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MACABU
História das origens até a Segunda Emancipação
MARCELO ABREU GOMES (org.)
ARTHUR SOFFIATI
CARLOS MARCHI
TARCISIO BASTOS
CONCEIÇÃO DE
MACABU
História das origens até a Segunda Emancipação
Macaé, RJ – 2019
Edição
Angelo dos Santos Mariño
Capa
Chalil Costa
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-80544-18-9
CDD – 981.53
Elaborada por Maria da Penha Lascosck Cardoso CRB-6/ES -
694
Sobre os autores
1
pesquisadores além de mim; entretanto, três colegas, apesar de se
comprometerem, não puderam cumprir suas tarefas, cabendo-me fazê-lo.
Eu que pretendia apenas escrever sobre o povoamento inicial,
num amplo estudo dos fatores causais do mesmo, tive de abrir o baú,
viajar, ler muito e estender-me, fazendo meu papel e o de mais três:
Razões do Povoamento do Sertão de Macabu; Freguesia de Conceição
de Macabu; Primeira Emancipação; Segunda Emancipação.
Assim, tal como fiz em minhas produções solo, traço uma reta que
começa na chegada dos primeiros colonos a região, passando pela
edificação fundiária da mesma, até os principais paços de sua organização
política. O traçado histórico retilíneo, tradicional, tem como razão
facilitar a leitura.
Como fiz em todos os meus trabalhos, endosso minha escrita,
opiniões e conclusões com o fruto das mais recentes pesquisas, relevando
ao leitor fontes primárias, secundárias, observações, pesquisas de campo e
muitas entrevistas, tentando assim esgotar, no que puder, o assunto.
Após meu latifúndio de artigos, surge um interessante trabalho do
jornalista Carlos Marchi, autor do best-seller “Fera de Macabu”, a obra
literária que trata do polêmico caso de Motta Coqueiro – que para todos
os macabuenses foi e é motivo de orgulho.
Marchi é um dos muitos jornalistas que se aventuram pelas sendas
da História. E, se por um lado esmera-se em buscar as fontes, trazendo a
verdade o mais próximo possível, por outro, demonstra o talento nato e
aprendido da produção literária, fazendo-nos recordar o grande passeio
que foi ler “Fera de Macabu”.
2
Orgulho de todos os macabuenses, como faço questão de reiterar,
a produção de Carlos Marchi é revivida neste livro, quando o autor faz
um balanço do caso Coqueiro, mostrando que as muitas lições deixadas
pelo mesmo nem sempre surtiram o efeito histórico desejado, de
tomarmos o passado como caminho no presente.
Tarcísio Bastos , macabuense, trata de um assunto muito raro entre
nós: Heráldica, Arte e Ciência, que estuda os brasões e escudos.
Como forma de resgatar nossa História através da observação do
Brasão de Armas de Conceição de Macabu, buscou em cada cor, objeto
ou símbolo do mesmo. O leitor viajará por um universo pouco explorado,
onde o autor te dará conta que há uma síntese histórica dentro da bandeira
do município – local onde habitualmente localizamos seu objeto de
análise.
Tarcísio, que estreia como autor aqui, realizou uma síntese
histórica do município a partir de seu brasão. Considerando que o autor
é da área das Ciências Sociais, esperamos que este seja o primeiro de
muitos trabalhos sobre Conceição de Macabu, que, no momento, carece
de pessoas aptas e dispostas a tratar de sua História.
Mais uma vez espero que o leitor aprecie e, fazendo-o ou não,
deixe sua crítica e sugestões nos endereços eletrônicos disponíveis.
Boa leitura.
Marcelo Abreu Gomes (organizador)
3
1
PAISAGEM E POVOS ORIGINAIS DE
CONCEIÇÃO DE MACABU
Arthur Soffiati
Estrutura geológica1
1
O autor recorre à explicação mais atual para a formação do delta do Rio Paraíba do
Sul, formulada por MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.;
e FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio
de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997. A falta de espaço não
permite o cotejo entre esta teoria e a de Alberto Ribeiro Lamego, que se tornou clássica,
posto que ultrapassada por estudos posteriores. Quem desejar conhecer a teoria de
Lamego, ler dele: O Homem e o Brejo, 1º ed. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de
Geografia, 1945; Geologia das quadrículas de Campos, São Tomé, Lagoa Feia e Xexé.
Boletim nº. 154. Rio de Janeiro: Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão
de Geologia e Mineralogia, 1955; O Homem e o Brejo, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lidador,
1974.
5
menos 60 milhões de anos construiu um monumental aterro que afasta o
cristalino do mar. Este natural acrescido de marinha se assemelha a um
arco nas extremidades do qual o aterro se adelgaça. No seu centro, a
barriga dele se torna larga.
Como mostra o mapa abaixo, este arco apresenta formações com
idades diferentes. Em primeiro lugar, terrenos da Formação Barreiras,
datados de 60 milhões de anos, se estendiam do Rio Macaé (indo, ao sul,
até Cabo Frio) ao Rio Itabapoana, que impediu a sua continuidade. Ao
Norte, a Formação Barreiras (ou tabuleiros) recomeça junto ao Córrego
de Marobá e termina na margem direita do Rio Itapemirim.
6
ECORREGIÃO DE SÃO TOMÉ
7
Entre o Rio Macaé e as imediações do que atualmente é a Barra
do Furado, foi construída pelo mar uma restinga estimada em 123 mil de
anos. Trata-se da restinga hoje quase toda ocupada pelo Parque Nacional
de Jurubatiba. Entre o Rio Itabapoana e o Córrego de Marobá, outra
restinga, também foi formada pelo mar, hoje conhecida como Restinga
das Neves ou de Marobá.
Com o aquecimento global da Terra, as geleiras começaram a
derreter-se e o nível do mar subiu. Na região que futuramente será
denominada norte fluminense, pouco a pouco, o mar invadiu as partes
mais baixas de tabuleiro e alcançou a zona cristalina na altura de Itereré.
A foz do Rio Paraíba do Sul, cuja localização antiga não se conhece, foi
afogada. A grande unidade de tabuleiro foi dividida em duas. Junto à costa,
fragmentos dela resistiram ao avanço do mar e formaram ilhas, o que
permitiu a formação de uma semi laguna. Dentro dela, o Rio Paraíba do
Sul foi propagando (avançando) por meio de quatro grandes braços
(canais). O primeiro a chegar ao mar aberto foi o braço atual.
Assim, paulatinamente, o Paraíba do Sul foi construindo uma
planície aluvial entre os dois fragmentos de tabuleiro separados pela
transgressão (avanço) do mar. Na margem direita do rio, formou-se uma
profusão de lagoas, destacando-se de todas a grande Lagoa Feia, que
capturou os Rios Macabu e Ururaí. Este segundo só passou a existir com
a nova configuração das terras baixas da região.
Para arrematar, o trabalho conjunto do Rio Paraíba do Sul e do
mar constituiu uma grande restinga que se estende do Cabo de São Tomé
a Guaxindiba. Batizamos a zona cristalina do norte-noroeste fluminense e
8
sul capixaba associada à zona baixa de tabuleiros, planícies aluviais e
restingas, entre os Rios Macaé e Itapemirim de Ecorregião de São Tomé,
em alusão à Capitania de São Tomé, doada a Pero de Góis, na terceira
década do século XVI, por seus limites corresponderem aos dois rios
mencionados.
Rede Hídrica
9
batizada de Lagoa Feia do Itabapoana. Do Rio Itabapoana ao Rio
Guaxindiba, há também uma sequência de pequenos cursos d’água a
cortar a unidade central de tabuleiro, resultante da seção pelo Rio Paraíba
do Sul, destacando-se a Lagoa de Tatagiba Açu.
Do Guaxindiba ao Paraíba do Sul, penetra-se no domínio da
maior restinga da ecorregião, com lagoas paralelas à costa na parte externa.
No interior, localiza-se a grande Lagoa do Campelo, embutida na restinga
que tamponou vários cursos d’água que desciam do tabuleiro e
desembocavam no mar. Barrados, eles se transformaram em lagoas
alongadas com formato de espinha de peixe. A maior delas é a da Saudade.
A partir de 5.100 anos passados, o nível do mar começou a oscilar
num processo de regressão (retração) – transgressão (avanço). O Rio
Paraíba do Sul lançou quatro braços na laguna formada pelo avanço
marinho e formou dois grandes subsistemas: o Paraíba do Sul
propriamente dito, que alcançou mar aberto no ponto em que se situa
atualmente seu pequeno delta; e o da Lagoa Feia. Os dois subsistemas
estão intrinsecamente relacionados. As águas superficiais que extravasavam
do Paraíba do Sul nas cheias, pela margem direita, corriam lentamente
para o subsistema Lagoa Feia. Nas estiagens, as águas vertem
subterraneamente do Paraíba do Sul para a Lagoa Feia. Foi a ligação
superficial, através de muitas lagoas, que permitiu ao Departamento
Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) acelerar o escoamento das
águas de um para outro por meio de uma rede de canais com cerca de
1400 km. Os dois subsistemas estão limitados pelas duas unidades de
tabuleiro formadas pela transgressão (invasão) marinha. A tendência dos
10
cursos d’água encerrados entre os dois tabuleiros é correr de norte a sul e
de oeste para leste. Apenas o Rio Macabu venceu o obstáculo do tabuleiro
e alcançou a Lagoa Feia. Isto se este rio já não tinha rasgado o tabuleiro
para chegar ao mar em passado anterior a 10 mil anos.
Finalmente, ao sul, a Ecorregião de São Tomé é limitada pelo Rio
Macaé. Entre este e o Paraíba do Sul, alguns pequenos cursos d’água que
chegavam ao mar foram barrados pela Restinga de Jurubatiba, sendo o
mais conspícuo deles a atual Lagoa de Carapebus. Por outro lado, O
DNOS abreviou o escoamento da Lagoa Feia pelo Rio Iguaçu abrindo o
Canal da Flecha, que desemboca no mar, em Barra do Furado.
2
DIAS, Gilberto T. M. O complexo deltaico do Rio Paraíba do Sul. IV Simpósio do
Quaternário no Brasil (CTCQ/SBG) , publ. esp. nº. 2. Rio de Janeiro, 1981, pág. 56 e
57.
11
explicar a infinidade de brejos que existiam junto à sua foz, traço que foi
notado por vários autores.
O documento conhecido pelo nome de Roteiro dos Sete Capitães
faz registro dele, explicando que recebeu este nome em alusão ao Rio
Macacu, nos arredores do Rio de Janeiro3. Couto Reis só pôde notar que
suas margens baixas favoreciam os transbordamentos e a formação de
“largos e compridos brejais, despidos de matos, que no tempo seco dão
admiráveis pastos e nutrição ao gado”. Por estar sua nascente em local de
difícil acesso, na época, considerou-a ignorada4. Casal já fornece mais
detalhes, esclarecendo que ele “... principia na falda da Serra do Salvador
pouco arredado da origem do (...) rio de São Pedro, confluente do Macaé.
Seu álveo é tortuosíssimo; sua corrente tranquila quase sempre por entre
pântanos, procurando o nordeste, e deságua na lagoa Feia. É navegável
sem cachoeiras até perto de sua nascença”5.
Conquanto despretensiosa, a Memória Topográfica e Histórica
sobre os Campos dos Goitacases , publicada por José Carneiro da Silva
3
MALDONADO, Miguel Aires e PINTO, José de Castilho. Descrição que faz o
Capitão Miguel Aires Maldonado e o Capitão José de Castilho Pinto e seus
companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da
capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas nesta
costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil tomo XVII. Rio de
Janeiro:Imprensa Nacional, 1894.
4
COUTO REIS, Manoel Martins do. Descrição (nº. 236) Geográfica, Política e
Cronográfica do Distrito dos Campos dos Goitacases, que por Ordem do Ilmo. e Exmo.
Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice -Rei e Capitão
General do Mar e Terra do Estado do Brasil se Escreveu para Servir de Explicação ao
Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que Debaixo da Dita Ordem se Levantou . Rio
de Janeiro: 1785, ms. Original, pág. 5.
5
CASAL, Manoel Aires de. Corografia Brasílica. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1976, pág.205.
12
(Visconde de Araruama) em 1819, tornou-se obra de consulta obrigatória
para todos aqueles que escreveram sobre a região. Examinando os autores
que publicaram depois dele, é fácil rastrear a sua influência. Vejamos sua
descrição do Rio Macabu e acompanhemos seus pósteros.
6
SILVA, José Carneiro da. Memória Topográfica e Histórica sobre os Campos dos
Goitacases, 3ª ed. Campos dos Goytacazes, Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima,
2010.
7
PIZARRO E ARAUJO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de
Janeiro, 3º vol. Rio deJaneiro: Imprensa Nacional, 1945, págs. 110 e 111.
13
de Nossa Senhora da Conceição de Macabu e de Quissamã e termina na
Lagoa Feia. Ladeado por incontáveis pântanos, é navegável a pequenas
pranchas e canoas. Fala de uma lagoa chamada dos Patos (talvez a do
Peixe, registrada por Pizarro), que, a seu tempo, não mais existia 8.
Marcelo Abreu Gomes, o maior historiador de Conceição de
Macabu, escreve que o rio tem suas nascentes na Serra do Macabu, entre
os municípios de Trajano de Morais, Bom Jardim, Macaé e Nova
Friburgo, em altitudes que variam de 1300 a 1470 metros. Percorre 30
km até ter seu curso barrado pela represa de Sodrelândia, formando um
lago que fazia funcionar a Hidrelétrica do Macabu, hoje desativada. Nesse
ponto, as águas do Macabu são transpostas para o Rio São Pedro,
pertencente à bacia do Rio Macaé, por meio de um aqueduto
subterrâneo. A partir da barragem, o curso do Rio Macabu desaparece,
renascendo 5 km à jusante. Ele deságua na Lagoa Feia por uma foz
construída pelo DNOS. A antiga desembocadura ainda existe, posto que
muito descaracterizada. Seus principais afluentes são os Rios Campista,
Carukango (formado, por sua vez, por este e pelo Córrego Vermelho),
Macabuzinho, Santa Catarina (também conhecido como Santo
Agostinho) e do Meio.
8
MELLO, José Alexandre Teixeira de. Campos dos Goitacases em 1881. Rio de Janeiro:
Laemmert,1886, págs. 30 e 31.
14
Vegetação nativa9
Campos de altitude
9
O autor se vale da classificação proposta por: VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL
FILHO, Antonio Lourenço Rosa e LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da
Vegetação Brasileira, Adaptada a um Sistema Universal . Rio de Janeiro: Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1991.
15
em todo planeta. Os dois campos de altitude da região localizam-se no
Pico do Frade e na Pedra do Desengano. Em decorrência da altitude e do
difícil acesso, eles são o ecossistema mais bem protegido em relação a
todos os outros.
16
do Sul. Ultrapassando estes limites, desenvolvia-se no sul do Espírito
Santo e na Zona da Mata mineira.
10
Cf. MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR,
Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do
Espírito Santo . Belo Horizonte: CPRM, 1997.
17
fragmentos mínimos. O ecossistema formado pela vegetação herbácea
nativa foi tão sumariamente erradicado que nem mesmo, talvez, a cessação
das atividades agropecuárias praticadas na planície aluvial permita sua
autorregeneração.
Trata-se, enfim, de um ecossistema extinto, irrecuperável sem a
ação humana de pesquisa refinada e de restauração. Já os fragmentos de
florestas ombrófilas densas higrófilas possibilitam um conhecimento
razoável de sua composição florística e de seus processos ecológicos. Esta
planície é, de longe, a unidade geológica do norte fluminense que mais
mereceu estudos por parte das universidades, dos centros de pesquisa e de
órgãos governamentais ou privados, notadamente no que tange ao solo e
aos ecossistemas de água doce. Não para fins de conhecimento puramente
científico, mas para melhor dominá-la e colocá-la a serviço da
agropecuária e da agroindústria sucroalcooleira principalmente, graças a
seu prodigioso solo de massapé11.
11
Ver, sobre os campos nativos, SOFFIATI, Arthur. A História Ambiental de um
Campo Nativo de Planície. Anais do III Encontro da ANPPAS. Brasília-DF: 23 a 26 de
maio de 2006.
18
herbácea, junto ao mar, onde os ventos e a salinidade do ar são mais
intensos; a arbustiva, onde a força dos ventos começa a diminuir; e a
arbórea, mais interiorizada. Examinada em detalhe, esta zonação se mostra
mais complexa, exigindo classificação mais minuciosa.
José Augusto Drummond explica que as planícies - e não as
montanhas florestadas, como costumeiramente se pensa - foram preferidas
quer pelos povos indígenas quer pelos europeus (1997) 12. Na Ecorregião
de São Tomé, situam-se os dois maiores sistemas de restinga do Estado do
Rio de Janeiro. O do Sul, mais antigo, estende-se de Macaé a Quissamã.
O do centro, o mais dilatado de todos, posto que bem recente, vai do
Cabo de São Tomé à Praia de Manguinhos. Há ainda uma pequena
restinga contígua à foz do Rio Itabapoana, no lado do Espírito Santo,
conhecida como Restinga das Neves ou de Morobá.
Por várias razões, entre elas a virulência do mar, a restinga sul ficou
mais protegida dos golpes humanos que a restinga norte, facilitando a
criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Manguezal
12
DRUMMOND, José Augusto. Devastação e Preservação Ambiental no Rio de
Janeiro. Niterói: Eduff, 1997.
19
acompanham o avanço e o recuo do mar. Assim, tudo indica que os
manguezais tenham acompanhado a transgressão marinha do Holoceno,
chegando à foz dos Rios Imbé e Macabu. Com a formação progressiva da
planície fluviomarinha, eles foram recuando até o ponto onde hoje se
encontram na ecorregião: Rios Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba,
Paraíba do Sul, Macaé, Canal da Flecha, além de sistemas fluviais menores
e lagunas.
20
atlântica, que podem ser perfeitamente avistados às margens da rodovia
RJ-162, que liga Trajano de Morais à estrada BR-101 (fotos 1).
Em terras da Formação Barreiras (tabuleiro), o desmatamento foi
bem mais intenso que na zona serrana. Restaram poucos fragmentos da
floresta atlântica estacional semidecidual (fotos 2, 3 e 4).
Por fim, nas depressões de tabuleiro, a umidade permitiu o
desenvolvimento de vegetação aquática das mais variadas (fotos 5, 6 e 7).
Foto 1.
21
Foto 2.
Foto 3.
22
Foto 4.
Foto 5.
23
Foto 6.
Foto 7.
24
Povos nativos
25
existe apenas referência à língua Maxakalí ou Mashakali, falada no vale do
Rio Carangola13.
As sociedades indígenas que se instalaram e se estruturaram na
Ecorregião de São Tomé conseguiram construir modos de vida
sintonizados com o ambiente, por mais que o tenham transformado. Os
povos nativos chegaram à serra, ao tabuleiro e à planície adaptando-se aos
ecossistemas com um mínimo de interferência neles. Suas comunidades e
sua tecnologia rudimentar não eram capazes de provocar grandes
transformações à natureza, ao mesmo tempo em que sua visão de mundo
a encarava como uma entidade sagrada. Em lugar de moldarem os
ecossistemas a seus estilos de vida, seus estilos de vida é que se amoldaram
às peculiaridades do ambiente.
Na segunda metade do século XVIII e no século XIX, estes povos
estavam em franco processo de declínio e de desagregação cultural. No
último quartel do século XVIII, o criterioso capitão Manoel Martins do
Couto Reis dá notícia dos remanescentes das nações indígenas que
habitavam a região norte-noroeste fluminense. Sobre os goitacás, já
extintos, diz ele que as informações mais fidedignas nos situam nas
campinas “...compreendidas entre a Lagoa Feia, de Carapebus, e Ponta de
São Tomé (...), possuindo também toda a costa do mar correspondente,
até a vizinhança de Macaé”. Sem poupar críticas aos colonos, ele os
fulmina com a seguinte observação:
13
FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos
Indígenas do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: UERJ, 1977.
26
Neste tempo era o principal, e mais interessante
objeto das riquezas na América, fazer oposição
aos índios, não só a fim de se lhes quebrantar os
ânimos e forças; como de os sujeitar debaixo do
jugo da escravidão. Nisto tanto se exercitaram
os nossos Paulistas antigos, que apesar dos
maiores incômodos, se ofereciam a viajar pelos
mais ásperos sertões do Brasil; aonde
procederem em muitas ocasiões contra aquela
miserável e desgraçada gente, com mais
barbaridade que a dos mesmos bárbaros.
14
COUTO REIS, Manoel Martins do. Descrição Geográfica, Política e Cronográfic a
do Distrito dos Campos Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo Senhor Luiz de
Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar
e Terra do Estado do Brasil, etc. se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa
Topográfico do mesmo Terreno, que debaixo de dita Ordem se Levantou . Rio
deJaneiro: manuscrito original, 1785.
27
margem setentrional do Rio Paraíba do Sul (a oeste da primeira cachoeira)
e a Serra da Frexeira, subindo a barra do Rio Pomba até as fronteiras com
Minas Gerais. Os puris ocupavam o território que se estendia do Rio
Pomba, confinando com os coroados, até o norte do Rio Muriaé –
esclarece nosso cronista que esse povo errava dentro dos seus limites e era
muito cruel. Quanto aos guanhuns, depois de se lhes impor uma diáspora,
estavam vivendo entre os Rios Imbé e Paraíba do Sul, ao norte da Lagoa
de Cima. Mostra que os guarulhos se confundiam com os coroados e
condena a expressão bugre para nomear nações tão distintas. Em seguida,
com a acuidade de um etnógrafo, explica que os idiomas falados por esses
povos diferiam muito da língua guarani, chamada língua geral no Brasil –
na verdade imposta pelos jesuítas. Aliás, não revela, quanto ao tratamento
dado aos índios, a mínima simpatia pelos missionários desta Ordem
religiosa, que, segundo ele, levavam numa das mãos a cruz e em outras
cadeias ocultas, confinando os nativos em reduções para se apossarem de
suas terras.
Fala-nos dos acampamentos simples dos puris; das aldeias com
casas pequenas e efêmeras; das casas cobertas de palha dos saruçus; das casas
grandes dos coroados, construídas com madeira forte e paredes muito bem
barreadas, sem janela e porta somente de um lado, sendo o teto feito com
casca de madeira ou palha. Descreve práticas agrícolas e hábitos
alimentares, tecnologia e crenças religiosas. Enumera as reduções
construídas por missionários e deixa transparecer o processo de refração,
28
aculturação e extermínio de tais povos, principalmente por meio das
bebidas alcoólicas e das epidemias 15.
15
Ibidem.
16
Breve notícia dos índios que habitam nos Campos dos Goytacazes . O documento
manuscrito em 7 fols. (o documento conta com 13 folhas) figura como anônimo e
inédito na página 36 do catálogo Manuscritos Biblioteca Casa dos Marqueses de Castello
Melhor – Documentos Oficiais, grande número de autógrafos, obras originais e inéditas .
Trata-se de um catálogo de documentos a serem leiloados, como se pode ler em sua
capa: “A venda judicial em hasta pública desta importante coleção será feita no princípio
do próximo ano de 1879 no local e dias previamente anunciados”. O catálogo podia ser
encontrado no Beco dos Apóstolos, 11/1º andar, onde também se recebiam
encomendas. Completando as referências do catálogo, lê-se, na parte de baixo da capa:
Lisboa: Tipografia Universal DC Thomaz Quintino Antunes, Impressor da Casa Real,
Rua dos Calafates, 110, 1878. Informa ainda o catálogo que, embora sem autor, o
manuscrito tem letra muito semelhante ao documento arrolado antes dele. O documento
imediatamente anterior, de nº. 219, é a Descrição Geográfica dos Campos dos Goitacazes
escrita no vice-reinado de Luiz de Vasconcellos e Sousa. Informa-se que é documento
anônimo e inédito, com 34 folhas. É bastante sintomático que o documento de nº. 218
no catálogo seja a Descrição (nº. 236) Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito
dos Campos Goitacás que por ordem do Ilmº. e Exmº. Senhor Luiz de Vasconcelos e
Souza etc., do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra
do Estado do Brasil etc., se escreveu para servir de explicação ao mapa topográfico do
mesmo terreno, que debaixo da dita ordem se levantou por Manoel Martins do Couto
Reis, Capitão de Infantaria do Primeiro Regimento desta Praça. Rio de Janeiro, 1785.
Este é o maior trabalho do capitão cartógrafo da infantaria sobre o norte da Capitania do
Rio de Janeiro, e aos seus originais de 193 (mais 11 anexas) páginas, faltam as páginas de
81 a 104, 24, portanto, como informa ainda o catálogo, que atribui ao documento nº.
219 um total de 32 páginas, o que pode ser um erro tipográfico. Parece, pois, que o
documento nº. 219 é constituído pelas 24 páginas faltantes ao documento nº. 218. Este
segundo foi adquirido pelo bibliófilo José Cláudio da Silva no leilão promovido pela
29
famosa Descrição nº. 236. O miliciano cartógrafo da infantaria explica
que, quando da chegada dos europeus à região, havia várias nações de
gentios vivendo nela. No século XVIII, quando ele escreve, só restavam
os Guarulhos e os Puris. Os Goitacás tinham sido extintos, principalmente
por epidemias. Sobre os Guarulhos, Couto Reis informa que se tratava de
nome genérico para denominar várias nações, das quais só sobreviveram
os Coroados e os Sacarus (que ele grafa, mais tarde, saruçu). Os Coroados
habitavam os sertões do Rio Paraíba do Sul, com aldeamentos
missionários em Santo Antônio (atual Guarus) e São Fidélis.
Subindo os afluentes do Paraíba do Sul, os coroados também se
instalaram nos sertões de Minas Gerais.
Em suas palavras, “Os que habitam presentemente nas cabeceiras
dos Rios Macaé e Macabu são também Guarulhos, e o seu particular
nome é Sacaru”. Por informação colhida de moradores de Macaé e
Carapebus, soube ele que os muitos e violentos confrontos entre
“brancos” e Sacarus levaram os nativos a se refugiarem no interior. Vários
foram catequizados e batizados por padres, mas continuaram a seguir seus
Casa de Castelo Melhor, ao que tudo indica no ano de1879, como informa Augusto de
Carvalho em seu livro Apontamentos para a História da Capitania de S. Tomé . Campos:
Tip. e Lit. de Silva, Carneiro e Comp., 1888, P. 1999. É praticamente certo que a Breve
notícia dos índios que habitam nos Campos dos Goytacazes também tenha sido adquirida
por José Cláudio da Silva. Ambos os documentos foram se alojar na coleção de Alberto
Frederico de Morais Lamego, que, em 1935, vendeu seu acervo de documentos à
Universidade de São Paulo. Nos originais dos dois manuscritos, há o carimbo da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Resta saber se
as 24 ou 34 páginas faltantes da Descrição nº. 236 também foram adquiridas em leilão
por José Cláudio da Silva, passou à coleção Lamego e também foi vendido à USP. Tanto
o Catálogo quanto a Breve Notícia me foram apresentadas pelo documentalista Genilson
Paes Soares, a quem sou grato.
30
antigos costumes. Acrescenta que missionários reformaram uma aldeia que
havia no Sertão do Rio Macabu para abrigar índios mansos, sendo que
muitos, porém, a abandonavam para voltar ao sertão, vivendo de plantar
batatas e mandioca (esta somente para fabricar bebida alcoólica) e de pescar
pouco peixe. Retornavam, pois, ao estado de barbárie, andando nus.
Couto Reis tem uma visão acentuadamente preconceituosa dos “brutos”,
“desmazelados” e “preguiçosos” nativos, que não têm “o menor
pensamento de ambição, menos cuidado do futuro”. Sua visão muda
significativamente na Descrição nº. 236, passando a ser mais compreensiva
com povos que perderam a sua liberdade e criticando acidamente os
missionários cristãos. Já idoso, o militar volta a abominar os nativos. Ele
subiu o Rio Macabu da Lagoa Feia ao Morro da Sapucaia, onde anotou
em seu mapa topográfico: “Morro da Sapucaia. Tem na sua fralda uma
grande pedra deste nome, e distante dela três braças uma pedra chata
banhada pelo rio”. Desse ponto não passou por encontrar dificuldades de
locomoção. Logo à jusante dele, Conto Reis assinala terras pretendidas
pela Ordem de São Bento e um rancho cujo proprietário se chamava
Marcelino. O ínvio Sertão de Macabu já começava a ser colonizado por
descendentes de europeus.
31
Referências
CASAL, Manoel Aires de. Corografia Brasílica. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1976.
COUTO REIS, Manoel Martins do. Breve notícia dos índios que habitam nos
Camposdos Goytacazes. Manuscrito com 13 folhas sem autor, sem indicação de
local e sem data.
COUTO REIS, Manoel Martins do. Descrição (nº. 236) Geográfica, Política e
Cronográfica do Distrito dos Campos Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo
Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e
Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, etc. se Escreveu para Servir
de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que debaixo de dita
Ordem se Levantou. Rio deJaneiro: manuscrito original, 1785.
32
LAMEGO, Alberto Ribeiro. O Homem e o Brejo, 2ª ed. Rio de Janeiro:
Lidador, 1974.
MELLO, José Alexandre Teixeira de. Campos dos Goitacases em 1881. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1886.
33
2
A GÊNESE DE CONCEIÇÃO DE MACABU:
POVOAMENTO DO SERTÃO DO RIO
MACABU
34
No caso de Conceição de Macabu há uma discussão mais
complexa, mais polêmica, menos estudada e mais, muito mais, carente de
provas. Trata-se do questionamento: o que teria propiciado o
povoamento do atual município de Conceição de Macabu?
Complicado. Por quê?
Primeiro, pela falta de provas documentais em quantidade e
qualidade consistentes. Segundo, porque não há uma, mas algumas
explicações. Terceiro, porque tais explicações convergem, ou pelo menos
parecem convergir. Quarto, não houve um único ciclo, mas vários ciclos
de povoamento. Não se pode falar de uma razão, mas de um conjunto de
razões que, nos primeiros anos do século XIX e, talvez, nos últimos anos
do século XVIII, atraíram migrantes, culminando na colonização.
As explicações para as razões do povoamento partem de uma lista
de cinco itens17, que de uma forma ou outra foram importantes para a
atração de moradores e empreendedores para a região. São eles:
17
Os itens foram identificados mediante a reunião de estudos de diversos pesquisadores
como TAVARES (2002), SILVA; GOMES (1997), GOMES (2003), LAMEGO (1943,
2010), PARADA (1980, 1997), OSCAR (1986) TINOCO (1962), PIZARRO (1823),
E SILVA (1854), CARVALHO (1888), reunidos e compilados. As denominações foram
criadas por este autor, tendo por base as referências anteriores e seus estudos particulares.
Objeta sintetizar o principal fluxo e causa do povoamento.
35
1. A Diáspora Indígena e os Caminhos do rio São Pedro – Aduelas
36
Crise na Missão
A Missão de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita foi criada para
pacificar regiões interioranas do Norte Fluminense no século XVIII.
Atingida a meta de pacificação, uma vez que não se registram mais
conflitos na região após sua fundação, esta perdeu sua importância
estratégica, ou seja, seus habitantes, os índios aculturados, deixaram de ser
importantes para o governo e os grupos mandatários da região. 18
Economicamente ocorreu o oposto: a região, que a princípio não
despertava interesses, com o tempo tornou-se uma área de colonização
periférica, possível de se obter através da doação de sesmarias, baixos
preços ou simplesmente grilando. Situada numa região de vales férteis,
porém pantanosos, infestados de doenças, com montanhas que, além das
madeiras, ainda não estavam destinadas à produção cafeeira, com o tempo
a região foi cobiçada por pequenos e médios proprietários – que em geral
não tinham condições de obter posses em áreas mais significativas
economicamente, como áreas próximas a Macaé, Campos e Quissamã.
Enquanto as baixadas entre Macaé e Campos, próximas a faixa
litorânea, iam sendo ocupadas pelo gado e cana-de-açúcar, de grandes
proprietários, as regiões mais ao interior ficavam com pessoas de outros
estratos sociais, em geral mais baixos que os do litoral.
18
A literatura é vasta neste caso, mas vamos ficar com os trabalhos mais recentes, como
AMANTINO et al (2010), GOMES (2003), TAVARES (2002) e SILVA; GOMES
(1997). De uma forma ou outra, tratam do povoamento da missão pelos índios sacurus,
aldeados pelo missionário Antônio Vaz Pereira, para logo em seguida mostrar a
decadência da missão religiosa e o “retorno dos índios ao local de origem”, no caso, o
Vale do Rio Macabu, onde teriam reencontrado outros indígenas, não aldeados.
37
Tem-se então uma região que começa a ser povoada, cobiçada,
cujos habitantes, os índios catequizados, eram muito mais um empecilho
do que simplesmente vizinhos. De onde se começa a concluir uma das
presumíveis razões para um futuro conflito: a localização das propriedades
indígenas. Os nativos, situados há mais tempo no local, estabeleceram-se
naquilo que havia de melhor, sem falar que numa região onde abundavam
terras devolutas, os mesmos poderiam ter ocupado glebas que
posteriormente foram doadas como sesmarias.
A estes fatores aliaram-se um suposto descuido com os destinos de
seu rebanho por parte dos padres sucessores dos missionários Antônio Vaz
Pereira e José das Neves Ribeiro, como foi citado por muitos autores, a
exemplo de PIZARRO E ARAUJO (1945) e SILVA (1854). Que
descuidos seriam esses? Não é possível afirmar, mas é citado como causa
básica do retorno dos Saruçus ao lugar de origem, ou seja, ao Vale do Rio
Macabu. Esse retorno é a diáspora indígena que deu início ao povoamento
do sertão.
A pergunta a ser feita é: para onde foram esses índios quando
saíram de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita?
Há um consenso em nossos primeiros historiadores, Godofredo
Guimarães Tavares e Herculano Gomes da Silva, que os missionários,
desde meados do século XVIII, utilizavam a região de Santa Catarina,
hoje Curato de Santa Catarina, como uma espécie de refúgio para as
epidemias que assolavam a região ao redor da missão. É possível, segundo
os autores, que o atual Curato de Santa Catarina tenha sido um desses
locais (TAVARES, 2002).
38
A Diáspora
19
Recorre-se aí aos memorialistas e historiadores que primeiro descreveram a paisagem
e a História de Conceição de Macabu, além de inúmeras informações colhidas através
de depoimentos, tradição oral. Nesses casos TAVARES (2002), SILVA; GOMES
(1997).
39
de origem, onde outros silvícolas habitavam, dando início à ocupação
efetiva do Vale do Rio Macabu, na sua porção mediana.
Em sentido oposto, se para os índios não foi bom, para a região da
antiga missão as mudanças foram muito importantes, pois a mesma foi
elevada à categoria de freguesia, ou seja, uma subdivisão regional, um
distrito da então Villa de São Salvador de Campos dos Goytacazes
(PARADA, 1995).
40
mansas e profundas levavam a uma área de serras, que hoje constituem as
divisas de Macaé e Conceição de Macabu.
Subir o Rio São Pedro por meia légua20 levava a um ancoradouro
natural, chamado posteriormente de Bertioga, de onde se fazia um
desembarque, ou seguia-se adiante e chegava-se à Onça, ou seguia-se
desta vez por outro rio, bem menor, mas navegável por canoas, o Rio das
Aduelas.21
Se o São Pedro levava a porto da Bertioga, o Aduelas conduzia ao
porto do Sossego, ou melhor, da Fazenda São José do Sossego, do já citado
capitão Manuel Joaquim de Figueiredo, onde Charles Darwin hospedou-
se em 1831.
Os dois portos, Bertioga e Sossego, seguidos de perto pelo da
Onça, eram as portas de entrada para o interior do atual município de
Conceição de Macabu, pelo menos até 1840, quando o café tornou o Rio
Macabu mais importante à navegação que os rios São Pedro e Aduelas.
20
Uma légua corresponde a 6 km.
21
O porto da Bertioga foi o primeiro e mais movimentado na região. Situado próximo
aos rios Macaé, Aduelas e São Pedro, a partir dele acessava-se todo “Sertão do Rio
Macabu” a partir da região sul do mesmo.
41
àqueles que vieram para produzir, conduzindo rebanhos, colheitas,
madeira, escravos. Até chegar ao porto da Bertioga, que depois se tornaria
a sede da fazenda de mesmo nome, percorriam-se quase cinco léguas pelo
Rio Macaé e mais meia légua pelo São Pedro. Daí em diante era seguir
pelo mesmo rio até a Onça, depois Lírio, ou, seguir pela vertente da
direita e penetrar no Rio Aduelas até as proximidades da Fazenda do
Sossego (SILVA; GOMES, 1997).
Assim fizeram os pioneiros, estabelecendo-se nas proximidades dos
rios São Pedro e Aduelas. Inicialmente, colonizaram as regiões onde hoje
estão as fazendas da Bertioga, Onça, São José do Sossego, Santo Antônio,
Santa Maria, daí fundando os primeiros núcleos povoadores do Sertão dos
Rios São Pedro e Macabu, ou seja, de Conceição de Macabu, e as
localidades pioneiras, como a do Curato de Santa Catarina.
Analisando as primeiras sesmarias doadas na região do município
de Conceição de Macabu, comprova-se que, se a região não foi a primeira
a ser ocupada, pois há um registro pioneiro na região de Patos, pelo menos
foi efetivamente, em larga escala (DA COSTA ABREU, 1994).
O registro na região de Patos, datado do final do século XVII, é
único, isolado. Em contrapartida, as doações que seguiram os caminhos
dos rios São Pedro - Aduelas, adentrando o Vale do Rio Macabu, apesar
de serem dos séculos XVIII e XIX, são efetivas, constantes. 22
22
Há um estudo detalhado sobre as distribuições de sesmarias na região de Macabu no
próximo artigo.
42
A formação da missão religiosa, agregando índios do sertão
macabuense, iniciou um processo que indicava o despovoamento da
referida região. Entretanto, o declínio do processo missionário,
provocando o regresso dos nativos ao sertão e seu reencontro com uma
parcela que não se uniu ao projeto, iniciou a ocupação efetiva.
Ocupação que foi direcionada pelos caminhos dos rios São Pedro
e Aduelas, onde proprietários, a título de sesmeiros, empreenderam a
colonização da área, pioneira, efetiva, sistemática.
O acesso ao município pelo sul, como visto, se fazia pelos rios São
Pedro e Aduelas quase que exclusivamente até os primórdios do século
XIX. A partir dessa época, a ocupação da foz do Rio Macabu na Lagoa
Feia pela cultura canavieira e a expansão da cafeicultura em Cantagalo –
mais especificamente, São Francisco de Paula (hoje Trajano de Morais) –
tornou o Rio Macabu um elo estratégico entre as regiões serrana e
litorânea do Rio de Janeiro.
O segundo fluxo de ocupação de Conceição de Macabu deu-se a
partir da intensificação do transporte fluvial pelo Rio Macabu, numa
extensão que englobava desde os vales mais próximos à Lagoa Feia (século
XVIII) até a região de confluência deste curso hídrico com os rios Santa
Catarina, Macabuzinho e Carukango.
Além da motivação natural pela busca de terras colonizáveis, o
início da produção cafeeira na região de Cantagalo foi o grande
impulsionador da ocupação desta área. Mudava-se o eixo de penetração
43
humana na região de Macabu, de sul-norte para leste-oeste. Tal fator,
agregado a outros consequentes, povoaram o Vale do Macabu num ritmo
maior do que o do Rio São Pedro.
2.1 Cantagalo
44
de ouro e pedras preciosas, sem dar os devidos créditos à Coroa
Portuguesa.
OLIVEIRA (2000) cita uma Carta da Câmara da Vila de Santo
Antônio de Sá ao desembargador intendente geral do ouro Manuel Pinto
da Cunha e Souza, de 1779, que assim diz:
45
Província, José Caetano Barcelos Coutinho, respondendo a uma petição
oriunda de Campos sobre mineração clandestina em rios da região, reagiu
dizendo que as suspeitas sobre os rios Macabu e Paraíba eram
desnecessárias. Alegava o capitão José Caetano que dada a situação
hidrográfica dos Rios e as doenças que eram ali correntes, ninguém se
arriscaria a abrir picadas em paragens tão inóspitas:
46
A partir de 1786 a localidade passou a ser denominada de
"Cantagalo", em substituição ao seu antigo nome de "Sertões de Macacu",
ainda motivando outros aventureiros a chegar à localidade. No entanto,
apenas uma profunda decepção os esperava, pois constataram que os
bandoleiros já haviam quase que esgotado completamente os pobres filões
existentes na região (VINHAES, 1992).
Entretanto, o crescimento de Cantagalo não foi interrompido pelo
fim da febre do ouro. Se a terra era pobre em metais, por outro lado era
extremamente fértil. Por isso, sua região se cobriu de imensas plantações
de café, milho, feijão, cana-de-açúcar, mandioca etc., transformando a
localidade em uma das mais importantes da província. Tanto que, no seu
período áureo, ela chegou a ser chamada de " Celeiro da
Terra Fluminense".23 Com o crescimento do setor agrícola, entra em cena
a mão-de-obra escrava e o elemento negro, que representou papel
importante na formação do patrimônio social e econômico da região
(TSCHUDI, 1980).
23
É grande a bibliografia sobre Cantagalo. Grande também é a produção de teses e
dissertações sobre o município serrano. Para constatação da afirmativa valho -me de
VINHAES (1992, p.28), DIAS (1998, p.19), TSCHUDI (1980, p.03), RAMOS (1992),
FRAGOSO (1992). A mesma destaca a importância econômica da “Região de
Cantagalo”, como era conhecida na época.
47
2.2 De Cantagalo para o Mundo – o café estimula o povoamento do Vale
do Rio Macabu
48
Lagoa Feia e daí ao porto de Macaé, de onde partiam para o Rio de
Janeiro ou exportavam diretamente (FRAGOSO, 1992).
Por volta da década de 30 do século XIX, o Rio Macabu começa
a ser navegado com mais frequência, desta vez das planícies fluviais, na
região conhecida como Itapuá24, até a Lagoa Feia. Daí uma série de canais
naturais, que formariam depois o Canal Campos - Macaé, conduzia as
mercadorias a Campos e Macaé – uma empreitada que exigia vários dias
e sujeitava-se a intempéries, como afirmado por SILVA; GOMES (1997).
A viagem das regiões produtoras de café até Macaé não era nada
fácil, podendo levar de quatro a nove dias, dependendo das condições
climáticas. Por trilhas indígenas, cruzando rios, dormindo em choças de
palha, usando roçados e pastos deixados em clareiras nas florestas por
expedições anteriores. Chegando ao chamado “Médio Macabu”, entre as
atuais localidades de Triunfo e Fazenda São João, os viajantes recorriam
ao transporte fluvial. Aí também valia a estratégia: a mesma expedição
que semanas antes esteve na região plantando roças, construindo choças e
abrindo clareiras na mata para nascer capim e alimentar os animais de
24
Antigo nome de São Benedito, hoje conhecido como São Pedro de Triunfo, ou
simplesmente Triunfo, 2º distrito de Santa Maria Madalena, localizado nas margens do
Rio Macabu, entroncamento de estradas que vinham de Santo Antônio do Imbé, a
Estrada de Cantagalo, a navegação fluvial e após 1879, da estrada de ferro. Situa-se a 10
km de Conceição de Macabu e a 35 km de Madalena.
49
transporte, tratava de encomendar as jangadas e canoas onde o café era
transportado.
Uma vez no rio Macabu, remava-se um dia até a Lagoa Feia, onde
as condições eram melhores, já que a região era habitada e
economicamente mais dinâmica que as regiões mais próximas das serras.
Da Lagoa Feia adentravam-se uma rede de canais que a interligavam com
outras lagoas e daí ao Rio Macaé e à Vila de São João de Macahé, onde
outros transportes eram providenciados até o Rio de Janeir ou exportados
diretamente.
Era um caminho tortuoso, difícil, imprevisível, que necessitava de
preparativos prévios e uma rede de apoio. Nos anos seguintes essa
estrutura se formaria, ranchos se tornariam trapiches, estes em localidades,
bertiogas se transformariam em portos, canais naturais em canais artificiais
e as trilhas se converteriam em estradas.
Mas era o caminho, e tornou-se dinâmico, movimentado,
principalmente com os avanços das décadas de 30 e 40, quando a
produção de café foi multiplicada em Cantagalo, na mesma proporção
que seu preço explodia nos mercados internacionais. Em nome do café
tudo se justificava e nada poderia deter o avanço de mais essa grande
riqueza nacional.
Não há registros precisos documentados da relação entre esse
processo de navegação e a ocupação do Vale do Rio Macabu. Não se
pode afirmar com absoluta certeza se esta ou aquela localidade formou-se
primeiro. Mas o fato é que as três primeiras décadas do século XIX
50
assistiram à formação de alguns portos que se tornaram localidades, como
Itapuá, São João do Macabu, Ponto do Pinheiro e Paciência. 25
Já existia uma localidade em Santa Catarina, cujo rio, de mesmo
nome, e algumas trilhas que foram tomadas dos índios eram usados como
ligação com os portos citados anteriormente. Formava-se uma rede de
estradas precárias, das quais vestígios existem até hoje, como a da Poaia,
Santa Maria e a do Osório.
A falta de informações nos leva a um impasse: estaria Conceição
de Macabu entre as localidades criadas nesta época?
Pesquisas recentes, baseadas em registros coletados e divulgados
por PARADA (1995, p.154), dizem o seguinte:
25
São João do Macabu, porto e localidade às margens do Rio Macabu, formado e
abandonado entre o primeiro quartel do século XIX e a primeira década do século XX.
Sua formação está associada à união da navegação fluvial com o transporte de café po r
tropeiros. Chegaram a ser citado várias vezes no Almanak Laemmert, constando a
presença de negociantes de café, artesãos e funcionários públicos. Sua decadência,
acreditam GOMES (2003), TAVARES (2002) e SILVA (1997), além de farta
documentação oral, que se associava a chegada do transporte ferroviário a Conceição de
Macabu e aos constantes surtos de malária e febre amarela. Hoje é uma fazenda, a Fazenda
São João, a 2 km de Conceição. Ponto do Pinheiro ou Ponto do Pinheiro Maia, hoje
Ponto Pinheiro, é uma localidade rural na RJ-189, a meio caminho entre Conceição de
Macabu e Macabuzinho. Segundo os autores citados anteriormente, era um entreposto
comercial da família Pinheiro Maia, um ponto de parada daqueles que vinham e iam do
Curato de Santa Catarina e um dos principais portos do Rio Macabu. Paciência ou
Paciência do Macabu, atualmente Macabuzinho, foi porto fluvial, situado nas margens
do rio Macabu e local de encontro de várias estradas e trilhas rurais, principalmente a
Estrada da Carreira Comprida. Segundo GOMES (2003), o nome Paciência, hoje se
refere a uma localidade campista, situada há 2Km após a margem direita do rio. O nome
Paciência do Macabu foi trocado pelo de Macabuzinho em 15 de novembro de 1943,
segundo o mesmo autor, para evitar confusões com as autoridades campistas, que
denominaram oficialmente a outra margem com o mesmo nome.
51
No dia 6 de agosto de 1835, uma sexta-feira,
tomando passagem num navio que zarpou do
Porto de Imbetiba, seguiu para a Corte o
vigário de Carapebus, Padre José Alves da
Cruz, a fim de assumir o cargo para qual fora
eleito: deputado à Assembleia Provincial. O
macaense “O Constitucional”, em sua edição
de 10 desse mês, registrava o fato em nota, aliás,
repetida em seu número dia 15. Após desejar ao
macaense padre Cruz uma boa viagem e
manifestar esperanças em uma esplêndida
atuação sua, como representante do 5º distrito
eleitoral, o jornal de Afonso Gonçalves assim
dizia: “Daqui enviamos a S. Excia., em nome
do município de Macaé, as seguintes
reclamações como necessidades palpitantes”:
(...) 2) Consertos nas Igrejas de Macabu e do
Barreto; 3) Limpeza do rio Macabu, desde a
Estação de Paciência até a Lagoa Feia (...).
52
existência. Referimo-nos a ‘O Constitucional’,
cujo primeiro número, o de estréia, circulou
pelas mãos dos macaenses de 1881 (...) (p.199).
53
quartel do século XIX, juntamente com algumas estradas, que veremos
posteriormente (GOMES, 2003).
Ao longo dos rios Macabu e São Pedro, principalmente, e, em
menor escala, dos rios Aduelas, Macabuzinho e Santa Catarina,
disseminaram-se portos, também chamados de “estação” – uma referência
que até meados do século XX ainda denominava uma região próxima a
Conceição de Macabu, hoje, apenas, Fazenda São João.
RIO PORTO
54
nomes variaram com o tempo, e, para não confundir o leitor, há no final
do artigo uma explicação para os topônimos.
26
Referia-se ao Sertão do Quimbira, denominação das terras entre o Rio Macabu e o
Rio Imbé segundo a tradição oral e mapas do século XIX, como os de 1868, produzidos
pelo governo da Província do Rio de Janeiro.
55
um acréscimo de até 20% na ocupação da região, se comparados aos
períodos anteriores à conclusão do canal.
Mas do que se tratou o Canal Campos - Macaé?
Segundo uma gama variada de autores regionais e nacionais, dos
quais se destacam Hervê Salgado, Aristides Soffitati, Godofredo Tinoco,
João Oscar, Antonio Alvarez Parada, Júlio Feydit, Alberto Lamego; e
fontes como o Almanak Laemmert, durante quase toda sua existência, de
1840 a 1889, nos passam a ideia que o canal foi um dos maiores do
mundo. Segundo os mesmos, era considerado como uma das maiores
obras de engenharia do país à época de sua utilização. O seu percurso,
com uma largura média de 15 metros, estendia-se por 106 quilômetros,
sem contar os diversos canais de derivação. 27
Aristides Soffiati nos dá conta, citando Alberto Lamego, que a
ideia remonta ao bispo de Olinda, o campista José Joaquim da Cunha de
Azeredo Coutinho, trazida a público na obra "Ensaio Econômico sobre o
Comércio de Portugal e suas Colônias" (publicada em Lisboa, 1794). Na
obra, sugeriu a construção de um canal fluvial que unisse os
27
Os dados sobre o Canal Campos - Macaé são obtidos nos seguintes trabalhos:
LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A Terra Goitacá à Luz de Documentos Inéditos
(t. V). Apud SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur. Os canais de navegação do século
XIX no Norte Fluminense: canal Campos - Macaé - Representação ao Ministério
Público. 2000. TEIXEIRA, Simone et al. Canal Campos - Macaé: pedido de
tombamento.
Disponível em: http://www.geocities. com/RainForest/9468/canal2.htm. Acesso em:
17 jul. 2007.OLIVEIRA, Vicente; GRANZIERA, M. L. M. Projetos de Canais da
Baixada Campista. S.l.,2000. Xerocopiado. Além das fontes anteriores, há o recentíssimo
trabalho de PENHA, Ana L. N. Pelas Águas do Canal – política e poder na construção
do canal Campos – Macaé. Tese de Doutorado apresentado à Universidade Federal
Fluminense em 05 de junho de 2012.
56
rios Macaé e Paraíba do Sul, passando pelos
rios Ururaí e Macabu (contribuintes da Lagoa Feia) e pelas lagoas da
região de Carapebus – que acabou sendo o projeto aceito (SOFFIATI
NETTO, 2000).
Mas a obra do bispo Azeredo Coutinho, embora inspiradora, não
foi suficiente. A Câmara Municipal de Campos, representando o mais
poderoso município do interior do Rio de Janeiro, encaminhou em 1833
uma representação ao presidente da Província sobre a utilidade de um
canal ...por onde pudessem sair em qualquer tempo os produtos agrícolas
do município e outros gêneros de consumo. (CHRYSOSTOMO, 2006,
p.38).
Alguns anos depois, um dos grandes expoentes da política
regional, o visconde de Araruama, em 1836, ao publicar "Memória sobre
a abertura de um novo canal para facilitar a comunicação entre a cidade
de Campos dos Goytacazes e a Vila de S. João de Macaé", tornava-se o
grande defensor da obra, que segundo ele:
57
em diversos empreendimentos de grande porte brasileiros e estrangeiros.
A construção foi autorizada por lei da Assembleia Provincial do Rio de
Janeiro em outubro do mesmo ano (CHRYSOSTOMO, 2006).
A ideia original da obra priorizava a solução para o problema de
transporte de açúcar da região de Campos até Macaé, dispensando-se São
João da Barra, onde algumas embarcações costumavam encalhar e mesmo
naufragar. Mas a produção de café da região de Cantagalo, cuja trajetória
inicial fluía pelo Rio Macabu, muito se beneficiou da obra.
As obras iniciaram-se oficialmente em 1844, estendendo-se
até 1861, utilizando a mão de obra de escravos e assalariados. O contrato
exigia que o canal tivesse 30 palmos à flor d'água (cerca de 6,60 metros
de profundidade), o que causou o desmoronamento de certos trechos,
onde demandou o seu alargamento. Estima-se que a obra tenha custado
dois mil contos de réis.28
No ano de 1858, apesar de ainda em obras na vizinhança
de Macaé, já era utilizado para o transporte de mercadorias e de
passageiros. As embarcações utilizadas eram balsas de toras de madeira,
taboados, pranchas e canoas. Relata-se que o canal era percorrido por
balsas com mais de 100 braças (220 metros) de comprimento,
28
Ver Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de
Janeiro para o ano de 1851; Capítulo de Autoridades da Província; p. 447. Rio de Janeiro:
Editora Eduardo & Henrique Laemmert, 1851; Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano de 1853. Rio de Janeiro:
Editora Eduardo & Henrique Laemmert, 1853. p. 10; e, Relatório apresentado à
Assembléia Legislativa da província do Rio de Janeiro na 1ª sessão da 13ª legislatura pelo
presidente, o conselheiro Antonio Nicolau Tolentino. Rio de Janeiro: Tipografia
Universal de Laemmert, 1858.
58
empregando de 30 a 40 remadores e 13 palmos de boca (2,86 metros de
largura). Nos trechos em que ainda transcorriam obras, as cargas e os
passageiros tinham que passar por baldeação em carros de boi ou no lombo
de animais.29
O uso desta hidrovia entrou em declínio após 1874, com o início
da operação da Estrada de Ferro Macaé e Campos, que oferecia maior
rapidez e menor custo de operação.
29
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da província do Rio de Janeiro na 1ª
sessão da 13ª legislatura pelo presidente, o conselheiro Antonio Nicolau Tolentino. Rio
de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1858. p. 131.
59
região com escravos, senhores, imigrantes, produtos manufaturados e
demais demandas.
Com o decorrer do século XIX, o Rio Macabu mostrou-se
limitado como via de transporte por depender demasiadamente das
condições climáticas, uma vez que não se tratava de um curso hídrico de
grande porte, apresentando períodos de baixa vazão.
E não era o único limite. Outro implicava na distância, uma vez
que se percorriam trilhas até chegar ao rio. Daí em diante eram sete léguas,
pelo menos dois dias de viagem, remando pelo Macabu até a Lagoa Feia,
onde muitas outras léguas de sinuosos riachos e lagoas aguardavam as
pranchas cheias de café até Macaé (SILVA; GOMES, 1997).
Tais limites já eram percebidos nas décadas iniciais do século XIX,
quando se propôs pela primeira vez a construção de um canal que unisse
a região de Cantagalo ao porto da Imbetiba com mais dinamismo. O canal
não substituiria o rio, mas o complementaria, até porque parte de seu
trajeto o perpassaria e se entrelaçaria com os portos existentes.
O café, o rio, o canal, formaram a segunda vertente, o segundo
vetor de povoamento, que iniciou a sistemática ocupação da parte norte
do Sertão de Macabu.
Mas antes, durante e após a construção do canal, outras razões
impulsionaram o povoamento de Conceição de Macabu: as florestas ricas
em madeiras de lei e a abundância de terras devolutas.
60
3. Jacarandá Cabiúna e Terras Devolutas
61
avermelhada, densa, durável, mas de fácil manejo daquele tipo de
jacarandá.
Segundo CHRYSOSTOMU (2006), citando carta do
governador da província do Rio de Janeiro, as explorações de madeiras
nobres como a cabiúna atraíram pessoas ao Vale do Macabu, suscitando,
inclusive, invasões de terras e propostas de colonização. Segundo a autora,
tais fatos deram-se na região da Palioca, localizada a pouco mais de 4 km
do centro de Conceição de Macabu:
62
comércio por esta via de comunicação fosse
ampliado, sobretudo nos municípios de Santa
Maria Madalena, Campos e Macaé.
(CHRYSOSTOMU, 2006, p.300).
63
O fato, que foi o estopim de um dos mais comentados processos
da história jurídica brasileira, nos serve para mostrar como eram realizadas
as explorações madeireiras na região, bem como o uso de portos em rios
hoje não navegáveis como o Santa Catarina.
Os primeiros registros históricos do município, nos tempos em
que ainda era uma freguesia pertencente a Macaé, afirmam que a
exploração da cabiúna atraiu campistas e cabofrienses a Macabu. Não
necessariamente naturais dessas localidades, mas pessoas dispostas a
penetrar a floresta, cortar a árvore, retalhá-la, conduzi-la aos rios e levá-la
a Campos ou a Macaé – de onde era embarcada a Cabo Frio e outras
localidades litorâneas (até mesmo ao exterior, como visto anteriormente).
Naquilo que podemos considerar o primeiro texto a tratar da
história de Conceição de Macabu, uma espécie de síntese que justificava
a criação e apresentava a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Macabu ao público nacional, publicada no Almanak Laemmert de 1860,
constam referências à exploração madeireira: as madeiras de lei, o café, a
cana e os legumes abundam em todos os seus pontos, porém a viação
dificulta um pouco o transporte.
A ocupação de espaços devolutos sempre foi uma constante na
história local. O que aconteceu no século XIX é que as vias de
comunicação melhoraram, tornando mais fácil o acesso ao interior. Outras
vantagens englobavam práticas econômicas que iam além da subsistência,
como café, cana e a base de tudo: a exploração dos recursos florestais – a
madeira.
64
Encontrar um espaço desocupado, desmatá-lo, levar a madeira ao
rio mais próximo e fazê-la boiar até um comprador era um aspecto da
cultura econômica local que viabilizava a exploração regional por todos
os tipos de produtores, fossem eles pequenos, médios ou os grandes.
Tal e qual acontecem na Região Amazônica hoje em dia, a floresta
não era um obstáculo, mas uma forma inicial de recurso, a primeira etapa
para sobreviver no Sertão de Macabu. Assim, temos uma combinação de
extrativismo com grilagem, que, feita no tempo certo, possibilitava ao
ocupante da gleba o tempo necessário para construir uma choupana,
plantações de gêneros alimentícios, café, cana.
Tal como um paleontólogo que busca nos animais
contemporâneos uma forma ideal para os ossos incompletos, fósseis, a
quase metafórica ocupação do espaço amazônico recente, tendo como
ponto de partida os recursos da própria floresta, nos servem de modelo
para entender a conjugação dos fatores “ cabiúna - terras devolutas” , como
um dos principais no povoamento do Vale do Rio Macabu.
65
A fusão dos dois fatores foi fundamental para que muitos
proprietários, pequenos, ou colonos de sesmarias, ou mesmo sesmeiros, se
interessassem pela região.
A formação da população regional nessa fase é
predominantemente constituída de colonos pobres, pequenos
proprietários, para cá atraídos na condição de colonos, que depois de certo
tempo trabalhando na condição de meeiros, tornavam-se donos de uma
gleba, geralmente devoluta.
Tendo os rios e canal como caminhos, as terras abundantes e o
jacarandá cabiúna como moeda, a região já se tornava interessante. Porém,
um trajeto, ao mesmo tempo complementar e alternativo, se juntaria aos
fatores acima relacionados, tornando a região ainda mais promissora aos
ocupantes.
66
em seu estado natural, como se ainda fosse habitada somente pelos índios,
embora uns poucos proprietários rurais e pessoas envolvidas em outras
atividades.
Com o tempo os primeiros tropeiros e viajantes aventuraram-se,
valendo-se de antigas trilhas indígenas. Porém, em épocas de chuvas
torrenciais as trilhas ficavam intransitáveis por vários dias, dificultando o
trabalho dos tropeiros e outros viajantes. As chuvas também prejudicavam
a navegação, tornando perigosa a navegação fluvial e nas lagoas. A falta de
chuvas também era um problema enfrentado por quem navegava,
baixando em níveis críticos o calado dos rios.
Outro problema, a princípio, residia na presença de malfeitores e
índios bravios, como relatou o sargento-mor Manoel Pereira da Silva:
67
planejou dois projetos audaciosos: a construção de uma rede de estradas e
a construção de um canal que unisse o Rio Paraíba do Sul ao Rio Macaé,
passando consequentemente pelo Rio Macabu, a Lagoa Feia, a Lagoa de
Carapebus e outros menores.
68
tornava-se objeto de pressão regional, unindo as vilas e elites da Região
Serrana e da Região Norte Fluminense.
Completando as inovações jurídicas, a lei dizia que toda obra
deveria ter uma planta, e que a planta sendo aprovada, imediatamente
abrir-se-ia concorrência pública, dando-se preferência a quem oferecesse
maiores vantagens. A concorrência, os empresários, a pressão das elites
cafeicultoras e comerciais, conduziriam a ideia de uma estrada unindo serra
e mar à realização.
Pois bem, a Província do Rio de Janeiro, a quem caberia a obra,
como dizia a legislação nacional, instalou-se em 1835, tendo como capital
a cidade de Niterói. Na ocasião, o presidente da província já deixava claro
sua preocupação com a formação de um sistema viário que atendesse às
necessidades de escoamento da cultura cafeeira, em plena expansão.
Segundo o relatório apresentado à Assembleia Legislativa da
Província do Rio de Janeiro na 1ª sessão da 13ª legislatura pelo presidente,
o conselheiro Antonio Nicolau Tolentino:
69
Com a diretoria das Obras Públicas e com
aquelas obras que foram aprovadas pela
assembleia, havendo especial atenção com as
que estão em andamento e com as que forem
mais urgentes 160:000$000 (cento e sessenta
contos de reis). (DECRETO LEI 35 de
6/5/1836).
70
e Augusto Maulaz em 17 de fevereiro de 1841. Ambos tinham
experiência regional, há anos vinham fazendo outras obras em Campos e
Macaé, e receberam um prazo de três anos a contar de 31 de outubro
daquele ano para concluir a estrada, o que também não foi feito.
Em 2 de março de 1844, Maulaz recebeu outro prazo – 18 meses
– e mais uma verba, até porque vários cafezais deveriam ser indenizados e
reparos deveriam ser feitos nos trechos já concluídos. Dessa forma, o
trecho serrano prosseguiu, mas só foi completamente terminado em 1851,
quando outro decreto provincial foi publicado, dessa vez pedindo reparos
e conservação da mesma.
5 2
3 1
4
5
6
1. Rio Macabu; 2. São João de Macabu; 3. Conceição de Macabu; 4. Curato de Santa
Catarina; 5. Estrada de Cantagalo; 6. Porto de Bertioga.
71
A estrada foi construída em cima de trilhas já existentes, como por
exemplo a Estrada do Emburo, aberta na década de 1820 pelo capitão-
mor Manuel Joaquim de Figueiredo, como citado anteriormente. Outras
trilhas menores serviram de base, o que, aliada à topografia plana dos vales,
de certa forma, facilitou a empreitada entre 1836 e 1840, quando chegou
a o que hoje é Conceição de Macabu (LAMEGO, 1948).
A facilidade de construir em vales, entretanto, se chocou com
outros problemas graves: o terreno pantanoso e as epidemias. A solução,
que observamos ao percorrer as áreas onde existiu a estrada, estava em
abrir a mesma na escarpa dos morros, próximo aos vales, mas não dentro
dos mesmos.
Quando tal solução não era possível, era necessária a pavimentação
com pedras, produzindo-se calçadas, como a que deu origem ao
topônimo Calçadinha, oriundo de um trecho da estrada que durante anos
permaneceu como na época de sua construção nos idos de 1839
(GOMES, 2003).
Além de pântanos insalubres, muito comuns no trecho por onde
passava a estrada, havia uma infinidade de riachos e rios, que foram
suplantados por diversas pontes de madeira, feitas com o recurso mais
abundante da região na época – a madeira – tendo cabeceiras de pedras,
outro recurso muito comum.
O sentido das obras seguiu inicialmente o Rio Macaé, se apoiando
no mesmo para o transporte de ferramentas, trabalhadores e materiais.
Durante um ano, até 1838, as obras seguiram até o porto da Bertioga. Os
rios Macaé e São Pedro, primeiros grandes obstáculos do trajeto, foram
72
vencidos por duas soluções práticas: no Rio Macaé, a transposição era feita
por barcaças a remo, controladas por um barqueiro, funcionário da
Câmara de Macaé. Já no Rioo São Pedro, a solução foi a reforma da
primeira ponte de madeira da região, construída duas décadas antes pelo
capitão Figueiredo (LAMEGO, 1948).
O trecho foi muito beneficiado pela já existente estrada do
Emburo, que unia Macaé a Santa Catarina. Desta feita, em mais um ano
de atividades as obras chegaram à localidade de Santa Catarina, constituída
por uma capela e uns casebres. Daí em diante, podia se dizer que as obras
começariam de vez, pois consistia em desbravar os vales até o porto de
São João de Macabu, passando e mudando a história de uma localidade
até então insignificante: Conceição de Macabu.
As tradições orais, colhidas em dezenas de entrevistas com
nonagenários e centenários, pessoas nascidas no final do século XIX, cujos
avós de alguns presenciaram a construção da dita estrada ou conviveram
com pessoas assim, nos dão conta que se optou pelo trajeto perpendicular
ao Rio Santa Catarina, passando pela Palioca, a já citada Calçadinha, até
chegar ao que hoje é o Centro de Conceição de Macabu. Daí em diante
seguia pela Vila Nova, Álcalis, entrava pelo que é a Usina até a ponte do
Rio Macabu em direção ao Osório – onde ficava o porto de São João de
Macabu.
Era 1840, quando as obras da estrada foram novamente paralisadas,
dessa vez o empecilho era o Rio Macabu, em São João, onde a obra de
uma ponte aguardava novos fôlegos dos construtores, que, como vimos
nos parágrafos anteriores, aguardaram até 1841 para ser realizá-la.
73
4.3 Estradas Secundárias
30
Estrada da Carreira Comprida é amplamente citada pelos antigos moradores de
Conceição de Macabu, segundo entrevistas. Trata-se de uma via perpendicular, seguindo
o Rio Macabu até Patos. A Estrada do Correio Imperial unia Niterói a Campos.
74
estrada, junto com a da “Carreira Comprida”, formaram o embrião da RJ-
196.
Das nascentes do Rio Santa Catarina, nas proximidades da Fazenda
Santo Agostinho, saia outra importante estrada, que cortava as fazendas da
região até chegar à Estrada de Cantagalo. Essa estrada, tão irregular e feita
de terra batida como as outras, acompanhava o rio e tinha o mesmo nome
deste.
Completando a lista chegamos a Conceição de Macabu, já cortada
pela ‘Cantagalo’, que se unia a três estradas secundárias: a da Bocaina; a do
Sertão; e a do Carukango.
A Estrada da Bocaina tinha pelo menos três quilômetros, e até os
anos de 1870 mais se parecia com uma trilha serpenteando córregos,
fugindo dos lagos e brejos. A do Sertão era uma trilha que unia ‘sertões’,
pois era a via de acesso entre o Sertão de Macabu e o Sertão de Quimbira.
Neste percurso cruzava com o porto do Sertão, sobre o Rio Macabu, um
porto de menor importância, na verdade, um atracadouro mais rudimentar
que os demais.
Finalizando, a Estrada do Carukango, que unia a região de mesmo
nome à Estrada do Cantagalo, seguindo os rios Macabu e Carukango até
a região das Vertentes, de onde seguia numa trilha montanhosa pela Serra
da Cruz até chegar à Estrada do Farumbongo e à Freguesia de Nossa
Senhora das Neves.
A Estrada do Carukango, ao unir-se à do Farumbongo, ligava duas
regiões do município de Macaé – Macabu e Neves – servindo de opção
para tal. Entretanto, a partir da região do Carukango ela trafegava por
75
topografias muito acidentadas, sendo viável apenas para os moradores de
lá.
2 5
1
4
4.4 Os Tropeiros
76
Desde as primeiras décadas do século XIX que as trilhas indígenas
foram adaptadas a outros viajantes. Já se tratava de formas de intervenção
na paisagem para suportar um processo de maior dinâmica produtiva, onde
milhares de arrobas de café tinham de ser escoadas o mais rápido (e barato)
possível para os portos atlânticos.
Segunda vertente da abertura da estrada é que ela atraiu mais e mais
tropeiros, seja pela nova opção de acesso, seja pelo consequente
desbravamento interiorano e aumento da produtividade cafeeira.
Até mesmo antes das conclusões das obras da estrada de Cantagalo
a Macaé, percebia-se um incremento no tráfego pelos registros de doações
de sesmarias, registros de batizados, casamentos e óbitos. Por volta de 1840,
ano do término das obras até Conceição de Macabu, a região viveu um
surto demográfico, que só seria suplantado pela abertura do ramal
ferroviário entre 1878 e 1898 (SILVA; GOMES, 1997).
E os tropeiros? Quem eram esses personagens?
Bem, os tropeiros constituíram um dos mais importantes grupos
profissionais da História brasileira. E em Macabu não foi diferente. Eram
os viajantes, pessoas que, muito mais que mercadorias, transportavam
notícias, inovações, costumes. Com um papel de destaque na economia
colonial e imperial brasileira, os tropeiros também foram povoadores,
fazendeiros, formando algumas das mais importantes cidades do país.
Nas trilhas e depois nas estradas que cortavam a região que hoje
pertence a Conceição de Macabu, os tropeiros faziam viagens regulares o
ano todo, mas as mesmas intensificavam-se nas épocas de colheita do café.
Nessas épocas, não só os tropeiros da região, mas diversos outros, afluíam
77
à Estrada de Cantagalo, usufruindo dos fretes, cujos preços tendiam a
diminuir com o aumento da oferta de transportadores, mas que no caso
nem sempre acontecia, pois a quantidade de café produzido cresceu até os
fins do século XIX.
Os tropeiros podiam ser empregados das fazendas, pois algumas
possuíam suas próprias tropas. Em geral negros alforriados ou outras
pessoas, que no caso poderiam ser até o proprietário ou um de seus
parentes mais próximos, já que se tratava de uma atividade de extrema
importância.
Outros eram donos de seus próprios negócios, ou seja, eram
proprietários de tropas de muares ou haviam arrendado algumas. Esses
atendiam às fazendas que, ou não tinham seu próprio esquema de
transporte, ou produziram mais do que conseguiram transportar.
Além do frete, os tropeiros ganhavam seu sustento de outras
formas, por exemplo atendendo a encomendas dos fazendeiros, ou,
quando dispunham de um capital extra, revendendo mercadorias – os
mascates, por exemplo. Outros, além das fontes de renda já citadas,
participavam de comissões nas vendas do café, dando preferências na
entrega do mesmo a certos comerciantes.
Como área promissora à instalação de novos proprietários rurais,
especialmente aqueles que não dispunham de recursos para montagem de
empreendimentos rurais nas regiões serrana e na baixada litorânea, Macabu
logo viu alguns tropeiros transformarem-se em proprietários rurais,
cafeicultores, pecuaristas e, finalmente, canavieiros – a grande expressão
econômica de todo Norte Fluminense.
78
Aliaram-se aí três fatores do povoamento local: as estradas; os
tropeiros; e as terras devolutas. A conjugação dos três deu origem ao
pequeno proprietário rural, que ou comprava pequenas glebas dos
sesmeiros; ou grilava as devolutas – mais uma vez reportando a um modelo
de ocupação muito parecido com o da Amazônia, onde não era incomum
o grileiro servir de “bucha”, ou seja, aquele que abria caminhos a
proprietários maiores, em geral dando origem a conflitos fundiários
(GOMES, 2003).
79
O que parecia pronto, acabado, ainda receberia dois incrementos,
mais recentes em termos temporais e até culturais, que foram os mais
importantes no povoamento: a estrada de ferro e a indústria açucareira.
80
Cantagalo tão importante quanto aquelas mais próximas do Vale do
Paraíba (SILVA; GOMES, 1997).
Com a chegada do transporte ferroviário ao Brasil no início da
década de 1850, a demonstração da agilidade do mesmo o tornou mais
que uma opção aos transportes fluvial e marítimo e ao realizado por
tropeiros. O mesmo foi visto como uma necessidade, que ao se criar, se
tornaria um hábito, revertendo rapidamente os investimentos iniciais.
O Brasil entrou na era da ferrovia nos anos 1850, com forte
presença do Estado. Políticos imperiais preferiam mobilizar capitais
privados, garantindo retorno de 7% no ano sobre o capital investido.
Durante o Império as concessões foram cada vez mais restritas. As faixas
de domínio foram reduzidas de 66 km em cada lado da linha para 20 km,
as concessões reduzidas de noventa anos para trinta anos e a garantia de
juros de 9% para 6%. Quando as ofertas, livres de risco, deixaram de atrair
capitalistas, o governo se viu obrigado a tomar o caminho mais direto:
começou a aplicar fundos públicos na constituição de algumas linhas e na
compra de ações e de debêntures de outras empresas privadas (TOPIK,
1997).
Não tardou nada, e, em 1860, era inaugurado um ramal que unia
a capital provincial a Cantagalo. A ferrovia, extensa e precocemente
construída, serviu de laboratório, mostrando o quanto se fazia necessário
tais investimentos.
O decreto de 21/10/1857 autorizou o Barão de
Nova Friburgo a construir uma estrada de ferro
ligando Porto das Caixas até a raiz da serra de
Nova Friburgo, na província do Rio de
81
Janeiro. Para seu financiamento obteve
garantia de juros de 7% da província. Os
trabalhos foram iniciados em 08 de novembro
de 1859, e a 23 de abril de 1860 foi inaugurada
o primeiro trecho, (...). Depois disso, foram
construídos o prolongamento até Vila Nova,
inaugurado em 1866, e até Nova Friburgo e
Cantagalo; bem como a ligação com Niterói
(estação de Sant’Anna). O trecho da serra foi
construído com a bitola de 1,10 m, bitola
posteriormente adotada para toda a estrada.
(TELLES, Pedro C. da Silva. História da
Engenharia no Brasil (Séculos XVI a XIX) . Rio
de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos
Editora S. A., 1984, pp. 49-50).
31
Hoje a localidade chama-se Conde de Araruama e pertence a Quissamã.
82
por conseguinte, integrar ainda mais a importante região cafeeira existente
entre os já citados municípios.
Os interesses particulares logo se manifestaram. Entre 1875 e 1877,
os grandes proprietários e chefes políticos de Santa Maria Madalena,
Conceição de Macabu e Quissamã, considerando os espaços atuais,
uniram-se, dando origem à Companhia Estrada de Ferro Barão de
Araruama. Segundo PARADA (1995, vol1, p.96):
83
comerciantes da região, além dos aspectos favoráveis da topografia ao
longo do Rio Macabu. Rapidamente chegou a Conceição de Macabu (19
de julho de 1878), quando o tráfego foi inaugurado. Deste ponto as obras
fluíram rapidamente até Itapuá, lá chegando no ano seguinte, 1879, com
tráfego inaugurado em 23 de abril do mesmo ano (SILVA; GOMES,
1997).
As razões de tamanho dinamismo estavam também na já citada
união bem sucedida da elite regional, como fica claro na própria
organização da empresa, pois o presidente, Antonio Machado Botelho
Sobrinho, representando as elites cafeeiras de Madalena e Ventania; unido
ao barão de Araruama, representante dos produtores de açúcar de
Quissamã; e estes, ao coronel Luiz Gomes Amado de Aguiar, fazendeiro
em Patos e Palioca, representando os interesses dos de Macabu.
O grande objetivo era unir as duas mais importantes ferrovias
fluminenses, unindo também Madalena. As obras iniciadas em cinco de
dezembro de 1877 na localidade de Entroncamento tiveram ritmo
acelerado, sendo concluídas em Macabu no dia 19 de julho do ano de
1878 e em Itapuá no ano seguinte, no dia 23 de março (TELLES, 1984).
Obras rápidas têm diversas explicações, convergentes, por sinal.
Primeiro, a topografia era favorável, pois o leito ferroviário acompanhava
o Vale do Rio Macabu, plano, além do fato do rio servir de meio de
transporte para os trabalhadores e materiais.
Além disso, as obras seguiram dois sentidos, partindo do
Entroncamento e de Macabu para Paciência, sendo que uma equipe
antecipou-se às demais, fazendo as marcações das pontes, caixas d’água e
84
estações, de forma que os trilhos, ao chegarem a Paciência por volta de
março de 1878, já encontraram as obras adiantadas em todas as demais
frentes.
Outro fator nada desprezível foi a colaboração dos fazendeiros
envolvidos. Em inúmeras entrevistas com anciãos e anciãs de 90, 100 ou
mais anos nos anos de 1990 do século passado, alguns faziam questão de
salientar que seus pais ou avós colaboraram com as obras, cedendo
recursos em dinheiro e escravos. De fato, fazendo um apanhado das
propriedades rurais existentes no leito ou proximidades da estrada de ferro,
temos antepassados de muitos dos entrevistados.
A maioria das cabeceiras das pontes e até as estações de Paciência,
Macabu e Itapuá eram projetos ingleses, com materiais ingleses (ferragens,
cimento, etc.), segundo averiguado numa pesquisa realizada na antiga
Rede Ferroviária Federal em Campos dos Goytacazes no ano de 1988.
Nos arquivos da instituição constavam “notas de trabalho”, espécie de
notas fiscais, onde concluímos que boa parte dos trabalhos de execução
das obras foram realizados por construtores locais, dentre eles Adrian
Allemand, suíço radicado em Macabu, autor dos chafarizes da Praça José
Bonifácio Tassara e do CIEP de mesmo nome, além de várias outras obras.
85
Paciência do
Macabu Macabuzinho 14,4 km 18 m
Ponto Pinheiro Idem 20,431 km 23 m
Freguesia de Nª
Sª da Conceição Conceição de 29,812 km 39 m
de Macabu Macabu
86
seguinte. Convém, todavia, recordar que o
Decreto Geral de seis de setembro de 1890 já
havia transferido a E. F. Barão de Araruama
para a Leopoldina Railway. A linha férrea a que
estamos fazendo referência existiu e funcionou
até bem pouco tempo atrás, quando foi extinta
por conta da política nacional de desativação de
ramais ditos deficitários.
( RESUMO HISTÓRICO DA LEOPOLDI
NA RAILWAY COMPANY LIMITED,
1920, p. 08).
87
número de batizados realizados na região de Macabu e seu entorno – área
de influência da autoridade paroquial.
88
Período População
1878-1967 14.000 (Est.1967)
1967-1997 20.000 (Est. 1997)
Obs.: 1967 é o ano da
extinção do transporte
ferroviário de passageiros.
32
Resumo Histórico da Leopoldina Railway Company Limited. Rio de Janeiro: Gráfica
Editora Carioca, 1938. 2 Gazeta de Notícias, 12/02/1920, p. 08. ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PRESERVAÇÃO FERROVIÁRIA – site:
89
Essa foi uma das opções. Houve época em que os horários foram
antecipados em uma hora, chegando a Macabu pelas 9-10 horas, Paciência
pelas 11-12 horas e assim subsequentemente. Entretanto, uma coisa não
mudava: os atrasos e descarrilamentos.
Chegar a Macabu partindo de Niterói era outra empreitada: saía-
se bem cedo da capital, umas 6 horas; seguia-se a Macaé, 10-11 horas;
Entroncamento, 13-14 horas; e Macabu, lá pelas 16-17 horas. De Campos
era um processo parecido, só que se saía de lá bem cedo, 6-7 horas, e
esperava-se das 10-11 horas até as 13-14 horas no Entroncamento.
Os passageiros da locomotiva eram divididos de acordo com a
situação econômica ou a condição social. Havia a primeira e a segunda
classe, que atendiam às diferentes situações econômicas dos homens livres,
enquanto que os escravos, devido à sua condição social “inferiorizada”,
viajavam como carga comercial. Esta divisão da fase ferroviária é bastante
semelhante às divisões do período predominante da navegação fluvial, em
que os escravos viajavam como carga e os homens livres dividiam-se em
“calçados e descalços”.
A estação ferroviária de Conceição de Macabu, marco
arquitetônico e histórico de uma época, foi inicialmente construída em
madeira, ficando exatamente na frente da atual, onde hoje está a quadra
de esportes e a pista de malha da Praça José Bonifácio Tassara. No entanto,
já tinha os telhados e ferragens da atual. Pouco depois, outra estação foi
http://www.anpf.com.br/histnostrilhos/historianostrilhos20_abril2004.htm,
consultado em 21-04-2011.; TOPIK (1987, p. 150). ARQUIVO DA REDE
FERROVIÁRIA FEDERAL AS, LIVRO DE PONTOS DE 1889.
90
construída, do lado oposto, em tijolos. Esta mesma estação sofreu uma
reforma em 1901, outra na década de 70, quando se retirou o piso de
madeira “pinho de Riga”. Em 1991, num acordo entre a Igreja Matriz,
atual proprietária, e a Prefeitura de Conceição de Macabu, foram
realizadas a limpeza e a restauração da estação, seguindo o traçado original,
segundo a reforma de 1901.
Quando, alegando prejuízos com o transporte ferroviário, o
Governo Federal extinguiu o tráfego no ramal que partia de Conde de
Araruama, nos anos 60, a estação foi devolvida à Igreja Matriz, que em
1878 havia doado o terreno para sua construção.
Além da estação, pontes, trilhos e túneis ainda conservam a
memória da história ferroviária regional. Preservam um tempo em que a
ferrovia era a espinha dorsal da vida e do progresso de muitos lugares do
interior do Brasil, como foi para Macabu e região.
A Agroindústria Açucareira
91
1538, nas margens do Rio Itabapoana, na época chamado de Managé
(RODRIGUES, 1988). Entretanto, os empreendimentos açucareiros não
renderam os frutos desejados, pois a capitania não vingou, nem sob a tutela
de Pero de Góis, nem sob a de seu sucessor, Gil de Góis.
O historiador macaense Augusto de Carvalho, em
seus Apontamentos para a História da Capitania de S. Thomé , em um dos
trechos, mostra a intenção do donatário:
93
A cana-de-açúcar em Conceição de Macabu
94
a duas formas de transporte lento e com restrita capacidade de carga, agora
passava a contar com um meio de transporte rápido e seguro, garantindo
ao açúcar, rapadura e aguardente a possibilidade de chegar aos
consumidores com igualdade de condições aos similares produzidos em
outras áreas circunvizinhas.
Não é por simples acaso que a partir de 1878 surgem os engenhos
na paisagem macabuense. O primeiro deles, situado onde hoje se encontra
a Cooperativa de Laticínios, chamava-se Engenho Industrial Macabuense
e não se dedicava exclusivamente às moagens, mas também à produção
de farinha de mandioca, pilação de arroz, beneficiamento de milho e café.
Enfim, era uma empresa completa para atender todas as atividades
agrícolas da época (TAVARES, 2002).
Nos inúmeros Almanak Laemmert publicados sobre Conceição de
Macabu a partir de 1860, se percebe o avanço da economia canavieira e
o surgimento das engenhocas e engenhos, que se acentuam
significativamente entre 1878 e 1889, último ano da publicação.
Segundo o Laemmert, em 1861 eram apenas oito “engenhos de
soque e machinas movidas por água” (p. 455), que em 1889, segundo os
RELATÓRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE MACAHÉ (p.33), já
haviam se multiplicado substancialmente, e eram “dezenove movidos à
tração animal ou água e três a vapor”.
Destacava-se, em 1889, o já citado Engenho Industrial
Macabuense, realização do coronel Antônio Ignácio Valentim, e a Usina
Progresso (1894), da família Campos Tavares, ainda de pé na forma de
um centro cultural.
95
A partir daí foram instalados outros empreendimentos similares,
que não eram apenas beneficiadores de açúcar, mas, seguindo o modelo
do Engenho Industrial, beneficiavam também milho, arroz e café, sendo
que outros, mais raros, também fabricavam farinha de mandioca. Os
negócios exigiam uma quantidade de mão de obra e movimentavam
setores econômicos, culminando no incremento populacional mais
crescente da história de Conceição de Macabu em todas as épocas, pois se
fundiram café, açúcar e transporte ferroviário.
96
dos produtores rurais de Conceição de Macabu em associações e
cooperativas, sendo, também, o precursor dessa ideia. Na visão do
jornalista, a indústria de açúcar necessitaria de muita matéria prima, que
seria fornecida não por um ou outro agricultor isolado, mas por uma
cooperativa.
Foi dele também a iniciativa de buscar apoio junto a Deusdérito
Antunes Belmont (Nute Belmont) e ao vereador João Nunes Viana, que
em 1912 procuraram o padre Frederico Masson (em Macaé), que lhes deu
uma carta de apresentação junto ao industrial francês Victor René Sence
– que na época pretendia instalar uma fábrica em Triunfo ou Glicério.
Manoel Massena, Nute Belmont e João Viana estavam decididos a
convencer Victor Sence a trocar a localização de sua futura fábrica,
oferecendo-lhes vantagens (GAZETA DE MACABU, 1912).
97
discursos, presentes, delicioso jantar,
impressionaram o ilustre industrial, que no dia
anterior havia chegado à vila e naquele dia já
tinha se reunido para negócios com nossos
ilustres representantes (...). ( GAZETA DE
MACABU, 24-08-1912, p.1).
98
Na verdade, até ter início as obras, outras, preliminares, tiveram
de ser feitas, como por exemplo a construção de uma carpintaria, uma
funilaria, duas olarias, depósitos de tijolos, cimento, areia, água e
alojamento para empregados. Enfim, era a obra dentro da própria obra,
para que tudo corresse rapidamente, como se deu.
As máquinas, principalmente a moenda e as caldeiras, chegaram a
Macabu nos meses iniciais de 1913, sendo montadas e testadas em outubro
daquele ano. Naquele mês já moeram várias toneladas de cana e
produziram milhares de sacos de açúcar, tornando-se assim a produção
inicial da Usina Conceição, que, entretanto, só seria inaugurada
formalmente em 191433, como visto.
Após a morte do industrial Victor Renè Sence em 1939, a
indústria passou a chamar-se Usina Victor Sence, tornando-se uma
sociedade anônima em 1943. Destacou-se, nos anos 1970-80, pela
produção de açúcar, álcool, acetato de butila, butanol e acetona , além de
formar diversos profissionais: funileiros, torneiros, mecânicos, químicos,
etc. A partir de 1988, mergulhada em dívidas variadas, desfazendo-se do
seu meio produtivo – as fazendas – e enfrentando sérios problemas
administrativos, a empresa entrou em crise, vindo a ser fechada em 1993,
após 70 anos de atividades. O fechamento da UVS, previsto desde os anos
33
REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE MACAÉ
(1913-1952). ATA DE CONSTITUIÇÃO DA USINA CONCEIÇÃO Co. Ltda. (1
de agosto de 1914); REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL
DE MACAÉ (1913-1952); REGISTROS COMERCIAIS DA PREFEITURA DE
CONCEIÇÃO DE MACABU (1953-1993).
99
80, não foi seguido de nenhum projeto de desenvolvimento alternativo,
resultando na maior crise econômica e social já sofrida por Conceição de
Macabu (GOMES, 2003).
100
produção e trabalho, levando milhares de fluminenses a migrar, não só
buscando empregos, como também para reinvestimentos mais seguros.
Nesse contexto, a Crise de 29 levou ao fim a pujança econômica
de cidades vizinhas a Conceição de Macabu, especialmente Santa Maria
Madalena e Trajano de Morais, mas também Cantagalo, Cordeiro e a
Região Serrana de Macaé.
A Crise, que se acentuou nos anos 30 até ser debelada por políticas
governamentais e pela Segunda Guerra Mundial, se foi catastrófica para
os municípios serranos, não se mostrou tão cruel para Conceição de
Macabu, que recebeu migrantes, tanto trabalhadores quanto investidores.
101
outros eram mascates, vendiam rendas inglesas
e louças. (SILVA, 1988).
Isso não quer dizer que a crise não tenha chegado por aqui, mas
que a economia açucareira absorveu o impacto negativo da mesma:
34
REGISTRO DE EMPREGADOS DA USINA CONCEIÇÃO (1930-1943).
102
LOCALIDADE DE
QUANTIDADE
ORIGEM (1930-1950)
Conceição de Macabu 37
Santo Antônio do Imbé 21
Santa Maria Magdalena 10
São Pedro do Triunfo 09
Trajano de Morais 06
Campos 05
Macaé 05
Outros 18
REGISTRO DE EMPREGADOS DAS USINAS CONCEIÇÃO E VICTOR
SENCE
103
5.8 Conclusão: Maria Fumaça adocicada
104
interesse, ou mesmo tempo hábil para chegar até aqui, estimulando sua
ocupação.
As razões se explicam em parte pelo fato de os territórios
interessantes estarem mais próximos ao litoral: áreas com potencial para
criação de gado, extração de pau-brasil e plantagens 35 de cana-de-açúcar.
Tais áreas, no Norte Fluminense, estendiam-se da faixa litorânea entre
Macaé e São João da Barra, interiorizando-se pela Planície Litorânea até
Campos dos Goytacazes no norte e até Quissamã, Carapebus e novamente
Macaé, mais ao sul – aproximando-se do que hoje faz parte de Conceição
de Macabu.
Há uma conotação nessas ocupações iniciais: os colonizadores
baseavam-se em pontos estratégicos do litoral norte do Rio de Janeiro; a
foz de rios como Macaé e o Paraíba, protegidos por ilhas, como o
Arquipélago de Santana; em áreas de fácil ancoragem, praias e enseadas
protegidas das intempéries. Tal conotação afetou inclusive quando os
mesmos se aventuravam pelo interior, seja por trilhas indígenas ou
utilizando rios e lagoas, pois em geral mantinham uma distância estratégica
de suas referências litorâneas.
Os proprietários lusitanos dividiram o Brasil em Capitanias
Hereditárias, ficando o atual território macabuense na parcela doada a
Pero de Góis, a Capitania de São Thomé, chamada também, em certas
épocas, de Capitania da Paraíba do Sul.
35
O significado da palavra plantagem foi proposto por GORENDER, Jacob. O
Escravismo Colonial. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1974.
105
Entre 1538 e 1539, Pero de Góis fundou o primeiro núcleo
populacional e produtivo da Região Norte Fluminense, chamado de
‘Villa da Rainha’ na foz do Rio Managé ou Itabapoana. Durante uma
viagem do donatário à Metrópole, a vila foi destruída pelos índios.
Reorganizando-se, Pero de Góis fundou uma nova povoação, a 60Km
ou dois dias de viagem 36 da foz do Itabapoana (RODRIGUES, 1988).
36
O termo “dia de viajem” é comumente usado pelos primeiros exploradores da região,
por exemplo a descrição da instalação da Aldeia de Nossa Senhora das Neves e Santa
Rita pelo missionário Antonio Vaz Pereira, descrito por COUTO REYS, Manoel
Martins do. Descrição Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito dos Campos
Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do
Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do
Brasil, etc. se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo
Terreno, que debaixo de dita Ordem se Levantou . Rio de Janeiro: manuscrito original,
1785. Além deste documento, o autor se baseou em documentos de compra e vendas
de terras na região de Macabu, que se referiam a Carapebus ou Macabuzinho usando a
mesma expressão, ou seja: “um dia de viagem”. Tais documentos, listados na bibliografia,
podem ser encontrados no Museu da Justiça, Rio de Janeiro. Usando um interessante
padrão da época, as distâncias em terra ou usando os rios navegáveis ficavam no máximo
a um ‘dia de viagem’. Esse ‘dia de viagem’, em terra, usando-se as trilhas indígenas,
significavam 25 km, aproximadamente, numa planície, ou um pouco menos em áreas
serranas. Chamo a atenção do leitor para um fato constatador dessa teoria: Rio das Ostras
está a 25 km de Macaé; Macaé está a 25 km de Carapebus, que por sua vez dista 25 km
de Quissamã – embora as distâncias estejam aproximadas, será só uma coincidência? Essa
praticidade tinha outra particularidade: esse dia de viagem era geralmente medido
considerando-se viajantes com carga, fosse ela viva, como o gado, ou pau-brasil, caixas
de açúcar ou embornais de café. Há informações constantes em diários, por exemplo,
que sem carga era possível melhorar essa marca em até 50%, o que no caso seria de um
pouco mais de 30 km. Pelos rios a velocidade era outra. Apesar de remarem para o
interior, contra correntezas, recordemos que falamos de planícies quase ao nível do mar,
com rios de correntezas com baixa velocidade e lagoas, transpostos, ou seja, remados
com varas de bambu ou impulsionados à vela, numa marca de 25-30 km ao dia,
aproximadamente. Vem daí outra constatação que não pode ser um simples acaso,
considerando-se os rios Macaé, Paraíba do Sul e Macabu: No caso do Rio Macaé,
Córrego do Ouro, distrito macaense, próximo à antiga sede da Aldeia Missionária de
Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, está a 33 km de Macaé - a antiga aldeia
missionária distaria uns 30 km; Campos dos Goytacazes está às margens do Paraíba do
106
Mais uma vez os índios agiram e, apesar da resistência do
donatário, a nova povoação foi também destruída. Destruição que
culminou na fuga de Pero de Góis para a Capitania do Espírito Santo e o
abandono da Capitania de São Tomé.
Muitos anos depois, Gil de Góis, filho de Pero de Góis, reassumiu
a capitania, que naquela época era mais conhecida como Capitania da
Paraíba do Sul. Os índios inicialmente até que colaboraram com o
donatário, mas um problema passional, envolvendo uma jovem índia, Gil
de Góis e sua esposa, culminou numa rebelião dos nativos e na terceira
destruição da capitania (LAMEGO, 1945).
E Conceição de Macabu com tudo isso?
Bem, o território continuou desocupado, mas as sucessivas
destruições da Capitania resultaram em diversas expedições contra os
índios da região, culminando com o extermínio e escravização de grande
parte deles. Além disso, houve uma intensificação da ação missionária,
catequizando maciçamente os índios ainda resistentes.
Através das guerras, da escravidão ou da catequese, os índios foram
se tornando um obstáculo a menos nos planos de interiorização dos
colonos do Norte Fluminense. Em outras palavras, a segurança
proporcionada com o controle ou derrota das populações indígenas
facilitou projetos de expansão em regiões como a de Macabu.
O fator segurança foi preponderante na ocupação de áreas mais
distantes do litoral. Nesse caso, especificamente, o Vale do Rio Macabu,
107
na região do município de mesmo nome, não esteve relacionado em
nenhuma narrativa de conflito entre colonos e nativos, configurando
terreno pacificado, propício à colonização.
108
partindo de Cabo Frio, em 2 de dezembro de 1632. A viagem teve início
em frágeis embarcações, sumacas, típicas para navegação de cabotagem,
que os levaram a uma aldeia às margens do Rio Macaé no dia 11 do já
citado mês. Nesta aldeia, constataram que era administrada por um certo
Domingos Leal e constituía-se de choupanas rústicas (CARVALHO,
1888).
Seguiram daí por mar até as margens de uma grande lagoa (Lagoa
Feia), onde o mau tempo os fez retornar até a aldeia de Domingos Leal.
O contratempo não os desanimou, fazendo com que reiniciassem a
expedição no dia 25 de dezembro, desta vez, seguindo por terra,
desbravando a restinga e os brejais, cruzando córregos e nomeando todos
os acidentes geográficos.
Nesta viagem e nas demais, chegaram a ter contato com vários
indígenas, inclusive com uma tribo onde viviam onze náufragos, entre
eles, um negro que se dizia da nação ‘Quissama’, na África. No local onde
encontraram o negro hoje está a sede do município conhecido como
Quissamã (PARADA, 1996).
Os Sete Capitães fizeram uma segunda viagem em 1633, onde
demarcaram terras, construíram abrigos e situaram currais em pontos
estratégicos, iniciando a criação de gado e o plantio de gêneros de
subsistência. A última viagem se deu em 1634, quando terminaram de
nomear os acidentes geográficos, rios, lagos, além de avaliar suas criações
e plantações na região.
Apesar da área do atual município de Conceição de Macabu
situar-se dentro da sesmaria dos Sete Capitães, pelo fato de ser muito
109
interiorizado, só foi alcançado a partir da segunda metade do século XVII,
por missionários e madeireiros. Mais uma vez, Conceição de Macabu,
enquanto região, estava nas terras de alguém que não era indígena, um
colono branco. Mas tal como havia acontecido na ocasião das Capitanias
Hereditárias, o município pertencia, apenas isso. A ocupação em
definitivo ainda aguardaria muitas décadas e não se daria nem no século
referido.
Os capitães ainda realizaram outras viagens de exploração da
sesmaria entre 1633 e 1634, durante as quais implantaram currais e
fazendas de criações de gado, iniciando a primeira atividade econômica
expressiva na região onde hoje estão os municípios de Campos, Macaé,
Quissamã e Carapebus.
O capitão Miguel Aires Maldonado escreveu um relato dessas
expedições de exploração denominado " Roteiro dos Sete Capitães”, cujo
título original era " Descrição que faz o capitão Miguel Aires Maldonado
e o capitão José de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e
fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de
Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas nesta costa”. O
"Roteiro dos Sete Capitães" descreve a “descoberta” de diversos acidentes
geográficos da região norte fluminense e as toponímias criadas pelos Sete
Capitães, as quais são usadas até hoje, como Lagoa Feia, Rio Macabu (daí
Conceição de Macabu), Rio Bonito, Carapebus, Campos dos Goytacazes
e Quissamã (CARVALHO, 1888).
Um dos objetivos dos donatários da sesmaria em suas viagens era
a divisão das terras para o estabelecimento das propriedades de criação de
110
gado bovino. Pelas demarcações de terras que fizeram, é possível situar o
atual município de Conceição de Macabu como nas posses do capitão
Miguel Aires Maldonado37, o líder dos sesmeiros, tese confirmada pelo
relato atribuído aos mesmos.
O domínio dos sesmeiros não foi definitivo nem tranquilo. Miguel
Aires Maldonado e João de Castilho Pinto se tornaram inimigos do
governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides, e dos
Jesuítas, por razões que não nos cabe discutir. O governador, antes de
partir para lutar contra os holandeses que ocupavam Angola, em 9 de
março de 1648, fez verdadeira espoliação nas terras que tinham sido
doadas aos Capitães. Alegando confusão na delimitação das glebas, o
grupo do governador (incluindo jesuítas e beneditinos, entre outros)
elaborou uma " escritura diabólica" - como afirmam os cronistas -,
dividindo as terras exploradas em 12 quinhões, dos quais quatro e meio
foram destinados aos Sete Capitães e seus herdeiros, três ao próprio
governador, três à Companhia de Jesus, uma ao provedor da fazenda
Pedro de Sousa Pereira (casado com Ana Correia, portanto genro de
Manuel Correia, primo do governador) e meio quinhão aos monges da
Ordem de São Bento.
37
Conclui-se, como um dos primeiros proprietários de Conceição de Macabu por
SANTOS, F.A.N. As freguesias do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: Edição Cruzeiro,
1965; ARAGÃO, P.M. As cartas de sesmaria do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro:
Ministério da Justiça, 1967; ABREU, A.I.C. Municípios e Topônimos Fluminenses .
Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1994. As marcações descritas pelo “Diário dos Sete
Capitães”, embora imprecisas, também apontam na confirmação de tal informação.
111
Os Sete Capitães, que eram os legítimos possuidores, foram assim
despojados de quase 2/3 das terras que tinham recebido e estavam
explorando. A divisão só se manteve porque, de todos os sete, somente
Miguel Aires Maldonado e João de Castilho Pinto demonstraram forte
interesse e firmaram oposição ao governador e a seus aliados.
Note-se que o roteiro do capitão Maldonado é por Capistrano de
Abreu considerado apócrifo ou pelo menos muito adulterado, o que foi
provado por Vieira Fazenda. Aliás, Vivaldo Coaracy considera todos os
documentos relativos a esta questão confusos, incompletos e não raras
vezes duvidosos ou com indícios de interpolações posteriores. Baseados,
porém, na escritura de espoliação, jesuítas e beneditinos conseguiram mais
tarde alargar desmedidamente seus domínios na região. 38
Apócrifo ou não, o roteiro é impressionante, demonstrando que
quem o escreveu ao menos tinha grande conhecimento da região. O mais
provável é que se trate de um roteiro póstumo, ou seja, confeccionado
após as viagens dos capitães, mas, por estes, ou pelo menos pela dupla
Castilho e Maldonado, com base em memórias de viagem.
38
Mais detalhes valem uma leitura de: COARACY, VIVALDO. O Rio de Janeiro do
Século XVII. Rio de Janeiro: José Olympio editora, 1965.
112
menos em sua maior parte, no quinhão dos Jesuítas, cabendo ainda duas
pequenas partes aos Beneditinos e outra que restou ao capitão Maldonado
e seus herdeiros.39
Dos três novos proprietários, só os Beneditinos reivindicaram sua
parcela. Isso quase duzentos anos depois, em 1840, quando uma contenda
envolveu posseiros e os grileiros do Brejo dos Patos contra os padres da
ordem. Na ocasião, quando prevaleceram os interesses dos sem-terra, que
lutaram, armados, por seus direitos, os mesmos foram liderados por uma
figura que ficaria famosa nos quinze anos seguintes ao se envolver no mais
famoso crime da região. Refiro-me a Manoel da Motta Coqueiro, a Fera
de Macabu, que colecionava aí mais um inimigo poderoso, que anos
depois colaboraria para seu enforcamento (MARCHI, 1997).
Nesse meio tempo, coube ao modesto grupo de missionários da
Ordem de São Pedro instalar uma missão para catequese indígena nas
margens do Rio Macaé, distante um dia de viagem da foz deste e da região
onde hoje está a cidade de Conceição de Macabu.
Sobre o assunto, importantíssimo para origem de Conceição de
Macabu, inclusive, há um trabalho gabaritado, recém-lançado, baseado
em novas evidências: Povoamento, catolicismo e escravidão na antiga
Macaé (séculos XVIII ao XIX). O trabalho, organizado pelas conceituadas
professoras Márcia Amantino, Cláudia Rodrigues e os igualmente
conceituados Carlos Engeman e Jonis Freire, conta com dois trabalhos
39
À conclusão se chega analisando a distribuição das terras dos demais ocupantes.
Excluindo-os, restam os jesuítas, com grande possibilidade de serem donos do atual
município de Conceição de Macabu, após o capitão Maldonado.
113
especificamente voltados ao tema em questão – Catolicismo e
Povoamento, de Márcia Amantino; e Notas sobre a presença e a atuação
da Igreja Católica na Antiga Macaé, de Cláudia Rodrigues e Maria da
Conceição Vilela Franco.
O que se sabia até então é que o missionário apostólico Antônio
Vaz Pereira fundou a Aldeia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita
(do Sertão do Rio Macaé, como consta em certos documentos),
“descendo” e “reduzindo” os índios que “infestavam” os sertões dos rios
São Pedro e Macabu. Os indígenas eram citados como Guarulhos, mas
poderiam ser os mesmos Saruçus, uma vez que há uma confusão de tais
denominações40. Tal afirmativa foi amplamente divulgada por
praticamente todos que escreveram sobre a nossa região: COUTO REIS
(1785), PIZARRO (1820), NORBERTO (1854), CARVALHO
(1888), LAMEGO (1945), TINOCO (1965), PARADA (1981), SILVA;
GOMES (1997) e TAVARES (2002).
Entretanto, ao se discutir a origem de tal religioso, deduzia-se que
o mesmo era um jesuíta, afinal, os mesmos estavam em Macaé desde 1630,
em Campos desde 1648, e pelos termos da redivisão das terras dos Sete
40
Descimento: ato de retirar os índios de suas aldeias e levá-los a viver numa missão
religiosa. Para maiores informações ver: FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIRO S,
Márcia Fernanda. Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro:
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 1977. Redução: mesmo que missão religiosa.
Infestavam: mesmo que povoavam, geralmente usado para índios não catequizados. Para
mais informações também vejam FREIRE; MALHEIROS (1977). Quanto a
denominação correta dos índios Saruçus ou Sacurus, foram discutidas por praticamente
todos os autores citados no texto principal, chegando à conclusão que se tratavam dos
mesmos. Principalmente TAVARES (2002) e SILVA; GOMES (1997) defenderam tais
argumentos.
114
Capitães, eram donos de territórios bem próximos da instalação da aldeia
missionária, sem nos esquecermos que tal atividade, embora atributo de
muitas missões religiosas, era, principalmente, um atributo dos jesuítas.
É nesse contexto, de uma quase certeza sobre a origem do padre
Antônio Vaz Pereira, que surge a contribuição do Povoamento,
catolicismo e escravidão na antiga Macaé (séculos XVIII ao XIX),
mostrando a real origem do missionário. Com relação aos índios, somente
no final do século o padre presbítero do Hábito de São Pedro, Antonio
Vaz Pereira, formou um aldeamento perto do Rio Macaé para índios
Guarulhos. A localização deste aldeamento, que contava com uma capela
denominada Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, era em direção ao
interior, portanto, bem longe da fazenda jesuítica situada na foz.
(AMANTINO, Márcia. Macaé nos séculos XVII e XVIII: Catolicismo e
Povoamento. In: AMANTINO, Márcia.; RODRIGUES, Cláudia.;
ENGEMAN, Carlos.; FREIRE, Jonis. Povoamento, catolicismo e
escravidão na antiga Macaé (séculos XVIII-XIX). Rio de Janeiro:
Apicuri, 2011.p.63).
Quanto à época da fundação da aldeia, há uma vasta discussão, da
qual autores renomados, como PIZARRO (1823) e SOUZA e SILVA
(1854), seguidos de LAMEGO (1948), PARADA (1996) e
RODRIGUES (1988), além dos locais SILVA et GOMES (1997),
TAVARES (2002) e GOMES (2003), não situam temporalmente a
mesma.
Coube a COUTO REYS (1785) e à dupla RODRIGUES;
FRANCO (2011) situar entre 1747 e 1757. Essas últimas assim o fazem:
115
a presunção de que a aldeia foi criada em 1747 é decorrente da fala do
próprio presbítero no preâmbulo de um texto dirigido ao rei em 1757,
quando mencionou que há dez anos vinha percorrendo 170 léguas e
convertendo 25 aldeias. (AMANTINO, 2011, p.65).
Acertada tal informação quanto à época dos fatos, identifica-se um
conflito entre os jesuítas de Macaé e o padre. Pelo que se percebe, a
fazenda jesuíta tinha atributos essencialmente econômicos, sendo um local
para criação de gado, repouso das boiadas que vinham de Campos, área
produtora de madeira e derivados da cana-de-açúcar. A missão religiosa
dos inacianos, pelo menos em Macaé, foi suplantada por outras
prioridades, que, inclusive, os colocaram em rota de colisão e verdadeiro
estado de conflito com moradores, índios e até com o missionário
Antonio Vaz Pereira. O padre reúne a população queixosa como ele e
deixa bem claro num documento enviado ao rei de Portugal, em que
pede providências contra os inacianos. Segundo o documento, o feitor da
fazenda, José dos Reis, padre, praticava absurdos contra toda população e
havia até organizado uma milícia que, entre outras barbaridades, colocou
fogo na casa do reclamante41.
41
As autoras citam a Exposição do padre Antonio Vaz Pereira acerca da degradação dos
índios do aldeamento de São Lourenço e São Pedro contra os padres José dos Reis e
Manuel Andrade da Companhia de Jesus . cf. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB). Arquivo Ultramarino, 1757. (Arq. 1, 2, 8), p.188. Para a História de Conceição
de Macabu o documento serve para provar que a catequese dos Saruçus foi realizada por
um missionário do “Hábito de São Pedro ” e não por Jesuítas. A presença jesuíta era uma
certeza tão grande que consta até no brasão de armas da bandeira do município. Serve
também para comprovar que as terras do município permaneciam despovoadas, a não
ser por indígenas. Tratou-se de uma revisão histórica, pois, até então, nenhum
historiador local, incluindo quem vos escreve, apostaria na informação que a catequese
ocorrida aqui foi fruto de um trabalho que não o da Companhia de Jesus.
116
Vaz Pereira obteve sucesso: conseguiu catequizar os Saruçus. Além
disso, data deste período a abertura das vias de acesso ao município,
utilizando os rios São Pedro, Macabu, Macabuzinho e Santa Catarina.
Além disso, a utilização de trilhas indígenas, de onde advém muitas das
atuais estradas, como a dos Piabas, Santa Maria e São Geraldo. Enfim, o
interior, aquilo que era chamado de Sertão do Macabu, começava a ser
explorado, revelando terras férteis, madeiras de qualidade e algo que seria
fundamental num futuro não muito distante dessa época: acessibilidade
entre as regiões serrana e litorânea, ou seja, entre o “ouro negro” – café
– e o porto de Macaé.
117
São Salvador dos Campos dos Goytacazes à condição de “Villa”, dando-
lhe autonomia administrativa sobre vasto território, do qual fazia parte
Conceição de Macabu (RODRIGUES, 1988).
O passo seguinte foi fazer parte da Freguesia de Nossa Senhora do
Desterro do Capivari. No ano de 1732, o alcaide-mor Caetano de
Barcelos Machado, neto do capitão Luís de Barcelos Machado, transferiu
a sede de sua fazenda do Furado para Capivari, já totalmente dentro da
área do atual município de Quissamã. Ali fundou uma nova capela com a
mesma prerrogativa da anterior. Em 1749, a capela foi promovida a igreja-
matriz. A freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Capivari foi criada
por alvará de 12 janeiro de 1755, subordinada à então Vila de São Salvador
de Campos dos Goytacazes, conforme informado por PARADA (1996).
No ano de 1765, outra subdivisão foi criada nos domínios da Villa
de São Salvador de Campos dos Goytacazes. Tratava-se da Freguesia de
Nossa Senhora das Neves e Santa Rita [do Sertão do Rio Macaé], que
apenas 18 anos antes havia sido fundada pelo missionário Antonio Vaz
Pereira, como já visto, de forma modesta, para abrigar índios
Guarulhos/Saruçus (LAMEGO, 1948).
Pelo visto, apesar da origem modesta, a aldeia missionária de
Neves e Santa Rita progrediu, afinal, considerando as condições
econômicas da época, a região reunia todos os indícios de que progrediria:
terras; mão-de-obra; clima; localização; organização missionária. Enfim,
repetiu-se em pleno Norte Fluminense experiências bem-sucedidas de
colonização e povoamento, mais comuns, ou pelo menos mais
118
conhecidas, em outras regiões do Brasil (Sete Povos das Missões), ou
mesmo do Rio de Janeiro (FREIRE; MALHEIROS, 1977).
Sem maiores detalhamentos sobre as razões imediatas que levaram
à elevação da aldeia missionária à condição de freguesia, sabe-se que tal
fato se deu no dia 24 de dezembro de 1765, sendo o primeiro vigário, o
padre José das Neves Ribeiro (SANTOS, 1963). Cronistas e
historiadores, dentre eles Monsenhor Francisco Pizarro, nos dão notícias
de que a freguesia progrediu ainda mais, mas que tal progresso teve seus
limites contidos quando o vigário cedeu lugar a outros, que não tiveram
o mesmo zelo com o trabalho missionário, provocando aquilo que este
autor considera um dos fatores preponderantes do povoamento ou
repovoamento do Vale do Rio Macabu, e que SILVA; GOMES (1997)
denominaram ‘A Diáspora Indígena’, assunto tratado em artigo anterior.
Monsenhor Pizarro assim descreveu a história acima:
119
Sesmarias doadas após a redivisão das terras dos Sete Capitães
42
A sesmaria é citada por ARAGÃO, Pedro Moniz de. Tombo das Cartas de Sesmaria
do Rio de Janeiro – 1594 a 1795. Ministério da Justiça, Arquivo Nacional. Também por
LAMEGO, Alberto. A Terra Goytacá. RJ, 1945 – Volume 3. ABREU, Antônio I.C.
Municípios e Topônimos Fluminenses . Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1994.
120
desenvolvimento da principal atividade econômica da região no século
XVII: a criação extensiva de gado bovino.
Não há notícias do desdobramento desse fato. O que aconteceu à
sesmaria, nada se sabe, consta-nos apenas que, segundo os registros de
terras posteriores, especialmente os do século XIX, a região foi dominada
por grandes propriedades, como a Fazenda dos Patos e Batalha, por
exemplo (REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS, 1855).
No século XVIII, nas proximidades da elevação da Aldeia de
Nossa Senhora das Neves e Santa Rita em freguesia, duas sesmarias foram
concedidas a dois irmãos portugueses recém-chegados da região das
minas, hoje Minas Gerais. Tratou-se da doação ocorrida no dia 23 de
fevereiro de 1765 a Agostinho Alvarez Almeida e Manoel Alvarez
Almeida. O primeiro situou-se entre as atuais regiões do Córrego das
Aduelas/Rio São Pedro e a Fazenda da Carrapeta, já nas vertentes da Serra
da Sobra de Terras e o Rio Santa Catarina (ABREU, 1994).
O segundo, Manoel Alvarez Almeida, situou-se entre o Rio Santa
Catarina e os rios Macabuzinho e Macabu, englobando, por exemplo, a
região do perímetro urbano atual. Por uma questão de praticidade de
transportes, é bem possível que o sesmeiro tenha sido o pioneiro, ou pelo
menos um dos pioneiros na exploração do Rio Macabu (ABREU, 1994).
121
3 1
2
122
ausência de registros de doação até a referida data, ou seja, não há registros
de espécie alguma que façam referência ao “Sertão do Macabu”. O que
temos em relação a tal período são doações nas proximidades da Lagoa
Feia, portanto, mais para Campos e Quissamã que propriamente o
município de Conceição de Macabu.
Em 1820 uma extensa região entre os rios São Pedro e o Santa
Catarina, aproximadamente a mesma doada em 1765 a Agostinho Alvarez
Almeida, foi entregue ao capitão-mor Manuel Joaquim de Figueiredo,
cidadão português que viera ao Brasil sob as ordens de Dom João VI
(ARAGÃO, 1967).
O capitão Manuel Figueiredo fundou as três mais antigas fazendas
do município de Conceição de Macabu, ainda existentes: Fazenda São
José do Sossego; Fazenda Santo Antônio; e a Fazenda Santa Maria.
Empreendedor, astuto, Figueiredo abriu a estrada do Emburo, seguindo
inicialmente os trajetos dos rios Aduelas e São Pedro (LAMEGO, 1948).
Tal estrada tratou-se de uma obra que envolveu também a construção de
pontes e alguns aterros, deveria unir o interior da freguesia de Neves a
Macaé, que até aquela época dispunha apenas do meio fluvial para tal, o
Rio Macaé.
O empreendedorismo de Manuel Figueiredo foi imortalizado por
Charles Darwin, quando o naturalista inglês se hospedou na propriedade
deste em 1832. Darwin, que não poupou críticas a seus conterrâneos e
cicerones Robert Lawrie Reid, George Lawrie Reid e Patrick Lennon,
por sua vez, não deixou de elogiar a inteligência do português, tratando-
o como homem trabalhador, inteligente e honesto (DARWIN, 2008).
123
O capitão Figueiredo, foi um importante político na região de
Macaé, tornando-se, inclusive, o representante da Câmara Municipal na
aclamação do imperador Dom Pedro I, em 01 de dezembro de 1822,
segundo informado por PARADA (1996). Além disso, ao casar sua filha,
Maria Figueiredo, com o escocês Robert Lawrie Reid, deram início às
famílias Figueiredo Lawrie e Figueiredo Reid na região de Macabu e
Macaé.
Alberto Lamego em Macaé a Luz de Documentos Inéditos não é
o primeiro, mas com certeza foi dos que nos deu mais notícias sobre outro
sesmeiro da região, o coronel Antônio Coelho Antão de Vasconcellos.
Segundo LAMEGO (1948), no ano de 1821 há uma série de queixas da
população contra o militar. As queixas se dirigem ao seu “ comportamento
despótico”, já que exercia a importante função de chefe da milícia local.
Além do despotismo, os documentos destacam o papel do coronel Antão
de Vasconcellos no combate a quilombos, uma função comum aos da sua
estatura funcional.
No combate aos quilombos, em geral localizados na Região
Serrana de Macaé, que na época incluía a totalidade da ‘Serra do Homem
Deitado’, ou simplesmente ‘Serra do Deitado’43, é que situam-se as posses
do coronel, algumas ainda em seu nome quando dos Registros Paroquiais
de Terras realizados em 1855 pelo vigário Florêncio das Dores Maia, da
então recém criada Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu.
43
Serra do Homem Deitado ou Serra do Deitado foi um termo amplamente difundido
até o início do século XX para designar a porção da escarpa da Serra do Mar no
município de Macaé, região, hoje em dia, entre este e Conceição de Macabu. O
topônimo baseia-se na forma do mesmo, quando visto do litoral.
124
O coronel, que, tal e qual o capitão Figueiredo, veio para o Brasil
na comitiva de Dom João VI, era também português, nascido no Algarves.
Chegando ao Brasil recebeu a incumbência de comandar o distrito militar
da Capitania do Espírito Santo, que na época englobava o Norte
Fluminense. Combatendo quilombos em áreas devolutas, apossou-se das
mesmas recebendo-as em sesmaria, ao que tudo indica.
Tal sesmaria incluía uma extensa região entre o Rio Santo
Antônio e o Rio São Pedro. Englobava boa parte das serras e o córrego
das Cabiúnas, aproximadamente o que é hoje uma parcela da Fazenda
Santo Antônio, da Onça e do Lírio – boa parte pertencendo, hoje em dia,
ao distrito macaense de Córrego do Ouro. Era, portanto, vizinho do
capitão Figueiredo (ARAGÃO, 1967).
1842 é o ano da elevação de Carapebus à condição de freguesia,
e, embora a região de Macabu continuasse pertencendo à freguesia de
Neves, a proximidade com tal realidade atraiu interessados nas terras
daqui, pois se desdobram as doações, desta vez com foco nas regiões do
Curato, Ponto Pinheiro, São João do Macabu e Conceição de Macabu
(TINOCO, 1962).
1836 a 1851 é o período da construção e conclusão da Estrada de
Cantagalo, unindo o porto de Macaé à região cafeeira de Cantagalo, cujo
trajeto envolvia exatamente as áreas mais doadas nesta fase: Curato e
Conceição de Macabu. Concomitantemente, tem-se à época grande fluxo
de balsas pelo Rio Macabu, dinamizando o porto do Pinheiro Maia
(Ponto Pinheiro) e o porto de São João de Macabu (São João/Osório
Bersot) (SILVA; GOMES, 1997).
125
Estrada e portos fluviais tinham pontos de convergência, como a
região de Santa Catarina, abrangendo a bacia do rio de mesmo nome das
nascentes até sua foz no Rio Macabu, congregando alguns fatores que
dinamizaram sua ocupação neste período do século XIX. A região, fértil,
hidricamente favorável, próxima da Freguesia das Neves e Santa Rita, mas
ao mesmo tempo longe o suficiente das epidemias que sagravam naquelas
paragens, era servida por portos e pela Estrada de Cantagalo. Distante
meio dia de viagem da Freguesia de Carapebus e mesma distância da de
Neves, era o lugar ideal para reunir novos sesmeiros, posseiros e toda sorte
de aventureiros.
MARCHI (1997) noticia outro sesmeiro, Manuel Antonio da
Motta, cuja posse englobava uma extensão considerável que ia do
encontro dos rios Macabu e Santa Catarina à bacia hidrográfica deste
último. A sesmaria nunca foi ocupada efetivamente, sendo deixada à sorte
de meeiros, em geral, parentes do mesmo, como Julião Baptista (sobrinho)
e André Ferreira (concunhado). Com o falecimento do sesmeiro em
1847, outros herdeiros, no total de 12, dividem o espólio. Um dos
descendentes, um sobrinho, Manuel da Motta Coqueiro, receberia a
Fazenda Bananal, onde ocorreria, em 1852, o brutal crime que o tornaria
famoso como Fera de Macabu.
Uma leva de pessoas instalou-se na região, nem sempre
possuidores de uma carta de sesmaria, como, por exemplo, um meeiro de
origem portuguesa, Francisco Benedito, abrigado nas terras do jovem
herdeiro Manuel da Motta Coqueiro. Este por sua vez, já havia ocupado
uma gleba em Macabuzinho, numa disputa com os frades beneditinos.
126
Narrativa que culminaria no caso da Fera de Macabu, uma mostra da
dinâmica regional, onde a disponibilidade de terras, servidas por vias de
comunicação, perto de centros importantes e longe do poder dos
latifundiários, atraía pessoas cuja história só se faz presente nos dias de hoje
por terem protagonizado tragédias como a de Motta Coqueiro
(MARCHI, 1997).
Numa escala maior, oficial, a região de Santa Catarina foi ocupada
por sesmeiros, como José Alves da Fonte (para alguns, José Alves Fontes),
que interessado no progresso da região reuniu um grupo de proprietários,
como os Figueiredo Reid, Lawrie Reid e os Vasconcellos, fazendo uma
petição ao bispo do Rio de Janeiro para que a capela (construída em
terreno doado pelo Alves da Fonte) fosse transformada em Curato, o que
se deu em 1853 (GOMES, 2003).
Alves da Fonte, os Reid e os Vasconcellos formavam uma facção
política local, que disputava o poder com um grupo de proprietários que
se instalara a 9 km dali, numa região também servida pela Estrada de
Cantagalo e a apenas 2 km do último porto fluvial do Rio Macabu: São
João de Macabu.
São João de Macabu, hoje uma simples fazenda às margens do Rio
Macabu, não denota o que foi há mais de um século, quando era um dos
principais portos de ligação entre a serra e o litoral.
Sesmeiros como seus rivais do Curato de Santa Catarina
(Domingos Alves Pinto, Antonio Pinheiro Faria Guimarães, Dr.
Francisco Nunes Amado de Aguiar e Luve Pereira da Silva) formavam a
outra facção e estavam interessados que a evolução política atingisse
127
primeiro a região em torno de suas posses. Tinham interesses especiais no
porto de São João de Macabu, que naqueles tempos pensava-se como sede
de um novo curato e consequentemente candidato a freguesia (SILVA et
GOMES, 1997).
Haviam perdido o primeiro round da disputa, pois o Curato de
Santa Catarina tornara-se o primeiro do gênero naquelas paragens do
Sertão do Macabu. Mas continuaram a luta, que seria favorecida por
aspectos políticos e jurídicos que se discutirá no próximo artigo, sobre a
criação da freguesia de Macabu.
A derrota do grupo de Macabu, entretanto, nos leva a uma
hipótese: a segurança e a salubridade de Santa Catarina, longe das
epidemias e enchentes do Rio Macabu, prejudicaram a escolha de São
João.
O jeito foi mudar de estratégia, ao invés de priorizar a escolha do
porto como sede de um curato, optou-se por solicitar a criação de uma
freguesia, levando em conta a necessidade de efetuar os registros de terras,
já que a Lei de Terras de 1850 passava por regulamentação. Mas outra
mudança de estratégia ainda deveria ser feita, levando em conta a questão
da salubridade: abandonou-se a ideia de lutar pela elevação de São João,
apostando-se numa outra localidade: Nossa Senhora da Conceição de
Macabu.44
44
As referências são muitas, mas ARAGÃO, P.M. (1967) e LAMEGO (1948), são os
mais indicados. Sobre a chegada de novos proprietários à região, consta que Rozendo
José, subdelegado de Carapebus, e Úrsula Maria das Virgens, casada com Manuel da
Motta Coqueiro, personagem célebre da história local, são casos de novos proprietários
que se transferiram da recém-criada freguesia para Macabu, ocupando terras em Santa
128
Conceição de Macabu possuía uma pequena capela há muitos
anos, como demonstra uma notícia veiculada em 1835, onde o deputado
provincial José Alves da Cruz, vigário, prometia empreender esforços para
reforma da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Macabu. O grupo
de políticos locais não apelou aos políticos para elevar a capela à condição
de curato. A luta foi para elevação à condição de freguesia, o que acabou
sendo efetivado em 6 de outubro de 1855, e será melhor tratado em
capítulo específico sobre a criação da mesma (TAVARES, 2002).
A nova freguesia, desligada da das Neves, englobava o Curato de
Santa Catarina. Sua criação, mais que premiar o esforço dos sesmeiros,
salientava uma nova realidade nacional, impulsionada pela necessidade
urgente de registrar as terras, tarefa dos párocos. A partir daí o regime de
129
sesmarias estaria definitivamente sepultado, não só em Macabu, como em
todo Brasil.
Além desses casos e do exemplo de Manuel Motta Coqueiro
citado anteriormente, sabe-se que outros proprietários ocuparam a região
de formas desconhecidas. É o caso do italiano Victório Emmanuel Pareto,
traficante de escravos, perseguido pelos britânicos e refugiado na região
de Santa Catarina, na fazenda que hoje conhecemos como Santo
Agostinho.
130
SESMEIRO ÉPOCA REGIÃO DE JURISDIÇÃO
MACABU
Capitão Miguel 1634-1648 Todo Capitania do
Aires Maldonado município. Rio de Janeiro
João Velho 1685 Patos, São Vila de São
Barreiro Luís e Salvador de
Macabuzinho. Campos dos
Goytacazes
Agostinho 1765 Região de Vila de São
Alvarez Almeida Santa Catarina Salvador de
Campos dos
Goytacazes
Manoel Alvarez 1765 Região do Vila de São
Almeida Santo Antônio Salvador de
Campos dos
Goytacazes
Capitão-Mor 1820* Região do Vila de São João
Manoel Joaquim Sossego, Santo de
de Figueiredo Antônio e Macaé/Freguesia
Santa Maria. de N. Sª das
Neves e Santa
Rita.
Coronel 1821* Serra do Vila de São João
Antonio Coelho Deitado de
Antão de Macaé/Freguesia
Vasconcellos de N. Sª das
Neves e Santa
Rita.
José Alves da 1840* Santa Catarina Vila de São João
Fonte de
Macaé/Freguesia
de N. Sª das
Neves e Santa
Rita.
Domingos Alves Após 1840* Conceição de Freguesia de N.
Pinto Macabu Sª das Neves e
Santa
131
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Antonio Após 1840* Conceição de Freguesia de N.
Pinheiro Faria Macabu Sª das Neves e
Guimarães Santa
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Dr. Francisco Após 1840* Palioca Freguesia de N.
Nunes Amado Sª das Neves e
de Aguiar Santa
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Luve Pereira da Após 1840* São João de Freguesia de N.
Silva Macabu Sª das Neves e
Santa
Rita/Curato de
Santa Catarina.
Manoel José Citado no Vertentes – Freguesia de N.
Nunes – Registro São João Sª das Neves e
comprada de Paroquial de Santa Rita
Bernardo Lópes Terras –
da registro 58 de
Cruz/Guilherme 25-1-1856. *
Rabelo/
Antonio C. A.
Vasconcellos.
Bernardo Lópes Citado no Vertentes – Freguesia de N.
da Cruz Registro São João - Sª das Neves e
Paroquial de Quilombo Santa Rita
Terras –
registro 106
de 2-3-1856.
*
Bento Manoel Citado no Vertentes – Freguesia de N.
Rodrigues – Registro São João Sª das Neves e
adquiriu de Paroquial de Santa Rita
Terras –
132
Vicente Araújo Registro 103
Silva de 2-3-1856.
*
Manoel Lopes da Citado no Vertentes –
Cruz Registro São João -
Paroquial de Quilombo
Terras –
Registro 112
de
15/11/1857*
* Presume-se a data levando em consideração as tradições orais, raros documentos
paroquiais e fontes literárias discriminadas na bibliografia.
45
A Lei de Terras foi promulgada em 18-9-1850 e regulamentada em 30-01-1854. A
consulta foi feita numa cópia xerografada do original e disponível para consulta na
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
133
troca de favores militares, visando à garantia da segurança do maior
proprietário. Outras vezes, a aquisição se dava em troca de favores
políticos, por sinal a prática mais comum, garantindo ao “coronel” o status
de “chefe”, caracterizando o mandonismo brasileiro.
Como perceberemos ao analisar os primeiros títulos de terras
expedidos em Macabu após a regulamentação da Lei de Terras, as glebas
e situações eram muito comuns por aqui, representando um percentual
significativo dos registros.
46
Ibidem.
134
Assim, posseiros valiam-se dos rios navegáveis (Macabu, São
Pedro, Santa Catarina e Macabuzinho) para chegar a terras férteis e ao
mesmo tempo sem proprietários definidos. O mesmo não era tão simples
em outras regiões, onde barões e coronéis mantinham a Guarda Nacional
em estado de alerta.
O 5º artigo justifica tais aquisições, e como também veremos nas
análises dos registros paroquiais de terras, diversas posses foram
legitimadas, por razões que hoje seriam difíceis de afirmar, mas que não
se prenderiam só ao corpo da Lei, mas também ao jogo político da época,
como veremos depois. Uma coisa é certa, ao justificar posses de caráter
“mansas e pacíficas”: lia-se nas estrelinhas que os títulos só seriam
distribuídos a quem estivesse no jogo político local, em comum acordo
com os mandatários do local. Posses oriundas de invasões e conflitos com
os coronéis e barões, com os sesmeiros mais antigos, corriam o risco de
serem negadas.
47
Ibidem.
135
Não é possível, analisando as informações dos registros paroquiais,
dizer quem comprou terras do governo. Tal informe não fica detalhado
nos textos que o vigário de Conceição de Macabu, Florêncio das Dores
Maia, fez entre 1855 e 1857. Mas levando-se em consideração que nas
freguesias, vilas e cidades vizinhas ocorreram tais vendas, tanto em “hasta
pública”, quanto “fora della”, não é difícil deduzir que o mesmo tenha se
repetido por aqui.
O que se percebe a partir dos primeiros registros paroquiais é que
a distribuição de propriedades inicial perde espaço para a concentração
fundiária, principalmente a partir de 1878. O ano marca a conclusão do
ramal ferroviário ligando Conceição de Macabu ao Entroncamento,
atraindo moradores e investidores à região, como se pode facilmente
comprovar fazendo uma análise dos registros cartoriais e paroquiais
disponíveis.
Nos registros de nascimentos, casamentos e até nos de óbitos da
Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu, há uma explosão
demográfica entre 1878 e 1889; que permanece no mesmo ritmo
considerando as análises de registros cartoriais entre 1889 e 1920,
conforme demonstra o quadro abaixo:
136
Da mesma forma houve comprovado crescimento econômico, se
levarmos em conta os registros de compras, vendas, alugueis, procurações,
heranças, banhos e registros de negócios disponíveis no Arquivo da
Câmara Municipal de Macaé, Coordenadoria Macaé 200 anos, mas,
principalmente na vasta coleção cartorial do Museu da Justiça no Rio de
Janeiro.
Corroborando para tais dados, o número de eleitores (que
demandava renda), cresceu de 5 em 1865 para 22 em 1889, culminando
na primeira emancipação e formação do município de Macabu entre 1891
e 1892. O auge, evidentemente, se deu na virada do século XIX para o
XX, estendendo-se até 1929. Este auge foi marcado pela construção do
Engenho Central Macabuense (1878), Usina Progresso (1898), Usina
Conceição (1913) e a Fazenda Modelo Venceslau Bello com Educandário
Presidente Pedreira (1923).
Entre 1855 e 1857 cerca de 122 registros de terras foram realizados
em Conceição de Macabu. A estes devemos somar outros 40, espalhados
pelas freguesias de Neves (10), São Francisco de Paula (10), Quissamã (8)
e Carapebus (12), que dizem respeito a propriedades em terras que hoje
fazem parte do município. Não foi possível analisar as propriedades
registradas em Campos, Macaé (cidade) e na Freguesia do Barreto.
Considerando os 122 registros realizados pelo vigário Florêncio das Dores
Maia e os 10 registrados em São Francisco de Paula, temos:
137
Localização no Município Número de Registros
Carukango 4
Estrada de Cantagalo 2
Macabu 24
Rio Macabuzinho 17
Onça 4
Palioca 5
Santa Catharina 14
Santa Maria 3
São Pedro 1
Serra das Vertentes - Quilombo
6
Serra do Deitado - Santo Antônio
7
Serra Verde 1
Sossego 8
Não Especificado 36
Total 132
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU, 1855-57.
138
Situação no Momento do Número de registros
Registro
Compra 13
Herança 3
Posse 14
Sesmaria 4
Situação 3
Troca 3
Tutoria 1
Não Especificado 73
Total 132
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU, 1855-57.
139
Serra do Deitado-Santo Fazenda Santo Antônio; Meia
Antônio Laranja; Esperança; Boa Vista
das Vertentes.
Serra Verde
Sossego Vargem Grande; Fazenda São
José do Sossego.
Não Especificado Santo Antônio do Engenho
Novo; Vargem Alta; Boa Vista;
Capim D’Angola; Retiro; Pão
de Açúcar.
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MACABU, 1855-57.
140
do Desterro de Capivari (hoje Quissamã), ou a Freguesia de Nossa
Senhora das Neves e Santa Rita (hoje região de Córrego do Ouro), nascia
submetido a uma localidade que até então não tivera reconhecimento
político algum.
A discussão sobre as razões que levaram Macaé à condição de sede
da vila ao invés das freguesias já constituídas não é o objetivo deste livro,
mas os curiosos e estudiosos podem recorrer à literatura sobre o tema a
partir de PARADA (1995), LAMEGO (1943) e o mais recente
RODRIGUES (2011).
A Constituição do município macaense, unindo duas parcelas,
uma campista e outra cabofriense, ao longo do Rio Macaé, ao colocar
Conceição de Macabu nesses domínios, o fazia pela última vez, já que a
partir daí se emanciparia duas vezes, em 1891 até 1892 e a emancipação
definitiva em 1952.
Em 1855, ao ser criada a Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição de Macabu, como parte do status, a mesma passava a ter sobre
uma região específica o direito de registrar nascimentos, casamentos,
óbitos e terras.
Tais registros eram produzidos pelo vigário da paróquia (criada
junto com a freguesia, abrangendo a mesma área), Florêncio das Dores
Maia, como obrigação da mesma.
O registro civil foi uma exclusividade dos párocos até o decreto-
lei 586, aprovado em 6 de setembro de 1850. O decreto, no 3º parágrafo
do artigo 17, cria o Registro Civil das Pessoas Naturais, complementado
por outro decreto, o 798, de 18 de janeiro de 1852, onde, apesar da
141
função ser desligada da Igreja, não a excluía, inclusive pela falta de pessoal
adequado às funções (CASTRO, 1948).
Quase quarenta anos foram precisos para ultrapassar os velhos
hábitos, substituindo os assentos eclesiásticos. Através da Lei 1.144 e do
Regulamento 3.069, de 17 de abril de 1863, foi instituído o registro dos
atos referentes ao casamento leigo para os acatólicos, até chegar ao
Regulamento de Registro Civil pelo Decreto nº. 9.886 de 07 de março
de 1888, sendo marcado o início do serviço para o dia 1º de janeiro de
1889, através do Decreto 10.044 de 22 de setembro de 1888. Fazendo-se
assim o novo registro, prova do nascimento, ou da idade, com nome e
filiação das pessoas naturais, bem como dos casamentos e óbitos, ainda que
celebrados aqueles perante autoridades religiosas (CASTRO, 1948).
O registro civil realizado por religiosos continuou válido e muito
atuante, mesmo após os decretos de 1850, 1852, 1863, 1888 e 1889.
Regulado pelo Concílio de Trento, acordado entre Portugal e o Vaticano
no século XVI, o registro foi mantido após a Independência do Brasil e
só totalmente excluído após a Proclamação da República em 1889, por
ocasião da Constituição Republicana, promulgada em 15 de novembro
de 1891 (BALBINO FILHO, 1983).
Entre 1850 e 1889, em todo município de Macaé, incluindo
Conceição de Macabu, os registros feitos por religiosos foram lentamente
sendo substituídos pelos leigos, principalmente após 1863, havendo uma
gradativa proliferação dos Cartórios, primeiro pela cidade, depois pelas
freguesias.
142
Os mais antigos registros cartoriais de Conceição de Macabu,
disponíveis no Museu da Justiça, Rio de Janeiro, datam de 1878, tese
confirmada pelo Almanak Laemmert de 1879. Anteriores a essa data, tem-
se registros cartoriais desde 1869, segundo o Museu da Justiça, no Rio de
Janeiro.
Segundo dados coletados tanto nos arquivos da Coordenadoria
Macaé 200 Anos, entre 2011 e 2012, quanto no Museu da Justiça, em
2010, temos uma larga gama de registros, a maioria deles feitos nos
cartórios de Macaé, uma minoria no Cartório de Conceição de Macabu.
Segundo tais dados, os processos iniciam-se em 1831, num curioso
e importante Auto de Devassa, por tiros dados na casa de Domingos José
Gomes Pinto, citando como um dos responsáveis Francisco Moçambique,
que tudo indica ser o conhecido e ao mesmo tempo pouco documentado
Carukango, líder do quilombo de mesmo nome.
Com relação às terras, processos, anteriores aos decretos-lei acima-
citados, indicam uma crescente ocupação dos vales dos rios São Pedro,
Aduelas, Santa Catharina, Macabuzinho e Macabu, sendo nesta ordem de
apropriação, considerando para tal a região do Vale do “Alto Macabu”,
até Conceição de Macabu. Seguem processos de 1843, 1848, 1847, 1849,
1851 e 1854, ainda feitos nas Paróquias ou nas residências dos Juízes de
Paz, por estes ou seus escrivães.
Entre 1868 e 1878, registram-se vendas de terras na região do
Carukango, Vertentes de Macabuzinho, Bom Jardim, Estação e em
Conceição de Macabu. Tais processos mostram a chegada de elementos
estranhos à região, como os “ naturais de Canta Gallo”, que compraram
143
em Macabuzinho, ou de “ origem da Corte”, para aquisição de áreas na
região de Bom Jardim.
Registros posteriores a 1878 são muitos, afinal, data daí o primeiro
cartório em Macabu. Segundo os mesmos, a ocupação que antes se dava
em áreas ainda não devassadas, geralmente parcelas de antigas sesmarias,
passava agora a propriedades já feitas, com criações, plantações e muitas
benfeitorias. Casos das fazendas da Palioca, que marcam a saída dos Amado
de Aguiar, primeira família política de destaque na região, em direção à
capital, Niterói, como é exposto no documento de venda. Em
contrapartida, a saída dos descendentes do coronel Amado é inversamente
proporcional à presença dos Silva Gomes e Natividade Gomes, que
adquirem as fazendas da Palioca, Capim D’Angola e Demanda – algumas
das maiores de Macabu.
A chegada de uns e saída de outros não é a única particularidade
desses registros. Testamentos, banhos de casamento, dotes, mostram a
divisão das grandes fazendas por seus descendentes, como é possível nos
registros da Fazenda Santo Agostinho (família Pareto), São João (família
Bellas) e a Fazenda São José do Sossego (família Lawrie).
Famílias tradicionalmente ligadas à terra em Conceição de Macabu
nos séculos XX e XXI, começam a progredir na região nessa época, caso
dos Tavares, Daumas, Barbosa e Gomes. Comprando fazendas, trocando
propriedades, arrendando, os membros desses clãs, alguns estabelecidos
aqui antes de 1878, têm suas glebas aumentadas consideravelmente.
1878 é um ano emblemático para Macabu, pois marca o início das
atividades da Companhia Ferroviária Barão de Araruama, provocando
144
uma explosão demográfica e ocupação do solo poucas vezes inigualada
em outras fases históricas do município.
Além dos registros relacionados à questão fundiária, outros
denotam o crescimento populacional e mostram a instalação de novas
fazendas, serviços e comércios. Caso por exemplo das cartas de alforria,
testamentos, reivindicações, embargos, tutelas, sequestros, penhora de
bens (escravos inclusive), confissões e cobranças judiciais de dívidas, além
de heranças e muitas procurações de compra e venda.
Como o século XIX, em sua quase totalidade, foi a época do
Padroado Régio, com a íntima ligação entre o governo e a Igreja Católica,
demonstrando também a intensa religiosidade daqueles tempos, há o
curioso caso do fazendeiro Pedro Monteiro de Almeida, que deixou seus
bens em testamento às padroeiras de Macabu, Neves, Carapebus e Macaé.
O registro de propriedades rurais ou de qualquer outro tipo numa
região distante dos grandes centros, como Macabu, guarda
particularidades que infelizmente a pena do padre ou do tabelião não pôde
guardar. Lendo e relendo centenas de páginas que mostram a dinâmica
socioeconômica e política de várias épocas, temos acesso apenas a uma
versão dos fatos.
Se de um lado da mesa de registro estava um cidadão livre,
buscando através da lei documentar-se, do outro lado da mesma, estava o
vigário da Paróquia de Macabu, fosse ele Florêncio das Dores Maia, Pedro
Matula ou José Chiaromonte (os primeiros padres), eram os tabeliães
Amaro Gomes Cunha, Agenor Caldas e José Cândido de Carvalho,
principalmente.
145
A variedade dos registros ainda está por ser totalmente estudada.
Há muito a fazer, principalmente nos Cartórios de Macaé e Conceição de
Macabu, missão deixada as novas gerações de historiadores.
146
Anexo Fotográfico e Cartográfico:
O que restou da Estrada Geral de Cantagalo ainda pode ser visto em fragmentos de
pontes, calçamentos e nivelamentos de terrenos, como o que vemos acima, localizado
na região da Amorosa, ao lado do Rio Macabu, a 12 km de Conceição de Macabu.
147
Cana e café no interior fluminense, meados do século XIX, e a posição de Conceição
de Macabu. Mapa do autor.
148
Rio Macabu nas proximidades de Macabuzinho mostrando o que restou do antigo
porto de Paciência do Macabu.
149
Referências
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro Civil das Pessoas Naturais, 1.ed. São
Paulo, Editora Atlas S.A., 1983, p. 13.
150
CASTRO, Sylvio Brantes de. Manual dos Oficiais do Registro Civil. 2a ed. São
Paulo, Brasil Editora S.A., 1948, p. 13.
151
E SILVA, Joaquim Norberto de Souza. Memória histórica e documentada das
aldeias de índios da província do Rio de Janeiro. J. Leite, 1854.
152
LAMEGO, Alberto Ribeiro. Macaé a Luz de Documentos Inéditos . Anuário
Geográfico do Estado do Rio de Janeiro Nº11 – 1948.
153
LIVRO DE REGISTRO DE FUNCIONÁRIOS DA USINA VICTOR
SENCE (1938-1958).
154
PIZARRO E ARAUJO. J. S. A. Descripção Geographica, Politica e
Cronographica do Districto dos Campos Goitacaz, Memórias Historicas do Rio
de Janeiro. 3º volume, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
SAGA – A Grande História do Brasil . São Paulo: Abril Cultural, 2000. v.1.
SILVA, Herculano Gomes da; GOMES, Marcelo Abreu. Macabu: a história até
1900. Conceição de Macabu: Gráfica Macuco, 1997. p. 58.
155
SILVA, José Carneiro da. Memória sobre a abertura de um canal para facilitar a
comunicação entre a cidade de Campos e a Villa de São João de Macahé . 1836.
p.10.
SILVA, Manuel Pereira da. [ Carta]. Villa de São Salvador de Campos, 28-09-
1779. [LAVRADIO, Marques do]. Carta do sargento-mor ao marques do
Lavradio, informando sobre as condições insalubres do rio Macabu.
SILVA, Roberto Cezar Rosendo da; CARVALHO, Ailton Mota de. Formação
econômica da região Norte Fluminense. Economia e desenvolvimento no
Norte Fluminense: da cana-de-açúcar aos royalties do petróleo . Campos dos
Goytacazes, RJ: WTC Editora, p. 27-75, 2004.
156
TINOCO, G. Macaé . Campos: Lar Cristão, 1962. p.39.
157
Instituições:
158
3
DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO DE MACABU ATÉ A
PRIMEIRA EMANCIPAÇÃO (1855-1892)
159
religiosos, em contrapartida, eram os responsáveis por diversas atividades
burocráticas, como os registros de nascimentos (batismo), casamentos e
óbitos, só para citar os mais comuns.
Segundo o Codex Iuris Canonici, documento oficial da Igreja
Católica:
48
HORTAL, Pe Jesus (Trad). Codex Iuris Canonici. São Paulo: Edições Loyola, 11ª
edição 2002, p.72. O Codex Júris Canonici, promulgado pelo Papa João Paulo II,
traduzido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com notas e comentários do
Padre Jesús Hortal, Texto semelhante pode ser encontrado em DOMINGUEZ, Lorenzo
M; MORAN, Sabino A; ANTA, Marcelino C. Código de Derecho Canônico y
Legislación Complementaria, texto latino y versióncastellana, com jurisprudência y
comentários. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, Pontifícia Universidad de
Salamanca, 4ª edição, 2001.
160
O Padroado foi criado através de um tratado
entre a Igreja Católica e os Reinos de Portugal
e de Espanha. A Igreja delegava aos monarcas
destes reinosibéricos a administração e
organização da Igreja Católica em seus
domínios. O rei mandava construir igrejas,
nomeava os padres e os bispos, sendo estes
depois aprovados pelo Papa. Assim, a estrutura
do Reino de Portugal e de Espanha tinha não
só uma dimensão político-administrativa, mas
também religiosa. Com a criação do Padroado,
muitas das atividades características da Igreja
Católica eram, na verdade, funções do poder
político. (SANTOS, 2001, p.66).
161
Uma ação necessária
162
davam lugar a cafezais e canaviais, pela chegada cada vez maior de pessoas
interessadas em investir e viver na região. Em verdade, a ocupação
acelerada do Vale do Rio Macabu trazia em seu bojo dois outros
problemas, de cunhos político e fundiário, necessitando de respostas
rápidas, justificando a criação da freguesia.
Os anos de 1840 a 1855 foram os mais intensos na ocupação do
território macabuense. Sesmeiros, motivados pelas terras devolutas,
tropeiros, viajantes, enfim, uma vasta gama de personagens fluiu ao Vale
do Rio Macabu, adquirindo terras de maneira lícita e ilícita para os
padrões daquela época.
Se por um lado essa ocupação alterou os padrões demográficos,
povoando a região, resultando em mais uma motivação para o
estabelecimento da freguesia, por outro, convergiu igualmente para que
conflitos fundiários fossem estabelecidos em todo o Vale do Rio Macabu.
Ao povoamento e aos conflitos fundiários juntou-se outro fator
decisivo: um novo grupo de lideranças políticas regionais, que uma vez
estabelecidos em Macabu, divergiam e conflitavam abertamente com os
grupos das freguesias vizinhas, principalmente os de Nossa Senhora das
Neves e os de Carapebus.
Desta feita, ao criar a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Macabu, o governo da Província do Rio de Janeiro esperava solucionar
três questões relativamente sérias ao mesmo tempo, das quais as de ordem
política são mais documentadas e fáceis de comprovação.
Exemplo dessas movimentações políticas percebemos na
acomodação de lideranças estabelecidas no local, já que vários cargos eram
163
criados automaticamente, como os de Vigário, Juiz de Paz, Subdelegado,
Fiscal e Arruador.
Tais funções eram seguidas de cargos auxiliares, como o
Almotacés, Meirinho e, em alguns casos, Porteiro e Soldados.
E é daí, da nomeação dessas autoridades, que tiramos conclusões
sobre os grupos que reivindicaram a criação da freguesia:
164
família e de outras. O padre era a principal autoridade da estrutura
administrativa que cuidava dos assuntos fundiários na época. Os registros
passavam por ele, se fosse de seu interesse, do interesse de seus pares,
legalizaria ou não qualquer posse.
A terra, sinônimo de prestígio e poder, era, dessa forma, uma
riqueza que, de forma legalizada, dependia da influência do pároco da
freguesia ou da influência que se tinha sobre o mesmo. Afinal, se sua
família era importante, os mesmos conviviam numa teia social, onde
outros personagens eram tão ou mais destacados.
E o padre não estava só.
Os juízes de paz eram autoridades que compartilhavam com os
párocos, delegados e fiscais a estrutura administrativa da freguesia.
Os juízes de paz presidiam as mesas eleitorais em lugar do juiz de
fora e do juiz municipal – os dois últimos membros da magistratura togada
–, com auxílio do pároco e dos vereadores (no caso da sede municipal),
ou dos juízes suplentes, no caso das freguesias. Eram geralmente
escolhidos entre pessoas da confiança dos grandes proprietários de terra e
de engenhos – quando não eram os próprios – que controlavam a política
municipal graças ao poder econômico. Alguns deles acumulavam ainda
cargos na Câmara Municipal, facilitando a manipulação dos resultados
eleitorais.
Os juízes de paz surgiram num contexto de
renovação do pacto político entre as elites
regionais e o governo central, emergido a partir
da renúncia de D. Pedro I, em 1831,
para atender as aspirações liberais, depois de um
165
período de enorme centralização de poder nas
mãos do imperador. Em nível local, a figura do
juiz de paz representou, com respaldo da lei, a
concentração de mais poder político em mãos
do potentado rural, desmandos, abusos e
violência49.
49
FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do patronato brasileiro. São
Paulo: Editora Globo, 3ª ed. Ver., 2001, p.55.
166
O segundo juiz de paz era o Dr. Francisco Nunes Amado de
Aguiar. Fazendeiro, advogado, natural da Fazenda dos Patos, próximo a
Macabuzinho, era coronel da Guarda Nacional e Cavaleiro da Ordem da
Rosa. Foi decisivo na construção da Estrada de Cantagalo, da qual ainda
fazia a manutenção de extenso trecho por conta própria. Igualmente,
garantia com seus escravos que o Rio Macabu se mantivesse limpo de
aguapés e galhos, permitindo a navegação (LAMEGO, 1948).
O coronel era proprietário da Fazenda da Palioca, uma produtiva
e extensa gleba que adquirira de antigos sesmeiros. Anos antes havia
expulsado sem terras e invasores que cortavam árvores de cabiúna no local,
se tornando representante nato dos grandes proprietários regionais.
Amado de Aguiar foi uma das primeiras personalidades políticas da recém-
criada freguesia, tendo destaque aqui e em Macaé. Até o fim da vida seria
político, vereador, subdelegado, fiscal, juiz de paz - funções e cargos que
passaria ao filho, Guilherme. Anos depois, seria um dos construtores do
ramal ferroviário, ocupando o cargo de secretário da Companhia Estrada
de Ferro Barão de Araruama (PARADA, 1995).
O coronel também acumulava a função de subdelegado, um cargo
de destaque em qualquer freguesia por suas funções policiais. Chegara a
tal não só por suas aptidões políticas, como por sua formação: advogado.
Os juízes de paz não tinham função policial, atribuição pertinente
aos subdelegados, que por sua vez estavam subordinados aos delegados dos
municípios – no caso, Macaé.
O terceiro juiz de paz, Antonio Pinheiro Faria Guimarães, era
proprietário da Fazenda São Manoel, em Santa Catarina, hoje Curato,
167
fruto de uma sesmaria recebida há alguns anos. Criador de cavalos e bestas,
plantador de cana, possuiu um dos primeiros alambiques da região.
Também criava gado bovino, que eventualmente transportava até Macaé
para negócios. Tal e qual o vizinho Francisco Nunes Amado de Aguiar,
era membro atuante da Guarda Nacional e político destacado em Macaé,
onde foi vereador (TAVARES, 2002).
Antonio Pinheiro Faria Guimarães foi um dos construtores da
Estrada de Cantagalo, da qual também foi um dos idealizadores e
entusiastas. Parte atuante da sociedade e do staff político da região lutou
para que Macabu fosse elevada à condição de freguesia, conforme
informou o historiador Godofredo Guimarães Tavares, que é seu bisneto.
Henrique Daumas, filho do imigrante suíço Adrian Allemand, era
proprietário rural na região de Macabuzinho. Produzia de tudo um
pouco, com destaque para a agricultura, cuja produção remetia a Macaé
e Campos valendo-se de um porto particular no Rio Macabu e de estradas
que unia sua propriedade à Estrada de Cantagalo.
Adrian Allemand, seu pai e patriarca dos Daumas, era um dos
principais construtores da região, responsável por obras que até hoje, mais
de 150 anos depois, ainda permanecem intactas, como cabeceiras de
pontes ferroviárias, chafarizes e alicerces de casas. Um dos mais
requisitados prestadores de serviços no município de Macaé, tinha uma
vida profissional que o conectava aos mais importantes políticos e homens
de negócios da região.
Henrique Daumas não representava apenas os interesses
particulares ou de classe, mas do seu pai, articulado com os proprietários
168
interessados nas obras que poderiam beneficiar a região. Pontes, chafarizes,
estradas, contenções, limpezas no cemitério e até as obras de reforma das
igrejas eram, em geral, entregues ao patriarca da família, o que, na
condição de freguesia, teria uma agilidade ainda maior, beneficiando a
todos.
A Adrian Allemand se atribui três das mais emblemáticas estruturas
arquitetônicas remanescentes do século XIX em Conceição de Macabu:
o chafariz da Praça Dr. José Bonifácio Tassara e o que restou de outro,
hoje no Ciep-271; o projeto e alicerces da Estação Ferroviária. As três
obras datadas de 1877-1878 (SILVA; GOMES, 1997).
Completando a intrincada rede que levou criação da freguesia
estava o comendador Julião José Baptista, personagem famoso na história
regional, principalmente se atentarmos para seu nome completo Julião
José Baptista Coqueiro. O comendador é primo do Motta Coqueiro, para
quem perdeu uma namorada ainda na mocidade, fato que os
transformariam em inimigos irreconciliáveis. Ambos adotavam como
último sobrenome a fazenda onde nasceram, em Campos dos Goytacazes,
Fazenda do Coqueiro.
Segundo Carlos Marchi em Fera de Macabu, Julião formou-se em
Direito, tornando-se um dos mais atuantes políticos do Partido
Conservador no eixo Campos-Carapebus. Tinha terras e muitos interesses
em Macabu, na região de Santa Catarina, onde era vizinho de seu primo,
colaborando para a ruína de Motta e adquirindo duas de suas cinco
propriedades após o enforcamento do mesmo em março de 1855
(MARCHI, 1998).
169
Segundo o mesmo autor, Julião Baptista e todos que tinham o
sobrenome ‘Coqueiro’ abandonaram o mesmo durante o processo
criminal que envolveu o primo, de forma que o mesmo praticamente
desapareceu com a morte de Motta Coqueiro.
As propriedades, comércio e produção de café, junto ao fato da
nova freguesia ser limítrofe com Carapebus, onde tinha influência, fez
com que este apoiasse e lutasse pela instalação da mesma, da qual ocuparia
uma função que pairava sobre as demais: a de fiscal.
O fiscal de uma freguesia era um constante auditor, que tinha
autoridade para observar, criticar e promover mudanças em todos os
demais setores, inclusive o eclesiástico, a quem em caso de necessidade,
poderia solicitar uma fiscalização mais detalhada, feita por outra
autoridade, a Católica (PIAZZA, 1984).
Completando, Miguel Archanjo Pereira, o arruador, não era uma figura
que se desponta na elite regional. Era um proprietário de muitas terras,
mas com condições medianas e pequeno comerciante. Coube-lhe a
função de arruador, ou seja, responsável pelas demarcações de terras,
inclusive as do perímetro urbano, uma função criada para evitar litígios
fundiários.
A nomeação do mesmo para o cargo de menor expressão da
freguesia se deu pelo fato deste, anteriormente, ter cedido os terrenos para
construções públicas, como a ampliação da Igreja Matriz e o cemitério. A
propriedade de Miguel Archanjo se localizava próximo ao centro da
cidade, considerando padrões atuais – muitas ruas e quarteirões estão em
terras que pertenceram ao mesmo.
170
Conclusão: uma freguesia estratégica
171
controle do Estado, via guarda nacional e registros paroquiais, sob uma
região com histórico de conflitos fundiários, políticos e de ordem social-
escravista.
50
O estudo do mesmo demandou pesquisas em fontes diversas, como os acervos da
Câmara Municipal de Macaé, sobretudo o Livro da Intendência de Macabu, onde
existem diversas atas, desde a fundação da vila em 1 de maio de 1891 até sua extinção.
Além desses registros, que contam o dia-a-dia da intendência (prefeitura) macabuense,
outras fontes, como publicações de historiadores locais – TAVARES (2002); SILVA;
GOMES (1997) e GOMES (2003) –, historiadores regionais, como LAMEGO (1948),
TINOCO (1962), PARADA (1962, 1980 e 1995), e a mais recente fonte: FRANCO ,
Maria da C. V. A Trama republicana no Norte Fluminense. In: CORTE, Andréa T. da
(org). História Fluminense: Novos Estudos. Niterói: Funarj, 2002.
172
municípios ainda era caracterizada pelo antigo sistema imperial, ou seja,
como não havia ainda uma Constituição Republicana e muito menos uma
legislação específica para municipalidades, ainda valia o antigo, ou seja, nos
primeiros anos da República, em muitas situações, valia a legislação da
Constituição Imperial de 1824, observando o Ato Institucional de 1834
(PIAZZA, 1984).
Se hoje o leitor se acostumou com plebiscitos populares, onde o
eleitorado é conclamado a opinar se quer ou não um novo município,
naqueles tempos, para se formar um, bastava um decreto assinado pelo
presidente (hoje chamado de governador) da província (hoje Estado),
tornando uma freguesia (distrito) em uma villa (com dois eles, hoje,
município). No mesmo decreto nomeavam-se os intendentes (vereadores) e
dentre esses o intendente geral (administrador geral, espécie de prefeito) 51.
Na verdade, no atual sistema nos baseamos nas legislações para municípios
que foram feitas após a Constituição de 1946, enquanto que as criações de
municípios por decreto são frutos das ordenações (legislação) do Brasil
Colonial, herdadas pelo Império, reiteradas pela República e mantidas em
vigor até 1948.
Mas, em linhas gerais, o que motivava a criação de um novo
município?
51
Ver PIAZZA, Walter. O poder legislativo catarinense: das suas raízes aos nossos dias
(1834 - 1984). Florianópolis: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, 1984.
Apesar de voltado aos municípios catarinenses, o livro dispõe de vários esclarecimentos
sobre o funcionamento da estrutura política do Brasil entre o Império e a República.
173
Hoje em dia a legislação é rigorosa. Exige-se para fazer o plebiscito
um estudo prévio, comprovando as possibilidades de o município sobreviver
às suas custas, com população de pelo menos 10.000 habitantes, entre outras
exigências, como a disponibilidades de edifícios para abrigar os órgãos
públicos, como a Intendência.
As motivações que levaram à emancipação de Conceição de Macabu
estavam diretamente relacionadas a dois momentos vividos pelo município:
primeiro, o crescimento demográfico e econômico; segundo, interesses
políticos particulares vinculados à necessidade de afirmação de uma nova
oligarquia republicana. Para uma melhor compreensão desse momento
ímpar, assim os veremos.
52
O progresso regional pode ser atestado em diversos registros de empresas industriais e
agrícolas existentes nos acervos da Câmara Municipal de Macaé, no ALMANAK
LAEMMERT e no recente trabalho: PENHA, Ana Lúcia N. Nas Margens do Canal:
174
A presença do ramal ferroviário em Conceição de Macabu, desde
18 de julho de 1878, dinamizando os transportes, provocou uma explosão
demográfica na região, perceptível em duas fontes documentais: nos
registros de batismos, casamentos, óbitos e terras, se compararmos os
períodos de 1855-1878, marcado pela navegação fluvial e a Estrada de
Cantagalo, e 1878-1889, com o início da circulação ferroviária, nos
registros do Almanak Laemmert entre 1860 e 1882; e em registros
cartoriais e processuais, alguns de 1848, a maioria entre 1870 e 1892.
A ferrovia em si não representou a causa da explosão demográfica.
Tratou-se mais o facilitador para locomoção de um número muito maior
de pessoas do que antes. Mas a pergunta então deveria ser: por que novos
moradores se estabeleceram aqui?
O café da região de Cantagalo, grande riqueza fluminense e
nacional, era o principal motivador econômico da época, embora não
fosse o único. As terras da Região Serrana já mostravam esgotamento
devido ao seu uso intensivo, as buscas de novas áreas agricultáveis
indicavam para o Médio Macabu53 e as montanhas que hoje representam
1/3 do município. O Mal de Cantagalo54, uma doença citada em manuais
175
agropecuários do século XIX como uma grande praga para o café, já se
disseminava pelas freguesias do antigo município de Cantagalo. Enquanto
isso, o mesmo “mal”, só se faria presente no Médio Macabu na segunda
década do século XX, quase sessenta anos depois de assolar as bacias dos
rios Grande, Paquequer e Preto, em Cantagalo.
Data do final do século XIX, especialmente a partir de 1878, a
chegada de consideráveis levas de agricultores ocupando as serras de
Macabu e desenvolvendo a cafeicultura. Embora haja de considerar que a
produtividade daqui nunca se igualou à de outras áreas serranas como
Ventania, São Francisco de Paula e Santa Maria Madalena nos tempos
áureos, outros condicionantes foram igualmente importantes.
Além do café, outros fatores atraíram pessoas, como a existências
de terras devolutas, de terras mais baratas que as do Alto Macabu e do
Baixo Macabu (região canavieira). Produtores de pequeno e médio porte
afluíram à região em massa, formando a maioria dos novos habitantes e
dedicando-se à produção de gêneros variados, como cana, milho e
mandioca. Além disso, há o início da agroindústria, com a implantação de
várias engenhocas para produção de açúcar e aguardente, além de
beneficiamento de mandioca e milho. A isso se juntavam outras duas
da produção.” Taunay assim descreve: “Desde 1885, desapareceu quase que por
completo o flagelo da Elachistacoffeela, o terrível micro – himenóptero que tanto
arruinara os cafezais brasileiros, mas, por volta de 1885, surgia outra praga, o Mal de
Cantagalo – assolador de assaz larga área do ocidente fluminense, era um verde de gênero
novo, a que Emilio Goeldi baptizou Melodogynoexiggus.” (TAUNAY, A. E. Pequena
Historia do Café. s/d, p.159.) Cremos ter havido má interpretação da matéria por parte
do historiador.
176
tradições regionais: a criação de animais, como gado bovino, equino,
porcos e aves; e a extração de madeiras nobres, como a cabiúna.
Outro grupo considerável de novos habitantes procurou a região
para atividades complementares, ligadas ao setor de serviços (advogados,
boticários, dentistas e médicos), pequenas oficinas e, principalmente, o
comércio. O pequeno povoado logo viu surgir farmácias, consultórios
médicos, hotéis, pensões e restaurantes, depósitos de café e açúcar,
advogados, artesãos diversos (seleiros, toneleiros, mecânicos, carpinteiros,
oleiros, alfaiates, costureiras, bordadeiras, entre outros) e o grupo de
comerciantes mais comuns: os mascates, caixeiros-viajantes e donos das
famosas “casas de secos & molhados”(ALMANAK LAEMMERT, 1860).
Além da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu,
vale lembrar que Ponto do Pinheiro Maia, Nossa Senhora do Amparo,
Sossego, Santa Maria, Santo Antônio e, em especial, São João de Macabu,
Paciência (Macabuzinho) e Curato de Santa Catharina eram localidades
que pertenciam e orbitavam em torno da freguesia. Essas áreas, dentre
outras, também cresciam, dinamizando a produção local, contribuindo
para o ganho demográfico da região, que, segundo o ALMANAK
LAEMMERT (1879), chegava a 2.227 habitantes livres – dados
provavelmente retirados do censo de 1870.
É dessa época o estabelecimento no município de dois
seguimentos sociais destacados: escravos, inclusive de origem nordestina;
e homens livres. Os ‘livres’, sobretudo imigrantes, eram portugueses
(maioria), suíços, espanhóis, italianos, mas, sobretudo a partir de 1890,
uma considerável quantidade e variedade de súditos do antigo Império
177
Otomano ou Império Turco-Otomano, hoje sírios e libaneses,
principalmente. Também imigraram para cá ex-escravos e pequenos
proprietários, afetados por problemas de produtividade dos cafezais,
vindos de Ventania, São Francisco de Paula e Santa Maria Madalena.
Outro grupo significativo era constituído de pessoas de Campos e até de
Macaé.
As condições que levaram ao crescimento comprovado de
Conceição de Macabu no período de 1878 a 1889 eram importantes nas
análises que resultaram na criação do novo município. Denotavam a
capacidade de se gerir por conta própria, de gerar fundos via impostos,
para manutenção da estrutura administrativa e das obras que se fariam
necessárias.
No caso de Macabu, a produtividade do solo se mostrava
promissora, impulsionando a agricultura. Seguindo a tendência de
crescimento agrícola, o comércio era igualmente impulsionado pela
abertura de novos empreendimentos. No contexto regional, a freguesia
de Nossa Senhora da Conceição de Macabu já era uma das maiores de
Macaé, ora suplantada por Carapebus e Quissamã, ora superando-os.
A primeira emancipação de Conceição de Macabu foi motivada
por fatores econômicos e demográficos. Tais comprovações se baseiam
em dados da Câmara Municipal de Macaé, atas das reuniões da
Intendência de Macaé, registros eleitorais e diversos boletins informativos,
editados durante quase todo o século XIX e disponíveis no Centro de
Memória Antônio Alvarez Parada, hoje no Solar dos Mello (Museu de
Macaé). As análises do Almanak Laemmert entre 1860 e 1882 também
178
mostram o afluxo de proprietários rurais, comerciantes e outros
profissionais. Tão importante quanto, até por ser uma região estritamente
rural, foi o Registro Paroquial e depois o Cartorial de terras, onde se
percebe registros de propriedades crescentes, começando em 1855,
estendendo-se até 1892. Outra documentação interessante são os
diversificados registros cartoriais, datados de 1860, seguindo até o século
XX, sobre contratos, alforrias, heranças, formação e dissolução de
sociedades, documentos de compra e venda, de confissão de dívidas, de
parcerias, enfim, uma infinidade documental bem conservada, porém
esquecida por nossos historiadores no Arquivo Nacional e principalmente
no Museu da Justiça, ambos no Rio de Janeiro.55
Não há dúvidas de que a freguesia apresentou um crescimento
visível e merecedor da emancipação, mas perguntará o leitor: que cidade
e que município era esse, que população tinha?
As respostas são difíceis de precisar, pois não havia, ou melhor, não
encontramos os resultados de um censo referente – embora em 1870
tenha sido realizado um. Porém encontramos outros dados, como o
ALMANAK LAEMMERT (1879). A partir daí, é possível fixar a
população entre 2.500 e 3.000 habitantes para o período de 1865 a 1882.
55
O acervo é variado, indo de cartas e documentos trocados pelas autoridades da
freguesia com as de Macaé e da capital da província até processos e registros de todos os
tipos. Fontes consultadas: MUSEU DA JUSTIÇA (LIVRO DE REGISTRO S
PROCESSUAIS DA FREGUESIA DE CONCEIÇÃO DE MACABU) e no
ALMANAK LAEMMERT (1860-1889); além da já citada ACTA DE INSTALAÇÃO
DA VILLA DE MACABU.
179
Cruzando tais dados com o número de proprietários, de
propriedades, registros de imóveis urbanos, casamentos, óbitos e batizados
com os dados de freguesias similares, como Carapebus (um pouco maior,
3.200) e Quissamã (um pouco menor, 2.000), pode-se afirmar que a
estimativa do Almanak Laemmert estava bem próxima daquilo que
deveria ser.
Tal população era ainda constituída de 1.000 a 1.500 escravos e
ex-escravos. Tais dados igualmente obtidos, levando-se em consideração
as mesmas estratégias anteriores. A presença escrava em toda região do
antigo município de Macaé, usando tais cruzamentos de informações, nos
davam um patamar de 45-55% da população total ou 60-65% da
população economicamente ativa (OSCAR, 1986).
Para aquele final de século XIX, 3.000 ou 2.500 habitantes,
espalhados em centenas de propriedades, em diversas localidades, quase
todas rurais, era significativamente adequado para a formação de uma
pequena comunidade independente.
Territorialmente, a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Macabu era menor que a de Quissamã e a de Nossa Senhora das Neves,
mas era bem maior que a da cidade (Macaé), a de Carapebus, do Sana e
outras do município. Se a comparássemos com o atual território
macabuense, teríamos as mesmas fronteiras com Campos, Madalena,
Macaé e Trajano, mas teríamos uma parcela hoje pertencente a Quissamã
e outra de Carapebus.
Politicamente, Conceição de Macabu era uma freguesia, um
distrito de Macaé, condição básica para tornar-se um novo município. Em
180
toda história do Rio de Janeiro, só os mais antigos municípios, como
Campos e Cabo Frio, por exemplo, não se originaram de uma freguesia
– além do caso de Macaé, alçado à condição de vila sem ter sido freguesia,
um contexto à parte que não nos cabe discutir.
Resumindo-se, para os analistas da época, numa avaliação
estatística, o município a ser formado com a emancipação não se
diferenciava da maioria dos outros que constituíam o antigo estado do
Rio de Janeiro. Nem em população, uma vez que o censo de 1872 e 1890
apontava a maioria dos municípios fluminenses com 2.000 a 3.000
habitantes, nem em território ou economia.
Mas tais dados não eram novos. Quando a República foi
proclamada em 1889, a maioria das condicionantes técnicas já era
favorável à emancipação. Entretanto, a República trouxe novos cenários,
por sinal, favoráveis.
181
produzindo-os em apreciável quantidade, o município era, além de tudo,
o entroncamento de ramais ferroviários importantes, que ligavam a capital
a Campos, com linhas que vertiam ao interior.
Politicamente, Macaé também se destacava. Berço de ilustres
famílias que compunham a oligarquia rural fluminense, os barões,
comendadores, cavaleiros de Macaé, muitas vezes instalados nas freguesias
de Carapebus e Quissamã, criavam um ambiente elitista similar ao da corte
no Rio de Janeiro.
Araújo, Carneiro da Silva, Queirós Mattoso, Almeida Pereira,
Barcelos Martins, entre outras, eram famílias que representavam Macaé na
esfera política estadual, tornando qualquer balança favorável à cidade, sem
qualquer possibilidade de confrontação por parte dos ‘sobrenomes’
presentes na pequena oligarquia da freguesia de Macabu.
Some-se a isso o fato de que Conceição de Macabu teve sua
importância econômica radicalmente aumentada entre a primeira metade
do século XIX e o final do mesmo. Perder a freguesia seria perder poder
econômico. Considerando ainda que boa parte dos empreendimentos
econômicos eram investimentos dos mesmos grupos e famílias que
constituíam a elite macaense, há de se considerar as dificuldades da
empreitada emancipacionista.
Mas isso foi no Império. O advento da República em 1889 trouxe
mudanças a essa realidade. Em verdade, uma reviravolta, cujos desenlaces
beneficiariam Macabu, como o fato de que nos últimos meses do Império,
enquanto o poder constituído perdia apoio em todos os setores e regiões,
alguns rincões rurais do Norte Fluminense mantiveram-se fiéis a Dom
182
Pedro II, polarizando uma acirrada disputa com grupos republicanos.
Quando a República finalmente foi proclamada, os grupos que a
defenderam e por ela lutaram necessitavam de aliados na região.
A ascensão de Francisco Portella, político republicano radicado em
Campos, ao governo do Estado do Rio de Janeiro, primeiro mostrou a
adesão de antigos rivais; segundo, a disposição dos representantes da nova
ordem em reverter o quadro na velha província. Portella, em toda história
fluminense, foi o governador que mais emancipou e que mais criou
municípios – e isso tinha mais implicações políticas que qualquer outra.
183
A ação político-administrativa de Portela era
desorientadora para o Partido Republicano
fluminense. A distribuição de cargos públicos
estaduais e municipais provocava protestos dos
grupos preteridos, os quais procuravam
organizar-se em bases locais, o que prenunciava
o espocar de conflitos e cisões. Armado com
poderes excepcionais. Portela executava uma
política de nomeações aparentemente
desprovida de coerência, ao nomear fiscais,
coletores, juízes, intendentes, etc.,
frequentemente beneficiava adversários locais
de correligionários seus, mas, com isso, tecia
uma rede de apoio ao seu governo
independente do Partido Republicano.
Controlar as chefias locais, neutralizando os
insubmissos e arregimentando os demais. Era a
tarefa que Portela teria que cumprir para
estruturar sua própria facção política em todo o
estado. (LEMOS, 1989, p.45).
184
das Neves, um território que na época equivalia a 50% de Macaé, além
de 80% da produção cafeeira. Nessas novas vilas, embora pouco
significativas sob o aspecto demográfico e econômico, eram mais espaços
para o Portella e seu grupo político.
Nas atas das reuniões da Intendência de Macabu (1891-1892),
inclusive na primeira, há referências e homenagens (nomes de ruas) de
dois políticos que contribuíram para a emancipação do município,
intercedendo junto ao governador Francisco Portella: José Vicente
Valentim e Manoel Vieira da Fonseca.
Mas quem eram José Vicente Valentim e Manoel Vieira da
Fonseca?
Ambos eram políticos, deputados pelo Rio de Janeiro. Ambos,
embora não fossem campistas, tinham como base eleitoral e domicílio o
município de Campos e seus arredores. José Vicente Valentim,português,
nascido no Porto, era um rico comerciante do ramo cafeeiro. Manoel
Vieira da Fonseca era médico, baiano de Salvador, também tinha como
base eleitoral Campos e seus arredores. Ambos apoiaram a luta
republicana, ambos eram aliados do governador Portella e com ele
traçaram estratégias para sucumbir a força monarquista tão presente nos
meios políticos regionais.56
56
Na ALERJ, Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no APERJ, Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro e no Palácio do Ingá, é possível encontrar os
registros de todos os deputados que tiveram mandato, tanto no atual, como no antigo
Estado do Rio de Janeiro. Em alguns casos, discursos, perfil profissional e até fotografias
de alguns deles.
185
Mas existiam em Macabu motivações políticas locais para tal
emancipação? Ou as motivações eram apenas externas? Claro que sim. A
emancipação de Macabu significava a criação de cargos políticos, de
prestígio regional, da chance de políticos locais assumirem funções
públicas na intendência municipal. Também era uma chance para
políticos aliados de Portella, fossem de onde fossem, pois não havia função
eletiva, todos eram nomeados.
Nos anos anteriores à emancipação de Macabu, um grupo de
personalidades locais, ligados ao meio rural, ao comércio e profissionais
liberais, como médicos e advogados, converteram-se ao republicanismo.
Esses setores da sociedade macabuense uniram-se no processo de
emancipação. O primeiro passo foi dado na luta político-eletiva, tentando
dentro do esquema da legislação monárquica alçar cargos regionais:
subdelegado, juiz de paz, vereador distrital.
Entretanto, essas forças foram sistematicamente barradas,
derrotadas, pois o sistema eletivo era marcado pela violência e ineficácia
da Lei, onde prevalecia a força política do grupo de coronéis mais
poderosos. No quesito força, os coronéis de Macabu não tinham
condições de competir com os de outras regiões de Macaé – até pelo fato
de não haver uma unidade política local. Ao contrário, não raro uniam-
se aos grupos mais fortes da região.
Pinheiro Maia, Freire, Cunha, Allemand, Daumas, d’Oliveira,
Lobo Vianna, Ribeiro, Bellas, Reid, Gomes, Tavares e Silva Castro eram
algumas das famílias mais poderosas da freguesia. Tais famílias não se
consideravam mais representadas, queriam uma forma política que lhes
186
garantisse mais acesso ao poder. A monarquia, onde outros grupos
conseguiam mais representatividade à custa dos próprios macabuenses,
não era o sistema político adequado (SILVA; GOMES, 1997).
Desde que os Amado de Aguiar, a mais tradicional representação
política de Macabu, que há quase meio século ocupavam os principais
postos políticos regionais, deixou de fazê-lo, era comum que políticos
macaenses, de Carapebus e Quissamã ocupassem postos por aqui,
desagradando grupos locais.
A oportunidade de uma guinada política em Macabu surgiu bem
longe daqui, a 230 km de distância, no dia 15 de novembro de 1889,
quando, no Rio de Janeiro, o marechal Deodoro da Fonseca deu o golpe
que pôs fim a 69 anos de regime monarquista no Brasil. A princípio, a
República significou duas coisas: primeiro, um enfraquecimento dos
fortes grupos monarquistas de Macaé, Carapebus e Quissamã; segundo, a
probabilidade de que num novo regime político-eleitoral as forças locais
fossem finalmente capazes de tomar as rédeas do poder local.
Mas isso era a princípio, porque uma nova realidade estava
avizinhando-se. Deodoro da Fonseca na condição de presidente
provisório nomeou o advogado e político piauiense radicado em Campos,
Francisco Portella, governador do Rio de Janeiro. Republicano ferrenho,
inimigo dos grupos monarquistas da região, com vários amigos e
correligionários em Macabu, como os Silva Castro e os Ribeiro, Francisco
Portella precipitou os acontecimentos em favor dos macabuenses, criando,
por decreto, o município de Macabu, desanexado de Macaé.
187
Não era isso apenas uma simples disputa entre republicanos e
monarquistas. Mesmo entre os republicanos, havia, desde os primeiros
momentos da Proclamação, uma disputa entre grupos internos, dos quais
Deodoro e Portela constituíam uma parcela (LEMOS, 1989).
Não era um favor de Portella criar o novo município. Sob pressão
das personalidades já citadas, com apoio dos deputados já listados e
incumbido da missão de minar as forças realistas na região, agiu
estrategicamente, criando um novo município, acendendo uma chama e
empunhando uma bandeira que não duraria muito, mas que deixaria
marcas que só seriam completamente sanadas em 1952, quando
aconteceria a emancipação definitiva.
Conceição de Macabu foi mais uma consequência das estratégias
portelistas de afirmação política do que um produto de seus próprios
meios econômicos, demográficos e políticos, embora, como vimos,
tivesse até razões para tal.
188
pela Constituição do Império (1824), e alguns decretos do presidente
Deodoro da Fonseca, criava-se uma “Villa”, o mesmo que uma cidade,
que no caso era Conceição de Macabu, dando a esta “Villa” um território
(município), com um ou mais distritos – hoje se cria um município e
neste a sede, a cidade. A diferença para os dias de hoje, é que a “Villa”
deveria fazer reformas urbanas, como arruamento, organização de praças,
prédios públicos. Se fizesse, seria considerada uma “cidade”. Mas tanto a
“villa” quanto a “cidade”, além do título, tinham entre si a diferença de
organização do espaço urbano. No mais, ambas representavam municípios
livres, independentes (RIBEIRO, 2007).
Outra diferença dos dias de hoje: conforme já esclarecido antes, é
que tudo era feito por decreto, não se votava em plebiscito para
emancipação. Do mesmo jeito, as autoridades eram escolhidas por
decreto, eram chamados de intendentes, num total de cinco, e destes, um
tornava-se o Intendente Geral, espécie de prefeito. Não se votava em
intendente, pelo menos a princípio.
Abaixo transcrevo a Ata da Posse da Intendência e Instalação da
Villa de Conceição de Macabu:
189
Aos sete dias do mês de Maio do anno de mil oito centos e noventa e hum,
terceiro da República dos Estados Unidos do Brazil, nesta Villa da Conceição
de Macabu, Comarca de Macahé, Estado do Rio de Janeiro, em a casa do
cidadão José da Natividade e Castro, servindo de paço do Conselho da
Intendência, reunidos os cidadãos: capitão José Manuel Tavares de Castro; José
da Natividade e Castro; Roberto reid; Henrique José Bellas; Leonardo d’oliveira
Gomes e grande concurso de pessoas do povo. O cidadão José Manuel Tavares
de Castro, declarou que a presente reunião tinha por fim fazer público o Decreto
de 1º de Maio do corrente anno, do Exmo. Governador d’este Estado, elevando
esta localidade a cattegoria de Villa, e o ato da mesma dacta, da nomeação do
conselho da Intendência. Em conseqüência passara a ler em voz alta o referido
Decreto que é do seguinte theor: Decreto nº de 1º de Maio de mil oito centos
e noventa e hum. O Dr. Francisco Portella, Governador do estado do Rio de
Janeiro decreta: Art.1º Fica creado o município de Macabu que se divide em
dousdistrictos: o da Conceição e o de Santa Catharina, limitados entre si pelo
rio de Santa Catharina, córrego e serra de Santo Antônio. Parágrafo Único. Este
município será desmembrado do de Macahé, fazendo parte da comarca de
mesmo nome e terá sede na povoação da Conceição, que é elevada a cathegoria
de Villa. Art.2º O Novo município se dividirá com os municípios de Campos e
Santa Maria Magdalena pelos limites actuais, e com o de Macahé pelos limites
existentes até a estrada da Ingazeira, e dahí por esta estrada até a estação de
Sant’Anna, depois pela linha férrea Macahé a Campos até o rio Macabu e por
este rio acima pelos limites actuais. Art. 3º Ficão revogadas as disposições em
contrário. Palácio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1º de Maio de
1891. Dr. Francisco Portella. Finda a leitura d’este e do acto de nomeação do
Conselho de Intendência, o cidadão José Manuel Tavares de Castro, apresentou
o seu título de nomeação da presidência da mesma e convidou os outros cidadãos
190
nomeados: José da Natividade e Castro, vice-presidente; Henrique José Bellas;
Roberto Reid; Leonardo d’Oliveira Gomes, membros da mesma a exibirem os
seus títulos, o que immediatamente fizeram. Tomando então o capitão José
Manuel Tavares de Castro assento no topo da mesa, para o fim preparada,
convidou aos nomeados a tomarem assento em torno d’ela, e, para secretário
ad’hoc o cidadão Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna, declarando ao mesmo tempo
que não havendo livro próprio, rubricado, numerado e encerrado para inserir as
actas que se fizesse num livro em branco apropriado que então apresentou e que
uma vez empossado supprimiaaquella falta. Constituindo assim o Conselho da
Intendência em cumprimento do citado Decreto, o presidente nomeado, capitão
José Manuel Tavares de Castro, declarou que iria prestar a promessa de estylo e
convidava os demais membros a fazerem o mesmo e pondo-se de pé, assim como
todos os outros membros, o fez de pé do seguinte modo: “Eu, José Manuel
Tavares de Castro, prometto perante os presentes sob minha palavra de honra,
desempenhar todos os actos relativos ao meo cargo de Presidente d’esta
Intendência, só tendo em vista a s Leis da República e o engrandecimento d’este
município.” Em acto contínuo a declaração dos demais membros, cada um por
si: “Eu o prometo”. Isto feito o presidente declarou empossado o conselho da
Intendência e instalado o município de Macabu, dando vivas ao Presidente da
República, a Nação Brasileira, ao governador do Estado, a prosperidade do
município e ao povo. Que vio realizado uma de suas aspirações, os quais foram
vivamente correspondidos pelo mesmo, sendo n’este acto hasteada numa janelas
do edifício a bandeira da República, que foi saudada com o Hynno Nacional
pela Banda de Música “Lyra Republicana”, mantida pela Sociedade Musical
Macabuense que trazendo o seu estandarte se achava presente representado pelo
presidente e cidadão Francisco Norberto da Silva Freire. Findo este acto, o
presidente propôs que inserisse na acta um voto de louvor ao muito digno
191
governador Exmo. Sr. Dr. Francisco Portella por ter elevado esta freguesia a
cathegoria de Villa, sendo a proposta unnanimemente aprovada e
deliberadamente aplaudida pelo povo. Propôs também que se desse voto de
louvor aos Srs. Drs. José Vicente Valentim e Manoel Vieira da Fonseca, pelos
esforços que empregaram em prol na confecção desse fim e que se fizeram ciente
aos mesmos cidadãos o que foi também approvado unnanimemente e com geraes
aplausos. Em seguida o intendente José Manuel Tavares de Castro prop ôs que
em sinal de reconhecimento se denominassem as principais ruas de modo
seguinte: a primeira, Rua do Governador Francisco Portella; a segunda, Rua do
Dr. Valentim; a terceira, Rua do Dr. Vieira da Fonseca, e, a Praça Principal, de
1º de Maio, perpetuando assim a dacta do decreto que elevou esta localidade a
Villa. Propôs mais o cidadão presidente que se extrahisse cópia da acta para
remeter-se ao digno governador a fim de que o mesmo ficasse sciente do modo
enthusiástico porque foi recebido e acceitoseoacto. E sendo a hora adiantada o
presidente convidou os membros da Intendência a se reunirem no dia quinze
corrente às dez horas da manhã a fim de tratar das nomeações das comissões de
estylo, das nomeações empregadas e dos interesses do município e mandou para
mim, Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna, secretário ad’hoc nomeado lavrar a acta,
suspendendo a secção enquanto isso fazia. Terminada Ella o presidente reabriu a
sessão, mandando ler e em discussão não havendo quem sobre a mesma pedisse
a palavra, foi posta em votação e unnanemementeapprovada, declarando o Sr.
Presidente encerrada a sessão no meio dos mais enthusiásticos e geraesapplausos.
E eu, Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna servindo de secretário ad’hoc que escrevi:
José Manuel Tavares de Castro - Presidente
J. Natividade e Castro
Henrique G. Bellas
Roberto Reid
192
Leonardo d’Oliveira Gomes
E os presentes: Miguel Duarte, Gaudêncio José dos Santos Lópes, João
Gonçalves de Oliveira, Antonio Augusto Pinheiro de Souza, Victorino Marques
Xavier, Antonio Manoel Tavares, Mariana Máximo Tavares, Ponciano Massena,
José Antonio Gomes Honetto, Francisco Nunes da Silva Freire, Raphael
Archanjo da Fonseca, Victor Fernando dos Santos, Dr. Francisco Pessanha,
Hermínio Nascentes Barreto, Honório da Silveira, José de Oliveira Gomes,
Manoel da Cunha Leal, Manoel Massena, (ilegível) Maciel de Azevedo, Joaquim
Borges d’Athayde, Antonio Pereira da Silva, José Felício de Aguiar, Antonio da
Costa Pinto, Joaquim Soares de Aguiar, Antonio da Costa Pinto, Joaquim Soares
de Aguiar, João Francisco Chaves, Plácido N. da S. Freire, Luíz Goze Alves da
Silva Freire, Sebastião Pereira da Silva Mello, João Emmílio dos Santos, Cesário
Pinto de Almeida, João José da Silva Pessanha, Amaro Pereira Braga, João
Vasconcellos. Armando Luquesi, Francisco Norberto da Silva Freire, José Alves
da Fonte, Florêncio Pinheiro Maia, Antônio Martins da Cunha, Laurindo
Pinheiro de Barros, Antonio d’Oliveira Gomes, Cândido d’Oliveira Gomes.”
193
Castro, embora, como se percebe a seguir, é o capitão José Manuel
Tavares de Castro que exerce a função de Intendente Geral.
E onde ficava o Paço Municipal? Bem, segundo Herculano
Gomes da Silva, historiador e avô deste que vos escreve, a casa do
intendente que servia de “Paço” ainda existe. Nela reside José Mário de
Campos Tavares, sua esposa Mary e seu filho Diego, situada na Rua
Antônio López de Oliveira, centro da cidade. A casa, bem preservada até
os dias de hoje, é ladeada pela casa de dona Jeannete Pacheco, casa da
Cultura Professor Adelino e a casa de Ronaldo Tavares. Convém destacar
que são algumas das construções mais importantes da cultura local,
inteiramente preservadas por iniciativas de seus donos – exceção da Casa
da Cultura, que é pública (SILVA; GOMES, 1997).
Voltando à ata, fez-se então a leitura do documento, o decreto de
1º de maio de 1891, criando o município de Macabu, dividido em dois
distritos – Conceição de Macabu e Curato de Santa Catarina. Divididos
pelo rio e serra de Santa Catharina, Serra de Santo Antônio, limites que
ainda hoje fazem parte do município, só no 1º distrito. Já o segundo, hoje
em dia, é Macabuzinho.
O Curato de Santa Catharina, ou simplesmente Santa Catharina,
era formado por um vilarejo às margens da Estrada de Cantagalo, onde
vivia a menor parcela da população. A maioria habitava pequenas e médias
propriedades rurais do Vale do Rio Santa Catharina (hoje Santo
Agostinho), Rio das Aduelas e Santo Antônio, além dos entornos das
serras de mesmo nome. Era uma comunidade plenamente rural, mas
produtiva e bem localizada, com uma vantagem e tanto para aqueles
194
tempos: longe do Rio Macabu, cujas cheias e mosquitos vetores de
doenças assolavam a região, como em Macabuzinho, Ponto do Pinheiro
e São João do Macabu.
Outra constatação importante é a questão dos limites
intermunicipais, que naqueles tempos já provocavam discussões entre os
políticos locais. Se for considerar que os limites com os distritos macaenses
de Carapebus e Quissamã passavam pela estrada da Ingazeira até a estação
de Sant’Anna, depois pela linha férrea Macahé a Campos até o Rio
Macabu, e que estes sempre foram os limites distritais, surge uma pergunta
reportada aos dias de hoje: por que o município de Carapebus anexou tais
territórios? Conceição de Macabu de 1891 era maior que a de 1952 e bem
maior que o município de 2011.
Seguiu-se então a nomeação do Conselho da Intendência, tendo
o capitão José Manuel Tavares de Castro (futuro coronel Castro), como
presidente ou intendente geral (prefeito) e os demais intendentes: José da
Natividade e Castro, vice-presidente; Henrique José Bellas; Roberto
Reid; Leonardo d’Oliveira Gomes, membros da mesma. A ata foi escrita
pelo secretário ad’hoc, Eugênio d’Oliveira Lobo Vianna.
Em seguida houve o hasteamento da bandeira da República
(idêntica à atual) e a execução do Hino Nacional pela Banda de Música
“Lyra Republicana”, mantida pela Sociedade Musical Macabuense, que
trazendo o seu estandarte se achava presente representado pelo presidente
Francisco Norberto da Silva Freire.
O destaque dado à banda de música não era de se assustar. Em
todos os lugares havia uma ou mais bandas. Representavam status para a
195
localidade e para seu grupo mantenedor. Como veremos nos capítulos
relativos à Cultura local, as bandas eram as manifestações culturais urbanas
mais importantes nessa região, representando, em Macabu, grupos
políticos e, até mesmo, grupos sociais.
Nas linhas seguintes, o intendente geral propõe homenagens em
forma de nomes de ruas e praças, as primeiras de Macabu. A Praça que já
foi Santos Dumont e hoje é José Bonifácio Tassara, chamou-se na época
1º de maio, alusivo à data da emancipação. Seguiu-se então a nomeação
de três ruas: Rua do Governador Francisco Portella, que hoje seria a
Avenida Victor Sence, no trecho entre o Hotel Siqueira e a esquina da
Rua Bento de Andrade Lemos; a rua do Dr. Valentim, que seria a da
Ferrotintas, em torno da praça; e a rua do Dr. Vieira da Fonseca, que seria
a da Padaria Central. A Rua da Câmara Municipal, a maior, manteve a
denominação de “Estrada de Cantagalo”.
Seguiram-se as assinaturas de vários cidadãos, muitos
provavelmente acompanhados de suas mulheres e filhos, mas, que, na
condição de pais de família, eram os únicos a assinar a ata.
No meio dessas assinaturas há algumas presenças ilustres e
ausências inexplicáveis. Ficando nas presenças, os membros da intendência
eram representantes da elite rural e comercial local: Tavares, Silva Castro,
Bellas, Reid, Gomes, além do secretário ad’hoc, Lobo Vianna. Há muito
a ser dito sobre a História dessas famílias, mas infelizmente não cabe nesse
momento. Apenas ressalto que, dos citados acima, apenas os Silva Castro
eram recém-chegados a Macabu (datados da década de 80 do século XIX),
os demais eram muito antigos, como os Reid, que já na década de 30 do
196
século XIX ocupavam as fazendas São José do Sossego e Santa Maria,
através de união com os Figueiredo. Gomes, Bellas e Tavares são dos anos
50 e Lobo Vianna dos anos 60. Todos tinham tradição agrícola e
comercial, sendo que Roberto Reid além de fazendeiro era médico.
Pinheiro Maia, Massena, Silva Freire e Alves da Fonte são outro
grupo de famílias que, embora não fizessem parte da intendência, eram de
grande importância. Pinheiro Maia é uma das mais antigas famílias de
Macabu, que aqui se estabeleceram por conta da navegação fluvial no Rio
Macabu como comerciantes e proprietários rurais. O primeiro vigário da
paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu era um Pinheiro
Maia. Massena tem uma participação curiosa com Ponciano Massena aqui
chegando junto com o ramal ferroviário e o gerenciando por muitos anos,
era o “chefe da estação” (ALMANAK LAEMMERT, 1860).
Silva Freire era uma família de projeção inter-regional. Originários
de Cantagalo, dedicados à produção de café, transporte e comercialização
do mesmo, era um grupo abastado, com grande influência na região e na
capital. Plácido Freire, homenageado com nome de rua, foi um político
que galgou vários postos a níveis municipais e estaduais.
Concluo a análise dos presentes com Alves da Fonte, outro nicho
familiar de projeção local, tendo ocupado várias vezes cargos na
intendência de Macaé, em especial os de fiscalização e administração da
freguesia/distrito de Macabu. Joaquim Alves da Fonte, um dos pioneiros
dessa família na região, aqui chegou antes da formação da freguesia,
possivelmente nos anos 30 do século XIX.
197
Na lista dos ausentes ao evento, sem querer buscar explicações para
tais faltas, destacamos o coronel Antônio Ignácio Valentim, os
farmacêuticos Evaristo da Silva Ribeiro e Manoel Barbosa Moreira,
dentre outros, que, com exceção do Manuel Moreira, mais tarde fariam
parte da intendência. Além deles, os Pareto, radicados em Santa Catharina
(Fazenda Santo Agostinho), também têm sua ausência sentida e não
surgem em momento algum na história da intendência de Macabu,
embora fossem muito ativos na vizinha Macaé desde sua chegada por aqui,
na segunda metade daquele século.
No dia 15 de maio de 1891, os membros da Intendência se
reuniram novamente, desta vez para organizar as comissões, que tinham
funções semelhantes aos das secretarias municipais de hoje. Cabia aos
intendentes, além da função legislativa, integrar o sistema executivo,
assim, a maioria dos membros das comissões eram intendentes.
Comparando aos dias de hoje, como se vereadores se tornassem também
secretários municipais, sem a necessidade de deixarem os cargos de
vereador.
A Comissão de Justiça, responsável pela análise da legislação e
ações propostas pela Intendência, ficou a cargo de Leonardo d’Oliveira
Gomes e Roberto Reid. Leonardo Gomes era advogado, proprietário
rural na região de São Domingos; Roberto Reid era médico, neto do
escocês Robert Lawrie Reid, que ciceroneou Charles Darwin em 1832.
Como raros eram os macabuenses com nível de escolaridade superior,
eram os mais talhados na função dentre os demais membros. As finanças,
através da Comissão de Fazenda, ficavam a cargo de José da Natividade e
198
Castro, comerciante de café e proprietário rural, além de um dos grandes
responsáveis pela formação do novo município.
A secretaria da Intendência ficava a cargo da Comissão de
Redação, composto por Roberto Reid e Henrique José Bellas. Reid já
fora citado, e Henrique Bellas era proprietário rural e comerciante, mas
perpetuou-se em Macabu por ter sido pai de criação de sua sobrinha,
Cellina Bellas – “a tia de todos os macabuenses”. Bellas junto com José
da Natividade e Castro, ainda faziam parte de outra comissão, responsável
pela fiscalização de posturas, a Comissão de Posturas.
Voltando a Roberto Reid, ou melhor, ao médico, o mesmo era
membro único da Comissão de Hygiene, cuja função básica era prover
vacinações e meios de evitar o surgimento e proliferação de epidemias,
tão comuns naquela época. Assemelhava-se a uma Secretaria de Saúde,
mas com funções menos preventivas e mais combativas. Há registros em
forma de depoimentos que Roberto Reid, já idoso, aposentado, foi
fundamental na contenção da Gripe Espanhola, cuja epidemia assolou a
região entre 1919 e 1920.
Havia ainda os cargos da Intendência, funções corriqueiras como
a de Procurador (Luís José da Silva Júnior); Porteiro (Florêncio Pinheiro
Maia); Administrador do Cemitério (João Francisco Chaves); Fiscal da
Villa (Amaro Pereira Braga); e Fiscal da Freguesia de Santa Catharina (Luís
José Lobo).
Na relação acima, o porteiro era mais que um recepcionista ou
“abridor e fechador” de portas, era o administrador do prédio da
Intendência. Florêncio Pinheiro Maia era sobrinho-neto do primeiro
199
vigário de Conceição de Macabu, Florêncio Maia. Era representante de
uma família radicada na região de Santa Catharina, onde o
estabelecimento comercial da família ajudou a criar a expressão “Ponto
do Pinheiro”. O mesmo se referia ao comércio de secos e molhados que
a família mantinha na encruzilhada da linha ferroviária com a estrada de
Santa Catharina e um porto fluvial no Rio Macabu.
Outros nomes que nos chamam atenção são os de Amaro Pereira
Braga, fiscal da Villa, portanto responsável pela fiscalização tributária de
Conceição de Macabu, e Luís José Lobo, fiscal da freguesia de Santa
Catharina, na época o segundo distrito do município. Amaro Braga era
comerciante, fabricava telhas e tijolos. Seus tijolos maciços e as telhas tipo
‘canal’, ainda podem ser encontrados numas raras paredes e telhados de
velhos casarões sobreviventes da sina progressista que varre a cidade.
Luís José Lobo era proprietário rural em Santa Catharina, mais
especificamente em Santo Agostinho, onde sua família se estabelecera com
a chegada do italiano Victorio Emmanuel Pareto. Lobo era o sobrenome
dos descendentes de Pareto num segundo casamento.
Seguiu-se então para a reunião do dia 16 de maio de 1891, que
chama atenção pela urgência na cobrança de taxas e impostos, uma vez
que havia necessidades urgentes de fundos. O problema é que o município
de Macaé já havia feito tais cobranças, restando duas alternativas aos
políticos locais, solicitando que Macaé repassasse os impostos cobrados;
ou antecipando as cobranças do ano seguinte. Outra situação discutida era
a presença de animais soltos nas ruas de Macabu, cavalos, porcos, bois,
cães.
200
Na reunião de 1° de junho, anunciou-se a nomeação de um novo
delegado de polícia, o senhor Antônio Manuel Tavares, fazendeiro da
região de Macabuzinho. Maneco Tavares como era mais conhecido, era
um dos líderes do clã Tavares, que naquele final de século XIX despontava
não só como grande, mas de crescente importância, pois estava em
diversas áreas da economia e agora da política local. Na reunião seguinte,
no dia 15, anunciava-se o subdelegado, Antonio da Costa Pinto, neste
caso responsável pela região do segundo distrito, Santa Catharina.
A reunião de 1 de julho começa com o pedido de exoneração de
Roberto Reid, por razões que desconhecemos. Seguiu-se a nomeação de
dois novos intendentes, Antonio Ignácio Valentim e João José da Silva
Pessanha. Os intendentes eram expoentes da economia local. O coronel
Antonio Ignácio Valentim, português, estava radicado em Macabu há
alguns anos, era comerciante de café, proprietário do Engenho Central
Macabuense, usina de beneficiamento de gêneros agrícolas como milho,
arroz, cana e café. João José da Silva Pessanha era produtor rural da região
do São João de Macabu.
Outra informação colhida é que Conceição de Macabu tinha sido
beneficiada com certo “planejamento urbano”, ou arruamento, feito pela
Intendência de Macaé e planejado pelo engenheiro José Archangelo
Pereira. Já visando a possibilidade de receber o título de “cidade”, a
Intendência solicitou a Macaé os documentos referentes ao arruamento.
Esse arruamento data de muito, pois o arruador José Archangelo Pereira,
tratado como engenheiro, está presente no Almanak Laemmert de 1860,
como primeiro a ocupar tal função na recém-criada freguesia.
201
A reunião de 1° de julho é das mais movimentadas e trás, por
exemplo, um telegrama do governador Francisco Portella, avisando da
promulgação da Constituição da República. Seguem a reunião
deliberando a criação de um imposto de 50 mil réis sobre o café. O
imposto sobre o café tratou-se de uma medida desesperada de fazer fundos
para começar os trabalhos administrativos.
O mês de julho foi agitado, culminando com uma sessão sem
quórum no dia 15. Agosto começou da mesma forma, com falta de
quórum na sessão do dia 1. Mais complicado ainda era o pedido de
exoneração do Intendente José Manuel Tavares de Castro, deixando em
aberto a importante vaga de intendente geral. Assim, o primeiro
administrador, digamos prefeito, de Conceição de Macabu, só governou
de 1° de maio a 15 de julho, por menos de três meses.
Não foi possível averiguar as causas da exoneração. As informações
sobre o período são limitadas. Mas o intendente foi rapidamente
substituído com a nomeação de Francisco José da Silva Pessanha, irmão
de outro intendente, e como ele, proprietário rural em São João de
Macabu.
Outro destaque é o estabelecimento dos salários dos funcionários
da intendência: secretário – 100 mil réis; fiscais e administrador do
cemitério – 75 mil réis; porteiro – 20 mil réis; procurador – 8%. Também
há um pedido do governo estadual de produtos para a Feira Internacional
de Chicago nos Estados Unidos, há elogios ao primeiro número do jornal
O Silva Jardim, o primeiro periódico de Macabu, que hoje só resta um
exemplar.
202
Nas reuniões de 20 de agosto e 15 de setembro (1° de setembro
não houve quórum), anotamos a posse de um novo intendente, Evaristo
Morais da Silva Ribeiro, farmacêutico macabuense, cujo nome está
eternizado no estádio do Rio Branco F.C. Há uma curiosa requisição de
reparos numa certa Estrada do Frade, num lugar chamado Sete Pecados,
de propriedade da senhora Maria Rosa Nunes Freire. Averiguando, se
tratava de uma estrada que unia a região do São Tomé, na Amorosa, com
outra que seguia pelo município de Macaé até a região do Frade.
Outra particularidade é a solicitação do intendente Evaristo Morais da
Silva Ribeiro, farmacêutico e membro da Comissão de Hygiene, ao
governo estadual, para o envio de dez tubos de Lynpha Vaccinia, usada
contra varíola. A varíola era uma epidemia que anualmente grassava em
certas regiões do Brasil, em geral próximas a portos, estações e áreas de
trânsito, como Macabu. Em geral, até a vacinação, a residência do doente
era mantida sob quarentena, que poderia se estender a toda vizinhança.
As atas de 1° de outubro, 16 de novembro, e 1° de dezembro, não
trazem grandes novidades a não ser a obrigatoriedade do fechamento do
comércio aos domingos às 14 horas. Outra solicitação é a da criação do
distrito de Nossa Senhora do Amparo – pedido ao governador – com sede
em Capelinha, e divisas na estrada do Caju até o Rio do Meio, daí até a
estrada do Pacheco e do Córrego Grande com a estrada de ferro Macahé
a Campos. Aos que hoje discutem as fronteiras de Macabu com
Carapebus, aí está uma dica: o município de Macabu, criado com base na
freguesia que foi desmembrada de Macaé.
203
Já a ata de 17 de dezembro trouxe uma grande novidade. Sempre se
falou muito dos salários dos políticos, muitas vezes alegando que no
passado eles nada ganhavam no exercício de suas funções públicas. Pois
bem, nessa reunião estabeleceu-se salários para o Intendente Geral, de
1:200.000$00 ou um conto e duzentos mil réis; 800 mil réis para o
secretário; fiscais e administrador do cemitério, 300 mil réis; porteiro, 120
mil réis. Com exceção do intendente, os demais já tinham salário, que no
caso sofreram polpudos reajustes.
Em valores atuais é muito difícil se fazer um cálculo. Mas a Caixa
Econômica Federal disponibiliza um padrão de cálculo aproximado.
Segundo a instituição financeira, em 1891, um mil réis (1$000) valiam
0,30 dólares americanos (trinta centavos de dólar americano). Assim,
usando o câmbio do dólar de 21 de novembro de 2011 (1,82 reais para 1
dólar), podemos transferir o padrão para os dias de hoje e calcular um
valor aproximado de 0,54 reais (54 centavos de real) para cada mil réis.
Pois bem, o intendente ganhava o equivalente a R$ 6.480,00 reais, ou,
50% do que um prefeito ganha hoje em dia. Nesta linha de cálculo, os
salários seriam de R$ 4.320,00 para o secretário; fiscais e administrador do
cemitério, R$ 1.500,00; porteiro, R$ 600,00. 57
57
Além da Caixa Econômica Federa (www.caixa.gov.br), há o site
http://www.portaldefinancas.com/conversao1.htm.
204
um novo governo estadual, seguida pela possibilidade e depois certeza de
que o município seria – como foi – extinto.
A ata de 02 de janeiro de 1892 anuncia o novo governador do estado,
empossado no ano anterior. Tal fato deu-se por conta de um fato bem
mais amplo: a sucessão presidencial, a renúncia de Deodoro da Fonseca,
em meio a grave crise econômica e política, e sua sucessão pelo polêmico
marechal Floriano Peixoto.
Floriano destituiu os aliados de Deodoro, dentre eles Francisco
Portella. Para seu lugar nomeou o almirante Carlos Baltazar da Silveira,
baiano radicado na capital federal, ex-monarquista, ex-membro do
conselho do imperador Dom Pedro II, enfim, um representante da velha
ordem (FERREIRA, 1989).
O novo governador começou mudando as intendências de todo
Estado, nomeando novos conselhos. Em Macabu ele não teve tanto
trabalho. Aliados do governador Portella, os membros da intendência
renunciaram em massa, permitindo uma rápida e nada polêmica sucessão.
A nova intendência, pode-se dizer o novo (terceiro) governo macabuense
ficou assim constituído a partir de 23 de dezembro de 1891: presidente
Evaristo Alves da Silva Ribeiro; Antonio de Oliveira Gomes; Francisco
Norberto da Silva Freire; José Augusto da Silva Guimarães; Laurentino
José Gomes da Rocha.
Carlos Baltazar da Silveira ficou famoso por revisar, ou seja, anular os
atos de seu antecessor Francisco Portella. Essa frase por si só já encerra as
explicações para a extinção do município de Macabu. Mas antes da
extinção a vida seguiu seu rumo em Macabu, várias reuniões foram
205
realizadas, várias decisões tomadas, como por exemplo o estabelecimento
de um regimento interno, baseado no de Pirahy.
Outras decisões deram-se em relação às obras, como o nivelamento
da Praça 1º de Maio, ponte no Rio Macabuzinho a caminho de São João
de Macabu (estrada do Osório). Além disso, a intendência realizou o
pagamento de seis meses de salários, costume da época, de se pagar em
seis ou doze meses.
Continuando a revisão das atas, há duas discussões muito curiosas e
importantes. A primeira diz respeito a Quissamã, que questiona a
emancipação de Conceição de Macabu não no sentido de anulá-la, mas
com duas possibilidades irônicas: ou de se fazer uma emancipação forçada
de Macaé, ou de se juntar a Macabu. Se juntar a Macabu? Por pouco
Quissamã não antecipou Macabuzinho, que em 1952 juntou-se a Macabu
formando o município de Conceição de Macabu.
Apesar da queda do Portelismo, a situação política de Macaé não
agradava aos tradicionais grupos políticos, principalmente aos de
Quissamã e Carapebus, que se viam alijados. A “opção” quiçamaense de
tornar-se macabuense ou emancipar-se soava mais como um blefe, uma
forma de protesto, que ao que se sabe, deu certo, pois não tardou a tais
grupos retornarem o controle do antigo município de Macaé (NEMO,
1892).
A segunda discussão é atual, embora tenha 110 anos. Tratou-se de um
questionamento em que se discutiu o fato de Conceição de Macabu existir
apenas no papel, ou seja, ainda não ter definido e demarcado seus limites
territoriais, que ficariam assim: da Ponte de Paciência sobre o Rio
206
Macabu, onde mora Aureliano Lópes, até a Estrada Geral de Carapebus,
passando pela olaria da viúva de Miguel Tavares até o Córrego Grande e
daí até a Estrada da Ingazeira, até os antigos limites entre Barreto e Macabu
e destes limites ao Rio São Pedro. Daí acima até as nascentes do rio na
“Serra Verde”, antigos limites entre Macabu e Neves, seguindo até as
nascentes do Rio “Caro-Cango”, seguindo o mesmo até sua foz com o
Rio Macabu e por este, compreendendo seu lado direito.
Por fim, a fatídica reunião de 29 de abril de 1892, onde os
intendentes avisaram a população de que a partir do dia seguinte, 30 de
abril, o decreto de criação do município de Conceição de Macabu estaria
anulado pelo governador. Na época tentou-se um movimento popular,
que culminou num outro problema: no dia 03 de maio de 1892, apenas
72 horas após a extinção de Macabu, o Rio de Janeiro ganhava seu
primeiro governador eleito (mesmo que indiretamente), José Thomas de
Porciúncula. A sucessão nos foi menos favorável. Porciúncula em nada
mudou os atos de Balthazar (FERREIRA, 1989).
A sociedade macabuense, mobilizada, porém isolada, tentou ligar-
se a outras em igual situação, como Nossa Senhora das Neves, porém, os
frutos não vieram. 60 anos teriam de se passar.
207
tentar formar seu grupo político, para se fortalecer contra os monarquistas,
ou mesmo em oposição a outros grupos republicanos.
A ação de Portella marcou a história local, formando base
ideológica, que, 60 anos depois, culminaria no processo de emancipação
único.
Entretanto, a medida Portelista revelou as disputas internas, tanto
em Macabu, quanto nas demais freguesias (já denominadas distritos),
inclusive em relação à sede, Macaé.
Grupos políticos, monarquistas, monarquistas convertidos ao
republicanismo e republicanos, digladiariam pelo poder local, numa busca
de equilíbrio e superação política, que culminaram em profundas
mudanças na geopolítica fluminense, como se viu na emancipação e
posterior reanexo de Conceição de Macabu.
A mais explícita manifestação anti-emancipatória encontrada deu-
se nas páginas do jornal O Século, de 8 de maio de 1892, sob o título de
“CHRONICA: MACABU e NEVES”, onde um grupo de políticos
macaenses, partidários de Alfredo Backer e do Conde de Araruama,
juntou-se aos Pareto (de Macabu), para comemorar, de forma que hoje
em dia seria considerada exagerada, o reanexo de Conceição de Macabu
a Macaé.
O Século foi um dos mais importantes veículos de notícias de
Macaé e região no século XIX. Foi, em sua existência e após a mesma,
receptor de informações, divulgador de ideias, veículo de propagandas
que caracterizaram a vida na cidade e suas freguesias, vez por outra
atingindo rincões mais distantes, mas, em via de regra, restringiam-se à
208
capital da província/estado do Rio de Janeiro e a corte/capital federal, na
cidade do Rio de Janeiro.
Tipicamente provinciano, não tinha como suas características
principais a imparcialidade. Era um jornal partidário, que naqueles anos
após a Proclamação da República, tomara franca posição em aliança com
o grupo Florianista, representado em Macaé e suas freguesias por
republicanos históricos, como o Dr. Alfredo Backer, e monarquistas
“convertidos” à República, como o Conde de Araruama e outros,
Carneiro da Silva, os Queiroz Matoso e os Pareto (estes de Conceição de
Macabu/Curato de Santa Catharina).
O “Florianismo” do jornal O Século, foi acentuado com algumas
medidas do governador Francisco Portella, que, no ímpeto de reforçar-se
politicamente, privilegiou grupos macaenses dos quais as famílias e
personalidades acima não faziam parte. Complicando ainda mais as coisas,
criou dois novos municípios fluminenses, à custa do município de Macaé,
no caso, criando as vilas de Macabu e Neves.
Tanto em Neves quanto em Macabu, Portella privilegiou seus
correligionários, nomeando-os a cargos de destaque, como intendente,
arruador, fiscal, vereador, juízes, etc. Se fazer o mesmo em Macaé já
denotava um princípio de acirrado conflito político, multiplique-se por
três o mesmo, já que temos de considerar as duas ex-freguesias.
Mais que isso, havia três outras questões a considerar: o fato de
Quissamã e Carapebus não terem sido contemplados com o privilégio da
emancipação (fato que teria agradado aos Carneiro da Silva e aos Queiroz
Matoso); o caso do Curato de Santa Catharina, cuja junção a Macabu, na
209
condição de 2º distrito, deitou por terra as pretensões dos Pareto, em
detrimento dos Maia e Tavares; e o inerente bairrismo macaense, incapaz
de compreender e aceitar o desmembramento de seu território.
A reintegração de Macabu e Neves a Macaé, em 29 de abril de
1892, afirmando suspeitas existentes meses antes, confirmou-se em triplo
telegrama, enviado do Palácio do Ingá, em Niterói, destinado a Neves,
Macabu e Macaé, cujo texto, chegado a Macabu, assim dizia:
A Intendência de Macabu,
Pelo presente, informo a Vossas Senhorias a
revogação do decreto de criação da Villa de
Macabu e dos cargos a ela ligados. A mesma
passa a integrar o município de Macaé, na
mesma condição distrital anterior.
Exmo. Sr. Contra-Almirante Dr. Carlos
Balthazar da Silveira
Governador do Estado do Rio de Janeiro
Palácio do Ingá, Nictherói, 29 de abril de
1892.58
58
TELEGRAMA DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO À
INTENDÊNCIA DE MACABU, 29 de abril de 1892. Disponível no arquivo do Museu
do Ingá em Niterói.
210
passou por aqui. Já de Neves não há notícias, aliás, pouco se sabe sobre
aquele efêmero município.
Já em Macaé, graças ao jornal O Século, editado uma semana
depois, em 8 de maio, deixou-se claro o posicionamento de correntes
contrárias a Portella, como veremos nos próximos parágrafos.
Na seção ‘CHRONICA’, sob o título ‘MACABU e NEVES’,
matéria assinada por certo “Nemo”, o jornal expressa, da forma que hoje
consideraríamos ‘baixo nível’, as opiniões a respeito da reintegração de
Neves e Macabu ao município de Macaé.
Logo a princípio, o artigo deixa bem claro que a decisão se deu de
forma clara, acertada e justa, tratando as emancipações como parte de um
governo “horroroso e atrapalhado”:
211
estendendo tal enaltecimento a seus correligionários, assim tratados por se
manterem na oposição ao ex-governador:
213
Referências Cartográficas e Fotográficas:
214
Casa da Estrela, do coronel Antonio Ignácio Valentim, industrial, empreendedor de
origem portuguesa aqui estabelecido nos anos oitocentos e início do século XX.
Foto centenária da Avenida Victor Sence, colorizada. Acervo de Jhony Jarbas Brasil de
Morais.
215
Estação, Matriz e o Restaurante e Café de France em foto do final do Século XIX.
Acervo Efra Ribeiro/Marília Tassara.
216
Chegada do Padre Antonio Chiaromonte em 1886. O fato foi narrado num conto de
Machado de Assis. Acervo Efra Ribeiro/Marília Tassara.
217
Capa do Almanak Laemmert de 1856, com dados de 1855. Importante fonte sobre os
municípios da Província do Rio de Janeiro.
218
Na atual Praça José Bonifácio Tassara, vista para Cooperativa de Laticínios, existiu o
Engenho Central Macabuense (centro), ao lado a “Casa da Estrela”, residência do
coronel Antonio Ignácio Valentim. Foto de 1882. O engenho, transformado em
Cooperativa de Laticínios de Conceição de Macabu no ano de 1943, simbolizou o
auge da “era do café” na região, pois nele, café e outros gêneros, como arroz, milho e
mandioca eram “pilados”, tornando-se café torrado, canjiquinha, fubá, farinha de
mandioca e tapioca. Nos primeiros anos do século XX, com a crise do café, o engenho
beneficiou cana-de-açúcar, produzindo açúcar, rapadura e aguardente. Outra marca
daqueles tempos era a “Casa da Estrela”, que na virada do século XIX para o XX,
simbolizou o poder dos coronéis em Macabu. No caso, o proprietário, coro nel
Antonio Ignácio Valentim, era o chefe de uma das facções políticas locais, contrastando
com os coronéis Guilherme Barbosa e Etelvino Gomes.
219
Ata da instalação da Vila de Macabu e posse dos membros da intendência. Original
guardado no Arquivo da Câmara Municipal de Macaé retornou a Conceição de
Macabu 120 anos depois, para uma breve, porém proveitosa, exposição no Museu
Sociorreligioso Dom Clemente Isnard, por ocasião das comemorações dos 60 anos da
segunda emancipação do município. O trabalho de digitalização do documento levou
dez anos para ser concluído, devido às grandes dificuldades relativas à burocracia
macaense, que negou por seis vezes o acesso do autor ao mesmo nas gestões dos
presidentes Paulo Paes e Riverton Mussi. Somente com a interferência dos vereadores
Danilo Funke (Macaé) e Marlon Abreu (Macabu), foi possível digitalizar todas as atas,
analisá-las e expô-las.
220
O SILVA JARDIM, primeiro jornal de Conceição de Macabu, circulou entre 1891 e
1894. O exemplar acima, único que se tem notícia, é o de número 49, de 1 de agosto
de 1892. Uma coleção de antigos e raros jornais e “pasquins”, contando inclusive com
várias edições de O Silva Jardim, foi doada à Prefeitura pela viúva do pintor
macabuense Jarbas Brasil de Morais. O destino dos jornais foi uma fogueira, onde
livros, documentos e até a faixa do governador do Espírito Santo, o macabuense
Nestor Gomes, foram destruídos, em nome de uma faxina.
221
Referências
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro Civil das Pessoas Naturais, 1 a . ed. São
Paulo, Editora Atlas S.A., 1983, p. 13.
222
DA COSTA ABREU, Antonio Izaias. Municípios e topônimos fluminenses:
histórico e memória. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial do Estado do Rio de
Janeiro, 1994.
223
_______________________. A Terra Goitacá à Luz de Documentos Inéditos (t.
V). Apud SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur. Os canais de navegação do
século XIX no Norte Fluminense: canal Campos-Macaé - Representação ao
Ministério Público. 2000.
224
PENHA, Ana L. N. Pelas Águas do Canal – política e poder na construção do
canal Campos – Macaé . Tese de Doutorado apresentado a Universidade Federal
Fluminense em 05 de junho de 2012.
PIAZZA, Walter. O poder legislativo catarinense: das suas raízes aos nossos dias
(1834 - 1984) . Florianópolis: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina,
1984.
225
RODRIGUES, Cláudia; FRANCO, Maria da C. V. Notas sobre a presença e
a atuação da Igreja Católica na Antiga Macaé . In: AMANTINO, Márcia;
RODRIGUES, Cláudia; ENGEMAN, Carlos; FREIRE, Jonis (orgs).
Povoamento, Catolicismo e Escravidão na Antiga Macaé (séculos XVII ao XIX).
Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.
SILVA, Herculano Gomes da; GOMES, Marcelo Abreu. Macabu: a história até
1900. Conceição de Macabu: Gráfica Macuco, 1997. p. 58.
NEMO. Macabu e Neves . Seção Chronica. Macaé: Jornal O Século, 1892. p.02.
226
Bibliografia
227
4
A EMANCIPAÇÃO DE FATO: 15 DE MARÇO
DE 1952
228
Rio de Janeiro, talvez do Brasil, como relatado em mais de vinte
entrevistas59.
A ousadia descrita nas enquetes, partilhada pelos pesquisadores do
tema, parte da premissa que em 4 de janeiro de 1952, quando as urnas do
plebiscito popular foram abertas e contadas, expressaram um resultado
inigualado até hoje nas centenas de plebiscitos similares realizados pelo
país: unanimidade em quase todas as urnas, apenas 0,8% de votos
contrários (numa urna em Macabuzinho), uma vitória contundente do
“SIM”. De tal forma, que daí para a sanção da vontade popular, aprovada
na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, foi um mero
transcurso de tempo60.
Mas isso não significa que o processo até o plebiscito foi tão
simples como pode parecer nas narrativas acima. Se a partir dele era
praticamente impossível negar aos macabuenses sua autonomia, antes dele
travou-se uma luta, ou melhor, uma queda de braços política que durou
60 anos. Tempo este situado entre a extinção do município de Macabu
em abril de 1892 e a criação do município de Conceição de Macabu em
março de 1952.
59
Entre 1989 e 2012, foram realizadas entrevistas com 22 pessoas, sobre diversos assuntos,
inclusive a Emancipação de Conceição de Macabu. A opinião expressa é partilhada por
20 das 22 pessoas entrevistadas. O processo de entrevistas demandou cerca de três anos,
priorizando a faixa etária entre 98 e 106 anos, além de algumas personalidades.
60
Os dados estatísticos foram obtidos de documentos primários, originais, disponíveis
num livro encadernado, chamado de PROCESSO de EMANCIPAÇÃO de
CONCEIÇÃO de MACABU. As páginas foram organizadas segundo a cronologia dos
documentos, não havendo numeração de páginas ou referência semelhante. O processo
encontra-se arquivado no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM CLEMENTE
ISNARD, localizado na Estação Ferroviária de Conceição de Macabu.
229
Sessenta anos em que o Brasil mudou muito politicamente e
juridicamente, deixando sob esse ponto de vista, de ser uma frágil
República, ainda à mercê das disputas orgânicas, como em 1891 e 1892,
passando pelos anos oligárquicos, período Vargas até a redemocratização
pós-Estado Novo. Mudanças jurídicas que, ao priorizar a participação da
população em processos do gênero, como o emancipatório, colocou
literalmente nas mãos dos eleitores macabuenses o destino há tanto
almejado.
Redemocratização, Constituição de 1946, Lei Orgânica das
Municipalidades: instrumental jurídico fundamental, que, conciliados às
condições econômicas, demográficas, territoriais e, principalmente, à
eterna vontade de desligar-se de sua antiga sede municipal, fizeram da luta
dos macabuenses algo possível e, como visto, vitoriosa.
A história até o dia 15 de março de 1952, data da assinatura da lei
de emancipação, pode ser dividida em fases criadas por este autor, no
sentido de facilitar o progresso dos fatos até o referido dia: Anos de
Frustração (1892-1930), Anos de Espera (1930-1945), Anos de Esperança
(1946-1949) e A Luta pela Emancipação (1950-1952).
230
extinção, foi beneficiário e vítima daqueles tempos, refletindo, numa
escala pequena, a História do Brasil entre 1889 e 1892.
Transformado em município numa estratégia do governador
Francisco Portella de criar uma base política própria, foi extinto da mesma
forma pelo seu sucessor, o almirante Carlos Balthazar da Silveira, cujo
governo não durou menos que o município por ele extinto. Nos anos
seguintes, 1893 e 1894, o governador José Tomás da Porciúncula, um
fluminense de Petrópolis com amplas relações políticas com os
monarquistas, adversário ferrenho de Portella e aliado das petições dos
“novos republicanos macaenses”, tratou de negar todos os pedidos de
revisão da lei de extinção do município. Analisando os aspectos políticos
daqueles tempos, afirmamos que, caso fizesse, Porciúncula retornaria as
bases de seu inimigo político. Negá-la era desampará-lo em sua base de
apoio. Assim, Porciúncula negou61.
A atitude do governador Porciúncula, embora de forma menos
contundente, foi seguida pelos demais governadores do Estado, quase sem
exceção ou perspectiva com algumas brechas importantes no período de
Nilo Peçanha.
Campista, duas vezes governador eleito do Estado, vice-presidente
e presidente do Brasil, Nilo Peçanha, que em seu segundo mandato
rivalizava-se com o macaense Alfredo Backer, acenou com a possibilidade
61
Ver neste mesmo livro: Da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu até
a primeira emancipação . No artigo há mais informações sobre a Primeira Emancipação,
ocorrida entre 1891 e 1892. Sobre os governadores Francisco Portella e José Thomaz da
Porciúncula, há farta documentação no Arquivo Público Estadual e no Museu do Palácio
do Ingá.
231
de recriação do município quando em visita a Macabu. Entretanto,
podemos concluir que o peso político de Macaé era muito mais
significativo, e nada se fez de concreto - até porque, apesar de seu opositor
ser macaense, isso não significava que o mesmo era uma opção unânime
em sua terra.62
Recriar o município de Macabu era tornar o adversário uma figura
política praticamente sem oposição numa das mais importantes cidades do
estado. Em outras palavras, o governador ganharia pouco, mas perderia
muito. Nilo optou por manter a base macaense e macabuense, sem privar
a primeira de seu principal distrito e ofertando para os segundos outras
benesses políticas – obras, concessões e cargos, por exemplo.
Oliveira Botelho (1906, 1910-1914), Alfredo Backer (1906-
1910), Raul Veiga (1918-1922), Feliciano Sodré (1923-1927), macaenses
ou proprietários rurais em Macaé (caso de Raul Veiga), sepultaram
qualquer possibilidade de uma nova emancipação. Se o peso macaense era
sentido em âmbito estadual, com a dupla eleição de Feliciano Sodré para
o governo estadual e Washington Luís, “O Paulista de Macaé”, para
presidente do país em 1926, nada se tentou em prol da recriação do
município. Eram anos de chumbo para se tentar qualquer movimento que
62
O governador Nilo Peçanha recebeu uma petição dos políticos macabuenses,
encabeçada pelo coronel Bento de Andrade Lemos, Amaro Daumas, coronel Etelvino
da Silva Gomes, coronel Guilherme Barbosa e até mesmo o empresário francês Victor
René Sence, entre outros. A petição encontra-se nos registros do Palácio do Ingá, em
Niterói. Os entrevistados Herculano Gomes da Silva, Ascânio Gomes, Cellina Bellas,
Evandro de Paula Gomes, Francisco Ferreira do Cabo, Zinha Valentim e Renato
Barbosa Fernandes relataram o fato com precisão de detalhes. Há mais informações sobre
a disputa de Nilo Peçanha com Alfredo Backer em FERREIRA, Marieta de Morais
(org). A República na Velha Província. Rio de Janeiro: FGV, 1986.
232
viesse a solapar a frágil economia regional, que à época vivenciava duas
crises: a da cana e a do café.
Esse período quase ininterrupto de 1906 a 1930, ano em que
Washington Luís deixou o governo, derrubado pela Revolução de 1930,
foram de frustrações dos movimentos pró-emancipação, levados a cabo
sob a liderança dos Silva Castro, Gomes e Barbosa. Por outro lado, tanto
a prefeitura de Macaé quanto o governo estadual não abandonaram o
distrito de Conceição de Macabu. Esse período é marcado por
importantes obras na região, como a instalação do Educandário Agrícola
Presidente Pedreira em 1923 e da Fazenda Modelo Wenceslau Bello em
1927 – mais tarde convertidos em Educandário Rego Barros –, além de
inúmeras benesses distribuídas aos chefes políticos locais (SILVA;
GOMES, 1997).
Na teia da análise de que fatores em escala mais ampla acabaram
afetando a política e as pretensões macabuenses, estes, em escala bem
menor, temos, por exemplo, a cisão de Alfredo Backer, governador do
Rio de Janeiro, com Nilo Peçanha. O mesmo deu-se, entre outros
motivos, pela adesão de Peçanha ao Convênio de Taubaté, onde o
governo se comprometia a adquirir o café excedente, mantendo seus
preços em alta. Entretanto, o convênio tinha seus pesos e suas medidas, já
que a classificação de preços do café mineiro e paulista eram superiores ao
fluminense, quase sempre tipo “C” e tipo “D” (FERREIRA, 1989).
Uma das reações de Backer repercute até hoje em nossa região,
quando o mesmo optou pela diversificação agrícola do estado, aqui
constituindo, em 1907, a primeira colônia agrícola japonesa da História
233
do Brasil, antecedendo em sete meses e meio a chegada do Kasato Maru 63
a São Paulo – marca da imigração japonesa ao Brasil. As tentativas de livrar
o Estado da monocultura cafeeira culminaram em projetos e ações dos
quais - não há como negar os fatos - Conceição de Macabu foi
beneficiada. Benefícios que, dentre outras benesses mais particulares,
diminuíram o ímpeto local pelo separatismo.
Se por um lado avançou-se pouco politicamente, por outro
aconteceram avanços econômicos, como a constituição de grupos
empresariais interessados em comprar, beneficiar e comercializar café,
açúcar, milho, farinha de mandioca, arroz, feijão, madeiras e gado bovino
e equino. São dessa época o Engenho Central Macabuense (1878), a Usina
Progresso (1894) e a Usina Conceição (1913) (SILVA; GOMES, 1997).
Apesar de nunca desistirem da luta pela emancipação, os políticos
locais também não abdicaram da luta política em si. O período que vai de
1892 a 1930 é marcado pelas sucessivas eleições de macabuenses a diversos
cargos, que foram das vereanças em Macaé à Assembleia Legislativa do
estado em Niterói – isso se descontando cargos em outros estados e
municípios, como o coronel Nestor Gomes, governador do Espírito
Santo e senador (TAVARES, 2002).
Dr. Elias Greco, os Pareto, os Lobo Vianna, os Silva Castro, os
coronéis José da Natividade e Castro, Lafayete Barbosa, Antônio Ignácio
Valentim e Etelvino Gomes mantiveram a política macabuense em alta,
63
A polêmica imigração japonesa em terras macaenses e macabuenses está melhor descrita
em GOMES, Marcelo Abreu. Antes do Kasato-Maru. Conceição de Macabu: Gráfica
Macuco, 2008.
234
tanto no estado quanto no município de Macaé. Foram deputados
estaduais, secretários de estado, secretários municipais, vereadores.
Lutaram, usando aparato burocrático, sem grandes mobilizações
populares, com resultados insatisfatórios, muitas vezes tendo como
obstáculos o contexto local, estadual ou nacional. Outras vezes, contando
com pouco apoio local, resultando em movimentos frustrantes.
235
era pró-Vargas, quase nunca pró-administrativa. Vargas parecia parafrasear
Luís XIV, não ao repetir suas palavras, mas ao levar a cabo o lema do rei
francês: “ O Estado sou eu”.
Na primeira fase de Vargas, em que seus governos oscilaram entre
o caráter “Provisório” (1930-1934) e o “Constitucional” (1934-1937),
interventores federais e o único governador eleito revezaram-se de forma
descontinuada, impedindo que ações voltadas à emancipação fossem
levadas a cabo. Era também uma fase de grande polarização política, em
que Integralistas e Aliancistas digladiaram-se pelas ruas do Brasil, e,
embora os partidários de Plínio de Oliveira fossem maioria absoluta em
Macabu, o “respeito” à ordem estabelecida os impediu de chefiar a luta
emancipacionista. O discurso nacionalista, anticomunista, era a constante,
nunca cedendo espaço ao separatista. O separatismo, na visão do grupo
integralista em Conceição, poderia parecer como subversivo a uma ordem
que tanto defendiam 64.
Em sua fase ditatorial, o “Estado Novo” (1937-1945), eliminou
qualquer esperança dos macabuenses que ainda pleiteavam a separação.
64
Vários entrevistados militaram na Ação Integralista Brasileira, como Herculano Gomes
da Silva, Ascânio Gomes, Cellina Bellas, Evandro de Paula Gomes, Francisco Ferreira
do Cabo, Renato Barbosa Fernandes, Zeny Restum e Germano Lima. A posição dos
integralistas macabuenses, mesmo após a dissolução do movimento em 1938, foi de
alienação em relação à questão separatista. Segundo Ascânio Gomes e Evandro de Paula
Gomes, tratava-se, num primeiro momento, de manter a ordem estabelecida pelo
governo Vargas; enquanto que num segundo momento, representou o temos de
represálias do governo federal, contra quem haviam se insurgido na Intentona
Integralista. Entrevistas realizadas com Herculano Gomes da Silva em 12-12-1989,
Francisco Ferreira do Cabo em 19-09-1994 e Evandro de Paula Gomes em 01-10-1999.
A entrevista com Renato Barbosa foi realizada por terceiro, em data não especificada do
ano de 1992.
236
No mesmo período, o estado do Rio de Janeiro teve quatro
governadores, sendo dois interventores, dos quais um, o contra-almirante
Ernani do Amaral Peixoto, governou de 11 de novembro de 1937 a 29
de outubro de 1945 – o que nos leva a pensar nos curtos governos dos
outros três políticos.
Amaral Peixoto governou o Rio de Janeiro em duas ocasiões,
totalizando onze anos, mais do que qualquer outro administrador até hoje.
Foi em sua primeira gestão um grande articulador político e administrador
de obras. Suas ações, tanto as políticas quanto as obras, foram importantes
para Macabu, alicerçando o caminho rumo à emancipação, embora a
intenção do governo estadual não fosse a de impulsionar o distrito
macaense a tal ato.
Foi com o governador que as obras da Central Elétrica do Macabu,
no distrito trajanense de Tapera, trouxeram à região o general Hélio de
Macedo Soares e Silva. O general, cujas alianças políticas e amizades em
Conceição de Macabu foram fundamentais para o processo de
emancipação, até porque o mesmo se tornaria deputado e irmão do
governador do estado entre 1947 e 1951 - Edmundo de Macedo Soares
e Silva, antecedendo o segundo mandato de Amaral Peixoto (1951-1955),
onde seria sacramentada a criação de Conceição de Macabu65.
A “Era Macedo Soares e Silva” (GOMES, 2003) foi
particularmente interessante aos interesses macabuenses, pois se o irmão
65
Sobre as relações políticas dos irmãos Macedo Soares, além dos entrevistados citados
anteriormente, há o trabalho de SAIA, Políbio. Memória da Cidade do Rio de Janeiro .
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1955. 584p. il.
237
do governador já era um aliado, o mesmo, por conta das amizades do
irmão, acabou se tornando também. Além disso, foi outro período
particularmente rico para nossos políticos, que chegaram à prefeitura de
Macaé, dominando sua Câmara Municipal, além de deputados e
secretários estaduais.
Com Milne Evaristo da Silva Ribeiro, prefeito de Macaé,
Rozendo Fontes Tavares, Francisco Barbosa de Andrade (Chico Tobias)
e o coronel Etelvino da Silva Gomes, vereadores no mesmo município, a
luta emancipacionista passou a ter aliados dentro da Prefeitura de Macaé.
Com o deputado e secretário estadual Macário Picanço, Demerval
Morais, chefe de gabinete do governador, além da projeção dos irmãos
Barbosa Moreira em Teresópolis, Nova Friburgo e no Rio de Janeiro, as
alianças pró-Macabu alicerçaram-se pelo Estado. A espera estava
chegando ao fim.
238
havia uma legislação específica que tratasse da criação de novos
municípios, valendo, portanto, a anterior, baseada em padrões
estabelecidos Lei Orgânica Nacional nº 311, de 2 de Março de 1938;
segundo que o panorama político estadual não era ainda favorável, pois
seis interventores federais governaram o estado entre 1945 e 1947, não
dando a menor chance para que qualquer movimento popular se
firmasse66.
A situação parecia caminhar para a mesmice das últimas décadas,
não fossem duas situações entrecruzadas que deram ânimo aos
emancipacionistas: primeiro a eleição direta do irmão do general Macedo
Soares para governador do Rio de Janeiro, Edmundo Macedo Soares;
segundo, uma brecha na Constituição de 1946, criando o Fundo de
Participação dos Municípios (FPM), garantindo recursos financeiros aos
municípios, legislação até hoje em vigor.
A eleição do governador era um duplo presente para os políticos
de Conceição de Macabu. Irmão do ex-diretor das Centrais Elétricas do
Macabu, que ainda construía a hidrelétrica de mesmo nome em Tapera,
Macedo Soares passava obrigatoriamente por Macabu todas as vezes que
se dirigia à região – na época uma das mais importantes obras em curso
no Sudeste.
Em algumas ocasiões, os Macedo Soares se hospedaram,
almoçaram, jantaram, receberam presentes, foram homenageados, enfim,
66
No entendimento do processo emancipacionista, é importantíssima a leitura da
legislação pertinente, válida na época, como a LEI ORGÂNICA NACIONAL, nº 311
de 02 de março de 1938. Disponível/consultada na Biblioteca do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, IBGE.
239
conviveram e fizeram grandes amizades por aqui. Uma vez eleito
deputado, irmão do governador do estado do Rio de Janeiro, a despeito
do peso estratégico de Macaé, não dificultou em nada o processo de
separatismo macabuense, pelo contrário, facilitou-o, embora
discretamente67.
A Lei Orgânica das Municipalidades de 1938 estabelecia critérios
rigorosos para criação de novos municípios, como territoriais,
demográficos e financeiros, dificultando a situação de muitos movimentos
separatistas em todo país. Mas a situação não se aplicava a o caso
macabuense.
Conceição de Macabu, então 5º distrito de Macaé não tinha
problemas quanto ao território e a renda, especificado como áreas do atual
primeiro distrito, estendendo-se até as vizinhanças de Carapebus, bem
maior que hoje. Por outro lado, a Usina Victor Sence, a Cooperativa de
Laticínios e inúmeros empreendimentos rurais projetavam um
rendimento que estava dentro das normas exigidas pela lei. Só
demograficamente havia uma questão, que, entretanto, seria solucionada
com a futura adesão de Macabuzinho, 10º distrito. Outra particularidade
da emancipação: a junção de dois distritos macaenses para formar um novo
município. Se a emancipação de um distrito parecia difícil, a de dois,
unidos, ao contrário, facilitaria a questão.
67
Fatos citados com detalhes reiteradas vezes nas entrevistas com Zinha Valentim (18-
10-1990), Ascânio Gomes (03-01-1996), Francisco Ferreira do Cabo (19-09-1994),
Evandro de Paula Gomes (01-10-1999) e Cellina Bellas (12-11-2000), confirmadas as
informações com os demais entrevistados.
240
Aconteceu ao estabelecer o sistema de tributos partilhados gerado
pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), criado pela
Constituição de 1946. Como as cotas eram iguais para todos os
municípios, alguns governos estaduais estimularam a criação de
municípios para atrair mais recursos do governo federal.
Nesta onda vários municípios fluminenses foram emancipados
entre 1946 e 1950. Eram emancipações por decreto, sem a necessidade de
plebiscitos, conseguidas à custa de concessões políticas, com vasta
influência de deputados, senadores e até dos governadores e vice-
governadores.
Conceição de Macabu não se emancipou nesta leva. O fato de
sermos um distrito de Macaé e não de um município menos importante
ainda pesava. Para São João do Meriti, Natividade e Porciúncula, por
exemplo, o período foi mais significativo, conseguindo suas separações
administrativas de Duque de Caxias e Itaperuna, respectivamente.
O FPM a ser repassado com a criação de Macabu interessava ao
estado do Rio de Janeiro, tornando mais um fator favorável à
emancipação. A tendência emancipacionista varria o estado naquele final
dos anos 40, uma tendência que os macabuenses souberam aproveitar. A
esperança num novo município materializava-se.
241
estrutura estadual, os Macedo Soares, Amaral Peixoto, e as grandes
mobilizações populares marcaram os anos que antecederam 1952, ano da
emancipação. Tais marcas, como visto, precederam um período em que
o processo de separação foi atordoado por diversas situações, sendo adiado
por quase 60 anos.
A combinação dos fatores acima foi rapidamente percebida pelos
políticos locais, que, com uma intensidade não percebida nem na década
de 1850, quando foi criada a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Macabu, nem na década de 1890, quando da primeira emancipação,
organizaram-se, muniram-se dos recursos disponíveis, criaram as
condições para a execução dos fatos.
A luta pela emancipação do município de Conceição de Macabu,
tendo por base o enfrentamento do município ao qual pertencia, Macaé,
começou com a organização, valeu-se de estratégias políticas eficientes.
242
Francisco Barbosa de Andrade, coronel Etelvino Gomes, João
Barbosa Moreira e Rozendo Fontes Tavares ocuparam sucessivos cargos
em Macaé, facilitando a obtenção de documentos e dados estatísticos,
cruciais para provar a viabilidade da criação de um novo município. Na
mesma sequência, o doutor Milne Evaristo da Silva Ribeiro tornou-se
prefeito da mesma cidade entre 1947 e 1951. Com uma câmara municipal
e a própria prefeitura favorável, faltava provar que era viável a ação
separatista. Em outros termos, era o momento de se organizar, de
mobilizar, de provar que o município a ser criado era merecedor de tal
fato.
Segundo Francisco Ferreira do Cabo, o popular Cabinho, as
Semanas Ruralistas realizadas na antiga FEEM foram os eventos cívicos
que reuniram os simpatizantes do separatismo com as autoridades e
políticos estaduais competentes. Cabinho, em mais de três horas de
entrevistas a mim concedidas em 1997, assim falou:
68
CABO, Francisco Ferreira do. Entrevista a Marcelo Abreu Gomes em 19 de setembro
de 1994. A mesma foi confirmada pelos demais entrevistados.
243
Brasil. Segundo relatos orais colhidos em entrevistas com familiares do
português, o diálogo teria sido mais ou menos esse:
69
FERNANDES, Renato Barbosa. Entrevista a Marcelo Abreu Gomes em 1992. A
mesma foi confirmada pelo filho do português José Gomes, Herculano Gomes da Silva
em entrevista ao autor no dia 12-12-1989.
244
segunda-feira, ensolarada, porém fria. Na reunião explicaram-se
detalhadamente os propósitos a serem almejados: a formação de uma
comissão pró-emancipação e a mobilização popular – objetivos saudados
com efusivos aplausos e declarações de apoio por parte de todos.
Marcaram então uma segunda reunião, em 24 de julho, e uma terceira,
em agosto – que acabou não acontecendo. Na reunião de 24 de julho,
pensou-se, ou pelo menos se falou pela primeira vez, na possibilidade de
organizar-se uma comissão pró-emancipação, com setores, responsáveis e
tarefas bem definidas70.
Por razões desconhecidas, quase meio ano depois, no dia três de
dezembro de 1950, realizou-se a quarta reunião, no antigo Clube
Recreativo Macabuense, local hoje ocupado pela Primeira Igreja Batista,
onde se formou a Comissão Pró-Emancipação. Dela, além da grande
participação popular e da euforia que tomou conta de todos, destaca-se o
conteúdo da ata, de onde saiu o primeiro grupo encarregado dos trabalhos
para criação do município:
70
COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU –
Caderneta de Movimentação Contábil e Agenda de Compromissos de Rozendo Fontes
Tavares. Única cópia está disponível no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM
CLEMENTE ISNARD em Conceição de Macabu.
245
Tavares para presidir os trabalhos e dizer dos
motivos da reunião, este, após tomar assento à
mesa e convidar a mim, João Barbosa Moreira,
e a Renato Barbosa Fernandes para
funcionarmos como Secretários, fez, usando da
palavra, uma alocução explicando aos presentes
que o motivo da reunião era estudar as
possibilidades da criação do município de
Conceição de Macabu, com o
desmembramento de territórios pertencentes
aos municípios de Macaé, Campos e Santa
Maria Madalena. As palavras do Sr. Presidente
tendo merecido aprovação geral, determinou o
mesmo que o Secretário, Sr. Renato Barbosa
Fernandes, lesse um pequeno relatório
elucidativo das vantagens que poderiam advir
da criação do referido município, tendo em
vista as suas possibilidades econômicas,
geográficas e o nível cultural já alcançado pelo
distrito em comparação a outros municípios
fluminenses. Lido o referido relatório, retomou
a palavra o Sr. presidente e esclareceu que o
passo inicial para a realização da independência,
tendo em vista os diplomas legais que o
facultam, era a escolha de uma comissão
provisória para reunir os elementos exigidos na
Lei Orgânica das Municipalidades, ora em
vigor, e na Constituição do Estado, para a
proposta da emancipação a ser encaminhada ao
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado,
conforme estatui a citada Lei. A esta comissão
ficou afeto todo o trabalho relativo ao assunto.
A seguir, foram escolhidos, por aclamação, os
seguintes cidadãos para a referida comissão:
Francisco Barbosa de Andrade; Coronel
246
Etelvino da Silva Gomes; João Barbosa
Moreira; Rozendo Fontes Tavares; João Luiz
de Andrade; Eliseu Tavares Gomes; Bernardino
Vilar Barbosa; José de Lima; Ignácio Valentim;
Roberto Felix; Renato Barbosa Fernandes;
Raphael Monteleone; Esther de Souza Barreto;
João Assaf, Celina Bellas; Dr. José Bonifácio
Tassara; Dr. Abelardo de Carvalho; Ozório
Rangel de Azevedo; Clotilde Bersot;
Hermogênio Ignácio Leal; Thiers Salvador
Barbosa; Felix Aded; Waldyr Tavares Daumas;
Lucas Berbat; Dr. Jorge Armando Figueiredo
Enne; Antônio da Costa Siqueira; Godofredo
Guimarães Tavares; Euclydes Carvalho; Miguel
Pereira da Fonseca; Antônio Barcellos; Afonso
Paula e Syndulpho Bersot. Constituída a
presente comissão, propôs o Sr. Renato
Barbosa Fernandes que a mesma, para início de
seus trabalhos, se reunisse domingo próximo,
dia 10, às 15 horas, neste mesmo local, sob a
Presidência do Sr. Coronel Etelvino da Silva
Gomes, o que foi aprovado. Nada mais
havendo a tratar, foi encerrada pelo Sr.
Presidente a referida reunião. Conceição de
Macabu, 3 de dezembro de 1950. Eu, João
Barbosa Moreira, Secretário, a subscrevo e
assino com o Sr. Presidente, demais membros
da mesma e as pessoas presentes. (TAVARES
Godofredo G. Imagens de nossa terra. Rio de
Janeiro: Primil, 2003, p.231).
247
na reunião seguinte, do dia 10 de dezembro, formando subcomissões para
entender o processo legal de separação, começar a reunir os documentos
e mobilizar o eleitorado.
Formavam uma espécie de subcomissão de análise legal Francisco
Barbosa de Andrade, Coronel Etelvino da Silva Gomes, João Barbosa
Moreira, Rozendo Fontes Tavares, Jorge Armando Figueiredo Enne, Dr.
José Bonifácio Tassara, Dr. Abelardo de Carvalho e Renato Barbosa
Fernandes. A eles coube, inicialmente, analisar a legislação vigente,
identificando os documentos e certidões necessários a serem enviados ao
presidente da Assembleia Legislativa71.
Outra comissão, responsável pela divulgação e organização de
atividades culturais, visando angariar o apoio popular, foi constituída por
Eliseu Tavares Gomes, Antônio da Costa Siqueira, Godofredo Guimarães
Tavares, Euclydes Carvalho, Miguel Pereira da Fonseca, Antônio
Barcellos, Afonso Paula, Syndulpho Bersot, Ozório Rangel de Azevedo,
Clotilde Bersot, Hermogênio Ignácio Leal, Thiers Salvador Barbosa, Felix
Aded, Waldyr Tavares Daumas, Lucas Berbat, João Luiz de Andrade,
Eliseu Tavares Gomes, Bernardino Vilar Barbosa, José de Lima, Ignácio
Valentim, Roberto Felix, Raphael Monteleone, Esther de Souza Barreto,
João Assaf e Celina Bellas. Tão importante quanto a primeira comissão,
se mostraria estratégica, agindo além da parte burocrática, criando
71
Dr. José Bonifácio Tassara era médico, Dr. Abelardo de Carvalho, advogado, Rozendo
Fontes Tavares era tabelião, João Barbosa Moreira, farmacêutico, e Dr. Jorge Armando
Figueiredo Enne era advogado e Promotor de Justiça. O coronel Etelvino da Silva
Gomes e Francisco Barbosa de Andrade eram proprietários rurais e políticos com vários
mandatos na Câmara Municipal de Macaé.
248
condições ‘ambientais’ para a propagação da ideia de um município
independente. Não tardaria muito para tal comissão dar seus frutos e
colher bons resultados.
Roberto Félix, Waldyr Tavares Daumas, Félix Aded, Syndulpho
Bersot, Ozório Rangel de Azevedo, Bernardino Vilar Barbosa e João
Assaf, com ligações além de Conceição de Macabu, formavam um grupo
com propriedades rurais, residência ou mesmo ciclo de amizades em
Macabuzinho e municípios vizinhos, especialmente nos distritos de Santa
Maria Madalena. Eles constituíram uma terceira comissão, que agiu
dentro e fora das fronteiras macaenses, Macabuzinho, Paciência e Serrinha
(Campos) e em território madalenense, alicerçando os anseios dos
cidadãos de Triunfo, Santo Antônio do Imbé, Osório Bersot e Agulha
dos Leais a juntarem-se ao novo município, desmembrando-se do torrão
original.72
Essa se constituía em uma grande novidade: formar o município
de Macabu a partir de dois distritos macaenses (o 5º, Conceição de
Macabu, e o 10º, Macabuzinho); mais dois distritos madalenenses (o 2º,
São Pedro do Triunfo, e o 3º, Santo Antônio do Imbé), que trariam em
seus territórios as localidades do Osório Bersot e Agulha dos Leais. Além
disso, como consequência da adesão de Macabuzinho, Paciência, distrito
de Campos dos Goitacazes e situados a 2 km da localidade, também
expressou sua parcela de adesão à causa macabuense.
72
Vários membros da COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE
MACABU eram proprietários rurais nas áreas citadas, mas com pouca influência política
em Campos e Madalena, resultando nos planos de anexação.
249
E era uma novidade e tanto. Até aquele momento, de forma
democrática, pelo voto popular, nunca dois distritos de um mesmo
município tinham se unido em prol da formação de um novo, que dirá,
então, provocando divisões em territórios vizinhos.
À medida que a ideia de lutar pela emancipação foi se propagando,
naturalmente os madalenenses destes distritos aproximaram-se da causa,
enxergando aí a possibilidade de terem uma sede municipal que lhes fosse
mais próxima geograficamente, além das afinidades culturais e
econômicas. Entretanto, como seria perceptível, esperado, ao mesmo
tempo em que se abria uma frente de luta contra Macaé, comprava-se
uma briga, a princípio desnecessária, com Madalena e Campos. Uma
guerra em três frentes, que muitas polêmicas causaram.
250
importante, mostrando uma faceta da emancipação pouco conhecida e
não estudada até hoje, ainda guardava duas outras surpresas, ou melhor,
preciosidades: uma caderneta bancária, do antigo Banco Predial do Rio
de Janeiro, com toda movimentação de depósitos e gastos que financiaram
o movimento separatista; e uma agenda, que foi utilizada por ninguém
menos que Rozendo Fontes Tavares e Miguel Fonseca, algumas das
principais lideranças políticas e o tesoureiro do movimento (Fonseca).
Victor Abílio, temendo pelo destino de precioso acervo, mandou-
o ao autor dessas linhas. De tal maneira surpreendente e revelador, hoje
intitulo “Caixa Preta da Emancipação”, sem uma conotação de
desonestidade, mas sim pelas estratégias de ação, não imagináveis até os
dias de hoje – ou melhor, até o dia em que a caderneta e a agenda
surgiram.
A documentação comprova, com 60 anos de atraso, que a luta não
se deu apenas no ‘campo aberto’, mas que em nível de bastidores uma
gama de ações fora planejada e executadas para que a Assembleia
Legislativa aprovasse o plebiscito, de modo que depois o governador
sancionasse a Lei que criava o município73.
Viagens ao Rio de Janeiro, Niterói (capital), Macaé, Campos,
Paciência (Campos), Triunfo, Santo Antônio do Imbé e Tapera (Trajano
73
COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU –
Caderneta de Movimentação Contábil e Agenda de Compromissos de Rozendo Fontes
Tavares. Única cópia está disponível no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM
CLEMENTE ISNARD em Conceição de Macabu. A caderneta cita várias compras
destinadas a presentear políticos, ou despesas com a realização de jantares e almoços com
os mesmos. Os eventos festivos e presentes tornam-se mais intensos na medida em que
o processo emancipacionista toma vulto.
251
de Morais). Almoços e jantares regados a vinho e uísque importados,
homenagens, reuniões festivas, presentes, foram algumas das armas usadas
pela emancipação, que os dois maiores historiadores do assunto,
TAVARES (2002), GOMES (2003) e SILVA; GOMES (1997), não
mencionaram.
À primeira vista, o que pode parecer estratégia contundente,
discutível, na verdade demonstra que as negociações foram intensas,
extrapolando uma simples ação política. Na verdade, cada viagem, cada
jantar, almoço, presente, telegrama, hospedagem, tinha uma função
específica, justificada nos achados do Sindicato Rural.
Por exemplo, as viagens. No caso de Macaé, tratava-se de buscar
informações, documentos, dados estatísticos para justificar a emancipação.
Niterói, na época a capital do estado, e Rio de Janeiro, capital federal,
também, mas, no caso, dados de âmbitos federal e estadual. Niterói
também recebeu muitos emancipacionistas macabuenses em busca de
apoio político. Diversas visitas ao Palácio do Ingá, sede do governo; além
de outras tantas à Assembleia Legislativa74.
Ao Palácio do Ingá também foram destinados presentes,
telegramas. Afinal de contas, além do governador do estado, figura
importante em todo processo (tanto o Macedo Soares quanto o Amaral
Peixoto), tínhamos um aliado e tanto lá dentro: o macabuense Demerval
Morais, chefe de gabinete ou, como se dizia à época, chefe de governo
durante a gestão Amaral Peixoto. Demerval, ao que tudo nos confirma
74
Ibidem. A caderneta mostra a frequência, o custo e os destinos das viagens, muitas
vezes citando a razão da mesma.
252
nas entrevistas, muito fez pela causa macabuense, inclusive agindo como
‘espião’ ou em ações de ‘contraespionagem’, que se mostraram valiosas,
principalmente no embate com Macaé75.
Niterói, segundo a agenda e a caderneta, foi a segunda cidade mais
visitada no período. Razões para tal havia e muitas. A mais frequentada,
ao contrário do que se possa imaginar, não foi Macaé, ao qual ainda
estávamos ligados. Foi, não uma cidade, mas Tapera, distrito de Trajano
de Morais.
O leitor assíduo e interessado em nossa História, e mesmo aquele
que não está tão interessado assim, fará uma pergunta: Tapera?
Sim, Tapera. O hoje pequeno, bucólico, simpático distrito
trajanense, era, naqueles anos das décadas de 40 e 50, uma localidade
movimentada, com população flutuante na casa de 3.000 pessoas, por
conta da construção da Central Elétrica do Macabu – uma das mais
importantes obras em curso no estado do Rio de Janeiro. Era um centro
pujante, inclusive politicamente, pois a obra da C. E. Macabu atraía todo
tipo de trabalhadores, investimentos e, junto, os políticos 76.
75
Ibidem.
76
Desde 1931 realizaram-se estudos para construção da Hidrelétrica de Macabu, no
distrito trajanense de Tapera. Em março de 1942, foi constituída a Comissão Central de
Macabu pelo governo do estado, com a finalidade de dar continuidade às obras em 1947.
As obras foram paralisadas por falta de recurso e, depois que novas verbas foram
destinadas às obras, em 11 de Janeiro de 1950, entraram em funcionamento duas
unidades geradoras dessa usina, com 3.750 KVA, antes mesmo da construção da Tomada
de água definitiva. O volume de recursos, a importância do empreendimento e a massa
trabalhadora, estimada em 3.000 pessoas, faziam dos diretores da UHE Macabu
executivos de grande projeção nacional. Além dos acervos dos arquivos estadual e
nacional, há também: EMBRAPA. Diagnóstico do meio físico. Bacia Hidrográfica do
Rio Macabu. 2004.
Disponível em:
253
Para contextualizar Tapera no espaço político daquele tempo,
basta dizer que o diretor do empreendimento, o general Macedo Soares,
era deputado e irmão do governador do Rio de Janeiro. Ou que nas
campanhas para governador do então estado do Rio de Janeiro, não
houve candidato que exclui as obras da C. E. Macabu de seus programas
e visitas77.
Hélio Macedo Soares foi um personagem importante no processo
de Emancipação, bastando recordar que foi numa Semana Ruralista em
1949, numa reunião deste com políticos locais, que surgiu a ideia de
organizar o movimento separatista. A partir daí, lá de Tapera, ou de
Niterói, ou, mais ainda, em suas inúmeras estadias em Macabu, Hélio foi
o interlocutor, o consultor, o agenciador de vários processos que
culminaram na transformação dos distritos em município.
Com milhares de trabalhadores sob seu comando, com um
orçamento superior a quase todos os municípios do Estado, Hélio Macedo
era uma das pessoas mais prestigiadas, não só da região, como de todo o
território fluminense. Nesse contexto, apadrinhava com empregos e
cargos seus aliados e partidários políticos. Igualmente, recebia pedidos
254
constantes de deputados, senadores, prefeitos e até do governador para o
atendimento a “pedidos”, que variavam dos tradicionais serviços à
realização de pequenas e médias obras em municípios da região.
Tapera tornou-se uma espécie de “ sub-capital” fluminense, ao
lado de Campos, Petrópolis, Cabo Frio e Volta Redonda, localidades
onde problemas tratados em Niterói eram ratificados, resolvidos, sem falar
nos casos em que se dispensava a visita à capital do estado. Muitas vezes,
Tapera foi, informalmente, mas na prática, a capital dos fluminenses.
O general aparece em várias notas de despesas da Comissão Pró-
Emancipação. Passando por Macabu, sempre fora bem recebido. Com o
advento do movimento separatista, passou a ser adulado na forma de
jantares, reuniões especiais, almoços e festividades religiosas, tudo isso
regado às melhores bebidas e com os melhores cardápios, afinal de contas,
se Tapera era uma “ sub-capital”, o general, que exerceu a função de
deputado, era um “ sub-governador”.
Outras visitações foram realizadas a Macaé, mas, como a cidade
era sede do município, era bastante comum ter quem fosse ou viesse
dispensando despesas extras para a comissão. Com quatro macabuenses
figurando em destaque no cenário político macaense – três vereadores,
um deles presidente da Câmara, e o prefeito – os contatos eram
frequentes, obrigatórios, fazendo parte de uma rotina que pouco figurava
nas anotações oficiais.
Menos frequentes, mas importantes, principalmente no início da
campanha, estavam os contatos realizados em Paciência, quase todos
através de Waldir Tavares Daumas, e os feitos em Triunfo e Santo
255
Antônio do Imbé. Tais visitas e reuniões foram frequentes no início do
processo. Em geral feitas no táxi de Eliseu Mendonça, objetivaram
consolidar a aliança interdistrital. À medida que Macabu optou por
concentrar esforços em Macabuzinho, cessaram tais empreitadas aos
distritos madalenenses, como veremos a seguir.
As anotações fiscais e os registros de despesas, a partir daí, pendem
para Macabuzinho e os aliados de lá, em especial, Waldir Tavares Daumas,
liderança “in contest” das ações no 10º Distrito. Waldir, que também era
adepto da união com outros distritos, de outros municípios, também foi
o primeiro a compreender que o alargamento das disputas com Madalena
e Campos colocaria em risco a luta com Macaé.
256
luta. Aos de Paciência, dizia-se que nos apoiassem no movimento para
unir Macabuzinho a Macabu, que as benesses daí advindas acabariam por
beneficiar o distrito (hoje localidade) campista. Deu certo, abriu-se mão
de enfrentar um Golias bem maior que os outros dois, que, pelo contrário,
ao invés de se opor, deu-nos forte apoio através de seus deputados na
Assembleia.78
O segundo round se deu com Madalena, muito mais pelos
próprios madalenenses que pelos macabuenses. Digo que os madalenenses
de Triunfo, Santo Antônio do Imbé, Osório Bersot e Agulha dos Leais,
alegando maior proximidade geográfica e econômica com Conceição de
Macabu, solicitaram via abaixo-assinado à Assembleia Legislativa que
fossem unidos ao município que se formava.
Dois impressionantes abaixo-assinados, com mais de 600
assinaturas (Macabu e Macabuzinho, juntos, produziram 780 assinaturas),
partiram do município de Santa Maria Madalena, mostrando a disposição
destes em juntar-se ao novo município.
De Triunfo, o documento justificava o separatismo alegando 5
pontos fundamentais: a distância geográfica; a distância econômica; o
desinteresse madalenense; o interesse macabuense; e a possibilidade de
crescimento (PROCESSO de EMANCIPAÇÃO de CONCEIÇÃO de
MACABU).
78
Campos dos Goytacazes possuiu a maior bancada de deputados estaduais nas legislaturas
de 1947 e 1951. Tal bancada, além de grande, era influente, pois o município era o
maior, tanto em tamanho quanto em população, superando, inclusive, municípios que
hoje são maiores, como Duque de Caxias, São Gonçalo e Niterói.
257
Os signatários de Triunfo concluíram o documento com duas
citações bombásticas: primeiro um artigo de João Laranjeira no jornal A
Semana, em que o jornalista diz que “economicamente Madalena nada
perderá e nada ganhará Conceição de Macabu.” Em seguida, os
triunfenses foram muito inteligentes, contundentes, colocando o
revoltado Laranjeira em seu devido lugar:
260
O documento impertinente não convence, pois
é fácil obter de pessoas sensatas outro abaixo-
assinado em sentido oposto, que colocaria a
Assembléia na situação pitoresca da burra de
Buridan.
Não sei de outro argumento que pudessem
apresentar os adotantes de inconcebível
ingenuidade senão o de que a medida
propiciaria maior facilidade de contato com a
sede municipal. Razão fútil, porquanto uma
agência arrecadadora removeria o
inconveniente quanto às relações do
contribuinte com a Prefeitura. As demais
relações não são, também, de molde a
aconselhar a pretendida e radical solução,
convindo salientar que a quase totalidade da
população distrital, constituída de paupérrimos
trabalhadores em terras alheias, não tem
interesse de ordem material na sede da comuna.
Favorecendo comodidade de minoria
insignificante, a mutilação do nosso município
viria ferir fundamente a tradição e os
sentimentos de afetividade dos madalenenses,
da terra gloriosa dos Silva Castro, que não
delegaram poderes a meia dúzia de irrequietos
indivíduos para requererem em assunto de tal
magnitude. Os suplicantes sofrem, talvez,
despeito de origem político-partidária, mal que
ataca, não raro, criaturas de limitadas ocupações
produtivas.
Se acreditam no prometido surto
extraordinário de progresso com que lhes
acenam os separatistas de Conceição de
Macabu, que já fizeram também sua incursão
261
em Santo Antônio do Imbé, estão sendo
habilmente ludibriados.
Economicamente pobre, o segundo distrito
mais pobre ficou quando infelicitado pela
pecuária levianamente fomentada no Estado do
Rio. Contribui parcamente para os cofres
públicos e acreditamos seja deficitário no
orçamento municipal. Conceição de Macabu,
em que pese o canto da sereia dos separatistas
de lá, não será pelicano desprendido a tirar do
próprio peito carne para engorda de outrem.
“Macabuzinando-se”, Triunfo continuará
como até aqui. Economicamente, Madalena
nada perderá e nada ganhará Conceição de
Macabu.
Ninguém, finalmente, terá lucro.
Eu desejo sinceramente ver Triunfo em posição
de progresso tal que possa exigir, com apoio da
Lei, não a sua incorporação a um município
mambembe, mas a própria elevação a esta
categoria.
Isto, no entanto, só será conseguido com
trabalho superiormente orientado, que sacuda
as energias adormecidas das classes produtoras,
fazendo a lavoura produzir inteligentemente,
desenvolvendo a indústria e dando ao povo
meios de vida compatíveis com a dignidade
humana, única forma de deter o êxodo da
população e de transformar em realidade a
política de fixação do homem ao solo
preconizada pelo governador Amaral Peixoto.
Trabalhem unidos os próceres da terra pelo
reerguimento econômico de Triunfo, pondo
de parte recalques e despeitos e depois
262
requeiram o plebiscito previsto em Lei para
formação de um novo município.
“Confiar em promessas capciosas que jamais
serão cumpridas é passividade de “otário”, pois
está visto que os separatistas de Conceição de
Macabu nada mais são, no caso em tela, do que
legítimos vigaristas de muita “papa” e nenhuma
sinceridade. (A SEMANA, 1951, p.01).
263
para Madalena, que perderia 60% de seu território, 40% da população e
45% da sua renda.79
Um duplo suicídio? Não. Segundo uma comissão enviada pelo
governo estadual para analisar as reais possibilidades de emancipação,
inclusive considerando a perspectiva de fragmentação do território
madalenense, o município serrano continuaria existindo financeiramente
sem seus distritos, entretanto, não era mais a questão econômica, era a
questão política que deixava em prontidão os macabuenses.
O último parágrafo de João Laranjeira é um tiro de misericórdia,
um alerta aos separatistas macabuenses e madalenenses de que era melhor
não bulir no que estava quieto:
79
Os dados populacionais se baseiam nas estatísticas do Censo de 1940, já que o de 1950
ainda não havia divulgado os mesmos, que constam do trabalho CENSO
DEMOGRÁFICO NACIONAL – POPULAÇÃO E HABITAÇÃO – Volumes 1 a 4,
publicado em 01 de setembro de 1949. HISTÓRIAS DAS ESTATÍSTICAS
BRASILEIRAS, IBGE, 2008. As informações sobre o território são da própria Prefeitura
de Santa Maria Madalena.
80
CONTO DO VIGÁRIO, A SEMANA, 05 de fevereiro de 1951. Ver PROCESSO
DE EMANCIPAÇÃO DE CONCEIÇÃO DE MACABU, cuja única cópia está
disponível no MUSEU SOCIORRELIGIOSO DOM CLEMENTE ISNARD em
Conceição de Macabu.
264
necessário. E, embora decadente, ainda tinha fôlego, aliados e armas, com
risco de vencer.
Apesar dos abaixo-assinados dos eleitores de Triunfo, Imbé,
Osório e Agulha, apesar deste instrumento envolver a maioria absoluta
dos mesmos, chegando a incríveis 95% dos triunfenses e dos imbeenses,
os separatistas de Macabu não podiam e não deviam enfrentar tantas
frentes de luta, achavam a maioria dos membros da Comissão Pró-
Emancipação. Por outro lado, reforçados pelas mesmas assinaturas dos
madalenenses, havia os que queriam, ainda, insistir na luta - casos de
Waldir Tavares Daumas, Bernardino Villar Barbosa, Syndulpho Bersot,
Felix Aded e Roberto Félix.
O golpe de misericórdia veio através do ilustre deputado
macabuense Macário Picanço, grande baluarte na luta pela emancipação,
que disse ser possível aprovar a formação do município de Conceição de
Macabu na Assembleia Legislativa, desde que o fizéssemos aqui, primeiro,
com o plebiscito. Entretanto, seria difícil fazê-lo na Assembleia se
insistíssemos em desanexar partes de Santa Maria Madalena, pois
angariaríamos votos contrários dos deputados que tinham base eleitoral na
Região Serrana.
Macário Picanço, que de Niterói, da Assembleia, foi uma espécie
de mentor da emancipação, por suas relações políticas, sociais e seus
amplos conhecimentos jurídicos – advém de uma família de ilustres
juristas, com Dr. Aloísio, seu irmão, Dr. Melchiades, seu pai, e ele mesmo.
Esse diálogo travado entre ele e os membros da comissão que cuidava da
parte legal da emancipação deu-se em princípios do ano de 1951 e nos foi
265
repassada por seu irmão Aloísio Tavares Picanço em 2001, e que consta
desse trabalho em artigo próprio.
Macário havia sido interpelado por “ Bururunga”, apelido do
deputado Freire de Morais, madalenense do Imbé e absolutamente
contrário à repartição de seu município. Bururunga, pouco antes de
falecer, me concedeu uma entrevista em que relembrou o diálogo com o
deputado macabuense:
81
MORAIS, Francisco Freire de. Entrevista a Marcelo Abreu Gomes realizada em 13
de abril de 1997.
266
fiquei aliviado, pois sabia que se um plebiscito
fosse realizado nesses distritos madalenenses,
eles optariam quase que unanimemente em se
ligar a Conceição de Macabu. 82
82
Ibidem.
267
Simulação do mapa do município de Conceição de Macabu com as anexações de
Paciência (três cubos) e os distritos madalenenses de Triunfo e Santo Antônio do Imbé.
268
demais, provocando distúrbios que deveriam ser devidamente
contornados.
Mais uma vez recorre-se a Godofredo Guimarães Tavares. O
historiador, em seu livro Imagens da Nossa Terra, deixou claros nomes e
motivos para tal oposição, bem como ressaltou a reação dos separatistas,
especialmente de Renato Barbosa Fernandes e, sobretudo, de Waldir
Tavares Daumas.
TAVARES (2002, p. 238) é incisivo: “Quando da reunião inicial
em prol da criação do município, foi cometido lamentável lapso ao serem
esquecidos dois nomes de prestígio em Macabuzinho e, talvez, isso os
tenha magoado”. E completa citando os “esquecidos de Macabuzinho”:
Motivos havia claros. Mas não se pode dizer que todos os motivos
fossem divulgáveis. Por exemplo, já que o prefeito de Macaé na ocasião,
em pessoa, não poderia se colocar contra o movimento, pois o mesmo era
declaradamente candidato a deputado estadual, e, por outro lado, não
269
desejava que Macaé perdesse seu principal distrito, o mesmo agia à
surdina, usando principalmente cidadãos que não se consideravam
inseridos no processo emancipacionista.
A campanha do “Não” em Macabuzinho nunca superou a do
“Sim”. De fato, apenas dois entusiastas do “Não”, devidamente
amparados pelo prefeito de Macaé, tentaram algumas manobras – cujo
resultado do plebiscito de 4 de janeiro de 1952, mostra o quanto foram
ineficientes.
A primeira manobra foi no campo do corpo-a-corpo, tentando
convencer a população do então 10º distrito de Macaé que não era viável
tornar-se distrito de um distrito. Tal manobra não surtiu efeito, caiu no
descrédito e até virou anedota política, submetendo seus defensores ao
ridículo.
83
Quadrinha recolhida nas entrevistas com Evandro de Paula Gomes (01-10-1997),
Otávio Tavares (02-02-1998), Antônio Leite (02-02-1998) e Antônio Minguta de
Oliveira (02-02-1998).
270
da Silva (Nené Ribeiro), personalidades citadas por vários entrevistados
como verdadeiros guerreiros da Emancipação, sagrados inclusive por
confrontarem abertamente os líderes contrários à mesma em sua região.
No comércio, nas fazendas, na estação ferroviária, dentro dos
vagões dos trens ou com os barqueiros do porto, seu Waldir Daumas
como era conhecido, e Nené Ribeiro, mais que rebater as opiniões
contrárias, tratavam de contorná-las e convertê-las, praticamente
restringindo a campanha do “Não” ao núcleo familiar de suas lideranças.
A segunda manobra foi de cunho jurídico, denunciando ao
presidente da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro possíveis
irregularidades no processo emancipacionista.
Os partidários do “Não” enviaram ao presidente da Câmara
Municipal de Macaé o seguinte documento, conforme citou TAVARES
(2002, p.241):
271
que são elementos essenciais à criação de novos
municípios uma população mínima de 10.000
habitantes, bem como que o município a ser
criado tenha condições favoráveis de
desenvolvimento.
Quando os signatários da representação
dirigida aos poderes competentes pedindo a
criação do município de Conceição de Macabu
foram chamados à adesão ao movimento, foi-
lhes dito que juntamente com o seu distrito,
décimo de Macaé, constituiriam o novo
município os distritos de Santo Antônio do
Imbé e de Triunfo, ambos de Santa Maria
Madalena, e o de Paciência, do município de
Campos.
Com tal informação, não tiveram
dúvidas os moradores de Macabuzinho de dar
seu parecer favorável à criação do município de
Conceição de Macabu, dentro de cujos limites
ficariam a residir.
Não foi, porém, o que se verificou mais
tarde, pois, como já é público e notório,
pretende-se agora que o novo município seja
constituído apenas do 5º e do 10º distritos de
Macaé, situação esta que não atende o que
dispõe o artigo 2º, Itens I e II, da Lei citada,
especialmente quanto ao 1º, conforme prova
documento junto, fotocópia da certidão
fornecida pelo Exmo. Sr. Diretor do
Departamento Estadual de Estatística.
Vê-se, pois, claramente, que os
signatários da representação pedindo a criação
do município de Conceição de Macabu,
moradores em Macabuzinho, foram iludidos na
sua boa fé.
272
Deste modo, dirigem-se a V. Excia. em
abaixo-assinado, para solicitar seja retificado o
pedido que formularam.
Cordiais saudações.
(a) João Batista Nogueira”.
273
redobrassem seus esforços, especialmente em Macabuzinho – pois já era
perceptível que em Macabu caminhava-se para um resultado favorável.
Dessa reunião saiu também uma decisão, de que se tomaria uma
última medida diplomática, uma carta enviada por Renato Barbosa
Fernandes a João Batista Nogueira, onde o mesmo ressaltava os fatores
econômicos e legais para a criação do município. Embora muito bem
embasada, a carta talvez tenha provocado mais reações adversas que
favoráveis, pois seu autor acaba por destratar um dos líderes do
movimento contrário, chamado de “pequerrucho” (criança), o que em
nada contribuiu para diminuir as animosidades.
A terceira e última manobra da oposição foi desesperada, tardia, e,
claro, fracassada. Após a divulgação da contundente vitória do “Sim”, que
chegou a 100% em Macabu e 99,2% em Macabuzinho (apenas 6 votos
contra, provavelmente dos familiares e dos “líderes” do movimento),
tentaram um recurso jurídico, acionando a estância local da Justiça.
TAVARES (2002, p.260), assim registrou:
274
Tribunal Regional, pelo Presidente deste, a
quem cumpre designar-lhes a sede.
B) O art. 93 da mesma lei diz: a apuração
começará no dia seguinte ao das eleições, em
hora conhecida pelo público, não havendo ,
como não houve, nenhuma providência de
parte interessada com apresentação de fiscais.
C) A intervenção direta, abusiva e
desrespeitadora do cidadão Arino de Matos
que, dizendo-se líder do Governo do Estado,
assumiu o mando dos trabalhos da mesa
receptora, cabalou na porta da Seção,
arrumando cédulas nas sobrecartas, carregando
modestos eleitores pelo braço, dando triste
exemplo de sua mentalidade de homem
público.
Isto posto, considerando outras
irregularidades, tais como ausência dos
membros da Mesa, balbúrdia completa no local
da eleição com intromissão de pessoas
desconhecidas no distrito, pedem a V.
Excelência deferimento a sua pretensão com
justiça.”
(a) João Batista Nogueira.
(a) Francisco de Oliveira
Tavares .
275
Outro ponto ressalta a ação do deputado Arino de Matos,
prestigiado político em Niterói, que junto a Macário Picanço vieram a
Macabu assistir e fiscalizar o plebiscito de 20 de janeiro. Arino era homem
de extrema confiança do governador Amaral Peixoto, que dessa forma
avalizava o pleito.
Mexendo numa tremenda “casa de marimbondos”, amparada
num resultado unânime, a tentativa de anulação não deu em nada.
Recurso indeferido.
Fim de papo.
276
havia denunciado, maldosamente, que o movimento emancipacionista
nada mais significava do que o plano de um grupo político, plano este
arquitetado com o objetivo de estremecer o prestígio do governador do
Estado.
Compreendendo a gravidade da situação, o macabuense,
Dermeval Morais, então secretário de governo do governador, chamou a
Niterói o Dr. Milne Ribeiro e cientificou-o da existência do perigo. Dr.
Milne, garantindo tratar-se de torpe mentira formulada no sentido de
prejudicar o bom andamento dos trabalhos, afirmou, sob palavra de honra,
tratar-se de uma campanha que visava, tão só, a uma nobre aspiração do
povo macabuense, um anseio sustentado por sessenta longos anos.
Esclarecido este ponto, Dr. Milne pediu ao conterrâneo e amigo que
revelasse o denunciante. Justificando-se, o secretário informou, apenas,
tratar-se de político muito influente junto ao governador. 84
Entretanto, uma minuciosa revista nos livros de visita ao Palácio
do Ingá em fins de 1951 e princípios de 1952 revela uma visitação
84
Baseado na entrevista com RIBEIRO, Zinha Valentim. Entrevista a Marcelo Abreu
Gomes em 17-10-1990. Além disso cabe ressaltar que no Palácio do Ingá, Niterói, até
1989, existiam diversos registros de visitantes, que procuraram contatos com o
governador, ou com algum funcionário/secretário do alto escalão da administraç ão
estadual. Em apenas um mês, dezembro de 1951, são registradas cinco visitas do prefeito
de Macaé, Elias Agostinho, ao governador. No mês seguinte, até o dia 18, registram-se
mais duas (06 e 10/01). A partir daí, provavelmente em decorrência do resultado do
Plebiscito, as visitas tornam-se escassas, sendo registrada uma em fevereiro e outra em
abril. Embora não se saiba o conteúdo de tais conversas, é muito oportuno registrar que
os partidários do prefeito em Macabuzinho e opositores do movimento emancipacionista
também estiveram no Ingá, nos mesmos dias e horários que o Dr. Elias Agostinho. Mera
coincidência?
277
frequente, acima da média, do prefeito de Macaé e, melhor ainda,
acompanhado de dois “representantes do 10º distrito daquele município”.
Seria uma simples coincidência que o Dr. Elias Agostinho estivesse
cinco vezes em Niterói, no Palácio do Ingá, com o governador, entre
dezembro de 1951 e janeiro de 1952, acompanhado – numa dessas visitas
– de dois representantes de Macabuzinho, e nada tratasse da Emancipação?
Discordar da coincidência parece algo sensato.
Tal acontecimento, todavia, tornou-se de menor importância, em
face de o secretário Dermeval Morais e o Dr. Milne Ribeiro haverem
recolocado as coisas nos devidos lugares.
Entretanto, como se percebe, não foi fácil a caminhada rumo à
Emancipação. A oposição macaense, por assim dizer, apesar de branda a
nível exterior, era intensa e de certa forma torpe em níveis secretos,
atacando por todos os meios possíveis, inclusive usando recursos como a
mentira.
Mas não adiantou.
278
Há de se destacar que todos os elementos envolvidos no processo
de emancipação foram importantes. Afinal de contas, num plebiscito que
ao final beirou a unanimidade, a importância de cada um foi fundamental.
Há de se pensar também que o caminho até o Plebiscito Popular
só foi possível devido ao dossiê organizado pelos separatistas, apresentando
provas documentais, definitivas, cabais, de que Conceição de Macabu
reunia as prerrogativas necessárias para seguir seu rumo como
independente.
Na tarefa de se organizar burocraticamente, legalmente, de
conceber as provas irrefutáveis que convenceram à totalidade dos
deputados estaduais e do governador, alguns emancipacionistas estiveram
num patamar um pouco mais elevado: Renato Barbosa Fernandes, uma
espécie de secretário geral; Milne Evaristo da Silva Ribeiro, influente,
prefeito de Macaé, abrindo portas, fornecendo dados fundamentais;
Demerval Morais, simplesmente o chefe de gabinete do governador, com
influência sobre o mesmo; Macário Picanço, grande jurista, de respeitável
estirpe macabuense, radicado em Niterói, deputado estadual; e os
vereadores em Macaé: o Coronel Etelvino Gomes, influente político com
ramificações nas áreas rurais do município; Rozendo Fontes Tavares,
chefe político local de grande prestígio, com grande número de eleitores;
e João Barbosa Moreira, o ‘Jonjoca’, representando uma das mais
importantes famílias do município, com ramificações em Nova Friburgo,
Rio de Janeiro e Teresópolis.
279
Sem querer denegrir ou “diminuir” a imagem dos demais
membros, a cabeça da luta coube ao grupo citado acima por seus elos fora
e dentro de Macabu.
Legalmente, o processo emancipacionista amparava-se em
legislações novas e antigas, estas últimas, obviamente, ainda não revogadas.
Por exemplo, o item I, parágrafo I, do artigo 10 da lei 109 de 16 de
fevereiro de 1938, chamada de Lei Orgânica das Municipalidades do
Estado do Rio de Janeiro.
Provar a viabilidade do município a ser criado era o passo mais
importante até o plebiscito, de tal forma que foi realizado de forma
minuciosa, levando em consideração pessoas comprovadamente
adequadas ao levantamento e farta documentação, obtidas
simultaneamente na Coletoria Estadual e na Prefeitura de Macaé.
A Coletoria Estadual era o principal órgão governamental do
governo fluminense em Conceição de Macabu, pois era através dele que
impostos, taxas e outros tributos eram coletados. Renda que poderia
provar favorável ou contrariamente a possibilidade de manutenção do
município a ser criado. A viabilidade financeira era fundamental ao
processo separatista, de tal forma que demandou muita energia dos
membros da Comissão Pró-Emancipação.
Em Macabu, a Coletoria Estadual era dirigida por Edir Fidélis
Ribeiro, macabuense, cuja colaboração foi fundamental, embora
oficialmente pouco divulgada, até pela função do mesmo. Edir Fidélis,
irmão do empresário Edemir Fidélis Ribeiro, ambos entusiastas do
movimento, colaborou, principalmente, agilizando os dados, fornecendo -
280
os antes dos términos dos prazos – e nesse caso, os prazos eram de
fundamental importância, pois eram rigorosamente estabelecidos.
Os dados coletados na Secretaria de Fazenda de Macaé eram tão
importantes quanto os da Coletoria Estadual. Além de corroborarem com
os números, provando que rendas municipais e estaduais comprovavam a
possibilidade de existência de Conceição de Macabu, por outro,
mostravam em detalhes que havia uma série diversificada de
estabelecimentos comerciais, industriais e agrícolas.
Baseando-se no item I, parágrafo I, do artigo 10 da lei 109 de 16
de fevereiro de 1938 (Lei Orgânica das Municipalidades do Estado do Rio
de Janeiro) e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, itens I, II, III
do artigo 84, o novo município deveria ter: uma população mínima de
10.000 habitantes; comprovar rendimentos compatíveis para sua
existência; possuir edifícios públicos necessários à instalação da Prefeitura
e Câmara; e, claro, território.
A população mínima de 10 mil habitantes foi o primeiro
empecilho encontrado pelos partidários do movimento. Segundo o censo
realizado em 1940, a população de Conceição de Macabu, então
recenseado como 5º distrito de Macaé, era de 7.757 habitantes, dos quais
2.298 habitantes em sua área urbana. Os valores eram insuficientes para
garantir a emancipação. E, mesmo que tivessem dez anos de idade (1940-
1950), não davam aos deputados da Assembleia Legislativa do Rio de
281
Janeiro as garantias necessárias de que tal população já estivesse na casa dos
10.000 habitantes.85
Foi a partir daí que uma ideia de Renato Barbosa Fernandes
ganhou vulto: unir dois distritos macaenses, ou, como já visto, unir-se a
distritos de Santa Maria Madalena e Campos, perfazendo o número
necessário. A interessante ideia, como vimos, demandou uma grande
polêmica, que, por pouco, ao ameaçar a integridade de Campos e
Madalena, quase pôs a perder todo processo separatista.
Pensou-se em uma união com Carapebus ou Quissamã. Porém,
se hoje tais municípios rivalizam com Macabu, naqueles tempos não era
diferente. Quissamã tinha planos de se emancipar (inclusive tentaria em
1952), enquanto Carapebus dividia-se em ficar com Macaé ou seguir com
Quissamã – não se cogitava a opção de unir-se ao 5º distrito.
Pressionados pelos emancipacionistas com origens, família ou
negócios em Macabuzinho, o então 10º distrito de Macaé, onde sempre
se reclamava do isolamento e descaso da cidade-sede do município, uniu-
se inteiramente ao movimento. Segundo o mesmo censo, de 1940, o
distrito macaense de Macabuzinho era de 10.000 habitantes, considerando
que no Censo de 1940 o 5º distrito tinha 945 habitantes, sendo 135 na
área urbana.
Considerando os 7.757 habitantes de Conceição de Macabu e os
945 de Macabuzinho, chegamos ao total de 8.702 habitantes, isso em
85
CENSO DEMOGRÁFICO NACIONAL – POPULAÇÃO E HABITAÇÃO –
Volumes 1 a 4, publicado em 01 de setembro de 1949. HISTÓRIAS DAS
ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS, IBGE, 2008.
282
1940, dez anos antes do movimento peticionar um pedido junto à ALERJ
em prol da emancipação. A Comissão das Municipalidades, na ausência
dos resultados do censo de 1950, optou pela utilização de estimativas dos
anos de 1948 e 1949, que apontavam em 1% o crescimento médio da
população macaense entre 1940 e 1948-9. Nesta perspectiva, a população
estimada dos distritos a emancipar-se seria de 9.573 habitantes, bem
próximo do exigido.86
O rigor da lei preservava as áreas de origem dos municípios
emancipados, de forma que Macaé ou qualquer outro município que
perdia uma parcela do seu território, não poderia perder área, recursos
financeiros e populacionais que comprometessem sua existência. No
quesito população, macaenses e macabuenses poderiam coexistir sem o
temor de saírem prejudicados com o movimento. O município original
manteve uma considerável população, estimada em 60 mil habitantes.
A mesma legislação que exigia uma população mínima
preocupou-se em exigir renda suficiente para manutenção municipal,
incluindo salários dos funcionários públicos e a realização de obras básicas.
Além disso, houve a preocupação de não desprover de recursos
financeiros o município de origem, garantindo que a emancipação seria
viável a todos os lados envolvidos.
A renda de impostos municipais era de CR$ 340.812,00. Os
recursos eram suficientes para um município novo e, ainda por cima,
segundo dados do movimento, haveria um excedente anual em torno de
86
Ibidem.
283
20%, garantindo investimentos. Por outra vertente, segundo as mesmas
fontes, Macaé não ficaria desprovido de renda, mantendo-se com CR$
3.347.000,00, quase dez vezes a renda da área emancipada. 87
87
Ibidem.
88
Em Macaé havia o Grupo Escolar Maria Lobo Leite Vianna, cuja homenageada nascera
em Conceição de Macabu. Já em Macabu, havia o Grupo Escolar Matias Netto, cujo
homenageado nascera em Macaé. Por sugestão do Dr. Mário Picanço e de sua irmã, a
professora Arinda Picanço, os nomes foram trocados.
284
serrarias movidas à eletricidade para fabricação de tacos e tábuas; 2 fábricas
de móveis; 1 fábrica de paus para tamancos; 2 fábricas de tamancos; 6
cerâmicas, 2 movidas à eletricidade; 3 fábricas de aguardente, 2 à
eletricidade e 1 hidráulica; 2 fábricas de arreiatas para animais, charretes e
carroças; 1 torrefação de café; 2 usinas para beneficiar café e arroz, movidas
à eletricidade; 20 moinhos para beneficiamento de milho.
Seguindo, nos deparamos com os dados relacionados ao comércio,
com 8 barbearias; 6 oficinas mecânicas; 4 oficinas de lanternagem; 1
oficina de montagem de rádios; 1 oficina de conserto de rádios; 2 garagens
de bicicletas; 3 alfaiatarias.
Já o comércio: 1 hotel; 2 farmácias; 3 bares com instalações para o
fabrico de sorvetes, saladas, etc.; 6 botecos; 3 armazéns atacadistas; 30 casas
varejistas na sede do município e na zona rural.
O relato fala de estabelecimentos de crédito: 1 agência do Banco
Predial do Estado do Rio de Janeiro; 1 Agência Postal da Caixa
Econômica Federal; 3 escritórios de correspondentes dos seguintes
bancos: Banco do Brasil S.A., Banco Hipotecário e Agrícola de Minas
Gerais S.A. e Banco Comercial e Industrial de Minas Gerais S.A.
Os meios de transporte, que hoje se aproximam de 4.000 veículos
entre motos e automóveis, naqueles tempos ficavam assim: 17
automóveis, 16 caminhões, 6 caminhonetes, 500 bicicletas. Embora não
existam dados atuais sobre o número de bicicletas, há uma estimativa de
10 mil, considerando a taxa de 1,2 por residência.
Da mesma maneira, o último Censo Agrícola, cujos resultados
foram publicados em 2010, mostram um município tomado pela pecuária
285
bovina, com uma pequena agricultura familiar. Nos anos 40, a realidade
era de uma região de economia diversificada, com a seguinte produção
agropecuária: gado bovino – 900 toneladas; suíno – 50 toneladas; aves –
40 toneladas; ovos - 17,5 toneladas; lenha - 50.000 m³; madeiras - 1290
m³; dormentes – 15.000 unidades; frutas e verduras – 5.000 toneladas; café
– 8.000 sacos; feijão – 4.500 sacos; arroz – 5.000 sacos; farinha – 4.300
sacos; milho – 5.200 sacos; leite – 1.387.000 litros; manteiga – 2.520 kg;
queijo – 1.570 kg.
A diversão e os espaços públicos não ficaram de fora. Foram
listadas as seguintes instituições de entretenimento: 1 salão da Igreja
Católica; 1 Clube Recreativo Macabuense; 1 Cine-Teatro Brasil; 2
serviços de alto-falantes; 389 aparelhos de rádio; 4 bibliotecas – Evaristo
Ribeiro, dos funcionários do Estabelecimento Agrícola de Macabu, das
Filhas de Maria, do Grupo Escolar Matias Neto.
Interessante é que os clubes de futebol não foram citados, embora,
naqueles anos, fossem vários e importantes, como o Rio Branco Futebol
Clube, o São Luís e o Descoberta Feliz, segundo relatos de TAVARES
(2003).
Profissionais liberais e de caráter técnico assim ficaram
relacionados: 2 médicos; 3 advogados; 4 farmacêuticos; 5 contadores; 2
dentistas; 1 engenheiro; 3 veterinários; 2 agrônomos; 2 práticos rurais; 26
professores; 3 rádio técnicos; e 4 eletricistas.
Faltava o critério territorial. Segundo os levantamentos da
Prefeitura de Macaé, a soma dos territórios do 5º e 10º distritos equivalia
a 348 km². Entretanto, a reivindicação macabuense era um pouco maior.
286
Maior, pois contabilizava os distritos madalenenses, extensos, e o
pequenino distrito campista de Paciência. Na soma, feita empiricamente
por Renato Barbosa Fernandes, com a ajuda de dados obtidos por
simpatizantes madalenenses (de Triunfo e do Imbé), a extensão total
formava a incrível soma de 524,893 km².
A condição legal, de que a formação de um município não poderia
prejudicar fatalmente o de origem, no quesito territorial, pouco afetava
Macaé, que na época era o segundo maior do estado, com 2.277 km², já
descontado os 348 km² de Conceição de Macabu.
Os estudos macabuenses em prol da emancipação foram
contundentes. Os mesmos foram anexados a uma lista com centenas de
assinaturas de eleitores de Conceição de Macabu, Macabuzinho, São
Pedro do Triunfo e Santo Antônio do Imbé: a Petição de Eleitores de
Conceição de Macabu, protocolada em 9 de abril de 1951, na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro.
287
5. O passo a passo da emancipação
288
gênero no Brasil, com certeza foi um dos primeiros e certamente
inaugurou a modalidade no Rio de Janeiro.
O Plebiscito de Emancipação se daria no dia 20 de janeiro do ano
seguinte, 1952, com a campanha pelo SIM ou pelo NÃO, oficialmente
deflagrada a partir do dia 11 de dezembro, tendo como prazo final a data
de 19 de janeiro, véspera. A fiscalização ficaria a cargo do juiz da Comarca
de Macaé, com visitas programadas de deputados estaduais, membros da
Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão das Municipalidades.
Com a convocação do plebiscito e início da campanha, uma
guerra diferente foi travada nas ruas, estradas, fazendas, praça e edifícios
de Macabu e Macabuzinho. Diferente, pois não havia quem defendesse o
NÃO, ao menos publicamente, pois como já visto, havia oposição ao
movimento em Macabuzinho. Era a chance, a oportunidade tão esperada
ao longo de 60 anos. Pela primeira vez, estava nas mãos dos macabuenses
decidir seu destino, emancipando-se democraticamente, no voto popular.
Seguiram-se comícios, reuniões públicas, setoriais e particulares,
panfletos, jornais, tudo foi usado na campanha, que mobilizou milhares
de pessoas, incluindo muitos não eleitores, como analfabetos, jovens e
moradores locais, mas com títulos em outras localidades.
O final da campanha foi marcado pela presença dos deputados
Macário Picanço, Hélio Macedo Soares e Aurino de Mattos, do chefe de
gabinete do governador, Demerval Morais, representando a ALERJ e o
governo estadual. Também dos médicos macabuenses Demerval, Waldir
e Walter Barbosa Moreira; do Dr. Mário Picanço e de todos os membros
da Comissão Pró-Emancipação, num dos maiores, mas, com certeza, no
289
mais empolgante e emocionante comício da história de Conceição de
Macabu.89
No dia 20 de janeiro de 1952, bem antes das 8 horas, horário
oficial do início do pleito, o movimento já era grande nas ruas de
Conceição de Macabu e Macabuzinho. Os membros da Comissão Pró-
Emancipação que não estavam trabalhando diretamente nas seções
eleitorais estavam pelas ruas, organizando eleitores, promovendo uma das
maiores bocas de urna da história política local, com um detalhe: só havia
um grupo fazendo política, o grupo do SIM.90
As ruas permaneceram lotadas até o fim do dia, 17 horas, horário
oficial do fim do pleito, quando as urnas foram sendo lacradas e levadas
ao Grupo Escolar Matias Neto, onde seriam contadas no dia seguinte, a
partir das 8 horas. Não havia dúvidas quanto à vitória, a festa começou e
atravessou a noite.
Sob a fiscalização da Justiça, nas pessoas do juiz, Carlos Eduardo
Fróes da Cruz, do promotor João Sebastião das Chagas Varela, do
serventuário da Justiça Juvenal Barreto Júnior e dos escrutinadores
Benedito Alves de Almeida, João Antônio Veiga e Olcer de Lacerda
Santos, apurou-se os seguintes resultados:
89
Praticamente todos os entrevistados narraram assim o dia do plebiscito.
90
Ibidem.
290
Secão Urna Local Votos Votos Brancos e
SIM NÃO Nulos
1ª 385
G.E.Matias 146 0 1
Neto
2ª 397 Clube 130 0 3
Recreativo
3ª 393 Cine Brasil 130 0 2
4ª 383 G.E.Matias 139 0 1
Neto
5ª 382 Clube 97 0 1
Recreativo
6ª 381 Macabuzinho 79 6 1
TOTAL 721 6 9
Seç Conceição de Macabu Macabuzinho
Fonte: Processo de Emancipação de Conceição de Macabu.
91
Após o plebiscito de emancipação de Conceição de Macabu, todos os municípios
emancipados no Brasil seguiram o mesmo modelo. Segundo os resultados arquivados no
Tribunal Regional Eleitoral, além de dados sobre os municípios que constam na internet
e na mídia, ainda não houve índice de aprovação “SIM” igual aos obtidos em Macabu.
291
Andrade, Rozendo Fontes Tavares, Antonio da Costa Siqueira, José
Martins, José Manhães, Pedro Augusto de Lima Bettancourt, Manoel
Ignácio da Silva Pereira, Félix Aded, José da Silva Magalhães, Cyrillo
Procópio, Admon José Farah, Paulo Roberto Marques, João Barbosa
Moreira, Antonio Barcellos, Abelardo de Carvalho, Renato Barbosa
Fernandes, Miguel Pereira da Fonseca, Miguel Cândido de Carvalho,
Nifald Rud da Silva e Aristodemo de Souza Grijó.
O exemplo de mobilização e o resultado contundente do
plebiscito levaram a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
no dia 20 de fevereiro de 1952, a apresentar o Processo nº 40/1952,
aprovado por unanimidade no dia 04 de março. Seguiu-se a coleta de
autógrafos dos deputados presentes ao evento, o que foi finalizado em 11
de março.
No mesmo dia, com toda urgência, Dr. Macário Picanço produziu
o ofício nº 10, submetendo à sanção ou veto do governador a decisão da
ALERJ. O ofício, como mandava a burocracia da época, voltou ao
plenário da Assembleia, sendo aprovado no dia 13. Naquele dia, o
governador Ernani do Amaral Peixoto recebeu o ofício. Mas só o
sancionou no dia 15, às 15 horas, transformando-o na Lei 1.438 de 15 de
março de 1952. Para ratificar e tornar público, o Diário Oficial publicou
a decisão do governador no dia 16 de março.
Estava criado o município de Conceição de Macabu, que foi
instalado no dia 4 de janeiro de 1953, após a eleição do prefeito, o que se
deu após acirrada campanha eleitoral, entre 15 de agosto e 14 de
novembro daquele ano. No dia 15 de novembro de 1952, Rozendo
292
Fontes Tavares, do Partido Social Democrático (PSD), venceu Francisco
Barbosa de Andrade, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), eleito assim
o primeiro prefeito do município, dessa vez, definitivamente emancipado.
293
FREGUESIA DE 1765 VILA DE SÃO Conceição de
NOSSA A SALVADOR Macabu
SENHORA DAS 1813 DE CAMPOS era parte da
NEVES E DOS freguesia, uma
SANTA RITA GOYTACAZES subdivisão.
294
Referências fotográficas e cartográficas
295
Foto do Relatório de Emancipação. Presumivelmente datada de 1946.
Rosendo Fontes Tavares tomando posse como primeiro prefeito eleito de Conceição
de Macabu.
296
Referências
CASTRO, Sylvio Brantes de. Manual dos Oficiais do Registro Civil. 2a ed. São
Paulo, Brasil Editora S.A., 1948, p. 13.
297
FERREIRA, Marieta de Morais (org). A República na Velha Província . Rio de
Janeiro: FGV, 1986.
298
LIVRO DE REGISTRO DE FUNCIONÁRIOS DA USINA CONCEIÇÃO
(1912-1938).
SAGA – A Grande História do Brasil . São Paulo: Abril Cultural, 2000. v.1.
299
SILVA, Herculano Gomes da; GOMES, Marcelo Abreu. Macabu: a história até
1900. Conceição de Macabu: Gráfica Macuco, 1997. p. 58.
SILVA, Roberto Cezar Rosendo da; CARVALHO, Ailton Mota de. Formação
econômica da região Norte Fluminense. Economia e desenvolvimento no
Norte Fluminense: da cana-de-açúcar aos royalties do petróleo. Campos dos
Goytacazes, RJ: WTC Editora, p. 27-75, 2004.
300
Entrevistados pelo autor:
301
Depoimentos e Consultas:
302
Jomar Pereira Dias
José Mário de Campos Tavares
José Miltonsiles Ornellas Gomes
Mareda Fiorillo Bogado
Marília Bouçada Tassara
Mário Guimarães
Marlon Abreu
Océlia Boeck
Pe. Luiz Cláudio Mendonça
Roberto Ribeiro
Silvia Soares Abreu (Em Memória)
Vilcson Gavinho
Walace Negreiros da Silva
303
Instituições:
304
5
AS LIÇÕES DO CASO COQUEIRO
Carlos Marchi
A primeira lição
306
irreversível da Justiça; e quando ela, a dúvida, chegou ao palácio imperial,
no Rio de Janeiro, pouco tempo depois, o imperador Pedro II – que
negara a graça imperial a Coqueiro – sentiu-se também culpado e passou
a perdoar cada vez mais condenados, para evitar que o erro se repetisse.
Em meu livro sobre o caso, Fera de Macabu, cito várias passagens
de registros deixados pelo imperador em cartas e diários em que ele
confessava o receio de ficar tachado na História como um déspota
sanguinário por não ter agido para extinguir a pena de morte. Exprimia,
com descortino, a antevisão das críticas históricas que se fariam sobre um
personagem que era sinceramente humanista, atento às causas iluministas,
mas que deixou fluir despercebida essa mancha em seu reinado. Ficaria
uma nódoa, como se ele não tivesse dedicado atenção à questão ou não
tivesse angariado força política para enfrentar os grandes fazendeiros, que
defendiam visceralmente a pena de morte como ferramenta para
responder à violência natural com que os escravos reagiam à opressão
senhorial.
Um dos primeiros atos dos militares e seus aliados após o golpe
que concretizou a proclamação da República foi extinguir a pena de
morte, o que deixou Pedro II nu diante da História, exatamente da
maneira que ele mais receava. Esse engano, que se perpetuou na História
Brasileira, precisa ser revisto, porque Pedro II era um iluminista, um
mecenas das ciências, admirador babão das artes, a ponto de ir visitar
Victor Hugo em Paris, como um leitor-fã-tiete irresponsável (Hugo se
posicionava violentamente contra as monarquias, mas recebeu o monarca
tropical, seu leitor admirado, com civilidade), e não um tirano.
307
A segunda lição
308
abdicava de sua missão inexorável: inverter o jogo e cumprir, agora, um
papel protagonista para inserir-se na História, em vez de afogar-se na culpa
e embarcar no mito. Sugeri, então, que a Prefeitura construísse, no exato
local onde foi erigida a forca, um monumento que significasse uma ode à
vida, invocando os direitos humanos dos injustiçados.
Mais ou menos assim: Macaé faria como os ingleses que, em vez
de derrubar a Torre de Londres, sede de tantos tormentos, a exibem como
um símbolo vivo da sua história de morte, como o agradável jardim onde
foi decapitada Ana Bolena; ou como os franceses, que não resistiram à
tentação de demolir a Bastille na Revolução, mas chamam até hoje a praça
onde ela existia de “Praça da Bastilha”; ou como os americanos, que
tiveram de amargar uma derrota na derrubada das torres gêmeas e em seu
lugar criaram um lugar de pranto, oração e orgulho.
Não se varre uma derrota histórica para baixo do tapete. Não
adianta tentar esquecer o que foi ruim – porque a História nunca esquece.
Ninguém consegue esconder uma parte de sua História porque não gosta
dela ou porque o trecho não lhe parece simpático ou heroico. Estava
faltando dizer isso, alto e bom som, perto dos ouvidos das autoridades que
se sucedem em Macaé. Por que o episódio Coqueiro, em que Macaé
pontificou no cenário nacional, continua obscuro e esquecido, como se
fosse pouco ter sediado o momento que inspirou e estimulou a tendência
de o Brasil extinguir a pena de morte?
Seja como for, para concluir o relato, o projeto que apresentei à
Secretaria de Cultura Municipal teve um destino imerecido: foi
simplesmente jogado no limbo que sintetizava aquela posição de culpa.
309
Não é de surpreender. O temor do julgamento da História – que
tanto apavorou Pedro II – é atemporal e transcendental. Dele tinham
medo o imperador, os habitantes de Macaé em 1855 e os seus
descendentes, que povoam a cidade até hoje. Ninguém quer remexer e
revirar fundamentos históricos que possam comprometer passados ilustres.
Recentemente apresentei projeto semelhante – e bem mais amplo
– à Prefeitura de Macaé. O atual prefeito teve olhos para ver a necessidade
imperiosa de impor uma reversão e uma revisão histórica ao caso
Coqueiro. E a Prefeitura promoverá um concurso nacional de arquitetos
para construir um monumento aos direitos do homem, cujo conceito
fundamental seja o erro histórico cometido contra o infeliz fazendeiro
campista.
A terceira lição
310
comandaram a chicana em que se transformaram os julgamentos de
Coqueiro ainda estão espalhados pelo Brasil, mas o olhar tonificante da
sociedade, fortalecido pelos instrumentos de fiscalização, é capaz de
vencê-los e defenestrá-los.
A quarta lição
311
formatando a tessitura inicial de um mercado interno que o Brasil só viria
a constituir no século XX.
A segunda medida foi a adoção de um Código Comercial que,
apesar do nome, foi a primeira legislação empresarial do país, a primeira
lei a regular amplamente o funcionamento de empresas, fossem elas
comerciais ou industriais, no país. Era oportuna: na década anterior, o
registro de patentes para novas invenções tinha crescido
avassaladoramente. Não faltavam ideias nem empreendedores para seguir
o exemplo pioneiro do Visconde de Mauá: naquele ano, malnascida a lei,
foram constituídas as primeiras sociedades anônimas do país. Os capitais
para a grande aventura industrial que seguiria em dominó viriam dos
imensos recursos acumulados com o negócio do tráfico, que ora apontava
para a decadência. Faltava apenas modernizar o arcabouço jurídico-
político brasileiro para criar uma legislação trabalhista que regulasse a
absorção dos enormes contingentes de ex-escravos como empregados dos
novos negócios. Como sabemos, a aventura empresarial empacou e os
escravos continuaram escravos. O Brasil perdeu a possibilidade de
constituir seu mercado interno.
A terceira medida foi a aprovação da Lei de Terras, que extinguia
o instituto da sesmaria (pelo qual todas as terras pertenciam à Coroa e o
imperador as distribuía a seus amigos e apoiadores). A partir daí, as terras
passaram a ser vendidas e, portanto, adquiriram um valor, antes quase
inexistente, mudando a estrutura de valores de bens. A ideia que a inspirou
foi povoar o meio rural brasileiro com imigrantes que substituiriam a força
de trabalho escravo. Para atrair imigrantes era preciso criar estímulos para
312
milhares de pequenos proprietários europeus; e o primeiro estímulo era
acenar a esses pequenos proprietários (que, ademais, eram detentores de
boa técnica agrícola e suportavam o rigor do trabalho braçal) com a
possibilidade de ser detentor de uma propriedade rural. Era também a
possibilidade de formatar uma melhor distribuição da terra, antecipando
uma reforma agrária que depois perseguiríamos por tantos decênios,
diluindo o processo perverso da grande propriedade. Mas os grandes
fazendeiros fizeram cerrada oposição: eles queriam que os imigrantes
europeus viessem para ser seus empregados, já que anteviam o fim
próximo da escravidão. Os poucos projetos tentados fracassaram. Teria
sido uma revolução se tivessem vindo. Mas eles não vieram porque não
estavam dispostos a se arriscar além do Atlântico para serem apenas
semiescravos de quem antes castigava brutalmente seus escravos.
Como a História nos conta, esse projeto mirabolante de país líder
mundial fracassou, sempre por pressão do conservador poder rural. O
governo teve de adiar o fim da escravidão, conseguindo aprovar apenas a
lei para o fim do tráfico, que não era novidade nenhuma – era um projeto
que se arrastava desde a década dos 20, sob intensa pressão dos ingleses
(que almejavam formatar o mercado interno brasileiro para vender os seus
produtos industriais).
A Lei de Terras aprovada estipulava que imigrantes não poderiam
comprar terras nos primeiros três anos que vivessem no Brasil. Essa medida
desestimulou completamente os potenciais migrantes. Ninguém veio.
A escravidão continuou por mais 37 anos. Sem mercado interno,
a aventura industrial estancou ali mesmo. O atrasado meio rural venceu e
313
o Brasil continuou comprando tudo de fora, pagando as importações com
as vendas de açúcar e café. Assim o Brasil naufragou em seu sonho de ser
uma potência emergente; continuou dependente, agrário e, pior,
socialmente injusto.
Esse mesmo fantasma, tanto quanto o de Coqueiro, continua
assombrando a região norte fluminense – o berço dos grandes
proprietários rurais. Cumprida a maldição, cem anos depois do
enforcamento de Coqueiro, a região foi brindada com uma contribuição
dos deuses – o petróleo sob o mar.
Era a oportunidade de redimir o fracasso do projeto de 1851. Mas
pelo que se vê, a tendência para perder vocações continua viva (ou seria
melhor dizer “morta”?). Os recursos naturais são produzidos e a riqueza
que lhe deveria corresponder não aparece. As cidades que seriam vértice
do progresso deixaram-se favelizar miseravelmente. Foram exemplos de
corrupção. Nenhuma delas tem um projeto estratégico de longo curso.
Os planos diretores – quando existem – são confusos e suspeitos.
As lições do caso Coqueiro, como se vê, de tanto permanecerem
nas sombras, continuam cinzentas. Elas deveriam servir para sacudir as
mentalidades e engrandecer a nossa região; suas datas mais marcantes
deveriam ser lembradas e comemoradas com altivez e orgulho, não
esquecidas com negligência e culpa. Mas nenhuma delas tem qualquer
significado em nossa região, sinal de que nossa visão histórica apequenada
confunde até hoje fato histórico com culpa pessoal e de que, portanto,
nenhuma das lições deixadas foi devidamente aprendida.
314
6
BRASÃO DE ARMAS: UMA SÍNTESE
HISTÓRICA
Tarcisio Bastos
315
Quando fui convidado para elaborar essa pesquisa, diversos temas
me sobrevoaram a cabeça, mas como sou um apaixonado por estudos
sobre patrimônio e heráldica, eu resolvi centralizar minhas análises sobre
um dos símbolos oficiais de nosso município: o brasão. A escolha por essa
temática se deve justamente pela necessidade de se reconhecer a
simbologia oficial como mecanismo de legitimação e reconhecimento de
Conceição de Macabu como área municipal, ou seja, um território que
deixava de possuir o status de distrito, para se tornar uma unidade
administrativa circunscrita no estado do Rio de Janeiro, com
características políticas, legislativas, jurídicas e sociais próprias. Sabe-se que
um município não é constituído apenas pelo ato de fundação, por decretos
e pela criação de órgãos político-deliberativos; mas também pelo sentido,
pela identidade, pela representatividade e pela tradição de seus símbolos.
Segundo o pesquisador e especialista em heráldica Wagner Costa,
“os símbolos municipais são as formas de representação mais expressivas
da imagem das comunidades, e, consequentemente, das administrações
que as dirigem. O brasão de armas, assim como a bandeira e o selo
municipais, são figuras simbólicas, insígnias que representam a identidade
do município, a sua evolução política, administrativa e econômica, bem
como os seus costumes, tradições, arte e religião” (2003, Nº 45). Nesse
sentido, o brasão e demais símbolos macabuenses expressam o nosso
passado, as nossas lutas, a nossa história política, a nossa identidade social,
o nosso desenvolvimento econômico, os nossos costumes, etc.
Um brasão de armas ou simplesmente brasão, na
tradição europeia medieval, é um desenho especificamente criado,
316
obedecendo às leis da heráldica, com a finalidade de identificar indivíduos,
famílias, clãs, corporações, cidades, regiões e nações. Os brasões podem
dividir-se em diferentes classes, segundo as entidades que representam. A
classificação básica divide-os em duas classes como brasões simples e
brasões compostos. Segundo a categoria da entidade que representam os
brasões também podem ser classificados assim: brasões de soberania,
brasões de titulares, brasões de família, brasões eclesiásticos, brasões
corporativos e brasões de domínio. Além disso, os brasões ainda podem
ser classificados quanto ao estilo de coroa mural, a forma de seus elementos
fundamentais (os escudos) e aos tipos de suporte.
Conforme a Deliberação nº 88, de 27 de maio de 1968, e o artigo
9º da Lei Orgânica do município de Conceição de Macabu, de 05 de abril
de 1990, o brasão de armas possui as seguintes características:
317
encimado pela coroa mural de prata de cinco
torres, que é de cidade, carregado de uma elipse
azul, destacando-se uma flor de lis, de ouro[...].
318
(o 2º), seria o Curato de Santa Catarina.
Macabuzinho era menor que o Curato,
futuramente poderia se constituir no 3º Distrito
(...). (GOMES, 1997, p. 127).
319
aldeamento dos indígenas da região. A partir da
posse das novas terras, os beneditinos, mas
principalmente, os jesuítas, seguiram pelos rios
ou por terra até os índios sacurus. (GOMES,
1997, p. 35).
320
Góis, por várias vezes tentaram colonizar a região, até abandoná-la por
completo”. (GOMES, 1997, p. 25).
321
O dia 20, pois, marca o início do ressurgimento
de Macabu. O início da época de sua
prosperidade, da abertura de novas e fecundas
fontes de trabalho para o seu povo e para a
lavoura que, na cultura da cana e no
estabelecimento do seu grande engenho, desse
másculo representante de sua indústria, vão
haurir recursos outros, portadores de
prosperidade e grandeza. (TAVARES, 2002, p.
177). Conforme essa acepção, a cana e o café,
figurados no brasão municipal, representam o
desenvolvimento econômico de outrora de
nosso território.
322
Já o ano de 1952 refere-se à criação efetiva do Município:
323
legislação por si só legitima a devida criação e uso dos símbolos citadinos.
Outro fato de extrema importância é que a oficialização de tais símbolos
ocorreu num período em que vivíamos em plena Ditadura Militar. O
próprio ano de 1968 estava repleto de fatos impactantes, como a
imposição do Ato Institucional Número 5 (AI-5), a realização da Passeata
dos Cem Mil, a ocorrência de greves operárias e a organização de
guerrilhas urbanas. O interessante é que Macabu não se cala diante dos
acontecimentos. Talvez movida pelo propósito de pôr fim à opressão e
perseguição militar, visto que o país e a nossa antiga capital federal
estivessem em pleno caos ditatorial, ou seguindo os rumores da História,
nossos líderes e intelectuais elaboraram e legitimaram nossos símbolos
municipais. Por mais que Macabu esteja distante do Rio de Janeiro e dos
órgãos militares da Ditadura, havia sim em nosso povo esse ímpeto em
lutar por dias melhores, em sonhar com um regime mais “democrático”.
Não foi à toa que 1968 foi uma data importantíssima tanto para o Brasil
quanto para nós macabuenses.
Segundo Godofredo Guimarães Tavares, o autor do brasão
municipal foi Alberto Lima, renomado aquarelista, professor de Heráldica
e chefe do Serviço Cartográfico do Exército Brasileiro (TAVARES,
2002, p. 302). Mais uma vez percebemos a história nacional percorrendo
nosso passado. Mesmo o Brasil vivendo em regime ditatorial (1964-1985),
época em que o povo brasileiro possuía uma “aversão” aos militares, tem-
se aqui um militar elaborando um dos símbolos de nossa municipalidade.
Conforme as regras da Heráldica, a coroa mural (brasão de armas)
de um município deve ser representada por uma coroa de prata (branca)
324
com oito torres, sendo cinco torres à vista. Destas cinco, as duas das
extremidades são vistas pela metade, dando ideia de que suas outras
metades estariam dando volta para a parte de trás. Deve-se desenhar uma
porta em cada uma das torres, três à frente e duas metades nas laterais. As
portas são pintadas de negro. Não há padrão para a forma do desenho das
portas, e elas podem ser quadradas, ovais, pontiagudas, etc. O importante
é que sejam reconhecidas nitidamente como portas.
No brasão, notifica-se três largas faixas nas cores blau (azul), goles
(vermelho) e sinople (verde). Para a Heráldica, a faixa azul representa a
parte superior, principal e mais nobre do escudo, onde verificamos as três
estrelas (o município e os distritos); a faixa central (vermelha) representa
o núcleo, ou seja, o coração do escudo; e a faixa inferior (verde) seria a
extensão do mesmo. Por analogia, sintetizo as três faixas assim: a azul
constitui a Política e o poder público municipal; a vermelha representa os
aspectos religiosos e culturais; e o verde, a geografia, a economia e a
história.
Ao pesquisar sobre os brasões dos municípios do estado do Rio de
Janeiro, verifiquei que vários deles são constituídos por três faixas em seus
escudos, semelhantes ao de Macabu, todos eles relacionados com a
política, a economia e a história local, como Areal, Casimiro de Abreu,
Itaguaí, São Gonçalo, Sapucaia e Teresópolis. Outra semelhança é a
existência de canaviais e cafezais em diversos brasões municipais de nossa
federação. O nosso brasão de armas é bem semelhante nesse aspecto ao
do estado do Rio de Janeiro, com um pé de cana-de-açúcar, à esquerda,
325
e um de café, à direita. Talvez Alberto Lima tenha se inspirado no brasão
estadual para compor o nosso e sido autor de diversos outros.
Segundo João Barbalho, “o município é uma miniatura da Pátria”
e o seu brasão simboliza a nobreza municipal, contendo a síntese de sua
história, da qual jamais se apagará a memória de um passado glorioso
(TAVARES, 2002, p. 303). Nesse sentido, Alberto Lima conseguiu com
grande mérito e valor histórico elaborar o brasão de armas do território
macabuense.
Por fim, faço minhas as palavras de Godofredo G. Tavares:
“Conceição de Macabu é cidade nobre, porque tem o seu brasão de
armas”. Não sou grande conhecedor da Ciência Heráldica, mas acredito
ter colaborado para a análise desse importante símbolo municipal como
elemento comemorativo pelos 60 anos dessa cidade com corpinho de 18,
que tem muita história para contar e simpatia para transparecer.
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Referências
www.conceiçãodemacabu.rj.gov.br
www.portaldocidadão.rj.gov.br
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