Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura
Planejamento e Gestão Urbana, Docente Wrana Panizzi
Discente Laura Krebs Alvares, 00217265 2019.2
Pátria, Empresa e Mercadoria resumo do texto de Carlos Vainer (suplemento à ausência em apresentação de trabalho)
No neoliberalismo, a mundialização da economia e da comunicação demandam, a partir do estímulo de autores e instituições, uma nova metodologia coerente, adaptativa e apaziguadora de conflitos para a gestão de cidades. Sob essa lente, as noções de produtividade e competitividade se sobrepõem às antigas inquietações acerca da força de trabalho, crescimento desordenado, movimentos sociais urbanos, uso do solo, etc.. Assim, as cidades cidades passam a disputar entre si, em uma lógica clássica de mercado, pelo investimento de capital, pela atração de novas indústrias e por melhores ofertas de preço e serviços. O planejamento estratégico, então, migra do universo empresarial para a regência da lógica urbana e é a partir dessa problemática que Carlos Vainer organiza seu texto: Pátria, Empresa e Mercadoria são os três pilares que compõem o título como pontos fundantes e paradoxais do que chama de A Nova Questão Urbana.
A noção de cidade como mercadoria para o autor, em primeiro lugar, não é a de qualquer mercadoria, mas a de cidade como objeto de luxo. Transpor a sintaxe mercadológica a todo o espaço da cidade torna-se uma das funções básicas de seus governos de maneira a fazer dele um lugar competitivo frente aos outros que também estão à venda. Desde então, surge a questão do que está em oferta quando se põe à venda uma cidade, e alguns autores argumentam que é necessário diagnosticar as características de cada ambiente e os infinitos mercados (e consumidores) aos quais podem atender. O texto, no entanto, está interessado na ideia de que existem atributos específicos valorizados pelo capital transnacional como tecnologia, língua (inglês, é claro), facilidade de comunicação e aparelhamento de luxo como hoteis e centros de convenção.
O autor faz o marketing urbano como ferramenta de planejamento e gestão ficar bastante nítido dada a importância da promoção da cidade para o exterior, que por sua vez está personificado em investidores, visitantes e usuários solventes à cidade e que facilitem suas exportações. Para que esses consumidores sejam atingidos, a noção de imagem segura e/ou atrativa precisa ser transmitida sem que necessariamente seja verdadeira no cotidiano de seus habitantes. Essa preocupação com a publicidade, por sua vez, esvazia e faz com que problemas de cunho social como a pobreza sejam rebaixados a paisagísticos ou ambientais na medida em que são entorno e afetam a atratividade. Como exemplo, é citado o planejamento estratégico da cidade do Rio de Janeiro que promove a si mesma como um espaço de baixa intolerância racial e exemplo de harmonia social.
Para além da cidade-coisa, objeto ou mercadoria, a urbanidade passa também a ser sujeito sempre em busca do aumento de sua atratividade para manutenção ou desenvolvimento de sua capacidade de inovar e se difundir. Essa mudança do plano passivo do objeto para o poder de agência do sujeito equipara a cidade a uma empresa disposta a competir por investimentos e, portanto, por multinacionais. Ao longo dessa construção, o texto aponta a dificuldade da tradução de algumas lógicas empresariais para o contexto público sendo os mais problemáticos a cultura dos instrumentos de gestão, os objetos de ação e os critérios de decisão. Também é sublinhada a problemática do uso do planejamento empresarial baseado no taylorismo por parte do urbanismo moderno, o que não invalida as novidades do planejamento estratégico.
Se antes, aponta Vainer, a unidade de produção industrial era o interesse do desenho da cidade, agora os princípios de organização dessa produção é que se transpõem para o plano urbano sob os conceitos de produtividade e competitividade. Dessa forma, a cidade como agente econômico encontra no mercado seu modelo de planejamento e execução, subordinando a tomada de decisões às suas expectativas. O texto também mostra a importância do estado em convocar os empresários ao diálogo entre instituições em um projeto de superação entre os setores público e privado: a despolitização da cidade é instaurada como modo de transformá-la em território de formas de gestão, não mais de identidade política e democracia local.
Assim, passa a ser preciso entender como o planejamento estratégico soluciona sua construção na esfera das instituições políticas, e se aborda então a noção de cidade pátria a partir da ideia de consenso. A produtivização como única lei, argumenta, requer uma unidade sem brechas em torno de seu projeto. Para isso, alguns autores organizam a consciência de crise como impulso para mudança, vide o caso cânone da cidade de Barcelona, uma vez que seu efeito útil (e, portanto, desejável) gera trégua nos conflitos e paz social interna. S e sublinha, também, que a crise em si não é o elemento decisivo, mas que sua percepção (organizada a partir de sua veiculação) é o que garante que diferentes atores abdiquem de seus interesses particulares em favor da implementação de um projeto total.
Se mostra preciso, porém, tornar a instabilidade do sentimento de crise em algo durável, o que ocorre a partir do patriotismo de cidade, o que se organiza a partir de obras e serviços visíveis com forte caráter monumental e simbólico: essa mobilização de consciências organiza a instauração do planejamento estratégico enquanto discurso de projeto de cidade. A manipulação do imaginário é acompanhada de reformas políticas institucionais e por vezes de um governo forte, personalizado, estável, apolítico e carismático, garantindo um ambiente que transcende o campo das filiações político partidárias além de assegurar aos investidores a permanência de certas escolhas. A cidade então mantém a unidade trégua interna para garantir afrontar outras cidades, banindo a política de um espaço simultaneamente competitivo e pacificado.
É justamente essa manutenção da competição entre cidades que o autor aponta como ponto central da transposição do empresariado para a urbanidade: a partir desse discurso, o papel de mercadoria gera a noção de empresa e finalmente de pátria, garantindo a fluidez conceitual enquanto instrumento ideológico poderoso. A partir dessas várias imagens e representações que se alternam, o planejamento estratégico transforma o citadino em consumidor, acionista ou patriota, negando propositalmente seu lugar de cidadão. A city, então, é espaço, objeto e sujeito de negócios, sempre se distânciando da polis, a possibilidade da cidade com espaço de encontro e confronto entre cidadãos e é ali, aponta o autor, na quotidianização da política a partir da reconstrução e reapropriação de espaços públicos, que está o vislumbre de uma alternativa.