HONNETH, A. Presentificação histórica: a ideia original de Hegel. In: ______.
Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003, pp. 27-114.
1. Tarefa da filosofia política de Hegel: retirar o caráter de “dever-ser” da ideia
kantiana de autonomia individual e conceber como elemento da realidade social atuante historicamente; Tentativa de mediação entre a doutrina da liberdade dos novos tempos e a compreensão política antiga, moralidade e eticidade; “Hegel defende naquela época a convicção de que resulta de uma luta dos sujeitos pelo reconhecimento recíproco de sua identidade uma pressão intrassocial para o estabelecimento prático e político de instituições garantidoras da liberdade; trata-se da pretensão dos indivíduos ao reconhecimento intersubjetivo de sua identidade, inerente à vida social desde o começo na qualidade de uma tensão moral que volta a impelir para além da respectiva medida institucionalizada de progresso social e, desse modo, conduz pouco a pouco a um estado de liberdade comunicativamente vivida, pelo caminho negativo de um conflito a se repetir de maneira gradativa” (p. 29) A pretensão por reconhecimento é inerente à vida social na condição de uma tensão moral: conflito > estado de liberdade comunicativamente vivido > conflito > …; Elaboração da noção de luta social em Maquiavel e Hobbes (impulsos morais/formação ética do espírito e não autoconservação/distúrbio ou lesão nas relações sociais); 2. Em Hegel, o programa encontra-se apenas esboçado nos escritos de Jena, mas é possível traçar a reconstrução de uma teoria social autônoma; 1802/1803 – Sistema da Eticidade 1803/1804 – Sistema da Filosofia Especulativa (Logic and Metaphysics) 1805/1806 – Filosofia Real de Jena
I. LUTA POR AUTOCONSERVAÇÃO: A FUNDAMENTAÇÃO DA FILOSOFIA
SOCIAL MODERNA 1. Filosofia social moderna: vida social definida como uma luta por autoconservação; Maquiavel: contraposição dos sujeitos individuais e das coletividades políticas em uma concorrência permanente de interesses; Hobbes: teoria do contrato fundamentando a soberania do Estado; De Aristóteles à Idade Média, o homem foi concebido como um ser capaz de se estabelecer em comunidades – alcance de seu verdadeiro desdobramento em uma comunidade ética da polis ou civitas na qual possa realizar sua natureza interna; Determinação social da natureza humana; Ciência política não só como estudo das instituições e das leis adequadas, mas também uma doutrina de uma vida boa e justa [normatividade em Aristóteles]; 2. Nova constituição política e econômica que se configura entre a Baixa Idade Média e o Renascimento conduz a uma perda do sentido normativo de se estudar o comportamento virtuoso; Doutrina política clássica > filosofia social moderna; Maquiavel: concepção da coletividade política como possibilidade de manutenção e ampliação do poder individual (homem egocêntrico) > campo da ação social como luta permanente pela conservação da identidade física; 3. Os 120 anos entre a produção de Maquiavel e Hobbes oferecem mudanças políticas e sociais, mas também a possibilidade de suporte no modelo metodológico das ciências naturais para o segundo; Hobbes: concepção mecânica de uma essência humana como empenho para bem-estar futuro > intensificação do poder na relação com o outro; 4. Natureza como estado fictício entre os homens para Hobbes; Contrato social surge como elemento capaz de findar o conflito permanente entre os homens em relação de temor e desconfiança recíproca; 5. Maquiavel e Hobbes: fim da práxis política é o empecilho do conflito sempre iminente; [filosofia como redução da ação política à ação instrumental – ação racional com respeito a fins –, desde Hobbes em Honneth/desde Bacon em Adorno e Horkheimer] 6. Hegel evitou reduzir a ação política à imposição de poder, embora tenha feito uso do modelo conceitual de Hobbes (concepção de “luta inter-humana” para ação social); [organização social para a luta é concordância nas diversas correntes da filosofia social, o que as distingue é a motivação/finalidade: em Hobbes é o egoísmo que conduz à conservação; em Hegel é a ética que conduz à constituição do espírito]
II. CRIME E ETICIDADE: HEGEL E O ENFOQUE NOVO DA TEORIA DA
INTERSUBJETIVIDADE 1. Retomada do modelo conceitual de luta social entre os homens de Hobbes e Maquiavel com novo contexto teórico: 1) influência da filosofia da unificação de Hölderlin (problematização do caráter individualista da teoria moral de Kant); 2) leitura de Platão e Aristóteles (importância da intersubjetividade); 3) influência da economia inglesa com a concepção de uma sociedade regida pelo mercado com produção e distribuição de bens e a liberdade negativa do direito formal; [questão da liberdade negativa = não ser impedido de agir; não interferência do Estado em questões individuais] Maneiras científicas de tratar o direito natural (1802) = esboço do programa sobre filosofia prática e política 2. Amadurecimento das influências destaca necessidade de rompimento com o atomismo (teoria do direito natural moderno) para fundamentação de uma ciência filosófica da sociedade > primeiro ensaio sobre direito natural; 3. Segundo Hegel, as duas concepções de direito natural incorrem no mesmo erro: concepção do ser do singular como primeiro e supremo/atomismo da existência dos indivíduos isolados como base para a socialização humana; Direito natural empírico (definições fictícias ou antropológicas de natureza humana para projeção de uma organização racional do convívio social) x direito natural formal (definição transcendental de razão prática); Nas teorias do direito natural empírico, os comportamentos naturais são apenas “atos separados de indivíduos isolados” (p. 38) que constituem uma comunidade; Nas teorias do direito natural formal, as ações éticas são resultado de operações racionais – natureza humana é egocêntrica; [noção de natureza humana derivada da economia e do direito natural] No direito natural moderno, comunidade de homens = muitos associados [relação com a crítica à noção de humanidade?]; Comunidade como unidade ética de todos; [noção romântica de comunidade (vínculo de sangue) x noção hegeliana] 4. Filosofia política de Hegel = desenvolvimento de um estado de totalidade ética = “comunidade eticamente integrada de cidadãos livres” (p. 40); Polis como modelo político e institucional; “Nelas [cidades-Estado] ele admira o fato, romanticamente glorificado, de os membros da comunidade poderem reconhecer nos costumes praticados em público uma expressão intersubjetiva de sua respectiva particularidade” (p. 40); 5. As polis expressavam os traços gerais de uma coletividade ideal, onde quase é possível representar uma totalidade ética = unidade viva, com liberdade universal e individual; Vida pública como “possibilidade de uma realização da liberdade de todos os indivíduos em particular” (p. 41); Integração de liberdade geral e individual por meio dos costumes e usos comunicativos exercidos em coletividade; [em Hegel, a ação comunicativa é expressa pela linguagem e pela interação/Bernstein defende a existência de uma filosofia da ação em Hegel, o que daria margem para uma filosofia da práxis em Marx] Sobre o uso do termo costume (Sitte (p. 41); [comportamentos efetivos = ação/a eticidade não diz respeito nem a moral, nem ao direito, são ações sociais que fornecem o exercício da liberdade, ou seja, costumes voltados para a liberdade que têm a comunicação como medium] Inclusão do sistema de propriedade e direito na teoria da eticidade absoluta, o que não há em Platão e Aristóteles = atividades mediadas pelo mercado e interesses de indivíduos particulares (sociedade civil burguesa) como zona negativa, mas constituinte do todo ético; [mercado como negativo ao todo ético representa uma crítica da sociedade burguesa, assim como a consideração da participação dos escravos (não livres que também produzem, mas não consomem) no mercado compõe uma crítica à polis] [concepção negativa da escravidão, pois aqueles que são explorados se inserem por meio da negação do mercado burguês] 6. Retomada do ideal comunitário de juventude e necessidade de um novo sistema de categorias para explica-lo na filosofia política; “Hegel tem de se perguntar de que maneira devem estar constituídos os meios categoriais com apoio nos quais se pode elucidar filosoficamente a formação de uma organização social que encontraria sua coesão ética no reconhecimento solidário da liberdade individual de todos os cidadãos” (p. 42); 7. Delineamento das propostas que correspondem à necessidade de um novo sistema filosófico = substituição das categorias atomísticas pelas fundamentadas no vínculo social dos sujeitos; [o contrato social é fundamentado numa ideia de que a sociedade é externa aos homens, por isso não serve à compreensão hegeliana, na qual a sociedade é parte integrante dos sujeitos pois é nela que se constituem] Retomada da noção aristotélica de que “o povo é anterior aos indivíduos” e de que na natureza do homem há uma inscrição para as relações de comunidade = “toda teoria filosófica da sociedade tem de partir primeiramente dos vínculos éticos” (p. 43); [citação de Habermas sobre a constituição do sujeito na sociedade] 8. Transição da “eticidade natural” para a vida em sociedade como relação de totalidade ética = para Hegel, não há necessidade de um contrato social, pois as obrigações intersubjetivas são quase naturais; [a eticidade natural já é dada, mas a absoluta é o vir a ser, que acontece de forma negativa, pois representa a superação desta fase anterior] Com influência da ontologia aristotélica, ele postula a necessidade de um processo teleológico de caráter negativo, como um processo de negações que se repetem; [teleologia aristotélica = causa formal, material, eficiente e causal/finalista, da qual todas as explicações decorrem/a práxis seriam a combinação de todas as causas] “Vir-a-ser da eticidade”; [a eticidade natural traz em si a negação de si própria por ter o potencial de se tornar uma eticidade absoluta] “[…] a história do espírito humano é concebida como um processo de universalização conflituosa dos potenciais ‘morais’ já inscritos na eticidade natural na qualidade de ‘algo envolto e não desdobrado’” (p. 44); [influência da teologia oriental na filosofia = concepção da respiração de Brahman (expansão e contração do universo) como fonte inicial = metafísica hegeliana diz respeito a essa concepção, de eventos como desdobramentos de um negativo que já existe, ex.: o trabalho livre tem o trabalho escravo como desdobrado] 9. Como podem se constituir os potenciais não desdobrados da eticidade humana? Que forma social deve possuir o processo de negações que se repetem até alcançar validade universal? 10. Necessidade de descrição dos conteúdos normativos da primeira etapa de socialização = entrelaçamento de socialização e individuação; Reinterpretação da doutrina de reconhecimento de Fichte para resolução dos problemas encontrados e nova leitura do conceito hobbesiano de ‘luta’; NOTA 35: noção de crime como ofensa; 11. Embora Fichte seja considerado como representante do direito natural formal, Hegel retoma sua teoria do reconhecimento no Sistema da Eticidade (1802); Reconhecimento como uma ação recíproca entre indivíduos subjacente à relação jurídica em Fichte = “no apelo recíproco à ação livre e na limitação simultânea da própria esfera de ação a favor do outro, constitui-se entre os sujeitos a consciência comum, que depois alcança validade objetiva na relação jurídica” (p. 46); [a ação jurídica necessita do reconhecimento, mas o contrário não precisa necessariamente ocorrer, ex. direitos não jurídicos] Hegel projeta o processo intersubjetivo do reconhecimento mútuo para as formas comunicativas de vida, avançando no que havia construído até então somente com Aristóteles; [saída do transcendentalismo para a ação recíproca] “[…] as relações éticas de uma sociedade representam para ele as formas de uma intersubjetividade prática na qual o vínculo complementário e, com isso, a comunidade necessária dos sujeitos contrapondo-se entre si são assegurados por um movimento de reconhecimento” (p. 46); Lógica da relação de reconhecimento = “na medida em que se sabe reconhecido por um outro sujeito em algumas de suas capacidades e propriedades e nisso está reconciliado com ele, um sujeito sempre virá a conhecer, ao mesmo tempo, as partes de sua identidade inconfundível e, desse modo, também estará contraposto ao outro novamente como um particular” (p. 47); Avanço de Hegel na teoria de Fichte = a cada relação de reconhecimento, é possível abandonar a etapa de eticidade alcançada de modo conflituoso para alcançar o reconhecimento de uma forma mais exigente de individualidade; Reconhecimento como um processo constante de reconciliação e conflito; [conflito constitui a sociedade, não é o seu oposto, como pensou Hobbes] Retomada de Aristóteles na noção de vida ética com um potencial moral que resulta de uma relação particular entre os sujeitos; Deslocamento de um conceito teleológico para um conceito social de natureza, com a inclusão de uma constante tensão interna; 12. Dinamização do conceito de reconhecimento de Fichte por meio do conflito; Em vez do contrato social para rompimento com um estado de luta por sobrevivência, Hegel concebe a luta como meio moral para estabelecimento de uma relação ética mais madura; Conflito prático entre os sujeitos como momento do movimento ético no interior do contexto social da vida; 13. Escritos de Jena como uma associação de Hobbes e Fichte [e Aristóteles?]; Eticidade natural = “formas elementares de reconhecimento inter-humano” (p. 48); Crime = violação das relações primevas de reconhecimento; Eticidade natural > crime [conflito?] > eticidade pura (integração social); 14. Estabelecimento das primeiras relações sociais como processo de afastamento das determinações naturais que fundamenta a individualidade por meio do reconhecimento recíproco; Exemplo do reconhecimento na relação entre pais e filhos; Nova relação como um processo de universalização jurídica = relações práticas transformadas em pretensões de direitos universais; 15. Exemplo do reconhecimento na troca entre proprietários, na qual o mercado conduz ao mundo jurídico pela constituição de normas; Sujeito ainda não é concebido como totalidade; 16. Questionamento da ausência de conflitos nas fases de eticidade constituídas; 17. Interpretação dos atos destrutivos como constituição de um crime devido à correlação com a forma jurídica; [crime como rompimento da propriedade, seu negativo] Crime resulta da indeterminidade da liberdade meramente jurídica dos sujeitos/inclusão negativa da ação criminosa na sociedade; Crítica à ausência de discussão sobre a motivação dos crimes no Sistema da Eticidade. Em alguns casos, pode-se concluir que é consequência de um reconhecimento incompleto [relação com a reificação]; 18. Diferentes níveis de violência nos diversos atos destrutivos; Não fica claro se as formas elementares de desrespeito são consideradas motivação para as ações destrutivas; Atos de destruição cega não constituem crimes; [crime x destruição cega – privação x deprivação] 19. Exemplo do roubo como crime e sua relação com o reconhecimento jurídico; 20. Explicação da reação de luta como defesa do crime (pessoa x pessoa); 21. Conflito social chega à luta por honra, pois o crime configura uma lesão da integridade do sujeito em seu todo; Relação do ato criminoso com a experiência prévia de não ser reconhecido como uma personalidade individuada; 22. Honra como relação na qual o indivíduo identifica-se positivamente com todas as suas qualidades e peculiaridades, o que é ratificado na forma de aprovação e apoio por meio dos seus parceiros de interação; 23. A explicação hegeliana elimina a possibilidade de se considerar os atos destrutivos como meramente negativos, pelo contrário, eles são responsáveis pela transição entre a eticidade natural e a absoluta; Potencial de aprendizagem prático-moral dos conflitos sociais; Pessoa (eticidade natural) x pessoa inteira (particularidade na eticidade absoluta); Depois da efetivação de crimes diversos, os sujeitos não compõem a sociedade mais como agentes egocêntricos, mas como membros de um todo; [a passagem para eticidade absoluta se dá pura e simplesmente pela ocorrência do conflito?/reconhecimento como ideologia] 24. Só a destruição das formas jurídicas de reconhecimento possibilita a consciência que fundamenta uma comunidade ética [e as demais esferas? – não são necessariamente conscientes, ao contrário da jurídica]; 25. Eticidade absoluta como “fundamento intersubjetivo de uma coletividade futura uma relação específica entre os sujeitos” (p. 58), na qual este intui o outro como a si mesmo – intuição recíproca; Intuição como referência a Schelling diz respeito a uma forma de reconhecimento superior àquele meramente cognitivo = afetividade/solidariedade; Ausência de fundamentação da questão afetiva em Hegel e retorno a uma exposição sobre a relação política da eticidade absoluta; 26. Obscuridades do Sistema de Eticidade: 1) ausência de diferenciação consistente entre as formas de reconhecimento; 2) ausência de crítica ao conceito de crime (consideração meramente construtiva); Não há diferenciação suficiente da influência aristotélica para que se possa distinguir as formas de reconhecimento intersubjetivo, embora haja distinção entre três esferas; Sugestões: relação afetiva da família/ser carente concreto; relação cognitivo-formal do direito/pessoa de direito abstrata; relação de Estado/sujeito socializado;
27. Ausência de conceitos complementares da subjetividade para conferir maior
distinção entre as formas de reconhecimento; 28. Caráter construtivo dos atos criminosos na constituição da formação ética, de constituição da consciência, aponta para a ausência de uma relação consistente entre Hobbes e Fichte; 29. Substituição da orientação filosófica de Aristóteles por um novo sistema referencial em sua filosofia política = substituição da teleologia da natureza por uma teoria filosófica da consciência; [consciência = espírito = identidade entre natureza e razão] Na Filosofia do Espírito (1803-4), Hegel rompe com um ideal de natureza subjacente, com significado ontológico abrangente, tornando-se apenas uma realidade oposta ao espírito. A partir desta mudança, o conceito de eticidade se vê livre para distinções e determinações derivadas do processo de reflexão do espírito; 30. Relação ética do Estado continua sendo o ponto de referência central, a consciência apenas explica as formas de eticidade; “Agora Hegel já não pode mais compreender a via da constituição de uma coletividade política como um processo de desdobramento conflituoso de estruturas elementares de uma eticidade originária e ‘natural’; antes ele precisa entendê-la diretamente como um processo de formação do espírito; esse processo se efetua através da série de mediações próprias dos meios linguagem, instrumento e bem familiar, por cujo emprego a consciência aprende a conceber-se pouco a pouco como uma ‘unidade imediata de singularidade e universalidade’ e, por conseguinte, chega à compreensão de si mesma como uma ‘totalidade’.” (p. 63); Reconhecimento como passo cognitivo de uma consciência já constituída idealmente; 31. No Sistema da Filosofia Especulativa (1803-4), Hegel torna as explicações sobre reconhecimento mais claras; Devido à categoria da consciência, o motivo para o conflito pode ser encontrado no interior do espírito; [filosofia da consciência (monológica, utilizada por Adorno e Horkheimer) x comunicação] “[…] o indivíduo só pode se proporcionar um sentimento de garantia a respeito de ser reconhecido por seu parceiro de interação mediante a experiência da reação prática com que aquele responde a um desafio deliberado, ou mesmo a uma provocação” (p. 64); Conflito como “mecanismo de comunitarização social” (p. 64) que força o reconhecimento recíproco e a constituição de uma consciência universal por meio do cruzamento entre as consciências individuais da totalidade; “Essa consciência que veio a ser ‘absoluta’ fornece finalmente para Hegel […] a base intelectual para uma coletividade futura e ideal: proveniente do reconhecimento recíproco como um médium da universalização social ela constitui o ‘espírito do povo’ e, nesse sentido, também a ‘substância viva’ de seus costumes” (p. 64); 32. Luta por reconhecimento como processo social de aumento da comunitarização/descentramento das formas individuais de consciência tanto em Sistema da Eticidade quanto no Sistema da Filosofia Especulativa; Somente no Sistema da Eticidade a luta por reconhecimento também é médium da individualização/crescimento das capacidades do eu; Formas de interação social/relações éticas > etapas de automediação da consciência; Ao adotar um conceito de consciência, a relação de comunicação não pode ser tomada como algo anterior aos indivíduos; 33. Ação comunicativa > reflexão do espírito; Junto com a reflexão aristotélica, Hegel acaba abandonando também a ideia de uma intersubjetividade prévia da vida humana, fazendo com que a teoria da eticidade perca o caráter de uma história da sociedade; 34. Abandono das alternativas da teoria da comunicação com a fundamentação na teoria da consciência; Retorno intenso da noção de luta por reconhecimento na Filosofia Real de Jena (1805- 6), mesmo que com novos contornos. III. LUTA POR RECONHECIMENTO: A TEORIA SOCIAL DA REALPHILOSOPHIE DE JENA 1. A filosofia da consciência determina a arquitetônica e exposição da Realphilosophie, formando um sistema unitário; Maior clareza dos pressupostos teóricos do conceito de “espírito”, ainda sob influência de Fichte = ser nele o outro de si mesmo (autodiferenciação como ato de movimento em um processo de reflexão); “[…] o que subjaz a todo processo como uma lei de formação sempre igual é aquele duplo movimento de exteriorização e de retorno a si mesmo, em cuja repetição permanente o espírito se realiza passo por passo”; A diferenciação completa do espírito configura o seu alcance ao caráter de “absoluto” de si mesmo; Teoria hegeliana apresenta três partes de uma lógica, de uma filosofia da natureza e de uma filosofia do espírito = exposição do espírito em sua constituição interna, exteriorização na objetividade da natureza e retorno à esfera da subjetividade; 2. Reconfiguração da análise da eticidade e perda de sua centralidade, pois a formação do espírito não pode se abster à construção das relações éticas, adquirindo outras bases como a religião, a arte e a ciência; “A constituição da consciência humana deixa de ser integrada no processo de construção de relações sociais éticas como uma dimensão constitutiva, e, inversamente, as formas de relacionamento social e político dos homens passam a ser etapas de transição no processo de formação da consciência humana que produz os três média de autoconhecimento do espírito” (p. 71); 3. Formação do espírito no interior da consciência humana > forma bem-sucedida de socialização nas relações éticas do Estado; Mudança do significado de “constituição” 4. Eticidade natural > espírito subjetivo x eticidade absoluta > espírito efetivo; Problemática da transição de títulos e conceitos realizada na Enciclopédia; Modelo da luta social por reconhecimento como força motriz do desenvolvimento de uma comunidade ética; 5. Primeira parte da análise filosófica de Hegel: reconstrução do processo de formação do espírito subjetivo (autoexperiência da consciência individual); Quais são as experiencias que um sujeito deve ter para poder conceber a si mesmo como uma pessoa dotada de direitos e poder participar da vida institucionalmente regulada (espírito efetivo); Aspecto cognitivo do processo de formação = intuição, capacidade de representação linguística das coisas, imaginação; Consciência como força negativa e objeto da realidade; O processo de formação ainda encontra-se incompleto por carecer de uma dimensão prática = “uma autoexperiência integral do sujeito, como seria dada com a consciência dos direitos intersubjetivamente vinculantes, só é possível, portanto, sob a condição de que o indivíduo aprenda a conceber-se também como um sujeito das produções práticas” (p. 73) > auto-objetivação e conceito de vontade; Inteligência (teoria) > vontade (prática = experienciar a si mesmo num objeto de ação); 6. Aspecto prático da consciência individual se inicia com uma autoexperiência instrumental do sujeito; Atividade do trabalho como uma cisão do impulso por meio da interrupção da satisfação imediata que suas energias e disciplinas requerem; “[…] no produto da ação instrumental, a inteligência chega justamente à ‘consciência de seu agir’, que permanecera interdita a ela enquanto se referira ao mundo só cognitivamente” (p. 75); Trabalho só ocorre por meio da coação da autodisciplina, é uma experiência de “fazer-se- coisa”, segundo Hegel; 7. O sentido ontológico da expressão “fazer-se-coisa” dá conta da incompletude da experiência instrumental da vontade; 8. Dificuldades na introdução da dimensão intersubjetiva da vontade, como a recaída nas premissas monológicas da filosofia da consciência e a concepção misógina de astúcia; Abstraindo-se a concepção de interação na relação sexual como homem-mulher, é possível ampliar a esfera do espírito subjetivo, contando com a relação sexual como um constituinte; 9. Relação sexual vai além da instrumentalidade do trabalho por meio da reciprocidade do saber-se-no-outro; Sexualidade como a primeira forma de unificação de sujeitos opostos uns aos outros = experiência de reconhecimento que se desenvolve até alcançar o amor real; Hegel utiliza o termo “reconhecimento” pela primeira vez ao falar da relação amorosa, chamada de “o si não cultivado, natural, reconhecido”; 10. Somente na experiência de ser amado o sujeito querente pode se reconhecer como carente e desejante; Ligação imprescindível da formação do sujeito à experiência do reconhecimento intersubjetivo + afirmação da teoria da socialização; “[…] se eu não reconheço meu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa, eu tampouco posso me ver reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de pessoa, já que lhe foram negadas por mim justamente aquelas propriedades e capacidades nas quais eu quis me sentir confirmado por ele” (p. 78); 11. Amor como pressentimento da eticidade – definido negativamente e relacionado a um desenvolvimento bem-sucedido do ego; “A experiência de ser amado constitui para cada sujeito um pressuposto necessário da participação na vida pública de uma coletividade […] sem o sentimento de ser amado, não poderia absolutamente se formar um referente intrapsíquico para a noção associada ao conceito de comunidade ética” (p. 79); Amor pode ser o campo primário para aquisição de uma possibilidade de unificação de sujeitos opostos; 12. Amor, relação institucionalizada do casamento e geração de filhos entre homem/mulher demonstram Hegel como um teórico da clássica família moderna; 13. Relação de amor como uma experiência ainda incompleta do reconhecimento; 14. Apresentação do modelo conceitual de família e contraposição ao modelo hobbesiano de luta; O estado de convivência entre diversas famílias é utilizado como forma de apresentação à relação entre o amor, a economia e o direito; 15. Invocação da doutrina do estado de natureza como introdução de um outro campo de experiência da vontade individual; Demonstração da impossibilidade de intersubjetividade de direitos e deveres em um sistema de concorrência como é o de Hobbes; A realização de um contrato social e de relações jurídicas procede da situação social; 16. Potencial moral ancorado nas relações pré-contratuais de reconhecimento recíproco, nas quais há um consenso normativo mínimo; Ao reconhecer, o si está juridicamente no reconhecimento, não é mais ser-aí. “O homem é necessariamente reconhecido e é necessariamente reconhecente. Esta necessidade é a sua própria, não o nosso pensamento em oposição ao conteúdo. Como reconhecer, ele próprio é o movimento, e esse movimento supera justamente seu estado de natureza: ele é reconhecer” (Hegel, 1969, p. 206 apud Honneth, 2003, p. 86); 17. Pressão para o reconhecimento recíproco como um fato social, o que leva a uma descrição alternativa do estado de natureza; Presença de autolimitação individual e forma ainda implícita de consciência de direito na passagem prática para o contrato social, constituída em uma relação jurídica intersubjetivamente partilhada; 18. Processo conflituoso que inicia o estado de natureza é abordado de forma distinta da interpretação de Hobbes: tomada de posse de uma família não é interpretada como um sentimento de medo de ameaça à autoconservação, mas como a percepção de ser ignorado pelo defrontante social – o que leva a uma tentativa de conhecer ao outro; Reação destrutiva como tentativa de recuperação da atenção do outro; 19. O ato de destruição, por outro lado, é tomado como um transtorno normativo que conduz à percepção do outro, rompendo com sua visão egocêntrica; 20. Relação entre os defrontantes é de conflito, demonstrando a dependência social de ambas as partes; 21. Impossibilidade de compreender os sujeitos isolados uns dos outros por meio do exemplo do conflito = reconhecimento mútuo na orientação para a ação; 22. A aceitação reciproca do parceiro de interação é um acordo implícito que no estado de natureza se antepõe ao conflito; 23. Destaque para a relação de desigualdade entre os opositores, na qual há tentativa de comprovação da incondicionalidade moral de sua vontade e de que a parte defrontante é digna de reconhecimento; 24. Posição de destaque à luta de vida e morte, pois a experiência de ameaça de morte marca o aprendizado de conceber a si mesmo como um sujeito dotado de direitos, embora não haja uma descrição melhor desta experiência em Hegel; 25. Andreas Wildt considera que Hegel não fala literalmente de luta de vida e morte, mas de uma metafórica ameaça existencial; Uma vida só tem sentido pleno no contexto de reconhecimento de direitos e deveres; Alexandre Kojève considera que a concepção de luta de vida e morte é uma antecipação da filosofia existencialista = liberdade individual atrelada à certeza de finitude da vida; Em uma interpretação intersubjetivista, a morte a ser considerada não é a do sujeito, mas de seu parceiro de interação = consideração reciproca da vulnerabilidade e da ameaça; 26. “[…] é a experiência social da vulnerabilidade moral do parceiro de interação, e não aquela existencial da mortalidade do outro, o que pode conscientizar os indivíduos daquela cama de relações de reconhecimento prévias cujo núcleo normativo assume na relação jurídica uma forma intersubjetivamente vinculante” (p. 94); 27. A vontade universal só se reproduz por meio da práxis intersubjetiva do reconhecimento recíproco; “[…] a luta por reconhecimento não somente contribui como elemento constitutivo de todo processo de formação para a reprodução do elemento espiritual da sociedade civil como influi também de forma inovadora sobre a configuração interna dela, no sentido de uma pressão normativa para o desenvolvimento do direito” (p. 95); 28. Esfera da sociedade só pode ser constituída pela relação do direito = relação jurídica como base intersubjetiva; Só o reconhecimento mútuo das pretensões legítimas permite a relação social sem conflitos que possibilita a solução cooperativa das tarefas sociais; Sociedade civil como estrutura institucional de formas sempre novas de concretização da relação jurídica; 29. Troca como exemplo de ação recíproca entre sujeitos de direito = “o valor de troca representa […] a corporificação espiritual da concordância entre os sujeitos implicados” (p. 97) 30. Propriedade e troca como condições funcionais do sistema do trabalho social como resultado da integração das relações elementares dos homens com a realidade na relação do reconhecimento jurídico; Inscrição de um saber linguisticamente mediatizado na troca; 31. Relação de contrato amplia o conteúdo material da forma institucionalizada de reconhecimento; Relação contratual x violação de direito; 32. Meios de coerção legítima que ultrapassam a relação de contrato, pois agem sobre a possibilidade de quebra de palavra em relação à interação; 33. Constrangimento jurídico > conflito > relação jurídica; Coerção jurídica conduz a um sentimento de desrespeito, sua sujeição é associada por Hegel à prática de crime; 34. Noção retomada de crime supre a lacuna deixada no Sistema da Eticidade = a motivação para o crime é um ato deliberado de lesão no ser reconhecido; “[…] o que significa que um sujeito deve sentir-se lesado em sua pretensão à realização da própria vontade no instante mesmo em que é legitimamente forçado a cumprir seus deveres contratualmente combinados?” (p. 101); 35. Vontade geral como um processo de concretização gradativa dos conteúdos do reconhecimento jurídico; Crime > provocação moral > diferenciação; Fonte interna do crime; 36. Experimentação de um não reconhecimento social da vontade individual daquele que quebrou com a palavra no processo de coerção jurídica; 37. Provocação do crime e reestruturação institucional do direito (informalidade > Estado; natural > positivo); Pressão normativa da luta por reconhecimento aparece apenas como sugestão; 38. Relação ética do Estado como verdadeiro lugar de reconhecimento da vontade individual para Hegel; 39. Integração da vida social na esfera da eticidade, pois ela só se encontra explicada em sua dimensão institucional; Etapa no processo de formação em que o espírito começa a retornar a seu próprio médium (após a objetividade social); 40. Impossibilidade de se pensar a eticidade numa relação na qual a esfera ética do Estado é apresentada como uma relação intersubjetiva de reconciliação entre os membros da sociedade na forma de um reconhecimento recíproco = “o respeito de cada pessoa pela particularidade biográfica de todo outro formaria de certo modo o fermento habitual dos costumes coletivos de uma sociedade” (p. 108); Em verdade, a eticidade é considerada como autoexteriorização do espírito; 41. “Um conceito de eticidade próprio da teoria do reconhecimento parte da premissa de que a integração social de uma coletividade política só pode ter êxito irrestrito na medida em que lhe correspondem, pelo lado dos membros da sociedade, hábitos culturais que têm a ver com a forma de seu relacionamento recíproco” (p. 108); Conceito de reconhecimento distingue de forma sistemática as formas de interação social, diferentemente do que se vê em Hegel, responsável pelo conceito de eticidade; Estado = “corporificação institucional do ato de reflexão pelo qual o espírito se expõe uma vez mais na etapa da realidade jurídica” (p. 108); Construção da esfera ética = transformação dos elementos da vida social em componentes do Estado = vontade geral constituída somente com base na relação positiva; 42. Formação do Estado por meio do poder tirânico de personalidades dirigentes e carismáticas, não por um conflito intersubjetivo (menção positiva a Maquiavel); Defesa de um Estado que só se reproduz na figura de uma pessoa singular, como na monarquia constitucional; 43. Crítica ao abandono da intersubjetividade no conceito de eticidade; Funções assumidas na coletividade política por meio da relação jurídica = bourgeois (singular) e citoyen (coletivo); 44. Crítica à proposta de constituição monológica da eticidade com a adoção da filosofia da consciência; Construção do mundo social como processo de aprendizagem ético; Ausência da percepção de um sentimento de reconhecimento solidário na teoria hegeliana; 45. Ausência de retorno aos temas desenvolvidos em Jena. Na Fenomenologia do Espírito, a luta por reconhecimento é apenas parte da formação de uma autoconsciência;