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No dia em que se fizer a história literária do nosso tempo, Isabel Lucas figurará nela como

a grande turista da Literatura, a nossa mais digna representante de um cosmopolitismo


que parece nunca sair do aeroporto – e todos os países têm a sua Lucas, alguém que está
sempre na sala de estar.
Goethe dizia, sobre a famosa Weltliteratur, que ela equivalia a estar em casa em qualquer
das diversas literaturas nacionais. E tal como um turista está na sala de estar em qualquer
sítio do mundo, ele que nunca sai do aeroporto, Isabel Lucas senta-se no sofá para nos
dar notícias da última novidade norte-americana, isto é, do Mundo (no idioma de Lucas,
Conrad, por exemplo, só pode ser americano). Não é que Isabel Lucas só fale inglês, ou
não conheça a escrita de outras latitudes, mas ela lembra aqueles senhores ingleses do
século XIX que permaneciam irredutivelmente ingleses em todas as cidades do mundo –
mesmo quando adoptavam os trajes locais. Com uma única excepção: face a ela, toda e
qualquer escrita tem de pagar o seu tributo à entrada, todo e qualquer escritor tem de ser
traduzido no seu idioma particular.
Mas Isabel Lucas não é uma turista qualquer, tem aversão às hordas de bárbaros que
cruzam diariamente as portas de entrada e saída dos aeroportos. Ela é aquilo que todos
conhecemos bem, uma turista cultural para quem o mundo não tem qualquer segredo, que
o vê de forma bem ordenada, prometido a um qualquer panteão ou museu. Se é por isso
que todo e qualquer escritor é meio nómada, nem daqui nem dali, se atravessa
constantemente fronteiras (e acontece-lhe, por vezes cruzar as fronteiras de género,
naquela rebeldia que o turista cultural tão bem conhece quando, em Paris, não vai ao
Louvre), Isabel Lucas, como bom representante do turismo cultural europeu, preocupa-
se com o estado do mundo, gosta de conhecer o diferente, desde de que isso venha
antecipadamente planeado – e quando se perde, quando é caso de se perder, tem gosto
nisso porque mais facilmente se reencontra na luz que emana da literatura. Por isso, não
pode haver escritor que seja anti-social, apesar de serem todos recatados – é o índice de
sacrifício à coisa literária e a sua recusa do espectáculo televisivo, que é, como sabemos,
coisa repulsiva e de mau gosto, pouco digna de um cosmopolita – e, como é óbvio,
vagamente solitários, porque isto de salvar o mundo e estar preocupado com o estado das
coisas não dá para festas nem para, como as hordas de bárbaros – que só pode abominar
–, invadir os monumentos.
O mundo está à beira do precipício e pronto a ser tomado por forças cada vez mais
obscuras? Não desesperemos para já, que há sempre um escritor pronto a salvá-lo por
antecipação, mostrando a sua preocupação, que verte em escrita, ou perscrutando a alma
humana para, conhecendo melhor a maldade e a decadência de que o ser humano é capaz,
nos munirmos da capacidade de compreender o mundo que nos rodeia. É também por
isso que todos esses escritores traduzidos no idioma de Lucas são vagamente contra o
estado de coisas a que isto chegou – podíamos dizer anticapitalista, mas um ser recatado
nunca se mistura à turba de indigentes que não reconhecem o devido lugar à literatura, e
se ao literato recatado acontece ir a uma manifestação ou algo do género é apenas em
nome pessoal, individual, para mostrar que também ele toma parte nos acontecimentos
mundanos. Um desses escritores, por exemplo, precisa da lentidão da escrita manual. Mas
Isabel Lucas, sabemos bem, é mais inteligente do que isto e pisca-nos o olho como que a
dizer: está a lutar contra a velocidade vertiginosa das coisas (podia ser vegetariano ou
ambientalista citadino, que também os há nestas duas variantes). Outro é “um homem
sem lugar ou um homem de todos os lugares” ou mesmo alguém que se sente “estrangeiro
em qualquer parte”. Acontece-lhe ter nascido na Europa de Leste, particularmente dada a
um nomadismo sem pátria, tanto depois da segunda guerra mundial como depois da queda
do muro de Berlim? Não importa, que Lucas apressa-se a traduzir isto no seu
cosmopolitismo de aeroporto: o escritor é actual. Esta última palavra, aliás, é o ponto alto
da literatura, o lugar por excelência onde ela se situa e aquilo que lhe confere o sentido
mundial, a sua utilidade nec plus ultra. O escritor já não é intemporal, nem vem cumulado
de glória literária. Tudo isso, que ainda há pouco tempo atormentava a cabeça dos
escritores, já não lhe importa, porque ele desertou da história por outro lado; ele agora é
um ser actualíssimo, serve para compreender o mundo que nos rodeia, dá-nos um "retrato
inclemente do nosso tempo” ou uma “leitura do mundo”. Tal como Lucas, ele está sempre
interessado, preocupado, quer saber, ajudar-nos a compreender este mundo terrível onde,
por infelicidade divina, veio cair. Aquele outro, por exemplo, acha que devemos imaginar
o outro e que a curiosidade é o alimento da imaginação. E Lucas não espera, traduz logo
isto no seu idioma: pois não são outros os ingredientes da literatura e, com um pouco de
esforço, a literatura, se não lhe é permitida acabar com os extremismos é porque ainda há
uma massa de indigentes que não reconhece a luz que dela imana, pouco curiosa (não há
turista que não seja curioso, e o turista cultural é a curiosidade incarnada, ávida, à qual
nenhuma pedra resiste) e pouco dada à imaginação – consequências, talvez, de se ser de
algum sítio, ao contrário da cosmopolita Lucas, que em qualquer sítio está em todo o sítio
e em todo o sítio está em qualquer sítio.
Mas não se pense que para Isabel Lucas o mundo é um sítio agradável, onde a literatura
serviria como roupa gloriosa, longa veste que tornaria a existência suportável. Bem pelo
contrário. Os escritores, na tradução que faz, escrevem distopias, conhecem a maldade,
põem os protagonistas numa “espécie de erosão da personalidade” – porque, claro,
vivemos tempos onde o indivíduo está quase a desaparecer, e o escritor, na tradução de
Lucas, mostra toda a sua preocupação com o mal-estar evidente que isso acarreta. Porque
o mundo, como nos informa Lucas, não está para brincadeiras. É por isso que os escritores
escrevem “ficções negras” sobre a “violência e a perda”, o abandono, os excluídos e
chegam ao ponto, inclusive, de abordar o “sexo, violência, submissão” e, como não podia
deixar de ser, a solidão – a famosa busca da identidade que parece interessar todos os
escritores na tradução de Lucas, que um mundo assim deixa assarapantados os turistas
culturais habituados ao sofá.
Não há aqui nada que não tresande a noticiário das 20 versão literária, apesar do todo o
recato e da recusa enojada do espectáculo televisionado, naturalmente grotesco para um
cosmopolita habituado ao aeroporto de Nova Iorque, Londres, Paris, Berlim, Madrid,
Edimburgo, Dublin (a ordem talvez não seja irrelevante). Porque, de facto, todo e
qualquer livro é traduzido para o actual, mostrando a preocupação, as múltiplas e
diversas preocupações que o apoquentam e que o escritor comprometido com o noticiário
tem – antigamente o engajamento era outro, mas para um cosmopolita esse grau de
comprometimento já é vagamente incómodo, porque um indivíduo recatado não se
mistura com a turba, apesar de se preocupar com eles.
Num lugar qualquer essa mesma turba ignara elege um sujeito com pretensões a ditador?
Houve certamente um escritor que, feito profeta, escreveu uma ficção que agora atravessa
a fronteira e se torna real ou, então, há um outro que vai a correr para a secretária para
nos ajudar a compreender, criando uma ficção que, obviamente, esbate a fronteira com o
real – os escritores, na tradução de Isabel Lucas, estão constantemente a saltar fronteiras,
como bons cosmopolitas. Mas não se pense que a trela com que o actual leva o escritor,
para reformularmos o juízo de Canetti, é um constrangimento para o turista cosmopolita
na versão de Isabel Lucas. Bem pelo contrário. No momento em que o escritor se parece
limitar a seguir os acontecimentos mundanos, a literatura chega para chamar a si toda a
soberania: com a ficção conseguimos compreender, finalmente, o mundo – e se o
compreendemos não precisamos de mais nada para o salvarmos. É neste momento que o
turista cultural, para quem cada cidade só existe na sua versão literária e artística com a
condição de nunca se sair, realmente, do aeroporto, salva o mundo sentado no seu sofá
confortável lendo o último Rushdie ou o último McEwan.

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