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São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996

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O filósofo do óxido nitroso


DMITRI TYMOCZKO
DO "THE ATLANTIC MONTLY"

Seu cabelo é aparado rente, mas a barba castanha é


longa. Traja um terno completo. Pode-se imaginá-lo
debruçado sobre a mesa, acometido pelos frouxos do
riso.
A seu lado, vê-se um aparato oriundo dos
experimentos científicos da escola secundária: um
béquer repleto de nitrato de amônio, uns poucos
centímetros de mangueira de borracha, um saco de
pano. Sob uma das mãos, um pedaço de papel no qual
acaba de rabiscar: "Pode parecer sem sentido, mas é
puro em sentido!". A risada se prolonga.
Ele ampara a testa com as mãos. Delira. Ele é William
James, o psicólogo e filósofo americano. E, pela
primeira vez, ele se dá conta de que compreendeu o
misticismo religioso.
A psicodelia dos anos 60 foi prenunciada por certas
ocorrências ao final do século 19. Este primeiro
movimento psicodélico americano teve início com um
artigo anônimo publicado nos idos de 1874 em "The
Atlantic Monthly". Tal artigo, na verdade redigido por
James, constava da resenha de "The Anaesthetic
Revelation and the Gist of Philosophy" ("A Revelação
Anestésica e o Cerne da Filosofia"), um panfleto cujo
argumento central era que os segredos da religião e
da filosofia seriam encontrados nos picos da
intoxicação por óxido nitroso. Inspirado nesse
pensamento, James provou da droga e experimentou
revelações extraordinárias, que transpôs
imediatamente ao papel.
"O que é o equívoco, senão um tipo de oco?
O que é a náusea, senão um tipo de -áusea?
Sóbrio, ébrio, -brio, assombro...
Acordo -desacordo!!
Emoção -moção!!!...
Reconciliação dos opostos; sóbrio, ébrio, tudo o
mesmo!
O bem e o mal reconciliados numa gargalhada!
Está escapando, está escapando!
Mas -
O que está escapando, O QUE está escapando?"
Essa experiência, que nas palavras de James envolveu
"a emoção mais pungente" de que tinha notícia,

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permaneceu-lhe próxima ao longo de sua vida. Em


1882, ele inaugura a descrição de seus experimentos
com a droga; em 1898, publica um artigo intitulado
"Consciousness Under Nitrous Oxide" ("A Consciência
Sob o Efeito do Óxido Nitroso), no "Psychological
Review"; em 1902, reconta a mesma experiência em
sua obra-prima, "The Varieties of Religious
Experience" ("As Variedades da Experiência
Religiosa"); e em 1910, em seu último ensaio integral,
sugere que o óxido nitroso exercera-lhe constante
influência sobre o pensamento.
Fragmentos esfarrapados
Ao dissipar-se o efeito da droga, William James
descobriu que suas visões místicas haviam
desaparecido. Restavam apenas palavras
incompreensíveis -"fragmentos esfarrapados", que
mais pareciam "bobagens despidas de sentido". Mas,
sendo um visionário filosófico, e não um usuário de
drogas do tipo recreativo ou de fim-de-semana, James
não se inclinava a deixar que sua consciência sóbria
tivesse a última palavra.
Ao contrário, ele tomou suas experiências com óxido
nitroso como uma evidência de que a vida humana era
mais profusa e vária do que previamente (e
sobriamente) imaginara. "Há alguns anos", escreveu
nas "Variedades", "eu mesmo fiz algumas experiências
com (...) o óxido nitroso e as registrei por escrito. Na
época, uma conclusão insinuou-se por minha mente e,
desde então, a impressão de sua veracidade
permanece inabalada. Vi que nossa consciência normal
e em vigília -consciência racional, como se costuma
chamar- não é senão um tipo especial de consciência,
ao passo que em tudo à sua volta, no que dela se
separa pela mais fina das telas, jazem formas de
consciência potenciais inteiramente diversas".
Para James, tais formas alternativas de consciência só
eram acessíveis por meio de tóxicos artificiais. Outros,
assim conjecturava, eram capazes de alcançá-las sem
o auxílio de drogas: a seu ver, os grandes místicos
religiosos e certos filósofos místicos, inclusive Hegel,
eram "notavelmente suscetíveis" a tais formas de
consciência extraordinárias.
As experiências de James com óxido nitroso
colaboraram para cristalizar alguns preceitos básicos
de sua filosofia. Suas obras salientam, por exemplo, a
noção de pluralismo, segundo a qual "há vários 'pontos
de vista' que o filósofo terá de diferenciar ao discutir o
mundo". O óxido nitroso lhe revelara, da maneira mais
dramática possível, a existência de pontos de vista
alternativos. Qual era o "verdadeiro" William James -o
visionário aturdido pela droga, que arengava tolices
místicas e privadas de sentido, ou o psicólogo sóbrio e
avesso ao misticismo, cujas pesquisas lhe trouxeram
fama internacional?
A filosofia de James repousava sobre o pensamento de
que uma vida perfeita -para a sociedade e, por via de
consequência, também para o indivíduo- implica uma
pluralidade de perspectivas, das quais a mística e a
científica são apenas dois exemplos. Igualmente
importante à concepção do James maduro é a idéia de

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que as experiências religiosas são patologicamente


reais -ocorrências poderosas e palpáveis que podem
acarretar consequências importantes a longo prazo,
ainda que as crenças a que deram origem não sejam
verdadeiras. As drogas auxiliaram James a
compreender qual a feição da crença religiosa vista a
partir de dentro. Ao inalar óxido nitroso, para todos
efeitos e propósitos, ele era um místico religioso ("O
pensamento mais profundo que a fala!", notou sob o
impacto da droga. "Oh, meu Deus, oh Deus, oh
Deus!"). O óxido nitroso representou o passaporte que
lhe franqueou o acesso à religião da perspectiva do
fiel, trafegando entre os mundos da ciência e da fé.
Contudo as experiências de James com óxido nitroso,
se não de todo ignoradas, tornaram-se objeto de
pilhéria. Mesmo no século 19, cientistas céticos
tomaram seu interesse por fenômenos mentais
exóticos como equívoco, quando não imprudente. Fiéis
religiosos tendem a ofender-se com a equação entre
tóxicos e inspiração religiosa. Veteranos da
contracultura, todos eles testemunhas de revelações
semelhantes ou até mesmo mais intensas à custa de
drogas, tendem a tomar William James por um
diletante. Tais críticas, além de míopes, ignoram o fato
de James ter sido o primeiro gênio filosófico dos
Estados Unidos.
Talvez, mais que nenhum filósofo anterior, ele logrou
reunir o ceticismo do cientista empírico, a forma de
consciência que "diminui, discrimina e diz não", com a
hipérbole do visionário místico, a forma de consciência
que "expande, une e diz sim". Se as drogas o
auxiliaram a abrir as portas da consciência de modo
tão acolhedor, talvez devêssemos repensar algumas de
nossas suposições sobre a droga e seu possível
emprego na vida humana. Por exemplo, podem as
drogas desempenhar um papel na autêntica
experiência religiosa? E, em caso afirmativo, qual
devia ser o status ético e jurídico do uso de drogas
para fins religiosos?
Tais questões conduzem a um fascinante imbricamento
de história e filosofia, grande parte do qual possui
surpreendente relevância para a esfera de ação
contemporânea. De fato, por mais de 30 anos os
tribunais, o legislativo e os filósofos têm discutido as
questões de James, chegando a uma espantosa
variedade de conclusões incompatíveis. Alguns
tribunais sustentam que o consumo religioso de drogas
é legítimo e merece respaldo constitucional; outros
-inclusive a Suprema Corte- refutam tais argumentos.
William James refletiu mais nitidamente sobre tais
problemas do que somos capazes de fazê-lo hoje em
dia e portanto a ele nos podemos referir ao cogitar da
posição das drogas na vida contemporânea.
O visionário esquecido
O interesse de James pelo óxido nitroso foi despertado
por um homem chamado Benjamin Paul Blood.
Nascido em 1832, Blood -a um só tempo fazendeiro,
filósofo, esportista pletórico, calculista prodigioso,
desmascarador, inventor, místico, visionário olvidado e
autor do panfleto "A Revelação Anestésica e o Cerne

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da Filosofia"- é uma figura clássica do século 19 norte-


americano.
Em suas próprias palavras, um preguiçoso, um
"impostor", aleatoriamente instruído e com escassos
dotes para os argumentos sistemáticos, Blood viveu
seus 86 anos em Amsterdã, um vilarejo na região norte
do Estado de Nova York. Apesar de suas limitações, ou
talvez por causa delas, ele devotou sua vida à filosofia.
O grosso de seus escritos consiste de cartas aos
diretores de jornais da localidade. Uma parte de seus
poemas foi publicada na "Scribner's Magazine". E,
finalmente, ele escreveu um livro, "Pluriverse: an
Essay in the Philosophy of Pluralism" ("Pluriverso: um
Ensaio Sobre a Filosofia do Pluralismo").
Blood era capaz de multiplicar de cabeça números com
vários dígitos. Era capaz de arrasar os conferencistas
itinerantes que constituíam o supra-sumo da cultura
popular oitocentista dos Estados Unidos. Em certa
ocasião, demonstrou a uma platéia atônita como um
espiritualista que os visitava havia produzido
ocorrências aparentemente fantasmagóricas. Em
outra, valeu-se das doutrinas do que então se chamava
"filosofia moderna" para contestar a glorificação do
espaço pontificada por um astrônomo: por que,
indagou, deveríamos nos impressionar com a dimensão
do sistema solar, já que as dimensões são relativas ao
observador? Um gigante não consideraria o universo
como pequeno? E não somos nós, portanto, que
tornamos o espaço vasto, uma vez que sem nós ele não
seria nem vasto nem reduzido?
Amsterdã nem sempre esteve à altura de tais
especulações, mas ainda assim jurava amor a Blood.
Numa pesquisa patrocinada por um dos periódicos do
distrito, ele figurava como "um dos 12 cidadãos de
ponta" da cidade -número seis, para ser exato.
O mundo exterior, todavia, foi menos indulgente. As
portentosas cartas de Blood dirigidas a inúmeras
sumidades do século 19 foram em boa parte recebidas
com reservas. Um apelo, é certo, teve como saldo o
convite para visitar Alfred Lord Tennyson; outro
resultou na extensa e afetuosa correspondência com
James. Mas no essencial Blood amargou uma vida
solitária. Quem compulsar seus "ensaios", suas cartas
inconsequentes e seus esfarelentos recortes de jornal,
depositados na Houghton Library de Harvard por
algum admirador, não deixará de farejar o inequívoco
bafejo de tragédia intelectual. Blood era a encarnação
do americano simplório e excêntrico, um vendedor de
bugigangas com veleidades filosóficas. Nascido no
lugar errado e na época errada, ele sabia muito pouco
para dar bom destino a seus talentos e ao mesmo
tempo sabia demais para deixá-los atrofiar
condignamente.
A obsessão de Blood pelo óxido nitroso começou no
consultório dentário. O óxido nitroso, ou "gás
hilariante", foi descoberto em 1772 por Joseph
Priestley. Suas inconfundíveis propriedades psicoativas
foram verificadas 27 anos depois por Sir Humphrey
Davy, cujo trabalho "Pesquisas, Químicas e Filosóficas,
a Respeito Sobretudo do Óxido Nitroso, ou Ar Nitroso

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Deflogistizado, e Sua Inalação" arrola uma série de


tentativas de encontrar uso para a nova droga.
Em que pesem os esforços de Davy, a droga foi
utilizada na primeira metade do século sobretudo para
fins recreativos. Um observador do século 19 notou
que o éter, cujas propriedades psicoativas se lhe
assemelham, foi "por um bom tempo brinquedo de
estudantes e professores", e relatou ainda que "os
estudantes de Cambridge (Harvard) costumavam
inalar éter sulfúrico de seus lenços, o que os
embriagava, fazendo-os cambalear e titubear". O éter,
em seu emprego moderno, foi usado pela primeira vez
em 1846, quando, num dos maiores triunfos da
medicina oitocentista, W.T.G. Morton, um dentista
americano, "ministrou o vapor do éter sulfúrico a um
enfermo para extrair-lhe um dente, achando-se o
paciente num estado de absoluta insensibilidade". Um
resultado semelhante seguiu-se logo após com o uso
do óxido nitroso, e nasceu assim a prática da
anestesia.
Uma revelação "adâmica"
Voltemos a Blood. No prefácio de seu livro,
"Pluriverso", pode-se ler:
"Foi em 1860 que surgiu-me, por meio do uso
(medicinal) de anestésicos, uma Revelação ou
percepção do Mistério imemorial que, entre as pessoas
esclarecidas, ainda persiste como o segredo ou
problema filosófico do mundo. (...) Depois de 14 anos
dessa experiência, publiquei em 1874 'A Revelação
Anestésica e o Cerne da Filosofia', sem o propósito de
tentar definir o teor da iluminação, mas antes para
registrar-lhe a experiência e, num sumário de filosofia,
mostrar por que esta última fracassara".
Blood sustentava que os grandes filósofos metafísicos,
de Platão a Hegel, haviam todos experimentado algo
parecido com o que lhe ocorrera sob o efeito do óxido
nitroso. Essa "revelação anestésica", aduzia, era
"primordial", "adâmica" e "incomunicável". Em uma
carta enviada a James, afirma: "A filosofia é passado.
Ela foi o longo esforço por logicizar o que apenas
somos capazes de perceber praticamente ou na
experiência imediata".
O proselitismo incansável em favor de seu panfleto
-Blood enviou cópias a praticamente todos que
pudesse imaginar- resultou na formação de um seleto
grupo de filósofos adeptos do óxido nitroso, os quais
eram unânimes em concordar que a droga produzia
uma certa espécie de iluminação metafísica
incomunicável.
Entre os experimentadores, incluíam-se figuras de
primeira grandeza: Edmund Gurney, um espiritualista
inglês, compilador de um alentado catálogo em dois
volumes sobre ocorrências telepáticas, assombrações
e demais sucessos fantasmagóricos ("Phantasms of the
Living" - "Fantasmas dos Vivos", 1886); J.A. Symonds, o
poeta, historiador e biógrafo; William Ramsay,
agraciado com o Prêmio Nobel de 1904 e descobridor
dos gases inertes; e, é claro, William James. Todos
relataram "visões metafísicas" sob o efeito do óxido
nitroso ou drogas do estilo. Até mesmo Alfred

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Tennyson, ao recuperar-se de uma experiência com


éter, prorrompeu numa "longa oração metafísica".

Continua à pág. 5-5

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