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ABSTRACT: This study aims to analyse the linguistic mechanisms involved in the construction of the humoristic
meaning of “funny sentences” that are in the site Os Vigaristas, especially the ones that are related to marriage,
as well as to reflect about the objective of humour produced by these mechanisms. The study is supported by the
Textual Linguistic theory with a socio-cognitive basis and in considerations by Possenti (1998) and Travaglia
(1992) about the construction of humour.
1. Introdução
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Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/CAr. Docente do Departamento de Línguas e Letras
da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e do Mestrado em Estudos Linguísticos dessa mesma
instituição.
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Mestranda em Estudos Linguísticos pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).
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Anais do IX Encontro do CELSUL
Palhoça, SC, out. 2010
Universidade do Sul de Santa Catarina
A Linguística Textual (doravante LT), ciência que visa a estudar as relações textuais
em suas diversas nuances e intersecções, surgiu a partir da década de 60, no século XX, na
Europa. Posteriormente, seus estudos estenderam-se no campo científico da linguagem, tendo,
inclusive no Brasil, grandes pesquisadores na área. A LT representa um momento em que se
busca superar a abordagem dos fatos da língua a partir de unidades menores, como a palavra,
a frase e o período. Com isso, na primeira etapa de seus estudos, de base estruturalista, a LT
visou ao estudo das relações interfrásticas pertencentes ao sistema gramatical da língua, que
confeririam a duas ou mais sequências de frases o estatuto de texto (KOCH, 2006).
Porém, mais adiante, a partir da segunda metade da década de 70 e nos anos 80, os
linguistas textuais perceberam a necessidade de estender seus estudos para além da
abordagem sintática e semântica. Com isso, o texto passa a ser compreendido como uma
unidade básica de comunicação, um ato interativo, que cumpre uma função determinada, a
desenvolver-se em um contexto sócio-cultural específico. Surgem, então, as abordagens
pragmáticas, que buscam a integrar, de modo sistemático, fatores contextuais na descrição dos
textos (KOCH, 2006).
A partir da década de 90 define-se com notoriedade1 a abordagem textual de caráter
cognitivista, sob a visão de que o texto só é instrumento de ação na medida em que é resultado
de processos que ocorrem na mente dos interlocutores, por meio de modelos mentais de
evento e de contexto, assim como por meio de operações de conceitualização (KOCH, 2006).
Nesse caso, o texto passa a ser uma unidade de sentido construído na interação, a partir da
mobilização de conhecimentos previamente armazenados na memória dos interlocutores. Não
há como falar em texto sem falar de construção de sentidos, assim como não é possível falar
em construção de sentidos sem falar em processos cognitivos acionados por meio dos
mecanismos linguísticos que constituem a superfície do texto.
Em outras palavras, a LT passa a ser considerada “o estudo das operações linguísticas,
discursivas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção e processamento
de textos escritos ou orais em contextos naturais de uso” (MARCUSCHI, 2009, p. 73). E,
dentro dessa concepção, de base sociocognitivista e sociointeracionista, o texto é visto como
“um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”
(BEAUGRANDE, 1997 apud MARCUSCHI, 2009, p. 72). Como afirma Koch (2003, p. 17),
a respeito da significação textual (do texto enquanto unidade de sentido):
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Convém ressaltar que a gênese da LT de base cognitiva deu-se na década de 80, com estudiosos como Dijk e
Kintsch (1994).
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conhecimentos prévios, o que lhes permitem fazer inferências, a partir do que é posto na
superfície linguística, e, com isso, construir o sentido humorístico.
(1) Casamento é como submarino; pode até boiar, mas foi feito para afundar.
(2) Casamento é como carro novo. Demora para amaciar e quando isso acontece começa a
apresentar defeitos.
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(3) Paz e Amor: Paz com os cornos e Amor com a mulher deles.
(6) Minha esposa e eu fomos felizes por vinte anos. Então nos conhecemos.
(7) O marido surpreendeu a mulher e amante no ato com a boca na botija. Só não sabia que
aquilo também se chamava botija.
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(9) O casamento é uma tragédia em dois atos: uma no civil e outra no religioso.
(10) O casamento é a única guerra em que você dorme com o inimigo.
A análise das “frases engraçadas” que versam sobre casamento nos leva a constatar
que a imagem do casamento construída no discurso humorístico é a de uma instituição falida,
fadada ao fracasso, marcada pela incongruência dos princípios que antes regulamentavam o
seu funcionamento. Tendo em vista que o humor tem caráter social, a constituir-se nos
entremeios de uma sociedade, e considerando a atual situação da união matrimonial, em que é
crescente o número de divórcios, percebe-se que a finalidade do humor nessas frases é o
escracho, a exposição do ridículo de uma instituição social, que, embora mantida coerente no
plano discursivo, muitas vezes perde-se nas suas práticas.
A análise mais uma vez demonstra que o texto humorístico e o sentido nele
construído, enquanto atividade interacional, tem objetivo específico, a utilizar, no plano
temático, de representações sociais e modelos institucionalizados. Logo, o discurso
humorístico não só busca provocar o riso, surpreendendo o leitor, mas, também, estereotipa o
homem, trazendo à tona comportamentos que não são admitidos pelas normas sociais
explícitas, mas que são praticados (e até incentivados).
4. Considerações finais
Para finalizar, convém reiterar que o texto só constitui-se como tal no momento exato
da interação, em que os elementos envolvidos na atividade comunicativa são capazes de
construir, para dada manifestação linguística, um sentido a partir da conjunção de fatores de
ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional. Portanto, pode-se afirmar que o
sentido não está no texto, mas constrói-se a partir dele, no curso de um momento interativo, a
partir de estratégias de processamento textual. É exatamente o que podemos constatar a partir
da análise das “frases engraçadas” que versam sobre casamento, cuja significação humorística
depende do contexto interacional (no caso, a interação entre os internautas do site Os
Vigaristas) e do conhecimento prévio partilhado pelos interlocutores sobre a união
matrimonial e demais fatos do mundo, que é acionado por processos de ordem cognitiva
através de mecanismos linguísticos mobilizados na superfície textual.
Notamos, nas “frases engraçadas” estudadas, a presença de diversos mecanismos
linguísticos que são utilizados na construção do humor, entre eles a comparação, a paródia, a
metáfora e o jogo de palavras. Além disso, o humor produzido tem por objetivo expor as
discrepâncias existentes entre “discurso / prática” no que tange ao relacionamento conjugal.
Em suma, as frases revelam “ataque ao estabelecido”, de modo a “mostrar outros possíveis
padrões escondidos” (TRAVAGLIA, 1990).
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Referências
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