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CONCEIÇÃO DE

MACABU
História das origens até a Segunda Emancipação
MARCELO ABREU GOMES (org.)
ARTHUR SOFFIATI
CARLOS MARCHI
TARCISIO BASTOS

CONCEIÇÃO DE
MACABU
História das origens até a Segunda Emancipação

Macaé, RJ – 2019
Edição
Angelo dos Santos Mariño

Capa
Chalil Costa

Revisão Ortográfica e Gramatical


João Vitor Castro

Todos os direitos desta edição são reservados a Angelo dos


Santos Mariño 17603534771
(AsM Editora).
contato@asmeditora.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

G633c Gomes, Marcelo Abreu.


Conceição de Macabu: história das origens até a segunda
emancipação / Marcelo Abreu Gomes. – 1. ed. - Macaé: AsM, 2019.
333 p.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-80544-18-9

1. Conceição de Macabu (RJ) - História. 2. Rio de Janeiro (Estado).


I. Título.

CDD – 981.53
Elaborada por Maria da Penha Lascosck Cardoso CRB-6/ES -
694
Sobre os autores

ARTHUR SOFFIATI é historiador ambiental, pesquisador do


Núcleo de Estudos Socioambientais da Universidade Federal
Fluminense/UFF/Campos (RJ), doutor em História Social pela UFRJ,
militante ambientalista precursor, cofundador do Centro Norte
Fluminense para Conservação da Natureza – CNFCN, interlocutor da
Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU
durante as audiências públicas no Brasil, autor de vários livros, dentre eles:
“O manguezal na história e na cultura do Brasil”; “Ecologia: reflexões
para debate”; “O direito e o avesso do mangue”; “De um outro lugar –
devaneios filosóficos sobre o ecologismo”; “Depois do princípio e antes
do fim” e "As lagoas do Norte Fluminense: contribuição à história de uma
luta".

CARLOS MARCHI é jornalista e escritor. Nos últimos quarenta


anos, trabalhou nos principais jornais e televisões do país, como O Globo,
TV Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Última Hora e Correio
da Manhã. Tem centenas de artigos publicados no Brasil e no exterior.
Como escritor, publicou “Fera de Macabu” pela Editora Record, com
edição de bolso pela Editora BestBolso e edição portuguesa pela Editora
Tribuna da História. Atualmente desenvolve dois projetos, um para
escrever a História da cidade de Macaé e outro para produzir a biografia
do jornalista Carlos Castello Branco.
MARCELO ABREU GOMES é professor de História das redes
pública e privada de Conceição de Macabu e Macaé há 21 anos. Formado
pela FAFIC – Campos dos Goytacazes, especializou-se em Educação pela
PUC-RJ (pós-graduação) e pelo consórcio UAA-Jaén/Py-Es (Mestrado
e Doutorado). Pesquisador com concentração em História da região
Norte Fluminense, trabalhou para o cinema, teatro, carnaval, televisões
aberta e a cabo, revistas e jornais. Participou como pesquisador em
trabalhos que deram origem a cinco livros, publicou outros seis livros,
quase todos sobre Conceição de Macabu, com pesquisas que o levaram a
bibliotecas, arquivos e pessoas em todo o Rio de Janeiro, além de outros
estados e países.

TARCÍSIO BASTOS é graduado em História pela Universidade


Salgado de Oliveira e especialista em História do Brasil pela Universidade
Federal Fluminense. É professor de História da Educação Básica e da
Educação de Jovens e Adultos. Tem experiência nas áreas de História
Local e Regional, Geografia do Estado do Rio de Janeiro, Gênero e
Sexualidade, Cultura Popular, Patrimônio Cultural, Educação
Patrimonial e Diversidade Étnico-Racial. Atualmente pesquisa o
patrimônio material e imaterial brasileiro.
SUMÁRIO

Apresentação (Marcelo Abreu Gomes), 1

Paisagem e povos originais de Conceição de Macabu (Arthur Soffiati), 5

A gênese de Conceição de Macabu: o povoamento do Sertão do Rio


Macabu (Marcelo Abreu Gomes), 34

Da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu até a primeira


emancipação (1855-1892) (Marcelo Abreu Gomes), 159

A emancipação de fato: 15 de março de 1952 (Marcelo Abreu Gomes),


228

As lições do caso Coqueiro (Carlos Marchi), 305

Brasão de armas: uma síntese histórica (Tarcisio Bastos), 315


Apresentação

O trabalho que segue é, ao mesmo tempo, uma homenagem aos


60 anos da emancipação definitiva de Conceição de Macabu e uma
atualização dos dados históricos acerca das etapas formadoras do município
desde suas populações primitivas até meados da década de 1950.
Começamos pelos estudos mais recentes a respeito de nossos povos
e paisagens originais. Tal missão coube ao professor Aristides Arthur
Soffiati Neto, personalidade ímpar e renomada quando o assunto é a fusão
de História e temas ligados ao meio ambiente.
Como fez em suas notáveis publicações, Soffiati reúne vasto
material sobre os aspectos naturais de Conceição de Macabu, entrando
um pouco no campo da Geografia, sem faltar a Ecologia, produzindo um
tento inédito devido à profundidade com que aborda a temática.
Quando aborda a História dos primeiros habitantes, procurando
referendar-se nos historiadores, viajantes e memorialistas que, a despeito
do conhecimento da maioria, descreveram a trajetória dos povos indígenas
por aqui, trata o tema com a propriedade costumeira, reforçada com uma
retórica rica, atraente, que prende a leitura do começo ao fim.
Em seguida ao professor Soffiati eu entro em cena. Trato de vários
assuntos, que vão das razões do povoamento do “Sertão de Macabu”, até
a segunda e definitiva emancipação. Trata-se de um trabalho imenso,
desproporcional à produção de meus companheiros de edição. Aí vale
uma explicação para tal desproporção: planejei o livro de forma que cada
historiador cuidasse de uma etapa de nossa História, num total de seis

1
pesquisadores além de mim; entretanto, três colegas, apesar de se
comprometerem, não puderam cumprir suas tarefas, cabendo-me fazê-lo.
Eu que pretendia apenas escrever sobre o povoamento inicial,
num amplo estudo dos fatores causais do mesmo, tive de abrir o baú,
viajar, ler muito e estender-me, fazendo meu papel e o de mais três:
Razões do Povoamento do Sertão de Macabu; Freguesia de Conceição
de Macabu; Primeira Emancipação; Segunda Emancipação.
Assim, tal como fiz em minhas produções solo, traço uma reta que
começa na chegada dos primeiros colonos a região, passando pela
edificação fundiária da mesma, até os principais paços de sua organização
política. O traçado histórico retilíneo, tradicional, tem como razão
facilitar a leitura.
Como fiz em todos os meus trabalhos, endosso minha escrita,
opiniões e conclusões com o fruto das mais recentes pesquisas, relevando
ao leitor fontes primárias, secundárias, observações, pesquisas de campo e
muitas entrevistas, tentando assim esgotar, no que puder, o assunto.
Após meu latifúndio de artigos, surge um interessante trabalho do
jornalista Carlos Marchi, autor do best-seller “Fera de Macabu”, a obra
literária que trata do polêmico caso de Motta Coqueiro – que para todos
os macabuenses foi e é motivo de orgulho.
Marchi é um dos muitos jornalistas que se aventuram pelas sendas
da História. E, se por um lado esmera-se em buscar as fontes, trazendo a
verdade o mais próximo possível, por outro, demonstra o talento nato e
aprendido da produção literária, fazendo-nos recordar o grande passeio
que foi ler “Fera de Macabu”.

2
Orgulho de todos os macabuenses, como faço questão de reiterar,
a produção de Carlos Marchi é revivida neste livro, quando o autor faz
um balanço do caso Coqueiro, mostrando que as muitas lições deixadas
pelo mesmo nem sempre surtiram o efeito histórico desejado, de
tomarmos o passado como caminho no presente.
Tarcísio Bastos , macabuense, trata de um assunto muito raro entre
nós: Heráldica, Arte e Ciência, que estuda os brasões e escudos.
Como forma de resgatar nossa História através da observação do
Brasão de Armas de Conceição de Macabu, buscou em cada cor, objeto
ou símbolo do mesmo. O leitor viajará por um universo pouco explorado,
onde o autor te dará conta que há uma síntese histórica dentro da bandeira
do município – local onde habitualmente localizamos seu objeto de
análise.
Tarcísio, que estreia como autor aqui, realizou uma síntese
histórica do município a partir de seu brasão. Considerando que o autor
é da área das Ciências Sociais, esperamos que este seja o primeiro de
muitos trabalhos sobre Conceição de Macabu, que, no momento, carece
de pessoas aptas e dispostas a tratar de sua História.
Mais uma vez espero que o leitor aprecie e, fazendo-o ou não,
deixe sua crítica e sugestões nos endereços eletrônicos disponíveis.

Boa leitura.
Marcelo Abreu Gomes (organizador)

3
1
PAISAGEM E POVOS ORIGINAIS DE
CONCEIÇÃO DE MACABU

Arthur Soffiati

Estrutura geológica1

Entre a foz do Rio Macaé (RJ) e a foz do Rio Itapemirim (ES),


uma configuração costeira peculiar se destaca da costa abaixo do primeiro
rio e acima do segundo. De Arraial do Cabo à margem direita do Rio
Macaé, nota-se um nítido encaixe entre as costas africana e americana.
Em outras palavras, tanto abaixo quanto acima das desembocaduras dos
dois rios, as formações cristalinas pré-cambrianas, com mais de 600
milhões de anos, tocam o mar. Entre as duas, o trabalho geológico de pelo

1
O autor recorre à explicação mais atual para a formação do delta do Rio Paraíba do
Sul, formulada por MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.;
e FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio
de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997. A falta de espaço não
permite o cotejo entre esta teoria e a de Alberto Ribeiro Lamego, que se tornou clássica,
posto que ultrapassada por estudos posteriores. Quem desejar conhecer a teoria de
Lamego, ler dele: O Homem e o Brejo, 1º ed. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de
Geografia, 1945; Geologia das quadrículas de Campos, São Tomé, Lagoa Feia e Xexé.
Boletim nº. 154. Rio de Janeiro: Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão
de Geologia e Mineralogia, 1955; O Homem e o Brejo, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lidador,
1974.

5
menos 60 milhões de anos construiu um monumental aterro que afasta o
cristalino do mar. Este natural acrescido de marinha se assemelha a um
arco nas extremidades do qual o aterro se adelgaça. No seu centro, a
barriga dele se torna larga.
Como mostra o mapa abaixo, este arco apresenta formações com
idades diferentes. Em primeiro lugar, terrenos da Formação Barreiras,
datados de 60 milhões de anos, se estendiam do Rio Macaé (indo, ao sul,
até Cabo Frio) ao Rio Itabapoana, que impediu a sua continuidade. Ao
Norte, a Formação Barreiras (ou tabuleiros) recomeça junto ao Córrego
de Marobá e termina na margem direita do Rio Itapemirim.

6
ECORREGIÃO DE SÃO TOMÉ

1- Zona Serrana; 2- Tabuleiro norte; 3- Tabuleiro centro; 4- Tabuleiro sul; 5-


Planície aluvial do Rio Paraíba do Sul; 6- Planície aluvial do Rio Itabapoana; 7-
Planície aluvial do Rio Macaé; 7- Restinga de Carapebus; 9- Restinga de Paraíba do
Sul; 10- Restinga de Morobá. Fonte: Projeto Radam Brasil, vol. 32: Rio de
Janeiro/Vitória, 1983.

No início do Holoceno, em torno de 11 mil anos antes do


presente, a unidade de tabuleiro do sul avançava além da linha de costa
atual. Os Rios Macabu, Imbé e Paraíba do Sul deveriam então
desembocar no oceano em outros pontos distintos dos atuais.

7
Entre o Rio Macaé e as imediações do que atualmente é a Barra
do Furado, foi construída pelo mar uma restinga estimada em 123 mil de
anos. Trata-se da restinga hoje quase toda ocupada pelo Parque Nacional
de Jurubatiba. Entre o Rio Itabapoana e o Córrego de Marobá, outra
restinga, também foi formada pelo mar, hoje conhecida como Restinga
das Neves ou de Marobá.
Com o aquecimento global da Terra, as geleiras começaram a
derreter-se e o nível do mar subiu. Na região que futuramente será
denominada norte fluminense, pouco a pouco, o mar invadiu as partes
mais baixas de tabuleiro e alcançou a zona cristalina na altura de Itereré.
A foz do Rio Paraíba do Sul, cuja localização antiga não se conhece, foi
afogada. A grande unidade de tabuleiro foi dividida em duas. Junto à costa,
fragmentos dela resistiram ao avanço do mar e formaram ilhas, o que
permitiu a formação de uma semi laguna. Dentro dela, o Rio Paraíba do
Sul foi propagando (avançando) por meio de quatro grandes braços
(canais). O primeiro a chegar ao mar aberto foi o braço atual.
Assim, paulatinamente, o Paraíba do Sul foi construindo uma
planície aluvial entre os dois fragmentos de tabuleiro separados pela
transgressão (avanço) do mar. Na margem direita do rio, formou-se uma
profusão de lagoas, destacando-se de todas a grande Lagoa Feia, que
capturou os Rios Macabu e Ururaí. Este segundo só passou a existir com
a nova configuração das terras baixas da região.
Para arrematar, o trabalho conjunto do Rio Paraíba do Sul e do
mar constituiu uma grande restinga que se estende do Cabo de São Tomé
a Guaxindiba. Batizamos a zona cristalina do norte-noroeste fluminense e

8
sul capixaba associada à zona baixa de tabuleiros, planícies aluviais e
restingas, entre os Rios Macaé e Itapemirim de Ecorregião de São Tomé,
em alusão à Capitania de São Tomé, doada a Pero de Góis, na terceira
década do século XVI, por seus limites corresponderem aos dois rios
mencionados.

Rede Hídrica

Antes que se configurasse a Ecorregião de São Tomé, é de se supor


que os Rios Imbé e Macabu alcançassem o mar por foz própria,
juntamente com o Rio Paraíba do Sul. Com a transgressão marinha do
Holoceno Médio, o mar afogou a foz do Paraíba do Sul, do Macabu e do
Imbé. A formação da planície fluviomarinha permitiu que a Lagoa Feia
capturasse as desembocaduras dos Rios Macabu e Imbé – neste segundo,
por uma extensão denominada Rio Ururaí. As águas da Lagoa Feia, por
sua vez, defluíam no mar por um conjunto de cursos d’água que se
reuniam num só, conhecido por Rio Iguaçu.
Partindo do norte da Ecorregião de São Tomé, o Rio Itapemirim
assinala seu limite setentrional. Entre ele e o Córrego de Marobá (ou
Morobá), antigos cursos d’água pequenos que cortam o tabuleiro
acabaram barrados total ou parcialmente, dando origem a lagoas
alongadas, dentre as quais a maior é a Lagoa de Caculucage. Entre o
Córrego de Marobá e o Rio Itabapoana, ergue-se uma pequena restinga
que também barrou naturalmente pequenos cursos d’água e contribuiu
para a formação de uma grande várzea inundada no Rio Itabapoana,

9
batizada de Lagoa Feia do Itabapoana. Do Rio Itabapoana ao Rio
Guaxindiba, há também uma sequência de pequenos cursos d’água a
cortar a unidade central de tabuleiro, resultante da seção pelo Rio Paraíba
do Sul, destacando-se a Lagoa de Tatagiba Açu.
Do Guaxindiba ao Paraíba do Sul, penetra-se no domínio da
maior restinga da ecorregião, com lagoas paralelas à costa na parte externa.
No interior, localiza-se a grande Lagoa do Campelo, embutida na restinga
que tamponou vários cursos d’água que desciam do tabuleiro e
desembocavam no mar. Barrados, eles se transformaram em lagoas
alongadas com formato de espinha de peixe. A maior delas é a da Saudade.
A partir de 5.100 anos passados, o nível do mar começou a oscilar
num processo de regressão (retração) – transgressão (avanço). O Rio
Paraíba do Sul lançou quatro braços na laguna formada pelo avanço
marinho e formou dois grandes subsistemas: o Paraíba do Sul
propriamente dito, que alcançou mar aberto no ponto em que se situa
atualmente seu pequeno delta; e o da Lagoa Feia. Os dois subsistemas
estão intrinsecamente relacionados. As águas superficiais que extravasavam
do Paraíba do Sul nas cheias, pela margem direita, corriam lentamente
para o subsistema Lagoa Feia. Nas estiagens, as águas vertem
subterraneamente do Paraíba do Sul para a Lagoa Feia. Foi a ligação
superficial, através de muitas lagoas, que permitiu ao Departamento
Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) acelerar o escoamento das
águas de um para outro por meio de uma rede de canais com cerca de
1400 km. Os dois subsistemas estão limitados pelas duas unidades de
tabuleiro formadas pela transgressão (invasão) marinha. A tendência dos

10
cursos d’água encerrados entre os dois tabuleiros é correr de norte a sul e
de oeste para leste. Apenas o Rio Macabu venceu o obstáculo do tabuleiro
e alcançou a Lagoa Feia. Isto se este rio já não tinha rasgado o tabuleiro
para chegar ao mar em passado anterior a 10 mil anos.
Finalmente, ao sul, a Ecorregião de São Tomé é limitada pelo Rio
Macaé. Entre este e o Paraíba do Sul, alguns pequenos cursos d’água que
chegavam ao mar foram barrados pela Restinga de Jurubatiba, sendo o
mais conspícuo deles a atual Lagoa de Carapebus. Por outro lado, O
DNOS abreviou o escoamento da Lagoa Feia pelo Rio Iguaçu abrindo o
Canal da Flecha, que desemboca no mar, em Barra do Furado.

O caso do Rio Macabu

A nascente deste rio situa-se na zona cristalina. Ao sair da serra,


ele atravessa a Formação Barreiras e forma uma pantanosa planície nas
adjacências da sua foz. O geólogo Gilberto T. M. Dias aponta no Rio
Macabu um caso de rompimento de diques marginais com deposição de
sedimentos. O processo pode ser resumidamente descrito da seguinte
forma: num período de cheia, o Rio Macabu teria rompido o dique
natural da sua margem esquerda, formando uma rede bifurcada e radial de
canais semelhante às nervuras de uma folha. Atingindo a cota mais alta de
deposição, as águas começaram a baixar, remanescendo apenas alguns
canais ativos até a sua completa desativação2. Esta particularidade pode

2
DIAS, Gilberto T. M. O complexo deltaico do Rio Paraíba do Sul. IV Simpósio do
Quaternário no Brasil (CTCQ/SBG) , publ. esp. nº. 2. Rio de Janeiro, 1981, pág. 56 e
57.

11
explicar a infinidade de brejos que existiam junto à sua foz, traço que foi
notado por vários autores.
O documento conhecido pelo nome de Roteiro dos Sete Capitães
faz registro dele, explicando que recebeu este nome em alusão ao Rio
Macacu, nos arredores do Rio de Janeiro3. Couto Reis só pôde notar que
suas margens baixas favoreciam os transbordamentos e a formação de
“largos e compridos brejais, despidos de matos, que no tempo seco dão
admiráveis pastos e nutrição ao gado”. Por estar sua nascente em local de
difícil acesso, na época, considerou-a ignorada4. Casal já fornece mais
detalhes, esclarecendo que ele “... principia na falda da Serra do Salvador
pouco arredado da origem do (...) rio de São Pedro, confluente do Macaé.
Seu álveo é tortuosíssimo; sua corrente tranquila quase sempre por entre
pântanos, procurando o nordeste, e deságua na lagoa Feia. É navegável
sem cachoeiras até perto de sua nascença”5.
Conquanto despretensiosa, a Memória Topográfica e Histórica
sobre os Campos dos Goitacases , publicada por José Carneiro da Silva

3
MALDONADO, Miguel Aires e PINTO, José de Castilho. Descrição que faz o
Capitão Miguel Aires Maldonado e o Capitão José de Castilho Pinto e seus
companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da
capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas nesta
costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil tomo XVII. Rio de
Janeiro:Imprensa Nacional, 1894.
4
COUTO REIS, Manoel Martins do. Descrição (nº. 236) Geográfica, Política e
Cronográfica do Distrito dos Campos dos Goitacases, que por Ordem do Ilmo. e Exmo.
Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice -Rei e Capitão
General do Mar e Terra do Estado do Brasil se Escreveu para Servir de Explicação ao
Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que Debaixo da Dita Ordem se Levantou . Rio
de Janeiro: 1785, ms. Original, pág. 5.
5
CASAL, Manoel Aires de. Corografia Brasílica. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1976, pág.205.

12
(Visconde de Araruama) em 1819, tornou-se obra de consulta obrigatória
para todos aqueles que escreveram sobre a região. Examinando os autores
que publicaram depois dele, é fácil rastrear a sua influência. Vejamos sua
descrição do Rio Macabu e acompanhemos seus pósteros.

“O rio Macabu nasce nas serras além do Frade


de Macaé, na serra de Caraocango, procurando
a altura do Macacu, e vem trazendo as suas
águas com a corrente quase sempre ao Nordeste
até a lagoa Feia, onde deságua. Este rio pelas
margens tem grandes e vistosos pantanais, onde
os gados produzem muito bem”6. Descrito por
Pizarro e Araujo, o Rio Macabu. [...]
Oriundo das altas montanhas do Frade corre
quase constantemente ao nordeste, até se
despejar na Lagoa Feia. Por ambas as margens
dele se conservam grandes e vistosos pantanais,
enquanto duram as chuvas; e duas do mesmo
rio são cristalinas, e de melhor origem, que as
do Muriaé e Paraíba, sempre turvas 7.

Muniz de Souza parece ter lido os autores supracitados, pois os


repete no fundamental. Bellegarde idem, acrescentando apenas que o rio
separa os municípios de Campos e Macaé. Por fim, Teixeira de Mello
coloca sua nascente na junção das serras de Macaé, do Imbé e dos
Crubixais: a Cordilheira dos Aimorés. No seu curso, separa as paróquias

6
SILVA, José Carneiro da. Memória Topográfica e Histórica sobre os Campos dos
Goitacases, 3ª ed. Campos dos Goytacazes, Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima,
2010.
7
PIZARRO E ARAUJO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de
Janeiro, 3º vol. Rio deJaneiro: Imprensa Nacional, 1945, págs. 110 e 111.

13
de Nossa Senhora da Conceição de Macabu e de Quissamã e termina na
Lagoa Feia. Ladeado por incontáveis pântanos, é navegável a pequenas
pranchas e canoas. Fala de uma lagoa chamada dos Patos (talvez a do
Peixe, registrada por Pizarro), que, a seu tempo, não mais existia 8.
Marcelo Abreu Gomes, o maior historiador de Conceição de
Macabu, escreve que o rio tem suas nascentes na Serra do Macabu, entre
os municípios de Trajano de Morais, Bom Jardim, Macaé e Nova
Friburgo, em altitudes que variam de 1300 a 1470 metros. Percorre 30
km até ter seu curso barrado pela represa de Sodrelândia, formando um
lago que fazia funcionar a Hidrelétrica do Macabu, hoje desativada. Nesse
ponto, as águas do Macabu são transpostas para o Rio São Pedro,
pertencente à bacia do Rio Macaé, por meio de um aqueduto
subterrâneo. A partir da barragem, o curso do Rio Macabu desaparece,
renascendo 5 km à jusante. Ele deságua na Lagoa Feia por uma foz
construída pelo DNOS. A antiga desembocadura ainda existe, posto que
muito descaracterizada. Seus principais afluentes são os Rios Campista,
Carukango (formado, por sua vez, por este e pelo Córrego Vermelho),
Macabuzinho, Santa Catarina (também conhecido como Santo
Agostinho) e do Meio.

8
MELLO, José Alexandre Teixeira de. Campos dos Goitacases em 1881. Rio de Janeiro:
Laemmert,1886, págs. 30 e 31.

14
Vegetação nativa9

Em linhas gerais, a vegetação nativa que recobre a Ecorregião de


São Tomé encontra-se no interior de dois biomas (conjuntos de
ecossistemas aparentados): o Domínio Atlântico e a Zona Costeira.
Do interior para a costa, sucediam-se, na Ecorregião de São Tomé,
as seguintes formações vegetais nativas: campo de altitude (refúgio
vegetacional), floresta ombrófila densa atlântica, floresta estacional
semidecidual atlântica, campos nativos de planície(formação pioneira de
influência fluvial), vegetação psamófila costeira (formação pioneira de
influência marinha) e manguezais (formação pioneira de influência fluvio-
marinha).

Campos de altitude

Um campo de altitude é uma formação vegetal nativa em que o


substrato raso (normalmente constituído de rocha viva com algumas locas
em que se acumulam sedimentos) e as baixas temperaturas decorrentes da
altitude só permitem o desenvolvimento de plantas herbáceas – daí sua
classificação como refúgio. Embora com vegetação adaptada a condições
rigorosas, os campos de altitude costumam apresentar espécies vegetais
endêmicas, às vezes restritas, ou seja, de ocorrência limitada àquele local

9
O autor se vale da classificação proposta por: VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL
FILHO, Antonio Lourenço Rosa e LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da
Vegetação Brasileira, Adaptada a um Sistema Universal . Rio de Janeiro: Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1991.

15
em todo planeta. Os dois campos de altitude da região localizam-se no
Pico do Frade e na Pedra do Desengano. Em decorrência da altitude e do
difícil acesso, eles são o ecossistema mais bem protegido em relação a
todos os outros.

Floresta ombrófila densa atlântica

Em seguida, descendo a Serra do Mar (na região conhecida pelo


nome genérico de Imbé), medra a floresta ombrófila densa atlântica.
Ombrófila significa amiga da sombra e da umidade. É densa por se
apresentar muito fechada e complexa em termos de biodiversidade. Por
muito tempo resguardadas dos assaltos humanos, visto medrarem nas
encostas e nos cimos da Serra do Mar, locais de difícil acesso no período
das chuvas, elas estão ameaçadas por ações humanas. Sua destruição só se
intensificou no século XX, devido à abertura de estradas. Malgrado tudo,
ainda hoje as partes mais elevadas estão relativamente a salvo da exploração
florestal e do solo.

Floresta estacional semidecidual atlântica

Trata-se da mata atlântica adaptada a áreas com duas estações bem


marcadas: a úmida e a seca. Daí seu caráter estacional, pois sofre influência
das estações. Semidecidual porque, na estiagem, tais florestas perdem de
20% a 50% de suas folhas. Originalmente, ela se alastrava contínua pelos
tabuleiros e pela zona cristalina baixa, na margem esquerda do Rio Paraíba

16
do Sul. Ultrapassando estes limites, desenvolvia-se no sul do Espírito
Santo e na Zona da Mata mineira.

Complexo da planície aluvial

De todos os ecossistemas vegetais nativos da Ecorregião de São


Tomé, os mais adulterados por uma secular ação antrópica localizam-se
na planície aluvial, cuja formação se deve, em sua maior parte, aos
sedimentos depositados pelo Rio Paraíba do Sul num sistema semilagunar,
a partir de 5.100 anos passados 10. Segundo o roteiro dos Sete Capitães, tais
campos eram revestidos de vegetação herbácea nativa. O fator limitante
que impedia o crescimento de florestas era a excessiva umidade da estação
das cheias. Só nos pontos mais altos da planície aluvial foi possível o
desenvolvimento de tufos de floresta ombrófila densa higrófila.
De tal forma os campos nativos (formação pioneira de influência
fluvial) foram explorados e substituídos por espécies vegetais exóticas
cultivadas para a agropecuária (cana-de-açúcar e forrageiras,
principalmente) que nenhum remanescente restou deles.
Hoje, nem sequer se sabe que espécies vegetais herbáceas
medravam nesses campos, tornando-se necessário, possivelmente, um
rastreamento paleopalinológico ou arqueopalinológico para conhecê-las.
Por outro lado, as florestas ombrófilas densas higrófilas foram reduzidas a

10
Cf. MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR,
Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do
Espírito Santo . Belo Horizonte: CPRM, 1997.

17
fragmentos mínimos. O ecossistema formado pela vegetação herbácea
nativa foi tão sumariamente erradicado que nem mesmo, talvez, a cessação
das atividades agropecuárias praticadas na planície aluvial permita sua
autorregeneração.
Trata-se, enfim, de um ecossistema extinto, irrecuperável sem a
ação humana de pesquisa refinada e de restauração. Já os fragmentos de
florestas ombrófilas densas higrófilas possibilitam um conhecimento
razoável de sua composição florística e de seus processos ecológicos. Esta
planície é, de longe, a unidade geológica do norte fluminense que mais
mereceu estudos por parte das universidades, dos centros de pesquisa e de
órgãos governamentais ou privados, notadamente no que tange ao solo e
aos ecossistemas de água doce. Não para fins de conhecimento puramente
científico, mas para melhor dominá-la e colocá-la a serviço da
agropecuária e da agroindústria sucroalcooleira principalmente, graças a
seu prodigioso solo de massapé11.

Formações vegetais nativas de restinga

Também chamadas de psamófilas (amiga da areia) costeiras e de


formações pioneiras de influência marinha, a vegetação nativa de restinga,
com origem continental, adaptou-se à pobreza do substrato arenoso, à
influência dos ventos e à salinidade presente no ar. Em função destes
fatores limitantes, esta vegetação apresenta três zonas bem distintas: a

11
Ver, sobre os campos nativos, SOFFIATI, Arthur. A História Ambiental de um
Campo Nativo de Planície. Anais do III Encontro da ANPPAS. Brasília-DF: 23 a 26 de
maio de 2006.

18
herbácea, junto ao mar, onde os ventos e a salinidade do ar são mais
intensos; a arbustiva, onde a força dos ventos começa a diminuir; e a
arbórea, mais interiorizada. Examinada em detalhe, esta zonação se mostra
mais complexa, exigindo classificação mais minuciosa.
José Augusto Drummond explica que as planícies - e não as
montanhas florestadas, como costumeiramente se pensa - foram preferidas
quer pelos povos indígenas quer pelos europeus (1997) 12. Na Ecorregião
de São Tomé, situam-se os dois maiores sistemas de restinga do Estado do
Rio de Janeiro. O do Sul, mais antigo, estende-se de Macaé a Quissamã.
O do centro, o mais dilatado de todos, posto que bem recente, vai do
Cabo de São Tomé à Praia de Manguinhos. Há ainda uma pequena
restinga contígua à foz do Rio Itabapoana, no lado do Espírito Santo,
conhecida como Restinga das Neves ou de Morobá.
Por várias razões, entre elas a virulência do mar, a restinga sul ficou
mais protegida dos golpes humanos que a restinga norte, facilitando a
criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.

Manguezal

Manguezal é um ecossistema vegetal nativo típico de estuários da


zona intertropical, pois se desenvolve bem em águas salobras. As espécies
exclusivas dele criaram mecanismos para resistir à salinidade. Sendo muito
oportunistas e maleáveis, as espécies exclusivas de manguezal

12
DRUMMOND, José Augusto. Devastação e Preservação Ambiental no Rio de
Janeiro. Niterói: Eduff, 1997.

19
acompanham o avanço e o recuo do mar. Assim, tudo indica que os
manguezais tenham acompanhado a transgressão marinha do Holoceno,
chegando à foz dos Rios Imbé e Macabu. Com a formação progressiva da
planície fluviomarinha, eles foram recuando até o ponto onde hoje se
encontram na ecorregião: Rios Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba,
Paraíba do Sul, Macaé, Canal da Flecha, além de sistemas fluviais menores
e lagunas.

Formações vegetais nativas de Conceição de Macabu

Os limites entre países, estados e municípios não têm o mínimo


compromisso com a realidade natural e cultural. Basta ver o caso da
Amazônia, dividida entre Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela,
Guiana e Suriname. Conceição de Macabu não foge à regra. O território
que futuramente sustentaria suas fronteiras abarca uma parte da Zona
Serrana e uma parte do tabuleiro que se estende do Rio Macaé ao Rio
Ururaí.
Como esta unidade de Tabuleiro é a mais acidentada do ponto de
vista topográfico, as colinas criam áreas secas e as depressões entre elas
acumulam água, formando áreas úmidas de extrema importância
ecológica. Pouquíssimas contam com lâminas d’água espessas, a ponto de
formar lagoas. A maioria tem feição de brejo.
Assim, no domínio do Município de Conceição de Macabu,
encontramos remanescentes significativos de floresta ombrófila densa

20
atlântica, que podem ser perfeitamente avistados às margens da rodovia
RJ-162, que liga Trajano de Morais à estrada BR-101 (fotos 1).
Em terras da Formação Barreiras (tabuleiro), o desmatamento foi
bem mais intenso que na zona serrana. Restaram poucos fragmentos da
floresta atlântica estacional semidecidual (fotos 2, 3 e 4).
Por fim, nas depressões de tabuleiro, a umidade permitiu o
desenvolvimento de vegetação aquática das mais variadas (fotos 5, 6 e 7).

Foto 1.

21
Foto 2.

Foto 3.

22
Foto 4.

Foto 5.

23
Foto 6.

Foto 7.

24
Povos nativos

Freire e Malheiros explicam que Aryon Rodrigues reuniu vários


povos nativos dos atuais Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo no tronco linguístico Macro-jê, dividido em 23 línguas.
Doze eram faladas no território correspondente ao Rio de Janeiro: Puri,
Telikong ou Paqui entre os vales do Itabapoana e Médio Paraíba do Sul
e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras, entre os Rios Pomba e
Muriaé; Coroado, em ramificações da Serra do Mar e nos vales do Paraíba
do Sul, Pomba e Preto; Coropó, no vale do Rio Pomba e na margem sul
do alto vale do Paraíba do Sul; Goitacá, na planície fluviomarinha do
norte fluminense, entre a Lagoa Feia e a foz do Rio Paraíba do Sul; Guaru
ou Guarulho, na Serra dos Órgãos e nas bacias dos Rios Piabanha e
Paraíba do Sul, incluído o seu afluente Rio Muriaé, com ramificações em
Minas Gerais e Espírito Santo; Pita, no vale do Rio Bonito; Xumeto, na
Serra da Mantiqueira; Bacunin, no vale do Rio Preto e próximo à atual
cidade de Valença; Bocayú, nos vales dos Rios Preto e Pomba; Caxiné,
na região entre os Rios Preto e Paraíba do Sul; Saruçu, no vale do médio
Paraíba do Sul; Paraíba, igualmente no médio curso do Paraíba do Sul.
Os autores, ainda acompanhando estudiosos, apontam, como integrantes
do tronco macro-jê, a família dos Botocudos, falando 38 dialetos no
Espírito Santo e em Minas Gerais. No Rio de Janeiro, apontam o grupo
Botocudo, Aimoré ou Batachoa, nos vales dos Rios Itabapoana e Macacu.
Por fim, a família Maxakali, com 27 línguas, das quais, no Rio de Janeiro,

25
existe apenas referência à língua Maxakalí ou Mashakali, falada no vale do
Rio Carangola13.
As sociedades indígenas que se instalaram e se estruturaram na
Ecorregião de São Tomé conseguiram construir modos de vida
sintonizados com o ambiente, por mais que o tenham transformado. Os
povos nativos chegaram à serra, ao tabuleiro e à planície adaptando-se aos
ecossistemas com um mínimo de interferência neles. Suas comunidades e
sua tecnologia rudimentar não eram capazes de provocar grandes
transformações à natureza, ao mesmo tempo em que sua visão de mundo
a encarava como uma entidade sagrada. Em lugar de moldarem os
ecossistemas a seus estilos de vida, seus estilos de vida é que se amoldaram
às peculiaridades do ambiente.
Na segunda metade do século XVIII e no século XIX, estes povos
estavam em franco processo de declínio e de desagregação cultural. No
último quartel do século XVIII, o criterioso capitão Manoel Martins do
Couto Reis dá notícia dos remanescentes das nações indígenas que
habitavam a região norte-noroeste fluminense. Sobre os goitacás, já
extintos, diz ele que as informações mais fidedignas nos situam nas
campinas “...compreendidas entre a Lagoa Feia, de Carapebus, e Ponta de
São Tomé (...), possuindo também toda a costa do mar correspondente,
até a vizinhança de Macaé”. Sem poupar críticas aos colonos, ele os
fulmina com a seguinte observação:

13
FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos
Indígenas do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: UERJ, 1977.

26
Neste tempo era o principal, e mais interessante
objeto das riquezas na América, fazer oposição
aos índios, não só a fim de se lhes quebrantar os
ânimos e forças; como de os sujeitar debaixo do
jugo da escravidão. Nisto tanto se exercitaram
os nossos Paulistas antigos, que apesar dos
maiores incômodos, se ofereciam a viajar pelos
mais ásperos sertões do Brasil; aonde
procederem em muitas ocasiões contra aquela
miserável e desgraçada gente, com mais
barbaridade que a dos mesmos bárbaros.

E, num arroubo de humanismo, ele exclama:

Nada poderá haver mais sensível à vida


humana, que a triste sujeição do cativeiro, e em
consequência deste mal pode um coração viver
tranquilo, por mais agrados, que receba de um
benigno Sr., pois basta a lembrança da perdida
liberdade, para serem as mortificações
continuadas 14.

Em anexo a seu famoso relatório, ele mostra em que estado se


encontravam os povos indígenas que habitavam o norte-noroeste
fluminense. Das nações que confinavam no passado com os goitacás, os
saruçus ainda existiam, habitando as montanhas e vales, entre os Rios
Macaé e São João. Os coroados, povo guerreiro, assentaram-se entre a

14
COUTO REIS, Manoel Martins do. Descrição Geográfica, Política e Cronográfic a
do Distrito dos Campos Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo Senhor Luiz de
Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar
e Terra do Estado do Brasil, etc. se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa
Topográfico do mesmo Terreno, que debaixo de dita Ordem se Levantou . Rio
deJaneiro: manuscrito original, 1785.

27
margem setentrional do Rio Paraíba do Sul (a oeste da primeira cachoeira)
e a Serra da Frexeira, subindo a barra do Rio Pomba até as fronteiras com
Minas Gerais. Os puris ocupavam o território que se estendia do Rio
Pomba, confinando com os coroados, até o norte do Rio Muriaé –
esclarece nosso cronista que esse povo errava dentro dos seus limites e era
muito cruel. Quanto aos guanhuns, depois de se lhes impor uma diáspora,
estavam vivendo entre os Rios Imbé e Paraíba do Sul, ao norte da Lagoa
de Cima. Mostra que os guarulhos se confundiam com os coroados e
condena a expressão bugre para nomear nações tão distintas. Em seguida,
com a acuidade de um etnógrafo, explica que os idiomas falados por esses
povos diferiam muito da língua guarani, chamada língua geral no Brasil –
na verdade imposta pelos jesuítas. Aliás, não revela, quanto ao tratamento
dado aos índios, a mínima simpatia pelos missionários desta Ordem
religiosa, que, segundo ele, levavam numa das mãos a cruz e em outras
cadeias ocultas, confinando os nativos em reduções para se apossarem de
suas terras.
Fala-nos dos acampamentos simples dos puris; das aldeias com
casas pequenas e efêmeras; das casas cobertas de palha dos saruçus; das casas
grandes dos coroados, construídas com madeira forte e paredes muito bem
barreadas, sem janela e porta somente de um lado, sendo o teto feito com
casca de madeira ou palha. Descreve práticas agrícolas e hábitos
alimentares, tecnologia e crenças religiosas. Enumera as reduções
construídas por missionários e deixa transparecer o processo de refração,

28
aculturação e extermínio de tais povos, principalmente por meio das
bebidas alcoólicas e das epidemias 15.

O povoamento original do Sertão de Macabu

Há um manuscrito sem indicação de autor e sem data com todas


as características de ter sido escrito por Manoel Martins do Couto Reis.
Primeiro pela caligrafia inconfundível; segundo pelo estilo e pelo
assunto16. A julgar pelas informações, o documento parece anterior à sua

15
Ibidem.
16
Breve notícia dos índios que habitam nos Campos dos Goytacazes . O documento
manuscrito em 7 fols. (o documento conta com 13 folhas) figura como anônimo e
inédito na página 36 do catálogo Manuscritos Biblioteca Casa dos Marqueses de Castello
Melhor – Documentos Oficiais, grande número de autógrafos, obras originais e inéditas .
Trata-se de um catálogo de documentos a serem leiloados, como se pode ler em sua
capa: “A venda judicial em hasta pública desta importante coleção será feita no princípio
do próximo ano de 1879 no local e dias previamente anunciados”. O catálogo podia ser
encontrado no Beco dos Apóstolos, 11/1º andar, onde também se recebiam
encomendas. Completando as referências do catálogo, lê-se, na parte de baixo da capa:
Lisboa: Tipografia Universal DC Thomaz Quintino Antunes, Impressor da Casa Real,
Rua dos Calafates, 110, 1878. Informa ainda o catálogo que, embora sem autor, o
manuscrito tem letra muito semelhante ao documento arrolado antes dele. O documento
imediatamente anterior, de nº. 219, é a Descrição Geográfica dos Campos dos Goitacazes
escrita no vice-reinado de Luiz de Vasconcellos e Sousa. Informa-se que é documento
anônimo e inédito, com 34 folhas. É bastante sintomático que o documento de nº. 218
no catálogo seja a Descrição (nº. 236) Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito
dos Campos Goitacás que por ordem do Ilmº. e Exmº. Senhor Luiz de Vasconcelos e
Souza etc., do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra
do Estado do Brasil etc., se escreveu para servir de explicação ao mapa topográfico do
mesmo terreno, que debaixo da dita ordem se levantou por Manoel Martins do Couto
Reis, Capitão de Infantaria do Primeiro Regimento desta Praça. Rio de Janeiro, 1785.
Este é o maior trabalho do capitão cartógrafo da infantaria sobre o norte da Capitania do
Rio de Janeiro, e aos seus originais de 193 (mais 11 anexas) páginas, faltam as páginas de
81 a 104, 24, portanto, como informa ainda o catálogo, que atribui ao documento nº.
219 um total de 32 páginas, o que pode ser um erro tipográfico. Parece, pois, que o
documento nº. 219 é constituído pelas 24 páginas faltantes ao documento nº. 218. Este
segundo foi adquirido pelo bibliófilo José Cláudio da Silva no leilão promovido pela

29
famosa Descrição nº. 236. O miliciano cartógrafo da infantaria explica
que, quando da chegada dos europeus à região, havia várias nações de
gentios vivendo nela. No século XVIII, quando ele escreve, só restavam
os Guarulhos e os Puris. Os Goitacás tinham sido extintos, principalmente
por epidemias. Sobre os Guarulhos, Couto Reis informa que se tratava de
nome genérico para denominar várias nações, das quais só sobreviveram
os Coroados e os Sacarus (que ele grafa, mais tarde, saruçu). Os Coroados
habitavam os sertões do Rio Paraíba do Sul, com aldeamentos
missionários em Santo Antônio (atual Guarus) e São Fidélis.
Subindo os afluentes do Paraíba do Sul, os coroados também se
instalaram nos sertões de Minas Gerais.
Em suas palavras, “Os que habitam presentemente nas cabeceiras
dos Rios Macaé e Macabu são também Guarulhos, e o seu particular
nome é Sacaru”. Por informação colhida de moradores de Macaé e
Carapebus, soube ele que os muitos e violentos confrontos entre
“brancos” e Sacarus levaram os nativos a se refugiarem no interior. Vários
foram catequizados e batizados por padres, mas continuaram a seguir seus

Casa de Castelo Melhor, ao que tudo indica no ano de1879, como informa Augusto de
Carvalho em seu livro Apontamentos para a História da Capitania de S. Tomé . Campos:
Tip. e Lit. de Silva, Carneiro e Comp., 1888, P. 1999. É praticamente certo que a Breve
notícia dos índios que habitam nos Campos dos Goytacazes também tenha sido adquirida
por José Cláudio da Silva. Ambos os documentos foram se alojar na coleção de Alberto
Frederico de Morais Lamego, que, em 1935, vendeu seu acervo de documentos à
Universidade de São Paulo. Nos originais dos dois manuscritos, há o carimbo da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Resta saber se
as 24 ou 34 páginas faltantes da Descrição nº. 236 também foram adquiridas em leilão
por José Cláudio da Silva, passou à coleção Lamego e também foi vendido à USP. Tanto
o Catálogo quanto a Breve Notícia me foram apresentadas pelo documentalista Genilson
Paes Soares, a quem sou grato.

30
antigos costumes. Acrescenta que missionários reformaram uma aldeia que
havia no Sertão do Rio Macabu para abrigar índios mansos, sendo que
muitos, porém, a abandonavam para voltar ao sertão, vivendo de plantar
batatas e mandioca (esta somente para fabricar bebida alcoólica) e de pescar
pouco peixe. Retornavam, pois, ao estado de barbárie, andando nus.
Couto Reis tem uma visão acentuadamente preconceituosa dos “brutos”,
“desmazelados” e “preguiçosos” nativos, que não têm “o menor
pensamento de ambição, menos cuidado do futuro”. Sua visão muda
significativamente na Descrição nº. 236, passando a ser mais compreensiva
com povos que perderam a sua liberdade e criticando acidamente os
missionários cristãos. Já idoso, o militar volta a abominar os nativos. Ele
subiu o Rio Macabu da Lagoa Feia ao Morro da Sapucaia, onde anotou
em seu mapa topográfico: “Morro da Sapucaia. Tem na sua fralda uma
grande pedra deste nome, e distante dela três braças uma pedra chata
banhada pelo rio”. Desse ponto não passou por encontrar dificuldades de
locomoção. Logo à jusante dele, Conto Reis assinala terras pretendidas
pela Ordem de São Bento e um rancho cujo proprietário se chamava
Marcelino. O ínvio Sertão de Macabu já começava a ser colonizado por
descendentes de europeus.

31
Referências

CARVALHO, Augusto de. Apontamentos para a História da Capitania de S.


Tomé. Campos: Tip. e Lit. de Silva, Carneiro e Comp., 1888.

CASAL, Manoel Aires de. Corografia Brasílica. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1976.

COUTO REIS, Manoel Martins do. Breve notícia dos índios que habitam nos
Camposdos Goytacazes. Manuscrito com 13 folhas sem autor, sem indicação de
local e sem data.

COUTO REIS, Manoel Martins do. Descrição (nº. 236) Geográfica, Política e
Cronográfica do Distrito dos Campos Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo
Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e
Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, etc. se Escreveu para Servir
de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que debaixo de dita
Ordem se Levantou. Rio deJaneiro: manuscrito original, 1785.

DIAS, Gilberto T. M. O complexo deltaico do rio Paraíba do Sul. IV Simpósio


do Quaternário no Brasil (CTCQ/SBG), publ. esp. nº. 2. Rio de Janeiro, 1981.

DRUMMOND, José Augusto. Devastação e Preservação Ambiental no Rio de


Janeiro. Niterói: Eduff, 1997.

FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos


Indígenas do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, 1977.

GOMES, Marcelo Abreu. Geografia Física de Conceição de Macabu.


Conceição de Macabu. Gráfica e Editora Poema, 1998.

LAMEGO, Alberto Ribeiro. Geologia das quadrículas de Campos, São Tomé,


Lagoa Feia e Xexé. Boletim nº. 154. Rio de Janeiro: Departamento Nacional
da Produção Mineral/Divisão de Geologia e Mineralogia, 1955.

LAMEGO, Alberto Ribeiro. O Homem e o Brejo, 1º ed. Rio de Janeiro:


Conselho Nacional de Geografia, 1945.

32
LAMEGO, Alberto Ribeiro. O Homem e o Brejo, 2ª ed. Rio de Janeiro:
Lidador, 1974.

MALDONADO, Miguel Aires e PINTO, José de Castilho. Descrição que faz


o Capitão Miguel Aires Maldonado e o Capitão José de Castilho Pinto e seus
companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas
da capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas
nesta costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil tomo XVII.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894.

MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e


FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do
Rio de Janeiro e do Espírito Santo . Belo Horizonte: CPRM, 1997.

MELLO, José Alexandre Teixeira de. Campos dos Goitacases em 1881. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1886.

PIZARRO E ARAUJO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio


deJaneiro, 3º vol. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

SILVA, José Carneiro da. Memória Topográfica e Histórica sobre os Campos


dos Goitacases, 3ª ed. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista
Oswaldo Lima, 2010.

SOFFIATI, Arthur. A História Ambiental de um Campo Nativo de Planície.


Anais doIII Encontro da ANPPAS. Brasília-DF: 23 a 26 de maio de 2006.

VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourenço Rosa e


LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da Vegetação Brasileira, Adaptada a um
Sistema Universal . Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, 1991.

33
2
A GÊNESE DE CONCEIÇÃO DE MACABU:
POVOAMENTO DO SERTÃO DO RIO
MACABU

Marcelo Abreu Gomes

I. Razões do Povoamento do Sertão dos Rios São Pedro e Macabu

O estudioso da História do Brasil conhece muito bem aquela


passagem, lá dos primórdios do descobrimento, no chamado Período Pré-
Colonial, quando a Coroa Portuguesa, alarmada com a possibilidade de
perder o Brasil, assediado por corsários e piratas, tratou de povoá-lo, ou
seja, colonizá-lo. Em consequência, tentou diversas estratégias, como o
estabelecimento de Capitanias Hereditárias, mas foi a economia canavieira
que de fato fixou o homem à terra e propiciou ao Brasil um ciclo de
povoamento e ocupação, tornando-o definitivamente português.
Essa discussão sobre o que teria possibilitado ou motivado o
povoamento do Brasil é antiga e praticamente resolvida. Poucos
historiadores a contestam e, se a contestam, não é por sua veracidade, mas
sim a fim de acrescentar outros fatores que não nos cabe discutir.

34
No caso de Conceição de Macabu há uma discussão mais
complexa, mais polêmica, menos estudada e mais, muito mais, carente de
provas. Trata-se do questionamento: o que teria propiciado o
povoamento do atual município de Conceição de Macabu?
Complicado. Por quê?
Primeiro, pela falta de provas documentais em quantidade e
qualidade consistentes. Segundo, porque não há uma, mas algumas
explicações. Terceiro, porque tais explicações convergem, ou pelo menos
parecem convergir. Quarto, não houve um único ciclo, mas vários ciclos
de povoamento. Não se pode falar de uma razão, mas de um conjunto de
razões que, nos primeiros anos do século XIX e, talvez, nos últimos anos
do século XVIII, atraíram migrantes, culminando na colonização.
As explicações para as razões do povoamento partem de uma lista
de cinco itens17, que de uma forma ou outra foram importantes para a
atração de moradores e empreendedores para a região. São eles:

1. A Diáspora Indígena e os Caminhos dos Rios São Pedro - Aduelas.


2. O Café de Cantagalo e os Caminhos do Rio Macabu.
3. Jacarandá Cabiúna e Terras Devolutas.
4. Tropeiros e a Estrada de Cantagalo.
5. O Ramal Ferroviário e a Cana-de-Açúcar.

17
Os itens foram identificados mediante a reunião de estudos de diversos pesquisadores
como TAVARES (2002), SILVA; GOMES (1997), GOMES (2003), LAMEGO (1943,
2010), PARADA (1980, 1997), OSCAR (1986) TINOCO (1962), PIZARRO (1823),
E SILVA (1854), CARVALHO (1888), reunidos e compilados. As denominações foram
criadas por este autor, tendo por base as referências anteriores e seus estudos particulares.
Objeta sintetizar o principal fluxo e causa do povoamento.

35
1. A Diáspora Indígena e os Caminhos do rio São Pedro – Aduelas

1.1 Despovoamento e Diáspora da Região de Macabu

A Missão de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita foi formada


na segunda metade do século XVIII pelo missionário Antônio Vaz
Pereira, hoje proximidades do distrito macaense de Córrego do Ouro.
Esta missão foi habitada por índios dos sertões dos rios São Pedro e
Macabu, provavelmente para pacificá-los, permitindo a colonização de
suas terras. Tais índios foram descritos como Saruçus, habitantes nativos
do que hoje é a região entre os rios São Pedro e Macabu, ou quase todo
município de Conceição de Macabu. Outros já os tratavam como
Guarulhos. Guarulhos ou Saruçus, os índios saíram do Sertão dos Rios
São Pedro e Macabu para formar a missão religiosa.
Portanto, começamos a História não com o povoamento, mas
com o despovoamento das terras que hoje formam o Sertão dos Rios São
Pedro e Macabu.
A primeira hipótese do povoamento do Vale do Rio Macabu, na
verdade, se tratou de um repovoamento, ou seja, de um suposto retorno
dos índios e seus descendentes à região de origem. Em trabalhos de
SILVA; GOMES (1997) e GOMES (2003), o episódio é denominado
diáspora indígena, uma vez que os mesmos não retornaram por livre e
espontânea vontade, mas por decorrência de situações que os documentos
nos levam a concluir como conflituosa.

36
Crise na Missão

A Missão de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita foi criada para
pacificar regiões interioranas do Norte Fluminense no século XVIII.
Atingida a meta de pacificação, uma vez que não se registram mais
conflitos na região após sua fundação, esta perdeu sua importância
estratégica, ou seja, seus habitantes, os índios aculturados, deixaram de ser
importantes para o governo e os grupos mandatários da região. 18
Economicamente ocorreu o oposto: a região, que a princípio não
despertava interesses, com o tempo tornou-se uma área de colonização
periférica, possível de se obter através da doação de sesmarias, baixos
preços ou simplesmente grilando. Situada numa região de vales férteis,
porém pantanosos, infestados de doenças, com montanhas que, além das
madeiras, ainda não estavam destinadas à produção cafeeira, com o tempo
a região foi cobiçada por pequenos e médios proprietários – que em geral
não tinham condições de obter posses em áreas mais significativas
economicamente, como áreas próximas a Macaé, Campos e Quissamã.
Enquanto as baixadas entre Macaé e Campos, próximas a faixa
litorânea, iam sendo ocupadas pelo gado e cana-de-açúcar, de grandes
proprietários, as regiões mais ao interior ficavam com pessoas de outros
estratos sociais, em geral mais baixos que os do litoral.

18
A literatura é vasta neste caso, mas vamos ficar com os trabalhos mais recentes, como
AMANTINO et al (2010), GOMES (2003), TAVARES (2002) e SILVA; GOMES
(1997). De uma forma ou outra, tratam do povoamento da missão pelos índios sacurus,
aldeados pelo missionário Antônio Vaz Pereira, para logo em seguida mostrar a
decadência da missão religiosa e o “retorno dos índios ao local de origem”, no caso, o
Vale do Rio Macabu, onde teriam reencontrado outros indígenas, não aldeados.

37
Tem-se então uma região que começa a ser povoada, cobiçada,
cujos habitantes, os índios catequizados, eram muito mais um empecilho
do que simplesmente vizinhos. De onde se começa a concluir uma das
presumíveis razões para um futuro conflito: a localização das propriedades
indígenas. Os nativos, situados há mais tempo no local, estabeleceram-se
naquilo que havia de melhor, sem falar que numa região onde abundavam
terras devolutas, os mesmos poderiam ter ocupado glebas que
posteriormente foram doadas como sesmarias.
A estes fatores aliaram-se um suposto descuido com os destinos de
seu rebanho por parte dos padres sucessores dos missionários Antônio Vaz
Pereira e José das Neves Ribeiro, como foi citado por muitos autores, a
exemplo de PIZARRO E ARAUJO (1945) e SILVA (1854). Que
descuidos seriam esses? Não é possível afirmar, mas é citado como causa
básica do retorno dos Saruçus ao lugar de origem, ou seja, ao Vale do Rio
Macabu. Esse retorno é a diáspora indígena que deu início ao povoamento
do sertão.
A pergunta a ser feita é: para onde foram esses índios quando
saíram de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita?
Há um consenso em nossos primeiros historiadores, Godofredo
Guimarães Tavares e Herculano Gomes da Silva, que os missionários,
desde meados do século XVIII, utilizavam a região de Santa Catarina,
hoje Curato de Santa Catarina, como uma espécie de refúgio para as
epidemias que assolavam a região ao redor da missão. É possível, segundo
os autores, que o atual Curato de Santa Catarina tenha sido um desses
locais (TAVARES, 2002).

38
A Diáspora

Conforme visto, felizmente para o Vale dos rios São Pedro e


Macabu, os sucessores do Padre José das Neves Ribeiro não tiveram o
mesmo zelo que ele e permitiram que os Sacurus saíssem de lá e
retornassem para sua região de origem, estabelecendo povoados,
provavelmente entre os anos de 1801 e 1814.
As datas entre 1801 a 1814 são especulativas, baseadas, por
exemplo, na formação da Villa de Macahé em 1813, a partir da qual se
deu ampla ocupação fundiária da região no entorno da missão,
evidenciando uma troca de proprietários.
Há outro fator: os índios da missão, catequizados, não retornaram
a um local despovoado. O vale do rio Macabu estava povoado por índios
que não desceram, ou seja, não foram para a missão com o padre Antônio
Vaz Pereira. O que não se sabe é se os índios que permaneceram no
“Sertão de Macabu” eram de grupos que migraram para lá após o
descimento implementado pelo padre, ou se faziam parte de algum grupo
que resistiu.19
O fato é que cessadas as atividades do padre José das Neves Ribeiro
no local, problemas levaram os índios a migrar, ou a retornar ao seu local

19
Recorre-se aí aos memorialistas e historiadores que primeiro descreveram a paisagem
e a História de Conceição de Macabu, além de inúmeras informações colhidas através
de depoimentos, tradição oral. Nesses casos TAVARES (2002), SILVA; GOMES
(1997).

39
de origem, onde outros silvícolas habitavam, dando início à ocupação
efetiva do Vale do Rio Macabu, na sua porção mediana.
Em sentido oposto, se para os índios não foi bom, para a região da
antiga missão as mudanças foram muito importantes, pois a mesma foi
elevada à categoria de freguesia, ou seja, uma subdivisão regional, um
distrito da então Villa de São Salvador de Campos dos Goytacazes
(PARADA, 1995).

1.2 Os caminhos dos rios São Pedro - Aduelas

Os registros relativos às primeiras sesmarias doadas em Conceição


de Macabu localizam-nas no que geograficamente situamos como
microbacia dos rios São Pedro e Aduelas, englobando a porção sul do
município, entre as serras de Santo Antônio, São João e São Pedro e os
rios citados (DA COSTA ABREU, 1994).
Tal fator geográfico explica-se pela localização privilegiada da
região. Numa época em que o café ainda era uma minguada promessa, a
bacia do Macabu encontrava-se pouco povoada e ocupada, segundo
COUTO REYS (1785) e PIZARRO E ARAUJO (1823).
Oposto a isso, quem partisse do porto de Macaé, pelo rio de
mesmo nome, seguindo para o interior, numa das regiões mais
importantes do Norte Fluminense em fins do século XVIII, a Freguesia
de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, se depararia com uma
bifurcação, onde um rio menor encontrava-se com o Macaé. Tal
bifurcação era o Rio São Pedro, principal afluente do Macaé, cujas águas

40
mansas e profundas levavam a uma área de serras, que hoje constituem as
divisas de Macaé e Conceição de Macabu.
Subir o Rio São Pedro por meia légua20 levava a um ancoradouro
natural, chamado posteriormente de Bertioga, de onde se fazia um
desembarque, ou seguia-se adiante e chegava-se à Onça, ou seguia-se
desta vez por outro rio, bem menor, mas navegável por canoas, o Rio das
Aduelas.21
Se o São Pedro levava a porto da Bertioga, o Aduelas conduzia ao
porto do Sossego, ou melhor, da Fazenda São José do Sossego, do já citado
capitão Manuel Joaquim de Figueiredo, onde Charles Darwin hospedou-
se em 1831.
Os dois portos, Bertioga e Sossego, seguidos de perto pelo da
Onça, eram as portas de entrada para o interior do atual município de
Conceição de Macabu, pelo menos até 1840, quando o café tornou o Rio
Macabu mais importante à navegação que os rios São Pedro e Aduelas.

1.3 Conclusão: os primeiros caminhos e povoados

Missionários, índios catequizados, aventureiros, viajantes,


sesmeiros, grileiros, não dispunham de outro tipo de estradas que não
fossem os rios. Os índios ainda em estado natural tinham suas trilhas pela
mata, pelos pântanos, pelos rios, mas tais caminhos não eram interessantes

20
Uma légua corresponde a 6 km.
21
O porto da Bertioga foi o primeiro e mais movimentado na região. Situado próximo
aos rios Macaé, Aduelas e São Pedro, a partir dele acessava-se todo “Sertão do Rio
Macabu” a partir da região sul do mesmo.

41
àqueles que vieram para produzir, conduzindo rebanhos, colheitas,
madeira, escravos. Até chegar ao porto da Bertioga, que depois se tornaria
a sede da fazenda de mesmo nome, percorriam-se quase cinco léguas pelo
Rio Macaé e mais meia légua pelo São Pedro. Daí em diante era seguir
pelo mesmo rio até a Onça, depois Lírio, ou, seguir pela vertente da
direita e penetrar no Rio Aduelas até as proximidades da Fazenda do
Sossego (SILVA; GOMES, 1997).
Assim fizeram os pioneiros, estabelecendo-se nas proximidades dos
rios São Pedro e Aduelas. Inicialmente, colonizaram as regiões onde hoje
estão as fazendas da Bertioga, Onça, São José do Sossego, Santo Antônio,
Santa Maria, daí fundando os primeiros núcleos povoadores do Sertão dos
Rios São Pedro e Macabu, ou seja, de Conceição de Macabu, e as
localidades pioneiras, como a do Curato de Santa Catarina.
Analisando as primeiras sesmarias doadas na região do município
de Conceição de Macabu, comprova-se que, se a região não foi a primeira
a ser ocupada, pois há um registro pioneiro na região de Patos, pelo menos
foi efetivamente, em larga escala (DA COSTA ABREU, 1994).
O registro na região de Patos, datado do final do século XVII, é
único, isolado. Em contrapartida, as doações que seguiram os caminhos
dos rios São Pedro - Aduelas, adentrando o Vale do Rio Macabu, apesar
de serem dos séculos XVIII e XIX, são efetivas, constantes. 22

22
Há um estudo detalhado sobre as distribuições de sesmarias na região de Macabu no
próximo artigo.

42
A formação da missão religiosa, agregando índios do sertão
macabuense, iniciou um processo que indicava o despovoamento da
referida região. Entretanto, o declínio do processo missionário,
provocando o regresso dos nativos ao sertão e seu reencontro com uma
parcela que não se uniu ao projeto, iniciou a ocupação efetiva.
Ocupação que foi direcionada pelos caminhos dos rios São Pedro
e Aduelas, onde proprietários, a título de sesmeiros, empreenderam a
colonização da área, pioneira, efetiva, sistemática.

2. O Café de Cantagalo e os Caminhos do rio Macabu

O acesso ao município pelo sul, como visto, se fazia pelos rios São
Pedro e Aduelas quase que exclusivamente até os primórdios do século
XIX. A partir dessa época, a ocupação da foz do Rio Macabu na Lagoa
Feia pela cultura canavieira e a expansão da cafeicultura em Cantagalo –
mais especificamente, São Francisco de Paula (hoje Trajano de Morais) –
tornou o Rio Macabu um elo estratégico entre as regiões serrana e
litorânea do Rio de Janeiro.
O segundo fluxo de ocupação de Conceição de Macabu deu-se a
partir da intensificação do transporte fluvial pelo Rio Macabu, numa
extensão que englobava desde os vales mais próximos à Lagoa Feia (século
XVIII) até a região de confluência deste curso hídrico com os rios Santa
Catarina, Macabuzinho e Carukango.
Além da motivação natural pela busca de terras colonizáveis, o
início da produção cafeeira na região de Cantagalo foi o grande
impulsionador da ocupação desta área. Mudava-se o eixo de penetração

43
humana na região de Macabu, de sul-norte para leste-oeste. Tal fator,
agregado a outros consequentes, povoaram o Vale do Macabu num ritmo
maior do que o do Rio São Pedro.

2.1 Cantagalo

Não é possível falar da ocupação do Vale do Rio Macabu, sem


fazer referências a uma região próxima: Cantagalo. E o que o leitor
compreende como Cantagalo provavelmente é a noção de um pequeno
município da Região Serrana Fluminense, situado a 70 km de Conceição
de Macabu. No entanto, no entender do sistema geopolítico fluminense
do século XIX, Cantagalo foi muito mais que um município: foi, na
verdade, uma grande região do Vale do Paraíba, que contribuiu muito
para que a Província do Rio de Janeiro se tornasse uma das mais
proeminentes economicamente do século retrasado.
Seria interessante destacar que nem sempre foi assim. Nos
setecentos, a região de Cantagalo fazia parte dos Sertões das Cachoeiras
de Macacu. Essa região era enquadrada como área de fronteira. Na
verdade, o que se via ali era uma área de indefinição jurisdicional devido,
entre outros fatores, à natureza geográfica que cercava o Rio Paraíba, até
então o limite estabelecido entre as capitanias de Minas e Rio
(OLIVEIRA, 2000).
A ocupação inicial pelos índios coroados, principalmente, cedeu
território nos oitocentos a grupos oriundos das exauridas regiões
mineradoras de Minas Gerais, que buscavam principalmente a exploração

44
de ouro e pedras preciosas, sem dar os devidos créditos à Coroa
Portuguesa.
OLIVEIRA (2000) cita uma Carta da Câmara da Vila de Santo
Antônio de Sá ao desembargador intendente geral do ouro Manuel Pinto
da Cunha e Souza, de 1779, que assim diz:

A nossa notícia chega que nos sertões das


Cachoeiras de Macacu, se acha uma nova
povoação de homens mineiros, os quais
assistindo na Borda do Campo, se adrarão o
sertão, e passarão o caudaloso Rio Paraibuna,
procurando as aldeias, que nas entranhas deste
bosque há; e a primeira que encontrarão toda
desertou, amedrontados os índios, e receosos do
grande concurso de homens armados que
virão; em cuja Estância, ou deserta Aldeia, se
acham residindo estes salteadores, em agricultar,
desibadar, roçados de milho, e feijão, abóboras,
e outros víveres; cuja fama, e do copiosíssimo
cabedal, e riqueza, que na verdade este sertão
em si encerra; há de infalivelmente ter
convidado e muitos desta capital, e seu
contorno para a sociedade do extravio do ouro
em pó (...). ( Carta da Câmara da Vila de Santo
Antônio de Sá ao desembargador intendente
geral do ouro Manuel Pinto da Cunha e Souza.
Vila de Santo Antônio de Sá, 26/04/1779, p.
193v.).

Essa relação de Cantagalo com a exploração clandestina de ouro,


por muito pouco não foi também a primeira relação entre Macabu e
aquela região. Em outra carta, uma das autoridades do interior da

45
Província, José Caetano Barcelos Coutinho, respondendo a uma petição
oriunda de Campos sobre mineração clandestina em rios da região, reagiu
dizendo que as suspeitas sobre os rios Macabu e Paraíba eram
desnecessárias. Alegava o capitão José Caetano que dada a situação
hidrográfica dos Rios e as doenças que eram ali correntes, ninguém se
arriscaria a abrir picadas em paragens tão inóspitas:

(...) e que dois destes Registros, e do Rio


Macabú, e Paraíba, se fazem inteiramente
desnecessários, porque o Rio Macabú hé pouco
navegável por ser baixo, e não costa que por ele
ninguém fizesse entrada, com desígnio de tirar
ouro, nem se comunique com as Minas de
Macacu, e o Rio Paraíba, tem Cachoeiras
grandes perto, por cuja causa não se pode subir
por ele e hé também certo, que por ele
ninguém fizesse entrada, com o mesmo
desígnio; e como estes Rios correm por sertões
despovoados, e doentios, tem vindo os
soldados, que vão a eles, com doenças graves,
por cuja causa se faz sensível a este povo, a
conservação dos ditos Registros. (Carta do
Mestre de Campo José Caetano de Barcellos
Coutinho ao vice-rei. Campos, 22/01/1780, p.
215- 215V.).

Porém, a Coroa Portuguesa mantinha o monopólio de exploração


dos garimpos. Por isso, por ordem de dom Luiz de Vasconcelos e Souza,
vice-rei do Brasil, diversas diligências foram efetuadas contra o grupo do
principal bandoleiro, o famoso Mão de Luva, o que culminou com a
captura do renegado português e de seu bando (OLIVEIRA, 2000).

46
A partir de 1786 a localidade passou a ser denominada de
"Cantagalo", em substituição ao seu antigo nome de "Sertões de Macacu",
ainda motivando outros aventureiros a chegar à localidade. No entanto,
apenas uma profunda decepção os esperava, pois constataram que os
bandoleiros já haviam quase que esgotado completamente os pobres filões
existentes na região (VINHAES, 1992).
Entretanto, o crescimento de Cantagalo não foi interrompido pelo
fim da febre do ouro. Se a terra era pobre em metais, por outro lado era
extremamente fértil. Por isso, sua região se cobriu de imensas plantações
de café, milho, feijão, cana-de-açúcar, mandioca etc., transformando a
localidade em uma das mais importantes da província. Tanto que, no seu
período áureo, ela chegou a ser chamada de " Celeiro da
Terra Fluminense".23 Com o crescimento do setor agrícola, entra em cena
a mão-de-obra escrava e o elemento negro, que representou papel
importante na formação do patrimônio social e econômico da região
(TSCHUDI, 1980).

23
É grande a bibliografia sobre Cantagalo. Grande também é a produção de teses e
dissertações sobre o município serrano. Para constatação da afirmativa valho -me de
VINHAES (1992, p.28), DIAS (1998, p.19), TSCHUDI (1980, p.03), RAMOS (1992),
FRAGOSO (1992). A mesma destaca a importância econômica da “Região de
Cantagalo”, como era conhecida na época.

47
2.2 De Cantagalo para o Mundo – o café estimula o povoamento do Vale
do Rio Macabu

No século XIX o café se tornou o mais importante produto


brasileiro. Naqueles tempos, produzir café no Brasil significava encontrar
terras com clima ameno, não muito distantes dos portos exportadores,
principalmente do Rio de Janeiro. Assim, os primeiros grandes centros de
produção de café do Rio de Janeiro ficavam nas serras da Baixada
Fluminense, migrando para as serras fluminenses, estendendo-se até as
cercanias do antigo município de Macaé (DIAS, 1998).
Nos fins da década de 20 do século XIX, o café chegou a uma das
muitas sub-regiões de Cantagalo, o “Alto Macabu”. Situado nas nascentes
e primeiros 30 dos 120 km do rio Macabu, a região que hoje em dia se
situa entre Nova Friburgo, Bom Jardim e Trajano de Morais, marcada por
elevadas altitudes e clima propício aos cafezais, era assim conhecida
(DIAS, 1998).
O viajante e naturalista suíço Johan Tschudi, que viveu na região
serrana fluminense em meados do século XIX, descreveu como um dos
mais importantes centros produtores de café do país (TSCHUDI, 1980).
Os pioneiros dessa nova atividade agrícola, enquanto aguardavam
suas plantas produzirem (levava até cinco anos), viviam de uma economia
agro-silvícola, produzindo gêneros para consumo cotidiano, explorando
madeiras, caçando. Outra atividade corriqueira era a busca de caminhos
rápidos aos portos, levando os primeiros produtores da rubiácea a descer
o Rio Macabu, unindo trilhas indígenas ao transporte fluvial, chegando à

48
Lagoa Feia e daí ao porto de Macaé, de onde partiam para o Rio de
Janeiro ou exportavam diretamente (FRAGOSO, 1992).
Por volta da década de 30 do século XIX, o Rio Macabu começa
a ser navegado com mais frequência, desta vez das planícies fluviais, na
região conhecida como Itapuá24, até a Lagoa Feia. Daí uma série de canais
naturais, que formariam depois o Canal Campos - Macaé, conduzia as
mercadorias a Campos e Macaé – uma empreitada que exigia vários dias
e sujeitava-se a intempéries, como afirmado por SILVA; GOMES (1997).

2.3 O Caminho do Rio Macabu, as primeiras localidades e portos

A viagem das regiões produtoras de café até Macaé não era nada
fácil, podendo levar de quatro a nove dias, dependendo das condições
climáticas. Por trilhas indígenas, cruzando rios, dormindo em choças de
palha, usando roçados e pastos deixados em clareiras nas florestas por
expedições anteriores. Chegando ao chamado “Médio Macabu”, entre as
atuais localidades de Triunfo e Fazenda São João, os viajantes recorriam
ao transporte fluvial. Aí também valia a estratégia: a mesma expedição
que semanas antes esteve na região plantando roças, construindo choças e
abrindo clareiras na mata para nascer capim e alimentar os animais de

24
Antigo nome de São Benedito, hoje conhecido como São Pedro de Triunfo, ou
simplesmente Triunfo, 2º distrito de Santa Maria Madalena, localizado nas margens do
Rio Macabu, entroncamento de estradas que vinham de Santo Antônio do Imbé, a
Estrada de Cantagalo, a navegação fluvial e após 1879, da estrada de ferro. Situa-se a 10
km de Conceição de Macabu e a 35 km de Madalena.

49
transporte, tratava de encomendar as jangadas e canoas onde o café era
transportado.
Uma vez no rio Macabu, remava-se um dia até a Lagoa Feia, onde
as condições eram melhores, já que a região era habitada e
economicamente mais dinâmica que as regiões mais próximas das serras.
Da Lagoa Feia adentravam-se uma rede de canais que a interligavam com
outras lagoas e daí ao Rio Macaé e à Vila de São João de Macahé, onde
outros transportes eram providenciados até o Rio de Janeir ou exportados
diretamente.
Era um caminho tortuoso, difícil, imprevisível, que necessitava de
preparativos prévios e uma rede de apoio. Nos anos seguintes essa
estrutura se formaria, ranchos se tornariam trapiches, estes em localidades,
bertiogas se transformariam em portos, canais naturais em canais artificiais
e as trilhas se converteriam em estradas.
Mas era o caminho, e tornou-se dinâmico, movimentado,
principalmente com os avanços das décadas de 30 e 40, quando a
produção de café foi multiplicada em Cantagalo, na mesma proporção
que seu preço explodia nos mercados internacionais. Em nome do café
tudo se justificava e nada poderia deter o avanço de mais essa grande
riqueza nacional.
Não há registros precisos documentados da relação entre esse
processo de navegação e a ocupação do Vale do Rio Macabu. Não se
pode afirmar com absoluta certeza se esta ou aquela localidade formou-se
primeiro. Mas o fato é que as três primeiras décadas do século XIX

50
assistiram à formação de alguns portos que se tornaram localidades, como
Itapuá, São João do Macabu, Ponto do Pinheiro e Paciência. 25
Já existia uma localidade em Santa Catarina, cujo rio, de mesmo
nome, e algumas trilhas que foram tomadas dos índios eram usados como
ligação com os portos citados anteriormente. Formava-se uma rede de
estradas precárias, das quais vestígios existem até hoje, como a da Poaia,
Santa Maria e a do Osório.
A falta de informações nos leva a um impasse: estaria Conceição
de Macabu entre as localidades criadas nesta época?
Pesquisas recentes, baseadas em registros coletados e divulgados
por PARADA (1995, p.154), dizem o seguinte:

25
São João do Macabu, porto e localidade às margens do Rio Macabu, formado e
abandonado entre o primeiro quartel do século XIX e a primeira década do século XX.
Sua formação está associada à união da navegação fluvial com o transporte de café po r
tropeiros. Chegaram a ser citado várias vezes no Almanak Laemmert, constando a
presença de negociantes de café, artesãos e funcionários públicos. Sua decadência,
acreditam GOMES (2003), TAVARES (2002) e SILVA (1997), além de farta
documentação oral, que se associava a chegada do transporte ferroviário a Conceição de
Macabu e aos constantes surtos de malária e febre amarela. Hoje é uma fazenda, a Fazenda
São João, a 2 km de Conceição. Ponto do Pinheiro ou Ponto do Pinheiro Maia, hoje
Ponto Pinheiro, é uma localidade rural na RJ-189, a meio caminho entre Conceição de
Macabu e Macabuzinho. Segundo os autores citados anteriormente, era um entreposto
comercial da família Pinheiro Maia, um ponto de parada daqueles que vinham e iam do
Curato de Santa Catarina e um dos principais portos do Rio Macabu. Paciência ou
Paciência do Macabu, atualmente Macabuzinho, foi porto fluvial, situado nas margens
do rio Macabu e local de encontro de várias estradas e trilhas rurais, principalmente a
Estrada da Carreira Comprida. Segundo GOMES (2003), o nome Paciência, hoje se
refere a uma localidade campista, situada há 2Km após a margem direita do rio. O nome
Paciência do Macabu foi trocado pelo de Macabuzinho em 15 de novembro de 1943,
segundo o mesmo autor, para evitar confusões com as autoridades campistas, que
denominaram oficialmente a outra margem com o mesmo nome.

51
No dia 6 de agosto de 1835, uma sexta-feira,
tomando passagem num navio que zarpou do
Porto de Imbetiba, seguiu para a Corte o
vigário de Carapebus, Padre José Alves da
Cruz, a fim de assumir o cargo para qual fora
eleito: deputado à Assembleia Provincial. O
macaense “O Constitucional”, em sua edição
de 10 desse mês, registrava o fato em nota, aliás,
repetida em seu número dia 15. Após desejar ao
macaense padre Cruz uma boa viagem e
manifestar esperanças em uma esplêndida
atuação sua, como representante do 5º distrito
eleitoral, o jornal de Afonso Gonçalves assim
dizia: “Daqui enviamos a S. Excia., em nome
do município de Macaé, as seguintes
reclamações como necessidades palpitantes”:
(...) 2) Consertos nas Igrejas de Macabu e do
Barreto; 3) Limpeza do rio Macabu, desde a
Estação de Paciência até a Lagoa Feia (...).

Seria essa a mais antiga referência à Igreja de Conceição de


Macabu? Se assim for, Macabu pode ser considerada contemporânea de
Paciência e de Santa Catarina? Não e não. Na verdade, a data de 1835,
citada no texto de PARADA (1995) deve ser um erro gráfico.
Provavelmente se refere a 1885, por duas constatações que o próprio autor
macaense, maior historiador daquele município fez no mesmo livro:

(...) relembrando jornais do século passado em


Macaé - Monitor Macahense, O Telégrapho,
O Século, O Lynce, entre outros – deixamos
algumas palavras acerca de um periódico que
também marcou a informação e a opinião
pública em nossa cidade, à época de sua

52
existência. Referimo-nos a ‘O Constitucional’,
cujo primeiro número, o de estréia, circulou
pelas mãos dos macaenses de 1881 (...) (p.199).

E se não bastasse o fato de o jornal ter sido fundado muito depois


de 1835, para encerrar de vez a questão, o próprio autor narra a chegada
do padre à Paróquia de Carapebus em 1860. Segundo ele, o reverendo
assumiu o cargo em 1860 e dedicou-se à construção da igreja daquela
localidade, que só foi concluída em 1884 (PARADA, 1995).
Pondo final na discussão, as provas até hoje colhidas não indicam
Conceição de Macabu como localidade existente antes de 1840. O que
se teve até então foi parte de uma sesmaria, algumas fazendas oriundas
desta. A localidade só tomou forma com a construção da Estrada de
Cantagalo, cujo processo durou as décadas de 1830 e parte de 1840, e o
fato da mesma estar estrategicamente afastada (3 km) do Rio Macabu e (1
km) do Rio Macabuzinho culminou em estar também longe das
epidemias e enchentes, como citou, por exemplo, o mestre de campo José
Caetano Barcelos em 1780 (OLIVEIRA, 2000, p.195), anos antes do
narrado acima: “e como estes Rios correm por sertões despovoados, e
doentios, tem vindo os soldados, que vão a eles, com doenças graves”.

2.4 Portos se espalham pelo rio Macabu

Falar nos portos hoje em dia, em Conceição de Macabu, no


máximo faria recordar do Porto, cujo nome está associado à família Porto
e não às atividades de navegação. Entretanto, os rios foram muito
utilizados, muito navegados, eram as estradas principais até o terceiro

53
quartel do século XIX, juntamente com algumas estradas, que veremos
posteriormente (GOMES, 2003).
Ao longo dos rios Macabu e São Pedro, principalmente, e, em
menor escala, dos rios Aduelas, Macabuzinho e Santa Catarina,
disseminaram-se portos, também chamados de “estação” – uma referência
que até meados do século XX ainda denominava uma região próxima a
Conceição de Macabu, hoje, apenas, Fazenda São João.

RIO PORTO

Macabu Paciência do Macabu


São João do Macabu
Ponto do Pinheiro Maia
Santa Catarina
Sertão
Itapuá
São Pedro Bertioga
Onça
Lírio
Aduelas São José do Sossego
Santa Catarina Bananal
Santa Catarina
Carrapeta
Macabuzinho Piabas
Piteira
Gaivota
(SILVA; GOMES, 1997, p. 58)

O nome do porto em geral associava-se ou a um acidente


geográfico, ou uma peculiaridade, ou a uma fazenda, localidade. Esses

54
nomes variaram com o tempo, e, para não confundir o leitor, há no final
do artigo uma explicação para os topônimos.

2.5 O Canal Campos - Macaé e a dinamização da navegação


pelo Macabu

Cortando o Rio Macabu nas proximidades da Lagoa Feia, o que


resta do Canal Campos - Macaé é uma vala de águas turvas, cuja limpeza,
realizada pela prefeitura de Quissamã, destina-se à navegação de pequenas
embarcações, como lanchas de pequeno porte, canoas, barcaças, cuja
principal finalidade é o turismo entre as diversas paisagens que constituem
o Parque Nacional de Jurubatiba e seus arredores.
No passado, especialmente no século XIX, esta desembocadura do
canal no Rio Macabu representou o grande entroncamento que unia os
sertões de Macabu e Quimbira26 às localidades litorâneas.
Com finalidades principais ligadas ao trânsito de mercadorias, a
exemplo do escoamento do café de Cantagalo, a conexão “Rio Macabu
- Canal Campos - Macaé”, ao multiplicar em muito o fluxo de
embarcações, consequentemente acelerou o processo de ocupação do
Vale do Rio Macabu, incluindo aí os rios adjacentes ao mesmo.
Os registros de terras, nascimentos, casamentos e óbitos nas fontes
paroquiais disponíveis na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em
Macabu e no Arquivo Público do Rio de Janeiro (APERJ) nos mostram

26
Referia-se ao Sertão do Quimbira, denominação das terras entre o Rio Macabu e o
Rio Imbé segundo a tradição oral e mapas do século XIX, como os de 1868, produzidos
pelo governo da Província do Rio de Janeiro.

55
um acréscimo de até 20% na ocupação da região, se comparados aos
períodos anteriores à conclusão do canal.
Mas do que se tratou o Canal Campos - Macaé?
Segundo uma gama variada de autores regionais e nacionais, dos
quais se destacam Hervê Salgado, Aristides Soffitati, Godofredo Tinoco,
João Oscar, Antonio Alvarez Parada, Júlio Feydit, Alberto Lamego; e
fontes como o Almanak Laemmert, durante quase toda sua existência, de
1840 a 1889, nos passam a ideia que o canal foi um dos maiores do
mundo. Segundo os mesmos, era considerado como uma das maiores
obras de engenharia do país à época de sua utilização. O seu percurso,
com uma largura média de 15 metros, estendia-se por 106 quilômetros,
sem contar os diversos canais de derivação. 27
Aristides Soffiati nos dá conta, citando Alberto Lamego, que a
ideia remonta ao bispo de Olinda, o campista José Joaquim da Cunha de
Azeredo Coutinho, trazida a público na obra "Ensaio Econômico sobre o
Comércio de Portugal e suas Colônias" (publicada em Lisboa, 1794). Na
obra, sugeriu a construção de um canal fluvial que unisse os

27
Os dados sobre o Canal Campos - Macaé são obtidos nos seguintes trabalhos:
LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A Terra Goitacá à Luz de Documentos Inéditos
(t. V). Apud SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur. Os canais de navegação do século
XIX no Norte Fluminense: canal Campos - Macaé - Representação ao Ministério
Público. 2000. TEIXEIRA, Simone et al. Canal Campos - Macaé: pedido de
tombamento.
Disponível em: http://www.geocities. com/RainForest/9468/canal2.htm. Acesso em:
17 jul. 2007.OLIVEIRA, Vicente; GRANZIERA, M. L. M. Projetos de Canais da
Baixada Campista. S.l.,2000. Xerocopiado. Além das fontes anteriores, há o recentíssimo
trabalho de PENHA, Ana L. N. Pelas Águas do Canal – política e poder na construção
do canal Campos – Macaé. Tese de Doutorado apresentado à Universidade Federal
Fluminense em 05 de junho de 2012.

56
rios Macaé e Paraíba do Sul, passando pelos
rios Ururaí e Macabu (contribuintes da Lagoa Feia) e pelas lagoas da
região de Carapebus – que acabou sendo o projeto aceito (SOFFIATI
NETTO, 2000).
Mas a obra do bispo Azeredo Coutinho, embora inspiradora, não
foi suficiente. A Câmara Municipal de Campos, representando o mais
poderoso município do interior do Rio de Janeiro, encaminhou em 1833
uma representação ao presidente da Província sobre a utilidade de um
canal ...por onde pudessem sair em qualquer tempo os produtos agrícolas
do município e outros gêneros de consumo. (CHRYSOSTOMO, 2006,
p.38).
Alguns anos depois, um dos grandes expoentes da política
regional, o visconde de Araruama, em 1836, ao publicar "Memória sobre
a abertura de um novo canal para facilitar a comunicação entre a cidade
de Campos dos Goytacazes e a Vila de S. João de Macaé", tornava-se o
grande defensor da obra, que segundo ele:

Contribuiria para o dessecamento dos pantanais


da região, para a fluência das águas estagnadas,
para o transporte por via fluvial e para a
substituição do porto de São João da Barra,
com foz perigosa, pelo de Macaé. (SILVA,
1836, p.10).

Pressionado pelos deputados provinciais, o governo provincial


encampou a ideia da obra, sendo o projeto do canal, datado de 1837, de
autoria do engenheiro inglês John Henry Freese, personagem presente

57
em diversos empreendimentos de grande porte brasileiros e estrangeiros.
A construção foi autorizada por lei da Assembleia Provincial do Rio de
Janeiro em outubro do mesmo ano (CHRYSOSTOMO, 2006).
A ideia original da obra priorizava a solução para o problema de
transporte de açúcar da região de Campos até Macaé, dispensando-se São
João da Barra, onde algumas embarcações costumavam encalhar e mesmo
naufragar. Mas a produção de café da região de Cantagalo, cuja trajetória
inicial fluía pelo Rio Macabu, muito se beneficiou da obra.
As obras iniciaram-se oficialmente em 1844, estendendo-se
até 1861, utilizando a mão de obra de escravos e assalariados. O contrato
exigia que o canal tivesse 30 palmos à flor d'água (cerca de 6,60 metros
de profundidade), o que causou o desmoronamento de certos trechos,
onde demandou o seu alargamento. Estima-se que a obra tenha custado
dois mil contos de réis.28
No ano de 1858, apesar de ainda em obras na vizinhança
de Macaé, já era utilizado para o transporte de mercadorias e de
passageiros. As embarcações utilizadas eram balsas de toras de madeira,
taboados, pranchas e canoas. Relata-se que o canal era percorrido por
balsas com mais de 100 braças (220 metros) de comprimento,

28
Ver Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de
Janeiro para o ano de 1851; Capítulo de Autoridades da Província; p. 447. Rio de Janeiro:
Editora Eduardo & Henrique Laemmert, 1851; Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano de 1853. Rio de Janeiro:
Editora Eduardo & Henrique Laemmert, 1853. p. 10; e, Relatório apresentado à
Assembléia Legislativa da província do Rio de Janeiro na 1ª sessão da 13ª legislatura pelo
presidente, o conselheiro Antonio Nicolau Tolentino. Rio de Janeiro: Tipografia
Universal de Laemmert, 1858.

58
empregando de 30 a 40 remadores e 13 palmos de boca (2,86 metros de
largura). Nos trechos em que ainda transcorriam obras, as cargas e os
passageiros tinham que passar por baldeação em carros de boi ou no lombo
de animais.29
O uso desta hidrovia entrou em declínio após 1874, com o início
da operação da Estrada de Ferro Macaé e Campos, que oferecia maior
rapidez e menor custo de operação.

2.6 Conclusão: o caminho promissor do Rio Macabu

A segunda vertente povoadora de Conceição de Macabu


relacionou-se à necessidade de escoar a produção cafeeira de Cantagalo
pelo rio, provocando o surgimento dos primeiros núcleos povoadores,
incluindo aí, algumas importantes localidades: Itapuá, São João de
Macabu, Ponto do Pinheiro Maia e Paciência do Macabu.
Durante décadas através do rio, o Vale do Macabu, das simples
sesmarias agrícolas, foi ampliado e substituído por outros
empreendimentos, tendo por base a vida rural. Isso não impediu que
pequenas localidades surgissem e se desenvolvessem.
Muito mais que o Rii São Pedro, o Macabu dominava o
escoamento da produção mais importante da Província do Rio de Janeiro.
Era pelo Macabu que passava grande parte do café produzido em
Cantagalo. Em via contrária, era pelo mesmo rio que se abastecia a referida

29
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da província do Rio de Janeiro na 1ª
sessão da 13ª legislatura pelo presidente, o conselheiro Antonio Nicolau Tolentino. Rio
de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1858. p. 131.

59
região com escravos, senhores, imigrantes, produtos manufaturados e
demais demandas.
Com o decorrer do século XIX, o Rio Macabu mostrou-se
limitado como via de transporte por depender demasiadamente das
condições climáticas, uma vez que não se tratava de um curso hídrico de
grande porte, apresentando períodos de baixa vazão.
E não era o único limite. Outro implicava na distância, uma vez
que se percorriam trilhas até chegar ao rio. Daí em diante eram sete léguas,
pelo menos dois dias de viagem, remando pelo Macabu até a Lagoa Feia,
onde muitas outras léguas de sinuosos riachos e lagoas aguardavam as
pranchas cheias de café até Macaé (SILVA; GOMES, 1997).
Tais limites já eram percebidos nas décadas iniciais do século XIX,
quando se propôs pela primeira vez a construção de um canal que unisse
a região de Cantagalo ao porto da Imbetiba com mais dinamismo. O canal
não substituiria o rio, mas o complementaria, até porque parte de seu
trajeto o perpassaria e se entrelaçaria com os portos existentes.
O café, o rio, o canal, formaram a segunda vertente, o segundo
vetor de povoamento, que iniciou a sistemática ocupação da parte norte
do Sertão de Macabu.
Mas antes, durante e após a construção do canal, outras razões
impulsionaram o povoamento de Conceição de Macabu: as florestas ricas
em madeiras de lei e a abundância de terras devolutas.

60
3. Jacarandá Cabiúna e Terras Devolutas

A frequência com que o Vale do Macabu foi sendo usado para o


transporte de café e a doação de sesmarias acabou provocando seu
povoamento. Se a parte sul do município vinha se conectando ao mundo
via Rio São Pedro, a região centro-norte se ligava ao mesmo graças ao
Rio Macabu. E como o café subia em importância mais que qualquer
outro produto nacional, e os cafezais de Cantagalo eram os mais
produtivos da Província, o fluxo de transportes por aqui aumentou muito.
Não tardou para que pessoas se apoderassem das terras devolutas
nas margens do Macabu, produzindo gêneros agropecuários, enquanto o
café não despontava por aqui. Nesse contexto, surgiu um artigo que
interessou muito aos mercados regionais: madeira, em especial um tipo de
jacarandá – a cabiúna ou caviúna.
Cabiúna, palavra de origem tupi que significa madeira negra, se
refere a uma árvore de até 25 metros de altura. Como todo jacarandá, é
ideal para qualquer tipo de marcenaria, produzindo desde mobiliários até
vigas para construção e peças torneáveis, inclusive para embarcações.
Do século XVI ao XVIII, a cabiúna foi extraída até desaparecer
de Campos, Macaé e Cabo Frio, tendo de ser extraída cada vez mais longe
do litoral e trazida a estes centros como um produto raro e caro.
Rica em cabiúnas e outras madeiras nobres, as florestas de Macabu
logo atraíram os viajantes e aventureiros, pessoas que estavam dispostas a
desbravar um novo território em busca de riquezas, como a madeira

61
avermelhada, densa, durável, mas de fácil manejo daquele tipo de
jacarandá.
Segundo CHRYSOSTOMU (2006), citando carta do
governador da província do Rio de Janeiro, as explorações de madeiras
nobres como a cabiúna atraíram pessoas ao Vale do Macabu, suscitando,
inclusive, invasões de terras e propostas de colonização. Segundo a autora,
tais fatos deram-se na região da Palioca, localizada a pouco mais de 4 km
do centro de Conceição de Macabu:

Dizia também o presidente da existência de um


terreno dentre outros, na posse denominada
Paulioca, - no município de Macaé - que
poderiam ser aproveitadas para a colonização,
mas que estavam sendo invadidos por pessoas
que para lá se dirigiam com o fim de cortar
madeiras. (p.244-245).

A mesma autora corrobora com os memorialistas e historiadores


tradicionais de Conceição de Macabu, relacionando o corte de madeira
com o transporte fluvial. Inclusive o faz já citando a exploração do
transporte por um concessionário, o comendador Almeida Pereira, que
obteve a mesma do governo provincial em 1860.

Sobre o rio Macabú, que atravessava os


municípios de Santa Maria de Madalena, Macaé
e Campos, dizia estar sendo utilizado por
pequenas embarcações e balsas que
transportavam madeiras. Esperava-se que com a
concessão dada a um empresário em 1868 para
o estabelecimento de navegação a vapor, o

62
comércio por esta via de comunicação fosse
ampliado, sobretudo nos municípios de Santa
Maria Madalena, Campos e Macaé.
(CHRYSOSTOMU, 2006, p.300).

O uso de rios para tais fins é citado também no processo crime


contra Manuel da Motta Coqueiro, quando um dos desentendimentos
entre ele e sua possível vítima, Francisco Benedito, relaciona-se a uma
sabotagem praticada pelo último. Segundo os documentos processuais,
uma carga de madeira pertencente ao fazendeiro, que aguardava o
momento certo para ser levada a Campos dos Goytacazes, foi atirada ao
Rio Santa Catarina pelo Benedito, provocando uma das muitas brigas
entre eles. O acontecido, mostrando os preparativos para o embarque da
madeira, foi registrado por MARCHI (1997, p.138):

No início de setembro de 1852, Coqueiro


tinha acertado a venda de uma grande partida
de toras de cabiúna e mogno retiradas da
Fazenda Bananal aos comerciantes Francisco
José da Conceição e José Ignácio Lima e Silva,
representantes em Macaé dos comissários do
porto do Rio de Janeiro que exportavam
madeiras nobres para a Europa. Não era uma
novidade, há muito tempo Conceição e
Ignácio arrematavam toda a madeira abatida na
Bananal e nas fazendas vizinhas. Sob o
comando de Fidélis, os escravos embalaram os
troncos mais grossos em grupos de três,
amarrando os troncos mais finos em feixes
menores, deixando a carga bem à margem do
rio Santa Catarina, para facilitar o embarque
fluvial até o porto de Macaé.

63
O fato, que foi o estopim de um dos mais comentados processos
da história jurídica brasileira, nos serve para mostrar como eram realizadas
as explorações madeireiras na região, bem como o uso de portos em rios
hoje não navegáveis como o Santa Catarina.
Os primeiros registros históricos do município, nos tempos em
que ainda era uma freguesia pertencente a Macaé, afirmam que a
exploração da cabiúna atraiu campistas e cabofrienses a Macabu. Não
necessariamente naturais dessas localidades, mas pessoas dispostas a
penetrar a floresta, cortar a árvore, retalhá-la, conduzi-la aos rios e levá-la
a Campos ou a Macaé – de onde era embarcada a Cabo Frio e outras
localidades litorâneas (até mesmo ao exterior, como visto anteriormente).
Naquilo que podemos considerar o primeiro texto a tratar da
história de Conceição de Macabu, uma espécie de síntese que justificava
a criação e apresentava a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Macabu ao público nacional, publicada no Almanak Laemmert de 1860,
constam referências à exploração madeireira: as madeiras de lei, o café, a
cana e os legumes abundam em todos os seus pontos, porém a viação
dificulta um pouco o transporte.
A ocupação de espaços devolutos sempre foi uma constante na
história local. O que aconteceu no século XIX é que as vias de
comunicação melhoraram, tornando mais fácil o acesso ao interior. Outras
vantagens englobavam práticas econômicas que iam além da subsistência,
como café, cana e a base de tudo: a exploração dos recursos florestais – a
madeira.

64
Encontrar um espaço desocupado, desmatá-lo, levar a madeira ao
rio mais próximo e fazê-la boiar até um comprador era um aspecto da
cultura econômica local que viabilizava a exploração regional por todos
os tipos de produtores, fossem eles pequenos, médios ou os grandes.
Tal e qual acontecem na Região Amazônica hoje em dia, a floresta
não era um obstáculo, mas uma forma inicial de recurso, a primeira etapa
para sobreviver no Sertão de Macabu. Assim, temos uma combinação de
extrativismo com grilagem, que, feita no tempo certo, possibilitava ao
ocupante da gleba o tempo necessário para construir uma choupana,
plantações de gêneros alimentícios, café, cana.
Tal como um paleontólogo que busca nos animais
contemporâneos uma forma ideal para os ossos incompletos, fósseis, a
quase metafórica ocupação do espaço amazônico recente, tendo como
ponto de partida os recursos da própria floresta, nos servem de modelo
para entender a conjugação dos fatores “ cabiúna - terras devolutas” , como
um dos principais no povoamento do Vale do Rio Macabu.

3.1 Conclusão: investimentos essenciais

Para quem não dispunha de recursos financeiros necessários para


começar um empreendimento agrícola, a região oferecia duas condições
importantes para iniciantes. Primeira condição: a Floresta Atlântica, rica
em recursos florestais, madeiras nobres, como o jacarandá cabiúna.
Segunda condição: uma grande quantidade de terras sem dono, devolutas,
ou pertencentes a sesmarias extensas, quase abandonadas, que
demandavam a presença de meeiros e outros tipos de colonos.

65
A fusão dos dois fatores foi fundamental para que muitos
proprietários, pequenos, ou colonos de sesmarias, ou mesmo sesmeiros, se
interessassem pela região.
A formação da população regional nessa fase é
predominantemente constituída de colonos pobres, pequenos
proprietários, para cá atraídos na condição de colonos, que depois de certo
tempo trabalhando na condição de meeiros, tornavam-se donos de uma
gleba, geralmente devoluta.
Tendo os rios e canal como caminhos, as terras abundantes e o
jacarandá cabiúna como moeda, a região já se tornava interessante. Porém,
um trajeto, ao mesmo tempo complementar e alternativo, se juntaria aos
fatores acima relacionados, tornando a região ainda mais promissora aos
ocupantes.

4. Os Tropeiros e a Estrada de Cantagalo

Entre a serra e o mar, ou seja, entre o café de Cantagalo e os portos


marítimos, Macaé sobretudo, a região de Macabu foi crescendo em
importância estratégica, tornando-se fundamental para o escoamento da
produção. A primeira solução foi a fluvial. Entretanto, a capacidade de
transporte pelos rios Macabu e São Pedro era limitada por condições
naturais: baixo calado; estiagens prolongadas de maio a setembro; e as áreas
pantanosas e lacustres infestadas de mosquitos transmissores da malária e
outras doenças.
Vê-se então que se por um lado a região de Macabu tornava-se
imprescindível à economia nacional, por outro lado estava abandonada,

66
em seu estado natural, como se ainda fosse habitada somente pelos índios,
embora uns poucos proprietários rurais e pessoas envolvidas em outras
atividades.
Com o tempo os primeiros tropeiros e viajantes aventuraram-se,
valendo-se de antigas trilhas indígenas. Porém, em épocas de chuvas
torrenciais as trilhas ficavam intransitáveis por vários dias, dificultando o
trabalho dos tropeiros e outros viajantes. As chuvas também prejudicavam
a navegação, tornando perigosa a navegação fluvial e nas lagoas. A falta de
chuvas também era um problema enfrentado por quem navegava,
baixando em níveis críticos o calado dos rios.
Outro problema, a princípio, residia na presença de malfeitores e
índios bravios, como relatou o sargento-mor Manoel Pereira da Silva:

O Rio Macabú, por exemplo, por desaguar em


uma grande lagoa bastante perigosa, tornava a
presença de guardas no local desnecessária. As
outras paragens, compostas por pântanos e
rodeadas por brejos, tornavam as diligências
mais ineficazes. ( Carta do sargento-mor
Manuel Pereira da Silva ao Marquês do
Lavradio. Vila de São Salvador, 28/11/1779, p.
209V.).

Pressionado por um lado pelos cafeicultores do “Alto Macabu” e


de outras áreas de Cantagalo que dependiam do Vale do Rio Macabu, e
por outro pelos comerciantes e proprietários da região da planície
litorânea, interessados em participar do comércio e desfrutar das possíveis
melhorias, o governo da província do Rio de Janeiro teve de agir e

67
planejou dois projetos audaciosos: a construção de uma rede de estradas e
a construção de um canal que unisse o Rio Paraíba do Sul ao Rio Macaé,
passando consequentemente pelo Rio Macabu, a Lagoa Feia, a Lagoa de
Carapebus e outros menores.

4.1 A obra da Estrada de Cantagalo

A História da Estrada de Cantagalo, tão importante para o


povoamento de Conceição de Macabu, começou alguns anos antes de sua
efetiva construção, quando, ainda no reinado de Dom Pedro I, foi
apresentada, aprovada e sancionada a primeira legislação sobre temas
viários no Império do Brasil – a lei de 29 de agosto de 1828.
A lei dava a empresários nacionais ou estrangeiros o direito de
realizar obras que tivessem por objeto promover a navegação dos rios, abrir
canais ou construir estradas, pontes calçadas ou aquedutos, que poderiam
ser feitas por si ou através de companhias (VASCONCELLOS, 2001). O
envolvimento de empresários em obras públicas brasileiras e, no caso,
fluminenses, começava aí e delinearia mais um esforço de pressão para que
as mesmas acontecessem.
Outra novidade da lei era que as obras a serem executadas na
província da capital do Império, ou que interessassem a mais de uma
província, estariam a cargo do Ministério do Império. As que fossem
privativas de uma só província caberiam ao seu Presidente em Conselho e
as que se dessem no termo de uma cidade ou vila, seriam da alçada da
respectiva Câmara Municipal. Em outras palavras, a Estrada de Cantagalo

68
tornava-se objeto de pressão regional, unindo as vilas e elites da Região
Serrana e da Região Norte Fluminense.
Completando as inovações jurídicas, a lei dizia que toda obra
deveria ter uma planta, e que a planta sendo aprovada, imediatamente
abrir-se-ia concorrência pública, dando-se preferência a quem oferecesse
maiores vantagens. A concorrência, os empresários, a pressão das elites
cafeicultoras e comerciais, conduziriam a ideia de uma estrada unindo serra
e mar à realização.
Pois bem, a Província do Rio de Janeiro, a quem caberia a obra,
como dizia a legislação nacional, instalou-se em 1835, tendo como capital
a cidade de Niterói. Na ocasião, o presidente da província já deixava claro
sua preocupação com a formação de um sistema viário que atendesse às
necessidades de escoamento da cultura cafeeira, em plena expansão.
Segundo o relatório apresentado à Assembleia Legislativa da
Província do Rio de Janeiro na 1ª sessão da 13ª legislatura pelo presidente,
o conselheiro Antonio Nicolau Tolentino:

A necessidade do escoamento rápido, eficiente,


seguro e a baixo custo da exuberante produção
agrícola provincial, impunha um sistema viário
inteligente, que em alguns casos, haveria de
integrar a periferia de Minas e São Paulo ao Rio
de Janeiro, pelos mesmos interesses
econômicos.

Assim, a Lei de número 35, de 6 de maio de 1836, que delineou


o orçamento provincial para os exercícios de 1836 e 1837, em seu capítulo
X, dizia o seguinte, no tocante às Obras Públicas:

69
Com a diretoria das Obras Públicas e com
aquelas obras que foram aprovadas pela
assembleia, havendo especial atenção com as
que estão em andamento e com as que forem
mais urgentes 160:000$000 (cento e sessenta
contos de reis). (DECRETO LEI 35 de
6/5/1836).

A lei enumerava algumas obras a serem realizadas de forma


“urgente”. A Estrada de Cantagalo era a primeira da lista, e na legislação
subsequente, a lei número 41 de 09/05/1836, autorizava o Presidente da
Província a fazer despesas necessárias com as diligências e “estudo da
planta e orçamento da estrada de Cantagalo a Campos dos Goytacazes,
com desenvolvimento pelos lugares mais vantajosos” (DECRETO LEI
35 de 6/5/1836). Compreendendo-se Campos como a Região Norte
fluminense, ou seja, o porto mais propício, que se revelaria o da Imbetiba,
Macaé.
Ao que tudo indica as obras começaram imediatamente após os
trâmites legais. Mas abrir a estrada era uma coisa, pavimentá-la, construir
pontes, fazer aterros e drenagens em muitos trechos, como, aliás,
permanece até hoje em dia, mais de 150 anos depois, era outra coisa
completamente diferente. Dessa forma, as obras de abertura até Santa
Catarina e Macabu procederam de forma rápida para os padrões da época,
aqui chegando por volta de 1840.
A partir daí, encarar a Região Serrana, passando por Ventania, São
Francisco de Paula, até a Vila de Cantagalo, era outra coisa
completamente diferente, de forma que tal trecho foi licitado a M. Bezet

70
e Augusto Maulaz em 17 de fevereiro de 1841. Ambos tinham
experiência regional, há anos vinham fazendo outras obras em Campos e
Macaé, e receberam um prazo de três anos a contar de 31 de outubro
daquele ano para concluir a estrada, o que também não foi feito.
Em 2 de março de 1844, Maulaz recebeu outro prazo – 18 meses
– e mais uma verba, até porque vários cafezais deveriam ser indenizados e
reparos deveriam ser feitos nos trechos já concluídos. Dessa forma, o
trecho serrano prosseguiu, mas só foi completamente terminado em 1851,
quando outro decreto provincial foi publicado, dessa vez pedindo reparos
e conservação da mesma.

4.2 A Estrada de Cantagalo em Conceição de Macabu

O mapa abaixo mostra a trajetória aproximada da estrada dentro


de Conceição de Macabu:

5 2
3 1
4
5

6
1. Rio Macabu; 2. São João de Macabu; 3. Conceição de Macabu; 4. Curato de Santa
Catarina; 5. Estrada de Cantagalo; 6. Porto de Bertioga.

71
A estrada foi construída em cima de trilhas já existentes, como por
exemplo a Estrada do Emburo, aberta na década de 1820 pelo capitão-
mor Manuel Joaquim de Figueiredo, como citado anteriormente. Outras
trilhas menores serviram de base, o que, aliada à topografia plana dos vales,
de certa forma, facilitou a empreitada entre 1836 e 1840, quando chegou
a o que hoje é Conceição de Macabu (LAMEGO, 1948).
A facilidade de construir em vales, entretanto, se chocou com
outros problemas graves: o terreno pantanoso e as epidemias. A solução,
que observamos ao percorrer as áreas onde existiu a estrada, estava em
abrir a mesma na escarpa dos morros, próximo aos vales, mas não dentro
dos mesmos.
Quando tal solução não era possível, era necessária a pavimentação
com pedras, produzindo-se calçadas, como a que deu origem ao
topônimo Calçadinha, oriundo de um trecho da estrada que durante anos
permaneceu como na época de sua construção nos idos de 1839
(GOMES, 2003).
Além de pântanos insalubres, muito comuns no trecho por onde
passava a estrada, havia uma infinidade de riachos e rios, que foram
suplantados por diversas pontes de madeira, feitas com o recurso mais
abundante da região na época – a madeira – tendo cabeceiras de pedras,
outro recurso muito comum.
O sentido das obras seguiu inicialmente o Rio Macaé, se apoiando
no mesmo para o transporte de ferramentas, trabalhadores e materiais.
Durante um ano, até 1838, as obras seguiram até o porto da Bertioga. Os
rios Macaé e São Pedro, primeiros grandes obstáculos do trajeto, foram

72
vencidos por duas soluções práticas: no Rio Macaé, a transposição era feita
por barcaças a remo, controladas por um barqueiro, funcionário da
Câmara de Macaé. Já no Rioo São Pedro, a solução foi a reforma da
primeira ponte de madeira da região, construída duas décadas antes pelo
capitão Figueiredo (LAMEGO, 1948).
O trecho foi muito beneficiado pela já existente estrada do
Emburo, que unia Macaé a Santa Catarina. Desta feita, em mais um ano
de atividades as obras chegaram à localidade de Santa Catarina, constituída
por uma capela e uns casebres. Daí em diante, podia se dizer que as obras
começariam de vez, pois consistia em desbravar os vales até o porto de
São João de Macabu, passando e mudando a história de uma localidade
até então insignificante: Conceição de Macabu.
As tradições orais, colhidas em dezenas de entrevistas com
nonagenários e centenários, pessoas nascidas no final do século XIX, cujos
avós de alguns presenciaram a construção da dita estrada ou conviveram
com pessoas assim, nos dão conta que se optou pelo trajeto perpendicular
ao Rio Santa Catarina, passando pela Palioca, a já citada Calçadinha, até
chegar ao que hoje é o Centro de Conceição de Macabu. Daí em diante
seguia pela Vila Nova, Álcalis, entrava pelo que é a Usina até a ponte do
Rio Macabu em direção ao Osório – onde ficava o porto de São João de
Macabu.
Era 1840, quando as obras da estrada foram novamente paralisadas,
dessa vez o empecilho era o Rio Macabu, em São João, onde a obra de
uma ponte aguardava novos fôlegos dos construtores, que, como vimos
nos parágrafos anteriores, aguardaram até 1841 para ser realizá-la.

73
4.3 Estradas Secundárias

A Estrada de Cantagalo era uma espinha dorsal que conduzia as


principais mercadorias da Região Serrana ao litoral e, em contrapartida,
recebia as principais mercadorias da região litorânea, de outras regiões do
Rio de Janeiro, Brasil e mundo. Mas não era só isso: pessoas, notícias,
ordens, tudo mais viajava pela estrada, que ainda por cima disseminava
povoados por toda parte e tornava a região mais visitada e visada por todos.
Mas a estrada não era a única via de acesso terrestre entre a serra e
o mar. Estava interligada à Estrada de Cantagalo uma série de estradas
perpendiculares, menores, que uniam fazendas e portos fluviais à mesma.
Muitas eram mais antigas, unindo os portos fluviais ao interior. Outras
foram contemporâneas, como a “Cantagalo”, mas a maioria formou-se
posteriormente, produto da ocupação da região em consequência da
abertura da estrada.
Algumas eram simples estradas de terra batida ou trilhas toscas.
Outras foram pavimentadas por seus donos, tornando-se mais usadas. A
mais significativa era conhecida como “Estrada da Carreira Comprida”,
um termo local que definia uma extensa trilha de terra batida, irregular,
que seguia o curso do Rio Macabu entre Paciência e as proximidades de
Quissamã, onde se unia à “Estrada do Correio Imperial” .30
Outra trilha unia Paciência ao Ponto do Pinheiro Maia, daí
seguindo a Santa Catarina, onde se unia à Estrada de Cantagalo. Essa

30
Estrada da Carreira Comprida é amplamente citada pelos antigos moradores de
Conceição de Macabu, segundo entrevistas. Trata-se de uma via perpendicular, seguindo
o Rio Macabu até Patos. A Estrada do Correio Imperial unia Niterói a Campos.

74
estrada, junto com a da “Carreira Comprida”, formaram o embrião da RJ-
196.
Das nascentes do Rio Santa Catarina, nas proximidades da Fazenda
Santo Agostinho, saia outra importante estrada, que cortava as fazendas da
região até chegar à Estrada de Cantagalo. Essa estrada, tão irregular e feita
de terra batida como as outras, acompanhava o rio e tinha o mesmo nome
deste.
Completando a lista chegamos a Conceição de Macabu, já cortada
pela ‘Cantagalo’, que se unia a três estradas secundárias: a da Bocaina; a do
Sertão; e a do Carukango.
A Estrada da Bocaina tinha pelo menos três quilômetros, e até os
anos de 1870 mais se parecia com uma trilha serpenteando córregos,
fugindo dos lagos e brejos. A do Sertão era uma trilha que unia ‘sertões’,
pois era a via de acesso entre o Sertão de Macabu e o Sertão de Quimbira.
Neste percurso cruzava com o porto do Sertão, sobre o Rio Macabu, um
porto de menor importância, na verdade, um atracadouro mais rudimentar
que os demais.
Finalizando, a Estrada do Carukango, que unia a região de mesmo
nome à Estrada do Cantagalo, seguindo os rios Macabu e Carukango até
a região das Vertentes, de onde seguia numa trilha montanhosa pela Serra
da Cruz até chegar à Estrada do Farumbongo e à Freguesia de Nossa
Senhora das Neves.
A Estrada do Carukango, ao unir-se à do Farumbongo, ligava duas
regiões do município de Macaé – Macabu e Neves – servindo de opção
para tal. Entretanto, a partir da região do Carukango ela trafegava por

75
topografias muito acidentadas, sendo viável apenas para os moradores de
lá.

2 5
1
4

1. Estrada do Carukango; 2. Estrada do Sertão; 3. Estrada de Santo Agostinho; 4.


Estrada da Bocaina; 5. Estrada da Carreira Comprida.

4.4 Os Tropeiros

As estradas e trilhas foram destinadas principalmente aos tropeiros


que transportavam café de Cantagalo para Macaé. Tal afirmativa tem duas
vertentes. Primeiro, não significa que os tropeiros tenham vindo à região
só depois das estradas, muito pelo contrário, eles já circulavam pelas trilhas
indígenas. Trilhas indígenas, mas com intervenção dos fazendeiros, como
vimos anteriormente, alargadas, limpas, com locais de repouso e
abastecimento para homens e suas tropas.

76
Desde as primeiras décadas do século XIX que as trilhas indígenas
foram adaptadas a outros viajantes. Já se tratava de formas de intervenção
na paisagem para suportar um processo de maior dinâmica produtiva, onde
milhares de arrobas de café tinham de ser escoadas o mais rápido (e barato)
possível para os portos atlânticos.
Segunda vertente da abertura da estrada é que ela atraiu mais e mais
tropeiros, seja pela nova opção de acesso, seja pelo consequente
desbravamento interiorano e aumento da produtividade cafeeira.
Até mesmo antes das conclusões das obras da estrada de Cantagalo
a Macaé, percebia-se um incremento no tráfego pelos registros de doações
de sesmarias, registros de batizados, casamentos e óbitos. Por volta de 1840,
ano do término das obras até Conceição de Macabu, a região viveu um
surto demográfico, que só seria suplantado pela abertura do ramal
ferroviário entre 1878 e 1898 (SILVA; GOMES, 1997).
E os tropeiros? Quem eram esses personagens?
Bem, os tropeiros constituíram um dos mais importantes grupos
profissionais da História brasileira. E em Macabu não foi diferente. Eram
os viajantes, pessoas que, muito mais que mercadorias, transportavam
notícias, inovações, costumes. Com um papel de destaque na economia
colonial e imperial brasileira, os tropeiros também foram povoadores,
fazendeiros, formando algumas das mais importantes cidades do país.
Nas trilhas e depois nas estradas que cortavam a região que hoje
pertence a Conceição de Macabu, os tropeiros faziam viagens regulares o
ano todo, mas as mesmas intensificavam-se nas épocas de colheita do café.
Nessas épocas, não só os tropeiros da região, mas diversos outros, afluíam

77
à Estrada de Cantagalo, usufruindo dos fretes, cujos preços tendiam a
diminuir com o aumento da oferta de transportadores, mas que no caso
nem sempre acontecia, pois a quantidade de café produzido cresceu até os
fins do século XIX.
Os tropeiros podiam ser empregados das fazendas, pois algumas
possuíam suas próprias tropas. Em geral negros alforriados ou outras
pessoas, que no caso poderiam ser até o proprietário ou um de seus
parentes mais próximos, já que se tratava de uma atividade de extrema
importância.
Outros eram donos de seus próprios negócios, ou seja, eram
proprietários de tropas de muares ou haviam arrendado algumas. Esses
atendiam às fazendas que, ou não tinham seu próprio esquema de
transporte, ou produziram mais do que conseguiram transportar.
Além do frete, os tropeiros ganhavam seu sustento de outras
formas, por exemplo atendendo a encomendas dos fazendeiros, ou,
quando dispunham de um capital extra, revendendo mercadorias – os
mascates, por exemplo. Outros, além das fontes de renda já citadas,
participavam de comissões nas vendas do café, dando preferências na
entrega do mesmo a certos comerciantes.
Como área promissora à instalação de novos proprietários rurais,
especialmente aqueles que não dispunham de recursos para montagem de
empreendimentos rurais nas regiões serrana e na baixada litorânea, Macabu
logo viu alguns tropeiros transformarem-se em proprietários rurais,
cafeicultores, pecuaristas e, finalmente, canavieiros – a grande expressão
econômica de todo Norte Fluminense.

78
Aliaram-se aí três fatores do povoamento local: as estradas; os
tropeiros; e as terras devolutas. A conjugação dos três deu origem ao
pequeno proprietário rural, que ou comprava pequenas glebas dos
sesmeiros; ou grilava as devolutas – mais uma vez reportando a um modelo
de ocupação muito parecido com o da Amazônia, onde não era incomum
o grileiro servir de “bucha”, ou seja, aquele que abria caminhos a
proprietários maiores, em geral dando origem a conflitos fundiários
(GOMES, 2003).

4.5 Conclusão: a estrada do povoamento

A Estrada de Cantagalo complementou a circulação pelo Rio


Macabu. Se antes havia limitações de ordem natural à utilização do rio,
como por exemplo os meses de estiagem, com a estrada qualquer limite
poderia ser transposto.
Junto com a estrada, outras vias terrestres surgiram ou foram
dinamizadas, propagando o ímpeto colonizador por áreas periféricas às
vias principais.
As estradas, quase sempre pavimentadas com pedras, parte delas
ainda preservadas em algumas regiões do interior do município de
Conceição de Macabu e vizinhos, eram o efeito da ação humana,
enfrentando os limites naturais, tornando o acesso à região ainda mais
possível aos que se dirigiam a Cantagalo, aos que transitavam levando e
trazendo mercadorias, aos que buscavam uma oportunidade, um lugar.

79
O que parecia pronto, acabado, ainda receberia dois incrementos,
mais recentes em termos temporais e até culturais, que foram os mais
importantes no povoamento: a estrada de ferro e a indústria açucareira.

5. O Ramal Ferroviário e a Cana-de-Açúcar

Como o leitor percebeu até o momento, Conceição de Macabu


era uma região sem uma expressão econômica de grande destaque, pelo
menos até a segunda metade do século XIX. Entretanto, tratava-se de
uma região bem localizada, estrategicamente posicionada entre as baixadas
da Planície Litorânea e seus portos e a Região Serrana fluminense com
seu importante café.
Com seu histórico de povoamento atrelado a tais características,
que faziam a região ser povoada na velocidade desenvolvida pelos meios
nas vias de transporte, a região de Macabu sofreu uma explosão
demográfica a partir de 1878, quando uma conjugação de fatores, tendo
como principal a inauguração do transporte ferroviário, possibilitou tal
ocorrência.
Com o transporte fluvial dinamizado pelo Canal Campos – Macaé
e o terrestre pela Estrada de Cantagalo, o café espalhou-se pela região mais
próxima à bacia do Rio Macabu, em especial nas cercanias de Ventania,
São Francisco de Paula (hoje Trajano de Morais) e Santa Maria Madalena.
Mesmo a região serrana que acompanha os rios Macabu, Macabuzinho,
Santa Catarina e Carukango também foi ocupada pelo café. Desta feita, a
produção “mais local” do café se viu ampliada significativamente a partir
da segunda metade do século XIX, tornando essa parcela da região de

80
Cantagalo tão importante quanto aquelas mais próximas do Vale do
Paraíba (SILVA; GOMES, 1997).
Com a chegada do transporte ferroviário ao Brasil no início da
década de 1850, a demonstração da agilidade do mesmo o tornou mais
que uma opção aos transportes fluvial e marítimo e ao realizado por
tropeiros. O mesmo foi visto como uma necessidade, que ao se criar, se
tornaria um hábito, revertendo rapidamente os investimentos iniciais.
O Brasil entrou na era da ferrovia nos anos 1850, com forte
presença do Estado. Políticos imperiais preferiam mobilizar capitais
privados, garantindo retorno de 7% no ano sobre o capital investido.
Durante o Império as concessões foram cada vez mais restritas. As faixas
de domínio foram reduzidas de 66 km em cada lado da linha para 20 km,
as concessões reduzidas de noventa anos para trinta anos e a garantia de
juros de 9% para 6%. Quando as ofertas, livres de risco, deixaram de atrair
capitalistas, o governo se viu obrigado a tomar o caminho mais direto:
começou a aplicar fundos públicos na constituição de algumas linhas e na
compra de ações e de debêntures de outras empresas privadas (TOPIK,
1997).
Não tardou nada, e, em 1860, era inaugurado um ramal que unia
a capital provincial a Cantagalo. A ferrovia, extensa e precocemente
construída, serviu de laboratório, mostrando o quanto se fazia necessário
tais investimentos.
O decreto de 21/10/1857 autorizou o Barão de
Nova Friburgo a construir uma estrada de ferro
ligando Porto das Caixas até a raiz da serra de
Nova Friburgo, na província do Rio de

81
Janeiro. Para seu financiamento obteve
garantia de juros de 7% da província. Os
trabalhos foram iniciados em 08 de novembro
de 1859, e a 23 de abril de 1860 foi inaugurada
o primeiro trecho, (...). Depois disso, foram
construídos o prolongamento até Vila Nova,
inaugurado em 1866, e até Nova Friburgo e
Cantagalo; bem como a ligação com Niterói
(estação de Sant’Anna). O trecho da serra foi
construído com a bitola de 1,10 m, bitola
posteriormente adotada para toda a estrada.
(TELLES, Pedro C. da Silva. História da
Engenharia no Brasil (Séculos XVI a XIX) . Rio
de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos
Editora S. A., 1984, pp. 49-50).

Com Cantagalo privilegiado por este novo meio de transporte,


chegou a vez de Campos recebê-lo em 1872, quando a Companhia
Estrada de Ferro Niterói - Campos lá chegou, passando por Macaé e
cortando o Rio Macabu nas proximidades de uma localidade que se
tornaria cada vez mais importante: Entroncamento. 31

5.1 A construção da estrada de ferro

Como se percebeu, a região compreendida pelos atuais municípios


de Conceição de Macabu, Santa Maria Madalena e Trajano de Morais se
via assim entre duas importantes ferrovias: a Cantagalo e a Niterói -
Campos. Logo surgiram aqueles que defendiam a ideia de unir as duas e,

31
Hoje a localidade chama-se Conde de Araruama e pertence a Quissamã.

82
por conseguinte, integrar ainda mais a importante região cafeeira existente
entre os já citados municípios.
Os interesses particulares logo se manifestaram. Entre 1875 e 1877,
os grandes proprietários e chefes políticos de Santa Maria Madalena,
Conceição de Macabu e Quissamã, considerando os espaços atuais,
uniram-se, dando origem à Companhia Estrada de Ferro Barão de
Araruama. Segundo PARADA (1995, vol1, p.96):

Em seis de março, a Presidência da Província


concedeu privilégio para a construção de uma
linha férrea, que partindo do leito daquela
ferrovia, entre as Estações de Santa Fé, no
quilômetro 50, e a de Sant’Ana, depois
chamada Cabiúnas, fosse terminar na Serra de
Madalena, com um ramal em direção à Serra da
Ventania. Logo foi organizada uma empresa,
presidida por Antonio Machado Botelho
Sobrinho, para levar à frente essa empreitada.
Seus Estatutos foram aprovados em 23 de
marços de 1878 pelo Decreto Geral nº 6.365 e
a construção da linha foi oficialmente iniciada
3 meses antes, exatamente em 5 de dezembro
de 1877. Nesse dia, conforme se lê em
documentos da época, o Presidente
homenagem a Bento Carneiro da Silva, então
Barão e, mais tarde Conde de Araruama,
“levantou as primeiras pazadas de terra do solo
em que estava marcado o eixo do leito da nova
estrada”.

No dia 5 de dezembro de 1877 teve início a construção do ramal


ferroviário, apoiado em recursos de importantes fazendeiros e

83
comerciantes da região, além dos aspectos favoráveis da topografia ao
longo do Rio Macabu. Rapidamente chegou a Conceição de Macabu (19
de julho de 1878), quando o tráfego foi inaugurado. Deste ponto as obras
fluíram rapidamente até Itapuá, lá chegando no ano seguinte, 1879, com
tráfego inaugurado em 23 de abril do mesmo ano (SILVA; GOMES,
1997).
As razões de tamanho dinamismo estavam também na já citada
união bem sucedida da elite regional, como fica claro na própria
organização da empresa, pois o presidente, Antonio Machado Botelho
Sobrinho, representando as elites cafeeiras de Madalena e Ventania; unido
ao barão de Araruama, representante dos produtores de açúcar de
Quissamã; e estes, ao coronel Luiz Gomes Amado de Aguiar, fazendeiro
em Patos e Palioca, representando os interesses dos de Macabu.
O grande objetivo era unir as duas mais importantes ferrovias
fluminenses, unindo também Madalena. As obras iniciadas em cinco de
dezembro de 1877 na localidade de Entroncamento tiveram ritmo
acelerado, sendo concluídas em Macabu no dia 19 de julho do ano de
1878 e em Itapuá no ano seguinte, no dia 23 de março (TELLES, 1984).
Obras rápidas têm diversas explicações, convergentes, por sinal.
Primeiro, a topografia era favorável, pois o leito ferroviário acompanhava
o Vale do Rio Macabu, plano, além do fato do rio servir de meio de
transporte para os trabalhadores e materiais.
Além disso, as obras seguiram dois sentidos, partindo do
Entroncamento e de Macabu para Paciência, sendo que uma equipe
antecipou-se às demais, fazendo as marcações das pontes, caixas d’água e

84
estações, de forma que os trilhos, ao chegarem a Paciência por volta de
março de 1878, já encontraram as obras adiantadas em todas as demais
frentes.
Outro fator nada desprezível foi a colaboração dos fazendeiros
envolvidos. Em inúmeras entrevistas com anciãos e anciãs de 90, 100 ou
mais anos nos anos de 1990 do século passado, alguns faziam questão de
salientar que seus pais ou avós colaboraram com as obras, cedendo
recursos em dinheiro e escravos. De fato, fazendo um apanhado das
propriedades rurais existentes no leito ou proximidades da estrada de ferro,
temos antepassados de muitos dos entrevistados.
A maioria das cabeceiras das pontes e até as estações de Paciência,
Macabu e Itapuá eram projetos ingleses, com materiais ingleses (ferragens,
cimento, etc.), segundo averiguado numa pesquisa realizada na antiga
Rede Ferroviária Federal em Campos dos Goytacazes no ano de 1988.
Nos arquivos da instituição constavam “notas de trabalho”, espécie de
notas fiscais, onde concluímos que boa parte dos trabalhos de execução
das obras foram realizados por construtores locais, dentre eles Adrian
Allemand, suíço radicado em Macabu, autor dos chafarizes da Praça José
Bonifácio Tassara e do CIEP de mesmo nome, além de várias outras obras.

Companhia Estrada de Ferro Barão de Araruama


1877-78
Estações Nome Atual Distância Altitude
Conde de
Entroncamento Araruama Km 0 11 m
Patos Idem 8,4 km 16 m
São Lourenço São Luiz 11,9 km 18 m

85
Paciência do
Macabu Macabuzinho 14,4 km 18 m
Ponto Pinheiro Idem 20,431 km 23 m
Freguesia de Nª
Sª da Conceição Conceição de 29,812 km 39 m
de Macabu Macabu

Com o ramal inaugurado em Macabu, o mesmo deveria estender-


se a Ventania e Madalena. O problema veio logo no início, quando uma
polêmica tomou conta das obras. A polêmica, que vinha desde o projeto,
consistia em que trajeto a ferrovia deveria tomar a partir daqui: Itapuá ou
São João de Macabu?
O projeto original priorizava Itapuá, mas comerciantes e
fazendeiros de São João tentaram fazer um desvio, alegando que a estrada
de ferro deveria partir do centro de Macabu até lá, para daí seguir até o
destino estabelecido. Não se sabe o decorrer da polêmica, mas o desfecho
manteve as prioridades do projeto original.
Como é sabido, meses depois de chegar a Macabu, em 23 de
janeiro de 1879, houve a inauguração do ramal até Itapuá, de onde
prosseguiria a Ventania e Madalena, entretanto, as coisas não
transcorreram como era esperado:

Posteriormente houve uma extensão da linha


até a chamada Estação de Ventania – cujo
nome, em 1892, passou a ser Trajano de Morais
– inaugurada em 17 de agosto do ano de 1891.
Os trilhos prosseguiram atingindo Visconde de
Imbé, em 15 de setembro de 1896, e Manoel
de Moraes no primeiro semestre do ano

86
seguinte. Convém, todavia, recordar que o
Decreto Geral de seis de setembro de 1890 já
havia transferido a E. F. Barão de Araruama
para a Leopoldina Railway. A linha férrea a que
estamos fazendo referência existiu e funcionou
até bem pouco tempo atrás, quando foi extinta
por conta da política nacional de desativação de
ramais ditos deficitários.
( RESUMO HISTÓRICO DA LEOPOLDI
NA RAILWAY COMPANY LIMITED,
1920, p. 08).

As razões do não prosseguimento imediato das obras até seus


destinos serranos não são o objeto principal deste trabalho, porém uma
visita ao leito ferroviário usado naquelas paragens nos dá conta que muitas
dificuldades foram enfrentadas pelos construtores. Tais dificuldades, como
a construção de várias pontes e abertura de túneis, somado ao fato da
economia cafeeira já dar sinais de esgotamento, podem ser alguns dos
fatores explicativos de obras tão demoradas.

5.2 Consequências demográficas em Macabu

O quadro abaixo, que mostra a evolução demográfica através do


número de batizados na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Macabu, é um demonstrativo sobre a importância da presença do
transporte ferroviário para o povoamento da região de Macabu. Ele
considera dois períodos: o primeiro, de 1856 a 1878, contempla desde a
elevação à condição de freguesia (6 de outubro de 1855) até o advento do
transporte ferroviário (julho de 1878). Nestes intervalos, consideramos o

87
número de batizados realizados na região de Macabu e seu entorno – área
de influência da autoridade paroquial.

Batizados Período Média/anual


Outubro de 1855 a
2.464 julho de 1878 107
(23 anos)
Julho de 1878 a
6.264 novembro de 1899 313
(20 anos)
Fonte: REGISTROS PAROQUIAIS DE BATIZADOS (1848-1889) DA
PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU.

O período 1856-1878 é marcado principalmente pela navegação


fluvial – o Canal Campos – Macaé – a Estrada de Cantagalo e exploração
madeireira. A partir da segunda metade de 1878, com a chegada do
transporte ferroviário, até novembro de 1889, com a Proclamação da
República, temos uma fase de registros sob as influências anteriores, mas
com o novo elemento do transporte rápido e diário realizado pelos trens.
As locomotivas tinham tal poder: reduzia a viagem Macabu -
Macaé a uma empreitada de quatro a três horas, dependendo da espera no
Entroncamento; eram diárias; independiam das condições climáticas;
transportavam qualquer tipo e quantidade de mercadorias; levavam um
número indefinido de passageiros.
Foi, no contexto dos meios de transportes, o mais importante para
a povoação da região de Macabu, numa proporção que supera até
rodoviário, aqui consolidado nos anos 70-80 do século XX, em outra
contextualização.

88
Período População
1878-1967 14.000 (Est.1967)
1967-1997 20.000 (Est. 1997)
Obs.: 1967 é o ano da
extinção do transporte
ferroviário de passageiros.

5.3 Considerações sobre o passado ferroviário em Macabu

Há informações recolhidas em entrevistas sobre as primeiras


locomotivas que transitaram em Conceição de Macabu dando conta de
suas origens inglesas, possuindo, entretanto, saídas de vagão no lado
esquerdo, de forma que uma estação provisória, de madeira, foi construída
em frente à que existe hoje em dia.
Andar de trem se tornou a única via de transporte possível, pois
era impensável optar pela Estrada de Cantagalo ou pelo Rio Macabu.
Fazê-lo, dependeu muito da época. Por exemplo, uma composição (trem
e vagões) chegava a Conceição de Macabu entre 10 e 11 horas da manhã,
vindo de Madalena. Tal composição seguia até Paciência, lá chegando por
volta de 12 horas, e daí para o Entroncamento, mais ou menos 13 horas.
Do Entroncamento, o viajante que chegasse de Macabu tinha que
desembarcar e optar por uma das duas opções: seguir para Campos (14
horas), lá chegando 17 horas; ou seguir até Macaé (14 horas), lá chegando
16 horas, e daí para Niterói, com previsão de chegada lá pelas 20 horas. 32

32
Resumo Histórico da Leopoldina Railway Company Limited. Rio de Janeiro: Gráfica
Editora Carioca, 1938. 2 Gazeta de Notícias, 12/02/1920, p. 08. ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PRESERVAÇÃO FERROVIÁRIA – site:

89
Essa foi uma das opções. Houve época em que os horários foram
antecipados em uma hora, chegando a Macabu pelas 9-10 horas, Paciência
pelas 11-12 horas e assim subsequentemente. Entretanto, uma coisa não
mudava: os atrasos e descarrilamentos.
Chegar a Macabu partindo de Niterói era outra empreitada: saía-
se bem cedo da capital, umas 6 horas; seguia-se a Macaé, 10-11 horas;
Entroncamento, 13-14 horas; e Macabu, lá pelas 16-17 horas. De Campos
era um processo parecido, só que se saía de lá bem cedo, 6-7 horas, e
esperava-se das 10-11 horas até as 13-14 horas no Entroncamento.
Os passageiros da locomotiva eram divididos de acordo com a
situação econômica ou a condição social. Havia a primeira e a segunda
classe, que atendiam às diferentes situações econômicas dos homens livres,
enquanto que os escravos, devido à sua condição social “inferiorizada”,
viajavam como carga comercial. Esta divisão da fase ferroviária é bastante
semelhante às divisões do período predominante da navegação fluvial, em
que os escravos viajavam como carga e os homens livres dividiam-se em
“calçados e descalços”.
A estação ferroviária de Conceição de Macabu, marco
arquitetônico e histórico de uma época, foi inicialmente construída em
madeira, ficando exatamente na frente da atual, onde hoje está a quadra
de esportes e a pista de malha da Praça José Bonifácio Tassara. No entanto,
já tinha os telhados e ferragens da atual. Pouco depois, outra estação foi

http://www.anpf.com.br/histnostrilhos/historianostrilhos20_abril2004.htm,
consultado em 21-04-2011.; TOPIK (1987, p. 150). ARQUIVO DA REDE
FERROVIÁRIA FEDERAL AS, LIVRO DE PONTOS DE 1889.

90
construída, do lado oposto, em tijolos. Esta mesma estação sofreu uma
reforma em 1901, outra na década de 70, quando se retirou o piso de
madeira “pinho de Riga”. Em 1991, num acordo entre a Igreja Matriz,
atual proprietária, e a Prefeitura de Conceição de Macabu, foram
realizadas a limpeza e a restauração da estação, seguindo o traçado original,
segundo a reforma de 1901.
Quando, alegando prejuízos com o transporte ferroviário, o
Governo Federal extinguiu o tráfego no ramal que partia de Conde de
Araruama, nos anos 60, a estação foi devolvida à Igreja Matriz, que em
1878 havia doado o terreno para sua construção.
Além da estação, pontes, trilhos e túneis ainda conservam a
memória da história ferroviária regional. Preservam um tempo em que a
ferrovia era a espinha dorsal da vida e do progresso de muitos lugares do
interior do Brasil, como foi para Macabu e região.

A Agroindústria Açucareira

O Norte Fluminense foi a região do açúcar, chegando ao ponto


de uma de suas parcelas já ter sido chamado de “Região Açucareira de
Campos”, numa antiga divisão interna/regional do estado do Rio de
Janeiro. Tal alusão ao açúcar não é somente ilustrativa. A partir do século
XVIII, a economia canavieira iniciou um processo de expansão pela
região, suplantando paulatinamente a pecuária.
As primeiras plantações de cana-de-açúcar na Capitania de São
Tomé, que hoje congregaria grande parte da região, se localizavam nas
imediações da Vila da Rainha, fundada pelo donatário Pero de Góis em

91
1538, nas margens do Rio Itabapoana, na época chamado de Managé
(RODRIGUES, 1988). Entretanto, os empreendimentos açucareiros não
renderam os frutos desejados, pois a capitania não vingou, nem sob a tutela
de Pero de Góis, nem sob a de seu sucessor, Gil de Góis.
O historiador macaense Augusto de Carvalho, em
seus Apontamentos para a História da Capitania de S. Thomé , em um dos
trechos, mostra a intenção do donatário:

Escrevo-lhe isto para que o saiba: neste rio


(Managé – atual Itabapoana), como digo,
determino fazer nossos engenhos d’água; estes
dois homens com outros dois, que para isso
assoldadei, vão arrotear e fazer com os índios
muita fazenda, a saber: plantar uma ilha que já
tenho pelos índios roçada de canas, e assim fazer
toda quanta fazenda pudermos fazer, para que,
quando vier gente, ache já que comer, e canas
e o mais necessário para os engenhos.
(CARVALHO, 1888, p.177).

Um pouco adiante, o autor nos dá conta que o mesmo esclarece,


sobre a qualidade da plantação iniciada:

E temos já sabido que estes dois engenhos de


cavalos moem tanto, como um d’água boa. E
tenho-os em casa, e em lugar seguro, e de onde
o açúcar não pode ser mau, senão o melhor da
costa, pelo porto ser muito bom e
experimentado por nós já. (pp.177-178).

Assim, se iniciou o ciclo do açúcar nas terras do Norte


Fluminense, com a introdução para o seu trabalho dos primeiros escravos
92
da região, vindos da Capitania do Espírito Santo, e outros tantos pedidos
diretamente ao Reino, num total de 60 escravos para o serviço nos
engenhos. Mas a empreitada pouco durou devido aos constantes ataques
dos puris e posterior destruição da aldeia por parte dos índios, tendo sido
o engenho abandonado, restando nele alguns escravos e criminosos
protegidos dos índios goitacazes (RODRIGUES, 1988).
No lugar do empreendimento açucareiro, sempre oneroso e
atrelado a uma grande estrutura organizacional, difundiu-se a pecuária
extensiva, aproveitando as amplas planícies na região de Campos. O gado
só teve seu reinado ameaçado na segunda metade do século XVIII,
quando os primeiros engenhos se estabeleceram, dando conta das
condições altamente favoráveis que a região oferecia: solo, água, clima,
acesso à mão de obra e aos consumidores/exportadores.

Nos arredores de Campos, inicialmente,


seguido de Quissamã, Macaé e São João da
Barra despontou o cultivo da cana em nossa
região. A presença de investidores, em geral
criadores de gado, instituições religiosas e novos
sesmeiros; o acesso aos meios de escoamento,
como os rios e lagoas, além da proximidade
com o litoral; as particularidades ecológicas,
como o solo fértil, a topografia plana e o clima
quente e úmido, foram alguns dos fatores que
colaboraram para que a região se torna-se uma
referência nessa atividade econômica.
(PESSANHA, 2004, p.30).

93
A cana-de-açúcar em Conceição de Macabu

Na região de Macabu, a cultura canavieira não chegou tão cedo


quanto em outras microrregiões do Norte Fluminense. Havia alguns prós
e contras que fizeram do Vale do Macabu uma área de ocupação tardia.
Por exemplo, como fatores favoráveis, se destacam a topografia plana nos
vales e o clima quente e úmido. Como fatores contrários ou pelo menos
retardatários, a falta de investidores e, principalmente, a distância até as
áreas portuárias, de quase dois dias de viagem, muito para um produto
perecível à água de chuva como o açúcar (GOMES, 2003).
As engenhocas de baixa produção chegaram ao Vale do Macabu
na primeira metade do século XIX. Produziam aguardente, açúcar
mascavo e rapaduras, em quantidades modestas. Em geral eram
engenhocas manuais, no máximo movidas por tração animal, que usavam
a produção das plantações de cana das próprias fazendas, funcionando mais
como um complemento à renda, aliás, uma característica da economia
daqueles primeiros tempos, onde nenhum produto predominava.
As dimensões reduzidas exigiam mão de obra equivalente, ou seja,
havia pouca utilização de braço escravo, priorizando-se o trabalho
familiar. Outra particularidade era o uso de tração animal ou da água. O
vapor, força motriz predominante no século XIX, já comum em Campos,
por exemplo, só se fez presente no terceiro quarto do referido século.
O transporte ferroviário, aqui implantado a partir de 1878, foi
determinante para diversas atividades econômicas em Macabu, mas,
principalmente, para a produção canavieira. Se antes a região limitava-se

94
a duas formas de transporte lento e com restrita capacidade de carga, agora
passava a contar com um meio de transporte rápido e seguro, garantindo
ao açúcar, rapadura e aguardente a possibilidade de chegar aos
consumidores com igualdade de condições aos similares produzidos em
outras áreas circunvizinhas.
Não é por simples acaso que a partir de 1878 surgem os engenhos
na paisagem macabuense. O primeiro deles, situado onde hoje se encontra
a Cooperativa de Laticínios, chamava-se Engenho Industrial Macabuense
e não se dedicava exclusivamente às moagens, mas também à produção
de farinha de mandioca, pilação de arroz, beneficiamento de milho e café.
Enfim, era uma empresa completa para atender todas as atividades
agrícolas da época (TAVARES, 2002).
Nos inúmeros Almanak Laemmert publicados sobre Conceição de
Macabu a partir de 1860, se percebe o avanço da economia canavieira e
o surgimento das engenhocas e engenhos, que se acentuam
significativamente entre 1878 e 1889, último ano da publicação.
Segundo o Laemmert, em 1861 eram apenas oito “engenhos de
soque e machinas movidas por água” (p. 455), que em 1889, segundo os
RELATÓRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE MACAHÉ (p.33), já
haviam se multiplicado substancialmente, e eram “dezenove movidos à
tração animal ou água e três a vapor”.
Destacava-se, em 1889, o já citado Engenho Industrial
Macabuense, realização do coronel Antônio Ignácio Valentim, e a Usina
Progresso (1894), da família Campos Tavares, ainda de pé na forma de
um centro cultural.

95
A partir daí foram instalados outros empreendimentos similares,
que não eram apenas beneficiadores de açúcar, mas, seguindo o modelo
do Engenho Industrial, beneficiavam também milho, arroz e café, sendo
que outros, mais raros, também fabricavam farinha de mandioca. Os
negócios exigiam uma quantidade de mão de obra e movimentavam
setores econômicos, culminando no incremento populacional mais
crescente da história de Conceição de Macabu em todas as épocas, pois se
fundiram café, açúcar e transporte ferroviário.

5.6 A Usina Conceição/Victor Sence

Se a ferrovia incrementou o transporte de forma nunca imaginada,


o ano de 1913 reservava ao vilarejo, que era sede do distrito de Conceição
de Macabu, uma novidade que seria, nos dizeres de um velho comercial
de rádio. “a mola mestra que impulsiona o progresso de nossa cidade”.
1913 foi o ano da primeira moagem do maior empreendimento
empresarial da história local: a Usina Conceição, mais tarde chamada de
Usina Victor Sence.

Uma ideia brilhante

Provavelmente partiu de Manoel Massena, jornalista do semanário


A GAZETA DE MACABU, a ideia de instalar uma indústria canavieira
em Conceição de Macabu. São muito comuns os textos desse jornalista,
datados de 1911 e 1912, defendendo a tese da industrialização
macabuense. Manoel Massena também foi o primeiro a propor a união

96
dos produtores rurais de Conceição de Macabu em associações e
cooperativas, sendo, também, o precursor dessa ideia. Na visão do
jornalista, a indústria de açúcar necessitaria de muita matéria prima, que
seria fornecida não por um ou outro agricultor isolado, mas por uma
cooperativa.
Foi dele também a iniciativa de buscar apoio junto a Deusdérito
Antunes Belmont (Nute Belmont) e ao vereador João Nunes Viana, que
em 1912 procuraram o padre Frederico Masson (em Macaé), que lhes deu
uma carta de apresentação junto ao industrial francês Victor René Sence
– que na época pretendia instalar uma fábrica em Triunfo ou Glicério.
Manoel Massena, Nute Belmont e João Viana estavam decididos a
convencer Victor Sence a trocar a localização de sua futura fábrica,
oferecendo-lhes vantagens (GAZETA DE MACABU, 1912).

Convencendo e Construindo: da Usina Conceição à Usina Victor Sence

Em agosto de 1912, na Usina Paraíso, em Campos, a comitiva


macabuense teve um encontro com o industrial francês, onde ficou
acertada uma visita do mesmo a Macabu, que veio a consumar-se no
mesmo mês, no dia 20/08/1912.
Era necessário impressionar o empresário e, para isso, a
comunidade macabuense foi incansável: bons cavalos para visitação, festas,
bailes, discursos, homenagens, banquetes:

Elegante e alegre soirée marcada com a


presença do ilustríssimo doutor Victor Sence,
foi realizado no último dia 21 de agosto (...)

97
discursos, presentes, delicioso jantar,
impressionaram o ilustre industrial, que no dia
anterior havia chegado à vila e naquele dia já
tinha se reunido para negócios com nossos
ilustres representantes (...). ( GAZETA DE
MACABU, 24-08-1912, p.1).

Por ocasião da visita, foi escolhido o local da futura usina,


exatamente onde está. No mesmo dia, muitos foram os festejos pela
escolha de Macabu, com direito aos já citados banquetes, bailes, banda de
música, etc.
Pesou muito na decisão de Victor Sence o fato de a comunidade
já contar com certa estrutura produtiva: diversos canaviais, alambiques,
fábricas de rapadura e melado, estrada de ferro, olarias, serrarias.

O Dr. Victor Rene Sence já se encontra em


nossa localidade para dar início à construção de
seu empreendimento industrial. Chegou no
último dia 3, acompanhado de engenheiros,
trabalhadores e trazendo toda sorte de materiais.
(...). Os produtores locais muito hão de se
beneficiar com seu empreendimento. (...).
( GAZETA DE MACABU, 24-08-1912, p.1).

No dia 1º de maio de 1913, foi lançada a pedra fundamental da


USINA CONCEIÇÃO. As obras tiveram início no mesmo dia e duraram
até outubro de 1914, sendo que oficialmente primeira moagem se deu no
dia oito de outubro de 1914, embora a produção de açúcar tenha tido
início já em 1913, de forma experimental.

98
Na verdade, até ter início as obras, outras, preliminares, tiveram
de ser feitas, como por exemplo a construção de uma carpintaria, uma
funilaria, duas olarias, depósitos de tijolos, cimento, areia, água e
alojamento para empregados. Enfim, era a obra dentro da própria obra,
para que tudo corresse rapidamente, como se deu.
As máquinas, principalmente a moenda e as caldeiras, chegaram a
Macabu nos meses iniciais de 1913, sendo montadas e testadas em outubro
daquele ano. Naquele mês já moeram várias toneladas de cana e
produziram milhares de sacos de açúcar, tornando-se assim a produção
inicial da Usina Conceição, que, entretanto, só seria inaugurada
formalmente em 191433, como visto.
Após a morte do industrial Victor Renè Sence em 1939, a
indústria passou a chamar-se Usina Victor Sence, tornando-se uma
sociedade anônima em 1943. Destacou-se, nos anos 1970-80, pela
produção de açúcar, álcool, acetato de butila, butanol e acetona , além de
formar diversos profissionais: funileiros, torneiros, mecânicos, químicos,
etc. A partir de 1988, mergulhada em dívidas variadas, desfazendo-se do
seu meio produtivo – as fazendas – e enfrentando sérios problemas
administrativos, a empresa entrou em crise, vindo a ser fechada em 1993,
após 70 anos de atividades. O fechamento da UVS, previsto desde os anos

33
REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE MACAÉ
(1913-1952). ATA DE CONSTITUIÇÃO DA USINA CONCEIÇÃO Co. Ltda. (1
de agosto de 1914); REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL
DE MACAÉ (1913-1952); REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA DE
CONCEIÇÃO DE MACABU (1953-1993).

99
80, não foi seguido de nenhum projeto de desenvolvimento alternativo,
resultando na maior crise econômica e social já sofrida por Conceição de
Macabu (GOMES, 2003).

5.7 A fusão Usina e Crise de 29

Com a Usina Conceição, depois rebatizada de Usina Victor Sence,


entre 1913 e 1993, pode-se dizer, apoiando-se nas opiniões dos maiores
historiadores locais e em dados estatísticos derivados dos registros
comerciais das prefeituras de Macaé (1913-1952) e de Conceição de
Macabu (1953-1993), que nunca o distrito/município experimentou um
crescimento tão grande.
O crescimento teve, entretanto, um incremento atípico: a Crise
de 29.
O café já agonizava no estado do Rio de Janeiro desde os fins do
Império, sustentado apenas por políticas de valorização artificial do preço.
Tal contexto de crise já produzia sensíveis decréscimos econômicos e
populacionais, anunciando a decadência, especialmente da Região Serrana
Fluminense, onde predominava a economia cafeeira (VINHAES, 1992).
Essa decadência, com a erradicação total da cafeicultura serrana, se
agravou a partir de 1929, quando a quebra da Bolsa de Valores de Nova
York, jogou para baixo os preços do café brasileiro, falindo
repentinamente aqueles que dependiam da sua produção.
Na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, altamente
dependente dessa monocultura, a crise do final dos oitocentos, somada à
Crise de 29, provocou a derrocada regional, com a extinção de postos de

100
produção e trabalho, levando milhares de fluminenses a migrar, não só
buscando empregos, como também para reinvestimentos mais seguros.
Nesse contexto, a Crise de 29 levou ao fim a pujança econômica
de cidades vizinhas a Conceição de Macabu, especialmente Santa Maria
Madalena e Trajano de Morais, mas também Cantagalo, Cordeiro e a
Região Serrana de Macaé.
A Crise, que se acentuou nos anos 30 até ser debelada por políticas
governamentais e pela Segunda Guerra Mundial, se foi catastrófica para
os municípios serranos, não se mostrou tão cruel para Conceição de
Macabu, que recebeu migrantes, tanto trabalhadores quanto investidores.

Meu pai era comerciante, quase faliu, pois tinha


muitos negócios com os plantadores de café do
Imbé. Só não faliu por causa da Usina, que
continuou vendendo seus produtos e pagando
seus empregados, que continuaram a comprar
com ele. (...). Quando eu era criança ouvia essa
história sempre, quando fiquei mocinha me
disseram que tudo tinha sido culpa da Bolsa de
Nova York. Mas eu só fui entender isso muito
tempo depois, quando li a respeito.
(RESTUM, 1998).

Outra testemunha daquela época completou:

Os turcos vieram, tinham negócios em


Madalena, Trajano, Macuco. Perceberam a
tempo que se ficassem lá não iriam para frente.
Mudaram-se para Conceição, abriram armazéns
de secos e molhados, padarias, hotéis, farmácias,

101
outros eram mascates, vendiam rendas inglesas
e louças. (SILVA, 1988).

Isso não quer dizer que a crise não tenha chegado por aqui, mas
que a economia açucareira absorveu o impacto negativo da mesma:

Tinha amigos do meu pai que perderam tudo.


Eram plantadores de café na serra, comerciantes
de café, até exportadores. Uns foram embora,
outros arrancaram o café e plantaram cana, que
dava rápido e a usina comprava tudo. (...) A
sorte foi a Usina (...). (RESTUM, 1998).

Os dados estatísticos dos censos entre 1930 e 1990 demonstram


crescimento populacional para Conceição de Macabu e diminuição nas
regiões serranas, principalmente Santa Maria Madalena, Trajano de
Morais, Macuco e os distritos macaenses de Glicério e Frade.
Outra análise, nos livros de empregados da Usina
Conceição/Victor Sence, dos anos de 1930 a 1952, mostram uma grande
afluência de trabalhadores dessas localidades, com especial ênfase ao
distrito madalenense de Santo Antônio do Imbé.34 Os números se referem
aos empregados da fábrica de açúcar, os mais completos encontrados nos
arquivos, mas a presença de imbeenses e madalenenses nos demais livros
é uma constante e sempre em números apreciáveis.

34
REGISTRO DE EMPREGADOS DA USINA CONCEIÇÃO (1930-1943).

102
LOCALIDADE DE
QUANTIDADE
ORIGEM (1930-1950)
Conceição de Macabu 37
Santo Antônio do Imbé 21
Santa Maria Magdalena 10
São Pedro do Triunfo 09
Trajano de Morais 06
Campos 05
Macaé 05
Outros 18
REGISTRO DE EMPREGADOS DAS USINAS CONCEIÇÃO E VICTOR
SENCE

Dados semelhantes se obtêm na análise dos registros de


empregados da Cooperativa de Laticínios de Conceição de Macabu,
fundada em 1943, com pequena unidade fabril, a princípio, mas que se
destacou a partir dos anos de 1960 pela produção de gêneros derivados do
leite, laticínios. Nos primeiros tempos era apenas beneficiamento de leite
para reenvio à antiga CCPL (Cooperativa Central dos Produtores de
Leite), em Niterói, demandando cerca de 19 trabalhadores, mas que já
nos dão uma noção da presença dos migrantes: 4 dos 19 são madalenenses
e um é de Santo Antônio do Imbé.
Assim, impulsionados pela busca de soluções para o desemprego,
falência ou reinvestindo, a Crise de 29 empurrou para Conceição de
Macabu uma substancial quantidade de migrantes das regiões serranas.
Tais migrantes apostavam num futuro melhor, pois vislumbraram na
economia canavieira, capitaneada pela presença do progresso na forma da
Usina Conceição/Victor Sence, a certeza de uma economia que deixava
de ser unicamente primária e diversificava-se.

103
5.8 Conclusão: Maria Fumaça adocicada

O café de Cantagalo trouxe os trilhos. A Maria Fumaça, com seu


transporte dinâmico, rápido, seguro, inovador para os padrões da época,
trouxe de tudo um pouco.
Trouxe gente, inclusive aqueles que, apostando na possibilidade
de rápido transporte de um produto altamente perecível, como o açúcar,
acabaram apostando na cana-de-açúcar.
A indústria veio depois, fruto do ímpeto precursor, arrojado, de
um grupo de pessoas que apostou no impossível: convencer um bem-
sucedido empresário francês a apostar seu futuro num vilarejo do interior
fluminense, cujas únicas benesses ao empreendimento seriam o transporte
ferroviário, a proximidade com regiões exportadoras e terras.
A fusão do transporte ferroviário com a indústria canavieira tornou
a singela localidade do século XIX o maior e mais dinâmico dos distritos
macaenses – situação que resultou, alguns anos depois, na primeira
emancipação de Conceição de Macabu.

II. Ocupação fundiária da região de Macabu (1534-1854)

Nos primeiros anos após a chegada portuguesa ao Brasil,


protagonizada pela esquadra de Cabral em 1500, transcorreu um longo
período em que os índios continuaram os únicos humanos presentes na
região de Macabu. Entretanto, apesar de povoado apenas por nativos, na
mesma época o atual território do município pertenceu a governos e
proprietários particulares que, ou não se deram ao trabalho, não tiveram

104
interesse, ou mesmo tempo hábil para chegar até aqui, estimulando sua
ocupação.
As razões se explicam em parte pelo fato de os territórios
interessantes estarem mais próximos ao litoral: áreas com potencial para
criação de gado, extração de pau-brasil e plantagens 35 de cana-de-açúcar.
Tais áreas, no Norte Fluminense, estendiam-se da faixa litorânea entre
Macaé e São João da Barra, interiorizando-se pela Planície Litorânea até
Campos dos Goytacazes no norte e até Quissamã, Carapebus e novamente
Macaé, mais ao sul – aproximando-se do que hoje faz parte de Conceição
de Macabu.
Há uma conotação nessas ocupações iniciais: os colonizadores
baseavam-se em pontos estratégicos do litoral norte do Rio de Janeiro; a
foz de rios como Macaé e o Paraíba, protegidos por ilhas, como o
Arquipélago de Santana; em áreas de fácil ancoragem, praias e enseadas
protegidas das intempéries. Tal conotação afetou inclusive quando os
mesmos se aventuravam pelo interior, seja por trilhas indígenas ou
utilizando rios e lagoas, pois em geral mantinham uma distância estratégica
de suas referências litorâneas.
Os proprietários lusitanos dividiram o Brasil em Capitanias
Hereditárias, ficando o atual território macabuense na parcela doada a
Pero de Góis, a Capitania de São Thomé, chamada também, em certas
épocas, de Capitania da Paraíba do Sul.

35
O significado da palavra plantagem foi proposto por GORENDER, Jacob. O
Escravismo Colonial. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1974.

105
Entre 1538 e 1539, Pero de Góis fundou o primeiro núcleo
populacional e produtivo da Região Norte Fluminense, chamado de
‘Villa da Rainha’ na foz do Rio Managé ou Itabapoana. Durante uma
viagem do donatário à Metrópole, a vila foi destruída pelos índios.
Reorganizando-se, Pero de Góis fundou uma nova povoação, a 60Km
ou dois dias de viagem 36 da foz do Itabapoana (RODRIGUES, 1988).

36
O termo “dia de viajem” é comumente usado pelos primeiros exploradores da região,
por exemplo a descrição da instalação da Aldeia de Nossa Senhora das Neves e Santa
Rita pelo missionário Antonio Vaz Pereira, descrito por COUTO REYS, Manoel
Martins do. Descrição Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito dos Campos
Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do
Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do
Brasil, etc. se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo
Terreno, que debaixo de dita Ordem se Levantou . Rio de Janeiro: manuscrito original,
1785. Além deste documento, o autor se baseou em documentos de compra e vendas
de terras na região de Macabu, que se referiam a Carapebus ou Macabuzinho usando a
mesma expressão, ou seja: “um dia de viagem”. Tais documentos, listados na bibliografia,
podem ser encontrados no Museu da Justiça, Rio de Janeiro. Usando um interessante
padrão da época, as distâncias em terra ou usando os rios navegáveis ficavam no máximo
a um ‘dia de viagem’. Esse ‘dia de viagem’, em terra, usando-se as trilhas indígenas,
significavam 25 km, aproximadamente, numa planície, ou um pouco menos em áreas
serranas. Chamo a atenção do leitor para um fato constatador dessa teoria: Rio das Ostras
está a 25 km de Macaé; Macaé está a 25 km de Carapebus, que por sua vez dista 25 km
de Quissamã – embora as distâncias estejam aproximadas, será só uma coincidência? Essa
praticidade tinha outra particularidade: esse dia de viagem era geralmente medido
considerando-se viajantes com carga, fosse ela viva, como o gado, ou pau-brasil, caixas
de açúcar ou embornais de café. Há informações constantes em diários, por exemplo,
que sem carga era possível melhorar essa marca em até 50%, o que no caso seria de um
pouco mais de 30 km. Pelos rios a velocidade era outra. Apesar de remarem para o
interior, contra correntezas, recordemos que falamos de planícies quase ao nível do mar,
com rios de correntezas com baixa velocidade e lagoas, transpostos, ou seja, remados
com varas de bambu ou impulsionados à vela, numa marca de 25-30 km ao dia,
aproximadamente. Vem daí outra constatação que não pode ser um simples acaso,
considerando-se os rios Macaé, Paraíba do Sul e Macabu: No caso do Rio Macaé,
Córrego do Ouro, distrito macaense, próximo à antiga sede da Aldeia Missionária de
Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, está a 33 km de Macaé - a antiga aldeia
missionária distaria uns 30 km; Campos dos Goytacazes está às margens do Paraíba do

106
Mais uma vez os índios agiram e, apesar da resistência do
donatário, a nova povoação foi também destruída. Destruição que
culminou na fuga de Pero de Góis para a Capitania do Espírito Santo e o
abandono da Capitania de São Tomé.
Muitos anos depois, Gil de Góis, filho de Pero de Góis, reassumiu
a capitania, que naquela época era mais conhecida como Capitania da
Paraíba do Sul. Os índios inicialmente até que colaboraram com o
donatário, mas um problema passional, envolvendo uma jovem índia, Gil
de Góis e sua esposa, culminou numa rebelião dos nativos e na terceira
destruição da capitania (LAMEGO, 1945).
E Conceição de Macabu com tudo isso?
Bem, o território continuou desocupado, mas as sucessivas
destruições da Capitania resultaram em diversas expedições contra os
índios da região, culminando com o extermínio e escravização de grande
parte deles. Além disso, houve uma intensificação da ação missionária,
catequizando maciçamente os índios ainda resistentes.
Através das guerras, da escravidão ou da catequese, os índios foram
se tornando um obstáculo a menos nos planos de interiorização dos
colonos do Norte Fluminense. Em outras palavras, a segurança
proporcionada com o controle ou derrota das populações indígenas
facilitou projetos de expansão em regiões como a de Macabu.
O fator segurança foi preponderante na ocupação de áreas mais
distantes do litoral. Nesse caso, especificamente, o Vale do Rio Macabu,

Sul, cerca de 35 km do litoral são-joanense; e, por fim, transpondo a Lagoa Feia e


navegando pelo Rio Macabu, Macabuzinho está a 25 km do ponto inicial.

107
na região do município de mesmo nome, não esteve relacionado em
nenhuma narrativa de conflito entre colonos e nativos, configurando
terreno pacificado, propício à colonização.

Os Sete Capitães – Primeiros Sesmeiros da região de Macabu

O abandono da Capitania de São Tomé ou Paraíba do Sul, após


sucessivas destruições, durou até 1627, quando sete militares, chamados
de Sete Capitães pela historiografia regional, que haviam servido à Coroa
Portuguesa no Brasil e na Angola, solicitaram ao Governador do Rio de
Janeiro a posse das terras entre o Rio Macaé e o Cabo de São Tomé
(CARVALHO, 1888).
Tratava-se de ceder aos capitães uma sesmaria tão extensa que
figurava entre as maiores do Brasil naqueles tempos. Conceição de
Macabu estava nas pretensões territoriais desses militares portugueses,
embora o foco econômico, voltado à criação de gado extensivamente,
fosse uma faixa de até 20 km do litoral para o interior.
Os Sete Capitães (Miguel Aires Maldonado, Gonçalo Correia,
Manoel Correia, Duarte Correia, Miguel da Silva Riscado, João de
Castilho e Antônio Pinto Pereira) efetivamente conseguiram as terras
pretendidas em 1629 com a posse jurídica das mesmas. Estava iniciando
uma fase curta, porém profícua em termos de informações sobre as
paisagens e povos naturais entre os rios Macaé e Paraíba do Sul.
Apesar de receberem a posse em 1629, só em 1632 os Sete
Capitães organizaram uma expedição de reconhecimento até a sesmaria,

108
partindo de Cabo Frio, em 2 de dezembro de 1632. A viagem teve início
em frágeis embarcações, sumacas, típicas para navegação de cabotagem,
que os levaram a uma aldeia às margens do Rio Macaé no dia 11 do já
citado mês. Nesta aldeia, constataram que era administrada por um certo
Domingos Leal e constituía-se de choupanas rústicas (CARVALHO,
1888).
Seguiram daí por mar até as margens de uma grande lagoa (Lagoa
Feia), onde o mau tempo os fez retornar até a aldeia de Domingos Leal.
O contratempo não os desanimou, fazendo com que reiniciassem a
expedição no dia 25 de dezembro, desta vez, seguindo por terra,
desbravando a restinga e os brejais, cruzando córregos e nomeando todos
os acidentes geográficos.
Nesta viagem e nas demais, chegaram a ter contato com vários
indígenas, inclusive com uma tribo onde viviam onze náufragos, entre
eles, um negro que se dizia da nação ‘Quissama’, na África. No local onde
encontraram o negro hoje está a sede do município conhecido como
Quissamã (PARADA, 1996).
Os Sete Capitães fizeram uma segunda viagem em 1633, onde
demarcaram terras, construíram abrigos e situaram currais em pontos
estratégicos, iniciando a criação de gado e o plantio de gêneros de
subsistência. A última viagem se deu em 1634, quando terminaram de
nomear os acidentes geográficos, rios, lagos, além de avaliar suas criações
e plantações na região.
Apesar da área do atual município de Conceição de Macabu
situar-se dentro da sesmaria dos Sete Capitães, pelo fato de ser muito

109
interiorizado, só foi alcançado a partir da segunda metade do século XVII,
por missionários e madeireiros. Mais uma vez, Conceição de Macabu,
enquanto região, estava nas terras de alguém que não era indígena, um
colono branco. Mas tal como havia acontecido na ocasião das Capitanias
Hereditárias, o município pertencia, apenas isso. A ocupação em
definitivo ainda aguardaria muitas décadas e não se daria nem no século
referido.
Os capitães ainda realizaram outras viagens de exploração da
sesmaria entre 1633 e 1634, durante as quais implantaram currais e
fazendas de criações de gado, iniciando a primeira atividade econômica
expressiva na região onde hoje estão os municípios de Campos, Macaé,
Quissamã e Carapebus.
O capitão Miguel Aires Maldonado escreveu um relato dessas
expedições de exploração denominado " Roteiro dos Sete Capitães”, cujo
título original era " Descrição que faz o capitão Miguel Aires Maldonado
e o capitão José de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e
fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de
Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas nesta costa”. O
"Roteiro dos Sete Capitães" descreve a “descoberta” de diversos acidentes
geográficos da região norte fluminense e as toponímias criadas pelos Sete
Capitães, as quais são usadas até hoje, como Lagoa Feia, Rio Macabu (daí
Conceição de Macabu), Rio Bonito, Carapebus, Campos dos Goytacazes
e Quissamã (CARVALHO, 1888).
Um dos objetivos dos donatários da sesmaria em suas viagens era
a divisão das terras para o estabelecimento das propriedades de criação de

110
gado bovino. Pelas demarcações de terras que fizeram, é possível situar o
atual município de Conceição de Macabu como nas posses do capitão
Miguel Aires Maldonado37, o líder dos sesmeiros, tese confirmada pelo
relato atribuído aos mesmos.
O domínio dos sesmeiros não foi definitivo nem tranquilo. Miguel
Aires Maldonado e João de Castilho Pinto se tornaram inimigos do
governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides, e dos
Jesuítas, por razões que não nos cabe discutir. O governador, antes de
partir para lutar contra os holandeses que ocupavam Angola, em 9 de
março de 1648, fez verdadeira espoliação nas terras que tinham sido
doadas aos Capitães. Alegando confusão na delimitação das glebas, o
grupo do governador (incluindo jesuítas e beneditinos, entre outros)
elaborou uma " escritura diabólica" - como afirmam os cronistas -,
dividindo as terras exploradas em 12 quinhões, dos quais quatro e meio
foram destinados aos Sete Capitães e seus herdeiros, três ao próprio
governador, três à Companhia de Jesus, uma ao provedor da fazenda
Pedro de Sousa Pereira (casado com Ana Correia, portanto genro de
Manuel Correia, primo do governador) e meio quinhão aos monges da
Ordem de São Bento.

37
Conclui-se, como um dos primeiros proprietários de Conceição de Macabu por
SANTOS, F.A.N. As freguesias do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: Edição Cruzeiro,
1965; ARAGÃO, P.M. As cartas de sesmaria do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro:
Ministério da Justiça, 1967; ABREU, A.I.C. Municípios e Topônimos Fluminenses .
Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1994. As marcações descritas pelo “Diário dos Sete
Capitães”, embora imprecisas, também apontam na confirmação de tal informação.

111
Os Sete Capitães, que eram os legítimos possuidores, foram assim
despojados de quase 2/3 das terras que tinham recebido e estavam
explorando. A divisão só se manteve porque, de todos os sete, somente
Miguel Aires Maldonado e João de Castilho Pinto demonstraram forte
interesse e firmaram oposição ao governador e a seus aliados.
Note-se que o roteiro do capitão Maldonado é por Capistrano de
Abreu considerado apócrifo ou pelo menos muito adulterado, o que foi
provado por Vieira Fazenda. Aliás, Vivaldo Coaracy considera todos os
documentos relativos a esta questão confusos, incompletos e não raras
vezes duvidosos ou com indícios de interpolações posteriores. Baseados,
porém, na escritura de espoliação, jesuítas e beneditinos conseguiram mais
tarde alargar desmedidamente seus domínios na região. 38
Apócrifo ou não, o roteiro é impressionante, demonstrando que
quem o escreveu ao menos tinha grande conhecimento da região. O mais
provável é que se trate de um roteiro póstumo, ou seja, confeccionado
após as viagens dos capitães, mas, por estes, ou pelo menos pela dupla
Castilho e Maldonado, com base em memórias de viagem.

Das Terras da Igreja à Freguesia de Neves

O golpe perpetrado pelo governador do Rio de Janeiro e seus


aliados aos Sete Capitães provocou uma redivisão das terras desses últimos.
Esse novo contexto regional colocou o atual território macabuense, pelo

38
Mais detalhes valem uma leitura de: COARACY, VIVALDO. O Rio de Janeiro do
Século XVII. Rio de Janeiro: José Olympio editora, 1965.

112
menos em sua maior parte, no quinhão dos Jesuítas, cabendo ainda duas
pequenas partes aos Beneditinos e outra que restou ao capitão Maldonado
e seus herdeiros.39
Dos três novos proprietários, só os Beneditinos reivindicaram sua
parcela. Isso quase duzentos anos depois, em 1840, quando uma contenda
envolveu posseiros e os grileiros do Brejo dos Patos contra os padres da
ordem. Na ocasião, quando prevaleceram os interesses dos sem-terra, que
lutaram, armados, por seus direitos, os mesmos foram liderados por uma
figura que ficaria famosa nos quinze anos seguintes ao se envolver no mais
famoso crime da região. Refiro-me a Manoel da Motta Coqueiro, a Fera
de Macabu, que colecionava aí mais um inimigo poderoso, que anos
depois colaboraria para seu enforcamento (MARCHI, 1997).
Nesse meio tempo, coube ao modesto grupo de missionários da
Ordem de São Pedro instalar uma missão para catequese indígena nas
margens do Rio Macaé, distante um dia de viagem da foz deste e da região
onde hoje está a cidade de Conceição de Macabu.
Sobre o assunto, importantíssimo para origem de Conceição de
Macabu, inclusive, há um trabalho gabaritado, recém-lançado, baseado
em novas evidências: Povoamento, catolicismo e escravidão na antiga
Macaé (séculos XVIII ao XIX). O trabalho, organizado pelas conceituadas
professoras Márcia Amantino, Cláudia Rodrigues e os igualmente
conceituados Carlos Engeman e Jonis Freire, conta com dois trabalhos

39
À conclusão se chega analisando a distribuição das terras dos demais ocupantes.
Excluindo-os, restam os jesuítas, com grande possibilidade de serem donos do atual
município de Conceição de Macabu, após o capitão Maldonado.

113
especificamente voltados ao tema em questão – Catolicismo e
Povoamento, de Márcia Amantino; e Notas sobre a presença e a atuação
da Igreja Católica na Antiga Macaé, de Cláudia Rodrigues e Maria da
Conceição Vilela Franco.
O que se sabia até então é que o missionário apostólico Antônio
Vaz Pereira fundou a Aldeia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita
(do Sertão do Rio Macaé, como consta em certos documentos),
“descendo” e “reduzindo” os índios que “infestavam” os sertões dos rios
São Pedro e Macabu. Os indígenas eram citados como Guarulhos, mas
poderiam ser os mesmos Saruçus, uma vez que há uma confusão de tais
denominações40. Tal afirmativa foi amplamente divulgada por
praticamente todos que escreveram sobre a nossa região: COUTO REIS
(1785), PIZARRO (1820), NORBERTO (1854), CARVALHO
(1888), LAMEGO (1945), TINOCO (1965), PARADA (1981), SILVA;
GOMES (1997) e TAVARES (2002).
Entretanto, ao se discutir a origem de tal religioso, deduzia-se que
o mesmo era um jesuíta, afinal, os mesmos estavam em Macaé desde 1630,
em Campos desde 1648, e pelos termos da redivisão das terras dos Sete

40
Descimento: ato de retirar os índios de suas aldeias e levá-los a viver numa missão
religiosa. Para maiores informações ver: FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIRO S,
Márcia Fernanda. Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro:
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 1977. Redução: mesmo que missão religiosa.
Infestavam: mesmo que povoavam, geralmente usado para índios não catequizados. Para
mais informações também vejam FREIRE; MALHEIROS (1977). Quanto a
denominação correta dos índios Saruçus ou Sacurus, foram discutidas por praticamente
todos os autores citados no texto principal, chegando à conclusão que se tratavam dos
mesmos. Principalmente TAVARES (2002) e SILVA; GOMES (1997) defenderam tais
argumentos.

114
Capitães, eram donos de territórios bem próximos da instalação da aldeia
missionária, sem nos esquecermos que tal atividade, embora atributo de
muitas missões religiosas, era, principalmente, um atributo dos jesuítas.
É nesse contexto, de uma quase certeza sobre a origem do padre
Antônio Vaz Pereira, que surge a contribuição do Povoamento,
catolicismo e escravidão na antiga Macaé (séculos XVIII ao XIX),
mostrando a real origem do missionário. Com relação aos índios, somente
no final do século o padre presbítero do Hábito de São Pedro, Antonio
Vaz Pereira, formou um aldeamento perto do Rio Macaé para índios
Guarulhos. A localização deste aldeamento, que contava com uma capela
denominada Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, era em direção ao
interior, portanto, bem longe da fazenda jesuítica situada na foz.
(AMANTINO, Márcia. Macaé nos séculos XVII e XVIII: Catolicismo e
Povoamento. In: AMANTINO, Márcia.; RODRIGUES, Cláudia.;
ENGEMAN, Carlos.; FREIRE, Jonis. Povoamento, catolicismo e
escravidão na antiga Macaé (séculos XVIII-XIX). Rio de Janeiro:
Apicuri, 2011.p.63).
Quanto à época da fundação da aldeia, há uma vasta discussão, da
qual autores renomados, como PIZARRO (1823) e SOUZA e SILVA
(1854), seguidos de LAMEGO (1948), PARADA (1996) e
RODRIGUES (1988), além dos locais SILVA et GOMES (1997),
TAVARES (2002) e GOMES (2003), não situam temporalmente a
mesma.
Coube a COUTO REYS (1785) e à dupla RODRIGUES;
FRANCO (2011) situar entre 1747 e 1757. Essas últimas assim o fazem:

115
a presunção de que a aldeia foi criada em 1747 é decorrente da fala do
próprio presbítero no preâmbulo de um texto dirigido ao rei em 1757,
quando mencionou que há dez anos vinha percorrendo 170 léguas e
convertendo 25 aldeias. (AMANTINO, 2011, p.65).
Acertada tal informação quanto à época dos fatos, identifica-se um
conflito entre os jesuítas de Macaé e o padre. Pelo que se percebe, a
fazenda jesuíta tinha atributos essencialmente econômicos, sendo um local
para criação de gado, repouso das boiadas que vinham de Campos, área
produtora de madeira e derivados da cana-de-açúcar. A missão religiosa
dos inacianos, pelo menos em Macaé, foi suplantada por outras
prioridades, que, inclusive, os colocaram em rota de colisão e verdadeiro
estado de conflito com moradores, índios e até com o missionário
Antonio Vaz Pereira. O padre reúne a população queixosa como ele e
deixa bem claro num documento enviado ao rei de Portugal, em que
pede providências contra os inacianos. Segundo o documento, o feitor da
fazenda, José dos Reis, padre, praticava absurdos contra toda população e
havia até organizado uma milícia que, entre outras barbaridades, colocou
fogo na casa do reclamante41.

41
As autoras citam a Exposição do padre Antonio Vaz Pereira acerca da degradação dos
índios do aldeamento de São Lourenço e São Pedro contra os padres José dos Reis e
Manuel Andrade da Companhia de Jesus . cf. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB). Arquivo Ultramarino, 1757. (Arq. 1, 2, 8), p.188. Para a História de Conceição
de Macabu o documento serve para provar que a catequese dos Saruçus foi realizada por
um missionário do “Hábito de São Pedro ” e não por Jesuítas. A presença jesuíta era uma
certeza tão grande que consta até no brasão de armas da bandeira do município. Serve
também para comprovar que as terras do município permaneciam despovoadas, a não
ser por indígenas. Tratou-se de uma revisão histórica, pois, até então, nenhum
historiador local, incluindo quem vos escreve, apostaria na informação que a catequese
ocorrida aqui foi fruto de um trabalho que não o da Companhia de Jesus.

116
Vaz Pereira obteve sucesso: conseguiu catequizar os Saruçus. Além
disso, data deste período a abertura das vias de acesso ao município,
utilizando os rios São Pedro, Macabu, Macabuzinho e Santa Catarina.
Além disso, a utilização de trilhas indígenas, de onde advém muitas das
atuais estradas, como a dos Piabas, Santa Maria e São Geraldo. Enfim, o
interior, aquilo que era chamado de Sertão do Macabu, começava a ser
explorado, revelando terras férteis, madeiras de qualidade e algo que seria
fundamental num futuro não muito distante dessa época: acessibilidade
entre as regiões serrana e litorânea, ou seja, entre o “ouro negro” – café
– e o porto de Macaé.

Campos dos Goytacazes e as freguesias do Desterro e de Neves

É sabido que Conceição de Macabu foi até 1952 distrito de Macaé.


Tal informação é amplamente divulgada, conhecida até daqueles que
pouco sabem sobre o município, pois a influência econômica macaense
até hoje é tão presente entre nós que fica relativamente fácil associar os
dois municípios.
Macaé formou-se da união de territórios cabofrienses e campistas.
Dentre os territórios campistas formadores, estavam a freguesia de Nossa
Senhora das Neves e Santa Rita e a freguesia de Nossa Senhora do
Desterro. Das mesmas vieram para Macaé, Carapebus, Quissamã,
Conceição de Macabu e os bairros do Aeroporto, Barra de Macaé,
Lagomar, Barreto, enfim, as localidades ao norte do Rio Macaé.
Antes de pertencer a Macaé, Conceição de Macabu foi primeiro
campista, município formado em 1677, quando elevou-se a localidade de

117
São Salvador dos Campos dos Goytacazes à condição de “Villa”, dando-
lhe autonomia administrativa sobre vasto território, do qual fazia parte
Conceição de Macabu (RODRIGUES, 1988).
O passo seguinte foi fazer parte da Freguesia de Nossa Senhora do
Desterro do Capivari. No ano de 1732, o alcaide-mor Caetano de
Barcelos Machado, neto do capitão Luís de Barcelos Machado, transferiu
a sede de sua fazenda do Furado para Capivari, já totalmente dentro da
área do atual município de Quissamã. Ali fundou uma nova capela com a
mesma prerrogativa da anterior. Em 1749, a capela foi promovida a igreja-
matriz. A freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Capivari foi criada
por alvará de 12 janeiro de 1755, subordinada à então Vila de São Salvador
de Campos dos Goytacazes, conforme informado por PARADA (1996).
No ano de 1765, outra subdivisão foi criada nos domínios da Villa
de São Salvador de Campos dos Goytacazes. Tratava-se da Freguesia de
Nossa Senhora das Neves e Santa Rita [do Sertão do Rio Macaé], que
apenas 18 anos antes havia sido fundada pelo missionário Antonio Vaz
Pereira, como já visto, de forma modesta, para abrigar índios
Guarulhos/Saruçus (LAMEGO, 1948).
Pelo visto, apesar da origem modesta, a aldeia missionária de
Neves e Santa Rita progrediu, afinal, considerando as condições
econômicas da época, a região reunia todos os indícios de que progrediria:
terras; mão-de-obra; clima; localização; organização missionária. Enfim,
repetiu-se em pleno Norte Fluminense experiências bem-sucedidas de
colonização e povoamento, mais comuns, ou pelo menos mais

118
conhecidas, em outras regiões do Brasil (Sete Povos das Missões), ou
mesmo do Rio de Janeiro (FREIRE; MALHEIROS, 1977).
Sem maiores detalhamentos sobre as razões imediatas que levaram
à elevação da aldeia missionária à condição de freguesia, sabe-se que tal
fato se deu no dia 24 de dezembro de 1765, sendo o primeiro vigário, o
padre José das Neves Ribeiro (SANTOS, 1963). Cronistas e
historiadores, dentre eles Monsenhor Francisco Pizarro, nos dão notícias
de que a freguesia progrediu ainda mais, mas que tal progresso teve seus
limites contidos quando o vigário cedeu lugar a outros, que não tiveram
o mesmo zelo com o trabalho missionário, provocando aquilo que este
autor considera um dos fatores preponderantes do povoamento ou
repovoamento do Vale do Rio Macabu, e que SILVA; GOMES (1997)
denominaram ‘A Diáspora Indígena’, assunto tratado em artigo anterior.
Monsenhor Pizarro assim descreveu a história acima:

Como por Ordem Régia se erigiram as capelas


das aldeias de índios em freguesias, entrou a
desta na classe das paróquias, e por provisão do
dia 24 de dezembro de 1765, foi seu primeiro
Pároco de Encomenda, o padre José das Neves
Ribeiro. (...) pouco interessados os sucessores
do 1º encomendado no aumento da população
índia, deram motivo a desertarem da aldeia os
seus indivíduos, que passaram a povoar a de
Macabu, composta de índios bravos (...).
(ARAÚJO, J.S.P e. Memórias Históricas do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1946, vol. 5, pag. 125).

119
Sesmarias doadas após a redivisão das terras dos Sete Capitães

Nos últimos anos, alguns registros de sesmarias encontrados por


diversos pesquisadores nos dão conta que o Vale do Rio Macabu (desde
a Lagoa Feia até as nascentes do mesmo, na Serra do Macabu), incluindo
aí o propalado Sertão do Macabu (entre os rios São Pedro e Macabu),
começou a ser alvo de maiores doações a partir do século XVIII, se
desconsiderarmos os Sete Capitães e as redivisões das terras dos mesmos
no século XVII.
No registro mais antigo de doação de sesmaria, a área doada é
denominada “Campo do Macabu”, recebido em sesmaria por João Velho
Barreto, doação de Caetano de Barcelos Machado, no século XVII.
Segundo o documento, a opção pela área deu-se por ser mais “próximo
e melhor”, e embora não nos dê certeza de sua localização, a julgar pelo
caráter de proximidade, e referências geográficas, o mesmo devia situar-
se entre a região onde hoje estão as localidades de Macabuzinho e Conde
de Araruama.42
Embora sem a devida confirmação expressa no documento, é
possível limitar tal sesmaria numa área que hoje abrangeria parte do
município e uma parcela significativa daquela época, pois tratava-se do
quinhão topograficamente mais plano e possivelmente mais propício ao

42
A sesmaria é citada por ARAGÃO, Pedro Moniz de. Tombo das Cartas de Sesmaria
do Rio de Janeiro – 1594 a 1795. Ministério da Justiça, Arquivo Nacional. Também por
LAMEGO, Alberto. A Terra Goytacá. RJ, 1945 – Volume 3. ABREU, Antônio I.C.
Municípios e Topônimos Fluminenses . Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1994.

120
desenvolvimento da principal atividade econômica da região no século
XVII: a criação extensiva de gado bovino.
Não há notícias do desdobramento desse fato. O que aconteceu à
sesmaria, nada se sabe, consta-nos apenas que, segundo os registros de
terras posteriores, especialmente os do século XIX, a região foi dominada
por grandes propriedades, como a Fazenda dos Patos e Batalha, por
exemplo (REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS, 1855).
No século XVIII, nas proximidades da elevação da Aldeia de
Nossa Senhora das Neves e Santa Rita em freguesia, duas sesmarias foram
concedidas a dois irmãos portugueses recém-chegados da região das
minas, hoje Minas Gerais. Tratou-se da doação ocorrida no dia 23 de
fevereiro de 1765 a Agostinho Alvarez Almeida e Manoel Alvarez
Almeida. O primeiro situou-se entre as atuais regiões do Córrego das
Aduelas/Rio São Pedro e a Fazenda da Carrapeta, já nas vertentes da Serra
da Sobra de Terras e o Rio Santa Catarina (ABREU, 1994).
O segundo, Manoel Alvarez Almeida, situou-se entre o Rio Santa
Catarina e os rios Macabuzinho e Macabu, englobando, por exemplo, a
região do perímetro urbano atual. Por uma questão de praticidade de
transportes, é bem possível que o sesmeiro tenha sido o pioneiro, ou pelo
menos um dos pioneiros na exploração do Rio Macabu (ABREU, 1994).

121
3 1
2

1.Sesmaria de João Velho Barreiro, chamada de Campo do Macabu, doada


em fins do século XVII. Compreendia o Brejo dos Patos entre os rios Macabu
e do Meio; 2. Sesmaria de Agostinho Alvarez de Almeida, doada em 1765,
localizava-se entre os rios Macabu e Macabuzinho, sendo a primeira que
englobava a área da atual sede do município. 3. Sesmaria de Manoel Alvarez
Almeida, 1765, entre os rios Santa Catharina e Aduelas.
Fontes: Mapa de Conceição de Macabu- Fundação CIDE, 2008; estimativas
do autor.

Segundo Antônio Isaias da Costa Abreu em Municípios e


Topônimos Fluminenses, em 5 de novembro de 1796 Manoel Francisco
dos Santos recebeu uma sesmaria no interior do município, que, segundo
Pedro Moniz de Aragão, situou-se entre as regiões da Palioca e o Curato
de Santa Catarina (ARAGÃO, 1967).
A História das distribuições de sesmarias pela região de Macabu
sofre então um intervalo que vai até 1814. Tal intervalo se justifica pela

122
ausência de registros de doação até a referida data, ou seja, não há registros
de espécie alguma que façam referência ao “Sertão do Macabu”. O que
temos em relação a tal período são doações nas proximidades da Lagoa
Feia, portanto, mais para Campos e Quissamã que propriamente o
município de Conceição de Macabu.
Em 1820 uma extensa região entre os rios São Pedro e o Santa
Catarina, aproximadamente a mesma doada em 1765 a Agostinho Alvarez
Almeida, foi entregue ao capitão-mor Manuel Joaquim de Figueiredo,
cidadão português que viera ao Brasil sob as ordens de Dom João VI
(ARAGÃO, 1967).
O capitão Manuel Figueiredo fundou as três mais antigas fazendas
do município de Conceição de Macabu, ainda existentes: Fazenda São
José do Sossego; Fazenda Santo Antônio; e a Fazenda Santa Maria.
Empreendedor, astuto, Figueiredo abriu a estrada do Emburo, seguindo
inicialmente os trajetos dos rios Aduelas e São Pedro (LAMEGO, 1948).
Tal estrada tratou-se de uma obra que envolveu também a construção de
pontes e alguns aterros, deveria unir o interior da freguesia de Neves a
Macaé, que até aquela época dispunha apenas do meio fluvial para tal, o
Rio Macaé.
O empreendedorismo de Manuel Figueiredo foi imortalizado por
Charles Darwin, quando o naturalista inglês se hospedou na propriedade
deste em 1832. Darwin, que não poupou críticas a seus conterrâneos e
cicerones Robert Lawrie Reid, George Lawrie Reid e Patrick Lennon,
por sua vez, não deixou de elogiar a inteligência do português, tratando-
o como homem trabalhador, inteligente e honesto (DARWIN, 2008).

123
O capitão Figueiredo, foi um importante político na região de
Macaé, tornando-se, inclusive, o representante da Câmara Municipal na
aclamação do imperador Dom Pedro I, em 01 de dezembro de 1822,
segundo informado por PARADA (1996). Além disso, ao casar sua filha,
Maria Figueiredo, com o escocês Robert Lawrie Reid, deram início às
famílias Figueiredo Lawrie e Figueiredo Reid na região de Macabu e
Macaé.
Alberto Lamego em Macaé a Luz de Documentos Inéditos não é
o primeiro, mas com certeza foi dos que nos deu mais notícias sobre outro
sesmeiro da região, o coronel Antônio Coelho Antão de Vasconcellos.
Segundo LAMEGO (1948), no ano de 1821 há uma série de queixas da
população contra o militar. As queixas se dirigem ao seu “ comportamento
despótico”, já que exercia a importante função de chefe da milícia local.
Além do despotismo, os documentos destacam o papel do coronel Antão
de Vasconcellos no combate a quilombos, uma função comum aos da sua
estatura funcional.
No combate aos quilombos, em geral localizados na Região
Serrana de Macaé, que na época incluía a totalidade da ‘Serra do Homem
Deitado’, ou simplesmente ‘Serra do Deitado’43, é que situam-se as posses
do coronel, algumas ainda em seu nome quando dos Registros Paroquiais
de Terras realizados em 1855 pelo vigário Florêncio das Dores Maia, da
então recém criada Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu.

43
Serra do Homem Deitado ou Serra do Deitado foi um termo amplamente difundido
até o início do século XX para designar a porção da escarpa da Serra do Mar no
município de Macaé, região, hoje em dia, entre este e Conceição de Macabu. O
topônimo baseia-se na forma do mesmo, quando visto do litoral.

124
O coronel, que, tal e qual o capitão Figueiredo, veio para o Brasil
na comitiva de Dom João VI, era também português, nascido no Algarves.
Chegando ao Brasil recebeu a incumbência de comandar o distrito militar
da Capitania do Espírito Santo, que na época englobava o Norte
Fluminense. Combatendo quilombos em áreas devolutas, apossou-se das
mesmas recebendo-as em sesmaria, ao que tudo indica.
Tal sesmaria incluía uma extensa região entre o Rio Santo
Antônio e o Rio São Pedro. Englobava boa parte das serras e o córrego
das Cabiúnas, aproximadamente o que é hoje uma parcela da Fazenda
Santo Antônio, da Onça e do Lírio – boa parte pertencendo, hoje em dia,
ao distrito macaense de Córrego do Ouro. Era, portanto, vizinho do
capitão Figueiredo (ARAGÃO, 1967).
1842 é o ano da elevação de Carapebus à condição de freguesia,
e, embora a região de Macabu continuasse pertencendo à freguesia de
Neves, a proximidade com tal realidade atraiu interessados nas terras
daqui, pois se desdobram as doações, desta vez com foco nas regiões do
Curato, Ponto Pinheiro, São João do Macabu e Conceição de Macabu
(TINOCO, 1962).
1836 a 1851 é o período da construção e conclusão da Estrada de
Cantagalo, unindo o porto de Macaé à região cafeeira de Cantagalo, cujo
trajeto envolvia exatamente as áreas mais doadas nesta fase: Curato e
Conceição de Macabu. Concomitantemente, tem-se à época grande fluxo
de balsas pelo Rio Macabu, dinamizando o porto do Pinheiro Maia
(Ponto Pinheiro) e o porto de São João de Macabu (São João/Osório
Bersot) (SILVA; GOMES, 1997).

125
Estrada e portos fluviais tinham pontos de convergência, como a
região de Santa Catarina, abrangendo a bacia do rio de mesmo nome das
nascentes até sua foz no Rio Macabu, congregando alguns fatores que
dinamizaram sua ocupação neste período do século XIX. A região, fértil,
hidricamente favorável, próxima da Freguesia das Neves e Santa Rita, mas
ao mesmo tempo longe o suficiente das epidemias que sagravam naquelas
paragens, era servida por portos e pela Estrada de Cantagalo. Distante
meio dia de viagem da Freguesia de Carapebus e mesma distância da de
Neves, era o lugar ideal para reunir novos sesmeiros, posseiros e toda sorte
de aventureiros.
MARCHI (1997) noticia outro sesmeiro, Manuel Antonio da
Motta, cuja posse englobava uma extensão considerável que ia do
encontro dos rios Macabu e Santa Catarina à bacia hidrográfica deste
último. A sesmaria nunca foi ocupada efetivamente, sendo deixada à sorte
de meeiros, em geral, parentes do mesmo, como Julião Baptista (sobrinho)
e André Ferreira (concunhado). Com o falecimento do sesmeiro em
1847, outros herdeiros, no total de 12, dividem o espólio. Um dos
descendentes, um sobrinho, Manuel da Motta Coqueiro, receberia a
Fazenda Bananal, onde ocorreria, em 1852, o brutal crime que o tornaria
famoso como Fera de Macabu.
Uma leva de pessoas instalou-se na região, nem sempre
possuidores de uma carta de sesmaria, como, por exemplo, um meeiro de
origem portuguesa, Francisco Benedito, abrigado nas terras do jovem
herdeiro Manuel da Motta Coqueiro. Este por sua vez, já havia ocupado
uma gleba em Macabuzinho, numa disputa com os frades beneditinos.

126
Narrativa que culminaria no caso da Fera de Macabu, uma mostra da
dinâmica regional, onde a disponibilidade de terras, servidas por vias de
comunicação, perto de centros importantes e longe do poder dos
latifundiários, atraía pessoas cuja história só se faz presente nos dias de hoje
por terem protagonizado tragédias como a de Motta Coqueiro
(MARCHI, 1997).
Numa escala maior, oficial, a região de Santa Catarina foi ocupada
por sesmeiros, como José Alves da Fonte (para alguns, José Alves Fontes),
que interessado no progresso da região reuniu um grupo de proprietários,
como os Figueiredo Reid, Lawrie Reid e os Vasconcellos, fazendo uma
petição ao bispo do Rio de Janeiro para que a capela (construída em
terreno doado pelo Alves da Fonte) fosse transformada em Curato, o que
se deu em 1853 (GOMES, 2003).
Alves da Fonte, os Reid e os Vasconcellos formavam uma facção
política local, que disputava o poder com um grupo de proprietários que
se instalara a 9 km dali, numa região também servida pela Estrada de
Cantagalo e a apenas 2 km do último porto fluvial do Rio Macabu: São
João de Macabu.
São João de Macabu, hoje uma simples fazenda às margens do Rio
Macabu, não denota o que foi há mais de um século, quando era um dos
principais portos de ligação entre a serra e o litoral.
Sesmeiros como seus rivais do Curato de Santa Catarina
(Domingos Alves Pinto, Antonio Pinheiro Faria Guimarães, Dr.
Francisco Nunes Amado de Aguiar e Luve Pereira da Silva) formavam a
outra facção e estavam interessados que a evolução política atingisse

127
primeiro a região em torno de suas posses. Tinham interesses especiais no
porto de São João de Macabu, que naqueles tempos pensava-se como sede
de um novo curato e consequentemente candidato a freguesia (SILVA et
GOMES, 1997).
Haviam perdido o primeiro round da disputa, pois o Curato de
Santa Catarina tornara-se o primeiro do gênero naquelas paragens do
Sertão do Macabu. Mas continuaram a luta, que seria favorecida por
aspectos políticos e jurídicos que se discutirá no próximo artigo, sobre a
criação da freguesia de Macabu.
A derrota do grupo de Macabu, entretanto, nos leva a uma
hipótese: a segurança e a salubridade de Santa Catarina, longe das
epidemias e enchentes do Rio Macabu, prejudicaram a escolha de São
João.
O jeito foi mudar de estratégia, ao invés de priorizar a escolha do
porto como sede de um curato, optou-se por solicitar a criação de uma
freguesia, levando em conta a necessidade de efetuar os registros de terras,
já que a Lei de Terras de 1850 passava por regulamentação. Mas outra
mudança de estratégia ainda deveria ser feita, levando em conta a questão
da salubridade: abandonou-se a ideia de lutar pela elevação de São João,
apostando-se numa outra localidade: Nossa Senhora da Conceição de
Macabu.44

44
As referências são muitas, mas ARAGÃO, P.M. (1967) e LAMEGO (1948), são os
mais indicados. Sobre a chegada de novos proprietários à região, consta que Rozendo
José, subdelegado de Carapebus, e Úrsula Maria das Virgens, casada com Manuel da
Motta Coqueiro, personagem célebre da história local, são casos de novos proprietários
que se transferiram da recém-criada freguesia para Macabu, ocupando terras em Santa

128
Conceição de Macabu possuía uma pequena capela há muitos
anos, como demonstra uma notícia veiculada em 1835, onde o deputado
provincial José Alves da Cruz, vigário, prometia empreender esforços para
reforma da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Macabu. O grupo
de políticos locais não apelou aos políticos para elevar a capela à condição
de curato. A luta foi para elevação à condição de freguesia, o que acabou
sendo efetivado em 6 de outubro de 1855, e será melhor tratado em
capítulo específico sobre a criação da mesma (TAVARES, 2002).
A nova freguesia, desligada da das Neves, englobava o Curato de
Santa Catarina. Sua criação, mais que premiar o esforço dos sesmeiros,
salientava uma nova realidade nacional, impulsionada pela necessidade
urgente de registrar as terras, tarefa dos párocos. A partir daí o regime de

Catarina e Macabuzinho, respectivamente, segundo dados coletados analisando os


processos de registros paroquiais de terras e o processo do primeiro julgamento da Fera
de Macabu em 1852. As fontes sobre o tema divergem quanto às datas. TAVARES
(2002), SILVA; GOMES (1997), LAMEGO (1948), PARADA (1997), FRIDMAN ;
CRYSOSTOMUS (2005) trabalham com dados próximos à datação oferecida por este
autor. Quanto à navegação por balsas no Rio Macabu, a mesma intensificou-se a partir
do tráfego fluvial entre Campos e Macaé, mesmo antes da conclusão das obras do Canal
Campos-Macaé. Sobre tal assunto há algumas publicações de antigos escritores e
pesquisadores campistas e macaenses, como LAMEGO (1948), FEYDIT (1979),
TINOCO (1963), RODRIGUES (1984), PARADA (1997). Entretanto, quando o
assunto é o canal, valho-me também de SOFIATTI (2001) e de PENHA (2010). Duas
leis trataram do assunto: a lei nº 25 de 14 de abril de 1835 e a lei nº 35 de 6 de maio de
1836, que tratava do orçamento da Província para o exercício financeiro de 1836 a 1837
e estabelecia no Capítulo X, referente às Obras Públicas, dotando a obra e outras com
160$000,00. Tal conclusão foi obtida após análise de informações recolhidas em
documentos de propriedades, heranças e procurações que enfatizam o caráter estratégico
da região. As conclusões também foram obtidas entrevistando-se moradores centenários
de Conceição de Macabu nos anos 80-90, que eram unânimes em afirmar a importância
da região entre os rios Macabu e Santa Catarina. Fontes primárias importantes estão
muito bem guardadas no acervo do Museu da Justiça do Rio de Janeiro. Há coleções de
documentos fundiários citando a região.

129
sesmarias estaria definitivamente sepultado, não só em Macabu, como em
todo Brasil.
Além desses casos e do exemplo de Manuel Motta Coqueiro
citado anteriormente, sabe-se que outros proprietários ocuparam a região
de formas desconhecidas. É o caso do italiano Victório Emmanuel Pareto,
traficante de escravos, perseguido pelos britânicos e refugiado na região
de Santa Catarina, na fazenda que hoje conhecemos como Santo
Agostinho.

Sr. Scarlett está persuadido de que Paretto


chegou a Macaé, e que ali está livre e
tranquilamente vive, como se não fora
deportado desse Império pelos seus feitos de
contrabando de escravos. E crê mais, que a
volta ao Brasil do mesmo se liga a novas
tentativas do mesmo crime. (OSCAR, 1985.
pp 79-81).

Pareto é um caso curioso. Primeiro, pelo fato de ser um


“refugiado”; segundo, “traficante”. Mas o que nos intriga é que, sendo
estrangeiro, já era proprietário em Macabu. Tal fato serve para mostrar
que os registros de sesmarias encontrados até então não passam da ponta
de um iceberg.

130
SESMEIRO ÉPOCA REGIÃO DE JURISDIÇÃO
MACABU
Capitão Miguel 1634-1648 Todo Capitania do
Aires Maldonado município. Rio de Janeiro
João Velho 1685 Patos, São Vila de São
Barreiro Luís e Salvador de
Macabuzinho. Campos dos
Goytacazes
Agostinho 1765 Região de Vila de São
Alvarez Almeida Santa Catarina Salvador de
Campos dos
Goytacazes
Manoel Alvarez 1765 Região do Vila de São
Almeida Santo Antônio Salvador de
Campos dos
Goytacazes
Capitão-Mor 1820* Região do Vila de São João
Manoel Joaquim Sossego, Santo de
de Figueiredo Antônio e Macaé/Freguesia
Santa Maria. de N. Sª das
Neves e Santa
Rita.
Coronel 1821* Serra do Vila de São João
Antonio Coelho Deitado de
Antão de Macaé/Freguesia
Vasconcellos de N. Sª das
Neves e Santa
Rita.
José Alves da 1840* Santa Catarina Vila de São João
Fonte de
Macaé/Freguesia
de N. Sª das
Neves e Santa
Rita.
Domingos Alves Após 1840* Conceição de Freguesia de N.
Pinto Macabu Sª das Neves e
Santa

131
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Antonio Após 1840* Conceição de Freguesia de N.
Pinheiro Faria Macabu Sª das Neves e
Guimarães Santa
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Dr. Francisco Após 1840* Palioca Freguesia de N.
Nunes Amado Sª das Neves e
de Aguiar Santa
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Luve Pereira da Após 1840* São João de Freguesia de N.
Silva Macabu Sª das Neves e
Santa
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Manoel José Citado no Vertentes – Freguesia de N.
Nunes – Registro São João Sª das Neves e
comprada de Paroquial de Santa Rita
Bernardo Lópes Terras –
da registro 58 de
Cruz/Guilherme 25-1-1856. *
Rabelo/
Antonio C. A.
Vasconcellos.
Bernardo Lópes Citado no Vertentes – Freguesia de N.
da Cruz Registro São João - Sª das Neves e
Paroquial de Quilombo Santa Rita
Terras –
registro 106
de 2-3-1856.
*
Bento Manoel Citado no Vertentes – Freguesia de N.
Rodrigues – Registro São João Sª das Neves e
adquiriu de Paroquial de Santa Rita
Terras –

132
Vicente Araújo Registro 103
Silva de 2-3-1856.
*
Manoel Lopes da Citado no Vertentes –
Cruz Registro São João -
Paroquial de Quilombo
Terras –
Registro 112
de
15/11/1857*
* Presume-se a data levando em consideração as tradições orais, raros documentos
paroquiais e fontes literárias discriminadas na bibliografia.

Os Proprietários após a regulamentação da Lei de Terras – 1854 a 1857

A promulgação e posterior regulamentação da Lei de Terras (18-


9-1850 e 30-01-1854), ao extinguir o sistema de sesmarias, puseram fim
ao histórico de ocupações territoriais em Conceição de Macabu por
sesmeiros. A Lei tinha três parágrafos que vinham de encontro às questões
fundiárias da região de Macabu: os artigos 1º, 5º e 14º. O primeiro assim
se definia: “Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por
outro titulo que não seja o de compra”.45
O artigo 1º freava uma prática que era comum em todas as áreas
de sesmarias: a da partilha das mesmas, onde porções chamadas de glebas
ou situação eram vendidas, doadas, trocadas pelos sesmeiros. Muitas vezes
tais aquisições reportavam aos tempos da Idade Média, pois se davam em

45
A Lei de Terras foi promulgada em 18-9-1850 e regulamentada em 30-01-1854. A
consulta foi feita numa cópia xerografada do original e disponível para consulta na
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

133
troca de favores militares, visando à garantia da segurança do maior
proprietário. Outras vezes, a aquisição se dava em troca de favores
políticos, por sinal a prática mais comum, garantindo ao “coronel” o status
de “chefe”, caracterizando o mandonismo brasileiro.
Como perceberemos ao analisar os primeiros títulos de terras
expedidos em Macabu após a regulamentação da Lei de Terras, as glebas
e situações eram muito comuns por aqui, representando um percentual
significativo dos registros.

Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas,


adquiridas por occupação primaria, ou havidas do
primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou
com principio de cultura, e morada, habitual do
respectivo posseiro, ou de quem o represente,
guardadas as regras seguintes. 46

O artigo 5º justificava a ocupação por posseiros, outra situação


muito comum em nossa região. Considerando uma o Vale do Rio
Macabu, que, entre o mesmo e os rios Macabuzinho e Santa Catarina,
constituiu-se num dos poucos lugares da região onde ainda abundavam
terras devolutas na primeira para segunda metade do século XIX. Tal fator
se dava pelo mesmo estar situado entre duas regiões de intensa atividade
agrícola, a região de Cantagalo (cafeicultura) e a baixada Campista
(açúcar), e de só despontar economicamente na segunda metade do
referido século.

46
Ibidem.

134
Assim, posseiros valiam-se dos rios navegáveis (Macabu, São
Pedro, Santa Catarina e Macabuzinho) para chegar a terras férteis e ao
mesmo tempo sem proprietários definidos. O mesmo não era tão simples
em outras regiões, onde barões e coronéis mantinham a Guarda Nacional
em estado de alerta.
O 5º artigo justifica tais aquisições, e como também veremos nas
análises dos registros paroquiais de terras, diversas posses foram
legitimadas, por razões que hoje seriam difíceis de afirmar, mas que não
se prenderiam só ao corpo da Lei, mas também ao jogo político da época,
como veremos depois. Uma coisa é certa, ao justificar posses de caráter
“mansas e pacíficas”: lia-se nas estrelinhas que os títulos só seriam
distribuídos a quem estivesse no jogo político local, em comum acordo
com os mandatários do local. Posses oriundas de invasões e conflitos com
os coronéis e barões, com os sesmeiros mais antigos, corriam o risco de
serem negadas.

O artigo 14 deixa claro de que forma, num país


tão extenso e despovoado como o Brasil, o
governo agiria para “colonizá-lo”:
Art.14. Fica o Governo autorizado a vender as
terras devolutas em hasta publica, ou fóra della,
como e quando julgar mais conveniente,
fazendo previamente medir, dividir, demarcar e
descrever a porção das mesmas terras que
houver de ser exposta á venda, guardadas as
regras seguintes [...]”47

47
Ibidem.

135
Não é possível, analisando as informações dos registros paroquiais,
dizer quem comprou terras do governo. Tal informe não fica detalhado
nos textos que o vigário de Conceição de Macabu, Florêncio das Dores
Maia, fez entre 1855 e 1857. Mas levando-se em consideração que nas
freguesias, vilas e cidades vizinhas ocorreram tais vendas, tanto em “hasta
pública”, quanto “fora della”, não é difícil deduzir que o mesmo tenha se
repetido por aqui.
O que se percebe a partir dos primeiros registros paroquiais é que
a distribuição de propriedades inicial perde espaço para a concentração
fundiária, principalmente a partir de 1878. O ano marca a conclusão do
ramal ferroviário ligando Conceição de Macabu ao Entroncamento,
atraindo moradores e investidores à região, como se pode facilmente
comprovar fazendo uma análise dos registros cartoriais e paroquiais
disponíveis.
Nos registros de nascimentos, casamentos e até nos de óbitos da
Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu, há uma explosão
demográfica entre 1878 e 1889; que permanece no mesmo ritmo
considerando as análises de registros cartoriais entre 1889 e 1920,
conforme demonstra o quadro abaixo:

Período Batizados Média/anual


1855 a 1878
23 anos 2.464 107
1879 a 1.899
20 anos 6.264 313
Fonte: Livros de Batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu
entre 1855-1899, volumes 1 a 8.

136
Da mesma forma houve comprovado crescimento econômico, se
levarmos em conta os registros de compras, vendas, alugueis, procurações,
heranças, banhos e registros de negócios disponíveis no Arquivo da
Câmara Municipal de Macaé, Coordenadoria Macaé 200 anos, mas,
principalmente na vasta coleção cartorial do Museu da Justiça no Rio de
Janeiro.
Corroborando para tais dados, o número de eleitores (que
demandava renda), cresceu de 5 em 1865 para 22 em 1889, culminando
na primeira emancipação e formação do município de Macabu entre 1891
e 1892. O auge, evidentemente, se deu na virada do século XIX para o
XX, estendendo-se até 1929. Este auge foi marcado pela construção do
Engenho Central Macabuense (1878), Usina Progresso (1898), Usina
Conceição (1913) e a Fazenda Modelo Venceslau Bello com Educandário
Presidente Pedreira (1923).
Entre 1855 e 1857 cerca de 122 registros de terras foram realizados
em Conceição de Macabu. A estes devemos somar outros 40, espalhados
pelas freguesias de Neves (10), São Francisco de Paula (10), Quissamã (8)
e Carapebus (12), que dizem respeito a propriedades em terras que hoje
fazem parte do município. Não foi possível analisar as propriedades
registradas em Campos, Macaé (cidade) e na Freguesia do Barreto.
Considerando os 122 registros realizados pelo vigário Florêncio das Dores
Maia e os 10 registrados em São Francisco de Paula, temos:

137
Localização no Município Número de Registros
Carukango 4
Estrada de Cantagalo 2
Macabu 24
Rio Macabuzinho 17
Onça 4
Palioca 5
Santa Catharina 14
Santa Maria 3
São Pedro 1
Serra das Vertentes - Quilombo
6
Serra do Deitado - Santo Antônio
7
Serra Verde 1
Sossego 8
Não Especificado 36
Total 132
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU, 1855-57.

As formas como as 132 propriedades foram obtidas também consta


dos documentos e nos mostra a seguinte realidade:

138
Situação no Momento do Número de registros
Registro
Compra 13
Herança 3
Posse 14
Sesmaria 4
Situação 3
Troca 3
Tutoria 1
Não Especificado 73
Total 132
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU, 1855-57.

Nos anos de 1855 a 1857, segundo os registros paroquiais, as


principais propriedades rurais situavam-se em:

Localização no Município Nome da Propriedade


Carukango Fazenda do Carukango (I);
Fazenda do Carukango (II).
Macabu Novo Paraíso;
Rio Macabuzinho Fazenda da Conceição.
Onça Fazenda da Onça; Fazenda
Bom Jardim; Nossa Senhora
do Rosário da Onça.
Palioca Fazenda da Palioca (I); Fazenda
da Palioca (II).
Santa Catharina Fazenda Santa Catharina I;
Santo Agostinho; São Boa
Ventura; Duas Barras; Santo
Agostinho (II); Fazenda Santa
Catharina II.
Santa Maria Fazenda Santa Maria.
Serra das Vertentes-Quilombo Fazenda São João.

139
Serra do Deitado-Santo Fazenda Santo Antônio; Meia
Antônio Laranja; Esperança; Boa Vista
das Vertentes.
Serra Verde
Sossego Vargem Grande; Fazenda São
José do Sossego.
Não Especificado Santo Antônio do Engenho
Novo; Vargem Alta; Boa Vista;
Capim D’Angola; Retiro; Pão
de Açúcar.
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU, 1855-57.

Os Proprietários nos Registros Cartoriais

Antes de emancipar-se em definitivo no ano de 1952, Conceição


de Macabu foi território – evoluindo para freguesia e distrito – de Macaé,
município ao qual estivemos ligados desde 29 de julho de 1813, quando
o mesmo foi criado por ordem de Dom João, Príncipe Regente: “hei por
bem erigir a vila a referida povoação, com o nome de Vila de São João de
Macaé, que terá por limites por uma parte o Rio São João e pela outra o
Rio do Furado” (TINOCO, 1962, p.76).
A Villa de São João de Macahé, equivalente hoje em dia a um
município, tinha particularidades, como o fato de reunir duas freguesias
que antes estavam sob administração da Vila de São Salvador de Campos
dos Goytacazes e territórios sob administração da Vila de Nossa Senhora
da Assunção de Cabo Frio. Outra particularidade é que a sede da vila
ficava na povoação de Macaé, que ainda não era uma freguesia. Assim, o
novo município que deveria ter por sede ou a Freguesia de Nossa Senhora

140
do Desterro de Capivari (hoje Quissamã), ou a Freguesia de Nossa
Senhora das Neves e Santa Rita (hoje região de Córrego do Ouro), nascia
submetido a uma localidade que até então não tivera reconhecimento
político algum.
A discussão sobre as razões que levaram Macaé à condição de sede
da vila ao invés das freguesias já constituídas não é o objetivo deste livro,
mas os curiosos e estudiosos podem recorrer à literatura sobre o tema a
partir de PARADA (1995), LAMEGO (1943) e o mais recente
RODRIGUES (2011).
A Constituição do município macaense, unindo duas parcelas,
uma campista e outra cabofriense, ao longo do Rio Macaé, ao colocar
Conceição de Macabu nesses domínios, o fazia pela última vez, já que a
partir daí se emanciparia duas vezes, em 1891 até 1892 e a emancipação
definitiva em 1952.
Em 1855, ao ser criada a Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição de Macabu, como parte do status, a mesma passava a ter sobre
uma região específica o direito de registrar nascimentos, casamentos,
óbitos e terras.
Tais registros eram produzidos pelo vigário da paróquia (criada
junto com a freguesia, abrangendo a mesma área), Florêncio das Dores
Maia, como obrigação da mesma.
O registro civil foi uma exclusividade dos párocos até o decreto-
lei 586, aprovado em 6 de setembro de 1850. O decreto, no 3º parágrafo
do artigo 17, cria o Registro Civil das Pessoas Naturais, complementado
por outro decreto, o 798, de 18 de janeiro de 1852, onde, apesar da

141
função ser desligada da Igreja, não a excluía, inclusive pela falta de pessoal
adequado às funções (CASTRO, 1948).
Quase quarenta anos foram precisos para ultrapassar os velhos
hábitos, substituindo os assentos eclesiásticos. Através da Lei 1.144 e do
Regulamento 3.069, de 17 de abril de 1863, foi instituído o registro dos
atos referentes ao casamento leigo para os acatólicos, até chegar ao
Regulamento de Registro Civil pelo Decreto nº. 9.886 de 07 de março
de 1888, sendo marcado o início do serviço para o dia 1º de janeiro de
1889, através do Decreto 10.044 de 22 de setembro de 1888. Fazendo-se
assim o novo registro, prova do nascimento, ou da idade, com nome e
filiação das pessoas naturais, bem como dos casamentos e óbitos, ainda que
celebrados aqueles perante autoridades religiosas (CASTRO, 1948).
O registro civil realizado por religiosos continuou válido e muito
atuante, mesmo após os decretos de 1850, 1852, 1863, 1888 e 1889.
Regulado pelo Concílio de Trento, acordado entre Portugal e o Vaticano
no século XVI, o registro foi mantido após a Independência do Brasil e
só totalmente excluído após a Proclamação da República em 1889, por
ocasião da Constituição Republicana, promulgada em 15 de novembro
de 1891 (BALBINO FILHO, 1983).
Entre 1850 e 1889, em todo município de Macaé, incluindo
Conceição de Macabu, os registros feitos por religiosos foram lentamente
sendo substituídos pelos leigos, principalmente após 1863, havendo uma
gradativa proliferação dos Cartórios, primeiro pela cidade, depois pelas
freguesias.

142
Os mais antigos registros cartoriais de Conceição de Macabu,
disponíveis no Museu da Justiça, Rio de Janeiro, datam de 1878, tese
confirmada pelo Almanak Laemmert de 1879. Anteriores a essa data, tem-
se registros cartoriais desde 1869, segundo o Museu da Justiça, no Rio de
Janeiro.
Segundo dados coletados tanto nos arquivos da Coordenadoria
Macaé 200 Anos, entre 2011 e 2012, quanto no Museu da Justiça, em
2010, temos uma larga gama de registros, a maioria deles feitos nos
cartórios de Macaé, uma minoria no Cartório de Conceição de Macabu.
Segundo tais dados, os processos iniciam-se em 1831, num curioso
e importante Auto de Devassa, por tiros dados na casa de Domingos José
Gomes Pinto, citando como um dos responsáveis Francisco Moçambique,
que tudo indica ser o conhecido e ao mesmo tempo pouco documentado
Carukango, líder do quilombo de mesmo nome.
Com relação às terras, processos, anteriores aos decretos-lei acima-
citados, indicam uma crescente ocupação dos vales dos rios São Pedro,
Aduelas, Santa Catharina, Macabuzinho e Macabu, sendo nesta ordem de
apropriação, considerando para tal a região do Vale do “Alto Macabu”,
até Conceição de Macabu. Seguem processos de 1843, 1848, 1847, 1849,
1851 e 1854, ainda feitos nas Paróquias ou nas residências dos Juízes de
Paz, por estes ou seus escrivães.
Entre 1868 e 1878, registram-se vendas de terras na região do
Carukango, Vertentes de Macabuzinho, Bom Jardim, Estação e em
Conceição de Macabu. Tais processos mostram a chegada de elementos
estranhos à região, como os “ naturais de Canta Gallo”, que compraram

143
em Macabuzinho, ou de “ origem da Corte”, para aquisição de áreas na
região de Bom Jardim.
Registros posteriores a 1878 são muitos, afinal, data daí o primeiro
cartório em Macabu. Segundo os mesmos, a ocupação que antes se dava
em áreas ainda não devassadas, geralmente parcelas de antigas sesmarias,
passava agora a propriedades já feitas, com criações, plantações e muitas
benfeitorias. Casos das fazendas da Palioca, que marcam a saída dos Amado
de Aguiar, primeira família política de destaque na região, em direção à
capital, Niterói, como é exposto no documento de venda. Em
contrapartida, a saída dos descendentes do coronel Amado é inversamente
proporcional à presença dos Silva Gomes e Natividade Gomes, que
adquirem as fazendas da Palioca, Capim D’Angola e Demanda – algumas
das maiores de Macabu.
A chegada de uns e saída de outros não é a única particularidade
desses registros. Testamentos, banhos de casamento, dotes, mostram a
divisão das grandes fazendas por seus descendentes, como é possível nos
registros da Fazenda Santo Agostinho (família Pareto), São João (família
Bellas) e a Fazenda São José do Sossego (família Lawrie).
Famílias tradicionalmente ligadas à terra em Conceição de Macabu
nos séculos XX e XXI, começam a progredir na região nessa época, caso
dos Tavares, Daumas, Barbosa e Gomes. Comprando fazendas, trocando
propriedades, arrendando, os membros desses clãs, alguns estabelecidos
aqui antes de 1878, têm suas glebas aumentadas consideravelmente.
1878 é um ano emblemático para Macabu, pois marca o início das
atividades da Companhia Ferroviária Barão de Araruama, provocando

144
uma explosão demográfica e ocupação do solo poucas vezes inigualada
em outras fases históricas do município.
Além dos registros relacionados à questão fundiária, outros
denotam o crescimento populacional e mostram a instalação de novas
fazendas, serviços e comércios. Caso por exemplo das cartas de alforria,
testamentos, reivindicações, embargos, tutelas, sequestros, penhora de
bens (escravos inclusive), confissões e cobranças judiciais de dívidas, além
de heranças e muitas procurações de compra e venda.
Como o século XIX, em sua quase totalidade, foi a época do
Padroado Régio, com a íntima ligação entre o governo e a Igreja Católica,
demonstrando também a intensa religiosidade daqueles tempos, há o
curioso caso do fazendeiro Pedro Monteiro de Almeida, que deixou seus
bens em testamento às padroeiras de Macabu, Neves, Carapebus e Macaé.
O registro de propriedades rurais ou de qualquer outro tipo numa
região distante dos grandes centros, como Macabu, guarda
particularidades que infelizmente a pena do padre ou do tabelião não pôde
guardar. Lendo e relendo centenas de páginas que mostram a dinâmica
socioeconômica e política de várias épocas, temos acesso apenas a uma
versão dos fatos.
Se de um lado da mesa de registro estava um cidadão livre,
buscando através da lei documentar-se, do outro lado da mesma, estava o
vigário da Paróquia de Macabu, fosse ele Florêncio das Dores Maia, Pedro
Matula ou José Chiaromonte (os primeiros padres), eram os tabeliães
Amaro Gomes Cunha, Agenor Caldas e José Cândido de Carvalho,
principalmente.

145
A variedade dos registros ainda está por ser totalmente estudada.
Há muito a fazer, principalmente nos Cartórios de Macaé e Conceição de
Macabu, missão deixada as novas gerações de historiadores.

146
Anexo Fotográfico e Cartográfico:

O que restou da Estrada Geral de Cantagalo ainda pode ser visto em fragmentos de
pontes, calçamentos e nivelamentos de terrenos, como o que vemos acima, localizado
na região da Amorosa, ao lado do Rio Macabu, a 12 km de Conceição de Macabu.

Carta Corográfica do Rio de Janeiro, datada de 1777, mostrando um pouco abaixo do


meio o Rio Macabu e a Lagoa Feia, onde tem sua foz natural.

147
Cana e café no interior fluminense, meados do século XIX, e a posição de Conceição
de Macabu. Mapa do autor.

Mapa de 1863, mostrando as fazendas e localidades da região, inclusive as de Macabu

148
Rio Macabu nas proximidades de Macabuzinho mostrando o que restou do antigo
porto de Paciência do Macabu.

149
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REGISTRO PAROQUIAL DE NASCIMENTOS DA PAROQUIA DE


NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU (1848-1889), 6V.

REGISTRO PAROQUIAL DE ÓBITOS DA PAROQUIA DE NOSSA


SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU (1848-1889), 4V.

REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA DE CONCEIÇÃO DE


MACABU (1953-1993).
REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE
MACAÉ (1913-1952).
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MACAÉ (1913-1952).

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Acervo da Massa Falida da Usina Victor Sence
Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Carapebus
Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu
Acervo da Paróquia de São João Baptista
Acervo de Adelino Antônio de Campos Tavares
Acervo Fotográfico de Marília Tassara
Arquivo da Câmara Municipal de Macaé
Arquivo da Fundação Estadual da Infância e Adolescência
Arquivo do Museu do Ingá
Arquivo do Palácio das Laranjeiras
Arquivo Nacional
Arquivo Nacional de Portugal – Torre do Tombo
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes
Biblioteca Municipal de Campos dos Goytacazes
Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional de Portugal
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro
Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Museu do Ingá
Museu Sociorreligioso Dom Clemente Isnard
Solar dos Mello

158
3
DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO DE MACABU ATÉ A
PRIMEIRA EMANCIPAÇÃO (1855-1892)

Marcelo Abreu Gomes

1. A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu


1.1. Freguesia e Paróquia

Freguesia é um termo herdado da legislação do Império Português,


representando a menor porção administrativa de um município. Em
termos atuais seria equivalente a distrito. Todo município deve ter ao
menos um distrito. Da mesma forma, as antigas “villas”, os municípios do
Brasil Colônia e Império, deveriam ter, no mínimo, uma freguesia
(RIBEIRO, 2007).
Até a Proclamação da República em 1889, não havia distinção
entre freguesia e paróquia. Tal organização semelhante manteve-se
durante o tempo do Império do Brasil no qual a Igreja Católica foi
mantida como religião oficial do Estado, que tinha o dever de pagar
salários para padres e bispos. Deste modo, era adequado que a estrutura
administrativa civil não fosse distinta da estrutura eclesiástica. Os

159
religiosos, em contrapartida, eram os responsáveis por diversas atividades
burocráticas, como os registros de nascimentos (batismo), casamentos e
óbitos, só para citar os mais comuns.
Segundo o Codex Iuris Canonici, documento oficial da Igreja
Católica:

A paróquia é uma subdivisão territorial de


uma diocese, eparquia ou bispado, dentro da
Igreja Católica Romana, a Comunhão
Anglicana, a Igreja Ortodoxa Oriental, a Igreja
da Suécia, a Igreja Presbiteriana (embora não
possua governo episcopal) e de algumas outras
igrejas. A palavra "paróquia" é também usada
para se referir de um modo mais geral ao
conjunto de pessoas que frequentam uma
determinada igreja. Neste uso, uma paróquia é
um ministro que serve uma congregação 48.

No Brasil colonial e imperial, o paroquiano era, acima de tudo,


um munícipe, alguém que tinha uma identidade territorial, pertencente a
um município e à sua subdivisão, a freguesia. Tais diretrizes, baseadas no
costume imposto pela rigorosa legislação seguiam o regime do Padroado,
que assim pode ser disposto:

48
HORTAL, Pe Jesus (Trad). Codex Iuris Canonici. São Paulo: Edições Loyola, 11ª
edição 2002, p.72. O Codex Júris Canonici, promulgado pelo Papa João Paulo II,
traduzido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com notas e comentários do
Padre Jesús Hortal, Texto semelhante pode ser encontrado em DOMINGUEZ, Lorenzo
M; MORAN, Sabino A; ANTA, Marcelino C. Código de Derecho Canônico y
Legislación Complementaria, texto latino y versióncastellana, com jurisprudência y
comentários. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, Pontifícia Universidad de
Salamanca, 4ª edição, 2001.

160
O Padroado foi criado através de um tratado
entre a Igreja Católica e os Reinos de Portugal
e de Espanha. A Igreja delegava aos monarcas
destes reinosibéricos a administração e
organização da Igreja Católica em seus
domínios. O rei mandava construir igrejas,
nomeava os padres e os bispos, sendo estes
depois aprovados pelo Papa. Assim, a estrutura
do Reino de Portugal e de Espanha tinha não
só uma dimensão político-administrativa, mas
também religiosa. Com a criação do Padroado,
muitas das atividades características da Igreja
Católica eram, na verdade, funções do poder
político. (SANTOS, 2001, p.66).

As províncias brasileiras eram divididas em municípios. Estes, por


sua vez, eram divididos em freguesias. As freguesias correspondiam às
paróquias, como vimos, mas também havia curatos para serviços religiosos
em povoações pequenas e sem autonomia política, muitas vezes com um
pároco visitante. Por sua vez, os bispos comandavam as dioceses, típicas
organizações administrativas religiosas, que abrangiam geralmente
diversos municípios, ou seja, diversas freguesias (MARX, 1991).
Com a Proclamação da República, houve uma total separação
entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, de modo que as antigas
províncias se transformaram em estados autônomos, divididos em
municípios também autônomos que, por sua vez, podem (ou não) ter seu
território dividido para fins puramente administrativos. A Igreja
Católica passou a manter uma estrutura administrativa distinta.

161
Uma ação necessária

Simples localidade, região, sertão, pertencente à Freguesia de


Nossa Senhora das Neves. Essa era a situação política de Conceição de
Macabu quando da formação do município (Vila) de Macaé em 1813.
Nessa condição a região de Macabu estava não só anexada fisicamente à
freguesia, como também estava subordinada em assuntos eclesiásticos,
administrativos, políticos e sociais.
A realização de um casamento, o batismo de um recém-nascido,
um registro de óbito, qualquer sacramento religioso ou outra atividade
sociocultural que dependesse da Igreja, por conseguinte, dependia
também das ações do vigário de Nossa Senhora das Neves, distante um
dia de viagem, aproximadamente.
No princípio, enquanto Macabu era uma região pouco povoada,
essas questões se resolviam com visitas esporádicas do vigário ou outras
autoridades eclesiásticas, como percebemos nos registros datados de 1848,
existentes na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição
de Macabu.
O crescimento da região de Macabu exigiu medidas das
autoridades, sob pressão ou percebendo que visitas esporádicas não
supririam mais as necessidades da localidade. Como consequência, em
1855, no dia 6 de outubro, a Lei Provincial nº 812 criou a Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Macabu (SILVA; GOMES, 1997).
Na época, a criação da freguesia foi também justificada pelo
crescimento da população, pelo desbravamento de áreas florestais que

162
davam lugar a cafezais e canaviais, pela chegada cada vez maior de pessoas
interessadas em investir e viver na região. Em verdade, a ocupação
acelerada do Vale do Rio Macabu trazia em seu bojo dois outros
problemas, de cunhos político e fundiário, necessitando de respostas
rápidas, justificando a criação da freguesia.
Os anos de 1840 a 1855 foram os mais intensos na ocupação do
território macabuense. Sesmeiros, motivados pelas terras devolutas,
tropeiros, viajantes, enfim, uma vasta gama de personagens fluiu ao Vale
do Rio Macabu, adquirindo terras de maneira lícita e ilícita para os
padrões daquela época.
Se por um lado essa ocupação alterou os padrões demográficos,
povoando a região, resultando em mais uma motivação para o
estabelecimento da freguesia, por outro, convergiu igualmente para que
conflitos fundiários fossem estabelecidos em todo o Vale do Rio Macabu.
Ao povoamento e aos conflitos fundiários juntou-se outro fator
decisivo: um novo grupo de lideranças políticas regionais, que uma vez
estabelecidos em Macabu, divergiam e conflitavam abertamente com os
grupos das freguesias vizinhas, principalmente os de Nossa Senhora das
Neves e os de Carapebus.
Desta feita, ao criar a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Macabu, o governo da Província do Rio de Janeiro esperava solucionar
três questões relativamente sérias ao mesmo tempo, das quais as de ordem
política são mais documentadas e fáceis de comprovação.
Exemplo dessas movimentações políticas percebemos na
acomodação de lideranças estabelecidas no local, já que vários cargos eram

163
criados automaticamente, como os de Vigário, Juiz de Paz, Subdelegado,
Fiscal e Arruador.
Tais funções eram seguidas de cargos auxiliares, como o
Almotacés, Meirinho e, em alguns casos, Porteiro e Soldados.
E é daí, da nomeação dessas autoridades, que tiramos conclusões
sobre os grupos que reivindicaram a criação da freguesia:

Autoridades da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu -


1855
Vigário Florêncio das Dores Maia
1º Juiz de Paz Bernardo Lopes da Cruz
2º Juiz de Paz Dr. Francisco Nunes Amado de Aguiar
3º Juiz de Paz Antonio Pinheiro de Faria Guimarães
4º Juiz de Paz Henrique Daumas
Subdelegado Dr. Francisco Nunes Amado de Aguiar
Fiscal Julião José Baptista
Arruador Miguel Archanjo Pereira

O Vigário Florêncio das Dores Maia era macabuense, nascido


onde hoje é o Ponto Pinheiro, localidade cuja denominação tem origem
numa propriedade e comércio de seus familiares: o Ponto do Pinheiro
Maia (TAVARES, 2002). A localidade era uma referência a seu pai, que
era comerciante e fazendeiro numa região estratégica onde havia uma
confluência de porto fluvial do Rio Macabu e uma estrada ligando-o à
Estrada de Cantagalo. Mais tarde, em 1878, a região foi ainda mais
beneficiada, desta vez com o ramal ferroviário.
A presença de um Pinheiro Maia na freguesia, numa posição
estratégica, mostrava não só o prestígio, mas também o interesse dessa

164
família e de outras. O padre era a principal autoridade da estrutura
administrativa que cuidava dos assuntos fundiários na época. Os registros
passavam por ele, se fosse de seu interesse, do interesse de seus pares,
legalizaria ou não qualquer posse.
A terra, sinônimo de prestígio e poder, era, dessa forma, uma
riqueza que, de forma legalizada, dependia da influência do pároco da
freguesia ou da influência que se tinha sobre o mesmo. Afinal, se sua
família era importante, os mesmos conviviam numa teia social, onde
outros personagens eram tão ou mais destacados.
E o padre não estava só.
Os juízes de paz eram autoridades que compartilhavam com os
párocos, delegados e fiscais a estrutura administrativa da freguesia.
Os juízes de paz presidiam as mesas eleitorais em lugar do juiz de
fora e do juiz municipal – os dois últimos membros da magistratura togada
–, com auxílio do pároco e dos vereadores (no caso da sede municipal),
ou dos juízes suplentes, no caso das freguesias. Eram geralmente
escolhidos entre pessoas da confiança dos grandes proprietários de terra e
de engenhos – quando não eram os próprios – que controlavam a política
municipal graças ao poder econômico. Alguns deles acumulavam ainda
cargos na Câmara Municipal, facilitando a manipulação dos resultados
eleitorais.
Os juízes de paz surgiram num contexto de
renovação do pacto político entre as elites
regionais e o governo central, emergido a partir
da renúncia de D. Pedro I, em 1831,
para atender as aspirações liberais, depois de um

165
período de enorme centralização de poder nas
mãos do imperador. Em nível local, a figura do
juiz de paz representou, com respaldo da lei, a
concentração de mais poder político em mãos
do potentado rural, desmandos, abusos e
violência49.

Com mandato de um ano e direito à reeleição, o juiz de paz era a


autoridade policial máxima da localidade. Entre suas atribuições, estavam
a concessão de fianças, a prisão de criminosos e o combate às desordens.
Além disso, competia-lhe presidir a junta de qualificação dos votantes
paroquiais, responsáveis pela escolha dos eleitores que elegiam os
deputados e senadores (FAORO, 2010).
Apesar dos aspectos legais, levando em consideração a questão da
interpretação da legislação e certa autonomia, os juízes de paz muitas vezes
se portavam despoticamente, decidindo à revelia da lei e raramente
fiscalizados.
O primeiro juiz de paz da freguesia era um dos mais antigos e
importantes sesmeiros da região de Neves e Macabu, Bernardo Lopes da
Cruz. Com interesses claros no jogo do poder regional, estava sem espaço
político em Neves, vendo assim, na nova freguesia, a oportunidade de
manter seu status e até de ampliá-lo. Grande proprietário, o senhor
Bernardo Lopes estava, por razões que desconhecemos, afastado do
juizado ou da subdelegacia de Neves há anos. Macabu era a oportunidade
de se reorganizar socialmente.

49
FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do patronato brasileiro. São
Paulo: Editora Globo, 3ª ed. Ver., 2001, p.55.

166
O segundo juiz de paz era o Dr. Francisco Nunes Amado de
Aguiar. Fazendeiro, advogado, natural da Fazenda dos Patos, próximo a
Macabuzinho, era coronel da Guarda Nacional e Cavaleiro da Ordem da
Rosa. Foi decisivo na construção da Estrada de Cantagalo, da qual ainda
fazia a manutenção de extenso trecho por conta própria. Igualmente,
garantia com seus escravos que o Rio Macabu se mantivesse limpo de
aguapés e galhos, permitindo a navegação (LAMEGO, 1948).
O coronel era proprietário da Fazenda da Palioca, uma produtiva
e extensa gleba que adquirira de antigos sesmeiros. Anos antes havia
expulsado sem terras e invasores que cortavam árvores de cabiúna no local,
se tornando representante nato dos grandes proprietários regionais.
Amado de Aguiar foi uma das primeiras personalidades políticas da recém-
criada freguesia, tendo destaque aqui e em Macaé. Até o fim da vida seria
político, vereador, subdelegado, fiscal, juiz de paz - funções e cargos que
passaria ao filho, Guilherme. Anos depois, seria um dos construtores do
ramal ferroviário, ocupando o cargo de secretário da Companhia Estrada
de Ferro Barão de Araruama (PARADA, 1995).
O coronel também acumulava a função de subdelegado, um cargo
de destaque em qualquer freguesia por suas funções policiais. Chegara a
tal não só por suas aptidões políticas, como por sua formação: advogado.
Os juízes de paz não tinham função policial, atribuição pertinente
aos subdelegados, que por sua vez estavam subordinados aos delegados dos
municípios – no caso, Macaé.
O terceiro juiz de paz, Antonio Pinheiro Faria Guimarães, era
proprietário da Fazenda São Manoel, em Santa Catarina, hoje Curato,

167
fruto de uma sesmaria recebida há alguns anos. Criador de cavalos e bestas,
plantador de cana, possuiu um dos primeiros alambiques da região.
Também criava gado bovino, que eventualmente transportava até Macaé
para negócios. Tal e qual o vizinho Francisco Nunes Amado de Aguiar,
era membro atuante da Guarda Nacional e político destacado em Macaé,
onde foi vereador (TAVARES, 2002).
Antonio Pinheiro Faria Guimarães foi um dos construtores da
Estrada de Cantagalo, da qual também foi um dos idealizadores e
entusiastas. Parte atuante da sociedade e do staff político da região lutou
para que Macabu fosse elevada à condição de freguesia, conforme
informou o historiador Godofredo Guimarães Tavares, que é seu bisneto.
Henrique Daumas, filho do imigrante suíço Adrian Allemand, era
proprietário rural na região de Macabuzinho. Produzia de tudo um
pouco, com destaque para a agricultura, cuja produção remetia a Macaé
e Campos valendo-se de um porto particular no Rio Macabu e de estradas
que unia sua propriedade à Estrada de Cantagalo.
Adrian Allemand, seu pai e patriarca dos Daumas, era um dos
principais construtores da região, responsável por obras que até hoje, mais
de 150 anos depois, ainda permanecem intactas, como cabeceiras de
pontes ferroviárias, chafarizes e alicerces de casas. Um dos mais
requisitados prestadores de serviços no município de Macaé, tinha uma
vida profissional que o conectava aos mais importantes políticos e homens
de negócios da região.
Henrique Daumas não representava apenas os interesses
particulares ou de classe, mas do seu pai, articulado com os proprietários

168
interessados nas obras que poderiam beneficiar a região. Pontes, chafarizes,
estradas, contenções, limpezas no cemitério e até as obras de reforma das
igrejas eram, em geral, entregues ao patriarca da família, o que, na
condição de freguesia, teria uma agilidade ainda maior, beneficiando a
todos.
A Adrian Allemand se atribui três das mais emblemáticas estruturas
arquitetônicas remanescentes do século XIX em Conceição de Macabu:
o chafariz da Praça Dr. José Bonifácio Tassara e o que restou de outro,
hoje no Ciep-271; o projeto e alicerces da Estação Ferroviária. As três
obras datadas de 1877-1878 (SILVA; GOMES, 1997).
Completando a intrincada rede que levou criação da freguesia
estava o comendador Julião José Baptista, personagem famoso na história
regional, principalmente se atentarmos para seu nome completo Julião
José Baptista Coqueiro. O comendador é primo do Motta Coqueiro, para
quem perdeu uma namorada ainda na mocidade, fato que os
transformariam em inimigos irreconciliáveis. Ambos adotavam como
último sobrenome a fazenda onde nasceram, em Campos dos Goytacazes,
Fazenda do Coqueiro.
Segundo Carlos Marchi em Fera de Macabu, Julião formou-se em
Direito, tornando-se um dos mais atuantes políticos do Partido
Conservador no eixo Campos-Carapebus. Tinha terras e muitos interesses
em Macabu, na região de Santa Catarina, onde era vizinho de seu primo,
colaborando para a ruína de Motta e adquirindo duas de suas cinco
propriedades após o enforcamento do mesmo em março de 1855
(MARCHI, 1998).

169
Segundo o mesmo autor, Julião Baptista e todos que tinham o
sobrenome ‘Coqueiro’ abandonaram o mesmo durante o processo
criminal que envolveu o primo, de forma que o mesmo praticamente
desapareceu com a morte de Motta Coqueiro.
As propriedades, comércio e produção de café, junto ao fato da
nova freguesia ser limítrofe com Carapebus, onde tinha influência, fez
com que este apoiasse e lutasse pela instalação da mesma, da qual ocuparia
uma função que pairava sobre as demais: a de fiscal.
O fiscal de uma freguesia era um constante auditor, que tinha
autoridade para observar, criticar e promover mudanças em todos os
demais setores, inclusive o eclesiástico, a quem em caso de necessidade,
poderia solicitar uma fiscalização mais detalhada, feita por outra
autoridade, a Católica (PIAZZA, 1984).
Completando, Miguel Archanjo Pereira, o arruador, não era uma figura
que se desponta na elite regional. Era um proprietário de muitas terras,
mas com condições medianas e pequeno comerciante. Coube-lhe a
função de arruador, ou seja, responsável pelas demarcações de terras,
inclusive as do perímetro urbano, uma função criada para evitar litígios
fundiários.
A nomeação do mesmo para o cargo de menor expressão da
freguesia se deu pelo fato deste, anteriormente, ter cedido os terrenos para
construções públicas, como a ampliação da Igreja Matriz e o cemitério. A
propriedade de Miguel Archanjo se localizava próximo ao centro da
cidade, considerando padrões atuais – muitas ruas e quarteirões estão em
terras que pertenceram ao mesmo.

170
Conclusão: uma freguesia estratégica

Considerando o fato isoladamente, o ato de formação da Freguesia


de Nossa Senhora da Conceição de Macabu em 1855, cravado no dia 6
de outubro daquele ano, foi o marco mais importante da história local até
as duas emancipações, respectivamente em 1891-1892 e 1952.
Porém se o ato em si de promoção e reconhecimento da
potencialidade local tem um valor implícito e indiscutível, há de se levar
em consideração que os fatores condicionantes igualmente representam
uma mudança no estilo local, que deixava de ser uma área devoluta para
exibir os primeiros focos fundiários.
O até então Vale do Macabu ou Sertão do Macabu, a meio
caminho entre a serra e o mar, tornava-se estratégico, atraindo desde
excluídos dos mais diversos matizes até membros da elite local.
Era uma lenta modificação no perfil social, econômico e político
da localidade. Surgiam os primeiros aglomerados urbanos, crescia em
quantidade e qualidade as produções da sua economia.
Necessitava-se de um controle sobre o vale, controle esse que
estava implícito na constituição da freguesia e na acomodação de seus
grupos dominantes.
Manter a região sob o controle da Freguesia de Nossa Senhora das
Neves não contemplaria os anseios de uma elite econômica e política local
em rápido crescimento. Da mesma forma, não agilizaria obras e serviços
necessários ao bom funcionamento das vias de transporte do café de
Cantagalo, fossem elas terrestres ou fluviais. Por fim, dinamizaria o

171
controle do Estado, via guarda nacional e registros paroquiais, sob uma
região com histórico de conflitos fundiários, políticos e de ordem social-
escravista.

2. O Município de Macabu (1891-1892)

Há particularidades na história de Conceição de Macabu que, em


geral, provocam expressões de espanto ou de total descrédito. O que
aconteceu em Macabu entre 1º de maio de 1891 e 29 de abril de 1892
talvez seja a mais impressionante de todas as muitas particularidades da
História e da Geografia local 50. Tratou-se de um raro momento de
independência política e administrativa, quando a então Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Macabu tornou-se o município de
Macabu, tendo como primeiro distrito “o da Conceição” e como
segundo o “Curato de Santa Catharina” – Catharina com a grafia da época
(PARADA, 1995).

Naquela época o Brasil vivia o início do período republicano, datado


de 1889, por um lado marcado por alguns continuísmos, por outro tinha
marcas de mudança. No caso do continuísmo, a formação de novos

50
O estudo do mesmo demandou pesquisas em fontes diversas, como os acervos da
Câmara Municipal de Macaé, sobretudo o Livro da Intendência de Macabu, onde
existem diversas atas, desde a fundação da vila em 1 de maio de 1891 até sua extinção.
Além desses registros, que contam o dia-a-dia da intendência (prefeitura) macabuense,
outras fontes, como publicações de historiadores locais – TAVARES (2002); SILVA;
GOMES (1997) e GOMES (2003) –, historiadores regionais, como LAMEGO (1948),
TINOCO (1962), PARADA (1962, 1980 e 1995), e a mais recente fonte: FRANCO ,
Maria da C. V. A Trama republicana no Norte Fluminense. In: CORTE, Andréa T. da
(org). História Fluminense: Novos Estudos. Niterói: Funarj, 2002.

172
municípios ainda era caracterizada pelo antigo sistema imperial, ou seja,
como não havia ainda uma Constituição Republicana e muito menos uma
legislação específica para municipalidades, ainda valia o antigo, ou seja, nos
primeiros anos da República, em muitas situações, valia a legislação da
Constituição Imperial de 1824, observando o Ato Institucional de 1834
(PIAZZA, 1984).
Se hoje o leitor se acostumou com plebiscitos populares, onde o
eleitorado é conclamado a opinar se quer ou não um novo município,
naqueles tempos, para se formar um, bastava um decreto assinado pelo
presidente (hoje chamado de governador) da província (hoje Estado),
tornando uma freguesia (distrito) em uma villa (com dois eles, hoje,
município). No mesmo decreto nomeavam-se os intendentes (vereadores) e
dentre esses o intendente geral (administrador geral, espécie de prefeito) 51.
Na verdade, no atual sistema nos baseamos nas legislações para municípios
que foram feitas após a Constituição de 1946, enquanto que as criações de
municípios por decreto são frutos das ordenações (legislação) do Brasil
Colonial, herdadas pelo Império, reiteradas pela República e mantidas em
vigor até 1948.
Mas, em linhas gerais, o que motivava a criação de um novo
município?

51
Ver PIAZZA, Walter. O poder legislativo catarinense: das suas raízes aos nossos dias
(1834 - 1984). Florianópolis: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, 1984.
Apesar de voltado aos municípios catarinenses, o livro dispõe de vários esclarecimentos
sobre o funcionamento da estrutura política do Brasil entre o Império e a República.

173
Hoje em dia a legislação é rigorosa. Exige-se para fazer o plebiscito
um estudo prévio, comprovando as possibilidades de o município sobreviver
às suas custas, com população de pelo menos 10.000 habitantes, entre outras
exigências, como a disponibilidades de edifícios para abrigar os órgãos
públicos, como a Intendência.
As motivações que levaram à emancipação de Conceição de Macabu
estavam diretamente relacionadas a dois momentos vividos pelo município:
primeiro, o crescimento demográfico e econômico; segundo, interesses
políticos particulares vinculados à necessidade de afirmação de uma nova
oligarquia republicana. Para uma melhor compreensão desse momento
ímpar, assim os veremos.

2.1. Crescimento Demográfico e Econômico da região de


Macabu no final do século XIX

A navegação pelo Rio Macabu, seguida pela edificação da Estrada


de Cantagalo, dinamizados pelas ligações ao principal meio de transporte
fluvial do interior fluminense, o Canal de Campos a Macaé, já haviam
provocado um considerável processo de ocupação dos chamados Sertão
do Macabu e Sertão do Rio São Pedro. O que se percebe analisando as
doações de sesmarias, os conflitos de terras e a própria questão que
resultou na criação do Curato de Santa Catharina e na Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição de Macabu.52

52
O progresso regional pode ser atestado em diversos registros de empresas industriais e
agrícolas existentes nos acervos da Câmara Municipal de Macaé, no ALMANAK
LAEMMERT e no recente trabalho: PENHA, Ana Lúcia N. Nas Margens do Canal:

174
A presença do ramal ferroviário em Conceição de Macabu, desde
18 de julho de 1878, dinamizando os transportes, provocou uma explosão
demográfica na região, perceptível em duas fontes documentais: nos
registros de batismos, casamentos, óbitos e terras, se compararmos os
períodos de 1855-1878, marcado pela navegação fluvial e a Estrada de
Cantagalo, e 1878-1889, com o início da circulação ferroviária, nos
registros do Almanak Laemmert entre 1860 e 1882; e em registros
cartoriais e processuais, alguns de 1848, a maioria entre 1870 e 1892.
A ferrovia em si não representou a causa da explosão demográfica.
Tratou-se mais o facilitador para locomoção de um número muito maior
de pessoas do que antes. Mas a pergunta então deveria ser: por que novos
moradores se estabeleceram aqui?
O café da região de Cantagalo, grande riqueza fluminense e
nacional, era o principal motivador econômico da época, embora não
fosse o único. As terras da Região Serrana já mostravam esgotamento
devido ao seu uso intensivo, as buscas de novas áreas agricultáveis
indicavam para o Médio Macabu53 e as montanhas que hoje representam
1/3 do município. O Mal de Cantagalo54, uma doença citada em manuais

Economia e Política na Construção do Canal Campos-Macaé. In: CORTE, Andréa T.


da (org). História Fluminense: Novos Estudos. Niterói: Funarj, 2002.
53
A bacia do Rio Macabu, segundo seu relevo, divide-se em três partes: Alto, Médio e
Baixo Macabu. O relevo tinha influência na questão econômica, tornando o Alto
Macabu (montanhoso) apto à cafeicultura; o Baixo Macabu (planície) apto à produção
canavieira e ao gado; já o Médio Macabu, com um relevo intermediário, “Mar de
Morros” e vales úmidos, estaria relacionado a uma produção mais diversificada, embora
não tão valorizada quanto as outras duas.
54
O historiador Porphirio Henriques, referindo-se ao flagelo, estampou a página n° 245
da sua obra o seguinte: “Esses cafezais deram grandes colheitas até 1860, data em que
apareceu por aqui uma bactéria que se localizava na folha do arbusto e, daí, a diminuição

175
agropecuários do século XIX como uma grande praga para o café, já se
disseminava pelas freguesias do antigo município de Cantagalo. Enquanto
isso, o mesmo “mal”, só se faria presente no Médio Macabu na segunda
década do século XX, quase sessenta anos depois de assolar as bacias dos
rios Grande, Paquequer e Preto, em Cantagalo.
Data do final do século XIX, especialmente a partir de 1878, a
chegada de consideráveis levas de agricultores ocupando as serras de
Macabu e desenvolvendo a cafeicultura. Embora haja de considerar que a
produtividade daqui nunca se igualou à de outras áreas serranas como
Ventania, São Francisco de Paula e Santa Maria Madalena nos tempos
áureos, outros condicionantes foram igualmente importantes.
Além do café, outros fatores atraíram pessoas, como a existências
de terras devolutas, de terras mais baratas que as do Alto Macabu e do
Baixo Macabu (região canavieira). Produtores de pequeno e médio porte
afluíram à região em massa, formando a maioria dos novos habitantes e
dedicando-se à produção de gêneros variados, como cana, milho e
mandioca. Além disso, há o início da agroindústria, com a implantação de
várias engenhocas para produção de açúcar e aguardente, além de
beneficiamento de mandioca e milho. A isso se juntavam outras duas

da produção.” Taunay assim descreve: “Desde 1885, desapareceu quase que por
completo o flagelo da Elachistacoffeela, o terrível micro – himenóptero que tanto
arruinara os cafezais brasileiros, mas, por volta de 1885, surgia outra praga, o Mal de
Cantagalo – assolador de assaz larga área do ocidente fluminense, era um verde de gênero
novo, a que Emilio Goeldi baptizou Melodogynoexiggus.” (TAUNAY, A. E. Pequena
Historia do Café. s/d, p.159.) Cremos ter havido má interpretação da matéria por parte
do historiador.

176
tradições regionais: a criação de animais, como gado bovino, equino,
porcos e aves; e a extração de madeiras nobres, como a cabiúna.
Outro grupo considerável de novos habitantes procurou a região
para atividades complementares, ligadas ao setor de serviços (advogados,
boticários, dentistas e médicos), pequenas oficinas e, principalmente, o
comércio. O pequeno povoado logo viu surgir farmácias, consultórios
médicos, hotéis, pensões e restaurantes, depósitos de café e açúcar,
advogados, artesãos diversos (seleiros, toneleiros, mecânicos, carpinteiros,
oleiros, alfaiates, costureiras, bordadeiras, entre outros) e o grupo de
comerciantes mais comuns: os mascates, caixeiros-viajantes e donos das
famosas “casas de secos & molhados”(ALMANAK LAEMMERT, 1860).
Além da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu,
vale lembrar que Ponto do Pinheiro Maia, Nossa Senhora do Amparo,
Sossego, Santa Maria, Santo Antônio e, em especial, São João de Macabu,
Paciência (Macabuzinho) e Curato de Santa Catharina eram localidades
que pertenciam e orbitavam em torno da freguesia. Essas áreas, dentre
outras, também cresciam, dinamizando a produção local, contribuindo
para o ganho demográfico da região, que, segundo o ALMANAK
LAEMMERT (1879), chegava a 2.227 habitantes livres – dados
provavelmente retirados do censo de 1870.
É dessa época o estabelecimento no município de dois
seguimentos sociais destacados: escravos, inclusive de origem nordestina;
e homens livres. Os ‘livres’, sobretudo imigrantes, eram portugueses
(maioria), suíços, espanhóis, italianos, mas, sobretudo a partir de 1890,
uma considerável quantidade e variedade de súditos do antigo Império

177
Otomano ou Império Turco-Otomano, hoje sírios e libaneses,
principalmente. Também imigraram para cá ex-escravos e pequenos
proprietários, afetados por problemas de produtividade dos cafezais,
vindos de Ventania, São Francisco de Paula e Santa Maria Madalena.
Outro grupo significativo era constituído de pessoas de Campos e até de
Macaé.
As condições que levaram ao crescimento comprovado de
Conceição de Macabu no período de 1878 a 1889 eram importantes nas
análises que resultaram na criação do novo município. Denotavam a
capacidade de se gerir por conta própria, de gerar fundos via impostos,
para manutenção da estrutura administrativa e das obras que se fariam
necessárias.
No caso de Macabu, a produtividade do solo se mostrava
promissora, impulsionando a agricultura. Seguindo a tendência de
crescimento agrícola, o comércio era igualmente impulsionado pela
abertura de novos empreendimentos. No contexto regional, a freguesia
de Nossa Senhora da Conceição de Macabu já era uma das maiores de
Macaé, ora suplantada por Carapebus e Quissamã, ora superando-os.
A primeira emancipação de Conceição de Macabu foi motivada
por fatores econômicos e demográficos. Tais comprovações se baseiam
em dados da Câmara Municipal de Macaé, atas das reuniões da
Intendência de Macaé, registros eleitorais e diversos boletins informativos,
editados durante quase todo o século XIX e disponíveis no Centro de
Memória Antônio Alvarez Parada, hoje no Solar dos Mello (Museu de
Macaé). As análises do Almanak Laemmert entre 1860 e 1882 também

178
mostram o afluxo de proprietários rurais, comerciantes e outros
profissionais. Tão importante quanto, até por ser uma região estritamente
rural, foi o Registro Paroquial e depois o Cartorial de terras, onde se
percebe registros de propriedades crescentes, começando em 1855,
estendendo-se até 1892. Outra documentação interessante são os
diversificados registros cartoriais, datados de 1860, seguindo até o século
XX, sobre contratos, alforrias, heranças, formação e dissolução de
sociedades, documentos de compra e venda, de confissão de dívidas, de
parcerias, enfim, uma infinidade documental bem conservada, porém
esquecida por nossos historiadores no Arquivo Nacional e principalmente
no Museu da Justiça, ambos no Rio de Janeiro.55
Não há dúvidas de que a freguesia apresentou um crescimento
visível e merecedor da emancipação, mas perguntará o leitor: que cidade
e que município era esse, que população tinha?
As respostas são difíceis de precisar, pois não havia, ou melhor, não
encontramos os resultados de um censo referente – embora em 1870
tenha sido realizado um. Porém encontramos outros dados, como o
ALMANAK LAEMMERT (1879). A partir daí, é possível fixar a
população entre 2.500 e 3.000 habitantes para o período de 1865 a 1882.

55
O acervo é variado, indo de cartas e documentos trocados pelas autoridades da
freguesia com as de Macaé e da capital da província até processos e registros de todos os
tipos. Fontes consultadas: MUSEU DA JUSTIÇA (LIVRO DE REGISTRO S
PROCESSUAIS DA FREGUESIA DE CONCEIÇÃO DE MACABU) e no
ALMANAK LAEMMERT (1860-1889); além da já citada ACTA DE INSTALAÇÃO
DA VILLA DE MACABU.

179
Cruzando tais dados com o número de proprietários, de
propriedades, registros de imóveis urbanos, casamentos, óbitos e batizados
com os dados de freguesias similares, como Carapebus (um pouco maior,
3.200) e Quissamã (um pouco menor, 2.000), pode-se afirmar que a
estimativa do Almanak Laemmert estava bem próxima daquilo que
deveria ser.
Tal população era ainda constituída de 1.000 a 1.500 escravos e
ex-escravos. Tais dados igualmente obtidos, levando-se em consideração
as mesmas estratégias anteriores. A presença escrava em toda região do
antigo município de Macaé, usando tais cruzamentos de informações, nos
davam um patamar de 45-55% da população total ou 60-65% da
população economicamente ativa (OSCAR, 1986).
Para aquele final de século XIX, 3.000 ou 2.500 habitantes,
espalhados em centenas de propriedades, em diversas localidades, quase
todas rurais, era significativamente adequado para a formação de uma
pequena comunidade independente.
Territorialmente, a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Macabu era menor que a de Quissamã e a de Nossa Senhora das Neves,
mas era bem maior que a da cidade (Macaé), a de Carapebus, do Sana e
outras do município. Se a comparássemos com o atual território
macabuense, teríamos as mesmas fronteiras com Campos, Madalena,
Macaé e Trajano, mas teríamos uma parcela hoje pertencente a Quissamã
e outra de Carapebus.
Politicamente, Conceição de Macabu era uma freguesia, um
distrito de Macaé, condição básica para tornar-se um novo município. Em

180
toda história do Rio de Janeiro, só os mais antigos municípios, como
Campos e Cabo Frio, por exemplo, não se originaram de uma freguesia
– além do caso de Macaé, alçado à condição de vila sem ter sido freguesia,
um contexto à parte que não nos cabe discutir.
Resumindo-se, para os analistas da época, numa avaliação
estatística, o município a ser formado com a emancipação não se
diferenciava da maioria dos outros que constituíam o antigo estado do
Rio de Janeiro. Nem em população, uma vez que o censo de 1872 e 1890
apontava a maioria dos municípios fluminenses com 2.000 a 3.000
habitantes, nem em território ou economia.
Mas tais dados não eram novos. Quando a República foi
proclamada em 1889, a maioria das condicionantes técnicas já era
favorável à emancipação. Entretanto, a República trouxe novos cenários,
por sinal, favoráveis.

2.2. Cenário Político

Condições econômicas e populacionais não eram os únicos


requisitos para que a freguesia de Macabu se tornasse um município.
Atrelada desde 1813 a Macaé, um dos mais ricos e politicamente
importantes municípios da província do Rio de Janeiro, era improvável
que Macabu conseguisse apoio suficiente para se emancipar nos tempos
do Império.
Macaé tinha um dos portos mais importantes do Rio de Janeiro.
Sua produtividade, que ia do café à cana-de-açúcar, o fazia rico,
estratégico. Sem depender de um ou outro produto e ao mesmo tempo

181
produzindo-os em apreciável quantidade, o município era, além de tudo,
o entroncamento de ramais ferroviários importantes, que ligavam a capital
a Campos, com linhas que vertiam ao interior.
Politicamente, Macaé também se destacava. Berço de ilustres
famílias que compunham a oligarquia rural fluminense, os barões,
comendadores, cavaleiros de Macaé, muitas vezes instalados nas freguesias
de Carapebus e Quissamã, criavam um ambiente elitista similar ao da corte
no Rio de Janeiro.
Araújo, Carneiro da Silva, Queirós Mattoso, Almeida Pereira,
Barcelos Martins, entre outras, eram famílias que representavam Macaé na
esfera política estadual, tornando qualquer balança favorável à cidade, sem
qualquer possibilidade de confrontação por parte dos ‘sobrenomes’
presentes na pequena oligarquia da freguesia de Macabu.
Some-se a isso o fato de que Conceição de Macabu teve sua
importância econômica radicalmente aumentada entre a primeira metade
do século XIX e o final do mesmo. Perder a freguesia seria perder poder
econômico. Considerando ainda que boa parte dos empreendimentos
econômicos eram investimentos dos mesmos grupos e famílias que
constituíam a elite macaense, há de se considerar as dificuldades da
empreitada emancipacionista.
Mas isso foi no Império. O advento da República em 1889 trouxe
mudanças a essa realidade. Em verdade, uma reviravolta, cujos desenlaces
beneficiariam Macabu, como o fato de que nos últimos meses do Império,
enquanto o poder constituído perdia apoio em todos os setores e regiões,
alguns rincões rurais do Norte Fluminense mantiveram-se fiéis a Dom

182
Pedro II, polarizando uma acirrada disputa com grupos republicanos.
Quando a República finalmente foi proclamada, os grupos que a
defenderam e por ela lutaram necessitavam de aliados na região.
A ascensão de Francisco Portella, político republicano radicado em
Campos, ao governo do Estado do Rio de Janeiro, primeiro mostrou a
adesão de antigos rivais; segundo, a disposição dos representantes da nova
ordem em reverter o quadro na velha província. Portella, em toda história
fluminense, foi o governador que mais emancipou e que mais criou
municípios – e isso tinha mais implicações políticas que qualquer outra.

O grande impulso para um maior enraizamento


das ideias republicanas na província foi a
Abolição, que incentivou a adesão de
monarquistas insatisfeitos com a política
imperial. Contudo, se a implantação da ordem
republicana abriu possibilidades para novas
adesões e para uma real expansão do partido,
isso não significou a construção de um partido
republicano forte, capaz de agrupar os interesses
dominantes de modo a solucionar os problemas
do novo estado. (FERREIRA, 1989, p.15).

O governador atendeu a elites regionais, privilegiou grupos


republicanos que estavam sufocados por elites monarquistas, buscava um
alicerce político numa região hostil. Ao mesmo tempo, dilacerava,
enfraquecia municípios que sempre foram redutos da antiga ordem. A
estratégia portelista era criar novas bases políticas, a se constituírem nas
novas vilas do Rio de Janeiro.

183
A ação político-administrativa de Portela era
desorientadora para o Partido Republicano
fluminense. A distribuição de cargos públicos
estaduais e municipais provocava protestos dos
grupos preteridos, os quais procuravam
organizar-se em bases locais, o que prenunciava
o espocar de conflitos e cisões. Armado com
poderes excepcionais. Portela executava uma
política de nomeações aparentemente
desprovida de coerência, ao nomear fiscais,
coletores, juízes, intendentes, etc.,
frequentemente beneficiava adversários locais
de correligionários seus, mas, com isso, tecia
uma rede de apoio ao seu governo
independente do Partido Republicano.
Controlar as chefias locais, neutralizando os
insubmissos e arregimentando os demais. Era a
tarefa que Portela teria que cumprir para
estruturar sua própria facção política em todo o
estado. (LEMOS, 1989, p.45).

Macaé sofreu mais do que ganhou com isso. Portella identificou


seus adversários em Quissamã e Carapebus, mantendo-os ligados a Macaé,
doravante governado por um intendente nomeado pelo próprio
governador e, claro, ao menos a princípio, seu aliado. Desta feita, a
Princesinha do Atlântico saía das mãos da tradicional elite monarquista
local para as mãos de um grupo que representasse os interesses
republicanos. Um pouco mais que isso, caía diretamente diante do
portelismo, sendo controlado pelo mesmo – ainda que nomeado.
Na mesma linha de pensamento, estrategicamente dilacerou o
município, emancipando as freguesias de Macabu e a de Nossa Senhora

184
das Neves, um território que na época equivalia a 50% de Macaé, além
de 80% da produção cafeeira. Nessas novas vilas, embora pouco
significativas sob o aspecto demográfico e econômico, eram mais espaços
para o Portella e seu grupo político.
Nas atas das reuniões da Intendência de Macabu (1891-1892),
inclusive na primeira, há referências e homenagens (nomes de ruas) de
dois políticos que contribuíram para a emancipação do município,
intercedendo junto ao governador Francisco Portella: José Vicente
Valentim e Manoel Vieira da Fonseca.
Mas quem eram José Vicente Valentim e Manoel Vieira da
Fonseca?
Ambos eram políticos, deputados pelo Rio de Janeiro. Ambos,
embora não fossem campistas, tinham como base eleitoral e domicílio o
município de Campos e seus arredores. José Vicente Valentim,português,
nascido no Porto, era um rico comerciante do ramo cafeeiro. Manoel
Vieira da Fonseca era médico, baiano de Salvador, também tinha como
base eleitoral Campos e seus arredores. Ambos apoiaram a luta
republicana, ambos eram aliados do governador Portella e com ele
traçaram estratégias para sucumbir a força monarquista tão presente nos
meios políticos regionais.56

56
Na ALERJ, Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no APERJ, Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro e no Palácio do Ingá, é possível encontrar os
registros de todos os deputados que tiveram mandato, tanto no atual, como no antigo
Estado do Rio de Janeiro. Em alguns casos, discursos, perfil profissional e até fotografias
de alguns deles.

185
Mas existiam em Macabu motivações políticas locais para tal
emancipação? Ou as motivações eram apenas externas? Claro que sim. A
emancipação de Macabu significava a criação de cargos políticos, de
prestígio regional, da chance de políticos locais assumirem funções
públicas na intendência municipal. Também era uma chance para
políticos aliados de Portella, fossem de onde fossem, pois não havia função
eletiva, todos eram nomeados.
Nos anos anteriores à emancipação de Macabu, um grupo de
personalidades locais, ligados ao meio rural, ao comércio e profissionais
liberais, como médicos e advogados, converteram-se ao republicanismo.
Esses setores da sociedade macabuense uniram-se no processo de
emancipação. O primeiro passo foi dado na luta político-eletiva, tentando
dentro do esquema da legislação monárquica alçar cargos regionais:
subdelegado, juiz de paz, vereador distrital.
Entretanto, essas forças foram sistematicamente barradas,
derrotadas, pois o sistema eletivo era marcado pela violência e ineficácia
da Lei, onde prevalecia a força política do grupo de coronéis mais
poderosos. No quesito força, os coronéis de Macabu não tinham
condições de competir com os de outras regiões de Macaé – até pelo fato
de não haver uma unidade política local. Ao contrário, não raro uniam-
se aos grupos mais fortes da região.
Pinheiro Maia, Freire, Cunha, Allemand, Daumas, d’Oliveira,
Lobo Vianna, Ribeiro, Bellas, Reid, Gomes, Tavares e Silva Castro eram
algumas das famílias mais poderosas da freguesia. Tais famílias não se
consideravam mais representadas, queriam uma forma política que lhes

186
garantisse mais acesso ao poder. A monarquia, onde outros grupos
conseguiam mais representatividade à custa dos próprios macabuenses,
não era o sistema político adequado (SILVA; GOMES, 1997).
Desde que os Amado de Aguiar, a mais tradicional representação
política de Macabu, que há quase meio século ocupavam os principais
postos políticos regionais, deixou de fazê-lo, era comum que políticos
macaenses, de Carapebus e Quissamã ocupassem postos por aqui,
desagradando grupos locais.
A oportunidade de uma guinada política em Macabu surgiu bem
longe daqui, a 230 km de distância, no dia 15 de novembro de 1889,
quando, no Rio de Janeiro, o marechal Deodoro da Fonseca deu o golpe
que pôs fim a 69 anos de regime monarquista no Brasil. A princípio, a
República significou duas coisas: primeiro, um enfraquecimento dos
fortes grupos monarquistas de Macaé, Carapebus e Quissamã; segundo, a
probabilidade de que num novo regime político-eleitoral as forças locais
fossem finalmente capazes de tomar as rédeas do poder local.
Mas isso era a princípio, porque uma nova realidade estava
avizinhando-se. Deodoro da Fonseca na condição de presidente
provisório nomeou o advogado e político piauiense radicado em Campos,
Francisco Portella, governador do Rio de Janeiro. Republicano ferrenho,
inimigo dos grupos monarquistas da região, com vários amigos e
correligionários em Macabu, como os Silva Castro e os Ribeiro, Francisco
Portella precipitou os acontecimentos em favor dos macabuenses, criando,
por decreto, o município de Macabu, desanexado de Macaé.

187
Não era isso apenas uma simples disputa entre republicanos e
monarquistas. Mesmo entre os republicanos, havia, desde os primeiros
momentos da Proclamação, uma disputa entre grupos internos, dos quais
Deodoro e Portela constituíam uma parcela (LEMOS, 1989).
Não era um favor de Portella criar o novo município. Sob pressão
das personalidades já citadas, com apoio dos deputados já listados e
incumbido da missão de minar as forças realistas na região, agiu
estrategicamente, criando um novo município, acendendo uma chama e
empunhando uma bandeira que não duraria muito, mas que deixaria
marcas que só seriam completamente sanadas em 1952, quando
aconteceria a emancipação definitiva.
Conceição de Macabu foi mais uma consequência das estratégias
portelistas de afirmação política do que um produto de seus próprios
meios econômicos, demográficos e políticos, embora, como vimos,
tivesse até razões para tal.

2.3. O cotidiano da Intendência da Villa de Macabu

A curta duração do município de Macabu - menos de um ano -


foi detalhadamente registrada no livro de Atas da Intendência de Macabu.
Desde a criação até sua extinção, cada passo dos intendentes foi descrito
em detalhes, estando tais registros disponíveis nos arquivos da Câmara
Municipal de Macaé, num livro restaurado recentemente, devidamente
preservado, acessível.
Primeiro alguns esclarecimentos: segundo a legislação da época,
que ainda não era regulada pela Constituição Republicana (1891) e sim

188
pela Constituição do Império (1824), e alguns decretos do presidente
Deodoro da Fonseca, criava-se uma “Villa”, o mesmo que uma cidade,
que no caso era Conceição de Macabu, dando a esta “Villa” um território
(município), com um ou mais distritos – hoje se cria um município e
neste a sede, a cidade. A diferença para os dias de hoje, é que a “Villa”
deveria fazer reformas urbanas, como arruamento, organização de praças,
prédios públicos. Se fizesse, seria considerada uma “cidade”. Mas tanto a
“villa” quanto a “cidade”, além do título, tinham entre si a diferença de
organização do espaço urbano. No mais, ambas representavam municípios
livres, independentes (RIBEIRO, 2007).
Outra diferença dos dias de hoje: conforme já esclarecido antes, é
que tudo era feito por decreto, não se votava em plebiscito para
emancipação. Do mesmo jeito, as autoridades eram escolhidas por
decreto, eram chamados de intendentes, num total de cinco, e destes, um
tornava-se o Intendente Geral, espécie de prefeito. Não se votava em
intendente, pelo menos a princípio.
Abaixo transcrevo a Ata da Posse da Intendência e Instalação da
Villa de Conceição de Macabu:

“ATA DA INSTALAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MACABU

Acta da posse da Intendência e instalação da Villa da


Conceição de Macabu, Comarca de Macahé, Estado
do Rio de Janeiro.

189
Aos sete dias do mês de Maio do anno de mil oito centos e noventa e hum,
terceiro da República dos Estados Unidos do Brazil, nesta Villa da Conceição
de Macabu, Comarca de Macahé, Estado do Rio de Janeiro, em a casa do
cidadão José da Natividade e Castro, servindo de paço do Conselho da
Intendência, reunidos os cidadãos: capitão José Manuel Tavares de Castro; José
da Natividade e Castro; Roberto reid; Henrique José Bellas; Leonardo d’oliveira
Gomes e grande concurso de pessoas do povo. O cidadão José Manuel Tavares
de Castro, declarou que a presente reunião tinha por fim fazer público o Decreto
de 1º de Maio do corrente anno, do Exmo. Governador d’este Estado, elevando
esta localidade a cattegoria de Villa, e o ato da mesma dacta, da nomeação do
conselho da Intendência. Em conseqüência passara a ler em voz alta o referido
Decreto que é do seguinte theor: Decreto nº de 1º de Maio de mil oito centos
e noventa e hum. O Dr. Francisco Portella, Governador do estado do Rio de
Janeiro decreta: Art.1º Fica creado o município de Macabu que se divide em
dousdistrictos: o da Conceição e o de Santa Catharina, limitados entre si pelo
rio de Santa Catharina, córrego e serra de Santo Antônio. Parágrafo Único. Este
município será desmembrado do de Macahé, fazendo parte da comarca de
mesmo nome e terá sede na povoação da Conceição, que é elevada a cathegoria
de Villa. Art.2º O Novo município se dividirá com os municípios de Campos e
Santa Maria Magdalena pelos limites actuais, e com o de Macahé pelos limites
existentes até a estrada da Ingazeira, e dahí por esta estrada até a estação de
Sant’Anna, depois pela linha férrea Macahé a Campos até o rio Macabu e por
este rio acima pelos limites actuais. Art. 3º Ficão revogadas as disposições em
contrário. Palácio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1º de Maio de
1891. Dr. Francisco Portella. Finda a leitura d’este e do acto de nomeação do
Conselho de Intendência, o cidadão José Manuel Tavares de Castro, apresentou
o seu título de nomeação da presidência da mesma e convidou os outros cidadãos

190
nomeados: José da Natividade e Castro, vice-presidente; Henrique José Bellas;
Roberto Reid; Leonardo d’Oliveira Gomes, membros da mesma a exibirem os
seus títulos, o que immediatamente fizeram. Tomando então o capitão José
Manuel Tavares de Castro assento no topo da mesa, para o fim preparada,
convidou aos nomeados a tomarem assento em torno d’ela, e, para secretário
ad’hoc o cidadão Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna, declarando ao mesmo tempo
que não havendo livro próprio, rubricado, numerado e encerrado para inserir as
actas que se fizesse num livro em branco apropriado que então apresentou e que
uma vez empossado supprimiaaquella falta. Constituindo assim o Conselho da
Intendência em cumprimento do citado Decreto, o presidente nomeado, capitão
José Manuel Tavares de Castro, declarou que iria prestar a promessa de estylo e
convidava os demais membros a fazerem o mesmo e pondo-se de pé, assim como
todos os outros membros, o fez de pé do seguinte modo: “Eu, José Manuel
Tavares de Castro, prometto perante os presentes sob minha palavra de honra,
desempenhar todos os actos relativos ao meo cargo de Presidente d’esta
Intendência, só tendo em vista a s Leis da República e o engrandecimento d’este
município.” Em acto contínuo a declaração dos demais membros, cada um por
si: “Eu o prometo”. Isto feito o presidente declarou empossado o conselho da
Intendência e instalado o município de Macabu, dando vivas ao Presidente da
República, a Nação Brasileira, ao governador do Estado, a prosperidade do
município e ao povo. Que vio realizado uma de suas aspirações, os quais foram
vivamente correspondidos pelo mesmo, sendo n’este acto hasteada numa janelas
do edifício a bandeira da República, que foi saudada com o Hynno Nacional
pela Banda de Música “Lyra Republicana”, mantida pela Sociedade Musical
Macabuense que trazendo o seu estandarte se achava presente representado pelo
presidente e cidadão Francisco Norberto da Silva Freire. Findo este acto, o
presidente propôs que inserisse na acta um voto de louvor ao muito digno

191
governador Exmo. Sr. Dr. Francisco Portella por ter elevado esta freguesia a
cathegoria de Villa, sendo a proposta unnanimemente aprovada e
deliberadamente aplaudida pelo povo. Propôs também que se desse voto de
louvor aos Srs. Drs. José Vicente Valentim e Manoel Vieira da Fonseca, pelos
esforços que empregaram em prol na confecção desse fim e que se fizeram ciente
aos mesmos cidadãos o que foi também approvado unnanimemente e com geraes
aplausos. Em seguida o intendente José Manuel Tavares de Castro prop ôs que
em sinal de reconhecimento se denominassem as principais ruas de modo
seguinte: a primeira, Rua do Governador Francisco Portella; a segunda, Rua do
Dr. Valentim; a terceira, Rua do Dr. Vieira da Fonseca, e, a Praça Principal, de
1º de Maio, perpetuando assim a dacta do decreto que elevou esta localidade a
Villa. Propôs mais o cidadão presidente que se extrahisse cópia da acta para
remeter-se ao digno governador a fim de que o mesmo ficasse sciente do modo
enthusiástico porque foi recebido e acceitoseoacto. E sendo a hora adiantada o
presidente convidou os membros da Intendência a se reunirem no dia quinze
corrente às dez horas da manhã a fim de tratar das nomeações das comissões de
estylo, das nomeações empregadas e dos interesses do município e mandou para
mim, Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna, secretário ad’hoc nomeado lavrar a acta,
suspendendo a secção enquanto isso fazia. Terminada Ella o presidente reabriu a
sessão, mandando ler e em discussão não havendo quem sobre a mesma pedisse
a palavra, foi posta em votação e unnanemementeapprovada, declarando o Sr.
Presidente encerrada a sessão no meio dos mais enthusiásticos e geraesapplausos.
E eu, Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna servindo de secretário ad’hoc que escrevi:
José Manuel Tavares de Castro - Presidente
J. Natividade e Castro
Henrique G. Bellas
Roberto Reid

192
Leonardo d’Oliveira Gomes
E os presentes: Miguel Duarte, Gaudêncio José dos Santos Lópes, João
Gonçalves de Oliveira, Antonio Augusto Pinheiro de Souza, Victorino Marques
Xavier, Antonio Manoel Tavares, Mariana Máximo Tavares, Ponciano Massena,
José Antonio Gomes Honetto, Francisco Nunes da Silva Freire, Raphael
Archanjo da Fonseca, Victor Fernando dos Santos, Dr. Francisco Pessanha,
Hermínio Nascentes Barreto, Honório da Silveira, José de Oliveira Gomes,
Manoel da Cunha Leal, Manoel Massena, (ilegível) Maciel de Azevedo, Joaquim
Borges d’Athayde, Antonio Pereira da Silva, José Felício de Aguiar, Antonio da
Costa Pinto, Joaquim Soares de Aguiar, Antonio da Costa Pinto, Joaquim Soares
de Aguiar, João Francisco Chaves, Plácido N. da S. Freire, Luíz Goze Alves da
Silva Freire, Sebastião Pereira da Silva Mello, João Emmílio dos Santos, Cesário
Pinto de Almeida, João José da Silva Pessanha, Amaro Pereira Braga, João
Vasconcellos. Armando Luquesi, Francisco Norberto da Silva Freire, José Alves
da Fonte, Florêncio Pinheiro Maia, Antônio Martins da Cunha, Laurindo
Pinheiro de Barros, Antonio d’Oliveira Gomes, Cândido d’Oliveira Gomes.”

Essa Acta da posse da Intendência e instalação da Villa de Macabu


possui riquezas de informações que merecem nossa apreciação. Logo nas
primeiras linhas um detalhe: a criação da “Villa” emancipava Macabu, mas
ainda nos mantinha atrelada a Macaé, por conta de sermos parte da
Comarca daquele município. Um ato costumeiro, visto que até se criar
uma comarca aqui demandaria tempo, pessoal especializado, obras, enfim,
custos adicionais.
Outra coisa que chama a atenção é a sede da intendência, chamado
de “Paço”, que hoje corresponderia à prefeitura. Como não havia um
edifício apropriado, usava-se a casa do Intendente, José da Natividade e

193
Castro, embora, como se percebe a seguir, é o capitão José Manuel
Tavares de Castro que exerce a função de Intendente Geral.
E onde ficava o Paço Municipal? Bem, segundo Herculano
Gomes da Silva, historiador e avô deste que vos escreve, a casa do
intendente que servia de “Paço” ainda existe. Nela reside José Mário de
Campos Tavares, sua esposa Mary e seu filho Diego, situada na Rua
Antônio López de Oliveira, centro da cidade. A casa, bem preservada até
os dias de hoje, é ladeada pela casa de dona Jeannete Pacheco, casa da
Cultura Professor Adelino e a casa de Ronaldo Tavares. Convém destacar
que são algumas das construções mais importantes da cultura local,
inteiramente preservadas por iniciativas de seus donos – exceção da Casa
da Cultura, que é pública (SILVA; GOMES, 1997).
Voltando à ata, fez-se então a leitura do documento, o decreto de
1º de maio de 1891, criando o município de Macabu, dividido em dois
distritos – Conceição de Macabu e Curato de Santa Catarina. Divididos
pelo rio e serra de Santa Catharina, Serra de Santo Antônio, limites que
ainda hoje fazem parte do município, só no 1º distrito. Já o segundo, hoje
em dia, é Macabuzinho.
O Curato de Santa Catharina, ou simplesmente Santa Catharina,
era formado por um vilarejo às margens da Estrada de Cantagalo, onde
vivia a menor parcela da população. A maioria habitava pequenas e médias
propriedades rurais do Vale do Rio Santa Catharina (hoje Santo
Agostinho), Rio das Aduelas e Santo Antônio, além dos entornos das
serras de mesmo nome. Era uma comunidade plenamente rural, mas
produtiva e bem localizada, com uma vantagem e tanto para aqueles

194
tempos: longe do Rio Macabu, cujas cheias e mosquitos vetores de
doenças assolavam a região, como em Macabuzinho, Ponto do Pinheiro
e São João do Macabu.
Outra constatação importante é a questão dos limites
intermunicipais, que naqueles tempos já provocavam discussões entre os
políticos locais. Se for considerar que os limites com os distritos macaenses
de Carapebus e Quissamã passavam pela estrada da Ingazeira até a estação
de Sant’Anna, depois pela linha férrea Macahé a Campos até o Rio
Macabu, e que estes sempre foram os limites distritais, surge uma pergunta
reportada aos dias de hoje: por que o município de Carapebus anexou tais
territórios? Conceição de Macabu de 1891 era maior que a de 1952 e bem
maior que o município de 2011.
Seguiu-se então a nomeação do Conselho da Intendência, tendo
o capitão José Manuel Tavares de Castro (futuro coronel Castro), como
presidente ou intendente geral (prefeito) e os demais intendentes: José da
Natividade e Castro, vice-presidente; Henrique José Bellas; Roberto
Reid; Leonardo d’Oliveira Gomes, membros da mesma. A ata foi escrita
pelo secretário ad’hoc, Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna.
Em seguida houve o hasteamento da bandeira da República
(idêntica à atual) e a execução do Hino Nacional pela Banda de Música
“Lyra Republicana”, mantida pela Sociedade Musical Macabuense, que
trazendo o seu estandarte se achava presente representado pelo presidente
Francisco Norberto da Silva Freire.
O destaque dado à banda de música não era de se assustar. Em
todos os lugares havia uma ou mais bandas. Representavam status para a

195
localidade e para seu grupo mantenedor. Como veremos nos capítulos
relativos à Cultura local, as bandas eram as manifestações culturais urbanas
mais importantes nessa região, representando, em Macabu, grupos
políticos e, até mesmo, grupos sociais.
Nas linhas seguintes, o intendente geral propõe homenagens em
forma de nomes de ruas e praças, as primeiras de Macabu. A Praça que já
foi Santos Dumont e hoje é José Bonifácio Tassara, chamou-se na época
1º de maio, alusivo à data da emancipação. Seguiu-se então a nomeação
de três ruas: Rua do Governador Francisco Portella, que hoje seria a
Avenida Victor Sence, no trecho entre o Hotel Siqueira e a esquina da
Rua Bento de Andrade Lemos; a rua do Dr. Valentim, que seria a da
Ferrotintas, em torno da praça; e a rua do Dr. Vieira da Fonseca, que seria
a da Padaria Central. A Rua da Câmara Municipal, a maior, manteve a
denominação de “Estrada de Cantagalo”.
Seguiram-se as assinaturas de vários cidadãos, muitos
provavelmente acompanhados de suas mulheres e filhos, mas, que, na
condição de pais de família, eram os únicos a assinar a ata.
No meio dessas assinaturas há algumas presenças ilustres e
ausências inexplicáveis. Ficando nas presenças, os membros da intendência
eram representantes da elite rural e comercial local: Tavares, Silva Castro,
Bellas, Reid, Gomes, além do secretário ad’hoc, Lobo Vianna. Há muito
a ser dito sobre a História dessas famílias, mas infelizmente não cabe nesse
momento. Apenas ressalto que, dos citados acima, apenas os Silva Castro
eram recém-chegados a Macabu (datados da década de 80 do século XIX),
os demais eram muito antigos, como os Reid, que já na década de 30 do

196
século XIX ocupavam as fazendas São José do Sossego e Santa Maria,
através de união com os Figueiredo. Gomes, Bellas e Tavares são dos anos
50 e Lobo Vianna dos anos 60. Todos tinham tradição agrícola e
comercial, sendo que Roberto Reid além de fazendeiro era médico.
Pinheiro Maia, Massena, Silva Freire e Alves da Fonte são outro
grupo de famílias que, embora não fizessem parte da intendência, eram de
grande importância. Pinheiro Maia é uma das mais antigas famílias de
Macabu, que aqui se estabeleceram por conta da navegação fluvial no Rio
Macabu como comerciantes e proprietários rurais. O primeiro vigário da
paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu era um Pinheiro
Maia. Massena tem uma participação curiosa com Ponciano Massena aqui
chegando junto com o ramal ferroviário e o gerenciando por muitos anos,
era o “chefe da estação” (ALMANAK LAEMMERT, 1860).
Silva Freire era uma família de projeção inter-regional. Originários
de Cantagalo, dedicados à produção de café, transporte e comercialização
do mesmo, era um grupo abastado, com grande influência na região e na
capital. Plácido Freire, homenageado com nome de rua, foi um político
que galgou vários postos a níveis municipais e estaduais.
Concluo a análise dos presentes com Alves da Fonte, outro nicho
familiar de projeção local, tendo ocupado várias vezes cargos na
intendência de Macaé, em especial os de fiscalização e administração da
freguesia/distrito de Macabu. Joaquim Alves da Fonte, um dos pioneiros
dessa família na região, aqui chegou antes da formação da freguesia,
possivelmente nos anos 30 do século XIX.

197
Na lista dos ausentes ao evento, sem querer buscar explicações para
tais faltas, destacamos o coronel Antônio Ignácio Valentim, os
farmacêuticos Evaristo da Silva Ribeiro e Manoel Barbosa Moreira,
dentre outros, que, com exceção do Manuel Moreira, mais tarde fariam
parte da intendência. Além deles, os Pareto, radicados em Santa Catharina
(Fazenda Santo Agostinho), também têm sua ausência sentida e não
surgem em momento algum na história da intendência de Macabu,
embora fossem muito ativos na vizinha Macaé desde sua chegada por aqui,
na segunda metade daquele século.
No dia 15 de maio de 1891, os membros da Intendência se
reuniram novamente, desta vez para organizar as comissões, que tinham
funções semelhantes aos das secretarias municipais de hoje. Cabia aos
intendentes, além da função legislativa, integrar o sistema executivo,
assim, a maioria dos membros das comissões eram intendentes.
Comparando aos dias de hoje, como se vereadores se tornassem também
secretários municipais, sem a necessidade de deixarem os cargos de
vereador.
A Comissão de Justiça, responsável pela análise da legislação e
ações propostas pela Intendência, ficou a cargo de Leonardo d’Oliveira
Gomes e Roberto Reid. Leonardo Gomes era advogado, proprietário
rural na região de São Domingos; Roberto Reid era médico, neto do
escocês Robert Lawrie Reid, que ciceroneou Charles Darwin em 1832.
Como raros eram os macabuenses com nível de escolaridade superior,
eram os mais talhados na função dentre os demais membros. As finanças,
através da Comissão de Fazenda, ficavam a cargo de José da Natividade e

198
Castro, comerciante de café e proprietário rural, além de um dos grandes
responsáveis pela formação do novo município.
A secretaria da Intendência ficava a cargo da Comissão de
Redação, composto por Roberto Reid e Henrique José Bellas. Reid já
fora citado, e Henrique Bellas era proprietário rural e comerciante, mas
perpetuou-se em Macabu por ter sido pai de criação de sua sobrinha,
Cellina Bellas – “a tia de todos os macabuenses”. Bellas junto com José
da Natividade e Castro, ainda faziam parte de outra comissão, responsável
pela fiscalização de posturas, a Comissão de Posturas.
Voltando a Roberto Reid, ou melhor, ao médico, o mesmo era
membro único da Comissão de Hygiene, cuja função básica era prover
vacinações e meios de evitar o surgimento e proliferação de epidemias,
tão comuns naquela época. Assemelhava-se a uma Secretaria de Saúde,
mas com funções menos preventivas e mais combativas. Há registros em
forma de depoimentos que Roberto Reid, já idoso, aposentado, foi
fundamental na contenção da Gripe Espanhola, cuja epidemia assolou a
região entre 1919 e 1920.
Havia ainda os cargos da Intendência, funções corriqueiras como
a de Procurador (Luís José da Silva Júnior); Porteiro (Florêncio Pinheiro
Maia); Administrador do Cemitério (João Francisco Chaves); Fiscal da
Villa (Amaro Pereira Braga); e Fiscal da Freguesia de Santa Catharina (Luís
José Lobo).
Na relação acima, o porteiro era mais que um recepcionista ou
“abridor e fechador” de portas, era o administrador do prédio da
Intendência. Florêncio Pinheiro Maia era sobrinho-neto do primeiro

199
vigário de Conceição de Macabu, Florêncio Maia. Era representante de
uma família radicada na região de Santa Catharina, onde o
estabelecimento comercial da família ajudou a criar a expressão “Ponto
do Pinheiro”. O mesmo se referia ao comércio de secos e molhados que
a família mantinha na encruzilhada da linha ferroviária com a estrada de
Santa Catharina e um porto fluvial no Rio Macabu.
Outros nomes que nos chamam atenção são os de Amaro Pereira
Braga, fiscal da Villa, portanto responsável pela fiscalização tributária de
Conceição de Macabu, e Luís José Lobo, fiscal da freguesia de Santa
Catharina, na época o segundo distrito do município. Amaro Braga era
comerciante, fabricava telhas e tijolos. Seus tijolos maciços e as telhas tipo
‘canal’, ainda podem ser encontrados numas raras paredes e telhados de
velhos casarões sobreviventes da sina progressista que varre a cidade.
Luís José Lobo era proprietário rural em Santa Catharina, mais
especificamente em Santo Agostinho, onde sua família se estabelecera com
a chegada do italiano Victorio Emmanuel Pareto. Lobo era o sobrenome
dos descendentes de Pareto num segundo casamento.
Seguiu-se então para a reunião do dia 16 de maio de 1891, que
chama atenção pela urgência na cobrança de taxas e impostos, uma vez
que havia necessidades urgentes de fundos. O problema é que o município
de Macaé já havia feito tais cobranças, restando duas alternativas aos
políticos locais, solicitando que Macaé repassasse os impostos cobrados;
ou antecipando as cobranças do ano seguinte. Outra situação discutida era
a presença de animais soltos nas ruas de Macabu, cavalos, porcos, bois,
cães.

200
Na reunião de 1° de junho, anunciou-se a nomeação de um novo
delegado de polícia, o senhor Antônio Manuel Tavares, fazendeiro da
região de Macabuzinho. Maneco Tavares como era mais conhecido, era
um dos líderes do clã Tavares, que naquele final de século XIX despontava
não só como grande, mas de crescente importância, pois estava em
diversas áreas da economia e agora da política local. Na reunião seguinte,
no dia 15, anunciava-se o subdelegado, Antonio da Costa Pinto, neste
caso responsável pela região do segundo distrito, Santa Catharina.
A reunião de 1 de julho começa com o pedido de exoneração de
Roberto Reid, por razões que desconhecemos. Seguiu-se a nomeação de
dois novos intendentes, Antonio Ignácio Valentim e João José da Silva
Pessanha. Os intendentes eram expoentes da economia local. O coronel
Antonio Ignácio Valentim, português, estava radicado em Macabu há
alguns anos, era comerciante de café, proprietário do Engenho Central
Macabuense, usina de beneficiamento de gêneros agrícolas como milho,
arroz, cana e café. João José da Silva Pessanha era produtor rural da região
do São João de Macabu.
Outra informação colhida é que Conceição de Macabu tinha sido
beneficiada com certo “planejamento urbano”, ou arruamento, feito pela
Intendência de Macaé e planejado pelo engenheiro José Archangelo
Pereira. Já visando a possibilidade de receber o título de “cidade”, a
Intendência solicitou a Macaé os documentos referentes ao arruamento.
Esse arruamento data de muito, pois o arruador José Archangelo Pereira,
tratado como engenheiro, está presente no Almanak Laemmert de 1860,
como primeiro a ocupar tal função na recém-criada freguesia.

201
A reunião de 1° de julho é das mais movimentadas e trás, por
exemplo, um telegrama do governador Francisco Portella, avisando da
promulgação da Constituição da República. Seguem a reunião
deliberando a criação de um imposto de 50 mil réis sobre o café. O
imposto sobre o café tratou-se de uma medida desesperada de fazer fundos
para começar os trabalhos administrativos.
O mês de julho foi agitado, culminando com uma sessão sem
quórum no dia 15. Agosto começou da mesma forma, com falta de
quórum na sessão do dia 1. Mais complicado ainda era o pedido de
exoneração do Intendente José Manuel Tavares de Castro, deixando em
aberto a importante vaga de intendente geral. Assim, o primeiro
administrador, digamos prefeito, de Conceição de Macabu, só governou
de 1° de maio a 15 de julho, por menos de três meses.
Não foi possível averiguar as causas da exoneração. As informações
sobre o período são limitadas. Mas o intendente foi rapidamente
substituído com a nomeação de Francisco José da Silva Pessanha, irmão
de outro intendente, e como ele, proprietário rural em São João de
Macabu.
Outro destaque é o estabelecimento dos salários dos funcionários
da intendência: secretário – 100 mil réis; fiscais e administrador do
cemitério – 75 mil réis; porteiro – 20 mil réis; procurador – 8%. Também
há um pedido do governo estadual de produtos para a Feira Internacional
de Chicago nos Estados Unidos, há elogios ao primeiro número do jornal
O Silva Jardim, o primeiro periódico de Macabu, que hoje só resta um
exemplar.

202
Nas reuniões de 20 de agosto e 15 de setembro (1° de setembro
não houve quórum), anotamos a posse de um novo intendente, Evaristo
Morais da Silva Ribeiro, farmacêutico macabuense, cujo nome está
eternizado no estádio do Rio Branco F.C. Há uma curiosa requisição de
reparos numa certa Estrada do Frade, num lugar chamado Sete Pecados,
de propriedade da senhora Maria Rosa Nunes Freire. Averiguando, se
tratava de uma estrada que unia a região do São Tomé, na Amorosa, com
outra que seguia pelo município de Macaé até a região do Frade.
Outra particularidade é a solicitação do intendente Evaristo Morais da
Silva Ribeiro, farmacêutico e membro da Comissão de Hygiene, ao
governo estadual, para o envio de dez tubos de Lynpha Vaccinia, usada
contra varíola. A varíola era uma epidemia que anualmente grassava em
certas regiões do Brasil, em geral próximas a portos, estações e áreas de
trânsito, como Macabu. Em geral, até a vacinação, a residência do doente
era mantida sob quarentena, que poderia se estender a toda vizinhança.
As atas de 1° de outubro, 16 de novembro, e 1° de dezembro, não
trazem grandes novidades a não ser a obrigatoriedade do fechamento do
comércio aos domingos às 14 horas. Outra solicitação é a da criação do
distrito de Nossa Senhora do Amparo – pedido ao governador – com sede
em Capelinha, e divisas na estrada do Caju até o Rio do Meio, daí até a
estrada do Pacheco e do Córrego Grande com a estrada de ferro Macahé
a Campos. Aos que hoje discutem as fronteiras de Macabu com
Carapebus, aí está uma dica: o município de Macabu, criado com base na
freguesia que foi desmembrada de Macaé.

203
Já a ata de 17 de dezembro trouxe uma grande novidade. Sempre se
falou muito dos salários dos políticos, muitas vezes alegando que no
passado eles nada ganhavam no exercício de suas funções públicas. Pois
bem, nessa reunião estabeleceu-se salários para o Intendente Geral, de
1:200.000$00 ou um conto e duzentos mil réis; 800 mil réis para o
secretário; fiscais e administrador do cemitério, 300 mil réis; porteiro, 120
mil réis. Com exceção do intendente, os demais já tinham salário, que no
caso sofreram polpudos reajustes.
Em valores atuais é muito difícil se fazer um cálculo. Mas a Caixa
Econômica Federal disponibiliza um padrão de cálculo aproximado.
Segundo a instituição financeira, em 1891, um mil réis (1$000) valiam
0,30 dólares americanos (trinta centavos de dólar americano). Assim,
usando o câmbio do dólar de 21 de novembro de 2011 (1,82 reais para 1
dólar), podemos transferir o padrão para os dias de hoje e calcular um
valor aproximado de 0,54 reais (54 centavos de real) para cada mil réis.
Pois bem, o intendente ganhava o equivalente a R$ 6.480,00 reais, ou,
50% do que um prefeito ganha hoje em dia. Nesta linha de cálculo, os
salários seriam de R$ 4.320,00 para o secretário; fiscais e administrador do
cemitério, R$ 1.500,00; porteiro, R$ 600,00. 57

2.4. O Fim do Município de Macabu

As atas de 1892, registradas entre 02 de janeiro e 29 de abril, são


marcadas pela tensão, inicialmente da posse de uma nova intendência e de

57
Além da Caixa Econômica Federa (www.caixa.gov.br), há o site
http://www.portaldefinancas.com/conversao1.htm.

204
um novo governo estadual, seguida pela possibilidade e depois certeza de
que o município seria – como foi – extinto.
A ata de 02 de janeiro de 1892 anuncia o novo governador do estado,
empossado no ano anterior. Tal fato deu-se por conta de um fato bem
mais amplo: a sucessão presidencial, a renúncia de Deodoro da Fonseca,
em meio a grave crise econômica e política, e sua sucessão pelo polêmico
marechal Floriano Peixoto.
Floriano destituiu os aliados de Deodoro, dentre eles Francisco
Portella. Para seu lugar nomeou o almirante Carlos Baltazar da Silveira,
baiano radicado na capital federal, ex-monarquista, ex-membro do
conselho do imperador Dom Pedro II, enfim, um representante da velha
ordem (FERREIRA, 1989).
O novo governador começou mudando as intendências de todo
Estado, nomeando novos conselhos. Em Macabu ele não teve tanto
trabalho. Aliados do governador Portella, os membros da intendência
renunciaram em massa, permitindo uma rápida e nada polêmica sucessão.
A nova intendência, pode-se dizer o novo (terceiro) governo macabuense
ficou assim constituído a partir de 23 de dezembro de 1891: presidente
Evaristo Alves da Silva Ribeiro; Antonio de Oliveira Gomes; Francisco
Norberto da Silva Freire; José Augusto da Silva Guimarães; Laurentino
José Gomes da Rocha.
Carlos Baltazar da Silveira ficou famoso por revisar, ou seja, anular os
atos de seu antecessor Francisco Portella. Essa frase por si só já encerra as
explicações para a extinção do município de Macabu. Mas antes da
extinção a vida seguiu seu rumo em Macabu, várias reuniões foram

205
realizadas, várias decisões tomadas, como por exemplo o estabelecimento
de um regimento interno, baseado no de Pirahy.
Outras decisões deram-se em relação às obras, como o nivelamento
da Praça 1º de Maio, ponte no Rio Macabuzinho a caminho de São João
de Macabu (estrada do Osório). Além disso, a intendência realizou o
pagamento de seis meses de salários, costume da época, de se pagar em
seis ou doze meses.
Continuando a revisão das atas, há duas discussões muito curiosas e
importantes. A primeira diz respeito a Quissamã, que questiona a
emancipação de Conceição de Macabu não no sentido de anulá-la, mas
com duas possibilidades irônicas: ou de se fazer uma emancipação forçada
de Macaé, ou de se juntar a Macabu. Se juntar a Macabu? Por pouco
Quissamã não antecipou Macabuzinho, que em 1952 juntou-se a Macabu
formando o município de Conceição de Macabu.
Apesar da queda do Portelismo, a situação política de Macaé não
agradava aos tradicionais grupos políticos, principalmente aos de
Quissamã e Carapebus, que se viam alijados. A “opção” quiçamaense de
tornar-se macabuense ou emancipar-se soava mais como um blefe, uma
forma de protesto, que ao que se sabe, deu certo, pois não tardou a tais
grupos retornarem o controle do antigo município de Macaé (NEMO,
1892).
A segunda discussão é atual, embora tenha 110 anos. Tratou-se de um
questionamento em que se discutiu o fato de Conceição de Macabu existir
apenas no papel, ou seja, ainda não ter definido e demarcado seus limites
territoriais, que ficariam assim: da Ponte de Paciência sobre o Rio

206
Macabu, onde mora Aureliano Lópes, até a Estrada Geral de Carapebus,
passando pela olaria da viúva de Miguel Tavares até o Córrego Grande e
daí até a Estrada da Ingazeira, até os antigos limites entre Barreto e Macabu
e destes limites ao Rio São Pedro. Daí acima até as nascentes do rio na
“Serra Verde”, antigos limites entre Macabu e Neves, seguindo até as
nascentes do Rio “Caro-Cango”, seguindo o mesmo até sua foz com o
Rio Macabu e por este, compreendendo seu lado direito.
Por fim, a fatídica reunião de 29 de abril de 1892, onde os
intendentes avisaram a população de que a partir do dia seguinte, 30 de
abril, o decreto de criação do município de Conceição de Macabu estaria
anulado pelo governador. Na época tentou-se um movimento popular,
que culminou num outro problema: no dia 03 de maio de 1892, apenas
72 horas após a extinção de Macabu, o Rio de Janeiro ganhava seu
primeiro governador eleito (mesmo que indiretamente), José Thomas de
Porciúncula. A sucessão nos foi menos favorável. Porciúncula em nada
mudou os atos de Balthazar (FERREIRA, 1989).
A sociedade macabuense, mobilizada, porém isolada, tentou ligar-
se a outras em igual situação, como Nossa Senhora das Neves, porém, os
frutos não vieram. 60 anos teriam de se passar.

2.5. Jornal ‘O Século’- 8 de maio de 1892

O breve município de Macabu, a Villa de Macabu, constituído de


dois distritos, Conceição de Macabu e Curato de Santa Catharina, apesar
de apresentar condições compatíveis para sua emancipação, o foi por causa
da situação política, que obrigou o então governador Francisco Portella a

207
tentar formar seu grupo político, para se fortalecer contra os monarquistas,
ou mesmo em oposição a outros grupos republicanos.
A ação de Portella marcou a história local, formando base
ideológica, que, 60 anos depois, culminaria no processo de emancipação
único.
Entretanto, a medida Portelista revelou as disputas internas, tanto
em Macabu, quanto nas demais freguesias (já denominadas distritos),
inclusive em relação à sede, Macaé.
Grupos políticos, monarquistas, monarquistas convertidos ao
republicanismo e republicanos, digladiariam pelo poder local, numa busca
de equilíbrio e superação política, que culminaram em profundas
mudanças na geopolítica fluminense, como se viu na emancipação e
posterior reanexo de Conceição de Macabu.
A mais explícita manifestação anti-emancipatória encontrada deu-
se nas páginas do jornal O Século, de 8 de maio de 1892, sob o título de
“CHRONICA: MACABU e NEVES”, onde um grupo de políticos
macaenses, partidários de Alfredo Backer e do Conde de Araruama,
juntou-se aos Pareto (de Macabu), para comemorar, de forma que hoje
em dia seria considerada exagerada, o reanexo de Conceição de Macabu
a Macaé.
O Século foi um dos mais importantes veículos de notícias de
Macaé e região no século XIX. Foi, em sua existência e após a mesma,
receptor de informações, divulgador de ideias, veículo de propagandas
que caracterizaram a vida na cidade e suas freguesias, vez por outra
atingindo rincões mais distantes, mas, em via de regra, restringiam-se à

208
capital da província/estado do Rio de Janeiro e a corte/capital federal, na
cidade do Rio de Janeiro.
Tipicamente provinciano, não tinha como suas características
principais a imparcialidade. Era um jornal partidário, que naqueles anos
após a Proclamação da República, tomara franca posição em aliança com
o grupo Florianista, representado em Macaé e suas freguesias por
republicanos históricos, como o Dr. Alfredo Backer, e monarquistas
“convertidos” à República, como o Conde de Araruama e outros,
Carneiro da Silva, os Queiroz Matoso e os Pareto (estes de Conceição de
Macabu/Curato de Santa Catharina).
O “Florianismo” do jornal O Século, foi acentuado com algumas
medidas do governador Francisco Portella, que, no ímpeto de reforçar-se
politicamente, privilegiou grupos macaenses dos quais as famílias e
personalidades acima não faziam parte. Complicando ainda mais as coisas,
criou dois novos municípios fluminenses, à custa do município de Macaé,
no caso, criando as vilas de Macabu e Neves.
Tanto em Neves quanto em Macabu, Portella privilegiou seus
correligionários, nomeando-os a cargos de destaque, como intendente,
arruador, fiscal, vereador, juízes, etc. Se fazer o mesmo em Macaé já
denotava um princípio de acirrado conflito político, multiplique-se por
três o mesmo, já que temos de considerar as duas ex-freguesias.
Mais que isso, havia três outras questões a considerar: o fato de
Quissamã e Carapebus não terem sido contemplados com o privilégio da
emancipação (fato que teria agradado aos Carneiro da Silva e aos Queiroz
Matoso); o caso do Curato de Santa Catharina, cuja junção a Macabu, na

209
condição de 2º distrito, deitou por terra as pretensões dos Pareto, em
detrimento dos Maia e Tavares; e o inerente bairrismo macaense, incapaz
de compreender e aceitar o desmembramento de seu território.
A reintegração de Macabu e Neves a Macaé, em 29 de abril de
1892, afirmando suspeitas existentes meses antes, confirmou-se em triplo
telegrama, enviado do Palácio do Ingá, em Niterói, destinado a Neves,
Macabu e Macaé, cujo texto, chegado a Macabu, assim dizia:

A Intendência de Macabu,
Pelo presente, informo a Vossas Senhorias a
revogação do decreto de criação da Villa de
Macabu e dos cargos a ela ligados. A mesma
passa a integrar o município de Macaé, na
mesma condição distrital anterior.
Exmo. Sr. Contra-Almirante Dr. Carlos
Balthazar da Silveira
Governador do Estado do Rio de Janeiro
Palácio do Ingá, Nictherói, 29 de abril de
1892.58

No mesmo telegrama, bastante danificado pelo tempo, lê-se o


horário de envio do mesmo, 15h30min, tendo chegado a Macabu dez
minutos depois, como se vê o recebimento do mesmo.
A partir da chegada dos telegramas, emoções e reações diversas
tomaram conta de Neves, Macabu e Macaé, sendo que a ata de reuniões
da Vila de Macabu e movimentos subsequentes nos dão ideia do que se

58
TELEGRAMA DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO À
INTENDÊNCIA DE MACABU, 29 de abril de 1892. Disponível no arquivo do Museu
do Ingá em Niterói.

210
passou por aqui. Já de Neves não há notícias, aliás, pouco se sabe sobre
aquele efêmero município.
Já em Macaé, graças ao jornal O Século, editado uma semana
depois, em 8 de maio, deixou-se claro o posicionamento de correntes
contrárias a Portella, como veremos nos próximos parágrafos.
Na seção ‘CHRONICA’, sob o título ‘MACABU e NEVES’,
matéria assinada por certo “Nemo”, o jornal expressa, da forma que hoje
consideraríamos ‘baixo nível’, as opiniões a respeito da reintegração de
Neves e Macabu ao município de Macaé.
Logo a princípio, o artigo deixa bem claro que a decisão se deu de
forma clara, acertada e justa, tratando as emancipações como parte de um
governo “horroroso e atrapalhado”:

O meio digno, justo e correto do illustrado


governador deste Estado, Exmo. Sr Contra-
Almirante Dr. Carlos Balthazar da Silveira,
mandando que voltasse a pertencer a Macahé as
duas freguesias (...). (NEMO, 1892, p.02).

As emancipações são creditadas como ato de injustiça,


desmerecendo os atributos dos municípios que se emanciparam, “sem
motivo nenhum, justo, honesto e de interesse público, desmembradas de
nosso município” (NEMO, 1892, p.02).
Mas a questão do desmembramento e posterior reintegração
territorial é parte da crônica. A mesma se dedica – e muito - a atacar o
governador deposto, Francisco Portella, e enaltecer o então governador,

211
estendendo tal enaltecimento a seus correligionários, assim tratados por se
manterem na oposição ao ex-governador:

Macahenses limpos de coração que, acima


de tudo, prezam a honra, a honestidade, a
dignidade e o bem estar desse povo e a
prosperidade do município, por aqueles
que jamais se venderam, ou se ligaram
aquele tresloucado governador. (...).
(NEMO, 1892, p.02).

O artigo segue enaltecendo os anti-portelistas, classificando-o de


tresloucado, como visto acima, mas também de um político que “teve,
como único mérito, esbanjar dinheiro público, enchendo com ele a
pança” (NEMO, 1892, p.02). Segue-se uma saraivada de acusações,
inclusive envolvendo os portelistas de Macaé, assim descritos: “Governo
de lunáticos, governo pulha, cujo esquadrão ou pessoal se compunha de
gatunos, gatunos e só gatunos” (NEMO, 1892, p. 02).
O jornal segue nessa linha, atacando pessoalmente os integrantes
depostos com a queda do ex-governador:

Fazer de um d’elles chefe de partido (este


até criminoso e gatuno), e do outro
Presidente da Intendência (este um grande
parlapatão), ainda do outro, Juiz Municipal
de Direito (este um grande jumento) (...)
José Vicente Valentim, “paspalho” e
Manoel Vieira da Fonseca, “ruminador de
charutos de feno (...).” (NEMO, 1892,
p.02).
212
O jornal enumera os líderes da festa, opositores de Portella e da
emancipação de Macabu, o Conde de Araruama, o Dr. Backer, Dr.
Pareto, José de Queiróz, Bento, Euzébio e o tenente-coronel Bento de
Araújo Pinheiro, não deixando, ao final, de congratular-se com o
‘retorno’ de Macabu e Neves:

Foi uma noite cheia, aquella em que celebrou o


regresso do nosso querido Macabu, que hoje,
felizmente, fazem, como outr’ora, parte da grande
família macahense. (...). (NEMO, 1892, p.02).

Pelo artigo somente já seria possível delinear a oposição macaense


à dilapidação de seu território, mesmo que isso, sob o ponto de vista de
Conceição de Macabu, significasse uma injustiça, pois, como visto
anteriormente, reunia condições para emancipar-se.
De qualquer forma era a visão dos vencedores, que pela ausência
de fontes documentais escritas sobre a visão dos vencidos, foi a que
prevaleceu.

213
Referências Cartográficas e Fotográficas:

Foto do centro e da Praça 1º de Maio, em Conceição de Macabu, nos meados de


1891. Acervo de Efra Ribeiro/Marília Tassara.

Foto mais antiga de Conceição de Macabu: Matriz de Nossa Senhora da Conceição


nos anos 80 do século XIX. Acervo de Efra Ribeiro/Marília Tassara.

214
Casa da Estrela, do coronel Antonio Ignácio Valentim, industrial, empreendedor de
origem portuguesa aqui estabelecido nos anos oitocentos e início do século XX.

Foto centenária da Avenida Victor Sence, colorizada. Acervo de Jhony Jarbas Brasil de
Morais.

215
Estação, Matriz e o Restaurante e Café de France em foto do final do Século XIX.
Acervo Efra Ribeiro/Marília Tassara.

Fazenda Santo Antonio em 1888. Acervo Jarbas Brasil de Morais.

216
Chegada do Padre Antonio Chiaromonte em 1886. O fato foi narrado num conto de
Machado de Assis. Acervo Efra Ribeiro/Marília Tassara.

Foto do centro e da Praça 1º de Maio, em Conceição de Macabu, nos meados de


1891. Acervo de Efra Ribeiro/Marília Tassara.

217
Capa do Almanak Laemmert de 1856, com dados de 1855. Importante fonte sobre os
municípios da Província do Rio de Janeiro.

A mais antiga fotografia de Conceição de Macabu, anterior a 1870, quando a escada


lateral da Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi suprimida por estar em mal estado
de conservação. De autor e com personagens desconhecidos, a foto estava na posse de
Jarbas Brasil de Moraes, cuja viúva repassou a Marília Tassara.

218
Na atual Praça José Bonifácio Tassara, vista para Cooperativa de Laticínios, existiu o
Engenho Central Macabuense (centro), ao lado a “Casa da Estrela”, residência do
coronel Antonio Ignácio Valentim. Foto de 1882. O engenho, transformado em
Cooperativa de Laticínios de Conceição de Macabu no ano de 1943, simbolizou o
auge da “era do café” na região, pois nele, café e outros gêneros, como arroz, milho e
mandioca eram “pilados”, tornando-se café torrado, canjiquinha, fubá, farinha de
mandioca e tapioca. Nos primeiros anos do século XX, com a crise do café, o engenho
beneficiou cana-de-açúcar, produzindo açúcar, rapadura e aguardente. Outra marca
daqueles tempos era a “Casa da Estrela”, que na virada do século XIX para o XX,
simbolizou o poder dos coronéis em Macabu. No caso, o proprietário, coro nel
Antonio Ignácio Valentim, era o chefe de uma das facções políticas locais, contrastando
com os coronéis Guilherme Barbosa e Etelvino Gomes.

219
Ata da instalação da Vila de Macabu e posse dos membros da intendência. Original
guardado no Arquivo da Câmara Municipal de Macaé retornou a Conceição de
Macabu 120 anos depois, para uma breve, porém proveitosa, exposição no Museu
Sociorreligioso Dom Clemente Isnard, por ocasião das comemorações dos 60 anos da
segunda emancipação do município. O trabalho de digitalização do documento levou
dez anos para ser concluído, devido às grandes dificuldades relativas à burocracia
macaense, que negou por seis vezes o acesso do autor ao mesmo nas gestões dos
presidentes Paulo Paes e Riverton Mussi. Somente com a interferência dos vereadores
Danilo Funke (Macaé) e Marlon Abreu (Macabu), foi possível digitalizar todas as atas,
analisá-las e expô-las.

220
O SILVA JARDIM, primeiro jornal de Conceição de Macabu, circulou entre 1891 e
1894. O exemplar acima, único que se tem notícia, é o de número 49, de 1 de agosto
de 1892. Uma coleção de antigos e raros jornais e “pasquins”, contando inclusive com
várias edições de O Silva Jardim, foi doada à Prefeitura pela viúva do pintor
macabuense Jarbas Brasil de Morais. O destino dos jornais foi uma fogueira, onde
livros, documentos e até a faixa do governador do Espírito Santo, o macabuense
Nestor Gomes, foram destruídos, em nome de uma faxina.

221
Referências

ACTA DE INSTALAÇÃO DA VILLA DE MACABU. Cópia digitalizada a


partir de original disponível no ARQUIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE
MACAÉ.

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NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU (1848-1889), 3V.

REGISTRO PAROQUIAL DE NASCIMENTOS DA PAROQUIA DE


NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU (1848-1889), 6V.

REGISTRO PAROQUIAL DE ÓBITOS DA PAROQUIA DE NOSSA


SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU (1848-1889), 4V.

REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA DE CONCEIÇÃO DE


MACABU (1953-1993).
REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE
MACAÉ (1913-1952).
REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE
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Povoamento, Catolicismo e Escravidão na Antiga Macaé (séculos XVII ao XIX).
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Acervo da Massa Falida da Usina Victor Sence
Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Carapebus
Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu
Acervo da Paróquia de São João Baptista
Acervo de Adelino Antônio de Campos Tavares
Acervo Fotográfico de Marília Tassara
Arquivo da Câmara Municipal de Macaé
Arquivo da Fundação Estadual da Infância e Adolescência
Arquivo do Museu do Ingá
Arquivo do Palácio das Laranjeiras
Arquivo Nacional
Arquivo Nacional de Portugal – Torre do Tombo
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes
Biblioteca Municipal de Campos dos Goytacazes
Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional de Portugal
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro
Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Museu do Ingá
Museu Sociorreligioso Dom Clemente Isnard
Solar dos Mello

227
4
A EMANCIPAÇÃO DE FATO: 15 DE MARÇO
DE 1952

Marcelo Abreu Gomes

Se há um episódio na História regional e talvez do Estado do Rio


de Janeiro ao mesmo tempo importante, curioso e desconhecido, esse
episódio se chama Emancipação de Conceição de Macabu.
Importante e curioso, pois foi um evento raro e possivelmente
pioneiro, com um nível de mobilização popular poucas vezes igualado na
região, quiçá no Estado. Desconhecido, por se tratar de evento pouco
estudado, menos ainda, divulgado, cabendo em apenas dois livros, ambos
publicados neste século (TAVARES, 2002).
Os mais instruídos sobre o tema, raros pesquisadores e alguns
cidadãos abnegados (inclusive testemunhas), diriam que se tratou de um
evento cívico sem paralelo, tamanha a reunião de interesses, pessoas,
personalidades, esforços e condições favoráveis em prol da mesma. Ousam
dizer, sem medo de errar, que a Emancipação de Conceição de Macabu
foi mais que isso, pois representou um movimento jamais visto na região,
nunca repetido e poucas vezes percebido em outras partes do Estado do

228
Rio de Janeiro, talvez do Brasil, como relatado em mais de vinte
entrevistas59.
A ousadia descrita nas enquetes, partilhada pelos pesquisadores do
tema, parte da premissa que em 4 de janeiro de 1952, quando as urnas do
plebiscito popular foram abertas e contadas, expressaram um resultado
inigualado até hoje nas centenas de plebiscitos similares realizados pelo
país: unanimidade em quase todas as urnas, apenas 0,8% de votos
contrários (numa urna em Macabuzinho), uma vitória contundente do
“SIM”. De tal forma, que daí para a sanção da vontade popular, aprovada
na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, foi um mero
transcurso de tempo60.
Mas isso não significa que o processo até o plebiscito foi tão
simples como pode parecer nas narrativas acima. Se a partir dele era
praticamente impossível negar aos macabuenses sua autonomia, antes dele
travou-se uma luta, ou melhor, uma queda de braços política que durou
60 anos. Tempo este situado entre a extinção do município de Macabu
em abril de 1892 e a criação do município de Conceição de Macabu em
março de 1952.

59
Entre 1989 e 2012, foram realizadas entrevistas com 22 pessoas, sobre diversos assuntos,
inclusive a Emancipação de Conceição de Macabu. A opinião expressa é partilhada por
20 das 22 pessoas entrevistadas. O processo de entrevistas demandou cerca de três anos,
priorizando a faixa etária entre 98 e 106 anos, além de algumas personalidades.
60
Os dados estatísticos foram obtidos de documentos primários, originais, disponíveis
num livro encadernado, chamado de PROCESSO de EMANCIPAÇÃO de
CONCEIÇÃO de MACABU. As páginas foram organizadas segundo a cronologia dos
documentos, não havendo numeração de páginas ou referência semelhante. O processo
encontra-se arquivado no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM CLEMENTE
ISNARD, localizado na Estação Ferroviária de Conceição de Macabu.

229
Sessenta anos em que o Brasil mudou muito politicamente e
juridicamente, deixando sob esse ponto de vista, de ser uma frágil
República, ainda à mercê das disputas orgânicas, como em 1891 e 1892,
passando pelos anos oligárquicos, período Vargas até a redemocratização
pós-Estado Novo. Mudanças jurídicas que, ao priorizar a participação da
população em processos do gênero, como o emancipatório, colocou
literalmente nas mãos dos eleitores macabuenses o destino há tanto
almejado.
Redemocratização, Constituição de 1946, Lei Orgânica das
Municipalidades: instrumental jurídico fundamental, que, conciliados às
condições econômicas, demográficas, territoriais e, principalmente, à
eterna vontade de desligar-se de sua antiga sede municipal, fizeram da luta
dos macabuenses algo possível e, como visto, vitoriosa.
A história até o dia 15 de março de 1952, data da assinatura da lei
de emancipação, pode ser dividida em fases criadas por este autor, no
sentido de facilitar o progresso dos fatos até o referido dia: Anos de
Frustração (1892-1930), Anos de Espera (1930-1945), Anos de Esperança
(1946-1949) e A Luta pela Emancipação (1950-1952).

1. Anos de Frustração (1892-1930)

O antigo município de Macabu (1891-1892) foi criado e extinto


na República, numa etapa desta em que a mesma lutava para se firmar,
enfrentando tentativas de golpes, renúncias, crise econômica, revoltas,
motins e até uma revolução. O município de Macabu, em sua criação e

230
extinção, foi beneficiário e vítima daqueles tempos, refletindo, numa
escala pequena, a História do Brasil entre 1889 e 1892.
Transformado em município numa estratégia do governador
Francisco Portella de criar uma base política própria, foi extinto da mesma
forma pelo seu sucessor, o almirante Carlos Balthazar da Silveira, cujo
governo não durou menos que o município por ele extinto. Nos anos
seguintes, 1893 e 1894, o governador José Tomás da Porciúncula, um
fluminense de Petrópolis com amplas relações políticas com os
monarquistas, adversário ferrenho de Portella e aliado das petições dos
“novos republicanos macaenses”, tratou de negar todos os pedidos de
revisão da lei de extinção do município. Analisando os aspectos políticos
daqueles tempos, afirmamos que, caso fizesse, Porciúncula retornaria as
bases de seu inimigo político. Negá-la era desampará-lo em sua base de
apoio. Assim, Porciúncula negou61.
A atitude do governador Porciúncula, embora de forma menos
contundente, foi seguida pelos demais governadores do Estado, quase sem
exceção ou perspectiva com algumas brechas importantes no período de
Nilo Peçanha.
Campista, duas vezes governador eleito do Estado, vice-presidente
e presidente do Brasil, Nilo Peçanha, que em seu segundo mandato
rivalizava-se com o macaense Alfredo Backer, acenou com a possibilidade

61
Ver neste mesmo livro: Da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu até
a primeira emancipação . No artigo há mais informações sobre a Primeira Emancipação,
ocorrida entre 1891 e 1892. Sobre os governadores Francisco Portella e José Thomaz da
Porciúncula, há farta documentação no Arquivo Público Estadual e no Museu do Palácio
do Ingá.

231
de recriação do município quando em visita a Macabu. Entretanto,
podemos concluir que o peso político de Macaé era muito mais
significativo, e nada se fez de concreto - até porque, apesar de seu opositor
ser macaense, isso não significava que o mesmo era uma opção unânime
em sua terra.62
Recriar o município de Macabu era tornar o adversário uma figura
política praticamente sem oposição numa das mais importantes cidades do
estado. Em outras palavras, o governador ganharia pouco, mas perderia
muito. Nilo optou por manter a base macaense e macabuense, sem privar
a primeira de seu principal distrito e ofertando para os segundos outras
benesses políticas – obras, concessões e cargos, por exemplo.
Oliveira Botelho (1906, 1910-1914), Alfredo Backer (1906-
1910), Raul Veiga (1918-1922), Feliciano Sodré (1923-1927), macaenses
ou proprietários rurais em Macaé (caso de Raul Veiga), sepultaram
qualquer possibilidade de uma nova emancipação. Se o peso macaense era
sentido em âmbito estadual, com a dupla eleição de Feliciano Sodré para
o governo estadual e Washington Luís, “O Paulista de Macaé”, para
presidente do país em 1926, nada se tentou em prol da recriação do
município. Eram anos de chumbo para se tentar qualquer movimento que

62
O governador Nilo Peçanha recebeu uma petição dos políticos macabuenses,
encabeçada pelo coronel Bento de Andrade Lemos, Amaro Daumas, coronel Etelvino
da Silva Gomes, coronel Guilherme Barbosa e até mesmo o empresário francês Victor
René Sence, entre outros. A petição encontra-se nos registros do Palácio do Ingá, em
Niterói. Os entrevistados Herculano Gomes da Silva, Ascânio Gomes, Cellina Bellas,
Evandro de Paula Gomes, Francisco Ferreira do Cabo, Zinha Valentim e Renato
Barbosa Fernandes relataram o fato com precisão de detalhes. Há mais informações sobre
a disputa de Nilo Peçanha com Alfredo Backer em FERREIRA, Marieta de Morais
(org). A República na Velha Província. Rio de Janeiro: FGV, 1986.

232
viesse a solapar a frágil economia regional, que à época vivenciava duas
crises: a da cana e a do café.
Esse período quase ininterrupto de 1906 a 1930, ano em que
Washington Luís deixou o governo, derrubado pela Revolução de 1930,
foram de frustrações dos movimentos pró-emancipação, levados a cabo
sob a liderança dos Silva Castro, Gomes e Barbosa. Por outro lado, tanto
a prefeitura de Macaé quanto o governo estadual não abandonaram o
distrito de Conceição de Macabu. Esse período é marcado por
importantes obras na região, como a instalação do Educandário Agrícola
Presidente Pedreira em 1923 e da Fazenda Modelo Wenceslau Bello em
1927 – mais tarde convertidos em Educandário Rego Barros –, além de
inúmeras benesses distribuídas aos chefes políticos locais (SILVA;
GOMES, 1997).
Na teia da análise de que fatores em escala mais ampla acabaram
afetando a política e as pretensões macabuenses, estes, em escala bem
menor, temos, por exemplo, a cisão de Alfredo Backer, governador do
Rio de Janeiro, com Nilo Peçanha. O mesmo deu-se, entre outros
motivos, pela adesão de Peçanha ao Convênio de Taubaté, onde o
governo se comprometia a adquirir o café excedente, mantendo seus
preços em alta. Entretanto, o convênio tinha seus pesos e suas medidas, já
que a classificação de preços do café mineiro e paulista eram superiores ao
fluminense, quase sempre tipo “C” e tipo “D” (FERREIRA, 1989).
Uma das reações de Backer repercute até hoje em nossa região,
quando o mesmo optou pela diversificação agrícola do estado, aqui
constituindo, em 1907, a primeira colônia agrícola japonesa da História

233
do Brasil, antecedendo em sete meses e meio a chegada do Kasato Maru 63
a São Paulo – marca da imigração japonesa ao Brasil. As tentativas de livrar
o Estado da monocultura cafeeira culminaram em projetos e ações dos
quais - não há como negar os fatos - Conceição de Macabu foi
beneficiada. Benefícios que, dentre outras benesses mais particulares,
diminuíram o ímpeto local pelo separatismo.
Se por um lado avançou-se pouco politicamente, por outro
aconteceram avanços econômicos, como a constituição de grupos
empresariais interessados em comprar, beneficiar e comercializar café,
açúcar, milho, farinha de mandioca, arroz, feijão, madeiras e gado bovino
e equino. São dessa época o Engenho Central Macabuense (1878), a Usina
Progresso (1894) e a Usina Conceição (1913) (SILVA; GOMES, 1997).
Apesar de nunca desistirem da luta pela emancipação, os políticos
locais também não abdicaram da luta política em si. O período que vai de
1892 a 1930 é marcado pelas sucessivas eleições de macabuenses a diversos
cargos, que foram das vereanças em Macaé à Assembleia Legislativa do
estado em Niterói – isso se descontando cargos em outros estados e
municípios, como o coronel Nestor Gomes, governador do Espírito
Santo e senador (TAVARES, 2002).
Dr. Elias Greco, os Pareto, os Lobo Vianna, os Silva Castro, os
coronéis José da Natividade e Castro, Lafayete Barbosa, Antônio Ignácio
Valentim e Etelvino Gomes mantiveram a política macabuense em alta,

63
A polêmica imigração japonesa em terras macaenses e macabuenses está melhor descrita
em GOMES, Marcelo Abreu. Antes do Kasato-Maru. Conceição de Macabu: Gráfica
Macuco, 2008.

234
tanto no estado quanto no município de Macaé. Foram deputados
estaduais, secretários de estado, secretários municipais, vereadores.
Lutaram, usando aparato burocrático, sem grandes mobilizações
populares, com resultados insatisfatórios, muitas vezes tendo como
obstáculos o contexto local, estadual ou nacional. Outras vezes, contando
com pouco apoio local, resultando em movimentos frustrantes.

2. Anos de Espera (1930-1945)

Se em plena República Velha (1889-1930), quando havia a


remota possibilidade de se competir politicamente através de eleições, não
foi fácil reivindicar a criação do município, Getúlio Vargas em seus
intermináveis 15 anos de governo, incluindo uma ditadura, tornou o
movimento praticamente impossível. O “velho caudilho” não era adepto
de rupturas drásticas em suas ações, muito menos que pudesse criar polos
de oposição. Governando do Rio de Janeiro, a então capital federal, era
interessante que a vizinhança fluminense se mantivesse calma.
Getúlio nomeou oito interventores federais para governar o estado
entre 1930 e 1945. Em seu longo governo houve um governador eleito,
Protógenes Guimarães, num total de onze governadores em 15 anos,
sendo que nesse período, foi, por duas vezes, governado por presidentes
da Assembleia Legislativa (SAIA, 1955).
Os diversos governos estaduais na Era Vargas não foram marcados
pela estabilidade. As inúmeras sucessões não permitiram um caráter de
continuidade administrativa, embora a orientação pró-Getúlio desse a tais
administrações uma mesma orientação política. A continuidade política

235
era pró-Vargas, quase nunca pró-administrativa. Vargas parecia parafrasear
Luís XIV, não ao repetir suas palavras, mas ao levar a cabo o lema do rei
francês: “ O Estado sou eu”.
Na primeira fase de Vargas, em que seus governos oscilaram entre
o caráter “Provisório” (1930-1934) e o “Constitucional” (1934-1937),
interventores federais e o único governador eleito revezaram-se de forma
descontinuada, impedindo que ações voltadas à emancipação fossem
levadas a cabo. Era também uma fase de grande polarização política, em
que Integralistas e Aliancistas digladiaram-se pelas ruas do Brasil, e,
embora os partidários de Plínio de Oliveira fossem maioria absoluta em
Macabu, o “respeito” à ordem estabelecida os impediu de chefiar a luta
emancipacionista. O discurso nacionalista, anticomunista, era a constante,
nunca cedendo espaço ao separatista. O separatismo, na visão do grupo
integralista em Conceição, poderia parecer como subversivo a uma ordem
que tanto defendiam 64.
Em sua fase ditatorial, o “Estado Novo” (1937-1945), eliminou
qualquer esperança dos macabuenses que ainda pleiteavam a separação.

64
Vários entrevistados militaram na Ação Integralista Brasileira, como Herculano Gomes
da Silva, Ascânio Gomes, Cellina Bellas, Evandro de Paula Gomes, Francisco Ferreira
do Cabo, Renato Barbosa Fernandes, Zeny Restum e Germano Lima. A posição dos
integralistas macabuenses, mesmo após a dissolução do movimento em 1938, foi de
alienação em relação à questão separatista. Segundo Ascânio Gomes e Evandro de Paula
Gomes, tratava-se, num primeiro momento, de manter a ordem estabelecida pelo
governo Vargas; enquanto que num segundo momento, representou o temos de
represálias do governo federal, contra quem haviam se insurgido na Intentona
Integralista. Entrevistas realizadas com Herculano Gomes da Silva em 12-12-1989,
Francisco Ferreira do Cabo em 19-09-1994 e Evandro de Paula Gomes em 01-10-1999.
A entrevista com Renato Barbosa foi realizada por terceiro, em data não especificada do
ano de 1992.

236
No mesmo período, o estado do Rio de Janeiro teve quatro
governadores, sendo dois interventores, dos quais um, o contra-almirante
Ernani do Amaral Peixoto, governou de 11 de novembro de 1937 a 29
de outubro de 1945 – o que nos leva a pensar nos curtos governos dos
outros três políticos.
Amaral Peixoto governou o Rio de Janeiro em duas ocasiões,
totalizando onze anos, mais do que qualquer outro administrador até hoje.
Foi em sua primeira gestão um grande articulador político e administrador
de obras. Suas ações, tanto as políticas quanto as obras, foram importantes
para Macabu, alicerçando o caminho rumo à emancipação, embora a
intenção do governo estadual não fosse a de impulsionar o distrito
macaense a tal ato.
Foi com o governador que as obras da Central Elétrica do Macabu,
no distrito trajanense de Tapera, trouxeram à região o general Hélio de
Macedo Soares e Silva. O general, cujas alianças políticas e amizades em
Conceição de Macabu foram fundamentais para o processo de
emancipação, até porque o mesmo se tornaria deputado e irmão do
governador do estado entre 1947 e 1951 - Edmundo de Macedo Soares
e Silva, antecedendo o segundo mandato de Amaral Peixoto (1951-1955),
onde seria sacramentada a criação de Conceição de Macabu65.
A “Era Macedo Soares e Silva” (GOMES, 2003) foi
particularmente interessante aos interesses macabuenses, pois se o irmão

65
Sobre as relações políticas dos irmãos Macedo Soares, além dos entrevistados citados
anteriormente, há o trabalho de SAIA, Políbio. Memória da Cidade do Rio de Janeiro .
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1955. 584p. il.

237
do governador já era um aliado, o mesmo, por conta das amizades do
irmão, acabou se tornando também. Além disso, foi outro período
particularmente rico para nossos políticos, que chegaram à prefeitura de
Macaé, dominando sua Câmara Municipal, além de deputados e
secretários estaduais.
Com Milne Evaristo da Silva Ribeiro, prefeito de Macaé,
Rozendo Fontes Tavares, Francisco Barbosa de Andrade (Chico Tobias)
e o coronel Etelvino da Silva Gomes, vereadores no mesmo município, a
luta emancipacionista passou a ter aliados dentro da Prefeitura de Macaé.
Com o deputado e secretário estadual Macário Picanço, Demerval
Morais, chefe de gabinete do governador, além da projeção dos irmãos
Barbosa Moreira em Teresópolis, Nova Friburgo e no Rio de Janeiro, as
alianças pró-Macabu alicerçaram-se pelo Estado. A espera estava
chegando ao fim.

3. Anos de Esperança (1946-1949)

A sucessão de Vargas, deposto em 1945, após sete longos anos de


ditadura, culminou, entre outras coisas, na promulgação da Constituição
de 1946 em setembro daquele ano. Com características liberais, dando
mais poderes aos estados e municípios, tomando por base princípios que
legitimavam o poder popular, expressado através de votações, os
plebiscitos com voto direto, secreto, inclusive feminino.
Os princípios constitucionais, a presença de partidos políticos
nacionais, como PSD, UDN, PCB e PTB, entretanto, para os anseios dos
macabuenses, ainda esbarravam em dois empecilhos: primeiro que não

238
havia uma legislação específica que tratasse da criação de novos
municípios, valendo, portanto, a anterior, baseada em padrões
estabelecidos Lei Orgânica Nacional nº 311, de 2 de Março de 1938;
segundo que o panorama político estadual não era ainda favorável, pois
seis interventores federais governaram o estado entre 1945 e 1947, não
dando a menor chance para que qualquer movimento popular se
firmasse66.
A situação parecia caminhar para a mesmice das últimas décadas,
não fossem duas situações entrecruzadas que deram ânimo aos
emancipacionistas: primeiro a eleição direta do irmão do general Macedo
Soares para governador do Rio de Janeiro, Edmundo Macedo Soares;
segundo, uma brecha na Constituição de 1946, criando o Fundo de
Participação dos Municípios (FPM), garantindo recursos financeiros aos
municípios, legislação até hoje em vigor.
A eleição do governador era um duplo presente para os políticos
de Conceição de Macabu. Irmão do ex-diretor das Centrais Elétricas do
Macabu, que ainda construía a hidrelétrica de mesmo nome em Tapera,
Macedo Soares passava obrigatoriamente por Macabu todas as vezes que
se dirigia à região – na época uma das mais importantes obras em curso
no Sudeste.
Em algumas ocasiões, os Macedo Soares se hospedaram,
almoçaram, jantaram, receberam presentes, foram homenageados, enfim,

66
No entendimento do processo emancipacionista, é importantíssima a leitura da
legislação pertinente, válida na época, como a LEI ORGÂNICA NACIONAL, nº 311
de 02 de março de 1938. Disponível/consultada na Biblioteca do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, IBGE.

239
conviveram e fizeram grandes amizades por aqui. Uma vez eleito
deputado, irmão do governador do estado do Rio de Janeiro, a despeito
do peso estratégico de Macaé, não dificultou em nada o processo de
separatismo macabuense, pelo contrário, facilitou-o, embora
discretamente67.
A Lei Orgânica das Municipalidades de 1938 estabelecia critérios
rigorosos para criação de novos municípios, como territoriais,
demográficos e financeiros, dificultando a situação de muitos movimentos
separatistas em todo país. Mas a situação não se aplicava a o caso
macabuense.
Conceição de Macabu, então 5º distrito de Macaé não tinha
problemas quanto ao território e a renda, especificado como áreas do atual
primeiro distrito, estendendo-se até as vizinhanças de Carapebus, bem
maior que hoje. Por outro lado, a Usina Victor Sence, a Cooperativa de
Laticínios e inúmeros empreendimentos rurais projetavam um
rendimento que estava dentro das normas exigidas pela lei. Só
demograficamente havia uma questão, que, entretanto, seria solucionada
com a futura adesão de Macabuzinho, 10º distrito. Outra particularidade
da emancipação: a junção de dois distritos macaenses para formar um novo
município. Se a emancipação de um distrito parecia difícil, a de dois,
unidos, ao contrário, facilitaria a questão.

67
Fatos citados com detalhes reiteradas vezes nas entrevistas com Zinha Valentim (18-
10-1990), Ascânio Gomes (03-01-1996), Francisco Ferreira do Cabo (19-09-1994),
Evandro de Paula Gomes (01-10-1999) e Cellina Bellas (12-11-2000), confirmadas as
informações com os demais entrevistados.

240
Aconteceu ao estabelecer o sistema de tributos partilhados gerado
pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), criado pela
Constituição de 1946. Como as cotas eram iguais para todos os
municípios, alguns governos estaduais estimularam a criação de
municípios para atrair mais recursos do governo federal.
Nesta onda vários municípios fluminenses foram emancipados
entre 1946 e 1950. Eram emancipações por decreto, sem a necessidade de
plebiscitos, conseguidas à custa de concessões políticas, com vasta
influência de deputados, senadores e até dos governadores e vice-
governadores.
Conceição de Macabu não se emancipou nesta leva. O fato de
sermos um distrito de Macaé e não de um município menos importante
ainda pesava. Para São João do Meriti, Natividade e Porciúncula, por
exemplo, o período foi mais significativo, conseguindo suas separações
administrativas de Duque de Caxias e Itaperuna, respectivamente.
O FPM a ser repassado com a criação de Macabu interessava ao
estado do Rio de Janeiro, tornando mais um fator favorável à
emancipação. A tendência emancipacionista varria o estado naquele final
dos anos 40, uma tendência que os macabuenses souberam aproveitar. A
esperança num novo município materializava-se.

4. A Luta pela Emancipação (1950-1952)

O fim da Era Vargas, a Constituição de 1946, a Lei orgânica das


Municipalidades, a Lei do Fundo de Participação dos Municípios,
políticos macabuenses despontando em vários municípios e até na

241
estrutura estadual, os Macedo Soares, Amaral Peixoto, e as grandes
mobilizações populares marcaram os anos que antecederam 1952, ano da
emancipação. Tais marcas, como visto, precederam um período em que
o processo de separação foi atordoado por diversas situações, sendo adiado
por quase 60 anos.
A combinação dos fatores acima foi rapidamente percebida pelos
políticos locais, que, com uma intensidade não percebida nem na década
de 1850, quando foi criada a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Macabu, nem na década de 1890, quando da primeira emancipação,
organizaram-se, muniram-se dos recursos disponíveis, criaram as
condições para a execução dos fatos.
A luta pela emancipação do município de Conceição de Macabu,
tendo por base o enfrentamento do município ao qual pertencia, Macaé,
começou com a organização, valeu-se de estratégias políticas eficientes.

4.1. A Comissão Pró-Emancipação de Conceição de Macabu

Conforme já visto, além dos anseios pela constituição de um


município somavam-se fatores legais e políticos favoráveis ao projeto de
Macabu. Os últimos anos da década de 40 foram ainda mais especiais com
os políticos locais se tornando influentes em Macaé e na capital, Niterói,
inclusive, com laços de amizade ligando-os aos dois governadores eleitos:
o general Macedo Soares e o contra-almirante Amaral Peixoto. É no
período 1950 a 1952 que se tem a organização e a culminância do projeto
emancipacionista. Estes dois anos foram decisivos, mais importantes, mais
laboriosos que os 58 anos anteriores.

242
Francisco Barbosa de Andrade, coronel Etelvino Gomes, João
Barbosa Moreira e Rozendo Fontes Tavares ocuparam sucessivos cargos
em Macaé, facilitando a obtenção de documentos e dados estatísticos,
cruciais para provar a viabilidade da criação de um novo município. Na
mesma sequência, o doutor Milne Evaristo da Silva Ribeiro tornou-se
prefeito da mesma cidade entre 1947 e 1951. Com uma câmara municipal
e a própria prefeitura favorável, faltava provar que era viável a ação
separatista. Em outros termos, era o momento de se organizar, de
mobilizar, de provar que o município a ser criado era merecedor de tal
fato.
Segundo Francisco Ferreira do Cabo, o popular Cabinho, as
Semanas Ruralistas realizadas na antiga FEEM foram os eventos cívicos
que reuniram os simpatizantes do separatismo com as autoridades e
políticos estaduais competentes. Cabinho, em mais de três horas de
entrevistas a mim concedidas em 1997, assim falou:

Na Semana Ruralista de 1949, com a presença


do governador, de vários secretários estaduais e
do prefeito Milne Ribeiro, foi proposta a
organização de um encontro para se traçar os
rumos da emancipação. 68

Em julho de 1950, Renato Barbosa Fernandes procurou o velho


José Gomes, português, proprietário do maior cinema do distrito, o Cine

68
CABO, Francisco Ferreira do. Entrevista a Marcelo Abreu Gomes em 19 de setembro
de 1994. A mesma foi confirmada pelos demais entrevistados.

243
Brasil. Segundo relatos orais colhidos em entrevistas com familiares do
português, o diálogo teria sido mais ou menos esse:

- Boa Tarde senhor José, como vai passando?


- Bem, obrigado.
- E os seus?
- Vão bem também, e o senhor, como tem
passado?
- Vou bem.
- E o que o traz aqui?
- Senhor José, o senhor já deve ter ouvido a
conversa sobre a emancipação do distrito, não
ouviu?
- Sim, não se fala em outra coisa nessa casa,
Lelinho, Adolfo, até a Júlia e as meninas falam
nisso.
- Pois é senhor José, precisamos de um espaço
grande para fazer uma reunião, a fim de
formarmos uma estratégia de luta pelo ideal. E
por isso estou aqui.
- Olha seu Renato, sou português, desde o
Integralismo não me meto em política aqui e
nem deixo meus filhos se envolverem. Mas,
acho que o caso é diferente, e, se o senhor veio
pedir o cinema para se reunir com os
interessados, fique à vontade, o espaço, durante
o dia, é de vocês. 69

A partir daí aconteceu, marcou-se a primeira de várias reuniões


pela emancipação. A primeira aconteceu no dia 17 de julho de 1950, uma

69
FERNANDES, Renato Barbosa. Entrevista a Marcelo Abreu Gomes em 1992. A
mesma foi confirmada pelo filho do português José Gomes, Herculano Gomes da Silva
em entrevista ao autor no dia 12-12-1989.

244
segunda-feira, ensolarada, porém fria. Na reunião explicaram-se
detalhadamente os propósitos a serem almejados: a formação de uma
comissão pró-emancipação e a mobilização popular – objetivos saudados
com efusivos aplausos e declarações de apoio por parte de todos.
Marcaram então uma segunda reunião, em 24 de julho, e uma terceira,
em agosto – que acabou não acontecendo. Na reunião de 24 de julho,
pensou-se, ou pelo menos se falou pela primeira vez, na possibilidade de
organizar-se uma comissão pró-emancipação, com setores, responsáveis e
tarefas bem definidas70.
Por razões desconhecidas, quase meio ano depois, no dia três de
dezembro de 1950, realizou-se a quarta reunião, no antigo Clube
Recreativo Macabuense, local hoje ocupado pela Primeira Igreja Batista,
onde se formou a Comissão Pró-Emancipação. Dela, além da grande
participação popular e da euforia que tomou conta de todos, destaca-se o
conteúdo da ata, de onde saiu o primeiro grupo encarregado dos trabalhos
para criação do município:

Aos três dias do mês de dezembro de mil


novecentos e cinqüenta, no salão do Clube
Recreativo Macabuense, sito à Praça Santos
Dumont s/n0, em Conceição de Macabu,
reunidos os cidadãos que esta subscrevem, após
haver sido convidado pelo presidente do
referido clube o cidadão Rozendo Fontes

70
COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU –
Caderneta de Movimentação Contábil e Agenda de Compromissos de Rozendo Fontes
Tavares. Única cópia está disponível no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM
CLEMENTE ISNARD em Conceição de Macabu.

245
Tavares para presidir os trabalhos e dizer dos
motivos da reunião, este, após tomar assento à
mesa e convidar a mim, João Barbosa Moreira,
e a Renato Barbosa Fernandes para
funcionarmos como Secretários, fez, usando da
palavra, uma alocução explicando aos presentes
que o motivo da reunião era estudar as
possibilidades da criação do município de
Conceição de Macabu, com o
desmembramento de territórios pertencentes
aos municípios de Macaé, Campos e Santa
Maria Madalena. As palavras do Sr. Presidente
tendo merecido aprovação geral, determinou o
mesmo que o Secretário, Sr. Renato Barbosa
Fernandes, lesse um pequeno relatório
elucidativo das vantagens que poderiam advir
da criação do referido município, tendo em
vista as suas possibilidades econômicas,
geográficas e o nível cultural já alcançado pelo
distrito em comparação a outros municípios
fluminenses. Lido o referido relatório, retomou
a palavra o Sr. presidente e esclareceu que o
passo inicial para a realização da independência,
tendo em vista os diplomas legais que o
facultam, era a escolha de uma comissão
provisória para reunir os elementos exigidos na
Lei Orgânica das Municipalidades, ora em
vigor, e na Constituição do Estado, para a
proposta da emancipação a ser encaminhada ao
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado,
conforme estatui a citada Lei. A esta comissão
ficou afeto todo o trabalho relativo ao assunto.
A seguir, foram escolhidos, por aclamação, os
seguintes cidadãos para a referida comissão:
Francisco Barbosa de Andrade; Coronel

246
Etelvino da Silva Gomes; João Barbosa
Moreira; Rozendo Fontes Tavares; João Luiz
de Andrade; Eliseu Tavares Gomes; Bernardino
Vilar Barbosa; José de Lima; Ignácio Valentim;
Roberto Felix; Renato Barbosa Fernandes;
Raphael Monteleone; Esther de Souza Barreto;
João Assaf, Celina Bellas; Dr. José Bonifácio
Tassara; Dr. Abelardo de Carvalho; Ozório
Rangel de Azevedo; Clotilde Bersot;
Hermogênio Ignácio Leal; Thiers Salvador
Barbosa; Felix Aded; Waldyr Tavares Daumas;
Lucas Berbat; Dr. Jorge Armando Figueiredo
Enne; Antônio da Costa Siqueira; Godofredo
Guimarães Tavares; Euclydes Carvalho; Miguel
Pereira da Fonseca; Antônio Barcellos; Afonso
Paula e Syndulpho Bersot. Constituída a
presente comissão, propôs o Sr. Renato
Barbosa Fernandes que a mesma, para início de
seus trabalhos, se reunisse domingo próximo,
dia 10, às 15 horas, neste mesmo local, sob a
Presidência do Sr. Coronel Etelvino da Silva
Gomes, o que foi aprovado. Nada mais
havendo a tratar, foi encerrada pelo Sr.
Presidente a referida reunião. Conceição de
Macabu, 3 de dezembro de 1950. Eu, João
Barbosa Moreira, Secretário, a subscrevo e
assino com o Sr. Presidente, demais membros
da mesma e as pessoas presentes. (TAVARES
Godofredo G. Imagens de nossa terra. Rio de
Janeiro: Primil, 2003, p.231).

Essas reuniões marcaram, oficialmente, o reinício da luta.


Organizados e oficialmente constituídos na Comissão Pró-
Emancipação de Conceição de Macabu, seus membros subdividiram-se

247
na reunião seguinte, do dia 10 de dezembro, formando subcomissões para
entender o processo legal de separação, começar a reunir os documentos
e mobilizar o eleitorado.
Formavam uma espécie de subcomissão de análise legal Francisco
Barbosa de Andrade, Coronel Etelvino da Silva Gomes, João Barbosa
Moreira, Rozendo Fontes Tavares, Jorge Armando Figueiredo Enne, Dr.
José Bonifácio Tassara, Dr. Abelardo de Carvalho e Renato Barbosa
Fernandes. A eles coube, inicialmente, analisar a legislação vigente,
identificando os documentos e certidões necessários a serem enviados ao
presidente da Assembleia Legislativa71.
Outra comissão, responsável pela divulgação e organização de
atividades culturais, visando angariar o apoio popular, foi constituída por
Eliseu Tavares Gomes, Antônio da Costa Siqueira, Godofredo Guimarães
Tavares, Euclydes Carvalho, Miguel Pereira da Fonseca, Antônio
Barcellos, Afonso Paula, Syndulpho Bersot, Ozório Rangel de Azevedo,
Clotilde Bersot, Hermogênio Ignácio Leal, Thiers Salvador Barbosa, Felix
Aded, Waldyr Tavares Daumas, Lucas Berbat, João Luiz de Andrade,
Eliseu Tavares Gomes, Bernardino Vilar Barbosa, José de Lima, Ignácio
Valentim, Roberto Felix, Raphael Monteleone, Esther de Souza Barreto,
João Assaf e Celina Bellas. Tão importante quanto a primeira comissão,
se mostraria estratégica, agindo além da parte burocrática, criando

71
Dr. José Bonifácio Tassara era médico, Dr. Abelardo de Carvalho, advogado, Rozendo
Fontes Tavares era tabelião, João Barbosa Moreira, farmacêutico, e Dr. Jorge Armando
Figueiredo Enne era advogado e Promotor de Justiça. O coronel Etelvino da Silva
Gomes e Francisco Barbosa de Andrade eram proprietários rurais e políticos com vários
mandatos na Câmara Municipal de Macaé.

248
condições ‘ambientais’ para a propagação da ideia de um município
independente. Não tardaria muito para tal comissão dar seus frutos e
colher bons resultados.
Roberto Félix, Waldyr Tavares Daumas, Félix Aded, Syndulpho
Bersot, Ozório Rangel de Azevedo, Bernardino Vilar Barbosa e João
Assaf, com ligações além de Conceição de Macabu, formavam um grupo
com propriedades rurais, residência ou mesmo ciclo de amizades em
Macabuzinho e municípios vizinhos, especialmente nos distritos de Santa
Maria Madalena. Eles constituíram uma terceira comissão, que agiu
dentro e fora das fronteiras macaenses, Macabuzinho, Paciência e Serrinha
(Campos) e em território madalenense, alicerçando os anseios dos
cidadãos de Triunfo, Santo Antônio do Imbé, Osório Bersot e Agulha
dos Leais a juntarem-se ao novo município, desmembrando-se do torrão
original.72
Essa se constituía em uma grande novidade: formar o município
de Macabu a partir de dois distritos macaenses (o 5º, Conceição de
Macabu, e o 10º, Macabuzinho); mais dois distritos madalenenses (o 2º,
São Pedro do Triunfo, e o 3º, Santo Antônio do Imbé), que trariam em
seus territórios as localidades do Osório Bersot e Agulha dos Leais. Além
disso, como consequência da adesão de Macabuzinho, Paciência, distrito
de Campos dos Goitacazes e situados a 2 km da localidade, também
expressou sua parcela de adesão à causa macabuense.

72
Vários membros da COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE
MACABU eram proprietários rurais nas áreas citadas, mas com pouca influência política
em Campos e Madalena, resultando nos planos de anexação.

249
E era uma novidade e tanto. Até aquele momento, de forma
democrática, pelo voto popular, nunca dois distritos de um mesmo
município tinham se unido em prol da formação de um novo, que dirá,
então, provocando divisões em territórios vizinhos.
À medida que a ideia de lutar pela emancipação foi se propagando,
naturalmente os madalenenses destes distritos aproximaram-se da causa,
enxergando aí a possibilidade de terem uma sede municipal que lhes fosse
mais próxima geograficamente, além das afinidades culturais e
econômicas. Entretanto, como seria perceptível, esperado, ao mesmo
tempo em que se abria uma frente de luta contra Macaé, comprava-se
uma briga, a princípio desnecessária, com Madalena e Campos. Uma
guerra em três frentes, que muitas polêmicas causaram.

4.2 Estratagemas de Combate: a experiência política e certos


“jeitinhos”

Há dois anos um precioso achado fez-se em Conceição de


Macabu: na reforma do velho telhado do Sindicato Rural, o então
secretário da instituição, Victor Abílio Fernandes, observava estarrecido
os carpinteiros desencavarem dezenas de quilos de fichas de antigos
sindicalizados, jornais, correspondências e papéis diversos, quando lhe
chamou a atenção um volumoso envelope branco, contando, entre outras
coisas, notas fiscais, certificados bancários, listagens de nomes,
comprovantes de telegramas, todos relacionados ao movimento de
emancipação, mais especificamente, à Comissão Pró-Emancipação de
Conceição de Macabu. A descoberta, por si só inédita, inusitada,

250
importante, mostrando uma faceta da emancipação pouco conhecida e
não estudada até hoje, ainda guardava duas outras surpresas, ou melhor,
preciosidades: uma caderneta bancária, do antigo Banco Predial do Rio
de Janeiro, com toda movimentação de depósitos e gastos que financiaram
o movimento separatista; e uma agenda, que foi utilizada por ninguém
menos que Rozendo Fontes Tavares e Miguel Fonseca, algumas das
principais lideranças políticas e o tesoureiro do movimento (Fonseca).
Victor Abílio, temendo pelo destino de precioso acervo, mandou-
o ao autor dessas linhas. De tal maneira surpreendente e revelador, hoje
intitulo “Caixa Preta da Emancipação”, sem uma conotação de
desonestidade, mas sim pelas estratégias de ação, não imagináveis até os
dias de hoje – ou melhor, até o dia em que a caderneta e a agenda
surgiram.
A documentação comprova, com 60 anos de atraso, que a luta não
se deu apenas no ‘campo aberto’, mas que em nível de bastidores uma
gama de ações fora planejada e executadas para que a Assembleia
Legislativa aprovasse o plebiscito, de modo que depois o governador
sancionasse a Lei que criava o município73.
Viagens ao Rio de Janeiro, Niterói (capital), Macaé, Campos,
Paciência (Campos), Triunfo, Santo Antônio do Imbé e Tapera (Trajano

73
COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU –
Caderneta de Movimentação Contábil e Agenda de Compromissos de Rozendo Fontes
Tavares. Única cópia está disponível no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM
CLEMENTE ISNARD em Conceição de Macabu. A caderneta cita várias compras
destinadas a presentear políticos, ou despesas com a realização de jantares e almoços com
os mesmos. Os eventos festivos e presentes tornam-se mais intensos na medida em que
o processo emancipacionista toma vulto.

251
de Morais). Almoços e jantares regados a vinho e uísque importados,
homenagens, reuniões festivas, presentes, foram algumas das armas usadas
pela emancipação, que os dois maiores historiadores do assunto,
TAVARES (2002), GOMES (2003) e SILVA; GOMES (1997), não
mencionaram.
À primeira vista, o que pode parecer estratégia contundente,
discutível, na verdade demonstra que as negociações foram intensas,
extrapolando uma simples ação política. Na verdade, cada viagem, cada
jantar, almoço, presente, telegrama, hospedagem, tinha uma função
específica, justificada nos achados do Sindicato Rural.
Por exemplo, as viagens. No caso de Macaé, tratava-se de buscar
informações, documentos, dados estatísticos para justificar a emancipação.
Niterói, na época a capital do estado, e Rio de Janeiro, capital federal,
também, mas, no caso, dados de âmbitos federal e estadual. Niterói
também recebeu muitos emancipacionistas macabuenses em busca de
apoio político. Diversas visitas ao Palácio do Ingá, sede do governo; além
de outras tantas à Assembleia Legislativa74.
Ao Palácio do Ingá também foram destinados presentes,
telegramas. Afinal de contas, além do governador do estado, figura
importante em todo processo (tanto o Macedo Soares quanto o Amaral
Peixoto), tínhamos um aliado e tanto lá dentro: o macabuense Demerval
Morais, chefe de gabinete ou, como se dizia à época, chefe de governo
durante a gestão Amaral Peixoto. Demerval, ao que tudo nos confirma

74
Ibidem. A caderneta mostra a frequência, o custo e os destinos das viagens, muitas
vezes citando a razão da mesma.

252
nas entrevistas, muito fez pela causa macabuense, inclusive agindo como
‘espião’ ou em ações de ‘contraespionagem’, que se mostraram valiosas,
principalmente no embate com Macaé75.
Niterói, segundo a agenda e a caderneta, foi a segunda cidade mais
visitada no período. Razões para tal havia e muitas. A mais frequentada,
ao contrário do que se possa imaginar, não foi Macaé, ao qual ainda
estávamos ligados. Foi, não uma cidade, mas Tapera, distrito de Trajano
de Morais.
O leitor assíduo e interessado em nossa História, e mesmo aquele
que não está tão interessado assim, fará uma pergunta: Tapera?
Sim, Tapera. O hoje pequeno, bucólico, simpático distrito
trajanense, era, naqueles anos das décadas de 40 e 50, uma localidade
movimentada, com população flutuante na casa de 3.000 pessoas, por
conta da construção da Central Elétrica do Macabu – uma das mais
importantes obras em curso no estado do Rio de Janeiro. Era um centro
pujante, inclusive politicamente, pois a obra da C. E. Macabu atraía todo
tipo de trabalhadores, investimentos e, junto, os políticos 76.

75
Ibidem.
76
Desde 1931 realizaram-se estudos para construção da Hidrelétrica de Macabu, no
distrito trajanense de Tapera. Em março de 1942, foi constituída a Comissão Central de
Macabu pelo governo do estado, com a finalidade de dar continuidade às obras em 1947.
As obras foram paralisadas por falta de recurso e, depois que novas verbas foram
destinadas às obras, em 11 de Janeiro de 1950, entraram em funcionamento duas
unidades geradoras dessa usina, com 3.750 KVA, antes mesmo da construção da Tomada
de água definitiva. O volume de recursos, a importância do empreendimento e a massa
trabalhadora, estimada em 3.000 pessoas, faziam dos diretores da UHE Macabu
executivos de grande projeção nacional. Além dos acervos dos arquivos estadual e
nacional, há também: EMBRAPA. Diagnóstico do meio físico. Bacia Hidrográfica do
Rio Macabu. 2004.
Disponível em:

253
Para contextualizar Tapera no espaço político daquele tempo,
basta dizer que o diretor do empreendimento, o general Macedo Soares,
era deputado e irmão do governador do Rio de Janeiro. Ou que nas
campanhas para governador do então estado do Rio de Janeiro, não
houve candidato que exclui as obras da C. E. Macabu de seus programas
e visitas77.
Hélio Macedo Soares foi um personagem importante no processo
de Emancipação, bastando recordar que foi numa Semana Ruralista em
1949, numa reunião deste com políticos locais, que surgiu a ideia de
organizar o movimento separatista. A partir daí, lá de Tapera, ou de
Niterói, ou, mais ainda, em suas inúmeras estadias em Macabu, Hélio foi
o interlocutor, o consultor, o agenciador de vários processos que
culminaram na transformação dos distritos em município.
Com milhares de trabalhadores sob seu comando, com um
orçamento superior a quase todos os municípios do Estado, Hélio Macedo
era uma das pessoas mais prestigiadas, não só da região, como de todo o
território fluminense. Nesse contexto, apadrinhava com empregos e
cargos seus aliados e partidários políticos. Igualmente, recebia pedidos

<http://www.cnps.embrapa.br/solosbr/pdfs/doc63_2004_riomacabu.pdf >. Acesso


em: 2 fev. 2010.
77
Hélio e Edmundo de Macedo Soares e Silva foram importantes políticos na esfera
fluminense dos anos 40 e 50. O primeiro, deputado, foi diretor da UHE Macabu,
estabelecendo vínculos íntimos com os partidários da Comissão Pró-Emancipação. O
segundo, governador do Rio de Janeiro entre 1947 e 1951, também se mostrou um
importante aliado do movimento emancipacionista. O sucessor de Macedo Soares no
governo fluminense, Ernani do Amaral Peixoto, embora mais equilibrado na queda de
braços entre Macabu e Macaé, influenciado por políticos de seu círculo íntimo, como
os macabuenses Macário Picanço e Demerval Morais, colaborou.

254
constantes de deputados, senadores, prefeitos e até do governador para o
atendimento a “pedidos”, que variavam dos tradicionais serviços à
realização de pequenas e médias obras em municípios da região.
Tapera tornou-se uma espécie de “ sub-capital” fluminense, ao
lado de Campos, Petrópolis, Cabo Frio e Volta Redonda, localidades
onde problemas tratados em Niterói eram ratificados, resolvidos, sem falar
nos casos em que se dispensava a visita à capital do estado. Muitas vezes,
Tapera foi, informalmente, mas na prática, a capital dos fluminenses.
O general aparece em várias notas de despesas da Comissão Pró-
Emancipação. Passando por Macabu, sempre fora bem recebido. Com o
advento do movimento separatista, passou a ser adulado na forma de
jantares, reuniões especiais, almoços e festividades religiosas, tudo isso
regado às melhores bebidas e com os melhores cardápios, afinal de contas,
se Tapera era uma “ sub-capital”, o general, que exerceu a função de
deputado, era um “ sub-governador”.
Outras visitações foram realizadas a Macaé, mas, como a cidade
era sede do município, era bastante comum ter quem fosse ou viesse
dispensando despesas extras para a comissão. Com quatro macabuenses
figurando em destaque no cenário político macaense – três vereadores,
um deles presidente da Câmara, e o prefeito – os contatos eram
frequentes, obrigatórios, fazendo parte de uma rotina que pouco figurava
nas anotações oficiais.
Menos frequentes, mas importantes, principalmente no início da
campanha, estavam os contatos realizados em Paciência, quase todos
através de Waldir Tavares Daumas, e os feitos em Triunfo e Santo

255
Antônio do Imbé. Tais visitas e reuniões foram frequentes no início do
processo. Em geral feitas no táxi de Eliseu Mendonça, objetivaram
consolidar a aliança interdistrital. À medida que Macabu optou por
concentrar esforços em Macabuzinho, cessaram tais empreitadas aos
distritos madalenenses, como veremos a seguir.
As anotações fiscais e os registros de despesas, a partir daí, pendem
para Macabuzinho e os aliados de lá, em especial, Waldir Tavares Daumas,
liderança “in contest” das ações no 10º Distrito. Waldir, que também era
adepto da união com outros distritos, de outros municípios, também foi
o primeiro a compreender que o alargamento das disputas com Madalena
e Campos colocaria em risco a luta com Macaé.

4.2. Nem tudo são flores: Madalena, Macaé e Campos versus


Conceição de Macabu – Davi contra três Golias

Formar o município de Conceição de Macabu democraticamente,


usando o voto popular, através de um plebiscito, para fazê-lo, já era por
si só algo inédito na história do Rio de Janeiro e talvez do Brasil,
constituindo um toque de ousadia no projeto. Mais ousado ainda era
formá-lo anexando outro distrito macaense (Macabuzinho), dois distritos
madalenenses (Triunfo/Imbé) e um campista (Paciência).
Tamanha ousadia implicava em riscos muito grandes, tratando-se
de um enfrentamento com Campos, Macaé e Madalena. Tão grande era
o risco, que imediatamente se descartou a possibilidade de Paciência fazer
parte do novo território. Campos era uma espécie de segunda capital do
estado. Enfrentar os campistas era sinônimo de suicídio político e fim da

256
luta. Aos de Paciência, dizia-se que nos apoiassem no movimento para
unir Macabuzinho a Macabu, que as benesses daí advindas acabariam por
beneficiar o distrito (hoje localidade) campista. Deu certo, abriu-se mão
de enfrentar um Golias bem maior que os outros dois, que, pelo contrário,
ao invés de se opor, deu-nos forte apoio através de seus deputados na
Assembleia.78
O segundo round se deu com Madalena, muito mais pelos
próprios madalenenses que pelos macabuenses. Digo que os madalenenses
de Triunfo, Santo Antônio do Imbé, Osório Bersot e Agulha dos Leais,
alegando maior proximidade geográfica e econômica com Conceição de
Macabu, solicitaram via abaixo-assinado à Assembleia Legislativa que
fossem unidos ao município que se formava.
Dois impressionantes abaixo-assinados, com mais de 600
assinaturas (Macabu e Macabuzinho, juntos, produziram 780 assinaturas),
partiram do município de Santa Maria Madalena, mostrando a disposição
destes em juntar-se ao novo município.
De Triunfo, o documento justificava o separatismo alegando 5
pontos fundamentais: a distância geográfica; a distância econômica; o
desinteresse madalenense; o interesse macabuense; e a possibilidade de
crescimento (PROCESSO de EMANCIPAÇÃO de CONCEIÇÃO de
MACABU).

78
Campos dos Goytacazes possuiu a maior bancada de deputados estaduais nas legislaturas
de 1947 e 1951. Tal bancada, além de grande, era influente, pois o município era o
maior, tanto em tamanho quanto em população, superando, inclusive, municípios que
hoje são maiores, como Duque de Caxias, São Gonçalo e Niterói.

257
Os signatários de Triunfo concluíram o documento com duas
citações bombásticas: primeiro um artigo de João Laranjeira no jornal A
Semana, em que o jornalista diz que “economicamente Madalena nada
perderá e nada ganhará Conceição de Macabu.” Em seguida, os
triunfenses foram muito inteligentes, contundentes, colocando o
revoltado Laranjeira em seu devido lugar:

Exmo. Sr. Presidente, se não há obstáculos de


ordem legal às pretensões de uma população,
que, por iniciativa própria procura separar-se de
um município, de cuja sede a própria natureza
geográfica já separou, esperam os signatários
que V. Excia. tome necessárias providencias
para que se realize o necessário plebiscito
previsto na Constituição Estadual, cujo
resultado todos se curvarão. E por ser de
JUSTIÇA, esperam ver satisfeitas suas
aspirações. (PROCESSO de
EMANCIPAÇÃO de CONCEIÇÃO de
MACABU).

Seguiram-se centenas de assinaturas, números impressionantes


para uma época em que nem todos os cidadãos eram eleitores como
estamos acostumados a ver hoje em dia. O eleitor era definido, entre
outras exigências, pela alfabetização, algo raro naquele Brasil dos anos 50.
Em Santo Antônio do Imbé, terceiro distrito de Santa Maria
Madalena, o maior territorialmente daquele município, envolvendo ainda
as localidades do Osório Bersot e Agulha dos Leais, seguiu-se um texto
parecido com o de Triunfo, com razões e justificativas igualmente bem
colocadas, há a mais curiosa de todas as citações pró-separatistas:
258
Santo Antônio do Imbé estando mais perto de
Conceição de Macabu, a intervenção da
administração será mais eficaz e mais oportuna,
à razão mesma do administrador e dos
administrados; o contrário será opor-se a Lei de
Newton, inverter as quedas d’águas, impedir
que o rio corra para o mar. O imbeense não
quer ser um Prometeu acorrentado; sabe que o
Hércules é Conceição de Macabu,
MUNICÍPIO. E com ele, tudo será melhor.
(PROCESSO de EMANCIPAÇÃO de
CONCEIÇÃO de MACABU).

Pelas alegações imbeenses, até teorias científicas comprovadas e


tidas como marco inicial da Física estavam ao lado de suas pretensões.
Outra impressionante lista de eleitores seguiu. Parecia que o
ímpeto emancipacionista/separatista fora maior em Madalena que em
Macabu.
Coube ao maior historiador macabuense, Godofredo Guimarães
Tavares, resumir bem essa “disputa” Macabu-Madalena:

Os madalenenses não tinham motivos para ficar


contrários à nossa independência, entretanto, a
combateriam energicamente se, para ser
alcançada, ocorresse a mutilação de sua
tradicional terra. Sentimento lógico e
procedimento respeitável dos nossos prezados
vizinhos, ou seja, defender o que lhes pertence,
contudo, foram acérrimos os termos
empregados no artigo “O Conto do Vigário”,
publicado em A Semana. Admitindo-se a
ameaça, tornava-se justo reconhecer que ela
partia, em maior parcela, da vontade daqueles
259
que se aliaram espontaneamente ao
movimento, para dele tirar proveito coletivo, se
vitorioso. A transcrição do aludido artigo e dos
requerimentos, aliás, autenticados
voluntariamente por 617 assinaturas de
eleitores, falarão melhor. (TAVARES, 2002,
p.236).

O ‘Conto do Vigário’, artigo citado por Godofredo Guimarães


Tavares, escrito pelo jornalista João Laranjeira em 5 de fevereiro de 1951,
expressou com unhas e dentes a opinião dos madalenenses da sede, da
cidade de Madalena. E embora não expressassem o desejo da maioria de
suas populações distritais, que se mantiveram firmes no propósito de unir-
se a Macabu, alertou os macabuenses para o perigo de uma “guerra” em
duas frentes, em que enfrentariam também os políticos da Região Serrana,
que não permitiriam o dilaceramento de uma unidade municipal quase
centenária como Santa Maria Madalena.
Mas o texto de João Laranjeira, publicado no jornal A Semana, diz
tudo. Foi um tiro de advertência, que os experientes políticos daqui
souberam assimilar e, digamos, contornar. O texto dizia o seguinte:

São compradores papalvos de bilhete de loteria


“premiado” os signatários de certa petição
dirigida ao Legislativo, objetivando o
desmembramento do território madalenense
com a incorporação do segundo distrito ao
município de Conceição de Macabu, ora em
processo de gestação no ventre da veneranda
Assembléia.

260
O documento impertinente não convence, pois
é fácil obter de pessoas sensatas outro abaixo-
assinado em sentido oposto, que colocaria a
Assembléia na situação pitoresca da burra de
Buridan.
Não sei de outro argumento que pudessem
apresentar os adotantes de inconcebível
ingenuidade senão o de que a medida
propiciaria maior facilidade de contato com a
sede municipal. Razão fútil, porquanto uma
agência arrecadadora removeria o
inconveniente quanto às relações do
contribuinte com a Prefeitura. As demais
relações não são, também, de molde a
aconselhar a pretendida e radical solução,
convindo salientar que a quase totalidade da
população distrital, constituída de paupérrimos
trabalhadores em terras alheias, não tem
interesse de ordem material na sede da comuna.
Favorecendo comodidade de minoria
insignificante, a mutilação do nosso município
viria ferir fundamente a tradição e os
sentimentos de afetividade dos madalenenses,
da terra gloriosa dos Silva Castro, que não
delegaram poderes a meia dúzia de irrequietos
indivíduos para requererem em assunto de tal
magnitude. Os suplicantes sofrem, talvez,
despeito de origem político-partidária, mal que
ataca, não raro, criaturas de limitadas ocupações
produtivas.
Se acreditam no prometido surto
extraordinário de progresso com que lhes
acenam os separatistas de Conceição de
Macabu, que já fizeram também sua incursão

261
em Santo Antônio do Imbé, estão sendo
habilmente ludibriados.
Economicamente pobre, o segundo distrito
mais pobre ficou quando infelicitado pela
pecuária levianamente fomentada no Estado do
Rio. Contribui parcamente para os cofres
públicos e acreditamos seja deficitário no
orçamento municipal. Conceição de Macabu,
em que pese o canto da sereia dos separatistas
de lá, não será pelicano desprendido a tirar do
próprio peito carne para engorda de outrem.
“Macabuzinando-se”, Triunfo continuará
como até aqui. Economicamente, Madalena
nada perderá e nada ganhará Conceição de
Macabu.
Ninguém, finalmente, terá lucro.
Eu desejo sinceramente ver Triunfo em posição
de progresso tal que possa exigir, com apoio da
Lei, não a sua incorporação a um município
mambembe, mas a própria elevação a esta
categoria.
Isto, no entanto, só será conseguido com
trabalho superiormente orientado, que sacuda
as energias adormecidas das classes produtoras,
fazendo a lavoura produzir inteligentemente,
desenvolvendo a indústria e dando ao povo
meios de vida compatíveis com a dignidade
humana, única forma de deter o êxodo da
população e de transformar em realidade a
política de fixação do homem ao solo
preconizada pelo governador Amaral Peixoto.
Trabalhem unidos os próceres da terra pelo
reerguimento econômico de Triunfo, pondo
de parte recalques e despeitos e depois

262
requeiram o plebiscito previsto em Lei para
formação de um novo município.
“Confiar em promessas capciosas que jamais
serão cumpridas é passividade de “otário”, pois
está visto que os separatistas de Conceição de
Macabu nada mais são, no caso em tela, do que
legítimos vigaristas de muita “papa” e nenhuma
sinceridade. (A SEMANA, 1951, p.01).

Há de se compreender que naqueles anos 50 (o texto é de 5 de


fevereiro de 1951), Santa Maria Madalena já não era o próspero município
dos anos oitocentos. O café, mola mestra da economia local, sucumbira,
dando lugar a atividades não tão rentáveis, cuja mão-de-obra instalada não
se aproximava das lavouras de outrora. Madalena vivia os primeiros
momentos de um decréscimo populacional, de perda de renda e de
acentuado êxodo rural. Triunfenses e imbeenses apostavam numa solução
separatista, João Laranjeira apostava num duplo suicídio:
“Macabuzinando-se, Triunfo continuará como até aqui.
Economicamente, Madalena nada perderá e nada ganhará Conceição de
Macabu”. E arrematou de forma contundente: “Ninguém, finalmente,
terá lucro”.
Conforme salientou TAVARES (2002), opinião seguida por
outros historiadores e alguns entrevistados, como Herculano Gomes da
Silva e Francisco Ferreira do Cabo, Macabu não teria como, na condição
de município iniciante, amparar Triunfo e Santo Antônio do Imbé como
esses esperavam. Pior, não seria vital para Macabu, mas talvez fosse fatal

263
para Madalena, que perderia 60% de seu território, 40% da população e
45% da sua renda.79
Um duplo suicídio? Não. Segundo uma comissão enviada pelo
governo estadual para analisar as reais possibilidades de emancipação,
inclusive considerando a perspectiva de fragmentação do território
madalenense, o município serrano continuaria existindo financeiramente
sem seus distritos, entretanto, não era mais a questão econômica, era a
questão política que deixava em prontidão os macabuenses.
O último parágrafo de João Laranjeira é um tiro de misericórdia,
um alerta aos separatistas macabuenses e madalenenses de que era melhor
não bulir no que estava quieto:

Confiar em promessas capciosas que jamais


serão cumpridas é passividade de “otário”, pois
está visto que os separatistas de Conceição de
Macabu nada mais são, no caso em tela, do que
legítimos vigaristas de muita “papa” e nenhuma
sinceridade. 80

Laranjeira mostrava os dentes, exibia as armas. Em outras palavras,


Madalena lutaria contra seus distritos e contra Macabu, se assim fosse

79
Os dados populacionais se baseiam nas estatísticas do Censo de 1940, já que o de 1950
ainda não havia divulgado os mesmos, que constam do trabalho CENSO
DEMOGRÁFICO NACIONAL – POPULAÇÃO E HABITAÇÃO – Volumes 1 a 4,
publicado em 01 de setembro de 1949. HISTÓRIAS DAS ESTATÍSTICAS
BRASILEIRAS, IBGE, 2008. As informações sobre o território são da própria Prefeitura
de Santa Maria Madalena.
80
CONTO DO VIGÁRIO, A SEMANA, 05 de fevereiro de 1951. Ver PROCESSO
DE EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU, cuja única cópia está
disponível no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM CLEMENTE ISNARD em
Conceição de Macabu.

264
necessário. E, embora decadente, ainda tinha fôlego, aliados e armas, com
risco de vencer.
Apesar dos abaixo-assinados dos eleitores de Triunfo, Imbé,
Osório e Agulha, apesar deste instrumento envolver a maioria absoluta
dos mesmos, chegando a incríveis 95% dos triunfenses e dos imbeenses,
os separatistas de Macabu não podiam e não deviam enfrentar tantas
frentes de luta, achavam a maioria dos membros da Comissão Pró-
Emancipação. Por outro lado, reforçados pelas mesmas assinaturas dos
madalenenses, havia os que queriam, ainda, insistir na luta - casos de
Waldir Tavares Daumas, Bernardino Villar Barbosa, Syndulpho Bersot,
Felix Aded e Roberto Félix.
O golpe de misericórdia veio através do ilustre deputado
macabuense Macário Picanço, grande baluarte na luta pela emancipação,
que disse ser possível aprovar a formação do município de Conceição de
Macabu na Assembleia Legislativa, desde que o fizéssemos aqui, primeiro,
com o plebiscito. Entretanto, seria difícil fazê-lo na Assembleia se
insistíssemos em desanexar partes de Santa Maria Madalena, pois
angariaríamos votos contrários dos deputados que tinham base eleitoral na
Região Serrana.
Macário Picanço, que de Niterói, da Assembleia, foi uma espécie
de mentor da emancipação, por suas relações políticas, sociais e seus
amplos conhecimentos jurídicos – advém de uma família de ilustres
juristas, com Dr. Aloísio, seu irmão, Dr. Melchiades, seu pai, e ele mesmo.
Esse diálogo travado entre ele e os membros da comissão que cuidava da
parte legal da emancipação deu-se em princípios do ano de 1951 e nos foi

265
repassada por seu irmão Aloísio Tavares Picanço em 2001, e que consta
desse trabalho em artigo próprio.
Macário havia sido interpelado por “ Bururunga”, apelido do
deputado Freire de Morais, madalenense do Imbé e absolutamente
contrário à repartição de seu município. Bururunga, pouco antes de
falecer, me concedeu uma entrevista em que relembrou o diálogo com o
deputado macabuense:

Dr. Macário, Madalena vê com bons olhos a


emancipação de Conceição de Macabu, eu vejo
com bons olhos tal emancipação, os deputados
da região Serrana não se oporão e até serão
favoráveis. Entretanto, Dr. Macário, se os
separatistas de Macabu insistirem em anexar o
Imbé e Triunfo, Agulha e Osório, eu me
oporei e para isso mobilizarei alguns deputados
da região Serrana para pressionar o
governador.81

O próprio Freire de Morais, comentando detalhes da conversa e a


grande capacidade de negociação do deputado Macário Picanço,
completou:

Macário era um cavaleiro, um diplomata, não


era um guerreiro sem escrúpulos. Sabendo que
sem Triunfo, Imbé, Osório e Agulha, Madalena
teria grandes dificuldades de sobrevivência,
tratou de avisar os separatistas de Macabu e por
um novo caminho ao projeto. Particularmente

81
MORAIS, Francisco Freire de. Entrevista a Marcelo Abreu Gomes realizada em 13
de abril de 1997.

266
fiquei aliviado, pois sabia que se um plebiscito
fosse realizado nesses distritos madalenenses,
eles optariam quase que unanimemente em se
ligar a Conceição de Macabu. 82

A contragosto dos eleitores de Triunfo, Osório Bersot, Agulha dos


Leais e de Santo Antônio do Imbé, a comissão pró-emancipação de
Conceição de Macabu desistiu deles, concentrando forças no aliado que
lhe era possível: Macabuzinho. O eleitorado dessas porções madalenenses
nunca se conformou e, até alguns anos atrás, ainda falavam numa ligação
com Macabu.
Esse recuo macabuense era estratégico, era vital. Após 60 anos de
embates frustrados, no limiar de uma grande conquista, o movimento
emancipacionista se via na corda bamba: ou se arriscava a perder tudo na
Assembleia por se juntar aos justos anseios de imbeenses e triunfenses; ou
abria mão desses, mantinha Macabuzinho e, definitivamente, vencia a
peleja, tornando-se o mais novo município fluminense.
Prevaleceu a segunda opção e o resultado disso sabemos todos qual
foi.

82
Ibidem.

267
Simulação do mapa do município de Conceição de Macabu com as anexações de
Paciência (três cubos) e os distritos madalenenses de Triunfo e Santo Antônio do Imbé.

4.3. Problemas Domésticos: pequeno foco de oposição em


Macabuzinho

Em Macabuzinho nem tudo eram flores. Apesar do apoio de mais


de 90 % dos eleitores de lá, havia problemas. O movimento separatista
estava bem amparado e organizado no 10º distrito, porém um pequeno
grupo, que ao final não somaria mais que 6 eleitores – isso mesmo, seis
eleitores ou 0,8% do total –, se manifestava ardorosamente contra os

268
demais, provocando distúrbios que deveriam ser devidamente
contornados.
Mais uma vez recorre-se a Godofredo Guimarães Tavares. O
historiador, em seu livro Imagens da Nossa Terra, deixou claros nomes e
motivos para tal oposição, bem como ressaltou a reação dos separatistas,
especialmente de Renato Barbosa Fernandes e, sobretudo, de Waldir
Tavares Daumas.
TAVARES (2002, p. 238) é incisivo: “Quando da reunião inicial
em prol da criação do município, foi cometido lamentável lapso ao serem
esquecidos dois nomes de prestígio em Macabuzinho e, talvez, isso os
tenha magoado”. E completa citando os “esquecidos de Macabuzinho”:

A verdade a ser afirmada sem evasivas ou


simulações é que o afastamento em causa custou
um preço muito mais alto do que se poderia
esperar, pois significou a oposição dos senhores
João Batista Nogueira e Francisco de Oliveira
Tavares. Como autênticos líderes, o lugar de
ambos seria integrando a comissão e batalhando
pela concretização do nobre ideal. Eles eram
favoráveis à criação do município, mas passaram
a combatê-la de forma incondicional, e o
faziam justificando que a região já não dispunha
de direito legal para tornar-se independente.
(p.239).

Motivos havia claros. Mas não se pode dizer que todos os motivos
fossem divulgáveis. Por exemplo, já que o prefeito de Macaé na ocasião,
em pessoa, não poderia se colocar contra o movimento, pois o mesmo era
declaradamente candidato a deputado estadual, e, por outro lado, não
269
desejava que Macaé perdesse seu principal distrito, o mesmo agia à
surdina, usando principalmente cidadãos que não se consideravam
inseridos no processo emancipacionista.
A campanha do “Não” em Macabuzinho nunca superou a do
“Sim”. De fato, apenas dois entusiastas do “Não”, devidamente
amparados pelo prefeito de Macaé, tentaram algumas manobras – cujo
resultado do plebiscito de 4 de janeiro de 1952, mostra o quanto foram
ineficientes.
A primeira manobra foi no campo do corpo-a-corpo, tentando
convencer a população do então 10º distrito de Macaé que não era viável
tornar-se distrito de um distrito. Tal manobra não surtiu efeito, caiu no
descrédito e até virou anedota política, submetendo seus defensores ao
ridículo.

Eles não querem Macabu,


Eles querem é Macaé.
Macabuzinho vem de Macabu.
E Macaé?
É um tiro no nosso pé.83

E essa é uma quadrinha publicável, porque outras ofendiam até a


moral e os familiares dos envolvidos.
Ressalta-se na anulação dessa manobra o papel enfático de dois
macabuenses, o já comentado Waldir Tavares Daumas e Manoel Ribeiro

83
Quadrinha recolhida nas entrevistas com Evandro de Paula Gomes (01-10-1997),
Otávio Tavares (02-02-1998), Antônio Leite (02-02-1998) e Antônio Minguta de
Oliveira (02-02-1998).

270
da Silva (Nené Ribeiro), personalidades citadas por vários entrevistados
como verdadeiros guerreiros da Emancipação, sagrados inclusive por
confrontarem abertamente os líderes contrários à mesma em sua região.
No comércio, nas fazendas, na estação ferroviária, dentro dos
vagões dos trens ou com os barqueiros do porto, seu Waldir Daumas
como era conhecido, e Nené Ribeiro, mais que rebater as opiniões
contrárias, tratavam de contorná-las e convertê-las, praticamente
restringindo a campanha do “Não” ao núcleo familiar de suas lideranças.
A segunda manobra foi de cunho jurídico, denunciando ao
presidente da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro possíveis
irregularidades no processo emancipacionista.
Os partidários do “Não” enviaram ao presidente da Câmara
Municipal de Macaé o seguinte documento, conforme citou TAVARES
(2002, p.241):

Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de


Macaé.

Tenho a honra de anexar ao presente


um memorial de eleitores inscritos pelo 10º
distrito do município de Macaé, neste Estado,
organizado e a mim encaminhado em caráter
espontâneo e verdadeiramente democrático e
prova de que o povo do 10º distrito não deseja
e nem quer o desmembramento do seu distrito,
porque não pode ver o que disso possa lucrar
dito distrito.
Diz a Lei Orgânica das
Municipalidades no seu artigo 2º, incisos I e II,

271
que são elementos essenciais à criação de novos
municípios uma população mínima de 10.000
habitantes, bem como que o município a ser
criado tenha condições favoráveis de
desenvolvimento.
Quando os signatários da representação
dirigida aos poderes competentes pedindo a
criação do município de Conceição de Macabu
foram chamados à adesão ao movimento, foi-
lhes dito que juntamente com o seu distrito,
décimo de Macaé, constituiriam o novo
município os distritos de Santo Antônio do
Imbé e de Triunfo, ambos de Santa Maria
Madalena, e o de Paciência, do município de
Campos.
Com tal informação, não tiveram
dúvidas os moradores de Macabuzinho de dar
seu parecer favorável à criação do município de
Conceição de Macabu, dentro de cujos limites
ficariam a residir.
Não foi, porém, o que se verificou mais
tarde, pois, como já é público e notório,
pretende-se agora que o novo município seja
constituído apenas do 5º e do 10º distritos de
Macaé, situação esta que não atende o que
dispõe o artigo 2º, Itens I e II, da Lei citada,
especialmente quanto ao 1º, conforme prova
documento junto, fotocópia da certidão
fornecida pelo Exmo. Sr. Diretor do
Departamento Estadual de Estatística.
Vê-se, pois, claramente, que os
signatários da representação pedindo a criação
do município de Conceição de Macabu,
moradores em Macabuzinho, foram iludidos na
sua boa fé.
272
Deste modo, dirigem-se a V. Excia. em
abaixo-assinado, para solicitar seja retificado o
pedido que formularam.
Cordiais saudações.
(a) João Batista Nogueira”.

Neste caso, o fracasso dos opositores se deu por duas causas


específicas: pela falta de consistência e provas das denúncias, pois a
comissão do governo estadual, posteriormente enviada aos distritos para
averiguar suas condições, mostrou exatamente o contrário; sobretudo, na
ação de dois macabuenses muito bem relacionados ao presidente e ao
governador Amaral Peixoto, atuando Macário Picanço, deputado
estadual; por outro, Demerval Morais, chefe de gabinete do governador.
Ambos, Macário e Demerval, tiveram ciência dos fatos e
constataram os separatistas, que apressadamente foram a Niterói prestar
esclarecimentos, consequentemente, estabelecerem estratégias, anulando
o esforço contrário.
Daí o mesmo grupo dirigiu-se a Macaé, à Câmara Municipal,
descobrindo que os dados constantes da petição foram, na verdade,
fornecidos pelo próprio prefeito daquela cidade, que secretamente
amparava o movimento do “Não” em Macabuzinho.
Com o devido apoio de dois importantes políticos da capital e
armados com as informações de que Macaé, através do prefeito, lutava
para evitar a perda de seu mais importante distrito, os líderes separatistas
convocaram uma reunião urgente no Cine Brasil. Na reunião,
esclareceram-se os fatos, alertando para os novos perigos que cercavam o
movimento e, principalmente, pedindo aos simpatizantes do “Sim” que

273
redobrassem seus esforços, especialmente em Macabuzinho – pois já era
perceptível que em Macabu caminhava-se para um resultado favorável.
Dessa reunião saiu também uma decisão, de que se tomaria uma
última medida diplomática, uma carta enviada por Renato Barbosa
Fernandes a João Batista Nogueira, onde o mesmo ressaltava os fatores
econômicos e legais para a criação do município. Embora muito bem
embasada, a carta talvez tenha provocado mais reações adversas que
favoráveis, pois seu autor acaba por destratar um dos líderes do
movimento contrário, chamado de “pequerrucho” (criança), o que em
nada contribuiu para diminuir as animosidades.
A terceira e última manobra da oposição foi desesperada, tardia, e,
claro, fracassada. Após a divulgação da contundente vitória do “Sim”, que
chegou a 100% em Macabu e 99,2% em Macabuzinho (apenas 6 votos
contra, provavelmente dos familiares e dos “líderes” do movimento),
tentaram um recurso jurídico, acionando a estância local da Justiça.
TAVARES (2002, p.260), assim registrou:

Exmo. Sr. Dr. Juiz Eleitoral,

Os abaixo assinados, eleitores em


Macabuzinho, 100 distrito de Macaé, vêm
respeitosamente solicitar de V. Excia. a
Anulação do Plebiscito realizado naquela
localidade no dia 20 de janeiro, pelo seguinte
motivo:
A) A Lei n0 1.164, de 24 de julho de 1950, diz,
em seu artigo 26, que os membros das Juntas
Eleitorais são nomeados depois de aprovação do

274
Tribunal Regional, pelo Presidente deste, a
quem cumpre designar-lhes a sede.
B) O art. 93 da mesma lei diz: a apuração
começará no dia seguinte ao das eleições, em
hora conhecida pelo público, não havendo ,
como não houve, nenhuma providência de
parte interessada com apresentação de fiscais.
C) A intervenção direta, abusiva e
desrespeitadora do cidadão Arino de Matos
que, dizendo-se líder do Governo do Estado,
assumiu o mando dos trabalhos da mesa
receptora, cabalou na porta da Seção,
arrumando cédulas nas sobrecartas, carregando
modestos eleitores pelo braço, dando triste
exemplo de sua mentalidade de homem
público.
Isto posto, considerando outras
irregularidades, tais como ausência dos
membros da Mesa, balbúrdia completa no local
da eleição com intromissão de pessoas
desconhecidas no distrito, pedem a V.
Excelência deferimento a sua pretensão com
justiça.”
(a) João Batista Nogueira.
(a) Francisco de Oliveira
Tavares .

Não eram alegações que pudessem ser levadas em consideração.


Ainda por cima, somava-se o fato de que o mesmo juiz que recebeu a
ação (e a indeferiu) foi o que dirigiu os trabalhos eleitorais do plebiscito –
a testemunha da tranquilidade e lisura do pleito era a autoridade máxima
em questão.

275
Outro ponto ressalta a ação do deputado Arino de Matos,
prestigiado político em Niterói, que junto a Macário Picanço vieram a
Macabu assistir e fiscalizar o plebiscito de 20 de janeiro. Arino era homem
de extrema confiança do governador Amaral Peixoto, que dessa forma
avalizava o pleito.
Mexendo numa tremenda “casa de marimbondos”, amparada
num resultado unânime, a tentativa de anulação não deu em nada.
Recurso indeferido.
Fim de papo.

4.4. Um opositor dos bastidores: O Prefeito de Macaé

Se houve um político que durante todo o processo


emancipacionista se manteve suspeitamente quieto, este foi o prefeito de
Macaé. Se Milne Ribeiro, macabuense, prefeito de Macaé, se posicionou
a favor da emancipação, seu sucessor não agiu assim, conservando uma
suspeita neutralidade, com vários indícios e provas contundentes de liderar
uma ação contrária.
Esse prefeito de Macaé, Dr. Elias Agostinho, atuou junto aos
líderes anti-separatistas de Macabuzinho, fornecendo-lhes documentos,
informações e advogados, inclusive o da tentativa de anulação do
Plebiscito. O mesmo, muito influente junto ao governador Amaral
Peixoto, tentou mais de uma vez obstruir o movimento alegando ao
mesmo que se tratava da ação de seus opositores.
A situação chegou ao ponto de a documentação constante do
processo de emancipação estar na iminência de ser “engavetada”. Alguém

276
havia denunciado, maldosamente, que o movimento emancipacionista
nada mais significava do que o plano de um grupo político, plano este
arquitetado com o objetivo de estremecer o prestígio do governador do
Estado.
Compreendendo a gravidade da situação, o macabuense,
Dermeval Morais, então secretário de governo do governador, chamou a
Niterói o Dr. Milne Ribeiro e cientificou-o da existência do perigo. Dr.
Milne, garantindo tratar-se de torpe mentira formulada no sentido de
prejudicar o bom andamento dos trabalhos, afirmou, sob palavra de honra,
tratar-se de uma campanha que visava, tão só, a uma nobre aspiração do
povo macabuense, um anseio sustentado por sessenta longos anos.
Esclarecido este ponto, Dr. Milne pediu ao conterrâneo e amigo que
revelasse o denunciante. Justificando-se, o secretário informou, apenas,
tratar-se de político muito influente junto ao governador. 84
Entretanto, uma minuciosa revista nos livros de visita ao Palácio
do Ingá em fins de 1951 e princípios de 1952 revela uma visitação

84
Baseado na entrevista com RIBEIRO, Zinha Valentim. Entrevista a Marcelo Abreu
Gomes em 17-10-1990. Além disso cabe ressaltar que no Palácio do Ingá, Niterói, até
1989, existiam diversos registros de visitantes, que procuraram contatos com o
governador, ou com algum funcionário/secretário do alto escalão da administraç ão
estadual. Em apenas um mês, dezembro de 1951, são registradas cinco visitas do prefeito
de Macaé, Elias Agostinho, ao governador. No mês seguinte, até o dia 18, registram-se
mais duas (06 e 10/01). A partir daí, provavelmente em decorrência do resultado do
Plebiscito, as visitas tornam-se escassas, sendo registrada uma em fevereiro e outra em
abril. Embora não se saiba o conteúdo de tais conversas, é muito oportuno registrar que
os partidários do prefeito em Macabuzinho e opositores do movimento emancipacionista
também estiveram no Ingá, nos mesmos dias e horários que o Dr. Elias Agostinho. Mera
coincidência?

277
frequente, acima da média, do prefeito de Macaé e, melhor ainda,
acompanhado de dois “representantes do 10º distrito daquele município”.
Seria uma simples coincidência que o Dr. Elias Agostinho estivesse
cinco vezes em Niterói, no Palácio do Ingá, com o governador, entre
dezembro de 1951 e janeiro de 1952, acompanhado – numa dessas visitas
– de dois representantes de Macabuzinho, e nada tratasse da Emancipação?
Discordar da coincidência parece algo sensato.
Tal acontecimento, todavia, tornou-se de menor importância, em
face de o secretário Dermeval Morais e o Dr. Milne Ribeiro haverem
recolocado as coisas nos devidos lugares.
Entretanto, como se percebe, não foi fácil a caminhada rumo à
Emancipação. A oposição macaense, por assim dizer, apesar de branda a
nível exterior, era intensa e de certa forma torpe em níveis secretos,
atacando por todos os meios possíveis, inclusive usando recursos como a
mentira.
Mas não adiantou.

4.5. Defesas Macabuenses: Estudos Bem Sucedidos

Voltando à organização do movimento separatista, este superou


qualquer outro já feito em Conceição de Macabu, considerando o fato
que se cercou de todo aparato jurídico disponível, estabelecendo-se como
uma espécie de clube, de associação civil, a já citada Comissão Pró-
Emancipação.

278
Há de se destacar que todos os elementos envolvidos no processo
de emancipação foram importantes. Afinal de contas, num plebiscito que
ao final beirou a unanimidade, a importância de cada um foi fundamental.
Há de se pensar também que o caminho até o Plebiscito Popular
só foi possível devido ao dossiê organizado pelos separatistas, apresentando
provas documentais, definitivas, cabais, de que Conceição de Macabu
reunia as prerrogativas necessárias para seguir seu rumo como
independente.
Na tarefa de se organizar burocraticamente, legalmente, de
conceber as provas irrefutáveis que convenceram à totalidade dos
deputados estaduais e do governador, alguns emancipacionistas estiveram
num patamar um pouco mais elevado: Renato Barbosa Fernandes, uma
espécie de secretário geral; Milne Evaristo da Silva Ribeiro, influente,
prefeito de Macaé, abrindo portas, fornecendo dados fundamentais;
Demerval Morais, simplesmente o chefe de gabinete do governador, com
influência sobre o mesmo; Macário Picanço, grande jurista, de respeitável
estirpe macabuense, radicado em Niterói, deputado estadual; e os
vereadores em Macaé: o Coronel Etelvino Gomes, influente político com
ramificações nas áreas rurais do município; Rozendo Fontes Tavares,
chefe político local de grande prestígio, com grande número de eleitores;
e João Barbosa Moreira, o ‘Jonjoca’, representando uma das mais
importantes famílias do município, com ramificações em Nova Friburgo,
Rio de Janeiro e Teresópolis.

279
Sem querer denegrir ou “diminuir” a imagem dos demais
membros, a cabeça da luta coube ao grupo citado acima por seus elos fora
e dentro de Macabu.
Legalmente, o processo emancipacionista amparava-se em
legislações novas e antigas, estas últimas, obviamente, ainda não revogadas.
Por exemplo, o item I, parágrafo I, do artigo 10 da lei 109 de 16 de
fevereiro de 1938, chamada de Lei Orgânica das Municipalidades do
Estado do Rio de Janeiro.
Provar a viabilidade do município a ser criado era o passo mais
importante até o plebiscito, de tal forma que foi realizado de forma
minuciosa, levando em consideração pessoas comprovadamente
adequadas ao levantamento e farta documentação, obtidas
simultaneamente na Coletoria Estadual e na Prefeitura de Macaé.
A Coletoria Estadual era o principal órgão governamental do
governo fluminense em Conceição de Macabu, pois era através dele que
impostos, taxas e outros tributos eram coletados. Renda que poderia
provar favorável ou contrariamente a possibilidade de manutenção do
município a ser criado. A viabilidade financeira era fundamental ao
processo separatista, de tal forma que demandou muita energia dos
membros da Comissão Pró-Emancipação.
Em Macabu, a Coletoria Estadual era dirigida por Edir Fidélis
Ribeiro, macabuense, cuja colaboração foi fundamental, embora
oficialmente pouco divulgada, até pela função do mesmo. Edir Fidélis,
irmão do empresário Edemir Fidélis Ribeiro, ambos entusiastas do
movimento, colaborou, principalmente, agilizando os dados, fornecendo -

280
os antes dos términos dos prazos – e nesse caso, os prazos eram de
fundamental importância, pois eram rigorosamente estabelecidos.
Os dados coletados na Secretaria de Fazenda de Macaé eram tão
importantes quanto os da Coletoria Estadual. Além de corroborarem com
os números, provando que rendas municipais e estaduais comprovavam a
possibilidade de existência de Conceição de Macabu, por outro,
mostravam em detalhes que havia uma série diversificada de
estabelecimentos comerciais, industriais e agrícolas.
Baseando-se no item I, parágrafo I, do artigo 10 da lei 109 de 16
de fevereiro de 1938 (Lei Orgânica das Municipalidades do Estado do Rio
de Janeiro) e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, itens I, II, III
do artigo 84, o novo município deveria ter: uma população mínima de
10.000 habitantes; comprovar rendimentos compatíveis para sua
existência; possuir edifícios públicos necessários à instalação da Prefeitura
e Câmara; e, claro, território.
A população mínima de 10 mil habitantes foi o primeiro
empecilho encontrado pelos partidários do movimento. Segundo o censo
realizado em 1940, a população de Conceição de Macabu, então
recenseado como 5º distrito de Macaé, era de 7.757 habitantes, dos quais
2.298 habitantes em sua área urbana. Os valores eram insuficientes para
garantir a emancipação. E, mesmo que tivessem dez anos de idade (1940-
1950), não davam aos deputados da Assembleia Legislativa do Rio de

281
Janeiro as garantias necessárias de que tal população já estivesse na casa dos
10.000 habitantes.85
Foi a partir daí que uma ideia de Renato Barbosa Fernandes
ganhou vulto: unir dois distritos macaenses, ou, como já visto, unir-se a
distritos de Santa Maria Madalena e Campos, perfazendo o número
necessário. A interessante ideia, como vimos, demandou uma grande
polêmica, que, por pouco, ao ameaçar a integridade de Campos e
Madalena, quase pôs a perder todo processo separatista.
Pensou-se em uma união com Carapebus ou Quissamã. Porém,
se hoje tais municípios rivalizam com Macabu, naqueles tempos não era
diferente. Quissamã tinha planos de se emancipar (inclusive tentaria em
1952), enquanto Carapebus dividia-se em ficar com Macaé ou seguir com
Quissamã – não se cogitava a opção de unir-se ao 5º distrito.
Pressionados pelos emancipacionistas com origens, família ou
negócios em Macabuzinho, o então 10º distrito de Macaé, onde sempre
se reclamava do isolamento e descaso da cidade-sede do município, uniu-
se inteiramente ao movimento. Segundo o mesmo censo, de 1940, o
distrito macaense de Macabuzinho era de 10.000 habitantes, considerando
que no Censo de 1940 o 5º distrito tinha 945 habitantes, sendo 135 na
área urbana.
Considerando os 7.757 habitantes de Conceição de Macabu e os
945 de Macabuzinho, chegamos ao total de 8.702 habitantes, isso em

85
CENSO DEMOGRÁFICO NACIONAL – POPULAÇÃO E HABITAÇÃO –
Volumes 1 a 4, publicado em 01 de setembro de 1949. HISTÓRIAS DAS
ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS, IBGE, 2008.

282
1940, dez anos antes do movimento peticionar um pedido junto à ALERJ
em prol da emancipação. A Comissão das Municipalidades, na ausência
dos resultados do censo de 1950, optou pela utilização de estimativas dos
anos de 1948 e 1949, que apontavam em 1% o crescimento médio da
população macaense entre 1940 e 1948-9. Nesta perspectiva, a população
estimada dos distritos a emancipar-se seria de 9.573 habitantes, bem
próximo do exigido.86
O rigor da lei preservava as áreas de origem dos municípios
emancipados, de forma que Macaé ou qualquer outro município que
perdia uma parcela do seu território, não poderia perder área, recursos
financeiros e populacionais que comprometessem sua existência. No
quesito população, macaenses e macabuenses poderiam coexistir sem o
temor de saírem prejudicados com o movimento. O município original
manteve uma considerável população, estimada em 60 mil habitantes.
A mesma legislação que exigia uma população mínima
preocupou-se em exigir renda suficiente para manutenção municipal,
incluindo salários dos funcionários públicos e a realização de obras básicas.
Além disso, houve a preocupação de não desprover de recursos
financeiros o município de origem, garantindo que a emancipação seria
viável a todos os lados envolvidos.
A renda de impostos municipais era de CR$ 340.812,00. Os
recursos eram suficientes para um município novo e, ainda por cima,
segundo dados do movimento, haveria um excedente anual em torno de

86
Ibidem.

283
20%, garantindo investimentos. Por outra vertente, segundo as mesmas
fontes, Macaé não ficaria desprovido de renda, mantendo-se com CR$
3.347.000,00, quase dez vezes a renda da área emancipada. 87

Mas o Processo de Emancipação, documento gerado pela


comissão homônima, não se prendeu à frieza dos números gerados pelas
instituições de Macaé e Macabu para convencer os deputados estaduais a
aceitarem o processo emancipacionista. Como forma de provar que o
novo município era viável, relataram minuciosamente os estabelecimentos
comerciais, industriais, o número de edifícios residenciais e até a produção
agroindustrial do final dos anos 40.
Esse raio-X dizia, por exemplo, que a sede do 5º distrito tinha 408
prédios residenciais, edificações para prefeitura, câmara, coletoria estadual
e fórum. Possuindo um grupo escolar, o Mathias Neto88, e uma escola
estadual, o Victor Sence. Existe ainda as escolas municipais Piabas, Barro
Vermelho, Santo Amaro, Sertão, São José do Sossego e Descoberta Feliz.
O perfil econômico era igualmente curioso, e, considerando os
dados atuais, impressionante, seja pela diversidade, seja pela produtividade.
Segundo as fontes já citadas, havia entre as indústrias: a Usina Conceição
(Victor Sence), produzindo açúcar (120.000 sacos), álcool anidro
(1.250.000 litros), acetona e butanol (únicas da América Latina/360.000
litros), ácido acético e acetato de butila; uma cooperativa de laticínios; 5

87
Ibidem.
88
Em Macaé havia o Grupo Escolar Maria Lobo Leite Vianna, cuja homenageada nascera
em Conceição de Macabu. Já em Macabu, havia o Grupo Escolar Matias Netto, cujo
homenageado nascera em Macaé. Por sugestão do Dr. Mário Picanço e de sua irmã, a
professora Arinda Picanço, os nomes foram trocados.

284
serrarias movidas à eletricidade para fabricação de tacos e tábuas; 2 fábricas
de móveis; 1 fábrica de paus para tamancos; 2 fábricas de tamancos; 6
cerâmicas, 2 movidas à eletricidade; 3 fábricas de aguardente, 2 à
eletricidade e 1 hidráulica; 2 fábricas de arreiatas para animais, charretes e
carroças; 1 torrefação de café; 2 usinas para beneficiar café e arroz, movidas
à eletricidade; 20 moinhos para beneficiamento de milho.
Seguindo, nos deparamos com os dados relacionados ao comércio,
com 8 barbearias; 6 oficinas mecânicas; 4 oficinas de lanternagem; 1
oficina de montagem de rádios; 1 oficina de conserto de rádios; 2 garagens
de bicicletas; 3 alfaiatarias.
Já o comércio: 1 hotel; 2 farmácias; 3 bares com instalações para o
fabrico de sorvetes, saladas, etc.; 6 botecos; 3 armazéns atacadistas; 30 casas
varejistas na sede do município e na zona rural.
O relato fala de estabelecimentos de crédito: 1 agência do Banco
Predial do Estado do Rio de Janeiro; 1 Agência Postal da Caixa
Econômica Federal; 3 escritórios de correspondentes dos seguintes
bancos: Banco do Brasil S.A., Banco Hipotecário e Agrícola de Minas
Gerais S.A. e Banco Comercial e Industrial de Minas Gerais S.A.
Os meios de transporte, que hoje se aproximam de 4.000 veículos
entre motos e automóveis, naqueles tempos ficavam assim: 17
automóveis, 16 caminhões, 6 caminhonetes, 500 bicicletas. Embora não
existam dados atuais sobre o número de bicicletas, há uma estimativa de
10 mil, considerando a taxa de 1,2 por residência.
Da mesma maneira, o último Censo Agrícola, cujos resultados
foram publicados em 2010, mostram um município tomado pela pecuária

285
bovina, com uma pequena agricultura familiar. Nos anos 40, a realidade
era de uma região de economia diversificada, com a seguinte produção
agropecuária: gado bovino – 900 toneladas; suíno – 50 toneladas; aves –
40 toneladas; ovos - 17,5 toneladas; lenha - 50.000 m³; madeiras - 1290
m³; dormentes – 15.000 unidades; frutas e verduras – 5.000 toneladas; café
– 8.000 sacos; feijão – 4.500 sacos; arroz – 5.000 sacos; farinha – 4.300
sacos; milho – 5.200 sacos; leite – 1.387.000 litros; manteiga – 2.520 kg;
queijo – 1.570 kg.
A diversão e os espaços públicos não ficaram de fora. Foram
listadas as seguintes instituições de entretenimento: 1 salão da Igreja
Católica; 1 Clube Recreativo Macabuense; 1 Cine-Teatro Brasil; 2
serviços de alto-falantes; 389 aparelhos de rádio; 4 bibliotecas – Evaristo
Ribeiro, dos funcionários do Estabelecimento Agrícola de Macabu, das
Filhas de Maria, do Grupo Escolar Matias Neto.
Interessante é que os clubes de futebol não foram citados, embora,
naqueles anos, fossem vários e importantes, como o Rio Branco Futebol
Clube, o São Luís e o Descoberta Feliz, segundo relatos de TAVARES
(2003).
Profissionais liberais e de caráter técnico assim ficaram
relacionados: 2 médicos; 3 advogados; 4 farmacêuticos; 5 contadores; 2
dentistas; 1 engenheiro; 3 veterinários; 2 agrônomos; 2 práticos rurais; 26
professores; 3 rádio técnicos; e 4 eletricistas.
Faltava o critério territorial. Segundo os levantamentos da
Prefeitura de Macaé, a soma dos territórios do 5º e 10º distritos equivalia
a 348 km². Entretanto, a reivindicação macabuense era um pouco maior.

286
Maior, pois contabilizava os distritos madalenenses, extensos, e o
pequenino distrito campista de Paciência. Na soma, feita empiricamente
por Renato Barbosa Fernandes, com a ajuda de dados obtidos por
simpatizantes madalenenses (de Triunfo e do Imbé), a extensão total
formava a incrível soma de 524,893 km².
A condição legal, de que a formação de um município não poderia
prejudicar fatalmente o de origem, no quesito territorial, pouco afetava
Macaé, que na época era o segundo maior do estado, com 2.277 km², já
descontado os 348 km² de Conceição de Macabu.
Os estudos macabuenses em prol da emancipação foram
contundentes. Os mesmos foram anexados a uma lista com centenas de
assinaturas de eleitores de Conceição de Macabu, Macabuzinho, São
Pedro do Triunfo e Santo Antônio do Imbé: a Petição de Eleitores de
Conceição de Macabu, protocolada em 9 de abril de 1951, na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro.

Município Área (Km²) População Renda (CR$)


(hab.)
2.277 60.000 3.347.000,00
Macaé
348 9.573 340.812,00
Conceição de
Macabu
Fonte: Processo de Emancipação de Conceição de Macabu.

287
5. O passo a passo da emancipação

A partir de 9 de abril de 1951, a luta emancipacionista travava-se


também na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. A farta
documentação que fazia parte da Petição de Eleitores de Conceição de
Macabu, contendo assinaturas, documentos, estatísticas, fotos e até jornais
(inclusive um raro, O Silva Jardim, de 1891), foi encaminhada à Comissão
das Municipalidades. A partir daí, tornou-se alvo de estudos, que visavam
avalizar ou não as possibilidades da criação de um novo município.
O passo seguinte foi a publicação da petição, com todos os
detalhes, inclusive os nomes dos eleitores no Diário Oficial do Estado,
datado do dia 19 de maio de 1951. Seguiram-se algumas visitas dos
membros da comissão estadual a Macaé, Conceição de Macabu e
Macabuzinho, de forma a confirmar os dados do documento apresentado
pelos emancipacionistas.
Confirmadas as informações, foi a vez de a comissão dar parecer
favorável e enviar a petição à Comissão de Constituição e Justiça em
agosto de 1951. Rapidamente, a Comissão, cujo deputado Macário
Picanço era membro, agiu, aprovando os estudos e remetendo-a ao
governador, com a indicação de que fosse cumprida a lei, convocando-se
o plebiscito.
O plebiscito, aprovado às vistas do governador, foi convocado no
dia 11 de novembro de 1951 pela Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro. O mesmo, como já citado, se não foi o primeiro do

288
gênero no Brasil, com certeza foi um dos primeiros e certamente
inaugurou a modalidade no Rio de Janeiro.
O Plebiscito de Emancipação se daria no dia 20 de janeiro do ano
seguinte, 1952, com a campanha pelo SIM ou pelo NÃO, oficialmente
deflagrada a partir do dia 11 de dezembro, tendo como prazo final a data
de 19 de janeiro, véspera. A fiscalização ficaria a cargo do juiz da Comarca
de Macaé, com visitas programadas de deputados estaduais, membros da
Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão das Municipalidades.
Com a convocação do plebiscito e início da campanha, uma
guerra diferente foi travada nas ruas, estradas, fazendas, praça e edifícios
de Macabu e Macabuzinho. Diferente, pois não havia quem defendesse o
NÃO, ao menos publicamente, pois como já visto, havia oposição ao
movimento em Macabuzinho. Era a chance, a oportunidade tão esperada
ao longo de 60 anos. Pela primeira vez, estava nas mãos dos macabuenses
decidir seu destino, emancipando-se democraticamente, no voto popular.
Seguiram-se comícios, reuniões públicas, setoriais e particulares,
panfletos, jornais, tudo foi usado na campanha, que mobilizou milhares
de pessoas, incluindo muitos não eleitores, como analfabetos, jovens e
moradores locais, mas com títulos em outras localidades.
O final da campanha foi marcado pela presença dos deputados
Macário Picanço, Hélio Macedo Soares e Aurino de Mattos, do chefe de
gabinete do governador, Demerval Morais, representando a ALERJ e o
governo estadual. Também dos médicos macabuenses Demerval, Waldir
e Walter Barbosa Moreira; do Dr. Mário Picanço e de todos os membros
da Comissão Pró-Emancipação, num dos maiores, mas, com certeza, no

289
mais empolgante e emocionante comício da história de Conceição de
Macabu.89
No dia 20 de janeiro de 1952, bem antes das 8 horas, horário
oficial do início do pleito, o movimento já era grande nas ruas de
Conceição de Macabu e Macabuzinho. Os membros da Comissão Pró-
Emancipação que não estavam trabalhando diretamente nas seções
eleitorais estavam pelas ruas, organizando eleitores, promovendo uma das
maiores bocas de urna da história política local, com um detalhe: só havia
um grupo fazendo política, o grupo do SIM.90
As ruas permaneceram lotadas até o fim do dia, 17 horas, horário
oficial do fim do pleito, quando as urnas foram sendo lacradas e levadas
ao Grupo Escolar Matias Neto, onde seriam contadas no dia seguinte, a
partir das 8 horas. Não havia dúvidas quanto à vitória, a festa começou e
atravessou a noite.
Sob a fiscalização da Justiça, nas pessoas do juiz, Carlos Eduardo
Fróes da Cruz, do promotor João Sebastião das Chagas Varela, do
serventuário da Justiça Juvenal Barreto Júnior e dos escrutinadores
Benedito Alves de Almeida, João Antônio Veiga e Olcer de Lacerda
Santos, apurou-se os seguintes resultados:

89
Praticamente todos os entrevistados narraram assim o dia do plebiscito.
90
Ibidem.

290
Secão Urna Local Votos Votos Brancos e
SIM NÃO Nulos
1ª 385
G.E.Matias 146 0 1
Neto
2ª 397 Clube 130 0 3
Recreativo
3ª 393 Cine Brasil 130 0 2
4ª 383 G.E.Matias 139 0 1
Neto
5ª 382 Clube 97 0 1
Recreativo
6ª 381 Macabuzinho 79 6 1
TOTAL 721 6 9
Seç Conceição de Macabu Macabuzinho
Fonte: Processo de Emancipação de Conceição de Macabu.

O resultado é inédito91. Até a data atual, muitos plebiscitos de


emancipação aconteceram no Brasil, mas nenhum teve um resultado tão
expressivo quanto o macabuense: 99,8% de aprovação no geral/100% de
aprovação em Macabu.
Assinaram a ata de apuração o juiz Carlos Eduardo Fróes da Cruz,
o promotor João Sebastião das Chagas Varela, o serventuário da Justiça
Juvenal Barreto Júnior, os escrutinadores Benedito Alves de Almeida,
João Antônio Veiga e Olcer de Lacerda Santos. E as testemunhas: Mário
Picanço, Joedir Belmont, José Martins, Milne Ribeiro, Macário Picanço,
Arino Souza de Mattos, Hélio Macedo Soares, Francisco Barbosa de

91
Após o plebiscito de emancipação de Conceição de Macabu, todos os municípios
emancipados no Brasil seguiram o mesmo modelo. Segundo os resultados arquivados no
Tribunal Regional Eleitoral, além de dados sobre os municípios que constam na internet
e na mídia, ainda não houve índice de aprovação “SIM” igual aos obtidos em Macabu.

291
Andrade, Rozendo Fontes Tavares, Antonio da Costa Siqueira, José
Martins, José Manhães, Pedro Augusto de Lima Bettancourt, Manoel
Ignácio da Silva Pereira, Félix Aded, José da Silva Magalhães, Cyrillo
Procópio, Admon José Farah, Paulo Roberto Marques, João Barbosa
Moreira, Antonio Barcellos, Abelardo de Carvalho, Renato Barbosa
Fernandes, Miguel Pereira da Fonseca, Miguel Cândido de Carvalho,
Nifald Rud da Silva e Aristodemo de Souza Grijó.
O exemplo de mobilização e o resultado contundente do
plebiscito levaram a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
no dia 20 de fevereiro de 1952, a apresentar o Processo nº 40/1952,
aprovado por unanimidade no dia 04 de março. Seguiu-se a coleta de
autógrafos dos deputados presentes ao evento, o que foi finalizado em 11
de março.
No mesmo dia, com toda urgência, Dr. Macário Picanço produziu
o ofício nº 10, submetendo à sanção ou veto do governador a decisão da
ALERJ. O ofício, como mandava a burocracia da época, voltou ao
plenário da Assembleia, sendo aprovado no dia 13. Naquele dia, o
governador Ernani do Amaral Peixoto recebeu o ofício. Mas só o
sancionou no dia 15, às 15 horas, transformando-o na Lei 1.438 de 15 de
março de 1952. Para ratificar e tornar público, o Diário Oficial publicou
a decisão do governador no dia 16 de março.
Estava criado o município de Conceição de Macabu, que foi
instalado no dia 4 de janeiro de 1953, após a eleição do prefeito, o que se
deu após acirrada campanha eleitoral, entre 15 de agosto e 14 de
novembro daquele ano. No dia 15 de novembro de 1952, Rozendo

292
Fontes Tavares, do Partido Social Democrático (PSD), venceu Francisco
Barbosa de Andrade, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), eleito assim
o primeiro prefeito do município, dessa vez, definitivamente emancipado.

SITUAÇÃO POLÍTICA DE CONCEIÇÃO DE MACABU - 1534


A 1952

SITUAÇÃO PERÍODO MUNICÍPIO CARACTE-


POLÍTICA SEDE RIZAÇÃO

CAPITANIA DE 1534 NÃO HAVIA. Não há


SÃO TOMÉ A registro.
1627
DONATARIA 1627 MORGADO ROTEIRO
DOS SETE A DO CAPITÃO DOS SETE
CAPITÃES 1648 MIGUEL CAPITÃES.
AIRES
MALDONADO
VILA DE SANTA 1615 VILA DE Não há
HELENA DE A SANTA registro.
CABO FRIO 1677 HELENA DE
CABO FRIO
VILA DE SÃO 1677 VILA DE SÃO Não há
SALVADOR DE A SALVADOR registro.
CAMPOS DOS 1755 DE CAMPOS
GOYTACAZES DOS
GOYTACAZES
FREGUESIA DE 1755 VILA DE SÃO Conceição de
NOSSA A SALVADOR Macabu
SENHORA DO 1765 DE CAMPOS era parte da
DESTERRO DE DOS freguesia, uma
CAPIVARI GOYTACAZES subdivisão.

293
FREGUESIA DE 1765 VILA DE SÃO Conceição de
NOSSA A SALVADOR Macabu
SENHORA DAS 1813 DE CAMPOS era parte da
NEVES E DOS freguesia, uma
SANTA RITA GOYTACAZES subdivisão.

FREGUESIA DE 1813 MACAÉ Conceição de


NOSSA A Macabu
SENHORA DAS 1855 era parte da
NEVES E freguesia, uma
SANTA RITA subdivisão.
FREGUESIA DE 1855 MACAÉ Tornou-se sede
NOSSA A da freguesia,
SENHORA DE 1889 tendo Santa
CONCEIÇÃO Catarina como
DE MACABU subdivisão –
hoje Curato de
Sta. Catarina.
DISTRITO DE 1889 MACAÉ Os vigários
CONCEIÇÃO A perdem a
DE MACABU 1891 função de
funcionários
para os
cartórios.
VILA DE 1891-1892 VILA DE Município de
MACABU MACABU Macabu,
desanexado de
Macaé.
DISTRITO DE 1892 MACAÉ 5º distrito de
CONCEIÇÃODE A Macaé.
MACABU 1952
CONCEIÇÃO 1952 CONCEI - 62º município
DE MACABU até os dias ÇÃO fluminense,
de hoje DE MACABU primeiro
emancipado
por plebiscito
popular.

294
Referências fotográficas e cartográficas

Foto do Relatório de Emancipação. Presumivelmente datada de 1946.

295
Foto do Relatório de Emancipação. Presumivelmente datada de 1946.

Rosendo Fontes Tavares tomando posse como primeiro prefeito eleito de Conceição
de Macabu.

296
Referências

AGENDA DE COMPROMISSOS E DESPESAS DE ROZENDO FONTES


TAVARES. Disponível e consultado no Museu Sociorreligioso Dom Clemente
Isnard.

CADERNETA DE MOVIMENTAÇÃO CONTÁBIL DA COMISSÃO


PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU. Disponível e
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TOPIK, Steven C. A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889


a 1930. São Paulo: Record, 1997.

300
Entrevistados pelo autor:

Antônio Augusto Fidalgo. Entrevistado aos 100 anos em 15-06-1999.


Antônio Leite. Entrevistado em 02-02-1998.
Antônio Minguta de Oliveira (Minguta). Entrevistado em 02-02-1998.
Ascânio Gomes. Entrevistado em 03-01-1996.
Cellina Bellas. Entrevistada em 12-11-2000.
Evandro de Paula Gomes. Entrevistado em 01-10-1999.
Francisco Ferreira do Cabo (Cabinho). Entrevistado em 19-09-1994.
Francisco Freire de Morais. Entrevistado em 13-4-1997.
Germano Lima (Maninho Lima). Entrevistada aos 105 anos em 05-01-2000.
Herculano Gomes da Silva. Entrevistado em 12-12-1989.
João da Paixão Barbosa (Barbosa). Entrevistado em 17-01-1998.
José Belmont Daumas. Entrevistado aos 100 anos em 16-01-1999.
Josephina Valentim Ribeiro (Dona Zinha Valentim). Entrevistada em 18-10-
1990.
Leôncio Batista Belmont. Entrevistado aos 100 anos em 22-11-2000.
Maria Magnólia da Conceição. Entrevistada aos 105 anos em 2000.
Nanci Barbosa de Andrade (Dona Nanci). Entrevistada em 1997.
Otávio Tavares (Seu Tavinho). Entrevistado em 02-02-1998.
Ramira Maria da Conceição. Entrevistada aos 105 anos em 13-01-2000.
Renato Barbosa Fernandes. Entrevistado em 1992.
Wilson Pessanha Barbosa. Entrevistado em 19-01-1998.

301
Depoimentos e Consultas:

Adelino Antonio de Campos Tavares (Em Memória)


Alacir Rodrigues da Silva
Aparecino Maciel (Em Memória)
Aurino Moura (Em Memória)
Bernarda Ornellas Gomes
Carlos José Tavares de Oliveira
Cassia Maria da Silva Gomes (Cassinha)
Celi da Silva Maciel
Célia Oy
Conceição Villela Franco
Darclê Bersot Leal
Délcio Pontes Pacheco (Em Memória)
Douglas Fernandes
Dr. Aloysio Tavares Picanço
Dr. Jorge Picanço Siqueira
Dr. Mário Nunes Picanço (Em Memória)
Dra. Maria Apparecida Picanço Goulart
Edgar de Carvalho
Eleonora Bouçada Tassara
Eliana Ignez Abreu Gomes
Erival Gomes (Em Memória)
Gilberto Navarro
Helena Bouçada Tassara
Hilda da Silva Gomes
Jeannete Paes Tavares Pacheco

302
Jomar Pereira Dias
José Mário de Campos Tavares
José Miltonsiles Ornellas Gomes
Mareda Fiorillo Bogado
Marília Bouçada Tassara
Mário Guimarães
Marlon Abreu
Océlia Boeck
Pe. Luiz Cláudio Mendonça
Roberto Ribeiro
Silvia Soares Abreu (Em Memória)
Vilcson Gavinho
Walace Negreiros da Silva

303
Instituições:

Acervo da Catedral de São Salvador


Acervo da Cooperativa de Laticínios de Conceição de Macabu
Acervo da Massa Falida da Usina Victor Sence
Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Carapebus
Acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu
Acervo da Paróquia de São João Baptista
Acervo de Adelino Antônio de Campos Tavares
Acervo Fotográfico de Marília Tassara
Arquivo da Câmara Municipal de Macaé
Arquivo da Fundação Estadual da Infância e Adolescência
Arquivo do Museu do Ingá
Arquivo do Palácio das Laranjeiras
Arquivo Nacional
Arquivo Nacional de Portugal – Torre do Tombo
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes
Biblioteca Municipal de Campos dos Goytacazes
Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional de Portugal
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro
Museu da Imigração Japonesa no Brasil
Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Museu do Ingá
Museu Sociorreligioso Dom Clemente Isnard
Solar dos Mello
Tribunal Regional Eleitoral

304
5
AS LIÇÕES DO CASO COQUEIRO

Carlos Marchi

A misteriosa e sombria saga de Manoel da Motta Coqueiro – que


aconteceu nas barbas de nossos antepassados e, em alguns casos, com a
colaboração deles – deixou uma fieira de lições históricas para nós, para
nossa região e para o Brasil. A ideia deste artigo é listar essas lições e
especular o que aprendemos (ou não) com elas. Vale lembrar que essas
lições estão no ar desde meados do século 19, quando aqui viviam nossos
tataravôs. Na noite de 11 (ou na madrugada de 12?) de setembro de 2012
completaram-se 160 anos do morticínio da fazenda Bananal e, a despeito
dos esforços aparentes para clarear e entender o que originou aquela trama,
tudo segue um mistério secular. Ao examinar o que de fato aconteceu nos
dias precedentes e naquela noite, nunca alguém será capaz de afirmar com
certeza quem matou e, principalmente, quem mandou matar a família do
colono Francisco Benedito da Silva. Mas a pior questão que o caso suscita,
no entanto, é que 160 anos depois segue a dúvida: tanta miséria e tanta
dor terão servido para nos ensinar alguma coisa?
Não é só. A existência de tantos cenários sombrios, que serviriam
para emoldurar qualquer trama de mistério, provavelmente facilitou a
armação política para condenar Coqueiro a qualquer custo e redundou
305
num sumário de culpa coletiva ainda não dissipado um século e meio
depois, como se trouxesse com ela uma maldição de faraós. As sombras
confundiram o real e estimularam a lenda, capaz de alimentar, ao longo
dos anos, um mito indecifrável capaz de transformar os personagens reais
em seres de fantasia – o que, ainda assim, não nos eximirá nunca de ter à
mão uma história real, de carne, sangue e ossos, que persiste no
subterrâneo da lenda.
Lembram como foi? Muita gente lembra: aconteceu um crime
terrível em que um fazendeiro rico acabou enforcado, num exemplo
extremamente raro durante os 492 anos em que a pena de morte vigorou
em nosso país. As datas de 11 (ou 12) de setembro, noite do fatídico crime,
e de 6 de março, dia em que Coqueiro foi enforcado na praça onde hoje
está assentada a quadra esportiva do Colégio Luiz Reid, ficaram num
compartimento isolado da memória coletiva da região – nunca foram
lembradas, que dizer comemoradas. Elas são datas para esquecer ou para
lembrar?

A primeira lição

No exato momento em que o alçapão se abriu e o corpo do infeliz


campista se projetou no vazio, principiaram dois processos. Num deles,
nasceu e encorpou a culpa coletiva da população de Macaé e cercanias
pela possibilidade – que se afirmaria crescente – de ter promovido a
execução de um inocente. Noutro, num rumo semelhante, começou a
contagem regressiva para extinguir a pena de morte no Brasil. De fato, a
dúvida sobre o mandante do crime espargiu sombra sobre a decisão fria e

306
irreversível da Justiça; e quando ela, a dúvida, chegou ao palácio imperial,
no Rio de Janeiro, pouco tempo depois, o imperador Pedro II – que
negara a graça imperial a Coqueiro – sentiu-se também culpado e passou
a perdoar cada vez mais condenados, para evitar que o erro se repetisse.
Em meu livro sobre o caso, Fera de Macabu, cito várias passagens
de registros deixados pelo imperador em cartas e diários em que ele
confessava o receio de ficar tachado na História como um déspota
sanguinário por não ter agido para extinguir a pena de morte. Exprimia,
com descortino, a antevisão das críticas históricas que se fariam sobre um
personagem que era sinceramente humanista, atento às causas iluministas,
mas que deixou fluir despercebida essa mancha em seu reinado. Ficaria
uma nódoa, como se ele não tivesse dedicado atenção à questão ou não
tivesse angariado força política para enfrentar os grandes fazendeiros, que
defendiam visceralmente a pena de morte como ferramenta para
responder à violência natural com que os escravos reagiam à opressão
senhorial.
Um dos primeiros atos dos militares e seus aliados após o golpe
que concretizou a proclamação da República foi extinguir a pena de
morte, o que deixou Pedro II nu diante da História, exatamente da
maneira que ele mais receava. Esse engano, que se perpetuou na História
Brasileira, precisa ser revisto, porque Pedro II era um iluminista, um
mecenas das ciências, admirador babão das artes, a ponto de ir visitar
Victor Hugo em Paris, como um leitor-fã-tiete irresponsável (Hugo se
posicionava violentamente contra as monarquias, mas recebeu o monarca
tropical, seu leitor admirado, com civilidade), e não um tirano.

307
A segunda lição

A segunda lição não traz a culpa de uma pessoa, mas de uma


população – no caso, a população de Macaé e cercanias. Há 158 anos a
região guarda uma culpa mórbida de ter colaborado, cada qual à sua
maneira, para executar Coqueiro. De fato, o cenário de uma execução
era extremamente brutal. Cruel, até pela exposição pública humilhante à
que o condenado era submetido no ritual até a forca. Tenho a impressão
de que em Macaé essa culpa, que era guardada no armário das fantasias até
os anos 1960/70, foi bruscamente transferida ao armário dos
esquecimentos depois da saga do petróleo, entre as décadas dos 1970/80.
O armário dos esquecimentos, não custa lembrar, tem portas cujas
dobradiças emperraram e chaves enferrujadas que já não giram nas
engrenagens das fechaduras. Tornou-se conveniente: do mito ao
esquecimento fez-se com que a população atual pouco saiba do que
aconteceu nos três anos precedentes e, em especial, no dia 6 de março de
1855.
Darei um exemplo notório disso. Um ano antes de o
enforcamento de Coqueiro completar o seu sesquicentenário, em meados
de 2004, apresentei à Secretaria de Cultura de Macaé um projeto que
propunha uma catarse coletiva de choque para reverter o secular
sentimento de culpa da sociedade macaense, transformando a dor
fantasiada de um século e meio em valor histórico real. Se a cidade
recusava encarnar perante o mundo o papel de cidade que abrigou o
enforcamento de um inocente, sede do maior erro judiciário do Brasil,

308
abdicava de sua missão inexorável: inverter o jogo e cumprir, agora, um
papel protagonista para inserir-se na História, em vez de afogar-se na culpa
e embarcar no mito. Sugeri, então, que a Prefeitura construísse, no exato
local onde foi erigida a forca, um monumento que significasse uma ode à
vida, invocando os direitos humanos dos injustiçados.
Mais ou menos assim: Macaé faria como os ingleses que, em vez
de derrubar a Torre de Londres, sede de tantos tormentos, a exibem como
um símbolo vivo da sua história de morte, como o agradável jardim onde
foi decapitada Ana Bolena; ou como os franceses, que não resistiram à
tentação de demolir a Bastille na Revolução, mas chamam até hoje a praça
onde ela existia de “Praça da Bastilha”; ou como os americanos, que
tiveram de amargar uma derrota na derrubada das torres gêmeas e em seu
lugar criaram um lugar de pranto, oração e orgulho.
Não se varre uma derrota histórica para baixo do tapete. Não
adianta tentar esquecer o que foi ruim – porque a História nunca esquece.
Ninguém consegue esconder uma parte de sua História porque não gosta
dela ou porque o trecho não lhe parece simpático ou heroico. Estava
faltando dizer isso, alto e bom som, perto dos ouvidos das autoridades que
se sucedem em Macaé. Por que o episódio Coqueiro, em que Macaé
pontificou no cenário nacional, continua obscuro e esquecido, como se
fosse pouco ter sediado o momento que inspirou e estimulou a tendência
de o Brasil extinguir a pena de morte?
Seja como for, para concluir o relato, o projeto que apresentei à
Secretaria de Cultura Municipal teve um destino imerecido: foi
simplesmente jogado no limbo que sintetizava aquela posição de culpa.

309
Não é de surpreender. O temor do julgamento da História – que
tanto apavorou Pedro II – é atemporal e transcendental. Dele tinham
medo o imperador, os habitantes de Macaé em 1855 e os seus
descendentes, que povoam a cidade até hoje. Ninguém quer remexer e
revirar fundamentos históricos que possam comprometer passados ilustres.
Recentemente apresentei projeto semelhante – e bem mais amplo
– à Prefeitura de Macaé. O atual prefeito teve olhos para ver a necessidade
imperiosa de impor uma reversão e uma revisão histórica ao caso
Coqueiro. E a Prefeitura promoverá um concurso nacional de arquitetos
para construir um monumento aos direitos do homem, cujo conceito
fundamental seja o erro histórico cometido contra o infeliz fazendeiro
campista.

A terceira lição

Uma terceira lição aponta para a necessidade de a sociedade


participar intensamente da vida política da comunidade que compõe, de
maneira a favorecer a transparência das gestões e decisões, e a inibir a
influência dos poderosos. O caso Coqueiro, como meu livro mostrou,
não teve uma solução judicial, mas política. Homem rico, Coqueiro
jamais subiria à forca se não tivesse contrariado importantes esquemas
políticos do seu tempo.
Essa lição se espraia sobre os dias de hoje, iluminados pela claridade
da internet, singular instrumento para fiscalizar os poderes públicos, o
Executivo (a prefeitura), o Legislativo (a câmara municipal) e o Judiciário
(as variadas seções da Justiça). Os poderosos esquemas políticos que

310
comandaram a chicana em que se transformaram os julgamentos de
Coqueiro ainda estão espalhados pelo Brasil, mas o olhar tonificante da
sociedade, fortalecido pelos instrumentos de fiscalização, é capaz de
vencê-los e defenestrá-los.

A quarta lição

A quarta lição lança luz sobre as vocações das sociedades. No ano


anterior ao crime do caso Coqueiro, o Brasil teve a oportunidade de se
alçar à condição de país líder no mundo – e, como sabemos, a
desperdiçou. Chegou a ter clarividência para adotar três medidas que
seriam sua gloriosa porta de entrada no Primeiro Mundo de então, mas
deixou que ela se fechasse antes que pudesse incluir-se. Sim, existe um
ano em que o Brasil perdeu a barca da História e este ano é 1851 – um
exato ano antes do assassinato coletivo da fazenda Bananal. Vamos ver o
quais eram aquelas medidas e por que perdemos a barca.
A primeira medida foi a lei que proibiu, enfim, com razoável
eficácia, o tráfico de africanos para o país. Na verdade, a discussão sobre a
lei no Parlamento nos legou belos momentos humanistas nas ações de
deputados liberais que lutaram para ampliar a lei e aprovar não apenas o
fim do tráfico, mas a supressão da própria escravidão. Se os liberais
tivessem vencido, a partir de 1851 os negros deixariam de ser escravos e
passariam a ser camponeses e trabalhadores urbanos assalariados; estariam
livres para ir e vir, ficar no campo ou mudar-se para as cidades e se
tornarem operários das fábricas que inevitavelmente surgiriam,

311
formatando a tessitura inicial de um mercado interno que o Brasil só viria
a constituir no século XX.
A segunda medida foi a adoção de um Código Comercial que,
apesar do nome, foi a primeira legislação empresarial do país, a primeira
lei a regular amplamente o funcionamento de empresas, fossem elas
comerciais ou industriais, no país. Era oportuna: na década anterior, o
registro de patentes para novas invenções tinha crescido
avassaladoramente. Não faltavam ideias nem empreendedores para seguir
o exemplo pioneiro do Visconde de Mauá: naquele ano, malnascida a lei,
foram constituídas as primeiras sociedades anônimas do país. Os capitais
para a grande aventura industrial que seguiria em dominó viriam dos
imensos recursos acumulados com o negócio do tráfico, que ora apontava
para a decadência. Faltava apenas modernizar o arcabouço jurídico-
político brasileiro para criar uma legislação trabalhista que regulasse a
absorção dos enormes contingentes de ex-escravos como empregados dos
novos negócios. Como sabemos, a aventura empresarial empacou e os
escravos continuaram escravos. O Brasil perdeu a possibilidade de
constituir seu mercado interno.
A terceira medida foi a aprovação da Lei de Terras, que extinguia
o instituto da sesmaria (pelo qual todas as terras pertenciam à Coroa e o
imperador as distribuía a seus amigos e apoiadores). A partir daí, as terras
passaram a ser vendidas e, portanto, adquiriram um valor, antes quase
inexistente, mudando a estrutura de valores de bens. A ideia que a inspirou
foi povoar o meio rural brasileiro com imigrantes que substituiriam a força
de trabalho escravo. Para atrair imigrantes era preciso criar estímulos para

312
milhares de pequenos proprietários europeus; e o primeiro estímulo era
acenar a esses pequenos proprietários (que, ademais, eram detentores de
boa técnica agrícola e suportavam o rigor do trabalho braçal) com a
possibilidade de ser detentor de uma propriedade rural. Era também a
possibilidade de formatar uma melhor distribuição da terra, antecipando
uma reforma agrária que depois perseguiríamos por tantos decênios,
diluindo o processo perverso da grande propriedade. Mas os grandes
fazendeiros fizeram cerrada oposição: eles queriam que os imigrantes
europeus viessem para ser seus empregados, já que anteviam o fim
próximo da escravidão. Os poucos projetos tentados fracassaram. Teria
sido uma revolução se tivessem vindo. Mas eles não vieram porque não
estavam dispostos a se arriscar além do Atlântico para serem apenas
semiescravos de quem antes castigava brutalmente seus escravos.
Como a História nos conta, esse projeto mirabolante de país líder
mundial fracassou, sempre por pressão do conservador poder rural. O
governo teve de adiar o fim da escravidão, conseguindo aprovar apenas a
lei para o fim do tráfico, que não era novidade nenhuma – era um projeto
que se arrastava desde a década dos 20, sob intensa pressão dos ingleses
(que almejavam formatar o mercado interno brasileiro para vender os seus
produtos industriais).
A Lei de Terras aprovada estipulava que imigrantes não poderiam
comprar terras nos primeiros três anos que vivessem no Brasil. Essa medida
desestimulou completamente os potenciais migrantes. Ninguém veio.
A escravidão continuou por mais 37 anos. Sem mercado interno,
a aventura industrial estancou ali mesmo. O atrasado meio rural venceu e

313
o Brasil continuou comprando tudo de fora, pagando as importações com
as vendas de açúcar e café. Assim o Brasil naufragou em seu sonho de ser
uma potência emergente; continuou dependente, agrário e, pior,
socialmente injusto.
Esse mesmo fantasma, tanto quanto o de Coqueiro, continua
assombrando a região norte fluminense – o berço dos grandes
proprietários rurais. Cumprida a maldição, cem anos depois do
enforcamento de Coqueiro, a região foi brindada com uma contribuição
dos deuses – o petróleo sob o mar.
Era a oportunidade de redimir o fracasso do projeto de 1851. Mas
pelo que se vê, a tendência para perder vocações continua viva (ou seria
melhor dizer “morta”?). Os recursos naturais são produzidos e a riqueza
que lhe deveria corresponder não aparece. As cidades que seriam vértice
do progresso deixaram-se favelizar miseravelmente. Foram exemplos de
corrupção. Nenhuma delas tem um projeto estratégico de longo curso.
Os planos diretores – quando existem – são confusos e suspeitos.
As lições do caso Coqueiro, como se vê, de tanto permanecerem
nas sombras, continuam cinzentas. Elas deveriam servir para sacudir as
mentalidades e engrandecer a nossa região; suas datas mais marcantes
deveriam ser lembradas e comemoradas com altivez e orgulho, não
esquecidas com negligência e culpa. Mas nenhuma delas tem qualquer
significado em nossa região, sinal de que nossa visão histórica apequenada
confunde até hoje fato histórico com culpa pessoal e de que, portanto,
nenhuma das lições deixadas foi devidamente aprendida.

314
6
BRASÃO DE ARMAS: UMA SÍNTESE
HISTÓRICA

Tarcisio Bastos

O objetivo desse artigo é analisar o real significado de um dos


símbolos do município de Conceição de Macabu – o Brasão de Armas –
, perpassando pelo contexto social e histórico do período em que foram
elaborados, atribuindo-lhe novos valores e conceitos.
Aos 15 dias do mês de março do ano de 2012, Conceição de
Macabu completou seis décadas de existência no campo político-
administrativo, apesar de nossa história já decorrer do período colonial.
Não foram 60 dias, nem 60 semanas, nem 60 meses, porém sim, 60 anos
de construção histórica, social, política, econômica, cultural e religiosa de
um município que cresceu com a contribuição dos audaciosos
colonizadores; das populações silvícolas; dos escravos africanos e negros
libertos; dos “Soldados de Cristo”, missionários e clérigos; dos tropeiros,
mascates, barqueiros e ferroviários; dos senhores de terras e fazendeiros,
como o famoso Motta Coqueiro; dos imigrantes europeus e asiáticos; dos
políticos, intelectuais e profissionais liberais; dos irmãos macaenses e
migrantes desse imenso Brasil; etc.

315
Quando fui convidado para elaborar essa pesquisa, diversos temas
me sobrevoaram a cabeça, mas como sou um apaixonado por estudos
sobre patrimônio e heráldica, eu resolvi centralizar minhas análises sobre
um dos símbolos oficiais de nosso município: o brasão. A escolha por essa
temática se deve justamente pela necessidade de se reconhecer a
simbologia oficial como mecanismo de legitimação e reconhecimento de
Conceição de Macabu como área municipal, ou seja, um território que
deixava de possuir o status de distrito, para se tornar uma unidade
administrativa circunscrita no estado do Rio de Janeiro, com
características políticas, legislativas, jurídicas e sociais próprias. Sabe-se que
um município não é constituído apenas pelo ato de fundação, por decretos
e pela criação de órgãos político-deliberativos; mas também pelo sentido,
pela identidade, pela representatividade e pela tradição de seus símbolos.
Segundo o pesquisador e especialista em heráldica Wagner Costa,
“os símbolos municipais são as formas de representação mais expressivas
da imagem das comunidades, e, consequentemente, das administrações
que as dirigem. O brasão de armas, assim como a bandeira e o selo
municipais, são figuras simbólicas, insígnias que representam a identidade
do município, a sua evolução política, administrativa e econômica, bem
como os seus costumes, tradições, arte e religião” (2003, Nº 45). Nesse
sentido, o brasão e demais símbolos macabuenses expressam o nosso
passado, as nossas lutas, a nossa história política, a nossa identidade social,
o nosso desenvolvimento econômico, os nossos costumes, etc.
Um brasão de armas ou simplesmente brasão, na
tradição europeia medieval, é um desenho especificamente criado,

316
obedecendo às leis da heráldica, com a finalidade de identificar indivíduos,
famílias, clãs, corporações, cidades, regiões e nações. Os brasões podem
dividir-se em diferentes classes, segundo as entidades que representam. A
classificação básica divide-os em duas classes como brasões simples e
brasões compostos. Segundo a categoria da entidade que representam os
brasões também podem ser classificados assim: brasões de soberania,
brasões de titulares, brasões de família, brasões eclesiásticos, brasões
corporativos e brasões de domínio. Além disso, os brasões ainda podem
ser classificados quanto ao estilo de coroa mural, a forma de seus elementos
fundamentais (os escudos) e aos tipos de suporte.
Conforme a Deliberação nº 88, de 27 de maio de 1968, e o artigo
9º da Lei Orgânica do município de Conceição de Macabu, de 05 de abril
de 1990, o brasão de armas possui as seguintes características:

Descrição heráldica: Escudo português, cortado


de dois traços formando três quartéis, em faixas.
No primeiro, de campo blau (azul), três estrelas
de ouro, uma ao centro e duas lateralmente, de
menor tamanho; no segundo, de goles
(vermelho), um turbante de penas sobre duas
flechas cruzadas , de prata à dextra, e o símbolo
da Companhia de Jesus (jesuítas), duas faixas
onduladas, de prata e aguadas de azul, tendo,
entre elas, sete pequenos triângulos do mesmo
metal. Como suportes uma haste de cana e um
galho de cafeeiro, frutado, respectivamente, à
dextra e sinistra, ambos na sua cor, ligados por
um listel de prata, evidenciando a seguinte
legenda em letras de sable (preto): 1855 –
CONCEIÇÃO DE MACABU - 1952, tudo

317
encimado pela coroa mural de prata de cinco
torres, que é de cidade, carregado de uma elipse
azul, destacando-se uma flor de lis, de ouro[...].

O escudo português caracteriza a arte heráldica de domínio


(escudo domiciliar) representativo de uma unidade territorial não
soberana, ou seja, aquela que não concebe a ideia de uma nação ou reino,
mas sim de um município ou autarquia local. O escudo significa também
a origem lusitana de nossa Pátria, cujos portugueses nos trouxeram os
costumes, as tradições, o idioma, a “cultura” e a herança histórica do
Velho Mundo, a partir de sua colonização inicial como nos relata Marcelo
Abreu Gomes:

Em 1500, uma poderosa esquadra, composta


de 13 navios, 1500 soldados e comandada pelo
fidalgo português Pedro Álvares Cabral, deixa
Portugal com duas missões importantes: tomar
posse das terras existentes a oeste da linha do
Tratado de Tordesilhas, para Portugal e;
reforçar militarmente e implantar novos
entrepostos portugueses na Índia (...).
(GOMES, 1997, p. 16).

A estrela maior representa o município e as menores os dois


distritos, a sede e o curato, se nos basearmos no Decreto de 1891; ou, a
sede e Macabuzinho (Decreto de 1952), que formaram e formam a
comunidade macabuense. Abreu nos diz:

Se prevalecesse àquela constituição do


município de Macabu, a sede, o 1º Distrito,
seria Conceição de Macabu, e o único distrito

318
(o 2º), seria o Curato de Santa Catarina.
Macabuzinho era menor que o Curato,
futuramente poderia se constituir no 3º Distrito
(...). (GOMES, 1997, p. 127).

Já Godofredo Guimarães Tavares afirma que:

o município de Conceição de Macabu foi


criado pela Lei Nº 1.438, de 15 de março de
1952, que desanexou do município de Macaé
os 5º e 10º distritos e aos quais denominou
Conceição de Macabu e Macabuzinho, que
passaram a constituir os 1º e 2º distritos do
município criado. (TAVARES, 2002, p. 263)

Os petrechos indígenas e o símbolo dos jesuítas enaltecem os


primeiros donos da terra e missionários da Ordem dos Jesuítas

Dos prováveis habitantes ou transeuntes de


nosso município, àquela época, os Goytacazes
nas planícies dos rios Macabu e Meio, os
Coroados nas serras ao longo das nascentes dos
rios Macabuzinho e Carokango, e os nossos
mais genuínos indígenas, os Sacurus (Saruçus
ou Suruçus), cuja área compreendia,
praticamente, todo município, serras, planícies,
florestas, etc. (GOMES, 1997, p. 8).

Sobre a atuação dos missionários católicos no início da


colonização, o pesquisador Marcelo Abreu Gomes sintetiza que:

a penetração pelo Vale do Rio Macabu e São


Pedro, deu-se como desdobramento do
processo de interiorização, catequese e

319
aldeamento dos indígenas da região. A partir da
posse das novas terras, os beneditinos, mas
principalmente, os jesuítas, seguiram pelos rios
ou por terra até os índios sacurus. (GOMES,
1997, p. 35).

Em fins do século XVII,

“a Ordem dos Jesuítas designou o padre


missionário Antônio Vaz Pereira (...) para
organizar uma missão religiosa entre os rios São
Pedro e Macaé, visando fazer contato com os
indígenas da região, especialmente, os sacurus,
que até então haviam resistido à catequese”
(GOMES, 1997, p. 43).

As duas faixas onduladas são atribuídas aos rios Itabapoana


(Managé) e Macaé (Miquié), que limitavam a extensa região, onde,
inclusive, assenta hoje o município de Conceição de Macabu.

A partir de 1536, quando o Brasil era dividido


em capitanias hereditárias, a Pero de Góis
coube a Capitania de São Tomé, mais tarde
denominada Paraíba do Sul; esta abrangia 30
léguas, desde o rio Macaé ao rio Itabapoana,
medindo igual distância do litoral às montanhas,
o que nos indica, livre de contestação, o
primeiro senhor do território onde se encontra
o município de Conceição de Macabu.
(TAVARES, 2002, p. 21).

Durante o século XVII, diversas capitanias hereditárias


fracassaram, inclusive a de São Tomé, “onde os donatários Pero e Gil de

320
Góis, por várias vezes tentaram colonizar a região, até abandoná-la por
completo”. (GOMES, 1997, p. 25).

Com o abandono da capitania, incorporada ao


domínio da Coroa, foi expedida ordem do
governo do Rio de Janeiro para que fossem
cedidas terras sob semelhante situação quanto se
constituíssem fiéis servidores do rei, o que deu
ensejo ao imediato aparecimento de novos
pretendentes. (...) Miguel Aires Maldonado,
Gonçalo Correia de Sá, Manoel Correia,
Duarte Correia, Antônio Pinto Pereira, João de
Castilho e Miguel Silva Riscado, os sete
famosos capitães cujas presenças estão
simbolizadas nos sete pequenos triângulos do
brasão de armas de Conceição de Macabu,
requereram posse das terras abandonadas entre
Macaé e Cabo de São Tomé [em 1627].
(TAVARES, 2002, p. 22).

Em meados do século XIX, a Província do Rio de Janeiro valeu-


se de quatro grandes riquezas para o seu desenvolvimento: o café, a cana-
de-açúcar, o tráfico e o comércio de escravos e os políticos influentes
(GOMES, 1997, p. 70). A história de Conceição de Macabu nas últimas
cinco décadas do século XIX foi marcada pelo crescimento econômico-
populacional e, consequentemente, pela ocupação das terras do
município. Economicamente, crescíamos com o café, a cana e a
exploração madeireira (GOMES, 1997, p. 79). Para se entender a
importância da indústria açucareira, cito um trecho da notícia do jornal A
Gazeta de Macabu, edição de 22 de agosto de 1912:

321
O dia 20, pois, marca o início do ressurgimento
de Macabu. O início da época de sua
prosperidade, da abertura de novas e fecundas
fontes de trabalho para o seu povo e para a
lavoura que, na cultura da cana e no
estabelecimento do seu grande engenho, desse
másculo representante de sua indústria, vão
haurir recursos outros, portadores de
prosperidade e grandeza. (TAVARES, 2002, p.
177). Conforme essa acepção, a cana e o café,
figurados no brasão municipal, representam o
desenvolvimento econômico de outrora de
nosso território.

A flor de lis simboliza o orago de Nossa Senhora da Conceição,


padroeira do município. O próprio nome Conceição é uma “homenagem
à Virgem Imaculada, Mãe Universal, Mãe Santíssima de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Um lugar assim denominado, Conceição, teria que ser, como
realmente é, um recanto abençoado, um berço de glórias” (TAVARES,
2002, p. 18).
O ano de 1855 é o da criação do Distrito, conforme se pode atestar
nas palavras do memorialista Godofredo G. Tavares:

Como fruto de um trabalho bem


empreendido, executado com ardor intenso e
grande abnegação, colhe-se a primeira vitória:
a 6 de outubro de 1855, por efeito da Lei
Provincial Nº 812, era criado mais um distrito
do município de Macaé, sob a denominação de
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Macabu. (TAVARES, 2002, p. 26).

322
Já o ano de 1952 refere-se à criação efetiva do Município:

Como ficou visto, a Lei Nº 1438, de 15 de


março do referido ano, desanexou de Macaé o
10º distrito, Macabuzinho, que passou a
constituir-se o 2º distrito do município de
Conceição de Macabu, instalado a 4 de janeiro
de 1953, sob a jurisdição do Termo e Comarca
de Macaé. (TAVARES, 2002, p. 264).

O significado das cores, metais e esmaltes do brasão municipal são:


OURO (FORÇA) - o entusiasmo, o ânimo e a energia inerente do corpo
social macabuense -; PRATA (CANDURA) - a “inocência”, a “pureza”,
a “ingenuidade”, a “simplicidade” presente na sociedade local, que ao
mesmo tempo não é tão provinciana e nem tão adepta do ultra-
modernismo; VERMELHO (INTREPIDEZ) - bravura, coragem,
ousadia e valentia do povo macabuense que lutou pela sua emancipação
político-administrativa, que galgou pelo nosso desenvolvimento
econômico e que até hoje sonha por dias melhores; AZUL
(SERENIDADE) - a tranquilidade, a suavidade e a paz presentes em
nosso território e em nossos munícipes, que nunca precisaram pegar em
armas para batalhar por seus ideais e pela defesa territorial; VERDE
(ABUNDÂNCIA) - o abastamento, a fartura e a riqueza existentes em
nosso meio natural, em nossa simpatia e em nossa subsistência.
Como o Ato Deliberativo que instituiu e oficializou o nosso
brasão de armas é de 1968, obtive a seguinte análise: a Constituição
Federal de 1967, em seu 1º Artigo, diz que “os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios poderão ter símbolos próprios”. Nesse sentido, a

323
legislação por si só legitima a devida criação e uso dos símbolos citadinos.
Outro fato de extrema importância é que a oficialização de tais símbolos
ocorreu num período em que vivíamos em plena Ditadura Militar. O
próprio ano de 1968 estava repleto de fatos impactantes, como a
imposição do Ato Institucional Número 5 (AI-5), a realização da Passeata
dos Cem Mil, a ocorrência de greves operárias e a organização de
guerrilhas urbanas. O interessante é que Macabu não se cala diante dos
acontecimentos. Talvez movida pelo propósito de pôr fim à opressão e
perseguição militar, visto que o país e a nossa antiga capital federal
estivessem em pleno caos ditatorial, ou seguindo os rumores da História,
nossos líderes e intelectuais elaboraram e legitimaram nossos símbolos
municipais. Por mais que Macabu esteja distante do Rio de Janeiro e dos
órgãos militares da Ditadura, havia sim em nosso povo esse ímpeto em
lutar por dias melhores, em sonhar com um regime mais “democrático”.
Não foi à toa que 1968 foi uma data importantíssima tanto para o Brasil
quanto para nós macabuenses.
Segundo Godofredo Guimarães Tavares, o autor do brasão
municipal foi Alberto Lima, renomado aquarelista, professor de Heráldica
e chefe do Serviço Cartográfico do Exército Brasileiro (TAVARES,
2002, p. 302). Mais uma vez percebemos a história nacional percorrendo
nosso passado. Mesmo o Brasil vivendo em regime ditatorial (1964-1985),
época em que o povo brasileiro possuía uma “aversão” aos militares, tem-
se aqui um militar elaborando um dos símbolos de nossa municipalidade.
Conforme as regras da Heráldica, a coroa mural (brasão de armas)
de um município deve ser representada por uma coroa de prata (branca)

324
com oito torres, sendo cinco torres à vista. Destas cinco, as duas das
extremidades são vistas pela metade, dando ideia de que suas outras
metades estariam dando volta para a parte de trás. Deve-se desenhar uma
porta em cada uma das torres, três à frente e duas metades nas laterais. As
portas são pintadas de negro. Não há padrão para a forma do desenho das
portas, e elas podem ser quadradas, ovais, pontiagudas, etc. O importante
é que sejam reconhecidas nitidamente como portas.
No brasão, notifica-se três largas faixas nas cores blau (azul), goles
(vermelho) e sinople (verde). Para a Heráldica, a faixa azul representa a
parte superior, principal e mais nobre do escudo, onde verificamos as três
estrelas (o município e os distritos); a faixa central (vermelha) representa
o núcleo, ou seja, o coração do escudo; e a faixa inferior (verde) seria a
extensão do mesmo. Por analogia, sintetizo as três faixas assim: a azul
constitui a Política e o poder público municipal; a vermelha representa os
aspectos religiosos e culturais; e o verde, a geografia, a economia e a
história.
Ao pesquisar sobre os brasões dos municípios do estado do Rio de
Janeiro, verifiquei que vários deles são constituídos por três faixas em seus
escudos, semelhantes ao de Macabu, todos eles relacionados com a
política, a economia e a história local, como Areal, Casimiro de Abreu,
Itaguaí, São Gonçalo, Sapucaia e Teresópolis. Outra semelhança é a
existência de canaviais e cafezais em diversos brasões municipais de nossa
federação. O nosso brasão de armas é bem semelhante nesse aspecto ao
do estado do Rio de Janeiro, com um pé de cana-de-açúcar, à esquerda,

325
e um de café, à direita. Talvez Alberto Lima tenha se inspirado no brasão
estadual para compor o nosso e sido autor de diversos outros.
Segundo João Barbalho, “o município é uma miniatura da Pátria”
e o seu brasão simboliza a nobreza municipal, contendo a síntese de sua
história, da qual jamais se apagará a memória de um passado glorioso
(TAVARES, 2002, p. 303). Nesse sentido, Alberto Lima conseguiu com
grande mérito e valor histórico elaborar o brasão de armas do território
macabuense.
Por fim, faço minhas as palavras de Godofredo G. Tavares:
“Conceição de Macabu é cidade nobre, porque tem o seu brasão de
armas”. Não sou grande conhecedor da Ciência Heráldica, mas acredito
ter colaborado para a análise desse importante símbolo municipal como
elemento comemorativo pelos 60 anos dessa cidade com corpinho de 18,
que tem muita história para contar e simpatia para transparecer.

326
Referências

Câmara Municipal de Conceição de Macabu (Deliberação Nº 88 –


27/05/1968).

GOMES, Marcelo Abreu. Macabu - a história até 1900. Conceição de Macabu.


Gráfica Macuco, 1997.

Lei Orgânica do Município de Conceição de Macabu (05/04/1990).

REVISTA CIDADES DO BRASIL, Curitiba, Outubro de 2003, Ano III, Nº


45 (s. p.).

TAVARES, Godofredo Guimarães. Imagens da Nossa Terra. Prymil, 2002.

www.conceiçãodemacabu.rj.gov.br

www.portaldocidadão.rj.gov.br

327

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