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Tópico Especial

Conceitos de genética e hereditariedade aplicados


à compreensão das reabsorções dentárias durante
a movimentação ortodôntica
Alberto Consolaro*, Renata Bianco Consolaro**, Maria Fernanda Martins-Ortiz***,
Patrícia Zambonato Freitas***

Resumo

Imagine o mundo sem telefone ou sem computador e internet. Em surtos cíclicos, os novos co-
nhecimentos mudam nosso estilo de vida e criam necessidades. Um exemplo atual desta situação
encontra-se na causa de certos fenômenos e doenças: tudo se explica a partir da genética e da he-
reditariedade. Deve-se tomar cuidado para evitar o exagero. As conseqüências de procedimentos
clínicos, os efeitos colaterais e as iatrogenias passaram a possuir atributos genéticos, quase sempre
não fundamentados em estudos experimentais. Quando o novo está amplamente difundido e
não profundamente conhecido se estabelece temporariamente um poder mágico de sedução e
uso. Desta forma procura-se atribuir à genética e à hereditariedade como causa primária das rea-
bsorções dentárias na prática ortodôntica 1,10,16. A genética e hereditariedade mescladas à biologia
molecular constituem um dos surtos de novos conhecimentos e tecnologias pelo qual a humani-
dade está passando, remetendo-nos a uma renovação conceitual ou reciclagem. Apesar das novas
informações, o dia-a-dia e a necessidade de sobrevivência superpõem-se e o Profissional Clínico,
mesmo consciente da importância da atualização para o seu trabalho, não tem como viabilizar no
tempo e no espaço, a aquisição destes novos conceitos a partir de uma literatura fragmentada e
multifacetada. Neste trabalho propusemo-nos a discorrer, com clareza e simplicidade, sobre os
conceitos elementares necessários à compreensão dos mecanismos da genética, da hereditariedade
e da biologia molecular. Às vezes beiramos a heresia acadêmica a favor do entendimento. Para os
iniciados no assunto este artigo pode parecer muito básico, mas procuramos nos dirigir ao Profis-
sional Clínico, especialmente aos relacionados com a prática ortodôntica e ortopédica.

Palavras-chave: Reabsorções Dentárias. Genética. Hereditariedade. Movimentação Ortodôntica.

Introdução dor e a Internet. Em surtos e espasmos cíclicos os


Imagine o mundo sem papel, ou sem fotogra- novos conhecimentos e tecnologias assaltam nosso
fia, ou sem os raios X, ou sem anestesia, ou sem estilo de vida e criam necessidades, levando-nos à
telefone, ou sem televisão ou ainda sem computa- constante adaptação.

* Professor Titular e Chefe do Departamento de Estomatologia da FOB-USP.


** Mestranda em Patologia Bucal da FOB-USP.
*** Mestres em Ortodontia e Doutorandas em Patologia Bucal pela FOB-USP.

R Dental Press Ortodon Ortop Facial 79 Maringá, v. 9, n. 2, p. 79-94, mar./abr. 2004


Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

Gradativamente vamos nos familiarizando com uso. Desta forma procura-se atribuir à genética e à
os novos conceitos e terminologias. Não podemos hereditariedade como causa primária das reabsor-
fazer isto de forma súbita, o processo é contínuo ções dentárias na prática ortodôntica1,10,16.
e leva um certo tempo. Mas, enquanto não fica- A genética e a hereditariedade por si só são
mos sólidos e conscientes das novas definições, os mescladas com a biologia molecular e constituem
novidadeiros torturam nossos cérebros e explicam um dos surtos de novos conhecimentos e tecnolo-
equivocadamente alguns fenômenos, acertos, er- gias pelo qual a humanidade passou ou está pas-
ros, inconveniências, tudo “á luz da nova ciência”. sando, remetendo-nos a uma renovação conceitual
Um exemplo atual desta situação encontra-se ou reciclagem2,12.
na causa de certos fenômenos e doenças: tudo se Apesar dos surtos e espasmos de novas infor-
explica a partir da genética e da hereditariedade. mações, o dia-a-dia e a necessidade de sobrevivên-
Deve-se tomar cuidado para evitar o exagero. As cia superpõem-se e o Profissional Clínico, mesmo
conseqüências de procedimentos clínicos, os efei- consciente da importância da atualização para o
tos colaterais e as iatrogenias passaram a apresen- seu trabalho, não tem como viabilizar no tempo
tar atributos genéticos, quase sempre não funda- e no espaço, a aquisição destes novos conceitos a
mentados em estudos experimentais. partir de uma literatura fragmentada e multiface-
Quando o novo está amplamente difundido tada.
e não profundamente conhecido se estabelece Neste trabalho propusemo-nos a discorrer,
temporariamente um poder mágico de sedução e com clareza e simplicidade, sobre os conceitos

Figura 1 - “O DNA, atualmente, é culpado de tudo”. Figura 2 - Os cromossomos são os armários com as informações para as células
funcionarem. Toda a ação do profissional no organismo mobiliza esses arquivos,
e para compreendê-las melhor, devemos entender como funcionam.

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CONSOLARO, A.; cONSOLARO, R. b.; mARTINS-ORTIZ, M. F.; FREITAS, P. Z.

elementares necessários à compreensão dos digestivo, geniturinário, nervoso e outros. Cada


mecanismos da genética, da hereditariedade e da um destes órgãos e tecidos constitui-se por células.
biologia molecular. Às vezes beiramos a heresia No corpo todo se apresenta aproximadamente 10
acadêmica a favor do entendimento. Para os trilhões de células, a grande maioria em constan-
iniciados no assunto este artigo pode parecer muito te proliferação, apesar do ritmo desta proliferação
básico, mas procuramos nos dirigir ao Profissional variar muito.
Clínico, especialmente aos relacionados com a Cada célula exerce determinadas funções o que
prática ortodôntica e ortopédica. Alguns termos em geral significa produzir alguma coisa, em sua
e definições foram listados4,5,6,13 e posteriormente maioria proteínas na forma de componentes teci-
alguns resgatados na discussão do assunto duais ou enzimas. A produção ou síntese das prote-
aplicando-os na prática ortodôntica, voltando-nos ínas ocorre no citoplasma, mais especificamente no
para a compreensão das reabsorções dentárias. reticulo endoplasmático rugoso, onde se apresen-
tam numerosos ribossomos; o armazenamento ou
O abc celular acabamento ocorre no aparelho golgiense.
O corpo humano é constituído por alguns con- O citoplasma representa a parte prática da fá-
juntos de tecidos ou órgãos denominados de siste- brica celular onde os aminoácidos e outras matérias
mas como: o esquelético, imunológico, endócrino, primas são aprimoradas para fazer parte das proteí-

O corpo humano tem:

• 10 trilhões de células derivadas • O DNA apresenta-se em 23


de uma única célula com o mes- pares de cromossomos. Em
mo conteúdo genético. cada par, um cromossomo vem
• Célula é a unidade estrutural da mãe e outro do pai.
básica dos seres vivos. • Cromossomos são cadeias
• Dentro de cada célula há um duplas de DNA “enroladas” em
núcleo. proteínas. Segmentos de DNA
são chamados de genes.
• O núcleo armazena o material
genético humano, especialmente • Gene é a seqüência de DNA
o DNA. que contém uma informação
completa, ou um arquivo com-
• DNA é a molécula básica dos
pleto, capaz de fazer a célula
cromossomos, composta pelos
sintetizar algo ou realizar uma
nucleotídeos: Tinina, Citosina,
determinada função.
Adeninas e Guanina.

Figura 3 - Proporções numéricas dos vários componentes do corpo humano, nos vários níveis de grandeza: células,
cromossomos e genes.

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CÉLULA

CROMOSSOMO

TECIDO

GENE

Figura 4 - Diagrama representativo dos componentes teciduais do organismo em vários níveis de grandeza: sistemas, tecidos, células, cromossomos e genes.

nas, enzimas, peptídeos, carboidratos, lipídeos, etc. Tudo que é realizado ou acontece no citoplas-
O núcleo constitui o “escritório ou gerência” ma, está sob o comando do núcleo. Os arquivos
da fábrica celular, onde se encontram todos os ar- mencionados são denominados simplesmente de
quivos e informações necessárias para funcionar, cromossomos e cada ficha, ou informação nele
desde as funções mais simples às mais complexas. contida pode ser denominada de gene. O mate-
Estes arquivos são verdadeiros armários, cheios rial constituinte de cada um destes arquivos ou
de fichas com informações escritas, detalhadas fichas é o DNA ou ácido desoxirribonucléico. Por
seqüencialmente e de forma muito organizada. analogia, nossos armários de nossos escritórios e

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salas são feitos de aço ou de madeira, os da célula de ATP, o combustível celular. O mundo interno
são de DNA. Cada célula humana possui 23 pares da célula é fantástico e impressionante pela sua
de cromossomos, ou seja, no núcleo encontram-se organização e detalhamento funcional.
23 pares de armários cheios de informação para o As células são parte de uma comunidade ou te-
funcionamento da célula. cido; cada tecido insere-se em um órgão que com-
Por mais incrível que pareça, todas as células põe um conjunto maior, os sistemas que compõem
ou fábricas têm os mesmos arquivos, os mesmos o organismo. Mas como se determina o momen-
armários, as mesmas informações, mas se especia- to em que cada célula deve funcionar? Quando
lizaram em algumas funções apenas; este processo esta deve apresentar uma atividade mais intensa?
é conhecido como diferenciação celular ou espe- Quando deve migrar, mudando-se de lugar?
cialização. Todas as células originaram-se de uma O conjunto harmonioso dos tecidos e órgãos
única célula resultante da fusão do espermatozói- funciona de forma sincronizada, por meio de um
de com o óvulo. eficiente sistema de comunicação intercelular.
As enormes quantidades de energia necessárias As células, conforme suas necessidades, liberam
à célula são obtidas a partir da glicose, que chega produtos químicos genericamente denominados
até a célula por via sanguínea e é processada em de mediadores, onde se encontram “ouvidos” bio-
suas usinas energéticas ou mitocôndrias na forma químicos na superfície celular ou receptores de
membrana. A partir deste fenômeno os recepto-
res transmitem uma mensagem para o núcleo, que
decodifica a mensagem consultando seus arquivos,
ou cromossomos e estes comandam o funciona-
mento celular visando cumprir a ordem ou men-
sagem recebida. Assim, supre-se a necessidade do
Fábrica conjunto celular.
Célula
Os mediadores celulares podem ser generica-
mente agrupados em 3 grupos: as citocinas (por
exemplo: interleucinas e interferon), os fatores de
Entrando no interior da célula ou “fábrica” ...

crescimento (por exemplo: fator de crescimento


Gerência ou
“escritório central” Núcleo

Mediadores
químicos

Arquivo Receptores,
Cromossomo
“ouvidos”

Fichas Genes

Figura 5 - Diagrama de analogias do controle da atividade celular pelas in- Figura 6 - Esquema de uma célula cortada, revelando parcialmente a
formações genéticas herdadas pelas células. Note que no núcleo, ou melhor, membrana celular e seu núcleo. Destaca-se na membrana, a presença de
no escritório central ou gerência, alguns genes estão ativos, outros latentes e proteínas que atuam como receptores ou ouvidos bioquímicos; neles se
outros pouco funcionais. A fita ou filamento de DNA contém os genes. acoplam as moléculas dos mediadores ou mensagens.

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epidérmico ou EGF, proteína osteomorfogenéti- As proteínas podem ser estruturais quando


ca ou BMP) e os produtos do ácido araquidônico compõem uma parte da célula ou tecido, ou enzi-
(por exemplo: prostaglandinas e leucotrienes), to- máticas quando participam do metabolismo celu-
dos produzidos e liberados pelas células com a fi- lar e tecidual, caracterizado por numerosas e inter-
nalidade de comunicar-se com as células vizinhas, mináveis reações químicas. Por analogia, pode-se
próximas e até mesmo à distância. Todas as fun- comparar as proteínas a trabalhadores operários,
ções celulares são determinadas por mediadores, pois participam ativa e diretamente da formação e
quer sejam interna como externamente. manutenção das células e tecidos.
Aminoácidos: pequenas moléculas que inva-
O abc molecular riavelmente possuem um átomo de carbono liga-
Elemento químico: substância pura que não do ao grupo amina, ao grupo hidroxila e a um áto-
pode ser quebrada quimicamente e gerar com- mo de hidrogênio. Existem 20 tipos diferentes de
ponentes ainda mais simples. Na natureza temos aminoácidos. De forma simplista pode-se afirmar
um pouco mais de 100 destes elementos, como que uma proteína representa uma seqüência ou
por exemplo, o hidrogênio, carbono, nitrogênio e cadeia de aminoácidos.
oxigênio. Nucleotídeos: moléculas químicas compostas
Átomo: menor unidade em que se apresenta por um grupo fosfato, um açúcar e uma base ni-
um elemento químico e mesmo assim, guardan- trogenada e participam da formação de macromo-
do-se todas as suas propriedades. léculas denominadas de ácidos nucléicos como o
Composto químico: termo que representa a DNA e o RNA. Uma seqüência de nucleotídeos
conjunção de vários átomos para formar uma de- forma o DNA. Segmentos desta seqüência que re-
terminada substância ou material. presentem uma informação completa recebem a
Molécula: são as unidades de um composto denominação de gene.
químico. Por exemplo: a água possui várias molé- Ácidos Nucléicos: são macromoléculas forma-
culas de H2O. A molécula H2O apresenta a me- das por várias moléculas de nucleotídeos que pos-
nor quantidade possível de átomos que mantém e suem basicamente um grupo fosfato, um açúcar e
contém as propriedades do composto químico. uma base nitrogenada. Quando o ácido nucléico
Macromolécula: os átomos e as moléculas po- apresenta um açúcar desoxirribose recebe o nome
dem ser grandes ou pequenos; isto é muito vari- de ácido desoxirribonucléico ou DNA. Quando o
ável. Uma molécula pequena pode ser exempli- açúcar for do tipo ribose, teremos o ácido ribonu-
ficada pelos açucares, sais, aminoácidos e ácidos cléico ou RNA.
graxos. As moléculas muito grandes são generi- Os ácidos nucléicos representam a “memória”,
camente denominadas de macromoléculas e são ou os arquivos, ou as fichas com informações ar-
representadas pelas proteínas e ácidos nucléicos. mazenadas na célula, especialmente no seu nú-
Outras macromoléculas importantes para a vida cleo. O DNA representa as máquinas dos com-
são os carboidratos e os lipídeos putadores e sua memória central, apresenta-se
Proteínas: são macromoléculas constituídas organizado em forma de cromossomos. O RNA
por numerosas moléculas de aminoácidos. Inva- representa os CD-ROMs ou os disquetes com as
riavelmente o aminoácido possui um átomo de informações ou ordens a serem lidas e obedecidas
carbono ligado ao um grupo amina, um grupo hi- pelas estruturas das células. Os ácidos nucléicos
droxila e um átomo de hidrogênio. Quando uma repassam a informação e as proteínas estruturais e
proteína possui apenas alguns aminoácidos pode enzimáticas obedecem, pois já foram comparadas
ser chamada de peptídeo: di, tri ou polipeptídeo. anteriormente no texto a trabalhadores operários.

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Por isto o RNA transita intensamente entre o nú- Os ácidos nucléicos por si só não apresentam a
cleo e o citoplasma. O DNA guarda a informação capacidade de iniciar um processo de síntese pro-
no núcleo e o RNA a transporta e repassa às pro- téica. Requer-se um sinal externo ou interno, uma
teínas celulares para a execução. mensagem como, por exemplo, um mediador in-
teragindo com um receptor na superfície da célu-
O abc genético la, atuaria como um verdadeiro ouvido ou gatilho
DNA ou ácido desoxirribonucléico: macro- bioquímico.
molécula constituída por vários nucleotídeos, cada Uma vez detectado o sinal, um dos arquivos
um formado por um grupo fosfato, um açúcar de- do DNA, também referido como informação ou
soxirribose e uma base nitrogenada. A base nitro- gene, é copiado pelo RNA como um disquete ou
genada pode ser a Citosina, a Timina, a Adenina, CD-ROM, recebendo o nome de RNA mensagei-
ou a Guanina. A informação ou memória gênica é ro. Para isto ocorrer, a fita dupla de DNA deve se
determinada pela presença das bases nitrogenadas. abrir e o RNA mensageiro maduro levará a infor-
O grupo fosfato e o açúcar possuem apenas fun- mação recebida para o citoplasma. No ribossomo,
ções estruturais na molécula. o RNA mensageiro se acopla e quando a mensa-
Fragmentos de DNA de uma espécie podem gem é repassada, a proteína estará sendo formada
se integrar ao DNA de outra espécie e quando com a participação ativa do RNA ribossômico.
isto ocorre obteve-se um DNA recombinante. Algumas moléculas de RNA no citoplasma, pre-
Um exemplo desta situação pode ser os genes viamente codificados, transportam os aminoácidos
humanos incorporados em bactérias ou células corretos para os ribossomos, contribuindo e mui-
animais visando à produção de proteínas com to para a síntese final sendo denominado de RNA
finalidades de pesquisa, terapêutica e industrial. transportador.
Os produtos recebem seu nome clássico mais Cromossomo: representa uma cadeia dupla de
o adjetivo recombinante quando assim obtidos DNA enrolada em proteínas nucleares denomina-
como, por exemplo, a BMP recombinante (bone das de histonas e associadas também a outras pro-
morphogenetic protein). teínas. As células apresentam 23 pares diferentes
O DNA apresenta-se na sua maior parte no de cromossomos; todo o DNA de nossas células
interior núcleo celular, mas também está presen- quando estirado percorreria um trajeto 50.000 ve-
te nos mitocôndrias na forma de um cromossomo zes igual a distância entre a Lua e a Terra. Para eco-
circular com 37 genes, sendo geralmente mencio- nomizar espaço, a natureza enrolou-os em forma
nado com a sigla mtDNA ou DNA mitocondrial. de cromossomos, verdadeiros novelos de DNA.
A transmissão do genoma mitocondrial é realiza- Quando a fita ou filamento duplo de DNA está
da exclusivamente pelo óvulo, sem a participação ativo ou se duplicando, ou sendo copiado, a mo-
do espermatozóide. Todos os homens e mulheres lécula apresenta a forma linear, mas quando isto
apresentam genoma mitocondrial de exclusiva- não está acontecendo o DNA e as proteínas se
mente origem materna. organizam e assumem uma forma de X e em um
RNA ou ácido ribonucléico: macromolécula cromossomo especial a forma de Y. Os cromosso-
constituída por vários nucleotídeos, cada um for- mos na forma de X geralmente possuem dois bra-
mado por um grupo fosfato, um açúcar ribose e ços superiores menores identificados pela letra “p”
uma base nitrogenada. A base nitrogenada pode derivada do francês “petit” e dois braços inferiores
ser a Citosina, ou Uracila, ou Adenina, ou Guani- maiores identificados por “q”, a letra seqüencial ao
na. A Timina é exclusiva do DNA e a Uracila do p no alfabeto.
RNA. Por analogia, podemos dizer que os cromos-

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Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

somos são os armários ou os computadores onde evolução da espécie, abrindo novas perspectivas
estão guardados as informações ou os arquivos de- de uma vida melhor para o homem.
nominados de genes. Genético: adjetivo utilizado para qualificar o
Gene: representa uma seqüência de nucleo- que é relacionado aos genes. Os genes são informa-
tídeos no DNA contendo uma informação com- ções que controlam diretamente a grande maioria
pleta, ou um arquivo completo, capaz de fazer a das funções celulares. Um exemplo, a difusão de
célula sintetizar algo ou realizar uma determinada substâncias pela membrana entrando ou saindo da
função15. Este segmento de DNA, seqüência de célula decorre de gradientes de concentração de
nucleotídeos ou arquivo pode ser maior ou menor, alguns elementos químicos e não dos genes. Por
ou seja, há genes pequenos e grandes. Um gene outro lado, a síntese dos componentes da mem-
pode regular parte de uma estrutura e outro gene brana e o metabolismo que consome as substân-
a outra parte desta mesma estrutura, ou seja, os cias são geneticamente regulados. Logo, pode-se
genes podem atuar em um mesmo processo. afirmar que os genes indiretamente controlam
Os genes estão seqüencialmente localizados no a difusão de substâncias pela membrana celular.
DNA, ou melhor, compõem o DNA e juntamente Mas ao se referir ao fenômeno da permeabilidade
com as proteínas nucleares formam os cromosso- da membrana celular não se afirma que o mesmo
mos. Em cada um dos pares de cromossomo temos é genético ou possui natureza genética.
genes diferentes. O lugar onde o gene se encontra Um exemplo clínico: o tamanho da maxila
na molécula do DNA também é referido como pode ser definido geneticamente, mas o seu cres-
lócus gênico. cimento e o tamanho final pode ser influenciado
A nomenclatura do lócus gênico, ou endereço pela relação com os demais ossos, com os dentes,
do gene é importante e segue as seguintes regras hábitos e vícios, enfim fatores ambientais. Logo,
convencionadas internacionalmente: 1º a letra D não podemos afirmar categoricamente que uma
de DNA; 2º a designação do número ou letra do maxila pequena decorre de fatores apenas genéti-
cromossomo; 3º grau de complexidade da seqüên- cos ou apresente natureza hereditária. Da mesma
cia do DNA no local: S= simples, Z= altamente re- forma, ocorre com o tamanho e o formato das ra-
petida e F= seqüências semelhantes entre genes; e ízes dentárias. Reserva-se o termo genético para
4º a ordem de descrição do gene. Desta forma, um uma relação direta de efeito do gene sobre deter-
exemplo seria: D7S122 ou gene no cromossomo minado fenômeno ou estrutura.
7, de seqüência simples e descrito pela 122ª vez. Outro exemplo: a criança nasceu com os pezi-
Genoma: conjunto de genes de uma célula, nhos tortos, pois o feto permaneceu, por algumas
indivíduo ou espécie. Uma célula gameta possui semanas, mal posicionado. A alteração ocorreu por
uma cópia do genoma, pois apresenta 23 cromos- fatores físicos, sem qualquer conotação genética.
somos, enquanto que as células somáticas normais A produção de dentina, esmalte, cemento
possuem duas cópias do genoma, pois seus núcle- ou de osso depende da síntese de proteínas que
os apresentam 23 pares de cromossomos. compõem estes tecidos e isto é geneticamente de-
O Projeto Genoma Humano visa obter a iden- terminado. Há genes específicos para a produção
tificação e a localização de todos os genes humanos destas proteínas teciduais, logo a produção destes
com a finalidade de desvendar a etiopatogenia das tecidos é de natureza genética.
doenças, propiciar diagnósticos precoces, sinteti- Hereditariedade: fenômeno pelo qual os genes
zar produtos com finalidade terapêutica, corrigir e as características dos pais são transmitidos aos
alterações genéticas e cromossomais em futuros filhos. Esta transmissão gênica ocorre com a fusão
portadores de anomalias e tumores e conhecer a dos gametas logo após a fecundação. Os gametas

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são representados pelo óvulo e pelo espermato- com freqüência, é utilizado como sinônimo de
zóide. Durante a fusão, os 23 cromossomos do pai hereditário e genético. Congênito é um adjetivo
e 23 da mãe passam a fazer parte do núcleo de aplicado a uma morfologia, fenômeno ou doença
uma célula humana. Os 10 trilhões de células que que apareceu ou se manifestou no momento do
possuímos no corpo humano derivaram de uma nascimento; literalmente significa “nascido com”.
única célula e apresentam exatamente o mesmo Muitas alterações não são genéticas e nem he-
conteúdo cromossômico e genético. reditárias, como por exemplo, os pezinhos tortos
Muitos genes são recebidos dos pais pelos fi- nos recém nascidos em geral decorrem da falta de
lhos, mas não se tornam ativos durante a vida, espaço intrauterino ou mal posicionamento do
podendo ser repassados para futuras gerações feto. Eles ocorreram por fatores ambientais in-
quando podem ou não manifestar determinadas trauterinos e apareceram ou foram detectados no
características peculiares e diferentes dos pais, mas momento do nascimento, logo são congênitos.
encontrados em gerações anteriores. Algumas alterações genéticas e ou hereditárias
Hereditário: adjetivo utilizado para qualificar podem aparecer no momento do nascimento e
as características gênicas e fenotípicas de um in- por isso podem ser também chamadas de congê-
divíduo e transmitidas dos pais para os filhos. Esta nitas, mas muitas alterações genéticas e ou heredi-
transmissão ocorre por meio dos gametas, durante tárias, manifestam-se mais tardiamente e não no
a fusão do óvulo com o espermatozóide. Como momento do nascimento.
exemplo podemos mencionar a cor dos olhos, o Mutação: corresponde a um erro na seqüência
tipo de cabelo, a forma e o número dos dentes. das bases nitrogenadas C, T, G e A do DNA duran-
Um exemplo importante pode reforçar alguns te a mitose; pode ser um único erro em uma única
conceitos. Durante a vida intrauterina o embrião base nitrogenada. Em média pode-se afirmar que
ou o feto pode ser submetido à ação de carências um ser humano possui 10 trilhões de células em
nutricionais, medicamentos, álcool e radiações constante proliferação. São milhões de divisões ce-
provocando mudanças em alguns genes, deletan- lulares a cada momento. A cada divisão celular, a
do-os ou impedindo sua manifestação plena nos fita dupla de DNA de cada cromossomo se abre e
órgãos e tecidos em formação. A criança nasce cada uma é copiada de forma complementar. Em
com defeitos, mas os seus gametas estão íntegros e outras palavras, cada uma das 3 milhões de bases
seus filhos não recebem nenhum gene defeituoso nitrogenadas C, T, G e A específicas e seqüencial-
e seus tecidos e órgãos serão normais. Esta altera- mente organizadas são copiadas a cada mitose ce-
ção na criança possui natureza genética, mas não lular humana. A possibilidade de erro existe e cada
hereditária. erro corrigido por um sistema de reparo do DNA,
O termo hereditário possui obrigatoriamente um conjunto de eventos que corrige ou leva a cé-
relação com transmissão gênica dos pais para os lula defeituosa à morte, um verdadeiro sistema de
filhos; às vezes certos genes não se manifestam controle de qualidade, mas que pode falhar7.
fenotipicamente, mas estão presentes no DNA e Uma única base trocada implica em uma mu-
podem determinar fenótipos em outras gerações. dança na informação que o gene será repassada
A anodontia parcial do incisivo permanente no funcionamento da célula. Se o gene controlasse
lateral superior decorre de uma alteração genéti- a produção de colágeno, por exemplo, e a célula
ca, geralmente transmitida hereditariamente. Esta sobrevivesse com o erro, isto incorreria na produ-
característica é transmitida durante a fusão dos ga- ção de colágeno defeituoso ou ausente. Ou ainda,
metas no momento da fecundação. a partir desta única célula, um clone defeituoso
Congênito: este termo equivocadamente, e terá início em um determinado local, podendo

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Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

caracterizar a geração de um tumor benigno ou tos possuem os mesmos alelos nos cromossomos
maligno. Isto ocorre quando a célula não foi re- homólogos, logo o seu genótipo e fenótipo são
parada, assumiu uma característica mutante e não iguais. Os indivíduos heterozigotos possuem um
foi destruída pelo sistema de controle de nosso alelo que vai gerar uma função ou característica e
organismo. um outro que não se manifesta, mas está presente;
Ao longo da vida, muitas mutações ocorrem neste caso o indivíduo apresenta um genótipo di-
nas células do organismo, mas em geral não são ferente do seu fenótipo.
transmitidas, pois não afetam os gametas. O en- O termo genótipo representa o conjunto de
velhecimento pode ser atribuído a um grande nú- todos os genes de um indivíduo, ou seja, de todos
mero de mutações acumuladas no tempo. Em caso os alelos, com ou sem manifestação fenotípica. No
de mutações nos gametas estas assumem caráter genótipo estão inclusos genes e alelos sem mani-
hereditário. festação clínica, morfológica ou funcional.
O termo fenótipo designa o conjunto de todas
O abc hereditário as características morfológicas, clínicas, bioquí-
Alelos: os cromossomos estão organizados aos micas, etc, determinadas pelos genes e alelos de
pares (23) e cada unidade do par é referida por manifestação ativa. Muitos genes não interferem
cromossomo homólogo; cada par apresenta os no fenótipo, pois não geraram ou determinam fun-
mesmos genes nos mesmos loci (em latim loci cor- ções ou manifestações morfológicas.
responde ao plural de lócus ou lugar) e na mesma O que faz um gene alelo predominar sobre o
ordem seqüencial. Em outras palavras, para cada outro se relaciona diretamente também com a in-
característica ou função em nossas células apre- teração com os fatores ambientais. Pode-se afirmar
sentam-se dois genes ou pares de genes, cada um que o fenótipo de um indivíduo é igual a soma do
em uma das unidades dos pares de cromossomos seu genótipo com os fatores ambientais.
homólogos. Grosseiramente um cromossomo ho- Dois exemplos são clássicos para esta situação:
mólogo seria a cópia do outro. a fissura labiopalatal e a diabete melito. Os genes
Cada um destes dois genes, responsáveis pela destas doenças podem apresentar-se no genótipo
mesma característica ou função, fixados no mes- do indivíduo durante a sua formação intrauterina
mo local e ordem nos cromossomos homólogos, é ou ao longo da vida respectivamente, mas a mani-
denominado de alelo. festação clínica das alterações ocorre quando hou-
Exemplificando: se em um determinado par de ver interação com certos fatores ambientais.
cromossomos homólogos o gene do cromossomo Genes Dominantes e Recessivos: os genes
originário do pai pode ser identificado como A1 e alelos podem ser iguais ou diferentes, ou melhor,
no gene do cromossomo originário da mãe tam- homozigotos ou heterozigotos. Quando os ale-
bém pode ser identificado como A1, ambos são los são diferentes, o alelo cuja característica fe-
iguais na seqüência das bases, no local e na ordem notípica o indivíduo assumiu é denominado de
cromossômica. Neste caso os alelos são iguais e o alelo dominante. Quando um alelo requer para
indivíduo classificado como homozigoto para este a sua manifestação que os alelos sejam iguais em
gene. Caso no mesmo lócus, os genes nos cromos- ambos cromossomos homólogos, pode-se iden-
somos homólogos não sejam idênticos, sendo que tificá-lo como alelo recessivo. Quando os alelos
em um dos cromossomos herdou o gene do pai são diferentes e mesmo assim as características
B1 e no outro herdou o gene B2 da mãe pode-se resultantes no fenótipo corresponderem a ambos,
afirmar que o indivíduo é heterozigoto. verificamos neste caso alelos denominados de co-
Genótipo e Fenótipo: indivíduos homozigo- dominantes.

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CONSOLARO, A.; cONSOLARO, R. b.; mARTINS-ORTIZ, M. F.; FREITAS, P. Z.

Classificação das situações clínicas ças monogênicas ligadas ao cromossomo X.


e doenças humanas com base nos As doenças monogênicas também são classi-
princípios da genética ficadas como dominantes ou recessivas. Quando
As doenças por carência nutricional e as do- dominantes a sua manifestação ocorre em indi-
enças infecciosas são propiciadas pelas péssimas víduos heterozigotos, mesmo quando apenas um
condições de vida. Elas existem em função da falta dos alelos está afetado. Neste caso, quando um in-
de dignidade dos que mais possuem para dividir divíduo heterozigoto possui um alelo modificado,
e não o fazem, perpetuando situações. Colocam ao ter um filho com uma pessoa normal, este terá
em cheque se a verdadeira racionalidade da na- 50% de chance de apresentar a alteração.
tureza humana fundamenta-se nos princípios da Quando recessivas, requer-se que ambos os
fraternidade e da solidariedade ou simplesmente alelos sejam modificados para se manifestarem cli-
no instinto de sobreviver, sem se importar com o nicamente no fenótipo. Neste caso requer-se que
próximo, um comportamento típico dos animais. dois heterozigotos normais com alelos modifica-
Em sociedades em que as doenças carenciais e dos recessivos transmitam-nos ao filho e sua chan-
infecciosas são eliminadas, os problemas de saúde ce de apresentar esta condição em seu genótipo e
se fundamentam cada vez mais na genética, espe-
cialmente na compreensão da ação combinada dos
genes com os fatores ambientais, ora predominan-
do uma ou outra situação. "" BB
Nas mais diversas especialidades médicas e
odontológicas, as implicações dos conhecimentos
genéticos indicam que nenhum profissional clíni-
"B
co com pret ensões de exercer sua atividade com "B "B "B "B

consciência e responsabilidade pode estar à parte


desta verdadeira revolução de conhecimentos, que
a genética propiciou nas duas últimas décadas2,12. BB BB "B
As doenças podem classificar-se considerando
os princípios da genética em:
Doenças ou situações monogênicas ou mende-
BB BB
lianas: são produzidas por alteração em um único BB

par de genes podendo afetar apenas um dos alelos


nos casos dos indivíduos homozigotos ou os dois (OMEMDEOLHOSAZUIS RECESSIVOBB
alelos no caso dos heterozigotos. A causa para isto
é uma mutação em um gene específico. Estas do- -ULHERDEOLHOSAZUIS RECESSIVOBB

enças ou situações apresentam um padrão claro de


-ULHERDEOLHOSCASTANHOS DOMINANTE""
transmissão de uma geração para outra e demons-
trável nos heredogramas. A hemofilia, talassemia e
-ULHERDEOLHOSCASTANHOS HÓBRIDO"B
anemia falciforme são exemplos de doenças mo-
nogênicas. (OMEMDEOLHOSCASTANHOS DOMINANTE""
Quando os genes alterados apresentam-se nos
cromossomos não sexuais, as doenças monogêni- (OMEMDEOLHOSCASTANHOS HÓBRIDO"B
cas são classificadas como autossômicas e quando
Figura 7 - Exemplo de heredograma em 4 gerações de uma família quanto à
estão no cromossomo X são referidas como doen- transmissão hereditária da cor dos olhos.

R Dental Press Ortodon Ortop Facial 89 Maringá, v. 9, n. 2, p. 79-94, mar./abr. 2004


Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

fenótipo é de 25%. Estas doenças são raras, pois 21 ou síndrome de Down é um exemplo clássico.
a probabilidade de casamentos entre heterozigo- Doenças genéticas das células somáticas: são
tos normais com os alelos modificados recessivos caracterizadas pela modificação genética em cé-
é pequena e por isso estas doenças ocorrem mais lulas somáticas de indivíduos normais ao nasci-
em casamentos consangüíneos. mento. As células somáticas são todas as células
O padrão de herança de situações ou doenças do organismo com exceção dos gametas. Radia-
monogênicas ou mendelianas pode facilmente ser ções, vírus, substâncias químicas podem mudar o
indicado por heredogramas classicamente estabe- genoma de células somáticas gerando neoplasias
lecidos por meio de um levantamento cuidadoso malignas, envelhecimento precoce ou defeito fun-
da história familiar do paciente e com os dados cionais bioquímicos. Estas doenças não têm como
detalhados sobre os pais, avós, irmãos, tios e pri- ser transmitidas aos filhos, pois os gametas não se
mos. encontram alterados. Entretanto, não deixam de
A manifestação clínica de um gene autossô- apresentar natureza genética, embora não sejam
mico dominante nem sempre ocorre e neste caso hereditárias.
afirma-se que o gene não teve penetrância, mas
pode transmitir o gene para sua prole. Ainda, o Requisito principal para a reabsor-
gene pode nos vários irmãos manifestar-se de for- ção dentária: eliminação dos cemen-
ma variada clinicamente em função da intensidade toblastos
das modificações determinadas e esta característi- Para a ocorrência da reabsorção dentária ra-
ca apresentada por certos genes é referida como dicular externa são necessários alguns requisitos
expressividade variável. básicos listados a seguir:
Doenças ou situações multifatoriais: requerem • Os cementoblastos devem ser eliminados da
para sua manifestação a interação de genes e de fa- superfície da raiz dentária;
tores ambientais quando não necessariamente de • Para que a raiz dentária seja exposta a outras
um erro genético específico. Entre os fatores am- células, os cementoblastos são removidos por ação
bientais encontra-se o cigarro, álcool, drogas, dieta direta ou local em forma de algum agente físico
e estresse emocional; estes mesmos fatores, por como forças, instrumentação cirúrgica, calor, ou
exemplo, estão relacionados com a etiopatogenia algum agente biológico, como toxinas e enzimas
das fissuras labiopalatinas. Outros exemplos são a bacterianas, ou algum agente químico, como cla-
epilepsia, a diabete melito, as doenças coronaria- readores dentários em certas situações especiais;
nas, a asma brônquica e a esquizofrenia. Os fatores • Os clastos, osteoblastos e macrófagos junta-
ambientais atuam paralelamente aos genéticos3. mente com os inúmeros mediadores das reabsor-
Doenças cromossômicas: ocorrem por defeitos ções ósseas apenas atuam na superfície da raiz se
nos cromossomos; em partes do cromossomo, em houver eliminação dos cementoblastos, mesmo
um dos braços, ou em cromossomos inteiros defei- que os clastos estejam próximos ou em grande
tuosos, ausentes ou triplicados. Nestes casos, mui- quantidade;
tos genes estão ausentes, defeituosos ou em núme- • Os cementoblastos são surdos aos media-
ro equivocado e o quadro clínico é grave, quando dores da reabsorção óssea ou dentária, não rece-
compatível com a vida, pois na maioria dos casos bendo assim suas ordens ou mensagens; eles não
esta compatibilidade não existe. São as referidas apresentam receptores de superfície. Algo precisa
doenças e síndromes por defeitos no número ou eliminar os cementoblastos do local física, biológi-
na estrutura cromossômica, sem uma conotação ca ou quimicamente;
genética específica propriamente dita. A trissomia • Se faltar ou diminuir um ou outro mediador

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CONSOLARO, A.; cONSOLARO, R. b.; mARTINS-ORTIZ, M. F.; FREITAS, P. Z.

da reabsorção óssea ocorre uma compensação, pois uma doença é de origem genética ou tem, pelo
os demais mediadores são numerosos em quanti- menos, uma forte influência dos genes é muito
dade e variedade, não existe apenas um mediador mais complicada do que pode parecer. O fato de
da reabsorção, mesmo que seja um dos vários tipos uma doença manifestar-se em vários membros
de interleucinas. de uma mesma família não é prova suficiente de
• Não se conhece nenhuma doença em que o que ela é genética. Pode ser que esta família esteja
paciente apresente receptores aos mediadores da exposta aos mesmos fatores desfavoráveis do am-
reabsorção dentária e óssea, quer seja adquirida, biente, como agentes infecciosos ou maus hábitos
ou geneticamente determinada. alimentares”. Podemos acrescentar que quando
• Não existe nenhuma doença sistêmica em irmãos têm reabsorções dentárias parecidas em
que se tenha estabelecido ou cuja característica sua morfologia e severidade isto pode estar rela-
principal seja a eliminação dos cementoblastos cionado à forma e tamanho das raízes, tipo de má
das raízes dentárias, logo não é possível atribuir oclusão, técnica ortodôntica realizada, morfologia
a influência de fatores sistêmicos às reabsorções, facial, etc. Mas, de imediato, e equivocadamente,
pois para isto seria necessária a remoção, de algu- procura-se atribuir estas reabsorções a fatores ge-
ma forma, dos cementoblastos da raiz dentária. néticos ou a predisposição individual, expressões
muito vagas em um contexto verdadeiramente
Os conceitos abordados e suas im- científico.
plicações na etiopatogenia das reab- Se debruçarmos em cada conceito genético,
sorções dentárias na prática clínica não conseguiremos encontrar uma explicação para
ortodôntica a chamada “predisposição individual” ou “predis-
Há uma quantidade muito grande de fato- posição familiar” ou “fator predisponente indivi-
res ambientais envolvidos na etiopatogenia das dual” para as reabsorções dentárias em tratamento
reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntico.
ortodôntica como: tipo de má oclusão, tipo e ex- Não há estudos com grupo controle ou me-
tensão do movimento dentário induzido, forma e todologia adequada que permita, por menor que
cumprimento da raiz, intensidade e distribuição seja, a suspeita de uma possibilidade genética
da força, densidade e altura do osso alveolar, tipo para os casos de reabsorção dentária, e mais espe-
de mecânica aplicada, história dentária anterior cificamente ainda, às induzidas pelo movimento
como bruxismo, traumatismo dentário prévio, le- ortodôntico. Alguns poucos estudos procuraram
sões periapicais, doença periodontal, onicofagia e abordar a relação entre genética, hereditariedade
outros vícios. e reabsorções dentárias em movimentação orto-
Para resgatarmos alguma possibilidade da rea- dôntica, mas os próprios autores reconhecem as
bsorção dentária em tratamentos ortodônticos ter grandes limitações de sua amostra e metodologia
uma origem genética têm-se que eliminar todas utilizada1,10,16.
estas variáveis citadas anteriormente e intima- Deve-se ressaltar que todos mediadores sinteti-
mente relacionadas com as suas causas. Deve-se zados e liberados nas áreas de reabsorção dentária,
ressaltar que não podemos nos fundamentar em as células que executam a reabsorção, as enzimas
opiniões, teorias, experiências pessoais empirica- liberadas, enfim todo o fenômeno é determinado
mente analisadas e relatadas ou em dogmas classi- por genes que comandam a função celular, mas a
camente estabelecidos. ocorrência do fenômeno não é desencadeada por
Uma observação muito importante foi feita um gene específico voltado para as reabsorções
por Farah6: “Na prática, a determinação de que dentárias. Praticamente todas as funções celulares

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Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

e teciduais do organismo são geneticamente de- com estas características morfológicas não possui
terminadas. E, uma vez resgatados os conceitos genes, ou células, ou moléculas, programadas em
anteriormente relacionados neste artigo, o fato de seu DNA para desencadear o fenômeno tecidual
ser genético, não necessariamente confere uma da reabsorção radicular.
conotação hereditária ao fenômeno da reabsorção A reabsorção radicular na movimentação or-
dentária durante a movimentação ortodôntica. todôntica ocorre em função da atuação das for-
Muito menos ainda dá uma conotação de predis- ças sobre o ligamento periodontal, eliminando os
posição individual ou genética. A natureza genéti- cementoblastos da superfície radicular, em maior
ca de uma doença ou situação não necessariamen- ou menor extensão. A morfologia referida detec-
te lhe confere automaticamente a característica de tada permite sim estabelecer uma previsibilidade
hereditariedade. de que reabsorções radiculares podem ocorrer no
Para aproximarmos um pouco mais as reabsor- paciente portador. O conceito de previsibilidade
ções dentárias da genética podemos relacionar a alarga os horizontes do tratamento ortodôntico
forma da raiz dentária, a forma da crista óssea e a em relação às reabsorções radiculares quanto ao
morfologia dos maxilares a uma melhor distribui- controle, prognóstico e segurança na abordagem
ção de forças durante a movimentação ortodôn- do paciente durante o planejamento do trata-
tica. mento.
Os dentes com raízes triangulares tendem Alguns dados dos trabalhos analisados se re-
concentrar as forças no terço apical e lesar mais velaram extremamente frágeis e resumidamente
freqüentemente a camada de cementoblastos, que pode-se destacar 3 deles: a) o gene seria respon-
protegem a estrutura dentária da reabsorção. O sável, pois se relacionaria à síntese de um dos
mesmo ocorre em dentes com cristas ósseas al- vários mediadores que atuam nos fenômenos da
veolares retangulares, pois apresentam menor de- reabsorção óssea a partir de seu polimorfismo, b)
flexão e aumentam assim a intensidade da força a distribuição em grupos estabelecidos por meio
sobre o ligamento periodontal8. A forma da raiz de diagnósticos de reabsorção dentária em radio-
dentária e da crista óssea alveolar é fortemente in- grafias panorâmicas e telerradiografias em norma
fluenciada, mas não exclusivamente determinada, lateral (cefalométricas); c) o limite de 2mm de
pela hereditariedade, pois também sofre influên- perda apical em apenas um dente, os demais fo-
cia de fatores ambientais. Esta relação pode ser ram desprezados, pois estatisticamente revelaram-
estabelecida dentro dos seus limites naturais14. Na se insignificantes nos resultados.
formação dos indivíduos, os fatores ambientais são Em uma situação hipotética, vamos descon-
muito importantes e devem ser relevados nos es- siderar todos os equívocos e limitações, a maior
tudos genéticos3. parte apontada pelos próprios autores dos artigos
A forma e o tamanho da raiz e da crista óssea analisados; ainda assim os resultados seriam frágeis
alveolar podem ser determinados radiograficamen- demais para as afirmações encontradas nos títulos
te em películas periapicais. Se o paciente apre- dos trabalhos e em suas conclusões.
senta morfologias compatíveis com uma maior Recentemente duas revistas prestigiosas dedi-
previsibilidade de reabsorção dentária durante a cadas à ciência apresentaram artigos revisando o
movimentação ortodôntica, ainda assim não se papel do DNA no controle das funções e das ca-
pode afirmar que o mesmo apresenta uma pre- racterísticas de nosso organismo. Em novembro de
disposição individual ou predisposição genética, 2003 a revista francesa Sciences et Avenir publi-
pois o termo “pré” indica tendência já estabeleci- cou um dossiê realizado por Jean-Baptiste, Rate11
da, codificada e recebida previamente. O paciente intitulado “O declínio do império do DNA” no

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CONSOLARO, A.; cONSOLARO, R. b.; mARTINS-ORTIZ, M. F.; FREITAS, P. Z.

qual revisaram a existência de DNA silencioso, de valorizando e demonstrando que a afirmação de


RNA interferidor no processo de transmissão ge- que determinada característica é genética e heredi-
nética, de proteínas inibidoras e da influência do tária requer cuidados e metodologias minuciosas,
DNA mitocondrial. Todos estes fatores modificam checadas e interpretadas à luz dos conhecimentos
e estão relacionados à transmissão genética e here- gerais e atuais.
ditária, não apenas como uma função exclusiva do
DNA nuclear. São nominados como fatores epi- Consideração final
genéticos. Na Scientific American, em dezembro A partir destas observações, podemos afirmar:
de 2003, no artigo de Gibbs9 “O genoma oculto, como é bom sabermos que na espécie humana não
além do DNA” abordou também estes aspectos, há populações ou indivíduos predispostos genética
ou hereditariamente às reabsorções dentárias, pois
foi em função desta propriedade que a Ortodon-
tia pôde se estabelecer de forma ampla e irrestrita
entre nós, como uma ciência tão segura.
A respeito da relação que se procura estabele-
cer quanto à natureza hereditária das reabsorções
dentárias em Ortodontia? Voltemos à estaca zero,
ou seja, não há qualquer evidência minimamente
criteriosa de que esta possibilidade exista. Todas as
evidências clínicas e experimentais demonstram
que as reabsorções relacionam-se com fatores am-
bientais locais.

Figura 8 - Monumento denominado “Spirals Time” de Charles Jencks locali-


zado no “Cold Spring Harbor Laboratory” instalado em 2000. Representa uma
forma de reconhecimento da importância do DNA como núcleo de interesse
na ciência para o progresso da humanidade. ( Nature, 23.Jan.2003).

A B
Figura 9 a e B - Representação da permeabilidade do conhecimento sobre o DNA a partir de símbolos e marcas utilizadas por escolas, laboratórios e clínicas. Como
exemplo tem-se um muro de colégio de ensino fundamental cujo símbolo usa as hélices do DNA.

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Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

Genetics and heredity concepts applied to the comprehension of dental


resorptions during orthodontic movement

Abstract
Imagine the world with no telephone or without computers or the Internet. Cyclic outbreaks of new know-
ledge and technology change our way of life and create needs. A current example of such situation is the as-
sumption that a certain phenomenon or disease is genetic or inherited. One must be especially careful avoiding
overstatement. Situations such as the outcomes of clinical procedures, collateral and iatrogenic effects and may
be thought of as genetic, but almost never based on experimental studies. When new knowledge is broadly
widespread and not deeply understood it possesses a temporary magical power of seduction and use. Therefore,
some have tried to implicate the primary cause of dental resorption in orthodontics to genetics and heritabili-
ty11,10,16. Genetics and heritability along with molecular biology consist of the new outbreak of knowledge and
technology mankind is going through, which requires renewing or recycling of concepts. Despite the availabi-
lity of new information, everyday life and survival needs are overlapped and even the most conscious clinician,
perfectly aware of updating in his work, has no time to acquire new concepts from fragmented or multifaceted
literature. For that reason, we have proposed to ground, in a simple and clear way, the elemental concepts of
genetics, heritability, and molecular biology mechanisms. We might sometimes bare academic heresy in favor of
comprehension. For those familiar with the subject some information might seem too basic, however we have
tried to reach the clinician specially related to the orthodontic and facial orthopedic practice.

Key words: Dental Resorption. Root Resorption. Genetics. Heritability. Orthodontic Movement. Induced tooth
movement.

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Tese (Doutorado) - Faculdade de Odontologia de Bauru, resorption. Am J Orthod, St. Louis, v. 67, p. 522-539,
Universidade de São Paulo. 1975.

Endereço para correspondência


Prof. Dr. Alberto Consolaro
Alameda Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75 - Vila Universitária
CEP 17 012 – 901 - Bauru – SP
alberto@fob.usp.br

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