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019/2014
I – Introdução
Esse aumento de parcerias em sentido amplo ocorre não apenas para desburocratizar o
sistema, mas porque essas entidades representativas, em tese, na maioria das vezes
conseguem atingir determinadas parcelas da sociedade com maior precisão e rapidez,
proporcionando melhor eficiência da aplicação dos recursos para o desenvolvimento da
política social a que se destina.
Também não se desconsidera que o surgimento das entidades do terceiro setor decorre da
constatação da insuficiência tanto do Estado quanto do mercado para providenciar bens
públicos suficientes para as necessidades sociais2. Daí seu número cada vez mais crescente,
tanto que, segundo dados do IPEA3, atualmente existem cerca de 323 mil organizações da
sociedade civil que, através de parcerias com entes públicos, buscam realizar políticas de
interesse coletivo de maneira direta e descentralizada.
Como é sabido, o denominado o Terceiro Setor não se submete aos preceitos limitativos
impostos pela legislação às entidades pública quando em atuação junto à sociedade para
desenvolvimento de seus objetivos sociais, muito embora deva ser constituído nos termos
da legislação civil específica4, quando opera com recursos privados, pois se encontra
vinculado exclusivamente às suas disposições estatutárias, aprovadas pelos seus membros
em assembleia.
1
Dentre outros, conferir: DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e estado: legitimidade e regulação – Por
um novo marco jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
2
COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. 2
ed. São Paulo: SENAC, 2002, p. 154.
3
Fonte: https://mapaosc.ipea.gov.br/Map.html.
4
É de se destacar aqui a Lei nº. 9.603/1998 (que trata das Organizações Sociais – OSs) e a Lei nº. 9.790/1999
(que cuida das organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs). Sobre a existência de duas leis
distintas para tratar de entidades do terceiro setor, são válidas e certeiras as observações de Maria Tereza
Fonseca Dias (Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação – Por um novo marco jurídico. Belo
Horizonte: Fórum, 2008, p. 173-174): “Um dos primeiros problemas apresentados pela legislação acerca das
novas qualificações jurídicas conferidas às entidades privadas sem fins lucrativos para que possam firmar
parcerias com o Estado, que surgiu na última década é sua dubiedade de propósitos. É até difícil entender,
enquanto observador externo ao ambiente governamental, como se justifica a existência de duas propostas
legislativas com propósitos semelhantes e regime jurídico distinto, num período de tempo tão curto (OS –
1998 e OSCIP – 1999). A literatura analisada parece ter preferido ficar alheia à discussão e resposta a essa
indagação”. Exatamente por isso, depois de aprofundado estudo, a autora mencionada destaca que a tendência
é que se tenha uma legislação unificadora, que congregue, segundo ela, a três discussões básicas para um
novo marco regulatório do terceiro setor: “sua caracterização; seu financiamento; seu controle” (cit., p. 239).
Exatamente por essa liberdade de trabalho que os entes públicos passaram a coabitar com o
terceiro setor, transferindo a ele, por meio de parcerias em sentido amplo, parte de suas
responsabilidades para desenvolvimento de seus programas e ações de governo, o que se
expandiu de forma considerável nas últimas décadas.
Não se nega que o Terceiro Setor pode efetivamente desempenhar atividades socialmente
relevantes, sendo um caminho interessante para os objetivos estratégicos do Estado
Brasileiro. Realmente, conforme destaca Juarez Freitas6:
Contudo, nem sempre a parceria entre o poder público e o terceiro setor resultou em ganho
de qualidade para a sociedade. Inúmeros foram os casos, pelo Brasil afora, de entidades
criadas com o fim específico de desviar recursos públicos, em detrimento a uma prestação
de serviço público eficiente.
Com efeito, infelizmente, não são raros os escândalos divulgados pela imprensa brasileira,
com envolvimento de políticos inescrupulosos que, aproveitando-se de entidades do
terceiro setor, constituídas ou atuando de forma irregular, desviam os recursos públicos
então destinados ao desenvolvimento das ações e programas de governo7.
5
Fonte: http://www.gsnoticias.com.br/repasses-federais-ao-terceiro-setor-cairam-31-5-e.aspx. Acesso em
04/04/2016. No ano de 2015, porém, em vista da crise econômica, referido repasse teve um decréscimo na
ordem de 31,5%, com um repasse no valor de R$ 7,214 bilhões. Não obstante, o volume é ainda considerável.
6
O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 440.
7
Nessa Linha, por exemplo, é de citar a matéria publicada na Revista Época no ano de 2012, com o título
“Como se desvia dinheiro no Brasil”, de autoria de Marcelo Rocha. Segundo a matéria, “A perversidade disso
está em usar um instrumento normalmente associado a práticas positivas para rapinar, pilhar, subtrair. A
Essas práticas ilícitas, como se pode observar pelos casos práticos apurados e que vieram a
público, decorrem principalmente da deficiência dos mecanismos de controle 8 e das lacunas
legais existentes sobre a citada relação, em especial no que se refere da inaplicabilidade da
prévia licitação para a celebração desses convênios e parcerias, conforme entende
majoritariamente a doutrina9, não obstante a crítica de alguns autores, como Lucas Rocha
Furtado, que defende a inconstitucionalidade em relação à omissão legislativa em prever
qualquer critério objetivo e impessoal para indicação da entidade a ser escolhida10.
Porém, por disporem de recursos públicos nas relações com os entes públicos, o Terceiro
Setor deve obedecer a princípios juspublicistas. Conforme destaca Juarez Freitas 11,
“corrobora tal vinculação a princípios de Direito Administrativo a necessidade comum de
regulamento próprio para a contratação de obras e serviços em harmonia com tais
diretrizes, por meio de cuidado análogo àquele exigido pelos certames licitatórios (art. 17
da Lei 9.637/1998 e art. 14 da Lei 9.790/1999), guardadas evidentes diferenças funcionais
e de regramento, sempre convindo não confundir o plano dos princípios com o das regras”.
Essa tendência, aliás, foi seguida pelo STF, no julgamento da ADI 1923/DF. No referido
julgamento o STF, dando interpretação conforme a Constituição às normas que dispensam
licitação em celebração de contratos de gestão firmados entre o Poder Público e as
organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino, decidiu pela validade
parceria com organizações não governamentais é uma forma encontrada pela administração pública para
implementar políticas sociais no Brasil com mais agilidade e maior capilaridade. Essas entidades têm uma
penetração impensável para os gestores públicos. A parceria, no entanto, muitas vezes mostra-se
extremamente frágil. As regras que regem essas entidades são mais flexíveis. Até o final do ano passado, por
exemplo, não era preciso fazer licitações para escolher as ONGs que receberiam recursos públicos. É por
essas brechas que ocorre a gatunagem. Somente em 2011, mais de 73 mil entidades repartiram mais de R$
2,7 bilhões de dinheiro público. O problema é que não há garantia sobre a efetiva aplicação dos recursos.
‘Nada impede que hoje uma prefeitura faça um convênio com uma ONG para tocar a Educação inteira do
município. Ou a Saúde inteira. Ou uma obra’, diz Luiz Navarro, da CGU. ‘Aí caímos no problema real: quem
escolheu a ONG? Por que ela foi escolhida? A quem ela pertence? A gente vê coisas absurdas nas prestações
de contas, como ONGs ditas sociais que cuidam até de trânsito’.”
8
“As diversas falhas apontadas pela doutrina acerca dos mecanismos institucionais de controle existentes,
entre as quais se destacam a ausência do controle interno em alguns entes federativos e a existência de
controles internos integrados, exercidos somente pelo Poder Executivo (englobando o controle dos demais
poderes), dificultam ou até mesmo inviabilizam o desenvolvimento de suas atividades. O controle
parlamentar exercido sobre as relações entre o terceiro setor e a administração pública é realizado de forma
mais incisiva nas tarefas afetas ao controle do Legislativo exercido com o auxílio dos tribunais de contas e
mostra-se, ainda, bastante incipiente, haja visto até mesmo a inexistência de dados públicos sobre a questão”
(DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação – Por um Novo marco
jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 434).
9
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Enquanto os contratos abrangidos pela Lei nº 8.666 são
necessariamente precedidos de licitação – com as ressalvas legais – no convênio não se cogita de licitação,
pois não há viabilidade de competição quando se trata de mútua colaboração, sob variadas formas, como
repasse de verbas, uso de equipamentos, de recursos humanos, de imóveis, de ‘Know-how’. Não se cogita de
preços ou de remuneração que admita competição” (Temas polêmicos sobre licitações e contratos. São Paulo:
Malheiros). Ainda sobre a não obrigatoriedade de licitação para a celebração do contrato de gestão é de se
conferir a ADInMC 1.923-DF, rel. Min. Ilmar Galvão (publicado no Informativo STF 156).
10
FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 224.
11
O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 450-
451.
da prestação de serviços públicos não exclusivos por organizações sociais em parceria com
o poder público. Porém, assentou que a celebração de convênio com as referidas entidades
deve ser conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios
constitucionais que regem a boa administração pública (caput do artigo 37).
Observando o conjunto das críticas que são feitas, podemos apresentar aqui as que são mais
referidas, a saber:
a) Falta de critérios objetivos para a escolha de entidades do terceiro setor com a qual
será firmado o convênio ou o termo de parceria;
b) Falta de condições das entidades do terceiro setor para cumprir os objetivos
pactuados;
c) Problemas relacionados à prestação de contas dos recursos públicos;
d) Falta de transparência em relação à aplicação dos recursos públicos;
e) Uso de entidades do terceiro setor para burlar a regular ocupação de cargos,
empregos ou funções públicas;
f) Procedimentos de aquisição adotadas pelas entidades muito distantes de se
constituírem em licitações ou procedimentos análogos que atendam aos princípios
da igualdade, moralidade, publicidade e eficiência administrativa;
g) Utilização de recursos dos convênios para pagamento de despesas de manutenção
das entidades do terceiro setor;
h) Favorecimento de esquemas criminosos objetivando a apropriação de recursos
públicos em favor de políticos, servidores públicos, empresários e lobistas.
Esse sistema de cooperação, no entanto, tem sido alvo de fundadas críticas quanto aos seus
mais diversos aspectos: seja pela baixa efetividade das ações, em consequência da precária
articulação intergovernamental e da pulverização de recursos em detrimento de ações
estruturantes de maior impacto e efeito multiplicador sobre a população, o estado ou região
beneficiada; seja pela forma como boa parte dos recursos destinados a essas ações vem sendo
alocada no OGU, por meio de emendas parlamentares individuais ou coletivas, que num
contexto de orçamento não impositivo, acabam por enfraquecer o Legislativo, na medida em
que o Executivo pode barganhar a execução delas em troca de apoio às votações de seu
interesse; seja por fomentar a montagem de esquemas criminosos objetivando a apropriação
de recursos públicos em favor de políticos, servidores públicos, empresários e lobistas; seja,
12
Ob. cit., p. 227.
enfim, pelas deficiências e disfunções operacionais a propiciar toda sorte de irregularidades
em toda a cadeia de execução das ações, tais como: o desaparelhamento do Estado para
acompanhar e fiscalizar a execução, as negligências funcionais, a pouca transparência e a
insuficiência de mecanismos de controle social.
A problemática não é nova, tem permanecido ao longo de tempo, não obstante as decisões
desta Corte e as recomendações da Controladoria-Geral da União (CGU), na área do
controle, além dos esforços normativos e regulatórios, na área dos poderes Legislativo e
Executivo. O estado de falência da sistemática foi, enfim, não sem tempo, reconhecido pelo
Congresso Nacional, por meio do relatório final da CMPI “das Ambulâncias”, instalada em
2006, que chega a apontar, como solução, a própria extinção dessas transferências. (...)
Para sopesar o efeito de eventuais decisões em relação à questão, bem como dimensionar a
magnitude dessas transferências, convém toma-las, em termos absolutos e relativos, na fração
orçamentária em que elas se situam, ou seja, dentro daqueles R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões
anuais, equivalente a, aproximadamente, 11% do que resta de discricionariedade no OGU.
Em 31/12/2006, havia 2.719 convênios, contratados de repasse e termos de parceria, cuja
vigência já se encontrava expirada desde 31/12/2015, sem que as prestações de contas tenham,
sequer, sido apresentadas aos órgãos e entidades que transferiram os recursos. O atraso médio
na entrega dessas prestações de contas, em toda a administração pública federal, chega a
quase quatro anos, chamando a atenção o caso do Ministério do Planejamento, que tem
responsabilidade sobre as prestações de contas de órgãos extintos, como é o caso, por
exemplo, da Legião Brasileira de Assistência (LBA), antes ligada à Presidência da República,
e dos Ministérios do Bem-Estar Social e da Integração Regional, todos extintos em 1995, cujo
atraso médio chega a dezesseis anos (Ministro Ubiratan)13.
(...)
f) ao mesmo tempo, o TCU deu início a diversas auditorias em convênios celebrados entre a
União e Organizações Não Governamentais, no período de 1999 a 2005, com utilização de
R$105,7 milhões, as quais estão consubstanciadas no processo TC 015.568/2005-1;
g) apurou-se a inexistência de critérios objetivos e transparentes para a escolha da ONG
parceira, a notória falta de qualificação de muitas dessas entidades para desempenho da tarefa
pactuada e o fato de que a maioria delas não possui o título que confere aos seus serviços o
caráter de utilidade pública federal, sendo que justamente os convênios com aqueles que aí se
enquadram revelaram sérias irregularidades;
h) outros problemas foram destacados no referido processo sobre convênios com ONGs:
“análises técnicas superficiais e insuficientes das proposições e das condições das convenentes
para consecução dos objetivos propostos; aprovação de planos de trabalho vagos, com metas
insuficientemente descritas, que são delegados a entidades sem condições para executá-los;
falta de critérios objetivos e de avaliação técnica das condições da convenente para a
consecução dos objetivos pactuados; negligência na fase preliminar de avaliação técnica das
propostas e das condições da convenente para executá-las, associadas à falta de
acompanhamento, fiscalização e transparência na execução, o que faz multiplicar as
irregularidades nos processos de licitação e contratação e na execução física e financeira dos
convênios; procedimentos de aquisição adotadas pelas entidades muito distantes de se
constituírem em licitações ou procedimentos análogos que atendam aos princípios da
igualdade, moralidade, publicidade e eficiência administrativa; desvio de finalidade na
aplicação dos recursos transferidos; utilização de recursos dos convênios para pagamento de
despesas de manutenção das ONGs; análises superficiais e deficientes das prestações de
contas em dissonância com as informações e elementos presentes no processo, denotando que
os pareceres são meramente por forma, para cumprir ritos estabelecidos nas normas legais;
13
apud FURTADO, Lucas Rocha, As raízes da corrupção no Brasil. Estudo de casos e lições para o futuro,
Belo Horizonte, Fórum, 2015, p 225/226.
i) conclui-se pela necessidade de, entre outras medidas, tornar os dados dos convênios
acessíveis a qualquer interessado, para assim incentivar o controle social; (...)14.
Justamente com intuito de combater esses disparates, foi sancionada a Lei Federal nº
13.019, de 31 de julho de 2014, fruto de um grande e demorado debate entre gestores
públicos e organizações sociais15, estabelecendo o regime jurídico das parcerias voluntárias,
entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua
cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público, sendo conhecida como
Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).
Com isso, buscou o legislador a maior transparência na aplicação de recursos públicos para
execução de ações e programas por meio da iniciativa privada, através das organizações da
sociedade civil.
A referida lei foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de agosto de 2014, sendo que,
de acordo com o art. 88, passaria a vigorar depois de decorridos 90 (noventa) dias, ou seja,
em 30 de outubro de 2014. Contudo, por força da Medida Provisória nº. 658, de 29 de
outubro de 2014, a vigência da Lei foi adiada para 27 de julho de 2015.
Posteriormente, agora por força da Medida Provisória Medida Provisória nº. 684/15 o
prazo foi prorrogado, tendo então entrado em vigor no dia 23 de janeiro de 2016.
Porém, para os municípios, a nova lei somente entrará em vigor a partir do dia 1º de
Janeiro de 2017, conforme se pode observar do § 1º do art. 88 da lei.
O período foi suficiente para que as organizações da sociedade civil pudessem se adequar
às novas regras para celebração de parceria com o poder público, sendo, como se viu, ainda
mais dilatado em relação às parcerias com os municípios.
Importante destacar que, segundo o art. 3º, estão fora do alcance da Lei nº. 13.019/2014 as
transferências voluntárias regidas por lei específica, naquilo em que houver disposição
expressa em contrário, e aos contratos de gestão celebrados com Organizações Sociais 16, na
14
Acórdão TCU 277/2007 – Plenário.
15
A nova lei é um bom exemplo de um processo legislativo participativo. Nessa linha, é importante destacar
que, por iniciativa da própria sociedade, no ano de 2010 foi criada uma plataforma específica
(http://plataformaosc.org.br), na qual ainda podem ser encontradas as atas das reuniões do denominado
Comitê Facilitador, onde a discussão sobre o futuro marco civil para a parceria entre Estado e organizações
implicaria em uma redefinição das fronteiras entre Estado, mercado e sociedade, além de modos de proteger a
integração entre as esferas pública e privada de problemas enraizados da formação da sociedade brasileira,
como o tradicional clientelismo e patrimonialismo, que historicamente representam umas das principais
chagas da administração pública brasileira.
16
Referida exclusão vem sendo objeto de crítica por parte de certo setor da doutrina, merecendo destaque a
posição de Rafael Carvalho Rezende Oliveira (Licitações e Contratos Administrativos. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 307): “Não encontramos justificativa razoável para excluir da
incidência do novo regime das parcerias os contratos de gestão celebrados com Organizações Sociais (OS),
forma da Lei Federal nº 9.637/98. Por outro lado, conforme o art. 4º da Lei nº. 13.019/2014
aplicam-se, no que couber, aos termos de parceria celebrados com as OSCIP's, nos moldes
da Lei Federal nº 9.790/99. Isso significa que as disposições da Lei das OSCIPS que contrariar
o novo marco regulatório das parcerias entre a Administração Pública e as organizações da
sociedade civil devem ser consideradas revogadas pelo último.
1 – Introdução
Antes mesmo do advento da Lei nº. 13.019/2014 não havia dúvida a respeito da incidência
da LIA em relação a possíveis atos de improbidade administrativa envolvendo as parcerias
entre a Administração Pública e as entidades do terceiro setor, inclusive com a
responsabilização de seus gestores como sujeitos ativos dos atos ímprobos18.
Com efeito, basta lembrar aqui o art. 1º, par. único, da LIA, que dispõe “Estão também
sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de
entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão
sem excluir também os termos de parceira com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIPs). De lado algumas diferenças pontuais, as referidas entidades possuem características gerais
semelhantes, consideradas entidades privadas sem fins lucrativos que desempenham atividades de caráter
social, por meio de vínculos jurídicos com o Poder Público (contrato de gestão e termo de parceria,
respetivamente)”.
17
Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-fev-15/constituicao-poder-participacao-inovacoes-marcam-lei-
organizacoes-sociais#_ftn1.
18
Dentre outros, conferir: DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação –
Por um Novo marco jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 423.
público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-
se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos
cofres públicos”.
Ainda é de se lembrar o art. 3º da LIA, pelo qual “As disposições desta lei são aplicáveis,
no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.
Não obstante, a ausência de critérios mais transparentes para os termos de parceria entre a
Administração Pública e as entidades do terceiro setor, conforme já demonstrado, acaba
configurando, em muitos casos, terreno fértil para atos de corrupção, transformando as
pautas sociais em verdadeiras “feiras de negócios”19.
Nessa linha, salutar o advento da Lei nº. 13.019/2014, ao trazer uma nova disciplina, que
insere, dentre outras inovações, o chamamento público para os termos de cooperação e
fomento com as OSCIPs. Trata-se de uma espécie de “licitação” entre entidades do terceiro
setor, que visa conferir menos discricionariedade aos agentes públicos na relação com tais
entidades. Também visa um maior controle, fiscalização e transparência em relação às
prestações pactuadas.
Da análise dos novos incisos não se nota grandes complexidades, em especial considerando
que algumas das condutas inseridas se assemelham aos casos de improbidade
administrativa que gravitam em torno da aplicação da Lei de Licitações. Sendo assim,
entendemos que boa parte da construção jurisprudencial e doutrinária já existente poderá
ser aplicada aos novos casos, logicamente com as devidas adequações.
Aqui necessário observar o novo instituto do chamamento público, que trata das regras para
seleção, pela Administração Pública, da organização da sociedade civil com a qual firmará
o ajuste, por meio de procedimento administrativo regular, que observará as exigências
contidas nos arts. 23 a 29 da Lei 13.019/2014.
19
DIAS, Maria Tereza Fonseca. Idem, p. 429.
Para interpretar a nova regra será fundamental observar os casos de dispensa e
inexigibilidade, que estão previstos respectivamente nos arts. 30 e 31 da Lei 13.019/2014:
Obviamente que tanto nos casos de dispensa quanto nos de inexigibilidade haverá
necessidade de o ente público chegar a essa conclusão por meio de regular procedimento
administrativo, no qual deverá constar a devida fundamentação, a exemplo do que se da nos
casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Conforme deflui do caput do art. 10, não obstante certa polêmica reinante na doutrina, é
possível a caracterização do ato ímprobo a título de dolo ou culpa, o que, aliás, vem sendo
admitido pelo STJ. Entretanto, é necessário cautela do interprete, para assim não banalizar a
LIA.
O inciso exige para adequação típica: a) que o agente facilite ou concorra de qualquer
foram para a incorporação em prol de patrimônio particular; b) que a incorporação envolva
bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades
privadas mediante celebração de parcerias; c) que se faça em descompasso com as regras
legais.
Sobre os bens referidos no inciso é importante destacar o § 5º 20 do art. 35 e o art. 3621 da
Lei 13.019/2014.
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,
rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade
privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
A situação é semelhante ao inciso XIII do art. 10 da LIA, que cuida da facilitação para que
terceiro se utilize de bens da administração pública direta ou indireta. A diferença aqui é
que os bens, as rendas, verbas ou valores utilizados são aqueles transferidos pela
administração pública para a entidade privada.
Também se aproxima da conduta prevista no art. 9º, inc. IV da LIA. Contudo, difere pelo
fato de no caso do art. 9º o próprio agente vir a utilizar indevidamente os bens da
administração pública direta e indireta.
Nesse ponto, é importante observar os requisitos necessários trazidos pela Lei 13.019/2014
para celebração de parcerias. Dentre outros, destacamos os seguintes: a) existência de
previsão orçamentária para a celebração de parcerias, conforme disciplina o art. 9º22; b)
existência de Procedimento de Interesse de Manifestação Social (arts. 18 a 21); c)
existência de Plano de Trabalho (art. 22); d) observar os requisitos do Termo de Cooperação
ou de Fomento (arts. 33 a 38); e) observar as vedações constantes dos arts. 39 a 41.
A Lei 13.019/2014 traz importantes regras que visam à fiscalização das parcerias firmadas,
sendo aqui de se destacar os arts. 58 a 60, que tratam de obrigações da administração
pública.
20
“§ 5o Caso a organização da sociedade civil adquira equipamentos e materiais permanentes com recursos
provenientes da celebração da parceria, o bem será gravado com cláusula de inalienabilidade, e ela deverá
formalizar promessa de transferência da propriedade à administração pública, na hipótese de sua extinção”.
21
“Art. 36. Será obrigatória a estipulação do destino a ser dado aos bens remanescentes da parceria. Parágrafo
único. Os bens remanescentes adquiridos com recursos transferidos poderão, a critério do administrador
público, ser doados quando, após a consecução do objeto, não forem necessários para assegurar a
continuidade do objeto pactuado, observado o disposto no respectivo termo e na legislação vigente”.
22
“Art. 9o No início de cada ano civil, a administração pública fará publicar, nos meios oficiais de divulgação,
os valores aprovados na lei orçamentária anual vigente para execução de programas e ações do plano
plurianual em vigor, que poderão ser executados por meio de parcerias previstas nesta Lei’.
O inc. XX é de grande relevo ao prever a hipótese de ato de improbidade no tocante à
prestação de contas (v. arts. 63 a 68) de parcerias firmadas pela administração pública com
entidades privadas, sendo que conforme já destacado acima, a prestação de contas
apresentada pela organização da sociedade civil deverá conter elementos que permitam ao
gestor da parceria avaliar o andamento ou concluir que o seu objeto foi executado conforme
pactuado, nos termos do supratranscrito art. 64, da Lei nº 13.019/14.
Assim, ao nosso sentir, a expressão só vem a reforçar a hipótese constante do novo inciso,
dada sua importância para fins de transparência, dissipando qualquer dúvida interpretativa a
respeito.
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular.
Trata-se de hipótese que se assemelha ao inciso XI do art. 10 da LIA. Difere pelo fato de a
liberação de recursos previstos no inciso XXI ser destinada para parcerias firmadas pela
administração pública com entidades privadas, enquanto que a do inc. XI ser para os outros
tipos de liberação de verba pública.
O caso se insere em mais uma situação de despesa pública irregular, que poderia estar
abrangido pelo inc. IX da LIA (“ordenar ou permitir a realização de despesas não
autorizadas em lei ou regulamento”).
Fundamental que haja liberação indevida para caracterização do ato ímprobo. Para tanto, é
necessário observar se foram respeitadas as regras previstas na Constituição Federal (p. ex.,
arts. 52, V e VII, e 167), como também na LRF. Importante também destacar nesse ponto os
arts. 51 a 54 da Lei 13.019/2014, que cuida da movimentação e aplicação financeira dos
recursos.
Não havendo liberação, uma vez que não se pode falar em tentativa do ato ímprobo previsto
no art. 10, se pode falar, em tese, de improbidade prevista no art. 11 da LIA.
O art. 78, da Lei nº 13.019/14, a seu turno, introduz o inc. VIII, ao art. 11, da LIA, nos
seguintes termos:
São todas condutas já tratadas nos novos incisos inseridos no art. 10 pela Lei 13.01/2014.
Contudo, aqui, para configurar o ato ímprobo, deve ser observado: 1º - que a conduta seja
praticada somente a título de dolo; 2º - que para configuração do ato ímprobo não há
necessidade que haja lesão ao erário.
Havendo lesão ao erário, deve se preferir o enquadramento da conduta no art. 10. Não
havendo lesão ao erário, tendo o ato sido praticado a título de culpa, não haverá como
considerar a conduta como ímproba.
23
Sobre referida teoria em sede de improbidade administrativa, vale destacar importante precedente
jurisprudencial do TJSP (Apelação nº 0009252-56.2010.8.26.0073), cuja parte do voto mercê ser destacado:
"Ainda que esta teoria tenha sua incidência e aplicação na prática de ilícitos penais, mais especificamente
em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tal como fez o eminente Ministro Celso de Mello em
recentíssimo julgamento acima mencionado, já foi ela também reconhecida em relação aos crimes eleitorais,
bem como naquele famoso caso do furto ao Banco Central em Fortaleza. Por outro lado, é, em relação ao
ilícito administrativo praticado neste caso concreto, perfeitamente adequada a sua incidência, na medida em
que os corréus fingiram não perceber o superfaturamento praticado com a nova contratação por intermédio
de Termo de Parceria, com objetivo único de lesar o patrimônio público, não havendo agora como se
beneficiarem da própria torpeza. Destarte, a licitação, como é sabido, destina-se a assegurar a observância
do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e
será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação
ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos (v. art. 3º da Lei nº
8.666/93). Enfim, a condenação dos réus em relação aos ilícitos administrativos praticados por cada um
deles de forma individualizada e dolosa, já que responsável o ex-Prefeito por ser ele o gestor do dinheiro
público, como também da empresa ré, pela assunção deliberada neste intento, portanto, houve fixação de
penalidades administrativas em patamar bem razoável, não havendo motivo alguma para sua redução, ante a
extensão dos danos proporcionados aos cofres públicos, com consequente prejuízo ao erário público, daí
porque mantidas as penas administrativas fixadas com base no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92 ." Destarte,
considerando certa tendência jurisprudencial que vem tornando tormentosa a comprovação do dolo em sede
de improbidade administrativa, recomenda-se aos órgãos de execução do Ministério Público a adoção da
referida teoria, notadamente em situações nas quais os gestores, como matéria de defesa, alegam
desconhecimento da ilegalidade, montando verdadeira “maquiagem legal” para descaracterizar o dolo nos
casos em que a tipologia só prevê tal modalidade de elemento subjetivo (LIA, arts. 9º e 11).
- que a entidade disponha em seu estatuto, dentre outras coisas: a) a ausência de
finalidade lucrativa; b) a proibição de distribuição de parcerias financeiras aos seus
diretores, conselheiros; c) a previsão de aplicação integral de sua receita na consecução
do respetivo objeto social;
- verificar se o recurso a ser recebido pela organização da sociedade civil está sendo
empregado para atender, categoricamente as ações constantes do plano de trabalho
aprovado pela administração, em especial se não estão ocorrendo despesas consideradas
impróprias, conforme previsto no art. 45 da Lei 13.019/2014;
CONCLUSÃO
Como se nota, a Lei nº. 13.019/2014, não obstante algumas críticas que estão sendo feitas,
configura mais um instrumento importante para evitar atos de improbidade administrativa,
inclusive sua face mais perversa: a corrupção.
Veio para tentar suprir uma lacuna existente, que acaba gerando sérios desvios em relação
ao sistema de repasse de recursos públicos para as entidades do terceiro setor, o que
conforme destacado, vem se constituindo um dos maiores focos de corrupção no Brasil.
Assim, pode contribuir para uma melhor fiscalização das entidades do terceiro setor quando
atuarem em parceria com os entes públicos, permitindo que se separe o joio do trigo, em
especial quando fomente uma maior participação e controle social.
Por isso, se trata de novo regramento que reclama atenção do Ministério Público, como um
dos órgãos de controle externo dos atos praticados pelos órgãos públicos, na tutela da
probidade administrativa, devendo agir preventivamente e, quando necessário,
repressivamente.
Por fim, para concluir, são absolutamente pertinentes as ponderações de Juarez Freitas24: