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edições makunaima
Coordenador
José Luís Jobim
Revisão de texto
Thayane Verçosa da Silva
Diagramação
Casa Doze Projetos e Edições
Inclui bibliografia.
E-book acessível pelo formato PDF.
ISBN : 978-85-65130-22-6
http://edicoesmakunaima.com.br/
http://edicoesmakunaima.com.br/
Variações sobre o romance II
Orgs.
Rio de Janeiro
2018
Andréa Sirihal Werkema . Maria Juliana Gambogi Teixeira . Nabil Araújo
edições makunaima
Conselho Consultivo
Alcir Pécora (Universidade de Campinas, Brasil)
Alckmar Luiz dos Santos (NUPILL, Universidade Federal de Santa Catarina. Brasil)
Amelia Sanz Cabrerizo (Universidade Complutense de Madrid, Espanha)
Benjamin Abdala Jr. (Universidade de São Paulo, Brasil)
Bethania Mariani (Universidade Federal Fluminense, Brasil)
Cristián Montes (Universidad de Chile, Facultad de Filosofía y Humanidades, Chile)
Eduardo Coutinho (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Guillermo Mariaca (Universidad Mayor de San Andrés, Bolívia)
Horst Nitschack (Universidad de Chile, Facultad de Filosofía y Humanidades, Chile)
Ítalo Moriconi (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil)
João Cezar de Castro Rocha (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil)
Jorge Fornet (Centro de Investigaciones Literárias – Casa de las Américas, Cuba)
Lívia Reis (Universidade Federal Fluminense, Brasil)
Luiz Gonzaga Marchezan (Universidade Estadual Paulista, Brasil)
4 Luisa Campuzano (Universidad de La Habana, Cuba)
Luiz Fernando Valente (Brown University, EUA)
Marcelo Villena Alvarado (Universidad Mayor de San Andrés, Bolívia)
Márcia Abreu (Universidade de Campinas, Brasil)
Maria da Glória Bordini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Maria Elizabeth Chaves de Mello (Universidade Federal Fluminense, Brasil)
Marisa Lajolo (Universidade de Campinas/Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil)
Marli de Oliveira Fantini Scarpelli (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil)
Pablo Rocca (Universidad de la Republica, Uruguai)
Regina Zilberman (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Roberto Acízelo de Souza (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil)
Roberto Fernández Retamar (Casa de las Américas, Cuba)
Salete de Almeida Cara (Universidade de São Paulo, Brasil)
Sandra Guardini Vasconcelos (Universidade de São Paulo, Brasil)
Silvano Peloso (Universidade de Roma La Sapienza, Itália)
Sonia Neto Salomão (Universidade de Roma La Sapienza, Itália)
Variações sobre o romance II
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 7
UMA TEORIA PRIMEIRO-ROMÂNTICA DO ROMANCE:
forma do caos 9
Andréa Sirihal Werkema
***
Por ora, voltemos ao uso da palavra natureza, que é por onde
iniciei esta reflexão. Em Iaiá Garcia, Machado parece especialmente
preocupado em inserir, de modo discreto, mas repetidamente, dis-
cussões em torno do termo. Quando Machado diz que a ociosidade
“faz-se natureza com o tempo”, ele expressa numa frase esse pro-
cesso de naturalização dos comportamentos, da transformação de
algo cuja origem primeira é um ato de vontade do indivíduo ou de
condicionamento de um certo círculo social em algo que é tratado
pelo senso comum como força da natureza; quando diz que o bigode
era “obra comum da natureza e do cabeleireiro”, indica uma dupla
128 origem de uma característica física – a masculinidade de Jorge – é
forjada não apenas por força das características hereditárias e bio-
lógicas da personagem, mas também, e não menos importante, por
uma prática profissional, ou seja, cultural, capaz de fazer de rostos
jovens parecerem mais velhos e másculos. Há algumas outras men-
ções à palavra “natureza” de tom ambíguo, irônico e anti-idealista:
o narrador descreverá assim o Sr. Antunes: “Tinha a pobreza, sem
dignidade; nascera com o espírito curvo e a índole servil. A fortuna
troca às vezes os cálculos da natureza; mas uma e outra iam de
acordo na pessoa daquele homem, nado e criado para as funções
subalternas” (p. 40); a personagem Procópio Dias dirá que “no dia
em que a natureza se fizer comunista e distribuir igualmente as boas
qualidades morais”, “a virtude deixa de ser uma riqueza; fica sendo
cousa nenhuma” (p. 175); também se afirmará na mesma página que
devemos ser “justos com a natureza humana”, para se completar que
“virtudes inteiriças são invenções de poetas”.
Esse tipo de humor, presente nessas construções, será mais
Variações sobre o romance II
maneira que o crítico literário José Veríssimo [em 1915] pôde definir
o movimento intelectual da geração como ‘modernismo’”. Verissimo
cita as leituras brasileiras de Comte, Renan, Darwin, Spencer e Taine,
apesar do relativo atraso em relação à produção europeia, como sinal
do influxo de ideias “modernas”, “expressamente de ‘pensamento
moderno’” (VERISSIMO, 1966, p. 250).
Para Murari, um dos marcos da mudança da relação das letras
e da intelectualidade brasileira em relação aos sentidos dados pela
natureza é a publicação do livro A retirada da Laguna, de 1871, de
Visconde de Taunay. Ao tratar de um episódio traumático da Guerra
do Paraguai, o envio de uma expedição por terra, da qual Taunay
tomou parte, o livro revela que os soldados brasileiros enviados à
frente de batalha não sentiam pavor de enfrentar os paraguaios,
mas, sim, de “percorrer lugares sobre os quais praticamente nada
se sabia e que impunham obstáculos imprevisíveis, o que o levou
130 a imaginar que a natureza conspirava contra a coluna” (MURARI,
2009, p. 119). Uma mortífera combinação de gramíneas cortantes,
sol incandescente durante o dia e frio e tempestades de vento du-
rante a noite tornava a aventura militar um desafio à inteligência: a
natureza tinha um sentido obscuro, “um terror oculto sempre a se
manifestar” (Ibid., p. 120).
A Guerra do Paraguai é um dos elementos centrais do entrecho
de Iaiá Garcia. A mãe de Jorge estimula o filho a ir à guerra para
evitar um casamento que, em sua percepção, rebaixará a posição
social da família. Como os outros romances de Machado da primeira
fase, Iaiá Garcia é um “romance de casamento” (WERKEMA, 2016,
p. 13). A forma como a mãe de Jorge trata a guerra, de modo instru-
mental na manipulação da vida social do filho, revela o alheamento
de parte da camada senhorial diante de um confronto dramático e
sangrento. Mesmo colocada diante da possibilidade de morte do
filho, Valéria não recua.
A guerra fez com que a ideia de natureza passasse a ser um
Variações sobre o romance II
turalista sem muitas nuances. Ela, embora possa também ser lida
como um eco das críticas de Machado, aparece desprendida do
debate inaugurado pelo romancista, na medida em que não é uma
defesa direta de Eça de Queiroz, mas de Zola e da escola francesa
ela mesma. Assim, ela coloca em pauta diretamente o naturalismo,
ou a “escola realista”. A crítica tem também o papel de estabelecer
um elo direto entre os projetos literários brasileiros e os franceses,
superando a triangulação portuguesa até então presente no debate
provocado por Machado.3
Na primeira linha do artigo, o autor se propõe “a tratar de
um dos talentos mais vastos do século atual, e um dos autores que
mais injustamente se têm julgado no Brasil”. Em seguida, coloca a
questão da suposta obscenidade da obra de Zola, e relaciona essa
característica a uma leitura que considera equivocada do romance de
maior repercussão no país: a suposta obscenidade da obra. Zamith
elenca, inicialmente, os 13 livros até então já publicados por Zola, 133
indica suas múltiplas edições e passa a tratar, especificamente, da
série dos Rougon-Macquart. Antes, porém, faz uma crítica à forma
apressada com que alguns autores estrangeiros são lidos no país:
Em geral, é costume no Brasil julgar os autores estrangeiros,
por uma qualquer de suas obras que chega às mãos dos críti-
cos juramentados e reconhecidos, baseados unicamente nessa
produção dão eles o seu juízo fantasia, não só sobre tudo o que
o autor tem escrito, como até sobre o seu estilo, e ainda mais,
sobre o futuro de suas obras.
Saltemos alguns argumentos, para voltarmos a eles mais tar-
de. Uma questão comum às críticas de Machado ao naturalismo é a
metáfora da fotografia. Enquanto Machado condena a “reprodução
fotográfica” da realidade, o artigo em tela aceita as ideias de reflexo
e de fotografia como inerentes à produção literária. Afirma ele:
O que tem feito corar pudicamente os críticos ao ler as obras de
Zola, não é, no maior número de casos, mais do que a própria
Andréa Sirihal Werkema . Maria Juliana Gambogi Teixeira . Nabil Araújo
REFERÊNCIAS
NOTAS
1
ROMERO, 1882, p. 37.
2
Em outro momento (SEREZA, 2013), discuti os textos críticos de Macha-
do com o objetivo de entender o problema da aplicação dos conceitos de
realismo e naturalismo no Brasil.
3
Como citarei o texto, disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional (www.bn.br) exaustivamente, julguei desnecessário e maçante
indicar as páginas de cada uma das citações.
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