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Caminhos para transformação da escola 1

Roseli Salete Caldart 2

“Por um lado, é necessária uma mudança das condições sociais para criar um sistema de ensino
correspondente, e por outro lado, é necessário ter um correspondente sistema de ensino para mudar as
condições sociais. Por isso, devemos partir das situações existentes”. Karl Marx, 18693.

Este texto apresenta uma síntese de compreensão dos processos de transformação da escola.
Na primeira parte são expostas algumas premissas gerais que fundamentam a abordagem desses
processos. Em seguida o texto desenvolve uma reflexão sobre a concepção de educação e de matriz
formativa. Por fim são descritas algumas categorias que vêm sendo formuladas em práticas
educativas que dão materialidade a uma outra forma de escola. A síntese foi produzida desde
estudos feitos durante o Curso de Especialização no Ensino de Ciências Humanas e Sociais em
Escolas do Campo, em especial nos trabalhos relacionados à linha de pesquisa “Organização do
Trabalho Pedagógico” e desde reflexões sobre educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. O curso foi realizado no período de novembro de 2009 a fevereiro de 2012, em uma
parceria entre a Universidade Federal de Santa Catarina, o Instituto Técnico de Capacitação e
Pesquisa da Reforma Agrária e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.

Pressupostos gerais

Há alguns pressupostos de concepção que orientaram nossas discussões na linha de pesquisa


e também a elaboração desta síntese, bem como se referem a convicções dos sujeitos das práticas a
que correspondem os raciocínios formulados neste texto. Como se trata de discutir sobre
“caminhos”, é importante explicitar estas premissas, porque elas indicam um percurso de
pensamento. Em alguma medida este percurso se refere a um método de trabalho (ou de
caminhada), que pode ser de pesquisa, mas também da atuação dos educadores ou da
intencionalidade de sua formação.
Um primeiro pressuposto é de que há uma relação necessária e, para nós, a ser
intencionalizada, entre projeto de escola e projeto histórico, ou seja, um projeto de classe que
aponta para o tipo de sociedade que se quer construir e como fazer isso a partir de uma análise do
tempo em curso. Assumimos como objetivo estratégico o socialismo, mediação necessária para
construção do projeto histórico da classe trabalhadora ou da “república do trabalho” (Marx), e que é
também condição de efetiva emancipação e desenvolvimento mais pleno do ser humano. Mas
vivemos em um tempo paradoxal: o socialismo nunca esteve tão próximo, pelo acirramento das
contradições do modo de produção capitalista, pela explicitação de sua crise estrutural que força

1
Publicado em: Caldart, R. S., Stedile, M. E. e Daros, D.(org.) Caminhos para transformação da escola 2: agricultura
camponesa, educação politécnica e escolas do campo. São Paulo: Expressão Popular, 2015, p. 115-138. Com algumas
revisões, foi anteriormente publicado em: VENDRAMINI, C. R. e AUED, B. W. (org.) Temas e problemas no ensino
em escolas do campo. São Paulo: Outras Expressões, 2012, p. 23-57.
2
Do setor de educação do MST, da Unidade de Educação Superior do Iterra e do coletivo político-pedagógico do
Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC). Doutora em Educação pela UFRGS.
3
Discurso ao Conselho Geral da I Internacional em agosto de 1869, apud Manacorda, 2000, pág. 88.
1
novas relações sociais, mas ao mesmo tempo nunca esteve tão distante, pelo número de pessoas ou
pela média de consciência social disposta a trabalhar pela superação da crise do capitalismo por
dentro dele próprio, ou seja, para que as contradições se resolvam sem alterar os fundamentos das
relações sociais ou, mais amplamente, do modo de vida que ele constituiu, consagrou.
Este é o tempo em que vivemos e estamos discutindo sobre educação e transformação da
escola. Desde esta tarefa específica e na direção do objetivo estratégico que nos guia, o momento
nos exige especial clareza acerca dos traços de formação humana exigidos neste período histórico, e
que projetam o futuro da humanidade pelo qual lutamos. Também nos exige discernimento da
direção a ser dada às transformações em curso nas instituições educativas, em especial na escola,
uma instituição que teve seu papel progressivamente alargado na formação das novas gerações, pelo
próprio movimento das contradições da modernidade capitalista.
Hoje não nos basta afirmar que é preciso transformar a escola. Quase não há quem não
afirme isso. Exatamente porque a escola, e é bom sempre ter isso presente, é uma instituição de
“vocação” conservadora, avessa a mudanças ou pelo menos lenta para fazê-las, venham propostas
da direção que vierem. Há muitas escolas que continuam com traços de sua constituição
institucional histórica de origem, ou seja, como um lugar próprio àqueles que não vivem do próprio
trabalho (classes proprietárias dos meios de produção) e que pode ficar apartada das questões da
realidade social ou das estruturas da vida produtiva, ainda que estas mesmas escolas sejam hoje
permanentemente cobradas pela sociedade para atender, em seu projeto formativo, as exigências do
mundo da produção (capitalista).
A questão da transformação da escola pode então ser formulada nos termos de uma
adequação maior do projeto educativo ou do formato da instituição às demandas de formação para a
reprodução do capital e do ser humano que sustenta sua lógica. Mas esta questão pode ser
formulada desde outro polo, que é o de como potencializar as contradições da sociedade atual para
vincular esta instituição educativa ao desafio de construção de novas relações sociais ou da
formação de seres humanos capazes de se assumir como sujeitos concretos da luta social na direção
de outro modo de produção, de outra forma de sociedade. Faz parte do paradoxo indicado que não
seja este segundo polo o que hegemonize as discussões sobre escola em nossa sociedade atual,
embora seja o que efetivamente tem construído caminhos para sua transformação. É neste polo, que
encarna os interesses dos trabalhadores como classe portadora de futuro, que nos inserimos.
De qualquer forma, desde quando o modo de produção capitalista passou a ser dominante
em nossas sociedades e a escola passou a ser frequentada também pelos trabalhadores, sendo
exigida alguma forma de relação entre seu projeto educativo e as exigências do mundo da produção,
há questões comuns quando se trata de pensar nas transformações da escola. Questões sobre a
relação teoria e prática, o papel da escola na formação para o trabalho, uma matriz formativa mais
estreita ou mais alargada, educação integral, escola de tempo integral ou atuação de diferentes
instituições educativas, podem ocupar mentes movidas por interesses contraditórios, contrapostos.
Mas a compreensão destas questões não será a mesma, a depender do lugar de onde se formulem ou
se resolvam. E a direção das respostas não tem como deixar de assumir, no âmbito da pedagogia, o
confronto fundante do modo de produção que as formula: capital versus trabalho.
Um segundo pressuposto diz respeito a como entender os processos de que aqui se trata na
relação entre particular e universal. Não se trabalha pela transformação da escola (ou pela
transformação de qualquer coisa) em tese, abstratamente. Atua-se em realidades particulares, que

2
por sua vez guardam relação com a realidade geral da escola, enquanto instituição vinculada a uma
determinada forma de sociedade. Em nosso caso, estas práticas de transformação acontecem em
cada escola de acampamento ou de assentamento de reforma agrária onde trabalhamos, o que inclui
a mediação de uma especificidade que são os processos sociais que acontecem no campo (por isso
discutimos Educação do Campo). Mas exatamente porque buscamos agir na direção de um objetivo
mais amplo, nosso trabalho no particular visa o universal, dialoga o tempo todo com outras práticas,
com outras realidades particulares ou específicas. E faz isso enfrentando as questões próprias do
que somos porque é assumindo esse movimento dialético que podemos contribuir mais
profundamente com as transformações da escola, da educação e da sociedade na direção pretendida.
Que processos produtivos estão em confronto na realidade atual do campo, quais suas
características e contradições? Que lutas sociais estão sendo travadas pelos trabalhadores
camponeses na sua resistência ativa à expansão destrutiva do capital sobre a agricultura? Que
práticas formativas integram estes processos? Como a escola se articula (ou não) com as relações
sociais que produzem seu entorno, com os processos culturais que constituem seus sujeitos?
Uma implicação bem prática desse raciocínio é que qualquer movimento de transformação
que aconteça em uma escola concreta (menos ou mais avançado), terá como ponto de partida a
escola já existente (é preciso partir da situação existente), com seus sujeitos concretos, suas
contradições internas e de seu entorno; movida de dentro para fora (educandos e educadores) ou de
fora para dentro (comunidade, governos, movimento social).
Um terceiro pressuposto deste esforço de síntese e de nosso trabalho se refere à relação
entre teoria e prática na construção dos caminhos da transformação da escola. A tarefa de
transformação da escola é prática, não se resolve pela teoria, porque implica em entendimento
prático do que fazer e como fazer. Mas se trata de uma prática que não se realiza sem teoria. Ter
clara a direção ou os caminhos da transformação pretendida implica em ter firmeza de concepção
(de projeto, de educação, do trabalho a ser feito) e é essa relação que precisa ser bem compreendida,
como diretriz metodológica que permite caminhar: não se trata de organizar referências de um
“ideal de escola”, que embora até possa nos convencer teoricamente, paralisa nossa ação porque nos
parece muito distante da situação atual da escola em que trabalhamos. Não é para isso que serve a
teoria. As concepções se constituem sim de um conjunto organizado de conceitos, de categorias
teóricas, mas que nos devem servir como ferramentas de análise da realidade que temos, exatamente
para que ao identificar as contradições presentes na realidade atual, possamos saber o “fio” a puxar
para colocar o cenário em movimento, no caminho que estas mesmas referências nos indicam como
o mais avançado neste momento histórico.
Os conceitos que se organizam e se articulam constituindo visões de mundo e interpretações
da realidade nos servem especialmente para compreender em que acreditamos (pessoas e coletivos),
para que objetivos estamos dispostos a trabalhar e que realidade (circunstâncias) temos como
objeto de trabalho. Abstrair da realidade imediata para entendê-la e imaginar como ela poderia ser
diferente, algo que podemos aprender pela relação com a ciência ou com a arte, é condição para
participar de sua transformação, em qualquer esfera.
Note-se que as categorias teóricas que mais nos ajudam nesse movimento são aquelas que se
constituem (direta ou mediatamente) desde práticas, por sua vez já produzidas no diálogo com
teorias anteriores. No fundo, embora nem sempre seja isso que conscientemente buscamos, dialogar
com outras experiências, outras práticas, é compreender/formular conceitos ou categorias que
explicam o que ali acontece, condição para podermos relacionar realidades particulares diferentes.
3
De novo o movimento entre particular e universal que é permanente e condição da produção de
conhecimento sobre a realidade, por sua vez condição de uma ação consequente sobre ela.
Por isso não há padrão, regras fixas (ou receitas) a seguir no processo de transformação de
cada escola. Mas há métodos a discutir e buscar construir entre escolas que assumem o mesmo
desafio e se vinculam aos mesmos objetivos formativos mais amplos. Talvez este seja um dos
principais desafios da formação dos educadores: construir uma capacidade coletiva ou um método
de análise da situação atual de cada escola e parâmetros para avaliar a direção do movimento a ser
desencadeado ou consolidado dentro e ou fora dela. Saber para onde se vai caso se analise que há
condições de iniciar ou continuar a caminhada, não é algo dado, fácil, e nem que cada escola
consiga ou deva fazer por si mesma, isolada dos vínculos que balizam as transformações buscadas.
E há aqui um pressuposto desdobrado que se relaciona ao papel das contradições nesse
processo. Temos arraigada uma visão de que as contradições são o lado negativo da realidade e
precisam ser eliminadas. Contradição significa a existência de polos em confronto em uma mesma
realidade. São o que de mais precioso existe quando se pretende um movimento de transformação
desta realidade. A estagnação e a linearidade representam um retrocesso muito maior do que as
tensões, os conflitos, as posições em confronto. Então precisamos aprender a “gostar” das
contradições e não a temê-las. Por isso a importância de construir coletivamente um método capaz
de apreender as contradições em cada realidade concreta, identificando qual o polo que traz o germe
de futuro e que precisa ser potencializado na solução do problema a que cada contradição se refere.
Isso é muito importante, porque às vezes o fio a ser puxado não se parece quase em nada com o
romântico ideal de escola que talvez tenhamos construído em nosso pensamento.
E um quarto pressuposto é de que não haverá mudanças significativas na escola enquanto
cada educador trabalhar sozinho e por sua própria conta. E sem que os educandos sejam envolvidos
como partícipes ativos dos processos de transformação que, afinal, são feitos pela causa de sua
educação, de seu desenvolvimento como ser humano, e do que se espera que façam, desde sua
formação, pela causa da sua classe e da humanidade inteira.
Desdobra-se desse pressuposto a convicção de que sendo a escola um lugar de trabalho com
pessoas, formação de gente, não é ético pensar que transformá-la poderia ser desmanchar todo o
existente para depois se construir tudo de novo. Enquanto as discussões (necessárias) ocorrem, os
educandos continuam ali e seu tempo de formação não fica parado nem se pode pedir a eles que
voltem mais tarde, depois da reconstrução. Por isso tratamos de transformações em processo,
seriamente pensadas e conduzidas desde parâmetros éticos de respeito humano, passo a passo, com
novos pilares que vão se firmando antes que se derrubem os antigos.
É próprio de um processo educativo certo grau de estabilidade, rotinas, segurança de
procedimentos coletivos, que é preciso intencionalidade para impedir que se convertam em
estagnação, cristalização de regras e rituais, apatia, verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento
humano, que é movimento permanente. Mas também não nos ajuda uma visão de mudar apenas
pelo prazer da mudança, traduzida em atitudes aventureiras de inovações sem rumo, que podem ter
consequências desastrosas para o que pretendemos. O equilíbrio entre estabilidade e movimento é
um desafio, mas necessário para o trabalho com educação.

4
Concepção de educação e matriz formativa

Os pilares da concepção de educação do MST foram construídos a partir de práticas que


buscaram materializar os objetivos mais amplos deste movimento social de trabalhadores
camponeses, para formação dos membros de sua organização coletiva e para as novas gerações de
Sem Terra, e as tarefas consideradas necessárias para o trabalho educativo das escolas a ela
vinculadas. Nesse percurso, que não poderemos reconstruir descritivamente nos limites deste texto,
o MST dialogou com outras práticas de educação e de escola dos trabalhadores em diferentes
lugares e tempos históricos e com suas bases teóricas, assim como foi buscar em sua própria
dinâmica formativa elementos para compor seu projeto educativo.
Não se perca de vista nesse percurso, a importância da atitude das primeiras educadoras das
escolas de acampamento e assentamento, que quando começaram seu trabalho (década de 1980),
decidiram não ficar apenas com a referência da tradição escolar para inspiração e matéria-prima da
construção de uma “escola diferente”. A decisão foi buscar também no Movimento, no jeito de sua
organização e na forma de educar os Sem Terra, elementos para compor sua pedagogia4. Mesmo
não tendo nesse momento toda apropriação de teoria social e pedagógica que poderia fundamentar
ou justificar o que estavam fazendo, essas educadoras, geralmente em decisões coletivas, discutindo
o fazer pedagógico em seus encontros de formação e entre-ajuda, deflagraram a construção da
“Pedagogia do Movimento” (Caldart, 2004)5. Talvez se tivessem ficado apenas com suas intuições
iniciais, não teriam ido longe. Mas sem essa atitude primeira, provavelmente não teríamos as
reflexões de hoje.
Foram exatamente as primeiras iniciativas práticas de transformar o jeito mais tradicional de
escola que levaram as educadoras, e o MST, a buscar o diálogo com experiências que também
tentaram fazer essas transformações e com objetivos sociais semelhantes. Foi assim que o MST se
encontrou com o acúmulo prático e teórico da pedagogia socialista, em um diálogo que continua.
As finalidades educativas discutidas pelo Movimento, desde o início exigiam que a escola se
vinculasse com as questões da realidade atual, que precisava ser compreendida e enfrentada pelas
famílias no desafio de conquista da terra e de fazer um assentamento “dar certo”. Este vínculo trazia
a necessidade de relacionar teoria e prática, de organizar a escola de modo que não se afastasse da
vida real, do trabalho, da luta. Os estudantes deveriam se envolver em ações concretas de trabalho
social que pudessem, ao mesmo tempo, servir de base para um trabalho rigoroso da escola com o
conhecimento, e ajudar a enfrentar os problemas que vivenciavam com seus pais. A escola era
chamada a ajudar na compreensão das questões postas pela realidade, a tomar posição e a agir
organizadamente diante do que essas questões exigem, articulando teoria e prática.
Este desafio formativo posto à escola, mas não só a ela ou a ela isoladamente, supõe
construir no percurso de trabalho com as novas gerações uma visão de mundo e uma forma de
participar de sua construção, que inclui várias dimensões. Supõe a apropriação de conteúdos básicos
das ciências e das artes, a mobilização de conhecimentos já apropriados para essa tomada de
posição diante dos desafios da ação concreta, o pensamento crítico, a afirmação ou consolidação de
valores, de posicionamentos políticos e ideológicos, de equilíbrio afetivo, de hábitos de trabalho e
de vida social.

4
Diante de alguns impasses do cotidiano era comum se ouvir a pergunta: “mas e no Movimento, como isso se faz?”
5
Uma síntese conceitual sobre a Pedagogia do Movimento pode ser encontrada também em Caldart, 2012.
5
Na base da formulação dos objetivos formativos mais amplos do MST há uma análise
coletiva da realidade atual, que vai se complexificando conforme se acirram e explicitam as
contradições sociais específicas em que se move a luta social e a organização que lhe corresponde.
Assim é que chegamos hoje ao desafio de vincular um projeto educativo mais amplo dos
trabalhadores (do campo e da cidade) à estratégia de luta pela Reforma Agrária Popular, que
significa retomar a luta pela democratização do acesso às terras agrícolas, tendo por base um debate
amplo com a sociedade sobre que modelo de agricultura queremos para o nosso país, para o mundo.
O MST assume o confronto com o agronegócio, expressão atual para o modo capitalista de fazer
agricultura, cujo objetivo é torná-la um ramo de produção da indústria voltado à reprodução do
capital, modelo que impõe a concentração da propriedade da terra, a degradação ambiental, a
superexploração dos trabalhadores e a destruição social (e física) dos camponeses, seu modo de
produção, de vida (MST, 2012). No contraponto, assume o desafio de participar da construção de
outra lógica para o trabalho no campo, tomando como referência o modo camponês de fazer
agricultura, atualizando-o para as questões da sociedade, do planeta, no século XXI. Em pauta
soberania alimentar e energética, agroecologia, produção associada entre camponeses,
agroindústrias e outras indústrias comandadas por trabalhadores também no campo.
A estratégia implica no confronto político (de classe) com as empresas capitalistas que se
apresentam à sociedade como forma de eliminar o atraso no campo brasileiro causado pelos séculos
de latifúndio: em vez de reforma agrária, entrega das terras ociosas para empresas transnacionais e a
produção de ‘commodities agrícolas’6. Este confronto passa também pela prioridade que o MST
precisa dar ao trabalho com os assentamentos de reforma agrária, experimentando e construindo na
prática e na teoria uma nova matriz produtiva e tecnológica, e alguns germes do que poderão ser
relações sociais libertas do jugo do capital. Nessa lógica, um dos desafios tem sido o de pensar a
terra não só como meio de produção, mas como lugar de vida, recolocando na sociedade questões
como as da relação entre soberania alimentar e produção de alimentos saudáveis, e com a luta pela
sustentabilidade social, ambiental e humana (MST, 2012).
Quantos desafios a um projeto educativo! E quantas exigências de conhecimentos de fundo
que implicam na superação também do modo capitalista de fazer ciência. Quantos conteúdos
formativos com que a escola pode se vincular e quantos desafios para que se repense o modo
capitalista de fazer escola!
A questão de vincular a escola com a vida, que ocupa o MST, e não só a ele, do início até
hoje, foi de um lado mostrando as transformações necessárias na forma de organização escolar para
que isso aconteça. E de outro lado foi permitindo uma compreensão mais profunda sobre a
educação que acontece fora da escola e, nesse caso, desde a intencionalidade formativa do próprio
Movimento, da luta social que protagoniza. Foi assim que chegamos a discutir teoricamente a
atuação das matrizes formadoras do ser humano na constituição do sujeito Sem Terra. E no retorno
do espiral fomos firmando uma concepção alargada de educação e desenhando um projeto
educativo que vai além da escola.
Mas também passamos a compreender a importância, neste momento histórico, de a escola
assumir-se como um lugar de educação ou que ajude a realizar este projeto educativo mais amplo.
Isso não significa deixar de cumprir sua tarefa especifica relacionada ao ensino, ao conhecimento,
mas sim desenvolvê-la nas relações que permitem efetivamente a cientificidade do conhecimento,

6
Uma explicação conceitual sobre Commodities Agrícolas encontra-se no Dicionário da Educação do Campo, 2012.
6
processo que supõe o vínculo entre teoria e prática. Algo que não acontece de maneira fácil, ou sem
o enfrentamento cotidiano de dilemas. O vínculo entre escola e realidade, põe o processo educativo
em movimento real, o que sempre tensiona os tempos: atender demandas imediatas (por exemplo, a
formação de habilidades técnicas necessárias para enfrentar as questões da produção), pode não
combinar sempre com os desafios formativos mais largos, com a apropriação dos conhecimentos
científicos mais de fundo que a própria transformação dessa realidade requer, e necessariamente
exigentes de um tempo de mais longa duração. Mas essa é uma boa contradição, que precisa ser
sabiamente trabalhada, não eliminada!
Matrizes pedagógicas e trabalho educativo
Pelo diálogo entre a concepção marxista de educação e a reflexão específica feita desde essa
concepção pelo MST sobre o processo de formação dos Sem Terra, foi possível identificar algumas
matrizes formadoras fundamentais do ser humano e que devem ser consideradas na organização do
processo educativo.
Matrizes formadoras são elementos materiais ou situações do agir humano que são
essencialmente conformadoras do ser humano no sentido de constituir-lhe determinados traços que
não existiriam sem a atuação desta matriz/desse agir. E como matriz primeira ou basilar da
constituição do ser humano, como ser social e histórico, sujeito de práxis, destaca-se o trabalho, no
sentido geral de atividade humana criadora, a própria vida humana na sua relação com a natureza,
na construção do mundo e de si mesma. Trabalho que produz cultura e produz também a classe
trabalhadora capaz de se organizar e lutar pelo seu direito ao trabalho e pela superação das
condições de alienação que historicamente o caracterizam, participando assim do movimento da
história. Afirmar o trabalho como princípio educativo é, neste sentido amplo, afirmar a própria vida
como princípio educativo porque como nos diz Marx (2004, p.83), que é a vida, senão atividade?
Mas no plano histórico concreto, a práxis social acontece em diferentes especificações dessa
atividade vital criadora, que se completam na formação dos seres humanos concretos, encarnando
as contradições da forma de sociedade onde se objetivam. É assim que, na sociedade atual,
reafirmamos o sentido positivo do trabalho ao mesmo tempo em que lutamos contra o sentido
negativo do trabalho assalariado/explorado/alienado que esta atividade humana específica assume
nas relações sociais capitalistas.
Na concepção de educação aqui assumida destacam-se como atividades humanas específicas
ou como matrizes formadoras fundamentais: o trabalho, a luta social, a organização coletiva, a
cultura e a história. Observe-se, que ao mesmo tempo em que recuperamos para o debate
educacional de hoje questões de uma tradição pedagógica antiga, foi a especificidade do nosso
objeto que nos permitiu destacar, para o conjunto da teoria pedagógica, a dimensão educativa da
luta social combinada à organização coletiva, e também olhar o próprio movimento da história, que
é base da interpretação da realidade por nós assumida, como matriz formativa.
Nessa concepção, educar é, em síntese, pôr em ação organizada, numa determinada direção
e considerado o período histórico, as matrizes formadoras ou constituidoras do ser humano,
confrontando as contradições que as constituem na realidade concreta. E isso não é algo que se
possa realizar apenas na escola, mas que ela pode assumir como intencionalidade.
Entendemos que esta talvez seja a contribuição mais original da Pedagogia do Movimento à
teoria pedagógica: pensar a educação como movimento das matrizes formadoras do ser humano e

7
levar isso como princípio organizador ao trabalho educativo da escola, na relação com os
objetivos da educação, com a especificidade da tarefa da escola e com os desafios formativos que a
leitura das contradições principais da realidade atual coloca para o nosso tempo.
Vejamos na sequência alguns elementos de compreensão de cada matriz e de como podemos
pensar a relação da escola com elas. Note-se que nesse âmbito passamos a chamá-las de matrizes
pedagógicas, porque integradas a uma intencionalidade especificamente educativa, ou seja,
planejada para formar o ser humano em determinada direção, considerando o período histórico, seus
diferentes ciclos de desenvolvimento e as exigências pedagógicas próprias a cada idade.
Matriz pedagógica do trabalho. É preciso manter na compreensão dessa matriz o sentido
geral do trabalho como atividade humana criadora e o princípio básico da nossa luta maior para
converter todos os seres humanos em trabalhadores. É nessa concepção que defendemos o trabalho
como base principal do projeto educativo da escola e que se vinculem os conhecimentos escolares
ao mundo do trabalho e da cultura por ele produzida, participando das lutas de superação da forma
histórica que o trabalho assume na sociedade capitalista. Em nosso horizonte está a associação de
produtores livres, e no caso do campo, através de formas cada vez mais complexas e abrangentes de
atividades produtivas e de cooperação entre camponeses. E está o trabalho emancipado da lógica de
exploração pelo capital.
A direção dessa intencionalidade no dia a dia da escola implica na inserção dos estudantes
em diferentes formas de trabalho socialmente necessário7, considerando as características das
diferentes idades e a análise das condições objetivas de cada escola e de seu entorno. Podem ser
atividades necessárias ao funcionamento da própria escola, podem ser trabalhos sociais no
acampamento ou assentamento, podem chegar a ser atividades produtivas com os estudantes de
mais idade (final do ensino fundamental e ensino médio). Nessas atividades, das mais simples às
mais complexas, importa garantir o exercício real da organização coletiva do trabalho, em
diferentes formas e crescendo em níveis de exigência (relação com a matriz da organização
coletiva) e a apropriação dos valores e da ciência do trabalho (relação com a matriz da cultura).
É preciso considerar que há uma dimensão formadora específica da relação com a terra que
nossa realidade permite potencializar. É fundamental garantir que nossos estudantes tenham, já no
ensino fundamental, alguma experiência de trabalho na agricultura (na escola ou fora dela), visando
inclusive tornar mais profundos o estudo e a relação de apropriação social e não de exploração ou
dominação da natureza. É fundamental que os estudantes desenvolvam ou se envolvam em
experiências que lhes permitam compreender processualmente o que é a agroecologia, através de
práticas simples ou mais complexas, conforme a realidade local e os vínculos que a escola possa ter
nessa perspectiva. É igualmente importante pesquisar as possibilidades de inserção dos estudantes
de mais idade em processos produtivos (agro)industriais geridos por trabalhadores. Se isso implicar
em ir para outro local que não o acampamento ou assentamento onde os estudantes moram/estudam,
pode-se pensar em inserções por determinados períodos, como “estágio”, trabalho de campo,
trabalho de “férias escolares”, conforme discussão a ser feita com as comunidades e as famílias.

7
O conceito de “trabalho socialmente necessário”, elaborado por Shulgin e também utilizado por Pistrak, seu
contemporâneo e companheiro de equipe, nos ajuda a alargar o sentido do trabalho que deve ser objeto de práticas e de
estudos da escola. (Cf. Freitas, 2009). Trata-se de um trabalho real, que visa resultados práticos necessários a um
determinado grupo (não apenas à própria pessoa), e que pode ser relacionado às diferentes esferas da vida humana.
Trata-se de um conceito importante porque em alguma medida consegue fazer a mediação entre o trabalho em seu
sentido genérico e a materialização concreta do trabalho, como atividade humana específica, mas indo além do conceito
mais restrito de “trabalho produtivo”.
8
As possibilidades de vínculo da escola com o trabalho serão diferenciadas em cada local,
mas é importante que se mantenham os dois movimentos indicados: não limitar a inserção dos
estudantes no trabalho que é possível fazer apenas no interior da escola, potencializando um vínculo
com o trabalho real presente ou possível das crianças e jovens no assentamento ou acampamento;
não deixar a escola de lado desse vínculo, como se todas as atividades necessárias ao seu
funcionamento tivessem que ser, para os estudantes, trabalho “dos outros”. É preciso considerar que
tarefas simples podem trazer exigências formativas complexas desde que combinadas com
organização coletiva, planejamento, avaliação, realização de atividades em diferentes setores que
permitam uma visão do todo da escola8.
Mas essa matriz pedagógica não será suficientemente realizada sem que se garanta que o
trabalho humano em geral, os processos produtivos e os do campo em particular, bem como a
participação dos estudantes no trabalho, sejam objeto de estudo científico na escola através das
disciplinas de ensino ou de outras atividades curriculares que se possa organizar para isso, e de
modo que o próprio trabalho dos estudantes se converta em conhecimento sistematizado. Trata-se
de assumir, no que é possível nos limites da escola que temos a perspectiva de uma educação
politécnica, no sentido refletido por Marx e depois desdobrado pela pedagogia socialista, de
combinar a inserção direta das crianças e dos jovens em formas, as mais avançadas possíveis, de
trabalho, com o estudo rigoroso das noções científicas gerais e de conhecimentos tecnológicos que
permitam compreender os processos de produção e os rumos que podem tomar em uma sociedade
comandada pelo polo do trabalho (Marx e Engels, 1983; Pistrak, 2000) 9.
Matriz pedagógica da luta social. Dizer que a luta social pode educar as pessoas significa
afirmar que o ser humano se forma não apenas através de processos de conformação social, mas ao
contrário, que há traços de sua humanidade construídos nas atitudes de inconformismo e
contestação social, e nas iniciativas concretas de lutar pela transformação do ‘atual estado de
coisas’. Formar-se para estar em estado permanente de luta (característica de lutadores e militantes
de movimentos sociais) não é algo que seja da natureza da tarefa educativa da escola garantir, mas
que ela pode ajudar a cultivar como visão de mundo e como postura intencionalizadas pela atuação
nas diferentes matrizes formadoras, e também pelo vínculo com outros processos educativos.
A direção dessa intencionalidade no dia a dia da escola implica em trabalhar o ambiente
educativo de modo que exija e ajude a desenvolver uma postura cotidiana que inclua como
aprendizados: pressionar as circunstâncias para que sejam diferentes do que são, construindo a
convicção de que nada é impossível de mudar; projetar o futuro (dimensão de projeto, de utopia);
construir parâmetros coletivos que orientem cada ação na direção do projeto; desenvolver o
sentimento de indignação diante das injustiças e de buscar contestar e enfrentar as situações que
desumanizam; capacitar-se para tomada de posição e de decisões, para fazer análise da realidade,
para querer construir e para agir de forma organizada (aprendizados necessariamente produzidos na
relação com as outras matrizes).

8
Uma análise da potencialidade formativa da participação dos estudantes nas atividades de funcionamento da escola
pode ser encontrada em Pergher, 2012.
9
Pode ser desafio a ser assumido em nossos processos de formação de educadores retomar o percurso de reflexão do
MST sobre a relação escola e trabalho, fazendo uma releitura para o período atual de materiais como o Boletim da
Educação “Escola, trabalho e cooperação”, escrito em 1994 (MST, 2005), e continuando o diálogo com práticas e
reflexões teóricas sobre a perspectiva da educação politécnica.
9
O trabalho educativo com essa matriz pedagógica implica também que as lutas sociais dos
trabalhadores devem ser objeto de estudo científico na escola e que os estudantes sejam educados a
participar das mobilizações que acontecem no lugar onde vivem ou até mais longe, pela atuação que
seu vínculo com um movimento social permite.
Matriz pedagógica da organização coletiva. A participação em uma organização coletiva
cria traços fundamentais no perfil de ser humano que precisamos formar na atualidade: lutadores e
construtores; pessoas que saibam o que precisa ser construído, saibam lutar pela construção e
consigam identificar os melhores caminhos para que ela seja feita. E isso pode ser pensado no plano
mais amplo da sociedade e no plano da vida das pessoas, de uma comunidade, de uma escola. Quem
participa de uma organização, seja ela simples ou complexa, vai cultivando um modo de vida
coletivo e aprende hábitos e habilidades que lhe permitem trabalhar coletivamente e agir de forma
organizada no cumprimento de suas tarefas. A organização coletiva se realiza especialmente
articulada às matrizes da luta social e do trabalho.
A direção dessa intencionalidade pedagógica no dia a dia da escola exige a participação
ativa dos estudantes na construção da vida escolar. Nosso objetivo é chegar a formas cada vez mais
coletivas de gestão e de organização do trabalho da escola (envolvendo os estudantes). Para isso já
descobrimos como fundamental desenvolver atividades que exijam processos de auto-organização
dos estudantes. Pode-se começar com esse exercício em atividades pontuais ou específicas até se
chegar a construir a auto-organização como base da participação dos estudantes nos processos de
gestão coletiva da escola.
Além disso, a organização coletiva seja como dinâmica de formação de coletividades seja
como organização do trabalho deve ser objeto de estudo científico da escola, a partir de práticas em
que os estudantes estejam inseridos. E deve incluir o vínculo com iniciativas que acontecem fora da
escola, seja nas ações de luta social, seja mobilizando e discutindo sobre a participação dos
estudantes nos encontros dos Sem Terrinha ou nas jornadas da juventude Sem Terra, conforme a
idade e os envolvimentos locais. A escola pode ajudar a promover atividades fora dela (ou entre
escolas próximas) que permitam aos estudantes exercitar hábitos organizativos em ambientes mais
complexos, que envolvam pessoas (da sua idade e também adultos) com quem não convivem
diariamente. Alem disso, é objetivo que os estudantes participem de tarefas coletivas orgânicas ao
Movimento visando qualificar sua capacidade organizativa de forma combinada à sua formação ao
trabalho social e à militância.
Matriz pedagógica da cultura. Entendida como experiência humana de participação em
processos de trabalho, de luta, de organização coletiva que se traduz em um modo de vida ou em um
jeito de ser humano (grupos, pessoas) que produz e reproduz conhecimentos, visão de mundo e que
passa a ser herança compartilhada de valores, objetos, ciências, artes, tecnologias, símbolos. Cada
pessoa nasce em uma determinada cultura que vai conformando seu jeito de ser e que se tornada
consciente pode ser retrabalhada para reafirmação ou contraponto. Não há como educar as pessoas
sem considerar o peso formador da cultura em suas diferentes manifestações. E, em nosso caso, a
intencionalidade pedagógica com essa matriz deverá incluir o cultivo nos estudantes da identidade
de trabalhadores, constituída desde sua especificidade mais próxima: Sem Terra, camponeses.
O trabalho pedagógico com essa matriz implica em atividades que demarquem uma crítica à
cultura hegemônica na sociedade capitalista (indústria cultural) e um cultivo/projeção de parâmetros
de relações sociais, de valores, de afetividade saudável, de criatividade e de hábitos cotidianos que

10
expressem e consolidem nossos objetivos sociais, políticos, humanos. É cultivo prioritário ajudar a
guardar a raiz do Movimento, cultivando sua memória coletiva e ajudando na formação de sua
consciência histórica. Foi aprendendo do passado que o MST se fez como é: aprendendo dos
lutadores que vieram antes, cultivando a memória de sua própria caminhada; trabalhando sua
mística, simbologia e traços da identidade Sem Terra. Esses elementos precisam compor o ambiente
educativo de nossas escolas. Também é muito importante hoje, pelos desafios do projeto de
Reforma Agrária Popular do MST, ajudar no enraizamento crítico e na recriação do modo de vida
camponês, que inclui conhecer os traços do modo camponês de fazer agricultura, os conhecimentos
nela envolvidos, as tradições culturais, as relações sociais típicas de famílias e de comunidades
camponesas. Para isso é fundamental uma integração da escola ao assentamento ou acampamento.
Integra essa matriz o desenvolvimento da educação artística10, podendo ser meta da escola a
participação dos estudantes em grupos de produção e expressão pelo menos em alguma das formas
de linguagem da arte; assim como a participação em atividades do Movimento que trabalhem
especialmente essa dimensão: os concursos nacionais de redação e desenho, os encontros de Sem
Terrinha, os festivais artístico-culturais,...
Da mesma forma devem ser prioridade as atividades de educação física planejadas
adequadamente a um desenvolvimento corporal saudável, multilateral, que mantenha o organismo
em equilíbrio e exercite habilidades de cooperação. Inclui ginástica, orientação de postura corporal,
diferentes práticas de esportes, jogos, brincadeiras.
E consideramos como dimensão fundamental dessa matriz a intencionalização de processos
específicos de apropriação de conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo da história (no
movimento de suas contradições sociais) e de produção de novos conhecimentos exigidos pela
realidade atual. É tarefa específica da escola, garantir a apropriação das bases das ciências, das
artes e das tecnologias, ou os conhecimentos básicos de fundo necessários à compreensão da
natureza e da sociedade, por sua vez necessária ao desenvolvimento mais pleno do ser humano,
trabalhando-os na forma de conteúdos de ensino abordados com sistematicidade, rigor e criticidade,
respeitando-se métodos ou didáticas específicas para esse trabalho. Nessa perspectiva, a seleção dos
conteúdos considera a necessária dimensão histórica da produção do conhecimento e o princípio da
atualidade, ou seja, seu potencial para compreensão das contradições que movem o nosso tempo.
Mas também considera a importância de desenvolver nos estudantes a capacidade de abstração, ou
seja, de desprender-se da realidade imediata para poder conhecê-la mais profundamente, e também
para pensar como ela poderia ser diferente do que hoje é.
Lembremos, pois, que é a cultura, em todas essas suas dimensões, que precisa ser
estudada/trabalhada pedagogicamente pela escola, em seus diferentes tempos e espaços.
Matriz pedagógica da história. O ser humano se forma transformando-se ao transformar o
mundo, ou seja, no movimento que faz a história. A dimensão educativa está no próprio
movimento: da realidade, da história. É a vivência da historicidade e a busca de superar as
contradições presentes no movimento da realidade o que permite ao ser humano crescer como
sujeito humano, participando da própria intencionalidade de sua formação. A história se faz
projetando o futuro a partir das lições do passado cultivadas no presente. E não há como ser e se

10
Uma dimensão que precisamos dar mais destaque em nossos processos de formação de educadores: o potencial da
arte (fruição, produção) na formação do ser humano, como integralidade e também em sua relação específica com o
desenvolvimento do pensamento, da capacidade de abstrair da realidade sem deixar de tê-la como referência.
11
manter como um lutador do povo sem uma perspectiva histórica. Precisamos intencionalizar na
escola: o enraizamento dos sujeitos (pessoas e coletivos) no movimento entre raiz e projeto, vínculo
entre passado, presente e futuro, incluindo conforme as capacidades de cada idade a discussão de
projeto de vida humana, de sociedade; a compreensão do que são e qual o papel das contradições no
desenvolvimento histórico, das sociedades, de cada ser humano.
A escola pode desenvolver atividades específicas que permitam estabelecer a relação entre
memória e história, que ajudem a compreender a nossa própria vida como parte da história e a ver
cada ação ou situação numa perspectiva histórica, quer dizer, em um movimento entre passado,
presente e futuro, em suas relações com outras ações, situações, totalidade. Garantir a história do
acampamento ou do assentamento como matéria de ensino pode ser um dos jeitos de fazer este elo,
ajudando a enraizar as novas gerações na luta.
A escola pode ainda exercitar a análise do movimento da realidade em situações da vida:
aprender a observar o movimento de transformação nos diferentes fenômenos, da natureza e da
sociedade. Pode trabalhar as contradições como noção prática, que aos poucos se desenvolverá
como compreensão teórica. No dia a dia da organização coletiva da vida escolar é possível ir
aprendendo métodos de análise e de atuação que permitam conviver com o contraditório e buscar a
superação das contradições antagônicas. Isso tudo de forma articulada com o estudo da História,
tratada como ciência fundamental para os objetivos formativos mais amplos que temos.
Em síntese geral podemos então afirmar que se trata de tornar o trabalho a base integradora
do projeto formativo da escola articulando como elementos fundamentais: as matrizes formadoras
do ser humano postas em movimento pedagógico na direção de objetivos de educação, explícitos e
construídos coletivamente a partir do conhecimento da realidade atual (que inclui os sujeitos a que
o processo educativo se destina) e o que ela nos exige em relação à tarefa formativa específica da
escola.

Organização escolar e construção do ambiente educativo

A exigência de trabalhar a vida na escola, construindo um ambiente educativo a partir dessas


diferentes matrizes pedagógicas, configura e projeta transformações na forma escolar atual: em sua
matriz formativa e nas relações sociais que constituem seu trabalho pedagógico cotidiano. O
desenvolvimento multilateral do ser humano não pode ser trabalhado efetivamente na escola sem
que se rompa com a forma escolar instituída. Ela aprisiona o processo educativo. Foi pensada desde
uma matriz cognitivista, centrada exclusivamente na sala de aula e tendo como base de concepção
metodológica a separação dos conhecimentos escolares da vida concreta e a passividade dos
educandos, que devem submeter-se ao que lhes aparece como dado.
As perguntas a serem discutidas entre escolas com objetivos comuns e em processos de
formação de educadores são então: que alterações na forma escolar são necessárias para
materializar o trabalho educativo desde essa concepção e matriz formativa que assumimos? Como
essas alterações, quais delas e em que tempo, podem ser feitas na realidade que temos? Que
contradições ali presentes podem ser trabalhadas nessa direção?
Sem compreender e assumir a concepção de educação e a matriz formativa que nos orienta
não tem como definir (de modo coerente e consequente) as alterações necessárias na organização do
12
trabalho escolar. Mas afirmar uma concepção, colocá-la em um bonito texto no Projeto Político-
Pedagógico da Escola, não basta para que a realidade se transforme. Há decisões a tomar
coletivamente, há movimentos da prática que precisam ser planejados e desencadeados e há
posturas e métodos a serem construídos no cotidiano da escola. É o movimento de transformação
iniciado que consolida a concepção e vai refinando a formulação da matriz formativa.
Algumas categorias já foram produzidas nas práticas de escolas que têm buscado dar
respostas a essas perguntas. Certamente não esgotam os desafios, mas balizam o caminho.
Objetivos formativos e objetivos de ensino
Dissemos antes que na base do trabalho da escola estão objetivos de educação, que em
sentido amplo dizem respeito aos traços do ser humano a construir em um projeto que vai bem além
da escola e inclui muitas dimensões. Algumas práticas vêm afirmando que para o trabalho
pedagógico concreto da escola, estes objetivos mais amplos precisam ser desdobrados em objetivos
próprios para cada ciclo ou etapa da educação básica e para determinados períodos, considerando as
características dos sujeitos concretos envolvidos. Assim poderão efetivamente orientar a ação
pedagógica e os processos de avaliação.
Em práticas mais recentes se tem experimentado distinguir objetivos formativos e objetivos
de ensino, não no sentido de estabelecer uma cisão entre formação e instrução, mas pelo alerta da
prática sobre a necessidade de que dimensões educativas diferentes tenham objetivos e métodos
específicos, evitando que uma dimensão fique subsumida em outra. Objetivos se referem ao que se
pretende alcançar com o processo educativo. Objetivos formativos remetem a aspectos relacionados
a valores, atitudes, postura organizativa, hábitos de trabalho, demonstração de militância, indicação
processual de capacidades intelectuais que precisam ser desenvolvidas. Objetivos de ensino, nessa
lógica, são aqueles diretamente relacionados ao que se pretende com os conteúdos escolares
selecionados para o trabalho em cada ciclo ou etapa e em um ano letivo. Devem identificar
conceitos, categorias e procedimentos específicos das ciências e das artes a serem priorizados nos
estudos em cada etapa da educação escolar, e como se distribuem ao longo dos semestres,
respeitando-se a epistemologia própria de cada ciência ou área de conhecimento (MST, 2011).
Os objetivos de cada período (formativos e de ensino) são uma construção coletiva da
escola, integrando seu planejamento pedagógico (retomado a cada ano escolar), mas de preferência
não de cada escola sozinha, e sim de um conjunto de escolas, que no caso daquelas vinculadas ao
MST, pode ter a mediação do seu setor de educação. Essa construção supõe dois pressupostos
fundamentais: há uma referência de objetivos de formação mais amplos, que integram nossa
concepção de educação e a matriz formativa, e é deles que se parte para fazer uma formulação para
o trabalho pedagógico específico da escola, em determinado período e com os sujeitos concretos
que ali estão; e há uma referência de conteúdos a ensinar que não é decisão arbitrária nem da escola,
muito menos de cada docente e nem deve ser deixado como definição de planejamento imediato,
como às vezes já se fez ou se julgou que era correto fazer no trabalho com temas geradores, eixos
temáticos, tratando linearmente as questões da realidade como orientadoras da organização do
ensino. Não se tome como dada uma lista oficial de conteúdos, mas também não se ignore o que
existe nem se tente por conta própria refazer a lista em si mesma. A crítica aos conteúdos, e à
concepção de conhecimento que expressam, é mais profícua quando acontece no próprio processo
de formulação dos objetivos ou já na conexão com o estudo da realidade. E a relação entre escolas
em processos e lugares diferentes, permite hoje que se tome como referência um rol de conteúdos

13
em alguma medida já depurado pela crítica (prática e teórica). De qualquer modo, a seleção de
conteúdos, bem como a formulação dos objetivos é histórica, não se decide uma vez para sempre, e
deve ser submetida à crítica permanente do conjunto de sujeitos envolvidos no processo educativo.
Nessa lógica, os objetivos formativos e de ensino orientam o processo de avaliação, que
também assume um caráter multilateral e não fica restrito às situações de sala de aula. A pergunta
aqui é sobre como verificar se os objetivos estão sendo alcançados; em que situações, com quais
procedimentos e em que tempo, para que os resultados aferidos incidam sobre o trabalho
pedagógico em processo11.
Inventários da realidade
Este nome foi dado ao instrumento que materializa uma decisão fundamental para realização
de nossa matriz formativa: os sujeitos da escola precisam conhecer a realidade atual, do seu entorno
e de seu próprio funcionamento. Para conhecer é preciso pesquisar, estudar essa realidade, tomando
os dados levantados como matéria-prima do planejamento pedagógico. E mesmo para quem vive no
assentamento ou acampamento, ou para quem já está há mais tempo na escola, esse estudo pode
trazer muitos elementos novos. Os inventários, também chamados de “diagnóstico da realidade” em
algumas escolas, visam identificar atividades, situações, fontes educativas do meio cujo vínculo
permita a relação teoria e prática e o alcance dos objetivos formativos e de ensino formulados.
Experiências anteriores indicam a importância de se ter um roteiro básico dos aspectos a
inventariar na realidade, para direcionar a observação e os levantamentos de informação. Podemos
considerar as próprias matrizes pedagógicas e os aspectos destacados sobre cada uma delas para
organizar o roteiro, levando em conta que nos interessam os aspectos da sociedade e da natureza.
Em todos os blocos (trabalho, lutas, organizações, cultura, natureza e história), importa saber o que
está acontecendo no entorno da escola e dentro dela. Assim, é preciso conhecer as formas de
organização presentes no assentamento ou no acampamento, por exemplo, da mesma forma que
pesquisar como acontecem os processos de gestão da escola e se há alguma forma de organização
coletiva em que os estudantes se inserem, dentro ou fora da escola. Também é importante saber o
que fazem os estudantes de cada idade quando não estão na escola: eles têm alguma inserção no
trabalho, em que tarefas, a partir de que idade e em que tempo. E conforme a situação de cada
escola talvez se deva incluir, em um determinado período, um inventário específico sobre que
conteúdos são trabalhados pelos docentes em cada disciplina e qual a referência utilizada para esta
escolha.
Estes levantamentos, devidamente registrados, datados e arquivados, passam a ser
documento de estudo para educadores e educandos que vão chegando à escola. Eles não precisam
ser feitos a cada ano ou pelos professores individualmente, mas devem ser atualizados de tempos
em tempos e é fundamental que os estudantes se envolvam nessa tarefa. Ao se fazer os inventários
pela primeira vez, ou em sua atualização, é importante o cuidado para não enxergar apenas o que já
se busca, porque a realidade pode surpreender em aspectos muito ricos que não se imaginava
encontrar ou não se viu antes. E é necessário fazer relações com a leitura da atualidade mais ampla
que se supõe já ter sido objeto de estudo dos educadores e orientará observações. Por exemplo: qual

11
Uma dificuldade que tem surgido é a especificação dos objetivos formativos por ano ou semestre. A natureza desses
objetivos parece exigir processos mais longos ou cairemos nos antigos “objetivos comportamentais”. Um exemplo
(MST, 2011): “Desenvolver a capacidade de agir organizadamente diante de problemas do cotidiano”. Como perceber o
alcance deste objetivo em cada semestre?
14
a expressão prática do enfrentamento de lógicas de agricultura na forma de produção desse
assentamento? Que depois levará a reflexões de planejamento pedagógico: como a escola pode
participar desses desafios, potencializando sua dimensão formativa?
Tempos Educativos
A organização do dia escolar em diferentes tempos educativos é uma prática consolidada em
algumas escolas. Por isso já se constituiu como categoria que ajuda a materializar na organização
escolar o trabalho educativo em diferentes dimensões e para além da sala de aula. Historicamente há
também uma relação entre a construção dos diferentes tempos educativos e a luta pela ampliação do
tempo escolar, diário ou semanal. No MST essa discussão começou para garantir a relação entre
escola e trabalho: o envolvimento dos estudantes em atividades de trabalho exige tempo específico,
mas não se quer tirar o tempo do ensino, em algumas escolas já tão encurtado por outros problemas.
Uma alternativa pensada (e utilizada em algumas escolas ainda hoje) foi a de incluir um tempo
extra, nem sempre formalizado: os estudantes vêm à escola (ou vão ao local onde o trabalho
acontece) no outro turno, em alguns dias da semana.
Aos poucos essa alternativa foi se ampliando e se passou a experimentar outras
possibilidades de tempos, em alguns casos integrados ao currículo formal da escola: além do tempo
aula e do tempo trabalho, um tempo para a auto-organização dos estudantes, outro para oficinas,
outro de acessar e discutir notícias, de leitura na biblioteca, prática de esportes, visitas de campo,
grupos artísticos... Nem todos os tempos precisam acontecer diariamente e seu planejamento é feito
de comum acordo entre educadores e educandos, respeitando-se os objetivos formativos e de ensino
e o trabalho com as diferentes matrizes pedagógicas. E pode-se pensar em tempos educativos
realizados fora do espaço da escola, ainda que mediados pela sua intencionalidade pedagógica12.
Note-se que essa lógica de organização do tempo escolar supõe alterar a forma de organização do
trabalho docente, exigindo um maior número de educadores com tempo integral em uma mesma
escola, mas realizando outras atividades pedagógicas além da docência. E se trata de uma alteração
da forma escolar que, além de demarcar uma matriz formativa multilateral, contribui na formação
organizativa dos estudantes e dos educadores, quando são eles que assumem a responsabilidade
pelo controle e pela lógica de composição dos tempos.
Observe-se que esse acúmulo de nossas práticas pode ser contribuição específica ao debate
atual sobre a escola de tempo integral.
Estrutura orgânica que exija a participação de todos
A intencionalidade das matrizes pedagógicas no processo educativo escolar, e especialmente
das matrizes do trabalho e da organização coletiva, supõe romper com a lógica das relações sociais
que constituem tradicionalmente a escola. O desafio é romper com as relações hierárquicas entre
gestores, educadores, estudantes, pais e construir relações horizontais que se fundam sobre o
envolvimento de todos em uma mesma organização de trabalho e de gestão. A questão é como
alterar a estrutura orgânica de modo a garantir que na escola todos trabalhem e todos participem
das decisões, ou seja, educadores e educandos possam assumir responsabilidades pelo
funcionamento da escola e pelo processo educativo, ainda que essas responsabilidades sejam
diferenciadas, conforme tarefas e idades.

12
Exemplos de organização de diferentes tempos educativos estão em Iterra, 2004, MST, 2005 e Almeida, 2012.
15
O jeito de organizar isso depende da radicalidade possível em cada escola e também da
idade dos estudantes envolvidos13. Mas um aprendizado já construído é o de que são fundamentais
dois movimentos combinados: 1) a constituição do coletivo de educadores, de modo a garantir uma
atuação pedagógica planejada e avaliada coletivamente pelas pessoas que na escola assumem o
trabalho específico de educadores, e como espaço privilegiado de auto-formação sistemática, nesse
caso incluindo a articulação possível com coletivos de educadores de outras escolas; 2) a auto-
organização dos estudantes, no sentido de que tenham um tempo e um espaço autônomos para que
se encontrem, discutam suas próprias questões, tomem decisões, incluindo, se já for o caso, aquelas
decisões necessárias para sua participação no coletivo maior de gestão da escola. E o
acompanhamento dessa organização pela escola precisa ser feito por educadores que respeitem o
processo dos estudantes e tenham a constituição de coletivos, de estudantes, de educadores, das
famílias, como perspectiva (MST, 2005).
Complexos de Estudos
Nome que está sendo dado para uma forma de organizar o plano de estudos da escola e que
articula o conjunto das categorias anteriores na perspectiva do trabalho pedagógico com o
conhecimento. Trata-se de uma formulação mais recente no MST, que está sendo feita a partir de
uma experimentação pedagógica em curso. Buscamos juntar uma construção teórica originária da
didática socialista do período da revolução russa, cujo princípio é de articulação entre teoria e
prática, com a autocrítica desse processo feita pelos seus próprios criadores (Freitas, 2009 e 2010) e
a autocrítica presente em muitas escolas de assentamentos e acampamentos sobre os limites de
conseguir articular de forma adequada, e respeitando a especificidade de cada processo, o estudo
dos conteúdos de ensino, a inserção em práticas sociais e as diferentes dimensões da formação do
ser humano que o trabalho educativo precisa dar conta.
Estamos ainda na fase de planejamento pedagógico (MST, 2011) e a prática concreta em
cada escola envolvida na experimentação ainda não explicitou ensinamentos suficientes. Mas a
lógica que vai se desenhando é a de que cada complexo, tratado como unidade básica do plano de
estudos, se constitui pelas conexões internas que se consegue estabelecer (já no planejamento)
entre: conteúdos, objetivos formativos e de ensino, inventários, decisões tomadas acerca da
participação dos estudantes nos processos de trabalho e de organização, dentro e fora da escola,
avaliação. O raciocínio não é de hierarquizar estes elementos, mas de colocá-los em relação, de
modo que incidam uns sobre os outros, podendo resultar em ajustes de cada parte ao longo do
processo de planejamento e, certamente mais ainda, ao longo da prática concreta. Uma opção para
construir essas conexões é partir dos objetivos (formativos e de ensino) para os inventários: que
aspectos da vida concreta existente na escola ou no seu entorno podem garantir ou ajudar para que
sejam alcançados; ao mesmo tempo em que se faz o movimento inverso: que questões da realidade
atual são fundamentais e precisam do estudo de conteúdos ainda não previstos no quadro curricular
da escola ou que ainda não têm correspondência nos objetivos formulados. Na experimentação em
curso, que acontece com os anos finais do ensino fundamental, foi assim, por exemplo, que aspectos
do estudo sobre agroecologia entraram no rol de conteúdos das ciências da natureza e da sociedade.
Pela recorrência de relações, ou seja, quando os mesmos aspectos da realidade se relacionam
com um número significativo de objetivos planejados para cada semestre, pode-se identificar um ou

13
Exemplos de organização escolar pensadas nessa direção: Iterra, 2004, MST, 2005, Almeida, 2012, Pergher 2012.
16
mais complexos que serão então os organizadores do estudo para um determinado agrupamento de
estudantes (ano, ciclo ou série) naquele período.
A experiência está indicando que os passos a dar para constituição desse plano de estudos
por complexos, devem ser trabalho coletivo de um conjunto de escolas, articuladas por
características ou objetivos comuns, para depois se objetivarem no planejamento específico de cada
coletivo escolar.
Ambiente Educativo
Este conceito foi inicialmente formulado pelo MST para indicar aos educadores que
deveriam se ocupar da intencionalidade educativa de tudo o que acontece na vida da escola, dentro
e fora dela. É a escola pensada para que nela tudo seja educativo. Não é apenas o dito, mas o visto,
o vivido, o sentido, o participado, o produzido. É o jeito de uma escola ser e funcionar, o que nela
acontece, como ela se relaciona com a comunidade. Não é o que acontece casualmente, e que
também pode ser aproveitado com sabedoria pelos educadores. Ele implica em permitir a
possibilidade de escolhas, com aprofundamento de critérios. É, acima de tudo, o que pode ser
realizado como intervenção consciente sobre os jeitos de ser, de se relacionar e de produzir. É saber
aproveitar os limites das pessoas para aprofundar o nosso jeito de viver, de ser humano. É perceber
as contradições e agir sobre elas (MST, 2005).
Hoje podemos identificar o ambiente educativo, nesse mesmo conceito, como uma categoria
articuladora do trabalho pedagógico, no sentido de que a organização escolar instituída somente
será educativa se for posta em movimento, ou seja, se as intencionalidades de cada elemento (de
cada tempo educativo, da estrutura orgânica,...) forem acionadas cotidianamente, incansavelmente e
por todos os envolvidos no processo, educadores e educandos. O ambiente educativo é construído
pelas pessoas em suas relações, condicionadas pela materialidade da organização escolar e do seu
entorno, e através de suas posturas, que não se garantem apenas pelas decisões tomadas nos
processos de planejamento.
A construção coletiva do ambiente educativo da escola exige apropriação e formulação de
métodos pedagógicos específicos ao trabalho com cada matriz ou com aspectos básicos em cada
uma delas. Há métodos específicos para trabalhar pedagogicamente a auto-organização dos
estudantes, assim como para ensinar ciência ou para alfabetizar as crianças. E sem que os
educadores se ocupem de cada um deles, em sua formação e no cotidiano de sua atuação na escola,
não haverá ambiente educativo nessa direção aqui apontada.
O ambiente educativo é a categoria que materializa o desafio de colocar as matrizes
formadoras do ser humano em movimento também na escola. Sua constituição se orienta pela
relação teoria e prática e pelo princípio da atualidade (ambiente em que se “respire” as questões da
realidade atual), tendo o sentido alargado de trabalho (atividade humana criativa) como motor de
sua constituição e a perspectiva de formação de uma coletividade escolar educadora como objetivo.

Considerações finais

Este texto buscou apresentar uma síntese das categorias que consideramos fundamentais
hoje para pensar os processos de transformação da escola. Começou expondo alguns pressupostos
gerais que fundamentam a abordagem desses processos, desenvolveu uma compreensão da
17
concepção de educação e da matriz formativa assumida como referência e concluiu indicando
categorias construídas nas práticas que dão materialidade a essa forma de escola.
Os caminhos de transformação da escola estão sendo trilhados pelos trabalhadores,
educandos, educadores, comunidades. Caminhos que, reafirmamos, serão percurso de cada escola,
mas não sozinha e nem sem confrontos de muitas ordens. Um desses confrontos, que não
abordamos nesse texto, merece um destaque nesse final: trata-se da relação com o Estado.
Trabalhamos com escolas públicas e precisamos continuar lutando para que o Estado cumpra seu
papel de garantir a todos os trabalhadores, do campo e da cidade, uma escola com as condições
básicas de realização da sua tarefa educativa. Mas com igual força precisamos reafirmar nossa luta
contra a tutela política e pedagógica do Estado, sejam quais forem os governos de plantão. Nossas
ações de ocupação da escola reafirmam para o nosso tempo, que ‘não deve ser o Estado o educador
do povo’ (Marx) e também que não se trata de cada escola trabalhar por sua conta. A relação entre
escolas com objetivos comuns e o seu vínculo com o movimento social demarcam nossa posição
sobre isso.

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