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Autonomia versus beneficência

Maria do Carmo Demasi Wanssa

Resumo O estudo discute os princípios da autonomia e da beneficência. Estabelece relação


entre os dois conceitos mediante levantamento bibliográfico, cuja proposta é pontuar a
evolução histórica da ética médica, da era hipocrática aos dias atuais. Diante das novas
perspectivas éticas, bioéticas e morais surgidas na contemporaneidade, a discussão aponta
que o modelo de decisão médica baseado no respeito à autonomia parece ser o ideal, apesar
de sua difícil articulação com os parâmetros clássicos que orientam a relação médico-paciente,
como ressalta a literatura nacional e internacional. Conclui considerando que se vive uma
situação de transição paradigmática, na qual o modelo vigente vem deixando de fornecer
respostas efetivas e seu substituto ainda não está totalmente estabelecido, sugerindo a
adoção de estratégias para fomentar a discussão dentro dos órgãos de formação médica,
primando pela autonomia do paciente.

Palavras-chave: Bioética. Autonomia profissional. Autonomia pessoal. Paternalismo.

O princípio da beneficência, associado ao da não malefi-


cência, orientou a prática médica ao longo de dois mil e
quinhentos anos. Desde seus primórdios, a relação médi-
co-paciente teve como referência o juramento hipocrático,
por meio do qual o médico estabelecia o compromisso de
usar a medicina em benefício dos pacientes, dentre outras
Maria do Carmo Demasi obrigações.
Wanssa
Médica clínica geral, doutoranda
pelo Programa Luso-brasileiro de Ao longo dos séculos, a aplicação desses princípios no
Doutorado em Bioética da
Faculdade de Medicina da cotidiano da prática profissional revestiu-se, muitas vezes,
Universidade do Porto-FMUP/CFM, de paternalismo, dada a incontestável diferença de conhe-
Brasil, corregedora do Conselho
Regional de Medicina do Estado cimento sobre diagnóstico, tratamento e cura entre o
de Rondônia, Porto Velho, Brasil médico e o paciente. A incorporação da racionalidade
científica à medicina, nos fins do século XIX, conferiu ao
médico autonomia técnica para a tomada de decisão, legi-
timando seu poder de decisão pelo domínio do conheci-
mento específico 1.

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Se esses dois princípios permanecem no cerne As normas e limites desses princípios perma-
da relação médico-paciente, avalizando a necem indeterminados e abertos a diferentes
indispensável confiança essencial à relação, a interpretações. Em decorrência, este estudo
forma como são aplicados tais pressupostos busca apresentar as diferentes vertentes dos
morais vem sendo muito questionada nos expoentes literários que têm abordado o assun-
últimos três decênios. Ante a formulação da to, para que se possa aprofundar a busca por
Declaração Universal de Direitos Humanos, respostas ao problema em tela, qual seja, a
em 1948, e das posteriores normativas volta- definição dos limites e benefícios da autono-
das aos direitos do paciente, dentre os quais, mia do paciente e da beneficência do médico.
em especial, o da autodeterminação, novos Para tanto, o estudo bibliográfico desenvolvi-
desafios foram trazidos à prática médica. do estabeleceu um recorte temporal de 16
Nesse contexto, o princípio do respeito à anos, selecionando e analisando a literatura
autonomia do paciente tem assumido cres- publicada sobre o tema no período compreen-
cente importância nos debates bioéticos dido entre 1983 e 2009.
atuais. Tal princípio parte do reconhecimento
de que todas as pessoas têm capacidade para Da ética médica hipocrática à
determinar o seu próprio destino e, portanto, ética médica contemporânea
o direito de agir livremente, segundo sua pró-
pria consciência e valores morais. O direito à O fundamento das bases éticas da medicina
autodeterminação vem questionando profun- tradicional foi ordenado pelo juramento hipo-
damente a chamada atitude paternalista do crático e nos livros deontológicos e normati-
médico, que, à primeira vista, saberia o que é vos contidos no Corpus Hipocraticum. No
melhor para o paciente 2. juramento, havia o compromisso do médico
em usar a medicina em benefício dos pacien-
A autonomia individual, porém, está sujeita tes; de conservar em segredo os conhecimen-
a várias regras éticas, morais, culturais e reli- tos médicos, exceto para seus pares; de não
giosas impostas pela sociedade, desde que manter relações sexuais com os pacientes e de
reconhecidas como legítimas pelo indivíduo. não administrar substâncias que poderiam
Frente à necessidade de promover a autono- levar à morte ou provocar efeitos danosos 3.
mia do paciente, cabe ao médico prover a Por representar um código de normas de con-
informação, assegurar a compreensão e duta, transformou-se em parâmetro para os
garantir a livre adesão do mesmo ao trata- próprios médicos avaliarem a sua prática.
mento proposto. O pressuposto com o qual
se associa o respeito à autonomia do doente Com a cristianização do Ocidente, o jura-
denomina-se consentimento informado e o mento passou por adaptações voltadas à mora-
instrumento utilizado para sua aplicação é lidade cristã sem que, contudo, se alterasse a
identificado como termo de consentimento estrutura fundamental do código ético. A pre-
livre e esclarecido (TCLE). missa incorporada pelo pensamento cristão

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era o espírito da caridade. O caráter sacerdotal racionalidade científica e pela mudança do
do médico foi mantido e a ética hipocrática paradigma médico com a instituição da medi-
perpetuou-se ao longo dos séculos, vez que a cina baseada na identificação das doenças,
ética médica se converteu no paradigma de sinais e sintomas de acordo com as lesões ana-
toda a ética sacerdotal 4. tômicas 1. Em decorrência, o sistema médico
consolidou-se, fortalecendo a ideia de que o
A caridade cristã influenciou a organização leigo não só era incapaz de entender seus pro-
social da prática médica com a criação de blemas de saúde, mas, e principalmente, de
várias instituições, pelas ordens religiosas, solucioná-los. Portanto, o desenvolvimento
que exerciam a caridade cuidando de doen- histórico da medicina conferiu ao médico
tes, ainda que nesse período tivessem caráter autonomia técnica para a tomada de decisão
prioritariamente asilar, dedicando-se mais à junto ao paciente, a qual se baseava tanto no
exclusão do doente da vida social, para evitar domínio do conhecimento específico quanto
o contágio, do que propriamente à cura 5. na legitimidade social anuída por essa classe
Do início da Idade Média até o século XII, profissional.
as interações entre médicos e pacientes se
nortearam por três crenças: os pacientes O princípio original da relação médico-pa-
devem honrar os médicos, porque sua auto- ciente se estabelece nas relações de confiança
ridade provém de Deus; os pacientes devem e respeito entre ambos, condição primordial
ter fé em seu médico e devem prometer obe- para o estabelecimento da cura5. A confiança
diência 5. do paciente baseia-se na convicção de que o
médico é detentor dos conhecimentos neces-
A partir do século XII, com o renascimento sários para a resolução de seu problema e o
do racionalismo grego, após período de crise da respeito do médico ao paciente é baseado nos
Igreja Católica, com a abertura das faculdades princípios éticos da beneficência e não malefi-
de medicina nas universidades medievais e a cência. O princípio da beneficência, segundo
promulgação das primeiras leis que regula- a tradição hipocrática, não comportava rela-
mentavam o exercício da prática médica pelos ções compartilhadas de decisão com o pacien-
candidatos, surgiu o início do processo de pro- te. Conforme Katz, a ideia do direito de o
fissionalização da medicina. Por meio desses paciente partilhar as responsabilidades de
estatutos a medicina legitimou-se perante a decisão com seus médicos nunca fez parte da
sociedade, pois os médicos se baseavam num essência da medicina 5.
saber que só os iniciados podiam adquirir e
lhes era garantida a proteção do Estado, asse- Contudo, há de se registrar que o questiona-
gurando o monopólio profissional. mento dessa relação paternalista entre o médi-
co e o paciente e a emergência do princípio de
No final do século XIX a legitimação social da respeito à autonomia e do consentimento livre
medicina ganhou reforço pela incorporação da e esclarecido é bastante recente. Pode-se apon-

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tar seu surgimento em 1914, quando os tri- indivíduo no processo, bem como da afirma-
bunais estadunidenses começaram a interpre- ção da possibilidade de convivência democrá-
tar os casos de intervenção no corpo do tica em sociedades baseadas na liberdade e na
paciente, sem seu consentimento, como uma autonomia dos seus membros 7.
violação do direito do indivíduo à autodeter-
minação 3. O termo indivíduo é definido por Na metade do século XIX, cinquenta anos
Dumont com dois possíveis sentidos. O pri- pós-Revolução Francesa, começou a configu-
meiro é o sujeito empírico manifesto pela rar-se nova geração de direitos humanos cen-
palavra, pelo pensamento e pela vontade, trada na ideia de igualdade e justiça. Tratava-
representado como a parte indivisível da espé- se de pensar o Estado ou poder político na
cie humana: o ser social. O segundo é aquele função de proteger os direitos fundamentais
relativo ao ser moral, independente, autôno- dos indivíduos e considerar que a democracia
mo e, assim, não social. A noção de indivíduo moderna só existe quando ocorre o reconheci-
investido de direitos morais representa uma mento dos direitos básicos da cidadania 7.
construção da modernidade 6.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Os fundamentos da teoria moderna dos direi- promulgada pelas Nações Unidas em 1948,
tos humanos foram inicialmente propostos em reação aos horrores cometidos durante a
por John Locke em 1690, para quem os Segunda Guerra Mundial, serve de base à
homens seriam iguais, independentes e gover- proteção e promoção dos direitos da pessoa
nados pela razão. Essa proposição inicial defi- humana. Esta declaração foi promulgada
ne o conteúdo de cada um dos direitos que o pelo Tribunal de Nüremberg três anos após o
homem deve ter em sociedade. Os primeiros término dos julgamentos dos crimes de guer-
são os direitos civis e políticos, como o direito ra cometidos pela Alemanha nazista, após a
à vida e saúde, à liberdade de consciência e à condenação de vinte médicos devido aos bru-
propriedade. Em segundo lugar estão os direi- tais experimentos realizados em seres huma-
tos individuais, ou seja, aqueles que dependem nos. A Declaração tornou-se a base para um
exclusivamente da iniciativa dos indivíduos; sistema de convenções, instrumentos, meca-
por último, impõem-se os deveres para consi- nismos e garantias destinados a proteger e
go mesmo 4. promover os direitos da pessoa humana. Foi
também criado e divulgado o documento
O projeto de modernização atribui ao sujeito conhecido como Código de Nüremberg – que,
a afirmação de que cada indivíduo cria livre- pela primeira vez, estabelece recomendações
mente a sua própria identidade – sem signifi- em nível internacional sobre aspectos éticos
car, no entanto, individualismo ou centralida- relativos à pesquisa envolvendo seres huma-
de do indivíduo com ausência da esfera públi- nos. A autodeterminação do indivíduo foi o
ca ou da representação social. O movimento primeiro critério enunciado e o julgamento é
tem o sentido de incorporar os direitos do considerado o marco na adoção dos princí-

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pios normatizadores da prática científica. autonomia do paciente distinguem-se três eta-
Por sua vez, ações contra a negligência do pas: primeira, sobressai a figura jurídica da
médico começaram a chegar aos tribunais negligência profissional ou imperícia; segun-
americanos em meados do século XIX. Foi da, domina a ideia da agressão, entendida pela
deflagrado o movimento de constituição dos intervenção no corpo de uma pessoa sem o
direitos do paciente à informação e ao con- seu consentimento; terceira, define-se mais
sentimento quando de sua relação com o claramente o conceito de consentimento
médico e os serviços de saúde 3. esclarecido. Em geral, o desrespeito ao princí-
pio do consentimento esclarecido costuma ser
Somente em 1957 surgiu o termo consenti- tipificado como imperícia ou negligência
mento livre e esclarecido, após o julgamento do médica. A partir de então, a lei norte-ameri-
caso Salgo versus Leland Stanford Jr. Universi- cana reconhecia o direito do paciente à auto-
ty – Board of Trustees, quando, pela primeira determinação 4. Segundo Faden e Beauchamp,
vez, foi considerado o mérito da qualidade da a doutrina do consentimento informado não
informação e no dever do médico de fornecê- provocou grandes mudanças à relação médico-
la, ante a alegação de negligência na execução paciente, acrescentando, ainda, que essa prá-
do ato cirúrgico e por não haver advertido tica clínica deve ser, primeiramente, um pro-
sobre o risco de paralisia 8. blema ético, mais que questão legal 8.

No Brasil, com a promulgação da Consti- Princípio da autonomia


tuição em 1988, que incorpora a saúde
como direito do cidadão e dever do Estado, Conceitualmente, autonomia é uma palavra
associada à ampla participação da sociedade derivada do grego, composta por autos, que
na VII Conferência Nacional de Saúde, significa próprio, o mesmo, por si mesmo, e
foram estabelecidos os direitos da população nomos, com o sentido de regra, governo, lei,
não só ao acesso aos diferentes níveis de norma – tendo sido primeiramente utilizada
assistência à saúde, mas também a sua par- com referência à autogestão de povos e esta-
ticipação na formulação das prioridades da dos. A partir daí, o termo autonomia adqui-
saúde por mecanismos legais. Nesse contex- riu sentidos diferentes, estendendo-se a indi-
to, se reformula o Código de Ética Médica e víduos, com significados de direitos de liber-
se institui o Código Brasileiro de Defesa do dade, autogoverno, escolha individual, liber-
Consumidor, ambos de importância na afir- dade de vontade. O termo adquire, portanto,
mação do direito do paciente à informação e sentido específico de acordo com o contexto
ao consentimento livre 3. de uma teoria 9. Etimologicamente, o con-
ceito de autonomia significa a condição de
O modelo da beneficência começa, gradativa- uma pessoa ou coletividade autônoma; quer
mente, a abrir espaço para o modelo da auto- dizer que determina, ela mesma, a lei a que
nomia. No processo de desenvolvimento da se submete 10.

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A identificação entre a vontade e a razão faz do dade de o indivíduo agir intencionalmente 9.
homem um ser inteiramente livre e dá origem No mundo prático, a limitação da decisão do
à noção da autonomia. O indivíduo autônomo paciente ao ideal da decisão inteiramente autô-
age de maneira livre, conforme o plano escolhi- noma pode provocar a privação da assistência à
do por si mesmo 11. Em termos sociológicos, a saúde necessária. O que é substancial ou não,
ênfase no princípio da autonomia pode ser é separado por linha tênue, mas há que se fixar
entendida como consequência das mudanças limite que determine decisões autônomas à luz
ocorridas nos países ocidentais, por exemplo: a dos objetivos específicos.
substituição do conceito de sociedade familiar
por individual, entendendo-se aqui o indivíduo Esse princípio reconhece a importância da
livre; o reconhecimento do pluralismo moral vontade livre do paciente e do respeito que o
no nível social, com repercussão no declínio médico deve guardar por suas dimensões
das regulações morais impostas pelo Estado; e moral, física e jurídica. Essa vontade qualifi-
o processo de decisão em saúde ter se voltado cada pela liberdade deve ser embasada na
para um modelo cada vez mais legalista 12. informação e na verdade 11. Assim, na inter-
relação paciente-profissional ambos devem
Vale salientar que à pessoa autônoma incluem agir com conhecimento, em liberdade e com
as capacidades de raciocínio, compreensão, intenção, para alcançarem o status de sujeito
deliberação e escolha independente. Contudo, moral – o que exige mútuo respeito à autono-
é interessante o ato de decisão que leva à esco- mia do outro 13.
lha autônoma, que representa o ato de gover-
nar efetivamente e não a capacidade de gover- Entretanto, ninguém está livre de influências
nar. Pessoas autônomas com capacidade de externas como a família ou a comunidade
autogoverno podem falhar ao governar a si moral a qual pertence. O próprio contexto do
mesmas em suas escolhas, devido a restrições adoecer traz limites, em diferentes graus, ao
temporárias impostas pela doença, ignorân- exercício da autonomia. Essa conceituação
cia, coerção ou outras condições restritivas 9. credita assegurar que o princípio da autono-
Em paralelo, pessoas que não são autônomas mia deve embasar-se na livre decisão do
podem às vezes fazer escolhas autônomas. paciente, mesmo com limitações, consideran-
Uma pessoa com autonomia reduzida é con- do-se que a autonomia individual não signifi-
trolada, de alguma forma, por outros, sendo ca individualismo, haja vista as pessoas vive-
incapaz de decidir ou agir com base nos seus rem em sociedade e estarem, portanto, sujeitas
desejos e planos. a várias regras éticas, morais, culturais e reli-
giosas impostas por esta sociedade e reconhe-
Para que uma ação seja autônoma, necessita-se cidas como legítimas pelo indivíduo 9.
de algum grau de entendimento e liberdade de
qualquer coerção, e não do entendimento pleno As exigências de autoridade de uma institui-
e total ausência de influências. Seria a capaci- ção, desde que aceitas, influenciarão na auto-

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nomia de decisão. Como exemplo, uma pessoa Na prática, o princípio da autonomia implica
Testemunha de Jeová que recusa a transfusão em promover, o quanto possível, comporta-
de sangue recomendada. Os indivíduos não mentos autônomos por parte dos pacientes,
vivem isolados da sociedade, e os princípios informando-os, assegurando a compreensão e
morais de determinada organização social e a livre adesão, comprovados mediante a assi-
cultural exercem autoridade e influências sobre natura do consentimento livre e esclarecido.
suas vidas e escolhas autônomas. Ainda, for- A prática do consentimento implica avaliação
mas de conduta virtuosa, comportamento da capacidade ou competência do indivíduo
caridoso, responsabilidade no exercício das que deve ser analisada não só de acordo com a
funções, são noções morais aceitas autonoma- capacidade em receber informações, mas tam-
mente por indivíduos, mas derivadas de tradi- bém em conseguir ajuizar os dados ouvidos e
ções culturais que interferem na decisão autô- exprimir resposta coerente.
noma. No entanto, o fato de se partilhar prin-
cípios não impede que esses sejam considera- Consentimento informado, livre e esclarecido
dos partes individuais da pessoa, pois não sig- é o meio utilizado para garantir a autonomia
nificam fatores coercitivos à liberdade de do paciente, onde o médico ou outros profis-
decisão. O respeito às regras dos códigos de sionais de saúde usam a prudência necessária
ética profissional são compatíveis com a auto- para cumprir o seu dever de informar, em lin-
nomia 9. O respeito à autonomia origina-se do guagem acessível, os fatos que ao paciente
reconhecimento de que todas as pessoas têm competente são relevantes para que decida em
valor incondicional e capacidade para determi- plena consciência.
nar o próprio destino. Beauchamp e Childress 9
ensinam que o ato de violar a autonomia de Existem modalidades de consentimento como
uma pessoa é o mesmo que tratá-la como um o tácito, expresso passivamente, por omissão,
meio, sem levar em conta seus objetivos. ou seja, na ausência de objeção subentende-se
a aceitação. Este é aceitável apenas para pro-
O direito de autodeterminação é correlato à cedimentos com risco inferior ao mínimo. O
obrigação de não prejudicar outros. O respeito consentimento presumido é aquele em que se
à autonomia tem, portanto, validade prima pressupõe que o paciente nada teria contra o
facie e pode ser sobrepujado por considerações procedimento, como, por exemplo, atendi-
morais concorrentes. A obrigação de respeito mentos de urgência em que o médico presume
à autonomia, apesar de ampla, não se aplica a que o doente o procurou para fazer o melhor
pessoas não autônomas, pois são imaturas, por ele e que não se oporia à sua conduta. A
ignorantes e coagidas ou exploradas. São presunção se baseia numa teoria geral do bem
exemplos crianças e pacientes com deficiência humano ou da vontade racional. O consenti-
mental, que têm a competência diminuída. mento prospectivo é aquele em que o paciente
Assim, a autonomia não se limita ao doente, indica manifestação de desejo futuro, como
mas se estende à família 9. doar seus órgãos após a morte 9.

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Embora se tenha a obrigação de solicitar a questão básica existente entre a obrigação e a
tomada de decisão dos pacientes com base no filantropia ou caridade ainda permanece con-
respeito à autonomia, deve-se estar alerta às fusa 16, fazendo-se necessária uma avaliação
muitas interferências sofridas quando desse dos seus limites.
momento. A autonomia reflete um valor rela-
tivo, pois submetido às fragilidades e ambigui- A beneficência é, por sua vez, um ideal de
dades individuais. Portanto, o princípio da ação que ultrapassa a obrigação; e outras
autonomia mantém abertas importantes ques- vezes, limitada por obrigações morais. É evi-
tões, devendo ser considerado apenas um dente que o médico e demais profissionais de
princípio-chave dentro de um sistema de prin- saúde não podem exercer o princípio da bene-
cípios morais. ficência de modo absoluto. Ela tem seus limi-
tes, como a dignidade individual intrínseca a
Princípios da beneficência/não todo ser humano. O princípio é condicional
maleficência ou dependente da situação a que é afirmado.
Quanto mais se generalizar as obrigações de
Beneficência, na linguagem comum, significa beneficência, menor a probabilidade de que se
atos de compaixão, bondade e caridade. Bene- cumpram as responsabilidades primárias 9.
ficência provém do latim bonum facere, que
significa fazer o bem, ou seja, executar a ação Esses autores discutem, ainda, os aspectos da
ou a manifestação de bem. Distingue-se da beneficência distinguindo-os em geral, especí-
benevolência, que significa estar disponível fico e recíproco. O específico refere-se a grupos
para fazer o bem 3. específicos como crianças, amigos, parentes;
enquanto o geral refere-se a todas as pessoas.
O princípio da beneficência tem larga tradi- O recíproco é a referência à ética da assistência
ção na ética médica hipocrática, na qual é à saúde em que os médicos teriam grandes
manifesto o interesse por não lesar as pessoas dívidas para com a sociedade (pela educação
(primum non nocere) 14. Não causar prejuízo ou recebida e privilégios) e para com os pacientes
dano foi a primeira grande norma da conduta (pela pesquisa e prática, por exemplo).
eticamente correta dos médicos 15. A benefi-
cência representou a divisa para o desenvolvi- O princípio da beneficência tenta, num pri-
mento de conhecimentos e técnicas visando meiro momento, a promoção da saúde e pre-
auxiliar o paciente a superar determinadas si- venção de doenças; em segundo, pesa o bem e
tuações em sua vida 3. o mal buscando a prevalência do primeiro 15.

Muitos atos de beneficência não são obrigató- Muitos autores acreditam que o princípio da
rios, mas o princípio de beneficência afirma a não maleficência é um elemento do princípio
obrigação de ajudar outras pessoas promoven- da beneficência, pois deixar de causar o mal
do seus interesses legítimos e importantes. A intencional já é fazer o bem. A esse respeito,

112 Autonomia versus beneficência


David Ross, em sua obra The right and the cia e beneficência ditaram as bases da relação
good, de 1930, estabeleceu o conceito de paternalista do médico com o paciente. Pater-
dever, propondo que nos casos de conflito nalismo médico pode ser entendido como a
entre a beneficência e a não maleficência deve conduta que o médico tem com a intenção de
permanecer a não maleficência 17. Ainda, beneficiar o paciente, mas sem o seu consen-
segundo Frankena 18, devemos promover o bem timento.
e evitar o mal.
Legalmente, paternalismo tem sido definido
O Relatório Belmont, publicado em 1978, em termos de coerção do Estado mediante leis
inclui a não maleficência como parte da bene- que interferem na liberdade de ação dos indi-
ficência, entendida como dupla obrigação: a de víduos. Entretanto, essas atitudes paternalis-
não causar danos e a de maximizar o número tas têm caído em descrédito nas ideologias
de possíveis benefícios minimizando os prejuí- políticas do Ocidente, apesar de ainda conti-
zos. Esse enfoque não é corroborado por Beau- nuarem percebidas nas áreas de legislação das
champ e Childress 9, que consideram que o políticas sociais, na medicina e na assistência
princípio da beneficência exige mais, pois os à saúde 19,20.
agentes têm que tomar atitudes positivas para
ajudar os outros e não meramente se absterem Filosoficamente, Beauchamp e Childress 9
de praticar atos nocivos. Causar o mal ou danos apresentam a autonomia do indivíduo desta-
a outro é moralmente proibido e, dessa manei- cando duas linhas de pensamento. A primeira
ra, a não maleficência torna-se ação possível entende a autonomia como um valor em si,
em relação a todas as pessoas. Paralelamente, a onde todas as formas de controle seriam imo-
moralidade não obriga a beneficência; portan- rais e o paternalismo seria um modo de coer-
to, sua manifestação é casual. Assim, as obriga- ção, constrangimento e violação à autonomia.
ções da não maleficência são mais rigorosas que Existe uma visão liberal do paternalismo que o
as da beneficência, porém há necessidade de categoriza de acordo com o grau de restrição à
cautela quanto às prioridades, visto que sofrem autonomia, estabelecendo dois tipos: fraco ou
alterações de acordo com a situação. O rigor da brando (soft) e forte, duro ou radical (hard).
não maleficência é viável se o ato de beneficiar
envolve praticar algo moralmente errado. O paternalismo brando (soft) consiste em
uma ação que não viola a autonomia da pes-
Paternalismo soa, como, por exemplo, a vacinação obrigató-
ria de crianças. O paternalismo forte, duro ou
O termo paternalismo provém do modelo da radical (hard) viola o princípio da autonomia
família patriarcal, onde o pai exerce o poder e pode ser subdividido em fraco (weak) e duro
de fazer todas as escolhas, especialmente às forte (strong). O primeiro é moralmente justi-
tocantes aos filhos. Ao longo da história da ficável em situações predeterminadas, como
ética médica, os princípios da não maleficên- grupo de pessoas que não têm autonomia

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desenvolvida ou perderam essa capacidade. O orientar e respeitar a decisão do paciente como
segundo é moralmente injustificável, pois ser autônomo. A substituição do modelo pater-
envolve intenções com o fim de beneficiar nalista pelo da autonomia é o passo fundamen-
uma pessoa a despeito do fato de que suas tal da relação médico-paciente nessa sociedade
escolhas sejam informadas. No paternalismo plural que contesta a autoridade em nome da
duro (hard) há recusa em consentir os desejos, autonomia.
as escolhas e as ações autônomas de uma pes-
soa, com a finalidade de protegê-la, restrin- A moralidade do paternalismo do médico
gindo a informação disponível e desprezando começou a ser discutida a partir da valorização
as escolhas voluntárias 9. do princípio da autonomia do indivíduo, e o
modelo de decisão médica baseado no respeito
No cotidiano das relações entre médicos e à autonomia parece ser o ideal. Ao médico,
pacientes não se observa limites entre essas cabe entender que sua capacidade de mostrar
formas de paternalismo. Assim, o problema aos pacientes a indicação, razões, prós e con-
do paternalismo médico é o devido equilíbrio tras e suas respectivas consequências propor-
entre a beneficência do médico e a autonomia ciona elo fundamental para que ambos assu-
do paciente no contexto da relação entre mam responsabilidades conjuntas.
ambos 9.
O primeiro grande dilema bioético vivido
Considerações finais pelos médicos permanece no conflito gerado
entre o respeito à liberdade dos pacientes
Autonomia e beneficência são pontos comuns (autonomia) e fazer o que é melhor para eles
na relação médico-paciente que ocupam dife- (beneficência). Parece que a solução desse pro-
rentes conceituações e momentos históricos blema reside no equilíbrio entre a beneficência
neste contexto. A modificação dessa relação do médico e a autonomia do paciente no con-
surgiu após a Segunda Guerra Mundial, com texto da relação médico-paciente.
as mutações sociais, culturais e morais ocorri-
das nos países ocidentais que levaram ao cha- Hoje, o uso da autoridade do papel do médico
mado pluralismo moral. Além disso, o desen- para perpetuar a dependência do paciente, ao
volvimento técnico-científico levou o médico invés de promover sua autonomia, ainda é
ao distanciamento em suas relações interpes- tentador. Faz parte de toda uma formação que
soais e familiares, a uma crescente hospitaliza- historicamente se perpetua até os dias atuais.
ção e especialização profissional, o que produ- O direito à autonomia ainda incomoda um
ziu na população um sentimento de descon- pouco, e há premente necessidade de policia-
fiança crescente e contribuiu para aumentar o mento das ações dos agentes de saúde. Porém,
distanciamento entre o médico e o paciente. a obrigação de respeitar a autonomia do
Hoje, o papel do médico – além de diagnosticar paciente requer, acima de tudo, habilitá-lo a
e tratar as doenças humanas – é o de esclarecer, superar o seu senso de dependência e a obter,

114 Autonomia versus beneficência


senão o controle desejado, pelo menos o maior formação médica vigente, historicamente
controle possível. beneficente. Em razão dessa lacuna, torna-
se necessário adotar estratégias locais de
Pode-se considerar que a sociedade contem- debates em órgãos formadores e hospitais,
porânea vive situação de transição paradig- visando esclarecer, orientar e fomentar res-
mática, onde o paradigma vigente (benefi- postas adequadas aos pontos divergentes
cência) demonstra falhas e não mais é acei- ainda existentes. Acredita-se que só assim o
tável na sociedade plural contemporânea e o mérito do assunto estudado terá maior clare-
seu substituto (autonomia) ainda não está za do ponto de vista da contribuição, origi-
totalmente estabelecido em consequência da nalidade e viabilidade.

Resumen

Autonomía versus beneficencia

El estudio discute los principios de autonomía y de beneficencia. Establece relación mediante un


levantamiento bibliográfico, que puntualizó la evolución de la historia de la ética médica desde
la era hipocrática hasta nuestros días. Frente a las nuevas perspectivas éticas, bioéticas y morales
que surgieron en la contemporaneidad, la discusión apunta que el modelo de decisión médica
basado en el respeto a la autonomía parece ser el ideal, a pesar de su difícil articulación con los
parámetros clásicos que orientan la relación médico-paciente, como resalta la literatura nacional
e internacional. Concluye considerando que se vive una situación de transición paradigmática en
la cual el modelo vigente está dejando de ofrecer respuestas efectivas y su sustituto todavía no
está totalmente establecido, sugiriendo la adopción de estrategias para fomentar la discusión
dentro de los órganos de formación médica primando siempre la autonomía del paciente.

Palabras-claves: Bioetica. Autonomía profesional. Autonomía personal. Paternalismo.

Abstract

Autonomy versus beneficence

This work discusses the principles of autonomy and beneficence. It sets the relationship between
these two concepts by means of a bibliographical assessment, whose proposal is to point out the
Historical evolution of medical ethics, from Hippocratic age to present. In face of new moral,
bioethical and ethical perspectives, arising from contemporaneousness, the discussion indicates
that a medical decision-making model based on respect to autonomy seems to be ideal, in spite

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of its difficult articulation with the classical parameters that guides the doctor-patient relationship,
as highlighted by the domestic and international literature. Finally it concludes that one lives a
paradigmatic transitional situation, in which the governing model does not provide effective
answers and its substitute has not been established yet, suggesting adoption of strategies in
order to stimulate the debate within the Academy, prioritizing patient’s autonomy.

Key words: Bioethics. Professional autonomy. Personal autonomy. Paternalism.

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Recebido: 6.1.10 Aprovado: 3.2.11 Aprovação final: 7.2.11

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