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PSYKHE Copyright 1999 by Psykhe

1999, Vol.8, N° 1, 19-25 ISSN 0717-0297

Comunidade como Ética e Estética da Existência» Unia Reflexão


Mediada pelo Conceito de Identidade
Comunidad como Ética y Estética de la Existência. Una Reflexión
Mediada por el Concepto de Identídad
Bader Burihan Sawaia
Universidade Católica de São Paulo

A queda das fronteiras clássicas de comunicação entre os homens, concomitantemente ao aparecimento de novos
fundamentalismos, obrigam-nos a rever o conceito de comunidade e de seus coixelatos éticos, como a relação entre
felicidade universal e pessoal e entre direito à igualdade e à diferença, para enfrentar a manipulação demagógica da
comunidade como estratégia separatista tanto no discurso contra o individualismo como no contra a globalização
homogeneizadora. Tal manipulação é referendada pela associação do conceito de comunidade à idéia de identidade, a
qual é enaltecida na globalização como fundamento das organizações comunitárias e nacionais. Objetiva-se analisar essa
associação, alertando ao risco da lógica identitária alimentar o viés fundamentalista da práxis da Psicologia Social
Comunitária. Para superá-lo, propõe-se a idéia de comunidade como “bons encontros” e de identidade como "crioulidade”.

El debilitamiento de las fronteras clásicas de comunicación entre los seres humanos, juntamente con la aparición de
nuevas organizaciones fundamentalístas, imponen la revisión dei concepto de comunidad y de sus correlatos éticos, como
la relación entre felicidad universal y personal, y entre el derecho a la igualdad y a la diferencia, a fin de enfrentar la
manipulación demagógica de la comunidad como estratagema de segregación, tanto en el discurso contra el individualis­
mo como contra la globalización masificadora. Esta manipulación es reforzada por su asociación a la idea de identídad.
glorificada, en la globalización, como el fundamento de organizaciones comunitárias y nacionales. El propósito de este
trabajo es analizar esa relación, alertando en relación al riesgo de alimentai- los sesgos fundamentalístas — basados en la
lógica identitaria— en la praxis de la Psicologia Social Comunitária. Se propone la idea de comunidad como “buenos
encuentros” y la de identídad como “criollidad".

O mundo do final do século, denominado por promove impulsos anti-sociais e de exclusão, que
muitos de neoliberal e pós-moderno é caracteriza­ concebe a ordem social com o produto da
do por paradoxos. Um dos mais importantes, em subjetivação e individuação de seus membros, mas
term os de repercussão p sicossocial, é o cria formas sutis de massificação dos homens.
desenraizamento do mundo por meio de titânicos Muitos pensadores afirmam que a maior revolução
processos eco n ô m ico -técn o -cien tífico s do do final do milênio é a do estilo de vida, tendo em
desenvolvimento capitalista (Ianni, 1996), provo­ vista que o predomínio da lógica individualista e a
cando a queda das fronteiras clássicas de revolução do consumo atingiu plenamente o cotidia­
comunicação e relação entre os homens, paralela­ no, impondo uma estética existencial baseada na
mente ao aparecimento de novas formas separatis­ valorização da escolha individual. “O ideal de
tas ou ao ressurgimento de antigas, sob novas vestes. subordinação do indivíduo às regras racionais
O laços tradicionais que prendiam o homem às co­ coletivas, foi substituído pelo valor fundamental da
munidades, às nações e aos outros homens foram que­ realização pessoal, do respeito à singularidade sub­
brados, mas, em lugar da liberdade, ele foi aprisiona­ jetiva e da personalidade incomparável” (Lipovetsky,
do por cadeias fundamentalístas, quer coletivistas quer 1983, p. 9).
individualistas e narcísicas. Nesse contexto, identidade, subjetividade e
Outro paradoxo, que na verdade está contido e afetividade tornaram-se figuras centrais, com a
contém o primeiro, é o de ser um momento históri­ responsabilidade de transformar o mundo. Mas,
co que valoriza a autonomia e a emancipação, mas paradoxalmenle, ao mesmo tempo que elege o homem
livre como seu valor principal, com direito de ser
Bader Burihan Sawaia, Universidade Católica de São Paulo.
absolutamente eu próprio, de ffuir ao máximo a vida,
La correspondência relativa a este artículo debe ser remitida a Bader a sociedade impede o ato de escolha, ao submetê-lo a
Burihan Sawaia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, uma política de subjetividade homogeneizadora e a
Rua Monte Alegre, 984, CEP 05014-901, Brasil. Tel: (011) 263 uma ordem econômico-política excludente, onde as
0801. Fax: (011) 280 7810, e-mail: badbusaw@exatas.pucsp.br
possibilidades são, apenas, virtuais e imagéticas.
20 SAWAIA

O que se tem é uma abertura ilimitada das fronteiras contra a exclusão e pela liberdade e, ao mesmo
de comunicação e das possibilidades de identidades tempo, o centro motivador da comunidade apartheid-
(Giddens, J 993), de valores e de mercadorias, junta­ defensiva ou agressiva. Em nome da identidade,
mente com a da m iséria e da exclusão. A define-se rigidam ente territo rialíd ad es,
marginalização e o empobrecimento da maioria da pertencimentos e exclusões, favorecendo a formação
população mundial se agrava sob a égide do jargão de agrupamentos xenófobos, intolerantes, que não
da autenticidade e da individualidade, que transfor­ reconhecem o outro na diferença. Morin (1990)
ma a pobreza e a exclusão em culpa individual e le­ descreve com exatidão esse tipo de associação ao
gitima no cotidiano o contrário dos princípios que afirmar que as gangs são uma espécie de “contrato
apregoa: em lugar do respeito à diversidade, o social de almas, sujeitas a regras coercitivas e
predomínio do relativismo cínico; em lugar da ditatoriais” (p. 113), uma união de indivíduos
liberdade, formas sutis de aprisionamento do homem atomizados e reprimidos, pautados por fidelidade
quer na sua interioridade (narcisismo individualista) pessoal e agressão a tudo que é estrangeiro.
quer em associações separatistas/fundamentalistas Recorre-se à comunidade identitáriacomo defesa
(narcisismo coletivo1). da individualidade, da pluralidade e do
Muitos pensadores sociais estão alertando sobre m ulticulturalism o, contra o engolfam ento
o efeito perverso do enfraquecimento da tradição e m assificador da globalização, como fazem os
da queda das fronteiras clássicas entre os homens. movimentos de defesa do direito à diferença, que
Alguns, inspirados em Giddens (1990), um dos mais eclodiram nos anos 80'.
importantes sociólogos europeus da atualidade, Mas, paradoxalmente, clama-se por comunidade
elegem a falta de confiança como um dos proble­ como proteção contra a insegurança e o sofrimento
mas mais graves enfrentados pelas sociedades gerados pelo individualismo, pelo relativismo e pela
contemporânea, gerada pela enfraquecimento da explosão de opções, muitas vezes vividos como
tradição e de todos os eixos identitários rígidos: insegurança, solidão e dificuldade de relacionamento
Tradição, nação, comunidade, família, e, até mesmo consigo mesmo e com o outro. Sentimentos que
o sexo. Consideram que tal enfraquecimento pode impulsionam os indivíduos à busca de lugares de
ser positivo, pois estimularia o uso da reflexão no certeza, como os grupos identitários, em que os
ato da escolha até da própria identidade sexual, a indivíduos reconhecem-se e são reconhecidos como
qual deixaria de ser impositiva. Mas reconhecem iguais, nós contra eles, conforme afirma Melucci
que isso não está ocorrendo. O enfraquecimento da (1991): “ Há nas sociedades com plexas o
tradição associa-se ao medo do desconhecido, aparecimento de um integralismo que busca con­
gerando ansiedade, agressão, os quais, aliados à íâlta trolar a incerteza através de algum princípio de
de confiança, geram sofrimentos de diversas ordens unidade” (p. 170). A identidade individual ou
e mecanismos defensivos, fundam entalistas e coletiva (comunidade identitária) seria um dos mais
apartheid, sendo um dos mais comuns a busca de utilizados.
parâmetros fixos de identidade. Esse raciocínio leva Sousa Santos (1997) a
Neste contexto, a idéia da comunidade reatualiza analisar os problemas do final do milênio através
seu valor analítico e utópico, tornando-se, como da equação entre a explosão de opções e o desejo
sempre ocorreu em momentos de crise de valores cada vez m aior de raízes: “O exem plo m ais
coletivistas, catalisadora da idéia de solidariedade e eloqüente desta explosão de raízes e opções pela
de reciprocidade, mas com uma novidade decorrente in ten sificaç ão de umas e outras são os
dos paradoxos acima citados: Seu corpo teórico, sua fundamentalismos e a investigação sobre o DNA”
retórica e sua práxis orbitam em torno da idéia de (p. 113). O fundamentalismo identitário está liga­
identidade. da ao desejo de raízes, significa o perene, o sólido
Comunidade sempre foi conceito vago, capaz de que dá sentido às opções a que somos obrigados a
abarcar qualquer perspectiva, transformadora ou fazer, de tal forma que autonomia e liberdade
reacionária, porém, na interface com a identidade, confundem-se com ações orientadas por interesses
isto é, ao definir-se por traços identitários, ela particularistas, vividos como necessidade do nós
explicita de maneira flagrante a ambigüidade que com unitário, através do p erten cim en to aos
sempre a caracterizou: Ser uma estratégia de luta chamados movimentos identitários (Tourraine,
1996).
1 Expressão usada por Lipovetsky ( i 983, p. 15).
COMUNIDADE COMO ETICA E ESTETICA 21

Identidade como Mediação Teórica na Aqui se tem o paradoxo moderno da identidade


Análise da Prática Comunitária que é o mesmo da comunidade. O que não podería
ser diferente, na medida que uma tornou-se condição
As reflexões anteriores visaram demonstrar a da outra. De um lado, atribui-se à identidade a
necessidade da Psicologia Social Comunitária, nesse incum bência de desvelar a multiplicidade das
momento em que as territorialidades estão redefinido- individualidades, na cena pública, para negar a
se, rever criticamente o conceito de comunidade em segregação e a discriminação. De outro, recorre-se
seu corpo teórico-metodológico e prático. Esta revisão a ela para enfrentar, no plano individual e/ou social,
deve referir-se à análise do impacto social do mesmo a indeterminação, a multiplicidade e o medo do
e não, apenas, ao seu desempenho heurístico/ estranho, da incomensurabilidade e da relativa
epistemológico interno, abordando-o como conceito essencialidade das coisas.
ético-político. Para realizar tal crítica, o presente tex­ Numa visão aparencial, a causa desse paradoxo
to optou pelo recorte da identidade. pode ser im putada à concepção ingênua de
Não é preciso estudos exaustivos para constatar a identidade como permanência/unicidade, presente
realidade da proposição afirmada nas páginas ante­ no senso comum e no corpo teórico da Psicologia
riores, de que a identidade é uma das idéias força da Social Comunitária, em detrimento da concepção
modernidade contemporânea. Abusca da identidade, de identidade metamorfose/multiplicidade.
isto é, da representação c construção do eu como Ledo engano. Uma concepção não anula a outra,
sujeito único e igual a si mesmos e o uso dela como e uma não substitui a outra. Ambas indicam mo­
referência de liberdade, felicidade e cidadania, tan­ mentos do processo de identificação. O problema
to nas relações interpessoais como intergrupais e reside na polarização e cristalização de uma delas
internacionais é um imperativo categórico. O senso em detrimento da outra. Quando isto ocorre, cai-se
comum o demonstra sem sutilezas nas máximas mais ou na esquizofrenia da “identidade volátil” que
repetidas: “seja você mesmo”, “autenticidade é impede relações ou na cristalização da “identidade
liberdade”, “o que conta é eu ser mais eu e minha clichê” e no seu correlato de ultra investimento na
felicidade individual”. Também pode-se constatar a diferença, na marca que separa e discrimina. Am­
força da identidade pelos livros que lideram a lista bas m atérias prim a do preconceito e do
dos mais vendidos. Á grande maioria é de auto-ajuda fundamentalismo e cujos horizontes é a solidão.
e de biografias de vitoriosos. Mas o seu indicador O agravamento dos conflitos étnicos não advém
mais evidente é a explosão dos m ovim entos do princípio de preservação de identidades frente à
identitários, cujo exemplo mais aterrorizante é o da globalização, mas do fato desse princípio transfor­
limpeza étnica da Iugoslávia. mar-se em luta pelo poder, usando a retórica da
Também é fácil constatar que o uso da idéia de defesa da identidade (neste caso “identidade etique­
identidade é m otivado por dois interesses ta”) para discriminar e excluir. Melucci (1992) fala
antagônicos. Um de defesa do direito à diversidade em “identidade fundam entalista” ou “identità
e outro de defesa do “uno” contra a diversidade. segregata” (p. 53) para se referir a esta qualidade
Ambos configuram retóricas sociais em versões tan­ discriminadora da referência identitária, que trans­
to salvacionista, que apregoam a capacidade da idéia forma a luta pelo direito à diferença em condenação
de identidade de ev itar o engolfam ento das à diferença coletiva ou individual.
diferenças pelo processo de globalização quanto A “identidade etiqueta” delineia um território se­
apocalíptica-acusatória, que a culpabiliza por obs- guro, que só é abandonado por outros espaços
taculizar a globalização e m anter os homens identitários rígidos (Sawaia, 1995). Exemplo dela
atrelados a localismos. são os “skinheads”, cuja “identidade funciona como
Identidade é usada para resgatar a individualidade um dispositivo de segurança, de estabilidade, que
como valor cardeal e com ela a multiplicidade e o só é abandonado quando constróem outras áreas de
movimento dos fenômenos. Mas adquire, também, estabilidade e segurança, as vezes representadas pela
o sentido de permanência, de defesa de traço distin­ família (quando se casam), pelo trabalho e, em
tivo, como refúgio da globalização e do confronto alguns casos, até pelo conversão religiosa” (Souza,
contra o estranho, como observa Ianni (1996): “Iden­ 1998, p. 153). P esquisa sobre os skinheads
tidades locais são recriadas a partir de característi­ paulistanos (C osta, 1993, p. 76) apresenta
cas como raça, religião, etnia, para se refugiar da depoimentos que evidenciam o viver atrelado a esses
globalização homogeneizadora” (p. 14). espaços, como a de um que afirma estar pensando
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em se casar e se tornar crente, pois, está ficando marcarem uma concepção de identidade, não como
velho para ser skin. substância que se mantém ao longo da existência,
Nesta perspectiva, a relação com a alteridade trans- imutável e idêntica a si mesma, mas como processo
forma-se em luta contra o outro, como ocorreu com de construção de um modo ser e estar no devir do
parte dos movimentos sociais, que substituíram os confronto entre igualdade e diferença (Sawaia, 1997).
revolucionários dos anos 60'. Eles trouxeram uma Sendo a identidade uma ficção semi fictícia e semi
elogiável concepção de cidadania, não mais assentada necessária a depender do contexto político, a pergunta
exclusivamente na reivindicação da igualdade, mas por identidade e comunidade identitária é inleresseira e
na luta pelo direito à diferença, usando a busca das não ingênua, e situa-se nas relações de poder. Ambas,
raízes identitárias como estratégia de luta política são idéias ligadas ao processo de inserção social em
contra a exclusão. Mas muitos desses movimentos, sociedades complexas, hierarquizadas e excludentes. O
ao mesmo tempo que apresentaram avanços em ter­ clamor por identidade quer para negá-la, reforçá-la ou
mos de conquistas sociais, transformaram-se em co­ construi-la, é parte do confronto de poder na dialética
munidades defensivas ou agressivas, inclusive exclusão/inclusão. Sua construção se dá no processo de
fratricidas, interna e externamente. Internamente, por definição dos direitos e afirmação de privilégios. Ela
exercerem uma ditadura sobre as necessidades e exclui e inclui parcelas da população do exercício da
emoções, impondo modelo rígido de pensar, sentir e cidadania, sem prejuízo da ordem social e legitima a
agir. Externamente, por transformarem o outro, muitas inferioridade sócio-econômica da maioria.
vezes vizinho, em inimigo, como a limpeza étnica Ao se indagar por identidade para se conhecer um
que começou na Bosnia e, agora, espalha-se pelos fenômeno penetra-se nas filigranas das relações de
Bálcãs, justificando a exclusão do “estrangeiro”, que poder e as respostas obtidas podem questionar ou
supostamente ameaçaria a identidade nacional. repor as significações hegemônicas que as sustentam.
Souza Santos (1994) define com clareza o perigo Identidade esconde negociações de sentido, choques
do monopólio regulador embutido na referência à de interesse, processos de diferenciação e
identidade, ao afirmar que cia é uma “questão semi- hierarquização das diferenças, configurando-se como
fictícia c semi-necessária” (p. 119) na modernidade estratégia sutil de regulação das relações de poder,
contemporânea. Assim, ele situa a identidade nas quer como resistência à dominação quer como seu
relações de poder e introduz a ética e a cidadania reforço. Portanto, não basta perguntar pela identidade,
nas suas discussões, apresentando-a como categoria é preciso conhecer quem pergunta, com quais
política e estratégica nas relações de poder. intenções e sentimentos (Sousa Santos, 1994). A
Referindo-se a mesma questão, mas do ponto de vista pergunta pode se tornar uma forma de narcisismo e
da psicanálise, Freire Costa (1986) confirma a idéia dominação, no plano individual e coletivo, configu­
de identidade como ficção necessária à ação. Ficção rando uma identidade ficcional, que se cristaliza acima
no sentido da psicanálise, ou seja representação que é das subjetividades e teme a alteridade. As resposta
vivenciada como verdade. Reforçando esta perspecti­ obtidas serão diferentes, bem como as qualidades que
va teórica, Berry (1992) relaciona à desvalia e ao des­ comporão o perfil identitário analisado, tal como a
amparo o aparecimento da ficção da identidade como resposta obtida por H itler2 ao perguntar pela
unicidade. Segundo ela, a necessidade do sentimento identidade do povo alemão, a do colonizador ao
de identidade varia, sendo mais forte em situações onde perguntar pela identidade indígena e a do indígena
o sentimento de existência é fraco. na luta pela preservação de sua identidade cultural.
Essas reflexões devem ser complementadas com o Pesquisa realizada com índios xavantes demonstrou
alerta de Badiou (1995) de que identificação não é o que a preservação da identidade é estratégia que
reconhecimento mimético do outro como semelhante, utilizam para salvaguardar o único poder de
mas o desejo de ser diferente pelo conhecimento e negociação com os brancos. Eles sabem que se não a
admiração da diferença e o de Sousa Santos (1994) de reproduzirem nas novas gerações, eles não terão o
que identidade é a síntese de múltiplas identificações que trocar, ficando de “boca vazia”3 perante o outro.
em curso e não um conjunto de atributos permanentes.
Outros pensadores, que usam o conceito para 2 O nazismo simulava um comunitarismo através da idéia de
identidade racional.
analisar os novos movimentos sociais, compartilham 3 Expressão usada por índio xavante parar referir-se à submissão
desta concepção, como Melucci (1992) que sugere a total frente ao outro. Pesquisa realizada por Xanda Biase, como
expressão “identização” (identizzazione) e Elias trabalho de iniciação científica no programa de pesquisa sobre
(1993) a de “identidade do nós” (p. 203), para o sofrimento ético-político em situação de exclusão, que eu
coordeno na PUC-SP.
COMUNIDADE COMO ETICA E ESTETICA 23

Não pense o leitor que essas reflexões têm a do ponto de vista psicológico, impondo modelos de
intenção de recomendar o abandono do enfoque da necessidade e afetividade.
identidade na práxis e reflexão da Psicologia P ortanto, ao incorporar a identidade como
Comunitária. Ao contrário, ela intenta demonstrar categoria orientadora, a comunidade deve enfatizar
sua utilidade, mas alertando à necessidade de se usar a dialética que a constitui: Ser igual a si mesmo e
recursos analíticos para evitar sua cristalização ser d iferen te de si, ser perm anência e ser
ideologizadora, especialmente, hoje, em que, com metamorfose (constante devir). Esta lógica impede
o avanço fantástico da tecnociência, as identidades o uso político da idéia dc comunidade identitária
territoriais se desmancham no ar, fluidificando para discriminar e explorar o outro.
fronteiras clássicas e criando outras.
Por isso, retomo o que já afirmei em textos anterio­ Conclusão
res (Sawaia, 1997a, 1995a) ao se analisar a identidade
de um território ou de uma comunidade, tendo como iP or que comunidade como ética e estética não
norte a cidadania, é preciso olhá-la como apta à trans­ excludente?
formar-se em algo diverso, na relação com a alteridade Vamos concluir, retom ando a proposição
e como processo dinâmico, resultante da tensão per­ apresentada no início do texto de que se vive, hoje,
manente entre a homogeneização disciplinadora da uma transformação profunda de estilo de vida, com
ordem social e a rebeldia da polissemia da vida so­ ênfase na estetização da existência, uma revolução
cial. É preciso contrapor-se à visão maniqueista que de sensibilidade, que enaltece a afetividade e a
qualifica os espaços como bons ou maus, libertadores individualidade. Essa trasformação, em princípio,
ou aprisionadores, de segregação ou inclusão, para não é ruim. O paradigma estético desmistifica a
captar a sua multidimensionalidade e a ausência de ordem da razão instrumental, indica a importância
fronteiras entre segregação e resistência e entre dos sentidos na vida social e apresenta o
intimidade e impessoalidade. compromisso ético, não como uma questão de
Aqui cabe uma alerta: usar a concepção de persuasão ou opção puramente racional entre virtude
identidade como multiplicidade não é abandonar a e pecado, mas como necessidade do eu, como desejo
concepção de identidade como modo de ser e de se e motivação, configurados e reconfigurados na
relacionar como individualidade única e identificável. in tersubjetividade. E ste paradigm a perm ite
Sem o idêntico a si mesmo não hã convivência e compreender que, mesmo quando o indivíduo age
relação. É preciso manter a tensão entre os dois sen­ em nome do bem comum, o faz por motivação indi­
tidos contidos na identidade —o de permanência e o vidual (Sawaia, 1998). Mas seu uso trás o risco da
de transformação, entendendo— os como pares neutralidade e do relativismo ético. Ao eleger como
dialéticos no processo de identificação em curso, desejo mais legitimo aos olhos da sociedade o de
através do qual um modo de ser c de se relacionar, viver livre e sem coerções e escolher sem restrições
repõe-se, abrindo-se ao outro. O uno e o múltiplo não o seu modo de existir (Lipovetsky, 1983), afasta-se
se excluem, constituem-se na relação entre si. Um do contexto social, dos em bates p olíticos e
contém o outro ao mesmo tempo que são distintos. econômicos e dos princípios universais.
A comunidade precisa apresentar-se como igual a A ética do bem viver, ao se restrin g ir aos
si mesma para garantir relações intrapessoais, sentimentos individuais, falseia as questões sociais,
interpessoais, intergrupais e internacionais. O per­ estruturais e nos impele à exposição do eu e à tirania
manecer igual a si mesmo não é apenas o aspecto da intim idade (Sennet, 1976). A proposta do
representacional da comunidade, ele é seu constitu­ reencantamento do mundo é aprisionada pelo senti­
tivo. Mas o permanecer igual não é imobilidade, do dominante do ser feliz comigo mesmo e por mim
marca indelével e fixa, é processo dinâm ico, mesmo. O exercício político se transforma em bus­
contendo sempre a possibilidade da transformação, ca de estéticas existenciais particularistas, que
a depender da historicidade de sua constituição. Ele sustentam o “eu” narcísico e a intimidade se trans-
é diferente de cristalizar a mesmice em estigma que borda, afogando o público, esvaziando o sujeito
aprisiona o ser e o tempo à presentificação, político e eximindo o Estado e a ordem social
apresentando-se utopicamente como comunidade da excludente de responsabilidades pela existência.
unidade, do repouso, da não perturbação, da Este é o perigo que a comunidade precisa evitar:
felicidade tranqüilizante, que se objetiva como tornar-se uma retórica legitimadora da estética in­
apartheid, do ponto de vista social, e como tirania, dividualista e intimista, baseada na crença de que
24 SAWAIA

os relacionamentos das esferas locais, fechadas em sentimento de ser único e, assim, poder dispor de si
si, são critérios de qualificação do bem viver e de para si, isto é reconhecer e ser reconhecido pela
felicidade. Quando elas podem ser um conjunto de alteridade, sem ser discriminado ou discriminar
afetos instituídos pelo medo do outro e uma estética (Sawaia, 1995).
que só acha belo o que é espelho, desprezando a O estilo de vida, ao se qualificar com o
alteridade e fugindo das ações coletivas. com unitário, volta-se à m ediação entre a
Para enfrentar este perigo, sem obstaculizar a universalidade ética e a singularidade do gozo indi­
revolução das sensibilidade, a estética da existência vidual e entre o bem estar particular e o coletivo e
deve ser regulada pelo princípio da comunidade, que concebe o público e o privado, o pessoal e o políti­
define uma ética através de bons encontros, que se co como conceitos reversíveis. Para auxiliar esse
alimentada diversidade, sem temer o estranho, pois processo, a Psicologia Social Comunitária precisa
é ligar-se ao outro sem o despotismo do mesmo, desfetichizar e ampliar suas categorias analíticas
apresentando-se como qualidade de relação, carac­ centrais, com o com unidade, consciência e
terizada pela mutualidade em vez de poder desigual, conscientização.
como arte de dar e receber prazer. A fusão entre eu e Comunidade precisa readquirir o valor heurístico
o diverso não é apenas racional. Ela é emocional e é e prático de sua gênese no pensamento social: uma
vivida pela experiência, mas com plena consciência coletividade que, sem abrir mão de seu modo de
de que as emoções são determinadas socialmente. ser, acolhe a multiplicidade, em movimento de
A ética e a estética comunitárias divergem da éti­ recriação permanente da existência coletiva e um
ca e estética comunitaristas. A primeira equivale a fluir de experiências sociais vividas como realidade
ter sensibilidade para ouvir os gritos de sofrimento do eu, mas partilhadas intersubjetivamente.
de cada um c a vivência do mal que existe na Consciência, categoria privilegiada pela Psicologia
sociedade, advindos da situação de ser tratado como Comunitária, tem que ser considerada tanto na sua
inferior, apêndice inútil da sociedade e visa forma de conhecimento explicativo e reflexivo,
potencializar os su jeitos para lutar contra essa ordem como também no seu aspecto social e emocional.
social excludente, em favor de todos. A segunda Ela não é idêntica à subjetividade e nem à razão.
produz guetos discriminadores, tanto agressivo Nem sempre o avanço da crítica social resulta em
quanto defensivo, que abafam a diversidade no in­ potência para agir em favor de si e do outro, por
terior do próprio grupo. Ética e estética comunitária isso tomada de consciência deve ser ampliada e
é estratégia para enfrentar a feudalização do plane­ substituída por potencialização. A emoção cria
ta pelo princípio da mercado, através de uma políti­ sensibilidade entre os indivíduos, promovendo a
ca de vida4, que se preocupa tanto com a questão comunicação intelectual e medeia os acontecimentos
pública quanto com o sofrimento que penetra na objetivos.
intimidade das relações e elege a intersubjeitividade Potencializar amplia Ó conscientizar, pois une o
com o universo de ação potencializadora da que estava cindido: Razão, afetividade, corpo e
emancipação, porém sem exim ir o Estado da desejo, num processo contínuo de configuração de
responsabilidade. mediações internas, pelas quais o poder externo
No plano da práxis, significa buscar orientações reforça e viabiliza a cegueira e a impotência social.
para recriar, neste mundo diminuído, desenraizado Seu objetivo é colaborar com a construção de
e desumanizado pela tecnociência, novo espaços de individualidades que transcendam qualquer pressão
representação democrática das necessidades huma­ social que possa reprimi-la ou deformá-la.
nas, recuperando dos escombros do individualismo Nessa perspectiva, em lugar da mudança de
o homem rico de necessidades, com potencialidade atitude, que caracterizou a prática da Psicologia
de ação e emoção. Significa buscar lugares onde Social C om unitária brasileira, no período do
todas as necessidades possam ser defendidas com desenvolvimentismo (década de 50'), em lugar da
competência e legitimidade, onde a identidade deixa prevenção de doença mentais e da conscientização,
de ser destino, consciência em si, para se tornar políticas dominantes na práxis comunitária dos anos
consciência para si e para o outro, sem perder o 60' a 80', sua intencionalidade se voltaria à
potencialização de ações individuais e coletivas em
4 Expressão usada por Giddens, A. (1993) no seu livro: A.r
prol do bem comum e da felicidade particular. Para
Transformações ela Intimidade. Sexualidade, amor e erotismo
nas sociedades modernas (segunda edición). São Paulo: ela não haveria oposição nem interação entre
UNESP. potência individual e comunitária e entre a ação
COMUNIDADE COMO ETICA E ESTETICA 25

p articu lar e universal. Seu alvo seria o Lasch, C. (1987). O Mínimo Eu - sobrevivência psíquica em
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(1957), para referir-se ao combate da escravidão, Mclucci, A. (1991). Llnvenzione dei'presente. Bologna: Mulino.
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bons encontros spinosanos, encontros de corpos que
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se compõem. Encontros, onde os indivíduos tornam- Sawaia, B. B. (1997). A legitimidade subjetiva no processo de
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percepções, sem abdicar da universalidade, sem se (Org.), Estudos sobre comportamento político e movimentos
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satisfazer com os afetos instituídos na exclusão do
e Associação Brasileira de Psicologia Social.
outro e sem pôr nos outros o sentido da própria Sawaia, B. B. (1997a). Atemporalidade do “agora cotidiano” na
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