outro conto”, com novos sentidos instalados.
Depois de vários momentos de observações, leituras, estudos, debates, questionamentos
e tentativas de novas interpretações, em grupo ou individualmente, os alunos foram convi-
dados a escrever uma nova história, explorando o tema do conto de fadas Chapeuzinho Ver-
melho e promovendo as transformações que desejassem. Nessa perspectiva, os alunos de-
veriam posicionar-se enquanto autores, assumindo responsabilidade pelo seu dizer e criando
novos sentidos em seus textos. .
LEITURA
A Relação entre a Leitura e a Alfabetização
Inicialmente, para falarmos em Educação, temos que pensar na leitura, como fator pri-
mordial à alfabetização do aluno. Infelizmente no Brasil poucas pessoas possuem o hábito de
ler, bem como são poucas as escolas que proporcionam o acesso à leitura aos estudantes. A
leitura como fator educacional, constrói dentro do ser humano, um campo enorme de conhe-
cimento, seja do mundo, como de si mesmo.
A leitura é a base do processo de alfabetização e também da formação da cidadania. Ao
ler uma história a criança desenvolve todo um potencial crítico: pensar, duvidar, questionar.
"Ler é estimulante" (SILVA, 2009). Sem a escrita e a leitura o homem deixa de se comunicar
adequadamente com seus semelhantes e se torna um ser insensato em relação ao mundo.
Ao falar da alfabetização, não se pode descartar o letramento. Letrar é mais que alfabeti-
zar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido
e façam parte da vida do aluno. Ou seja: um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um
indivíduo letrado. Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; letrado é aquele
que sabe ler e escrever, mas que responde adequadamente às demandas sociais da leitura
e da escrita. Alfabetizar letrando, é ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais
da leitura e da escrita.
capítulo 4 • 123
"O sentido ampliado da alfabetização, o letramento, [...], designa práticas de leitura e es-
crita. A entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa
tecnologia envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever. Além disso, o aluno precisa
saber fazer uso e envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Ou seja, para entrar nesse
universo do letramento, ele precisa apropriar-se do hábito de buscar um jornal para ler, de
freqüentar revistarias, livrarias, e com esse convívio efetivo com a leitura, apropriar-se do
sistema de escrita". (ESPÍNDOLA, 2009, p. 01).
Não basta a escola ter como objetivos alfabetizar os alunos: ela tem o dever de criar
condições para que eles aprendam a escrever textos adequados às suas intenções e aos
contextos em que serão lidos e utilizados.
124 • capítulo 4
para consulta e busca de informações específicas ou gerais; o uso da escrita para confec-
ções de listas, preenchimento de cheques e documentos, pequenas comunicações e atos de
leitura dirigidos a ela (ouvir histórias lidas). A participação nessas atividades ou a observação
de como os adultos interagem com a escrita e a leitura gera oportunidades para que a crian-
ça reflita sobre o seu significado para os adultos". (AZENHA, 1999, p. 44).
Através da leitura todos se tornam iguais, com as mesmas oportunidades. A leitura, além
de tornar o homem mais livre, possibilita que ele vá a muitos lugares que, sem a leitura jamais
iria. "Através da leitura todos se tornam iguais, com as mesmas oportunidades. A leitura, além
de tornar o homem mais livre, possibilita que ele vá a muitos lugares que sem a leitura jamais
iria" (HOFFMANN, 2009).
A leitura para uns é uma atividade prazerosa para outros um desafio a conquistar, que
somente será alcançado através de muito incentivo, das escolas das famílias e na sociedade.
Um bom leitor não é aquele que lê muitas vezes o mesmo tipo de texto, mas aquele que lê
diversos tipos de texto com profundidade.
Na formação de cada cidadão bem como de um povo, a leitura é de máxima importân-
cia, representando um papel essencial, pois se revela como uma das vias no processo de
construção do conhecimento, como fonte de informação e formação cultural. Ademais, ler é
benéfico à saúde mental, pois é uma atividade 'neuróbica', ou seja, a atividade da leitura faz
reforçar as conexões entre os neurônios. Para a mente, ainda não inventaram melhor exercí-
cio do que ler atentamente e refletir sobre o texto.
A pessoa que lê conhece o mundo e conhecendo-o terá condições de atuar sobre ele
modificando-o e tornando-o melhor, por que a leitura é o principal aspecto constituinte do
pensamento crítico. O homem que não tem oportunidade de aprender a ler, certamente será
'excluído' da sociedade, ou melhor, não terá a mesma participação que aqueles que têm essa
oportunidade.
capítulo 4 • 125
põem desde que nascem. "A alfabetização não é um luxo nem uma obrigação; é um direito"
(FERREIRO apud MORAES, 2005). O ensino inicial da leitura deve assegurar a interação
significativa e funcional da criança com a língua escrita. Propiciar essa interação implica a
presença incluída do escrito na aula, nos livros, nos cartazes que anunciam determinadas
atividades, nas etiquetas que tenham sentido.
Implica, sobretudo, que os adultos encarregados na educação das crianças usem a lín-
gua escrita, quando for possível e necessário, diante delas, fazendo-as compreender, assim,
seu valor comunicativo. Implica também realizar atividades que fomentem o prazer de ler
(como ler para as crianças) e que permitam experimentar o poder da leitura para transportar-
nos a outros mundos reais ou imaginários.
É importante desenvolver na escola projetos de leitura, pois; ao contar uma história para
uma criança, tem-se a oportunidade de compartilhar emoções, despertar o prazer de escutar
o outro e de estar em convivência com o grupo. Ao ouvir uma história, pode-se fazer e refa-
zer, produzir e reproduzir, no sentido de reconstruir imagens na mente, imagens do passado,
estimular a criatividade.
Infelizmente hoje a alfabetização passa numa lógica contrária.
"A alfabetização vem percorrendo caminhos [...] em que a leitura passou de elemento pro-
pulsor para elemento colaborador, substituindo o conceito de alfabetizar como ensinar a ler
pelo de alfabetizar como ensinar a escrever, e a concepção de avaliação através de testes de
leitura pela de avaliação através de testes de escrita. Nesse percurso, os livros para aprender
a ler deram lugar a sucessivas folhas de exercícios que muitas vezes reproduzem em parte
as páginas que neles havia". (ROSA; PEREIRA, 2008, p.48)
Muitas coisas que aprendemos na escola são esquecidas com o tempo, pois não a pratica-
mos, através da leitura rotineira tais conhecimentos se fixariam de forma a não serem esqueci-
dos posteriormente. Dúvidas que temos ao escrever poderiam ser sanadas pelo hábito de ler,
talvez nem a tivéssemos, pois a leitura torna nosso conhecimento mais amplo e diversificado.
As avaliações nacionais de 2003 evidenciam um percentual de 55,4% de alunos que
apresentam problemas sérios de leitura, sendo que 18,7% deles foram classificados no nível
'muito crítico' (BELINTANE, 2006).
Devido a esses dados, a inserção da leitura, no contexto escolar, deve ser de forma
dinâmica e agradável, utilizando e, por exemplo, do caráter lúdico que pode ser dado às es-
tratégias de leitura. Dessa forma, enquanto o aluno "aprende a ler", estará, ao mesmo tempo,
desenvolvendo a sua noção de 'ser social', integrado num contexto ético e crítico.
O gosto de ler, portanto, será adquirido gradativamente, através da prática e de exercícios
constantes. Nesse caso, o professor, sendo o principal agente no processo de melhoria da
qualidade do ensino, poderá realizar uma série de atividades que favoreçam a aproximação
126 • capítulo 4
do educando com a leitura, pois ela é a condição essencial para o bom desempenho da lin-
guagem oral e escrita.
Sabe-se, também, que a escola tem papel fundamental na construção da identidade e da
autonomia de cada aluno. Por isso, faz-se necessário, trabalhar não apenas leitura, mas todas
as leituras que se apresentam no nosso dia-a-dia. Nas escolas em que circulam diversos
tipos de textos, os alunos leem e escrevem mais rapidamente e se tornam capazes de buscar
as informações de que necessitam.
Segundo Paulo Freire a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra (FREI-
RE, 1989). Aprendemos a ler o mundo antes mesmo de decodificar os sinais gráficos das
letras. Assim, ler o mundo é tão importante quanto ler a palavra. A alfabetização é a criação
ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Assim as palavras do povo, vinham
através da leitura do mundo. Depois voltavam a eles, inseridas no que se chamou de codifi-
cações, que são representações da realidade. No fundo esse conjunto de representações de
situações concretas possibilitava aos grupos populares uma "leitura da leitura" anterior do
mundo, antes da leitura da palavra. O ato de ler implica na percepção crítica, interpretação e
"re-escrita" do lido.
Em outras palavras Freire entende que se um texto só pode ser lido se o reescrevemos,
o mesmo ocorre com a leitura da realidade. Para ele, não lemos apenas as palavras, os textos
e os livros; lemos o mundo, isto é, tudo aquilo que está ao nosso redor. O mundo em que
vivemos é um texto que exige uma leitura mais crítica. A leitura realmente passa a ter sentido
quando lemos a realidade, a partir de nossos interesses e necessidades, para nos transfor-
mar e transformar o mundo.
O hábito da leitura é de extrema importância na formação intelectual do indivíduo, pois
através dela, cria-se o espírito crítico-social. Ensinar a ler e escrever é alfabetizar, levar o alu-
no ao domínio do código escrito, isso feito principalmente na sala de aula, pois a mesma é o
lugar da criação de um vínculo com a leitura.
O hábito de ler ou contar histórias constitui um precioso instrumento para o relaciona-
mento, trata-se de um momento de aproximações, descontração e trocas. A leitura passa a
ter uma importância muito grande, pois favorece as relações afetivas entre alunos e profes-
sores propiciando um momento de maior aproximação. Entre eles:
capítulo 4 • 127
situações sociais, participando nas mediações de conflitos e nas decisões coletivas.
• Melhorar a utilização da linguagem para aperfeiçoar a qualidade de suas relações pessoais,
sendo capaz de expressar seus sentimentos, idéias e opiniões, relatar experiências, acolhen-
do, interpretando, considerando e respeitando os diferentes modos de falar.
Aprende-se a ler vendo outras pessoas lendo, prestando atenção às leituras que o pro-
fessor realiza oralmente, tentando ler, experimentando e errando, em um processo cujo re-
sultado inicial será seguramente menos convencional do que o esperado, mas não muito
diferente do que se produz com outras aprendizagens.
Atualmente, damos valor ao mercado de carros, computadores, petróleo, bolsa de valores,
mas não percebemos que o mercado da leitura e da inteligência é de primordial importância.
Devido a isto, é de suma importância desenvolver em nós uma "cultura de leitura", pois só
assim seremos aprendizes e formadores de opinião em todo ambiente social e democrático
que estivermos.
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1999.
BELINTANE, Claudemir. Leitura e alfabetização no Brasil: uma busca para alémda polarização.
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CABRERA, Leila Aparecida. Projeto de Produção de Texto e Leitura na Alfabetização através
do uso das Tecnologias. Campo Grande, 2006. Disponível em: http://www.ebah.com.br/projeto-de-
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ESPÍNDOLA, Vamilson Souza d'. Letramento, Leitura e Escrita. Laguna, 2009. Disponível em: http://
www.webartigosos.com/articles/18622/1/letramento-leitura-e-escrita/pagina1.html. Acesso em: 09
de Junho de 2009.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23ªed. São
Paulo: Cortez, 1989. Disponível em: www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/biblioteca/LIVROS_PAULO_
FREIRE/A_importancia_do_ato_de_ler.pdf. Acesso em: 13 de Junho de 2009.
128 • capítulo 4
HOFFMANN, Jussara. Texto de Hoffmann relacionado à Leitura. 2009. Disponível em: http://
doidoeusodeperto.blogspot.com/2009/05/texto-de-hoffmann-relacionado-leitura.html. Acesso em: 09
de Junho de 2009.
MORAES, Mariléia Gollo de. Alfabetização, Leitura do Mundo, Leitura da Palavra e Letramento:
algumas aproximações. Erechim, 2005. Disponível em:www.sicoda.fw.uri.br/revistas/artigos/1_3_26.
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POSSEBON, Carolina. Práticas De Leitura na Educação Infantil. Vargem Grande, 2008. Disponível
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ROSSA, Adriana; PEREIRA, Vera Wannmacher. Leitura e alfabetização. Porto Alegre, 2008.
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SILVA, Cleide C. G. R. da. A Importância da Leitura. Várzea Grande, 2009. Disponível em: http://www.
webartigosos.com/articles/18110/1/a-importancia-da-leitura/pagina1.html. Acesso em: 12 de Junho
de 2009.
Texto retirado de: http://www.webartigos.com
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KLEIMAN, A. Oficina de leitura. Teoria e prática. Campinas: Editora da Universidade Estadual de
Campinas, 1996.
ROMÃO, L.; PACÍFICO, S. Conto de fadas, quando o chapéu muda de cor. In: ROMÃO, L.;
PACÍFICO, S. Era uma vez uma outra história. Leitura e interpretação na sala de aula. São Paulo: DCL,
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SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
BRASIL, Ministério da Educação (MEC). Secretaria d Educação Fundamental (SEF). Parâmetros
Curriculares Nacionais. Brasília: MEC; SEF, 1997, v.2.
CONDÉ, M. A importância da leitura e dos jogos para o desenvolvimento da afetividade. In:
BOZZA, S. (org.). Alfabetização, letramento, leitura e produção de textos e sala de aula. Belo Horizonte:
Conexa, 2011.
SOARES, M. I. B. (Org.) Alfabetização Linguística: Da teoria à prática. Belo Horizonte: Dimensão,
2010.
capítulo 4 • 129
130 • capítulo 4
5
Desafios do
Professor
Alfabetizador:
Avaliando e
Acompanhando a
Alfabetização
Sabemos que docência tem por definição características peculiares que são de-
finidas em torno do objeto de trabalho que envolve tal profissão. Enquanto pro-
fessores alfabetizadores, devemos ter claro que nosso trabalho possui algumas
habilidades e competências específicas, que fazem do profissional alfabetiza-
dor único. Assim, ao dominar e se apropriar de um universo simbólico e práti-
co, este profissional legitima-se como uma peça fundamental para a sociedade,
incorporando o papel de transformador e agente de mudanças proporcionan-
do, para além do ensino do código escrito, a aproximação dos alunos com o
universo letrado e a função social da escrita.
Pensando nisso, discutiremos aqui sobre as habilidades do professor al-
fabetizador, pensando sobre os instrumentos de acompanhamento da apren-
dizagem e de sua postura nesse processo. Também, iremos refletir acerca das
especificidades do professor contemporâneo deve estar apto para trabalhar em
um paralelo educacional, lançando mão de recursos tecnológicos e midiáti-
cos, para além de um trabalho informativo, buscando formar com criticidade
e reflexão.
OBJETIVOS
Refletir sobre as habilidades e as competências necessárias ao professor alfabetizador para
desenvolver uma postura profissional consciente parapara a prática docente.
Conhecer, compreender e refletir sobre a utilização prática de instrumentos avaliativos na
alfabetização inicial de construção do sistema de escrita alfabética.
132 • capítulo 5
5.1 Avaliar ou acompanhar? Refletindo sobre
acompanhamento do processo alfabetizador
capítulo 5 • 133
Os instrumentos para a realização deste tipo de avaliação não deve se limi-
tar a atividades escritas; devem ser diversificados no processo de coleta de in-
formações para que o professor possa realizar procedimentos de registro escri-
to que facilitem a sistematização dessas informações e propiciem momentos
de reflexão tanto para o aluno quanto para o professor, principalmente nessa
fase inicial.
Nessa fase inicial da alfabetização, a avaliação da aprendizagem dos alunos
é contínua e realizada mediante a observação e o registro sistemático do profes-
sor sobre o comportamento e o desempenho do aluno em situações diversas na
realização de atividades distintas de leitura e escrita.
Para que esta ação pedagógica seja eficiente, sistemática e contínua, o pro-
fessor precisa saber a forma de organizar a aula e a atividade para dar conta de
trabalhar as necessidades dos alunos. Precisa, no entanto, ser disciplinado e
organizado.
Todo esse processo encaminha para a avaliação formativa a partir de um ob-
jetivo a ser atingido mediante levantamento de informações sobre os conheci-
mentos dos alunos pela observação do professor sobre o modo ler e de escrever
e das intervenções pedagógicas realizadas com os alunos.
O registro sistemático realizado através da observação trata da seleção, es-
colha de situações que parecem ser mais significativas. Numa atividade de sala
de aula, poderemos observar em detalhe o processo de um grupo de alunos, ou-
tra atividade nos permitirá acompanhar outros alunos que não acompanhamos
num primeiro momento. Assim vai se procedendo a ação pedagógica com um
grupo e outro e com um aluno e outro para ir dispondo de informações úteis e
relevantes para o professor intervir com atividades significativas e adequadas
ao processo de aprendizagem.
CONEXÃO
Acesse www.novaescola.abril.uol.com.br/avaliacao/avaliacao.htm para saber mais sobre a
avaliação diagnóstica.
134 • capítulo 5
5.1.1 Avaliação inicial dos procedimentos de escrita e leitura:
Acompanhando evoluções.
• Avaliando a escrita:
As propostas de avaliação inicial que serão apresentadas neste item e no próxi-
mo compreendem a transcrição das propostas de Curto, Murillo e Teixidó (2000).
Vamos propor a um aluno que escreva, em primeiro lugar, seu nome. Pode
fazê-lo como quiser, insistindo com ele se disse que “não sabe”.
Uma criança muito pequena, no início de sua escolaridade, pode achar que
escrever é o mesmo que desenhar... e fará um desenho de uma criança com seu
nome. A reiteração dessa resposta nos indica que é preciso ler com ela muitos
contos, mostrar-lhe muitas escritas diferentes, com desenhos ou sem eles, em
livros e cartazes, rótulos, cartas etc.
A seguir lhe propomos que escreva quatro nomes, em forma de lista (um
debaixo do outro), pertencentes a um mesmo campo temático (animais, plan-
tas, brinquedos, alimentos etc.) e que tenham um número distinto de sílabas.
Começamos propondo que escreva o mais longo e assim sucessivamente. De-
pois lhe pediremos que escreva uma frase simples que contenha um dos quatro
nomes anteriores. Por exemplo, E. Ferreiro propunha escrever: BORBOLETA,
ESQUILO, PEIXE, GATO e O GATO BEBE LEITE, mas você pode procurar outras
propostas. Após escrever cada palavra, perguntamos à criança o que escreveu
e lhe pedimos que o leia. A produção da criança corresponderá a algumas das
possibilidades evolutivas que descrevemos a seguir.
• PRIMEIRAS ESCRITAS
– Rabiscos.
– Pseudoletras (grafia que lembram vagamente letras).
– Mistura de letras convencionais, cifras, pseudoletras etc.
capítulo 5 • 135
• QUANTIDADE DE GRAFIAS
– Necessidade de uma quantidade mínima para que o texto seja “legível”
(hipótese de quantidade mínima).
– Escritas de duas ou mais letras, sem controle de quantidade: a quantidade
de letras do texto é absolutamente aleatória ou é rígida pelo tamanho da página.
– Escritas com uma quantidade de letras fixa e constante.
– A quantidade de grafias – inclusive o tamanho das mesmas – tem relação
com as propriedades do objeto, animal ou pessoa a que se refere a palavra: ta-
manho, número, idade, importância afetiva (pai/ mãe, por exemplo).
• VARIEDADE DE GRAFIAS
– Amplitude do repertório de grafias que utiliza. Por exemplo, pode utilizar
só as letras do seu nome, variando a ordem etc.
– Necessidade de variar a composição de letras numa mesma palavra (não
“se pode” repetir a mesma letra).
– Necessidade de variar a composição de letras entre as palavras escritas de
uma lista.
136 • capítulo 5
• Escritas alfabéticas: a criança já analisa todos os fonemas da palavra asso-
ciando cada um a uma letra, que pode ser a convencional ou não, caso em que
poderá utilizar letras-curinga ou outros recursos.
capítulo 5 • 137
Avaliando a leitura:
O que tem neste cartão serve para ler?
Em primeiro lugar, apresentamos à criança diversos cartões com grafismos
diferentes, letras, pseudoletras, cifras etc. em tipografia variada e um deles em
branco.
Vistos todos os cartões, desordenados, em cima da mesa, convidamos uma
criança a fazer duas pilhas.
• Uma, com os cartões que servem para ler ou que podem ser lidos.
• Outra, com os cartões que nãos servem ou não podem ser lidos.
A seguir lhe pedimos que nos confirme a decisão anterior, olhando nova-
mente os cartões, um a um, enquanto vai explicando-nos as razões de sua esco-
lha. Anotaremos as respostas nas folhas de registro.
O objetivo desta atividade é o de averiguar as primeiras ideias pessoais das
sobre a língua escrita: como interpreta os signos gráficos e que condições devem
reunir todos esses signos gráficos e que condições devem reunir esses signos
para ter significado, isto é, para representar – simbolicamente – a linguagem.
Nesse sentido, observaremos as condições das crianças sobre:
Atividades iniciais
138 • capítulo 5
• O tipo de leitura:
– Global, sem atenção às letras que o compõem.
– Silábico: se atribui um valor de sílaba a cada letra. Neste caso, observare-
mos como se resolve o conflito entre sua interpretação silábica e a realidade do
escrito mais longo. Pode interpretar o restante das letras como seu sobrenome;
pode repetir partes do nome [MA-MA-RI-I-A], ou pode ignorar o conflito man-
tendo sua convicção silábica.
– Alfabético: se conhece todas as letras e as lê corretamente.
• Tipo de segmentação: observaremos com lê quando lhe ocultamos uma
parte de seu nome (por exemplo, a sílaba inicial ou final etc.). Nesse caso, vere-
mos se a criança identifica bem as partes visíveis ou se mantém que um frag-
mento do nome representa o nome completo.
• Outra atividade possível consiste em dar à criança uma folha com dese-
nhos – de animais, por exemplo – e um pedaço de papel com o nome de um
deles escrito. Pedimos a ela que situe o balãozinho com o nome junto ao de-
senho que lhe corresponda. Anotaremos como interpreta o escrito e que indí-
cios utilizou: número de letras, vogais, letra inicial, tamanho da palavra, letras
conhecidas etc. A seguir, poremos o balãozinho com o nome ao lado de outro
qualquer dos desenhos e lhe pediremos o que é que diz agora o balãozinho.
Poderá manter constante o significado (o mesmo de antes) ou pode ser que va-
rie para representar o desenho que agora está mais próximo.
IMAGEM TEXTO
Um objeto apenas Um homem ou verbo
Um objeto apenas Vários nomes ou frase
Vários objetos Um homem ou verbo
capítulo 5 • 139
• A interpretação da criança é concretizada numa ideia global da imagem,
que tem correspondência com uma ideia global do texto, inclusive com comen-
tários acrescentados e sem matizar aspectos concretos do escrito. Ao lhe pedir
que aponte com o dedo onde está escrito o que diz, responde apontando global-
mente o texto inteiro.
• O texto é interpretado, exclusivamente, em função das características da
imagem (nome de objetos, ações etc.) sem uma consideração constante das ca-
racterísticas do texto. Uma mesma palavra pode representar, ao mesmo tempo,
dois nomes ou ideias diferentes, por exemplo.
• O texto é interpretado a partir de suas próprias características: a quanti-
dade de palavras – ou fragmentos do texto – , de letras, o reconhecimento de
letras e sons ou a identificação de palavras etc., são os critérios que regem a
interpretação do texto e estabelecem o tipo de relação entre o texto e a imagem.
A imagem sugere uma informação que precisa ser confirmada a partir das ca-
racterísticas do texto. Por exemplo: pode haver tantos nomes como palavras; as
palavras escritas podem-se referir a um ou outro objeto, conforme o número
de letras ou a variedade, ou conforme a inicial ou alguma letra conhecida etc.
Consideramos dois tipos de características do texto a serem levados em conta:
140 • capítulo 5
Os diferentes níveis de consideração das características quantitativas e qua-
litativas do escrito levarão a criança a iniciar a decifração e a estabelecer estra-
tégias, cada vez mais úteis e precisas, para a leitura dos textos.
Propõe-se à criança ler um texto escrito que conheça bem ou sílaba de cor
(poema, conto, canção, estribilho, refrão, o texto contagiante de um anúncio
etc.). Observaremos:
• O conhecimento das letras e suas correspondências sonoras.
• O nível de autonomia e segurança de decifração.
• A identificação de palavras ou de determinados fragmentos e, especial-
mente, as estratégias que utiliza para essa identificação: vogais, consoantes,
memória visual da palavra etc.
• A antecipação de algumas palavras que ocultamos com uma folha de papel
– ou de lacunas preparadas no texto – e os indícios que utiliza para descobri-las.
• A distinção entre o título e o texto.
O objetivo de usar um texto muito conhecido é o de averiguar se a crian-
ça confirma, no texto, o significado que conhece, utilizando indicadores de
decifração.
Texto desconhecido
Preferencialmente, escolheremos um texto curto, narrativo, de linguagem e
tipografia adequadas ao nível da criança etc. Observaremos:
• A qualidade da decifração: confusões, omissões, velocidade, segurança,
silabação etc.
• Capacidade de integração do significado de cada palavra, vocabulário co-
nhecido etc.
• Identificação de dúvidas e erros de decifração: se para, retrocede esponta-
neamente, ignora etc.
• Identificação do significado das unidades sintáticas.
• Capacidade de inferir o significado de palavras ocultas a partir do texto
do que foi lido.
• Identificação da estrutura do texto: ideias principais, número de detalhes
que integra.
capítulo 5 • 141
Estas são algumas sugestões para a realização de avaliação contínua da
aprendizagem na alfabetização. Pode-se observar, diante desta variação de ati-
vidades e de seus objetivos, que o professor vai precisar ser muito organizado
com os seus registros sistematizados.
Como já considerado, é uma tarefa morosa que não pode se tornar exaus-
tiva para não se perder a motivação docente pelo ato avaliativo que nesta fase
inicial é imprescindível. Por este motivo, exige-se organização dos registros,
que podem ser organizados em forma de listas dos objetivos principais da ati-
vidade a serem observados com ou sem uso de legendas. Isso fica a critério do
professor, que julgará o que facilitará o seu trabalho. Também é uma ação que
deve ser realizada mediante observação de um grupo específico com dificul-
dades de aprendizagens, ou de um aluno individualmente quando se tem um
propósito maior para que este avance na aprendizagem até que todos possam
ser avaliados.
Para tanto, é necessário que o professor desenvolva o hábito de definir os
objetivos de cada atividade e elabore instrumentos concretos de registro.
142 • capítulo 5
Chamamos à atenção especial, o desenvolvimento profissional do profes-
sor para essa sociedade contemporânea. Pois, a formação do profissional da
educação assume determinada característica mediante ao momento histórico,
político, econômico e sociocultural por que passa a sociedade.
Em meados da década de 1980, pesquisas e debates em torno da profissão
docente foram fortemente difundidas quando o enfoque da formação de pro-
fessores deixou de dar importância maior ao trabalho que valorizava a mera
transmissão de conhecimentos e ao aprimoramento técnico, passando a consi-
derar o compromisso e o caráter político da prática pedagógica docente.
No entanto, na década de 1990, muitos estudos continuaram a dar enfoque
à formação docente, cuja proposta, articulada às pesquisas e à política educa-
cional, propunha uma formação de melhor qualidade e sua efetivação através
da formação continuada. Nas entrelinhas da política educacional e nas demais
pesquisas sobre a educação do educador, apontaram que a qualidade do pro-
cesso de ensino-aprendizagem depende da qualidade da formação e do desen-
volvimento profissional do professor. E o que seria uma formação e desenvolvi-
mento profissional de qualidade? Que tipo de qualidade buscar para esse fim?
O apontamento para melhor qualidade na formação e na profissionalização
docente insinua que o trabalho educativo está aquém das expectativas e das
necessidades da sociedade contemporânea. Esta se encontra em movimento
frenético da informação, da tecnologia, da comunicação, da rapidez destes que
causa a impressão de que tudo está passando depressa, porém mais evidente
está que as pessoas não estão conseguindo acompanhar todo esse processo. A
escola não está conseguindo acompanhar esses processos.
Diante disso, é preciso formar e desenvolver profissionais para atuarem nes-
ta sociedade de mudanças e incertezas, cuja qualidade poderia estar na efetiva
articulação da prática com a teoria e vice-versa, em que os professores fossem
capazes de acompanhar as tendências sociais que refletem na educação e, con-
sequentemente, na sua profissão. Há que promover mudanças de paradigmas
na postura profissional, pois a classe docente precisa ter claro para si mesma
que sua profissão não é estática, que acompanha as mudanças, os movimentos
sociais, e é preciso estar atento a isso, refletir sobre o tipo de educação emer-
gente na contemporaneidade, seu movimento político, social e pedagógico e
relacionar a esta o tipo de profissional capaz de nela atuar – enfim, ser um pro-
fissional contextualizado com o mundo.
capítulo 5 • 143
Não se trata, aqui, de apontarmos técnicas de ensino – isso todo professor,
em seu processo de formação profissional, deve aprender ao longo do curso
do magistério, da pedagogia ou outros cursos de licenciatura nas disciplinas
de didática e metodologias de ensino; não que a técnica não seja importante,
mas não somente esta, pois “os melhores planos didáticos das escolas, os mais
avançados métodos e materiais pedagógicos resultam em fracasso escolar se
não houver seres humanos habilitados para educar” (Incontri, 2002, p. 52).
O que propomos é uma reflexão sobre prática pedagógica humana do pro-
fessor enquanto pessoa baseada na interação, na empatia, na cooperação, na
percepção de si mesmo e do outro, na consciência grupal, na autoeducação
para atender à nova demanda educacional da sociedade globalizada.
Para ser educador, não basta conhecer teorias, aplicar metodologias, é preciso uma
predisposição interna, uma compreensão mais ampla da vida, um esforço sincero em
promover a própria autoeducação, pois o educador verdadeiro é aquele que, antes de
falar, exemplifica; antes de teorizar, sente e antes de ser profissional é um ser humano
(ibidem, p.52).
144 • capítulo 5
adianta investir em cursos que busquem qualificar o profissional se estes não
estiverem relacionados com a qualificação pessoal.
O docente em ação tem que manter uma relação harmoniosa com os alunos
e com seus pares para que o processo educativo se efetue.
Fazem parte da cultura de sua prática pedagógica: a observação do outro
para melhor orientar, a comunicação com o outro para compreender e ser com-
preendido, aceitar as limitações, as diferenças, as expectativas, as ideias do ou-
tro, bem como ser reflexivo diante de tudo isso e das mudanças que venham a
ocorrer ao seu redor.
É muito comum encontrar, nas escolas, professores rígidos e resistentes a
mudanças e introspectivos com certas ações pedagógicas mencionadas. Por
quê?
Certamente, por, talvez, não terem aprendido a observar o outro, a falar de
si, de seus medos, angústias, alegrias, sonhos, a não perceber e/ou expor suas
limitações, a aceitar as diferenças dos outros e conviver com elas, a refletir sem
culpa. Isso pode representar o limite de seus próprios conhecimentos, dos seus
sentimentos ou de sua história de vida. Esses limites, dependendo de suas di-
mensões, podem acarretar grandes dificuldades na atividade docente, caso o
professor não esteja devidamente preparado para lidar com eles.
Tais aspectos influenciam na qualidade do exercício da profissão, que é en-
volvida e mantida pela cultura de integração.
[...] O professor, pela essência da sua profissão, é o sujeito de suas ações. Ele é um
ser relações e não de simples contatos com os alunos, com os colegas professores e
com a comunidade escolar em si. As suas relações nesse coletivo são de trocas carac-
terizadas pela multiplicidade das respostas assumidas através de um relacionamento,
com uma razão crítica, vivida pela experiência. É um ser ativo, participante que cria e
recria, com autonomia, interferindo no seu contexto... é um ser que está na escola, com
a escola, na turma, com a turma. (Pereira, 2000, p.211)
capítulo 5 • 145
Dessa forma, o docente pode, nesse espaço de comunicação pessoal, apren-
der a lidar com suas emoções para compreender e respeitar as emoções dos
outros e bem trabalhar em grupo.
A sua prática pedagógica desenvolvida com um canal afetivo equili-
brado pode contribuir qualitativamente no conhecimento do outro (alu-
no) e daí perceber estratégias precisas para melhor realizar o ensino atra-
vés da observação para a efetivação da aprendizagem do aluno. No entanto,
perceber, dedicar-se a ouvir atentamente, mais abertamente o que pen-
sa e sente o outro é garantir a eficiência e a eficácia do processo ensino-
-aprendizagem.
O fato é que a maneira como o professor é, faz e está na profissão está re-
lacionada à sua maneira de ser como pessoa. Os indivíduos são o que são em
qualquer lugar em que estejam.
Quando o professor aprender a ser uma pessoa que conhece seus limites,
que realiza a autoformação, que saiba lidar com suas próprias emoções e con-
seguir ver-se sem sentir culpa nem “dor” de ser o que é e saber que pode me-
lhorar, será um profissional consciente de sua identidade, saberá falar com
propriedade de suas necessidades, práticas e teorias pedagógicas, participará
atentamente de sua formação e de tomadas de decisões a seu respeito enquan-
to instituição em harmonia com o eu-pessoal.
Consequentemente, fará de seu trabalho um instrumento de análise, crí-
tica e reflexão. Terá condições de refletir sobre seu fazer pedagógico. E, como
considera GIROUX (2000), tornar-se-á um profissional intelectual, agente de
transformação social.
Ver a si mesmo enquanto pessoa e profissional competente permitirá ao
professor romper com a velha postura de conformação pedagógica para insti-
tuir um profissional reflexivo. Conquanto, cabe aos cursos de formação inicial
desenvolver no futuro professor uma postura dinâmica que vise à permanente
atualização intelectual e ao zelo pelo equilíbrio emocional.
O desafio é ensinar, ao mesmo tempo, atitudes, hábitos, savoir-faire, méto-
dos e posturas reflexivas. Além disso, é importante, a partir da formação inicial,
criar ambientes de análise da prática, ambientes de partilha das contribuições
e de reflexão sobre a forma como se pensa, decide, comunica e reage em uma
sala de aula. Também é preciso criar ambientes – que podem ser os mesmos –
para o profissional trabalhar seus medos e suas emoções, onde seja incentivado
o desenvolvimento da pessoa, de sua identidade. [...]. (Perrenoud, 2002, p.18)
146 • capítulo 5
Diante de tais considerações, o professor precisa mobilizar sua competên-
cia leitora e escritora porque se efetuará modelo de motivação para que os alu-
nos venham a desenvolver estas habilidades de forma prazerosa. É preciso ler
para continuar aprendendo, atualizando-se, para manter o hábito de ler por
prazer. Deve expressar o seu gosto pela leitura aos alunos, mobilizando-os para
gostar de ler. Quem gosta de ler desenvolve bem o gosto pela leitura. Por falar
nisso, quantos livros você já leu neste mês? Qual livro você está lendo atualmen-
te e sobre o que é?
Outra característica do professor alfabetizador: ser curioso/perguntador,
pois aquele que sabe perguntar sabe conhecer, e a curiosidade é porta aberta
para o conhecimento. O professor “curioso” tem curiosidade em saber mais
sobre seu aluno, como ele aprende, por que não consegue aprender. Essa é a
tal curiosidade pedagógica. Ensinar o aluno a ser curioso e perguntador é um
meio de ele construir seu conhecimento despertando o desejo de saber mais,
desenvolvendo muitas vezes a iniciativa de pesquisa.
Para que possa ter condições de promover possibilidades de aprendizagens
diferenciadas com instrumentos diversificados de avaliação, é preciso ser cria-
tivo e inventivo para não esgotar o aluno e também seu repertório pedagógico.
Ser observador é outro aspecto positivo e eminentemente importante, sem
o qual o professor não tem condições de avaliar comportamentos, atitudes e
ações dos alunos diante de uma atividade desafiadora. E, do mesmo modo, é
interessante ensinar os alunos serem observadores.
Também precisa ser planejador de todas as ações avaliativas e das ativida-
des desafiadoras e executador delas para proceder com as intervenções pedagó-
gicas nos momentos convenientes.
Outro aspecto importante que torna possíveis as manifestações dos anterio-
res na relação professor-aluno é a competência interpessoal do professor, ma-
nifestada na empatia e na simpatia para com o outro, como já mencionamos.
Essas habilidades e competências são muito importantes no processo de
alfabetização, porque elas são aprendidas também pelos alunos não com o
mesmo tônico adulto, através da relação pessoa-pessoa do convívio escolar
com o professor. São atitudes, comportamentos, jeito de ser que o nosso corpo
expressa na interação com o outro, aprendidos espontaneamente e de forma
quase imperceptível, mas que fazem toda a diferença na qualidade do relacio-
namento com o outro.
capítulo 5 • 147
ATIVIDADE
01. Leia atentamente a poesia abaixo e pense em possíveis atividades, com propostas alfa-
betizadoras, que podemos realizar a partir desta leitura:
Nome da Gente
(Pedro Bandeira)
Eu não gosto do meu nome
Não fui eu quem escolheu
Eu não sei porque se metem
Com um nome que é só meu!
O NENÊ que vai nascer
Vai chamar como o padrinho
Vai chamar como o vovô
Mas ninguém vai perguntar o que pensa o coitadinho
Foi meu pai quem decidiu que o meu nome fosse aquele
Isso só seria justo se eu escolhesse
o nome dele
Quando eu tiver um filho
Não vou pôr nome nenhum
Quando ele for bem grande,
ele que escolha um!
LEITURA
SANT`ANNA, Ilza Martins. Por que avaliar? Como avaliar?: critérios e instrumentos. Petró-
polis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995
CURTO, MORILLO & TEIXIDÓ. Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o
professor pode ensiná-las a escrever e a ler. Porto Alegre: Artmed Editora, vol. I, 2000.
CARVALHO, Marlene. Guia Prático do alfabetizador. São Paulo: Ática, 2010.
148 • capítulo 5
LEITURA
Alfabetizar é todo dia
capítulo 5 • 149
oralmente e promover situações que permitam a cada um deles escrever até que todos do-
minem de fato o sistema de escrita.
Sabe-se, já há algum tempo, que as crianças começam a pensar na escrita muito antes
de ingressar na escola. Por isso, precisam ter a oportunidade de colocar em prática esse sa-
ber, o que deve ser feito em atividades que estimulem a reflexão sobre o sistema alfabético.
No livro Aprender a Ler e a Escrever, as educadoras Ana Teberosky e Teresa Colomer
apontam que o desenvolvimento do aluno se dá "por reconstruções de conhecimentos ante-
riores, que dão lugar a novos saberes", permitindo que a reflexão leve a avanços nas hipóte-
ses iniciais de cada estudante.
É fundamental levar para a escola as muitas fontes de texto que nos cercam no cotidia-
no, como livros, revistas, jornais, gibis, enciclopédias etc. Variedade é realmente fundamental
para os alfabetizadores, que devem ainda abordar todos os gêneros de escrita (textos infor-
mativos, listas, contos e muito mais). E, nas atividades de produção de texto, a intervenção
do professor é vital para negociar a passagem da linguagem oral, mais informal, à linguagem
escrita.
O número do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2007, mostra que só 28%
da população brasileira está na condição de alfabetizados plenos. Para impedir que mais
pessoas fiquem restritas a compreender apenas enunciados simples, o desempenho escolar
nos anos iniciais precisa de resultados melhores. Essa preocupação deve ser compartilhada
por professores e órgãos públicos. "O governo está fazendo uma intervenção específica nas
séries iniciais para ter resultados rapidamente, com dois docentes por sala, material didático
de apoio, formação continuada e avaliação bimestral", afirma Maria Helena Guimarães de
Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo.
As principais redes de ensino do país, como a estadual e a municipal de São Paulo,
trabalham com a meta de alfabetizar as turmas em no máximo dois anos. Para garantir que
essas expectativas de aprendizagem sejam atingidas, é preciso um compromisso dos coor-
denadores pedagógicos em utilizar os horários de trabalho coletivo para afinar a capacitação
das equipes. "Pesquisas, debates e orientações curriculares têm de ser incentivados", sugere
Célia Maria Carolino Pires, que coordenou em 2008 o Programa de Orientações Curriculares
da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
Nas próximas páginas, você confere uma lista, adaptada por NOVA ESCOLA, de ex-
pectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º e o 2º ano da rede municipal
paulistana. Com base nela, você pode adequar suas propostas de trabalho e fazer com que
nenhum aluno da turma fique para trás. Pois superar os desafios da alfabetização é apenas
o primeiro passo para que todos tenham uma vida escolar cheia de aprendizagens cada vez
mais significativas.
150 • capítulo 5
EntrevistandoTelma Weisz*: A saída é a formação do professor alfabetizador
Para desenvolver este artigo, parto de dois pressupostos. Primeiro: o que garante a qua-
lidade da Educação que acontece de fato nas escolas é, sobretudo, a qualidade do trabalho
profissional dos professores. O segundo: a qualidade do trabalho profissional dos professo-
res tem dependido essencialmente da formação em serviço, pois a inicial tem se mostrado
inadequada e insuficiente.
Diante disso, me concentro numa questão: a competência da escola pública brasileira
para produzir cidadãos plenamente alfabetizados, requisito mínimo para falar em Educação
de qualidade. É preciso admitir que nossa incapacidade para ensinar a ler e a escrever tem
sido responsável por um verdadeiro genocídio intelectual.
A existência de um fracasso maciço, o fato de ele ter sido tratado como natural até pou-
cos anos atrás e a fraca evolução desse quadro em 40 anos comprovam como vem sendo
penoso ensinar os brasileiros que dependem da rede pública. Pesquisas de campo mostram
a enorme dificuldade que os educadores têm para avaliar o que os alunos já sabem e o que
eles não sabem. Aqueles que produzem escritas silábico-alfabéticas e alfabéticas na 1ª série
e que teriam condições de acompanhar a 2ª série - pois podem ler e escrever, ainda que
com precariedade - são retidos. Por outro lado, os bons copistas e os que têm letra bonita ou
caderno bem feito são promovidos.
Quando se trabalha com esse tipo de indicador, até avanços na aprendizagem acabam
sendo prejudiciais. Muitas crianças que aprendem a ler começam a "errar" na cópia. Elas dei-
xam de copiar letra por letra e passam a ler e escrever blocos de palavras, em geral unidades
de sentido. Isso faz com que cometam erros de ortografia ou unam palavras. O que indicaria
progresso é interpretado como regressão, pois, por incrível que pareça, nem sempre o pro-
fessor sabe a diferença entre copiar e escrever.
Essa é uma dificuldade de avaliação comum nos quatro cantos do país e que explica em
grande parte por que muitos alunos de 4ª série não leem e não entendem um texto simples.
Eles costumam ser os que terminam a 1ª série sem saber ler ou lendo precariamente. Nas
séries seguintes, passam o tempo copiando a matéria do quadro-negro ou do livro didático.
Ao serem perguntados sobre o que fariam para melhorar a qualidade da leitura e do texto
produzido por esses estudantes, os profissionais que lecionam para a 2ª, 3ª ou 4ª série cos-
tumam dizer que não há o que fazer, já que eles foram mal alfabetizados e, além disso, as
famílias não ajudam.
Nos últimos 25 anos, estive envolvida com programas de formação docente em serviço
em todos os níveis possíveis: desde a implantação de uma unidade educacional até a for-
mação em nível nacional. Essa experiência me dá condições de afirmar que não existem
capítulo 5 • 151
soluções mágicas para resolver em pouco tempo os problemas da escola brasileira. A quali-
dade da Educação - e especificamente da alfabetização - só melhorará quando as políticas
educacionais forem um projeto de Estado e não de governo.
*TELMA WEISZ é supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da
Educação de São Paulo.
Trecho do texto “Alfabetizar é todo dia” disponível em: revistaescola.abril.com.br
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CURTO, MORILLO & TEIXIDÓ. Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode
ensiná-las a escrever e a ler. Porto Alegre: Artmed Editora, vol. I, 2000.
GIROX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
INCONTRI, Dora. A educação segundo o espiritismo. Bragança Paulista: Ed. Comenius, 2003.
PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão
pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.
PEREIRA, Wally Chan. Educação de professores na era da globalização: subsídios para uma
formação humanista. Rio de Janeiro: Nau, 2000.
GABARITO
Capítulo 1
Capítulo 2
01. Antigamente, todos tinham a ideia de que ensinar era transmitir, repassar informações.
Nos últimos 30 anos, com a teoria da psicogênese de Emilia Ferreiro e Anna Teberosky, per-
cebeu-se que ensinar é criar condições e situações para a aprendizagem, e que as crianças
constroem seu conhecimento.
152 • capítulo 5
Até então, muitos achavam que bastava o contato com as letras e o material escrito para
que o conhecimento aparecesse naturalmente, por geração espontânea. Atualmente, já se
sabe que o papel do professor é ser aquele que sabe mais dentro da classe e que valida a
informação que circula em uma sala, todos estão em atividade intelectual, todos falam, todos
elaboram ideias e constroem conhecimento, mas isto não ocorre ao mesmo tempo - e esse
é outro equívoco. A validação pelo professor deve acontecer, porque todos os saberes que
estão sendo construídos são provisórios, elaborados por meio de um processo permanente
de aproximação com o conhecimento objetivo. No entanto, hoje já sabemos que as crianças
constroem hipóteses sobre a escrita, e que este processo deve ser acompanhado pelo pro-
fessor, para que a criança avance. Na visão construtivista, com uma abordagem psicogenéti-
ca da alfabetização, fica claro que aquela escrita, errada segundo os padrões convencionais,
faz parte de um processo do aluno. E que, naquele momento, é preciso estimular o máximo
possível a reflexão sobre o que se escreve. É possível e necessário subsidiá-lo para ajudá-lo,
o que é muito diferente de dar informações para obter um produto correto.
Capítulo 3
capítulo 5 • 153
– A quantidade de letras usadas para escrever cada nome.
– Função da escrita dos nomes: para marcar trabalhos, identificar materiais, registrar a
presença na sala de aula (função de memória da escrita) etc.
Desenvolvimento
1ª etapa
Peça que as crianças desenhem. Recolha as produções e questione os alunos como fa-
zer para que se saiba a quem pertence cada material. Ouça as sugestões. Distribua etiquetas
e peça que cada um escreva seu nome na sua presença. Chame a atenção para as letras
usadas, a direção da escrita, a quantidade de letras etc.
Flexibilização para deficiência auditiva (perda auditiva parcial, tem oralidade e está em
fase de alfabetização)
Dê oportunidade de o aluno escrever da maneira que consegue.
2ª etapa
Questione os alunos como os professores podem fazer para saber o nome da sala toda
nos primeiros dias de aula. Ajude-os a concluir sobre a função do uso de crachás. Distribua
cartões com a escrita do nome de cada um que deverá ser copiado nos crachás. Priorize
nesse momento a escrita com a letra de imprensa maiúscula (mais fácil de compreensão e
reprodução pelo aluno).
3ª etapa
Lance para a classe o problema: como podemos fazer para não esquecer quem falta na
aula? Apresente uma lista com todos os nomes da classe. Escreva todos os nomes com letra
de imprensa maiúscula. Peça que localizem na lista da sala o próprio nome. O cartaz com
essa lista pode ser grande e fixado em local visível. Disponibilize letras móveis e peça para
cada um montar o próprio nome.
4ª etapa
Dê uma lista com todos os nomes da sala para cada criança. Dite um nome e peça que
encontre sua escrita e o circule. Em seguida, peça a um aluno que escreva aquele nome na
lousa. A turma deve conferir se circularam o nome certo. Para que essa atividade seja possí-
vel, é importante fornecer algumas ajudas. Diga a letra inicial e final, por exemplo.
Flexibilização para deficiência auditiva (perda auditiva parcial, tem oralidade e está em
fase de alfabetização)
Para o aluno saber melhor qual é o nome ditado, a professora pode pedir que cada aluno
se levante quando seu nome for dito.
154 • capítulo 5
5ª etapa
Peça que as crianças digam o nome dos alunos ausentes e que façam circular esses
nomes. Depois, peça para separarem a lista em duas colunas: nomes das meninas e nomes
dos meninos. É importante chamar a atenção para a ordem alfabética utilizada nas listas.
A nomeação das letras do alfabeto é fundamental para ajudar o aluno a buscar a letra que
necessita para escrever. Em geral, as crianças chegam à escola sabendo “dizer” o alfabeto,
ainda que não associando o nome da letra aos seus traçados. Aproveite esse conhecimento
para que possam fazer a relação entre o nome da letra e o respectivo traçado.
Avaliação
Observe se as crianças avançaram em suas hipóteses de escrita, ampliaram o repertório
das relações que estabelecem, começam a interpretar a escrita durante e depois de sua pro-
dução e se pedem ou fornecem informações ao colega durante a realização das atividades.
Capítulo 4
– Objetivo(s)
– Refletir sobre o funcionamento do sistema alfabético de escrita.
– Acionar estratégias de leitura que permitam descobrir o que está escrito e onde (sele-
ção, antecipação e verificação).
– Estabelecer correspondência entre a pauta sonora e a escrita do texto.
– Usar o conhecimento sobre o valor sonoro das letras (quando já sabido) ou trabalhar
em parceria com quem faz uso do valor sonoro convencional (quando ainda não sabido).
– Conteúdo(s): Leitura na alfabetização inicial.
– Ano(s): 1º e/ou 2º
– Tempo estimado: Uma aula de 30 minutos em dias alternados aos de atividades de
escrita, durante todo o ano.
– Material necessário: Textos poéticos (parlendas, poemas, quadrinhas e canções).
– Desenvolvimento:
capítulo 5 • 155
1ª etapa
Selecione parlendas, poemas, quadrinhas e canções que considere interessantes. Distri-
bua uma cópia para cada estudante e leia com a classe. Para que os leitores não-convencio-
nais participem da atividade, garanta que saibam o texto de cor.
2ª etapa
Informe onde se inicia o texto e proponha que todos leiam juntos, acompanhando o que
está escrito com o dedo enquanto cantam ou recitam. O desafio será ajustar o falado ao
escrito.
3ª etapa
Peça que procurem algumas palavras e socializem com o grupo as pistas usadas para
encontrá-las. Faça com que justifiquem as escolhas e explicitem o procedimento para desco-
brir o que estava escrito. Nessas atividades são utilizados textos que já se sabe de cor para
antecipar o que está escrito e letras e partes de palavras conhecidas para verificar escolhas.
4ª etapa
Uma variação da atividade é entregar as poesias recortadas em versos ou em palavras
e pedir que sejam ordenadas. Para dar conta da tarefa, a garotada terá de acionar os conhe-
cimentos que possui sobre o texto, os procedimentos de leitura já adquiridos e utilizar pistas
gráficas (letras iniciais, finais etc.).
Avaliação
Registre suas observações sobre a participação dos pequenos: quais foram as pistas uti-
lizadas e como eles justificaram escolhas. Anote também quais foram as suas intervenções
mais importantes para a orientação da turma. Essas observações são fundamentais para o
planejamento das atividades que virão a seguir.
Flexibilização
1ª etapa
O aluno pode levar o texto para casa, pedindo auxílio de leitura aos pais, para que possa
se antecipar na memorização dos textos.
2ª etapa
Adapte uma prancha de apoio para que o texto fique visualmente acessível.
3ª etapa
Forneça o texto em tamanho amplo para facilitar a indicação das palavras com o dedo.
Ajude-o caso ele encontre dificuldade em realizar a tarefa.
156 • capítulo 5
Capítulo 5
Após a leitura da poesia abaixo foi solicitado que os alunos apontassem algumas ativida-
des alfabetizadoras que podemos realizar a partir deste texto:
Nome da Gente
(Pedro Bandeira)
capítulo 5 • 157
ANOTAÇÕES
158 • capítulo 5
capítulo 5 • 159
ANOTAÇÕES
160 • capítulo 5