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O Sentido das "Palavras-Princípio" na Filosofia da Relação de Martin Buber

Newton Aquiles von Zuben


Martin Buber aparece aos nossos olhos como o profeta da relação, o filósofo do diálogo. Tendo partido do
misticismo, e apoiando-se na mística judaica, e, em particular na mística hassidica, ele construiu o edifício de seu
pensamento em torno da idéia de relação. A dimensão hermenêutica de seu empreendimento favoreceu
enormemente, sem dúvida, a presença de um pensamento autônomo poderoso, tanto em suas reflexões sobre o
Hassidismo, quanto nas obras de caráter profundamente filosófico.
Suas reflexões sobre o diálogo e toda a sua obra antropológica revelaram Buber como representante do personalismo
religioso. Religioso, sem dúvida, pois, de um lado, criou uma ligação íntima entre suas penetrantes reflexões
filosóficas e as bases religiosas e místicas de seu pensamento e, de outro lado, porque a existência dialética se realiza
de modo pleno na relação com o Tu Eterno. A tarefa empreendida pela ética do "Eu e Tu" se manifesta não somente
na abertura em direção à uma antropologia filosófica, mas também em um nível religioso. Com Buber a vida
religiosa encontra seu verdadeiro caminho entre dois extremos que, embora aparentemente contrários, levam contudo
a uma mesma objetivação: de um lado, o excesso de misticismo em que a pessoa humana é, de alguma maneira,
absorvida pela divindade, e aí se perde, se esvai; no outro extremo, o formalismo, que reduz Deus a um simples
objeto do pensamento, um Aquilo no qual o homem crê, e ao qual presta seu culto.
É importante notar que a reflexão de Buber em sua dimensão filosófica - não pode ser isolada do universo místico
judaico e, em particular, do Hassidismo, no interior do qual seu pensamento foi engendrado e ganhou força. Apesar
da aparente diversidade destas reflexões e de suas obras, que, não fazem mais do exprimir e refletir o esplendor de
uma experiência vivida, a marca indelével da obra e vida de Buber é a unidade. Ele apregoa, por todos os lados, a
renovação da existência humana, o que nos leva a ver nele o portador de uma ética. O conceito buberiano de relação
encontrará na mística judaica e no Hassidismo em particular, o modelo para o seu surgimento e sua realização. Estes
elementos foram o manancial de seu pensamento ao longo de seu desenvolvimento.
Se devêssemos caracterizar Buber, o melhor qualificativo a lhe dar seria o de antropólogo filosófico, mesmo que essa
qualificação contradiga a que ele próprio reservou a si como "atypischer Mensch". Ao fazer isso, não limitamos o
significado da filosofia de Buber a uma análise crítica do problema do homem, mas, reconhecemos que o acesso do
homem ao ser, conforme Buber, realiza através do existencial "entre-dois"(zwieschen) atualizada plenamente no
evento da relação dialógica do homem com aquilo que lhe está à frente.
Queremos, neste estudo, analisar o significado e o alcance das "palavras-princípio" (GRUNDWORTEN) enquanto
fundamento daquilo que se apresentará como a pedra angular da construção buberiana, a saber, a idéia de relação e
sua manifestação antropológica, a saber, o diálogo ou o encontro dialógico (Begegnung) constituindo a realização da
existência humana na sua totalidade. Para Buber, o ser homem traduz-se essencialmente como uma atitude
(Haltung). Esta atitude manifesta-se, no sentido de desvendar realizando-se, ou encontra seu fundamento naquilo que
Buber chama "palavra-princípio" (Grundwort) ou a palavra originária, fato primitivo ou o inteligível primeiro. Nossa
intenção é, pois, compreender o significado das "palavras-princípio" como etapa indispensável para a clara
compreensão da antropologia buberiana cuja pedra fundamental será o "entre-dois". O "entre-dois" será a esfera não
espacial, mas, sim, ontológica, que será condição de possibilidade de toda relação dialógica inter-humana.
1 - As atitudes do homem frente ao mundo e a estrutura das "palavras-princípio".
A principal tarefa da antropologia filosófica é tentar compreender o homem, suas manifestações, o fundamento de
seu ser. O único meio de se conhecer o fundamento do ser do homem é considerar, em toda a sua atualidade e
paradoxo, a categoria caracterizada pela palavra homem (').
O homem não é um ser-para-si, ele é essencialmente um ser-no-mundo. A realização existencial do homem se faz
como um ser em relação ao mundo. Onde quer que o encontremos, o homem se acha sempre, numa certa medida -
quer saiba, quer não - ligado ao mundo. O homem considerado em si mesmo é uma pura abstração. O mundo do
homem não pode ser compreendido como o meio-ambiente do animal que é o conjunto de objetos acessíveis a seus
sentidos, condicionados pelas circunstâncias da vida particular do animal. O homem, para além de suas necessidades
vitais, pode, e somente ele, ver o mundo, não como um "Umwelt" mas como uma totalidade. Somente o homem
pode substituir o conglomerado sem significado pela unidade daquilo que chamamos "mundo". O homem existe em
relação ao mundo e o mundo por sua vez só existe pelo homem. O animal depende do mundo; ele está determinado,
de maneira absoluta, por aquilo que o cerca. Se o homem é, de certa maneira, determinado pelo mundo, ele pode
também determiná-lo, e essa determinação ele a experimenta como intimamente ligada à sua liberdade. O princípio
do ser do homem aparece como uma correlação homem-mundo, a qual, em virtude de sua liberdade ele pode
determinar. O principio do ser do homem é para Martin Buber uma atitude em relação ao mundo. Determinando
livremente sua atitude face ao mundo, o homem realiza o princípio de seu ser. Tal princípio é, pois, essencialmente
dinâmico e não estático. O homem toma uma atitude. Esta atitude não é uma característica que o homem possui
como se possui uma coisa. O homem realiza sua existência dinamicamente. O mundo não pode ser concebido sem o
homem e nem o homem pode ser compreendido independentemente do mundo. Há uma atitude do homem na qual o
mundo aparece como simplesmente separado do homem. A outra atitude do homem faz com que o mundo seja não
mais um simples "objeto", no sentido de "algo jogado diante de", mas um Tu. Em uma como em outra das atitudes
variam tanto a condição essencial do mundo, quanto a condição existencial do homem. A atitude do homem vai
determinar o significado de sua existência e o significado do mundo. Tal variação no ser do homem, ou antes, na
modalidade de sua realização, está fundada sobre a dualidade de atitudes fundamentais que o homem pode tomar,
atitudes designadas, reveladas pelas duas "palavras-princípio" formadas pelas duplas de palavras: EU-TU e EU-
ISSO. O homem pode, portanto, se relacionar com o mundo de acordo com duas atitudes fundamentais. O princípio
do ser do homem, é o que Buber tenta mostrar, não é único, mas duplo. A dualidade de atitudes se realiza, se efetiva
como dualidade de "palavras" que serão "proferidas" no sentido profundo do termo. O "eu" do homem emerge ao ser,
no ato de proferir uma ou outra das "palavras-princípio".
"0 mundo é duplo para o homem, porque a atitude do homem é dupla em virtude da dualidade de palavras
fundamentais, das "palavras-princípio" que está apto a pronunciar". (2) A dualidade de atitudes não é definida pelo
emprego idêntico do "eu" nas possibilidades de relacionamento. Aliás, essas atitudes, como TU e como ISSO não são
definidas em referência a diferentes conteúdos determinados, por exemplo, o TU representando uma pessoa, e o
ISSO, uma coisa. Tudo aquilo que se apresenta, no mundo, diante do "eu", pode ser um TU ou um ISSO de acordo
com a atitude do "eu". Não fosse a afirmação clara e continua de uma correlatividade, de interdependência entre o
homem, o "eu" e o mundo, poderíamos ser tentados a ver uma concepção idealista nessa afirmação de Buber. Não
podemos esquecer a interdependência entre as três realidades presentes no evento do relação: o "eu", o mundo e a
relação. A realização plena do, ,evento" depende dos três.
A atitude de que fala Buber não deve ser entendida como uma simples tomada de posição de ordem cognoscitiva
diante de um objeto ou de um ente qualquer; quer antes traduzir um contato anterior a qualquer conhecimento ' mais
primitivo, que seria, em outros termos, de ordem pré-reflexiva, existencial. A atitude não é qualquer coisa exterior ao
"eu", que a toma, por assim dizer, mas é constitutiva de mesmo "eu". É o próprio "eu" realizando-se. Como vimos, o
homem é essencialmente um ser de relação. Não há 'leu" em si; há somente o "eu" da palavra-princípio EU-TU ou o
"eu" da palavra-princípio EU-ISSO. (3) O homem só pode realizar-se através de uma ou de outra atitude de
relacionamento, ou quando diz a palavra-princípio EU-TU ou então quando diz, profere a palavra-princípio EU-
ISSO. Nas primeiras linhas de sua obra "EU E TU", Buber desenvolve em certo sentido uma reflexão sobre a
linguagem, o meio onde o eu se dilui, de certo modo, para se ligar ao mundo. Podemos perceber aí uma influência da
mística judaica. É pela palavra, com efeito que Deus criou o mundo, segundo o relato da Bíblia. Por outro lado, as
letras hebraicas possuem um caráter significativo todo especial. Lemos mais corretamente a palavra como "dahar" do
que como logos. A "dahar" hebraíca exprime, por assim dizer, a plenitude dinâmica do ser, enquanto que o logos
situa-se primordialmente no reino da contemplação. Para Buber a palavra é portadora de ser. O homem fala, profere
a palavra originária e fecundante da relação. A palavra-princípio não é uma simples expressão verbal ou uma mera
etiqueta, mas sim uma realidade que está intimamente ligada à essência do homem, pois, a palavra-princípio, uma
vez proferida, fundamenta a existência do homem. Pronunciar, proferir a "palavra-princípio" significa, pois,
desenvolver uma certa atitude frente a um ser. Não é a intenção de Buber apresentar uma análise lingüística, porém,
e isso ele vai mostrar com clareza, é o significado profundamente existencial de tais termos que, por seu conteúdo e
sua intencionalidade, são realmente os "princípios" da existência humana. Princípio é compreendido como o
fundamento existencial do "processo" de apelo à existência, à realidade do ser-homem. A palavra fundamenta a
relação do homem. As "palavras-princípio" não significam coisas, mas anunciam relações, elas não descrevem algo
que possa existir independentemente delas, mas, =a vez proferidas, elas fundamentam a existência, diz Buber.
Esses dois fundamentos da existência humana, expressos por duas duplas de palavras, EU-TU e EU-ISSO, são duas
maneiras do homem se ligar intencionalmente a um outro ser. (4) Tais palavras determinam direções e requerem dois
termos numa mesma relação. Essas palavras principio exprimem, pela palavra, uma atitude dirigida a outro ser, que
recebe sua significação segundo a intenção dessa palavra; trata-se de uma relação do "eu" com um dos dois
correlatos possíveis, o TU ou o ISSO. A palavra proferida por um "eu", mostra a esse "eu" a direção para o mundo.
Em outros termos, é a palavra que determina, ao mesmo tempo, a atitude do homem e a realização dessa dimensão
da condição (essência) do homem, isto é, a entrada em relação com o mundo (seja como TU ou como ISSO). A
palavra contém em seu seio uma significação intencional. "Quem quer que pronuncie a "palavra-princípio" penetra
nessa palavra, e ai, permanece". (5) O homem é o ente pelo qual o significado do ser é desvelado; seu EU, sua
palavra, instaura, desvela o ser, o mundo como sendo essencialmente relacionados ao homem. Ou ainda, o ser
humano é compreendido como relação, e o fundamento ou condição de possibilidade de tal relação como de todo
relacionamento é a "palavra-princípio". A manifestação do "eu" é a "palavra-princípio". A filosofia da existência
instaura a subjetividade como comportamento, e este como sendo essencialmente uma doação de sentido. O sentido
nasce de um encontro entre o homem e aquilo que lhe faz face(6).
Não há um "eu" em si, afirma com insistência Buber. O homem será um ser incompleto se for considerado como
uma realidade em si. O "eu" só pode significar o ente que profere uma das duas "palavras-princípio" seja a palavra do
relacionamento objetivante EU-ISSO a palavra da relação dialógica EU-TU.
O EU da palavra-princípio EU-TU é diferente do EU da palavra-princípio EU-ISSO. Estamos diante de uma dupla
possibilidade de atitudes; isso significa que o principio do ser do homem-cujo estudo converter-se-á mais tarde para
Buber na tarefa principal da antropologia filosófica - se revela como uma correlação que não destrói, entretanto, sua
essencial exclusividade. As duas "palavras-princípio" estão intimamente ligadas entre si no ritmo constante de suas
atualizações e latências sucessivas. Para Buber o homem pode tomar uma atitude somente. As atitudes excluem-se
mutuamente. Não há equivocidade na posição buberiana. A atualidade de uma palavra-princípio implica a latência
de outra. As duas atitudes se sucedem continuamente.
Mais uma vez, vemos o papel da palavra como realização como expressão de uma atitude, que finalmente coincide
com o ser do homem. É na palavra que o ser humano encontra seu fundamento seu princípio. A palavra-princípio
EU-TU instaura a relação; o princípio do homem que nessa palavra se realiza é, segundo Buber, o principio
dialógico. Pronunciar a palavra-princípio EU-ISSO significa entrar no mundo da separação, da experiência, da
utilização, no mundo do ISSO. Aí realiza-se o princípio monológico do ser do homem. (7) A palavra-princípio EU-
TU, instauradora do mundo da relação será geradora do inter-humano (a esfera mais perfeita, segundo Buber, pois, a
palavra invocadora recebe sua resposta plenamente). Esta palavra leva em seu seio a riqueza provocadora do
encontro intersubjetivo, sendo assim chamada por Buber, a palavra da união, enquanto que a palavra-princípio EU-
ISSO, fundamento do relacionamento objetivante, não será fonte de comunicação, pois, leva dentro de si a força da
separação. Devemos, agora, considerar a existência humana diante desta dualidade de "eus".
2 - A dualidade dos "eus" na unidade do existir humano.
Sabemos que o homem pode atualizar duas atitudes diante do mundo. Vimos como se efetivam essas atitudes através
da proferição de uma ou de outra das "palavras-princípio". O homem sendo essencialmente, ou, antes, realizando-se
como relação, como intencionalidade, o seu EU só pode realizar-se como o polo de uma das duas atitudes
intencionais de relacionamento. "0 EU é duplo". (8) O estatuto antropológico do EU é estabelecido pelo sentido do
relacionamento que a sua atitude intencional desenvolve. Do mesmo modo, o estatuto ontológico daquilo que está à
frente do EU será instaurado, revelado, descoberto pelo sentido da atitude do EU. Para Buber, o homem é
responsável pela instauração de sentido do mundo. O seu ser o apela à essa missão e ele responde através de uma das
atitudes. O destino do homem é de instaurar o sentido do mundo, daquilo que está à sua frente, e, ao mesmo tempo,
desvendar e instaurar o sentido da sua própria existência. O mundo só tem sentido pelo homem que revela seu
sentido. A verdadeira instauração de sentido, pelo homem, do sentido de sua existência, no seu engajamento
histórico, será realizada na esfera de relação inter-humanas, a esfera mais perfeita, já que é nela que o encontro
(Begegnung) pode se realizar plenamente, onde a palavra invocadora encontra realmente a resposta fundamentada
pela reciprocidade, pela mutualidade desta relação.
Esta dualidade dos EUS significa para Buber, mais que uma dualidade de aspectos, uma dualidade de possibilidades
do existir do homem. O Eu da palavra-princípio EU-ISSO, Buber o chama de "ser separado". Tal "ser separado"
toma consciência de si mesmo como um sujeito de experiência e de utilização. "Ser separado" significa ser limitado
por outros seres separados. O "ser separado" representa a forma espiritual de um estado natural de divisão e
separação. O EU, como ser separado, o homem, é o sujeito de um processo de relacionamento objetivante. A
separação a que se refere Buber não é a "distância originária" pressuposto antropológico de todo relacionamento
objetivante ou de toda relação dialógica. O EU da palavra-princípio EU-TU, que inaugura o mundo da relação, é a
pessoa, em sentido pleno, aquela que toma consciência de si, de sua realidade como uma subjetividade, isto é, um
sujeito ao qual nenhum objeto está ligado, ao modo de um relacionamento objetivante. Trata-se de uma forma mais
primitiva de relação, onde está em jogo a totalidade do homem diante do mundo. "A palavra-princípio só pode ser
pronunciada pela totalidade do ser" (9) e não somente uma parte do ser do homem, no caso se eu epistêmico. Trata-
se de uma relação de ordem existencial. Vemos aqui o encontro da concepção buberiana com a concepção da
Filosofia da Existência (a fenomenologia existencial) quanto esta preconiza também a recusa do primado do
conhecimento propondo uma relação entre o homem e o mundo de ordem existencial mais originária que o
relacionamento de ordem cognoscitiva.
A palavra-princípio EU-ISSO é instauradora do relacionamento sujeito-objeto. O objeto pode estar "presente", mas, o
EU não está na "presença" do objeto. O objeto não está por assim dizer, presente na sua própria realidade mas é
representado através de. uma idealidade de um conceito. Aqui o homem mostra-se capaz de combinar a ausência e a
presença. Na atitude EU-TU funda-se o encontro com o outro na presença originária. O desabrochar definitivo da
pessoa é dado na relação com outras pessoas, outras subjetividades, no encontro dialógico. A pessoa significa uma
forma espiritual de um estado natural de ligação. A participação à realidade, no Ser, é proporcionada àquele que está
em relação, ao passo que o domínio do ter, da experiência e da utilização não pode aspirar à plena realidade. O EU
será real, portanto, somente se participa da realidade, do Ser. Isso não significa, evidentemente, para Buber, uma
negação pura e simples do EU da palavra-princípio EU-ISSO. Buber quer significar que não se pode explicar o devir
da existência humana tomando-se exclusivamente a sua dimensão monológica, ou o mundo do ISSO. Plenitude do
ser significa para Buber a dinâmica histórica da existência humana no seu devir através do ritmo constante de sua
atitude diante do mundo seja realizada através do EU-TU ou do EU-ISSO. Para Buber, o "ser separado" não se
achega à participação, pois é principio de separação, e, ao se separar dos demais seres, distancia-se do Ser e fica
reduzido a um simples modo de ser.
O EU conserva sempre a consciência de si em qualquer atitude tomada diante do mundo. "É o filão de ouro rígido
sobre o qual vem se dispor os estados cintilantes" (10). Buber introduz um novo domínio em que coloca o EU que
passou para o mundo do ISSO, como que se desligando da luz do TU. Com efeito, afirma Buber, o EU que não está
mais no mundo da relação, não perde completamente a realidade; a, ,participação" continua envolvendo-o. Buber
emprega aqui a expressão da qual se utiliza para a mais alta relação, com o TU Eterno, a saber, "a semente continua
nele". (11) É no seio da subjetividade que o EU está consciente, tanto de sua ligação quanto de sua separação. A
subjetividade seria o lugar sagrado da preparação, do amadurecimento, do desejo de uma renovação, de um
aperfeiçoamento crescente da relação, que levaria à total participação ao Ser. A subjetividade deve ser compreendida
como a vibração dinâmica de um EU no interior da verdade solitária que é a sua. Ela é a atmosfera propícia onde
amadurece a substância espiritual da pessoa, o lugar em que é possível uma regeneração do ser-separado. Retirado na
ilusão de conhecer seu próprio ser, sua maneira de ser - "o ser separado toma consciência de si como um ser que é
assim e não de outra maneira". (l2) A pessoa toma consciência de si mesma como participante do ser, como ser de
relação. Enquanto que o objetivo da separação é a experiência e a utilização, a finalidade da relação é seu próprio
ser, isto é, o contato com o TU. "A pessoa contempla seu EU, o ser separado ocupa-se do que é seu". (13) Aquele
que está no reino da relação participa de uma realidade, isto é "de. um ser que não está unicamente nele, nem
unicamente fora dele. "Toda realidade é uma eficiência da qual eu participo, sem poder dela me apropriar. Onde falta
a participação, não há realidade. Onde há apropriação não há realidade. (14)
As duas palavras-princípio que fundam os dois princípios do ser do homem, o monológico e o dialógico, não
coexistem em sua atualidade respectiva; porém, mesmo na atualidade do EU-ISSO, o TU continua presente de uma
maneira latente. A existência dialógica se completa, sobretudo, como um ritmo de atualidade e de latência das duas
palavras-princípio. Notemos, contudo, que nesse ritmo, somente a palavra-princípio EU-ISSO pode ser duradoura, ao
passo que o EU-TU, após um curto instante de atualidade, deve novamente tornar-se latente. O mundo do ISSO é
coerente no espaço e no tempo enquanto que o mundo do TU não é coerente nem no espaço e nem no tempo diz
Buber. (15) Cada TU, passado o processo de relação, torna-se forçosamente um ISSO. Cada ISSO, se ele entra no
processo de relação, pode tornar-se um TU. Se à luz da exclusividade das palavras-princípio, o princípio dialógico é
radicalmente diferente do princípio monológico, e, já que eles não se podem completar senão num ritmo de
atualidade e latência sucessivas, e que a atualidade de uma palavra-princípio implica na latência de outra, pergunta-
se como compreender a unidade do homem no ritmo das duas atitudes. Parece, à primeira vista, que em razão da
exclusividade das palavras-princípio, o EU de uma seja radicalmente diferente do outro EU. Embora insista na
distinção dos dois princípios e de sua incompatibilidade, das profundas diferenças apresentadas em suas
características respectivas, Bubier fala sempre de um homem, de uma existência que pode realizar-se de um modo ou
de outro.
Essa mudança entre latência e atualidade das duas atitudes funda a existência de um único e mesmo homem. "Não há
duas espécies de homem, diz Buber, o que há são dois pólos do humano". (l6) Esses dois pólos representam, com
efeito, esse duplo EU, no interior do qual cada homem deve existir pela atualização de uma das duas atitudes face ao
mundo. O fundamento ontológico do ser do homem não deve ser entendido como sendo as duas atitudes, mas antes a
atualização de cada uma delas. Tal atualização se exprime, em seu sentido verdadeiro, numa continuidade que se
enraíza essencialmente no princípio dialógico, pois, mesmo quando o homem toma a atitude que se exprime pelo
EU-ISSO, ele continua ligado, de uma certa maneira, ao mundo da relação, pela consciência da presença virtual do
TU. Há uma continuidade que se baseia na vida dialógica, pois o homem que vive dialogicamente tem consciência,
durante a atualidade da palavra-princípio EU-ISSO, de que está aguardando a palavra invocadora e a resposta. Em
outras palavras, o homem que sai da palavra-princípio EU-TU e entra na outra palavra-princípio, pode lembrar-se da
relação que foi substituída pelo mundo da objetivação, da separação. Essa lembrança, comparada ao evento dialógico
é, sem dúvida, inadequada; ela permite, contudo suplantar o vazio existente entre duas atitudes do princípio
monológico, de tal maneira que o homem, através dessa lembrança, se experimente como o portador de um devir
constante. Neste sentido, aparece a unidade da existência do homem, na consciência de uma continuidade dialógica,
de um lado, da continuidade monológica de outro lado.
Se no interior de cada um há um duplo EU, isto significa que há uma dupla possibilidade de ser homem. O homem
recebe um ou outro qualificativo - o sentido de sua existência será de "ser separado" ou de "pessoa" - na medida em
que está essencialmente inserido em uma ou em outra palavra-princípio. O sentido do destino do homem, o seu lugar
no Cosmos, na história, na cultura será decidido em conformidade com sua maneira ontológica de "dizer" EU, ou
numa atitude de EU-TU ou numa atitude de EU-ISSO. 110 homem é tanto mais pessoa quanto mais o EU da
palavra-princípio EU-TU é forte na dualidade humana de seu EU". (17) Com isso Buber quer dizer que nenhum
homem pode ser puramente um "ser separado", isto é, um ser que procura a atualização completa de seu ser somente
no princípio monológico; da mesma maneira ninguém é puramente pessoa. "Ninguém é totalmente real, ninguém é
totalmente sem realidade. Cada qual vive no interior de um duplo EU" (18).
3 - "No princípio é a relação" - A propósito da prioridade da palavra-princípio EU-TU
A relação entre as duas palavras-princípio deverá nos ocupar, no momento, pois, o esclarecimento desta questão é
fundamental para compreendermos o seu significado para a intenção antropológica de Buber. Isso nos leva mais uma
vez também a ver que a filosofia do diálogo de Buber não se apresenta simplesmente como uma descrição
fenomenológica das atitudes do homem face ao mundo mas, sim como uma antologia cuja base é a categoria do
"entre-dois", noção chave de toda a filosofia buberiana.
Como vimos, as palavras-princípio fundamentam a possibilidade do ser do homem. É através destas palavras
originárias que o homem realiza a sua dupla possibilidade existencial. No plano antropológico e histórico, o devir do
homem está essencialmente relacionado com dois movimentos fundamentais que são: "a distância originária" e a
"relação". Nossa referência ao ensaio posterior ao "EU E TU", onde Buber desenvolve estas duas noções, intitulado
"DISTANCIA E RELAÇÃO "(19) explica-se pela tentativa de melhor entendermos a questão fundamental da
prioridade do mundo da relação ou do principio dialógico da existência humana. Este é, em última análise, o
fundamento da existência humana.
Na obra "EU E TU", Buber fala da relação EU-TU como anterior ao relacionamento EU-ISSO, fazendo apelo a
exemplos tirados do mundo da psicologia da criança e da etnologia. Trata-se da gênese das relações. Para Buber, a
relação EU-TU, a relação vivida, é mais elementar; o primitivo ou a criança pronuncia a palavra-princípio EU-TU
antes de ter conhecimento do próprio EU. o EU-TU seria anterior ao EU. "0 primeiro grupo (de palavras) EU-TU se
decompõe em um EU e um TU, mas não nasceu de sua união; ele é anterior ao EU". (20) A relação é algo que
acontece de mais poderoso que o EU, e ele sente "algo desse pathos cósmico do EU" sem mesmo estar consciente de
sua existência do EU da palavra-princípio EU-TU. Somente após ter tomado consciência de si como um EU, quando
o isolamento do EU é realizado e quando adquire realmente a existência, é que a palavra-princípio pode ser
pronunciada, constituindo assim a primeira forma de experiência egocêntrica. O EU se sobressai sobre o meio
ambiente e se sente portador ativo de certas impressões, pois o mundo aparece então como o seu objeto. De fato, a
atitude EU-ISSO só pode ser tomada pelo homem após sua tomada de consciência como EU. Nesse sentido Buber
afirma que o EU precede a atitude EU-ISSO. "0 EU-ISSO nasce da junção do EU e do ISSO; é posterior ao EU. (21)
Ora se o EU se realiza na relação ao TU, é claro que, dada a reciprocidade desta relação, o TU se realiza, também,
em contato com o EU que se torna seu TU. No evento da relação, as três realidades se completam e se implicam: o
EU, a relação (a palavra-princípio EU-TU que os une) e o TU. Se o EU se realiza na sua relação com o TU, e se o
EU precede o EU-ISSO, compreendemos que o TU é anterior ao ISSO e o EU-TU é anterior ao EU-ISSO, de uma
anterioridade ontológica.
Para as crianças, as coisas não são, inicialmente, o correlato fixo e estático de alguma experiência de conhecimento;
todos os objetos do mundo são tomados progressivamente na reciprocidade das relações exclusivas. A presença
originária da relação, sucede então a "presentificação" objetivante do relacionamento sujeito-objeto, condição de
possibilidade de todo conhecimento científico, em suma, de todo conhecimento. Mais uma vez reencontram-se
Buber e as Filosofias da Existência, ao renunciarem ao primado do conhecimento, afirmando a existência de uma
relação primeira e irredutível, anterior ao relacionamento cognoscitivo. As ciências humanas, por sua descrição no
plano exterior, e a filosofia, no plano existencial nos permitem afirmar que o EU não é anterior à relação, mas está
condicionado por ela, que é o fundamento existencial do ser do homem. É nesse sentido que compreendemos a
afirmação de Buber "EU me realizo na relação com o TU". O evento da relação, por sua maior ou menor
intensidade, no ritmo alternado de patência e de latência ao qual está submetido, constitui a consciência do EU. A
característica essencial da filosofia da relação é que a verdade fundamental da consciência, sua irredutibilidade à
ordem do ISSO, das coisas ordenadas no espaço-tempo, não é atingida por uma análise reflexiva do sujeito sobre si
mesmo. Nada mais estranho ao pensamento de Buber que uma concepção que tomaria a consciência como uma
ipseidade fechada sobre si mesma, concepção que fundaria a descoberta da consciência como empírica. :É a
experiência da relação que nos revela a pureza da consciência como tal, pela luz da consciência do outro no evento
da relação dialógica. É pelo TU que o EU se descobre como consciência não-objetivável, não-coisificada, mas sim
como projeção ao outro. Encontramos aqui o sentido da intencionalidade da consciência como abertura e relação ao
outro, idéia já bem conhecida. É o encontro com o outro que nos coloca em presença desse parceiro, e nos faz
afirmá-lo como absolutamente outro, como um TU. O outro não é um meio, mas graças a essa tomada do outro,
como presença iluminadora, como TU, é possível viver uma verdadeira vida, e que o próprio EU pode se completar
autenticamente. Assim, o fundamento da verdadeira existência (autêntica) é a relação, que é também começo (no
sentido mais profundo do termo) como afirma Buber: "No princípio é a relação".
No ensaio DISTANCIA E RELAÇÃO Buber estuda o principio da vida do homem. Em EU E TU encontramos as
palavras-princípio como verdadeiros princípios do ser do homem como ser de relação. Dois movimentos
fundamentais, segundo o ensaio, explicam a realização efetiva do devir do homem, da existência do homem no
mundo, na sua dimensão cultural e histórica. Nosso propósito não é, dada a limitação do presente estudo, analisar
exaustivamente as concepções de Buber no ensaio DISTANCIA E RELAÇÃO. Faremos apelo à algumas idéias para
esclarecer a contradição que alguns críticos da obra de Buber pensam encontrar com relação à prioridade da relação
estudada na obra EU E TU, de 1923, e a prioridade da "distância" sobre a "relação" como foi estudada no ensaio de
1951, DISTANCIA E RELAÇÃO.
De fato, DISTANCIA E RELAÇAO fala de dois movimentos fundamentais da vida humana. O primeiro é a "tomada
de distância" ou "distância originária" e o segundo é, ,entrar em relação". Está claro que "entrar em relação" significa
entrar em relação EU-TU; contudo não se pode identificar pura e simplesmente a "distância originária" com o
relacionamento EU-ISSO. Com efeito, quando o homem falha na sua tentativa de entrar em relação, a distância
aumenta e se solidifica, por assim dizer, e impede a relação, ao invés de ser aquilo que prepara o caminho para a
relação. Este fracasso de entrar em relação correspondente ao EU-ISSO e a "distância originária" é, então
pressuposta pelas duas atitudes, EU-TU e EU-ISSO. Para Buber o primeiro movimento fundamental é pressuposto
pelo segundo.
Em EU E TU, Buber afirma que o EU-TU precede o EU-ISSO. Buber trata da questão do ponto de vista da gênese
das relações. Em DISTANCIA E RELAÇÃO, a preocupação de Buber é refletir sobre o devir da existência humana
ou como a existência humana se torna tal. Tendo-se concretizada a distância, o homem é capaz de entrar em relação,
mas é também capaz de alargar, acentuar, e aumentar esta distância. O aumento da distância - que leva assim ao
relacionamento EU-ISSO - modifica a situação do outro ser que está em face ao homem, pois este ser se torna um
objeto do EU. Contudo, nessa mesma perspectiva, parece que, se a distância é pressuposta para a relação (segundo
movimento fundamental) e que o EU-ISSO é o aumento dessa "distância", então o EU-ISSO aparentemente precede
ao EU-TU.
Buber afirma em DISTANCIA E RELAÇÃO que o homem é o único ente cuja experiência da realidade funda-se ma
"distância" radical em relação ao mundo. É somente través deste movimento de estabelecer distância que o homem
constitui um "mundo". O homem só pode entrar em relação com um ser na medida em que este tenha sido colocado
previamente à distância, tornando-se assim um "oposto dependente". Só o homem pode estabelecer esta distância
com aquilo que o circunda; aquilo que está em frente do homem pode tornar-se então, o seu objeto, o seu ISSO. O
homem também pode voltar-se para o outro ente, aceitando-o omo parceiro, comunicando-se com ele como um TU.
O homem não vê as coisas que o circundam como o animal as 'vê". Só existe mundo pelo homem e este se realiza
através deste contínuo relacionamento de "distância" e de "relação ",caracteriza sua existência. Este ato de
estabelecer uma relação com o mundo - considerado como uma unidade e como uma totalidade e não como uma
soma de partes ou s intra-mundanos - Buber chama de apercepção sintetizante. Não se pode, entretanto, interpretar
este movimento originário de distanciar-se daquilo que está à frente como do uma espécie de atitude reflexiva,
embora esta atitude reflexiva deva pressupor a distância originária.
A aparente contradição do pensamento de Buber repousa sobre uma concepção errônea que afirma que o aumento da
distância seja mais próximo da situação originária do que a entrada em relação. A "distância" é dada ao homem
enquanto homem. Num ponto de vista ontológico, ela é pré-pessoal, isto é, ela precede tanto as relações EU-TU
como os relacionamentos EU-ISSO que constróem a existência pessoal do homem. O próprio Buber nos diz que, em
EU-E-TU, sua intenção era empregar as palavras num sentido filogenético afirmando também que a relação
primitiva de que falava a respeito da criança e do primitivo não representava ainda a plena e verdadeira entrada em
relação de um EU consciente com um TU também consciente. A obra EU E TU estabelece a prioridade da palavra-
princípio EU-TU. As palavras-princípio podem ser entendidas como a base ontológica da antropologia buberiana.
Em DISTANCIA E RELAÇÃO, o pensamento de Buber parece orientar-se para a compreensão daquilo que constitui
o homem na sua existência como homem. A intenção fundamental deste ensaio era simplesmente tratar da questão
concernente à realização antropológica da dualidade do EU-TU e do EU-ISSO. O fato da "distância" tenta dar
resposta à questão: como o homem é possível?; e o movimento de relação tenta responder à questão: como a vida
humana se realiza? Buber afirma que a primeira questão é de ordem categorial enquanto que a segunda é de ordem
da categoria e da história. A "distância" provê a situação humana; a "relação" provê o devir humano nesta situação.
Não podemos, entretanto ' identificar a "distância" com a atividade EU-ISSO. Ao contrário, esta atitude a pressupõe.
Não há conflito entre as afirmações de DISTANCIA E RELAÇÃO e as teses apresentadas em EU-E-TU. O que
podemos observar é, ao contrário, uma profunda ligação entre as duas atitudes e os dois movimentos fundamentais
de que fala DISTANCIA E RELAÇÃO. A "distância" e a falha em entrar em relação não são propriamente atos,
mas, estados do ser (humano). Enquanto ato do homem, envolvendo o seu ser em sua totalidade, intencionalmente
realizado como abertura ao outro, a relação dialógica depende de uma decisão livre e co-responsável da pessoa. A
"distância" por sua vez não depende, por assim dizer, de um ato do homem, mas ela é aquilo que especifica o
humano enquanto tal, isto é, enquanto estabelece um mundo, dando sentido a este mundo e ao mesmo tempo à sua
existência, diferenciando-se do animal, por exemplo, para o qual não existe mundo, mas, um aglomerado, uma soma
de elementos dos quais ele seria uma das partes, sem a possibilidade de transcendê-las.
O distanciar-se, próprio do homem, abre as portas para o possível relacionamento. Podemos evitar qualquer equívoco
ou má interpretação se não identificarmos, portanto, o primeiro movimento, a "distância originária", com a palavra-
princípio EU-ISSO. Em s=a, as palavras-princípio, instauradoras do ser do homem no mundo, diante do mundo,
intencionalmente com ele relacionado, são próprias do homem. O homem toma uma atitude diante do mundo. Ora,
aquilo que, segundo Buber, provê a situação humana é o movimento fundamental de 'distância". Esta distância
deverá, portanto, ser pressupostos para aquelas atitudes do homem.
Cremos poder afirmar que, de fato, o principio do ser do homem é o dialógico, realizado graças à palavra-princípio
EU-TU. É assim que compreendemos o sentido da afirmação clara de Buber: no princípio é a relação. Esta expressão
será compreendida num sentido ontológico. Os dois movimentos fundamentais são categorias antropológicas; as
palavras-princípio são os fundamentos ontológicos da existência humana. A relação EU-TU é primordial, pois, o ser
do homem aflorará na existência autêntica no evento do encontro dialógico inter-humano, na responsabilidade da
reciprocidade que caracteriza todo encontro. Notemos ainda, finalmente, o sentido exato do conceito de relação,
expressa por Buber pelo termo BEZIEHUNG. Esta caracteriza-se por uma peculiar descontinuidade. O termo
"encontro", BEGEGNUNG, designa algo de atual, um vento que acontece atualmente. A relação engloba o encontro.
É porque o homem é ser de relação que pode tomar parte, estar "presente" a um evento de "encontro" inter-humano.
A relação abre a possibilidade real da latência, ou, em outras palavras, durante o relacionamento objetivante da
atitude EU-ISSO, a relação dialógica está como que latente; ela é fundamento de possibilidade e a esperança de uma
nova relação dialógica. A relação está, de certo modo, sempre presente, ou melhor o homem está sempre presente à
relação, seja de um modo velado, seja de um modo patente. Mesmo durante o relacionamento objetivante EU-ISSO
o homem guardaria a possibilidade de uma nova relação. A relação EU-TU - BEZIEHUNG é uma possibilidade de
atualização do princípio dialógico estabelecendo o encontro dialógico (BEGEGHUNG).
Conclusão
A intenção principal, o fato primitivo do pensamento de Martin Buber é de ordem antropológica. Esta antropologia
está arquiteturada fundamentalmente nas suas intuições sobre o diálogo, para o qual as palavras-princípio constituem
a base ontológica. De fato, a palavra originária fundamenta, pela dinamicidade que lhe é própria, de um lado, na sua
dimensão monológiea - EU-ISSO - o emergir do relacionamento com o mundo da praxis objetivante, fecundando
assim a técnica e a ciência, e, de outro lado, na sua dimensão dialógica, o mundo intersubjetivo do encontro entre os
homens, estabelecendo assim um sentido humano aos eventos da cultura fecundando a existência na sua dimensão
histórica.
De um lado temos o EU-ISSO como condição de possibilidade da técnica traduzindo a transformação da natureza
pelo homem e, de outro lado, a dimensão inter-humana do encontro fecundando o existir histórico. Na medida em
que o "entre-dois" se realiza eticamente, o encontro dialógico implica numa responsabilidade intersubjetiva e
portanto histórica. A praxis, fruto da intervenção objetivante do homem sobre o mundo é radicalmente distinta da
eventual ação do animal sobre a natureza que o circunda, dada a íntima união entre a palavra-princípio EU-ISSO e a
palavra-princípio EU-TU, ausente no animal. A intervenção é realmente humana na medida em que a praxis é, por
assim dizer, uma co-praxis estabelecendo-se numa dimensão intersubjetiva. A praxis, baseada no EU-ISSO está
envolta, de algum modo, pelo mundo do TU, pois este mundo TU continua presente, de um modo velado, no
relacionamento EU-ISSO, através da consciência da presença virtual do TU.
Pelas palavras-princípio, o homem se descortina naquilo que é existencialmente constitutivo de seu ser, a saber, a
"doação de sentido". O sentido nasce do encontro entre o homem e aquilo que está à sua frente. Ao dar sentido ao
outro (ISSO) através da praxis, da experiência objetivante, ele dá sentido à sua própria existência como um ser
cultural; se o outro estiver à sua frente como um TU, então sua existência terá um sentido autenticamente humano,
intersubjetivo, histórico. O homem dá sentido ao mundo intimamente voltado ao outro na intersubjetividade,
instaurando assim um mundo humano. A atitude que o homem toma diante do mundo pela palavra-princípio EU-TU
é, para Buber, instauradora de intersubjetividade histórica, pelo encontro dialógico, e propulsora da cultura, pela
praxis, que é tradução antropológica da atitude fundamental instaurada pela palavra-princípio EU-ISSO.
As palavras-princípio ocupam um lugar preponderante no conjunto da obra de Buber, toda ela centrada na sua
preocupação antropológica. Para Buber a antropologia filosófica se apresenta como o estudo do homem na sua
totalidade. A tarefa primordial é encontrar o humano através da consideração das culturas e dos indivíduos. Esta
ênfase dada por Buber à característica "totalidade" traduz em certo sentido a rejeição da concepção tradicional que
apresenta a razão como o caráter distintivo do homem.
A totalidade do homem é atingida na contínua atualização de uma das duas atitudes do homem face ao mundo, na
dinâmica de latência e de atualidade, a que estão sujeitas estas atitudes. Para Buber o fundamento da existência
humana é o princípio dialógico, onde o sujeito ultrapassa, onde ele, mais propriamente não assume, o estatuto de
sujeito cognoscitivo para atingir a plena subjetividade. A nosso ver, a antropologia buberiana tem nas palavras-
princípio uma de suas bases ontológicas, ao lado da noção, estreitamente ligada a essas "palavras", que é o "entre-
dois".
Assim, na tentativa de aproximação da questão antropológica, a interrogação sobre o ser do homem - ultrapassando
toda posição parcial que inevitavelmente não atingiria o homem na totalidade de seu ser - poderíamos, segundo
Buber, tender o fato primitivo esclarecendo uma das afirmações ásicas de sua antropologia que é a relação dialógica,
"evento do "encontro" do homem com o homem. Para Buber, o único meio de se encontrar uma solução ao
"problema do homem" a revolta da pessoa a fim de "libertar" a relação. "Vejo subir horizonte, com a lentidão de
todos os processos que compõe a verdadeira história do homem, um grande descontentamento, diverso de todos
aqueles de que até hoje se tenha conhecimento. Não se insurgirá mais, como no passado, somente contra o reino de
uma determinada tendência; insurgir-se-á pelo amor da autenticidade na realização, contra um do falso de realizar
uma grande aspiração, a aspiração à comunidade." (22)
A ontologia das "palavras-princípio" está na base da resposta buberiana à questão antropológica, à essa aspiração de
comunidade. A esfera do "entre-dois", noção chave para antropologia buberiana, torna-se possível pela força
dinâmica s "palavras-princípio". O "entre-dois" é um existencial no sentido em que ele manifesta o evento da relação
entre pessoas. Ele é a esfera ontológica que "acontece", que torna possível o evento da relação, não no interior dos
indivíduos ou m uma dimensão mais ampla que englobaria todos os indivíduos, mas exatamente entre as pessoas na
singularidade de suas subjetividades. "0 "entre-dois" não é uma construção liar; ele, é o verdadeiro lugar e suporte
daquilo que se assa entre humanos." (23)
O mundo dialógico, aos olhos de Buber, o fundamento da existência humana. A relação dialógica abre realmente
caminho para uma compreensão do homem, visto que ela revela a dualidade fundamentalmente dinâmica da
existência humana na sua condição histórica. De um lado, a dualidade das atitudes que constróem o ser do homem, e,
de outro lado, na relação dialógica, o apelo e a resposta autêntica, fundados na responsabilidade da reciprocidade.
"Sempre os dois em um, completando-se no engajamento alternado, indicando e oferecendo juntos o Homem." (24)
Referências bibliográficas
Cfr. Buber,M.- Werke I pag.411
Buber,M.- Je et Tu pag.7 .Em "La vie en dialogue." Paris 1959.Ed.Aubier Montaigne. Idem pag.7.
Podemos notar nesta idéia de Buber uma crítica velada à uma cereta filosofia do sujeito e da subjetividade que
atribui ao Cogito que com certeza,aí surge como fundamento da reflexão filosófica, a pretensão em estabelecer-se
como consciência imediata de si. Este seria um falso Cogito que se põe mas que não se possui como nos mostra
Ricoeur no seu "Le conflit des interprétations". O eu deverá, de algum modo, perder-se para que o sujeito surja. A
própria postura do homem manifestada, exteriorizada pela dupla de palavras Eu-Tu e Eu-Isso já se traduz numa
perda do eu. O eu tornar-se-á um sujeito na medida em que se "perder" no Eu-Tu. Parta Buber não existe eu puro,
isolado. Esse não passa de uma abstração.
Buber, M.- idem pag. 8
Cfr. De Waelhens, A .- La philosophie et les expériences naturelles. Pags. 80-81.1961. Ed.Martinus Nijhoff-La Haye.
Buber,M.- Je et Tu pag. 8
Buber,M.- idem pag.7
Buber,M,- idem pag.7
Buber,M.- idem pag. 49
Buber,M.- idem pag. 50
Buber,M.- idem. pag50
Buber,M.- idem .pag.50
Buber,M.- idem pags. 49-50
Buber,M.- idem pag 29
Buber,M.- idem pag.51
Buber,M.- idem pag. 51
Buber,M.- idem pag51
Buber,M.- Urdistanz und Beziehung. Em WERKE -I
Buber,M. Je et Tu. pag. 21
Buber,M.- idem pag.23
Buber, M.- Le problème de l'homme. Pag.112 Ed. Aubier Montaigne. Paris. 1962
Buber,M.- idem pag.113.
Buber, M.- idem pag. 116.

© Newton Aquiles von Zuben


Doutor em Filosofia - Université de Louvain
Professor Titular - Faculdade de Educação da UNICAMP
E-mail: navzuben@obelix.unicamp.br

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