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ARTIGO ORIGINAL
com câncer sobre a reinserção escolar
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Freitas NBCF et al.
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As percepções das crianças e adolescentes com câncer sobre a reinserção escolar
Nossas percepções são estruturadas e orga- mente em função do sexo, sendo duas meninas e
nizadas, sendo assim, constituídas a partir das dois meninos, com idades entre nove e treze anos.
nossas experiências prévias e das informações Os sujeitos apresentavam os seguintes tipos de
sociais fornecidas pelo ambiente (família, es- diagnósticos: leucemia, tumor de Wilms e linfo-
cola, etc.). Assim, coletamos e processamos as ma. Com relação à escolaridade, cursavam entre
informações e, a partir disso, construímos os o 3º e 7º ano de Ensino Fundamental.
julgamentos, estereótipos, crenças e mitos12. Adotou-se como critério de inclusão, crianças
A partir das primeiras impressões que se e adolescentes que retornaram à escola ainda
adquire acerca de uma pessoa, se produz uma durante o tratamento e de exclusão aquelas (es)
“teoria acerca de sua personalidade”, as pessoas que apresentavam idade inferior a 7 anos ou
tendem a aceitar com facilidade tudo aquilo que superior a 18 anos e retornaram à escola após o
confirme o que anteriormente se internalizou, tratamento antineoplásico.
e a rejeitar radicalmente qualquer informação As coletas de dados foram realizadas a partir
que contradiz11. de visitas à casa de apoio em diferentes dias e
É o que acontece com o indivíduo que é aco- horários, no período de setembro a novembro
metido por um câncer, os familiares, colegas de de 2013. As entrevistas semiestruturadas eram
classe e professores com base nas informações formadas por questões como: Como foi seu
previamente apreendidas pelo meio social em primeiro dia de aula após iniciar o tratamento?
conjunto com o que eles veem do estado de saúde Já a técnica do Desenho-Estória com Tema,
atual do sujeito criam uma teoria generalizada os participantes faziam um desenho e depois
e repleta de estereótipos acerca da doença. Por desenvolviam um texto a partir do tema: o dia
conta disso, rotulam o sujeito, limitam suas ca- que retornei à escola. Utilizou-se, ainda, um
pacidades e associam o câncer à morte9. questionário com dados sociodemográficos
Conforme a Psicologia Social, as pessoas para caracterização dos sujeitos do estudo. Os
tendem a agir de acordo com as representações participantes demandaram um tempo médio
contidas na sociedade, com isto, agem em função de 15 minutos para responderem a todos os
dessas, reforçando-as, ao invés de refutar. Sendo instrumentos.
assim, formam estereótipos e ideias preconcei- As entrevistas foram gravadas e, posterior-
tuosas e os tornam em verdades absolutas. O mente, transcritas na íntegra, conforme o pro-
presente estudo busca contribuir com a família, cedimento da Análise de Conteúdo Temático13.
a escola e a sociedade, para que saibam acolher Assim, realizou-se leituras minuciosas de cada
e proporcionar qualidade de vida e bem-estar depoimento e das histórias, a fim de dividir e
aos sujeitos portadores de câncer, evitando que agrupar os temas semelhantes e inserir em uni-
desencadeiem problemas de aprendizagem, bai- dades temáticas, formando as subcategorias e,
xa autoestima, depressão, entre outros. Portanto, a partir disso, obter o significado da mensagem.
o objetivo deste artigo é analisar as percepções A amostra foi de conveniência (não-proba-
das crianças e adolescentes com câncer frente bilística, intencional) e como se trata de uma
à reinserção escolar. pesquisa que envolve seres humanos, o projeto
foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética
MÉTODO e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da
O presente estudo pauta-se em um delinea Universidade Federal da Paraíba (CCS/UFPB),
mento transversal, onde se realizou uma pesquisa mediante o parecer nº 445.733, respeitando assim
de campo com metodologia qualitativa. Para sua os aspectos éticos descritos pela Resolução nº
realização, contou com a participação de quatro 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
pacientes oncológicos da Casa da Criança com Em razão de a amostra ser crianças e adoles-
Câncer em João Pessoa (PB), distribuídos igual- centes, sua participação na pesquisa era auto-
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rizada após a assinatura dos pais/responsáveis “Foi muito bom, por causa que eu reen
por meio do Termo de Consentimento Livre e contrei meus amigos e fiz novas amiza
Esclarecido (TCLE). Os participantes eram asse- des (S.2 – 11 anos).”
gurados ao sigilo e anonimato das informações, “[...] eu fui no outro dia do meu aniver
assim, seus nomes foram substituídos pela letra sário, aí eles começaram a cantar para
S seguido da idade (ex: S.1 – 9 anos). béns pra mim, aí todo mundo começou
a chorar (S.3 – 12 anos).”
RESULTADOS E DISCUSSÃO
“Foi muito legal [...] revi meus colegas
As análises das entrevistas resultaram em de novo, revi minha professora (S.4 –
duas subcategorias de sentido, que compreen- 13 anos).”
dem os núcleos figurativos e simbólicos: reinser-
Entretanto, esse grupo ao retornar ao contex-
ção escolar e prática pedagógica do professor.
to escolar também apresenta diversos questiona-
mentos, ansiedade e medo de não conseguirem
Reinserção escolar acompanhar o desempenho de sua turma e não
A escola exerce um papel indispensável para serem aceito pelos seus colegas7. Essas situa-
o desenvolvimento cognitivo e social do sujeito. ções advêm de diversas causas, a exemplo das
O processo de escolarização é percebido pelo modificações físicas:
indivíduo não somente como um espaço de pro “[...] eu tinha vergonha por causa do
dução de conhecimento acadêmico, mas, tam lenço, eu tinha que usar máscara (S.3 –
bém, um lugar significativo da infância14: 12 anos).”
“Eu acho bom estudar e aprender a ler As crianças e adolescentes com câncer sen-
(S.1 – 9 anos).” tem vergonha, tristeza e desconforto por causa
“[...] tava com saudades dos meus amigos das limitações impostas pelo tratamento15. Ade-
e da minha professora (S.2 – 11 anos).” mais, as crianças não ficam contentes quando as
pessoas fazem comentários acerca do seu estado
“[...] [na escola] ia rever tudo que fiz an
de saúde e sobre sua aparência física, pois ao
tigamente, antes, e ia fazer tudo de novo
invés disso, preferem ser recebidos e percebidos
(S.4 – 13).”
como os demais colegas e não como alguém que
Observa-se que a reinserção escolar está as- possui uma doença.
sociada ao retorno ao cotidiano, antes da doença. Diante desse momento de tensão, o apren-
Assim, ao voltarem a sua rotina diária, a exemplo dente pode demonstrar aversão ao ambiente
de ir à escola, os infanto-juvenis oncológicos escolar e à sala de aula, pois se percebe inferior
conseguem elevar a autoestima, estigmatizada aos seus pares, tanto a nível cognitivo como físi-
pela enfermidade. A lém disso, resgatam as ami- co. Consequentemente, o processo de reinserção
zades, além de elaborarem planos para o futuro escolar ao invés de ser percebido como algo
pessoal e profissional9. prazeroso pode vir a ser associado à hostilidade
A reinserção escolar também foi percebida e à desmotivação.
como um lugar de acolhimento, na qual as ami
zades fragilizadas pelo afastamento são resti- Prática Pedagógica do Professor
tuídas, concedendo ao indivíduo com câncer O professor é uma figura importante no pro-
a oportunidade de interagir com seus pares a cesso educativo, pois exerce um papel funda-
partir das atividades escolares e lúdicas, como mental na formação do sujeito, assim, pode-se
também, por meio das trocas de experiências: verificar que as crianças e adolescentes onco-
“[...] eu conheci novos amigos e minha lógicos percebem o professor como uma figura
professora (S.1 – 9 anos).” que transmite apoio e confiança:
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“Conversou, ela falou sobre minha doen física, é bom o dia de aula de informática,
ça, que tivesse cuidado comigo, me aju gosto muito da minha professora, adoro
dasse. [...] ele sempre me ajuda nas coisas meus coleguinhas para brincar, gosto do
(S.2 – 11 anos).” meu diretor e do meu professor de com
“Conversou, explicou que eu tinha que putação (S.1 – 9 anos)”.
usar máscara. [...] eles são legais, eles A partir deste relato, percebe-se que a criança
me entendem, se eu falto aula, eles me expressa um desejo enorme em voltar a fre-
dão atividade (S.3 – 12 anos).” quentar a escola e a conviver com seus colegas,
“Conversou pra ninguém tá com precon professores e demais pessoas. Conforme essa
ceito, que isso podia acontecer com todo história, pode-se identificar duas subcategorias:
mundo (S.4 – 13 anos).” ambiente de aprender e motivação.
As percepções são estruturadas e organiza Na primeira subcategoria “Ambiente de
das a partir das experiências prévias e do estado aprender”, o sujeito percebe a escola como um
motivacional atual. Assim, esses sujeitos pos- ambiente mediador da aprendizagem, assim,
sivelmente já percebiam os professores antes seus desejos são intensificados, especificamen-
da doença de forma positiva e ao se depararem te na aquisição da leitura e escrita. A vontade
novamente, após o período de afastamento, e expressa pelo sujeito pode ser intensificada em
diante das atitudes desses profissionais suas razão das dificuldades escolares comprometidas
percepções foram confirmadas. pelas constantes faltas à escola16.
Na segunda subcategoria “Motivação”, veri-
Resultados referentes aos desenhos-estórias ficou-se que os sujeitos percebem a escola como
com tema um ambiente que oportuniza a motivação, na
As análises dos desenhos-estórias com tema medida em que, proporciona a participação das
serão apresentadas e discutidas individualmen- atividades escolares, interação com os colegas e,
te, e conseguintemente as subcategorias, que simultaneamente, a aquisição do conhecimento.
compreendem os núcleos figurativos e simbó- É importante destacar que os comportamen-
licos (Figura 1). tos e atitudes em relação a outras pessoas ou
objetos são influenciados por diversos fatores, e
A minha escola um dos principais é o tipo de impressão que se
“Estudar é muito bom, a pessoa aprende forma e das disposições que lhes são atribuídas11.
a ler e escrever, é bom o dia de educação Desse modo, quando a escola se constitui um
ambiente acolhedor, estimulante e facilitador
de novas relações e de aprendizagem, a criança
tem a percepção de se ter apoio e um sentimento
de pertença, aspectos que influenciarão no seu
desenvolvimento pessoal e social e o seu bem-
-estar (Figura 2).
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tebol mas eu não posso ser um jogador de ainda mais importantes18. Isso ocorre em decor-
futebol. Eu também queria ser desenhista rência, dos tratamentos intensivos, invasivos que
mas também desisti. Lá na rua meus ami necessitam de longas internações e afastamentos
gos sempre me chamaram para brincar do convívio escolar e muitas vezes da própria
mas eu não podia, eu só podia se fosse família (Figura 3).
dentro de casa. Então eu chamava meu
melhor amigo Crynstian para brincar lá Meu primeiro dia de aula
em casa. Era o amigo que me apoiava e “No meu primeiro dia de aula foi muito
me protegia. (S.2 – 11 anos).” emocionante, pois eu fui um dia depois
A partir desse relato, foram identificadas duas do meu aniversário, aí meus amigos can
subcategorias: modificações e relacionamentos taram parabéns para mim e nós todos
afetivos. Na primeira subcategoria “modifica se emocionamos e foi muito bom meu
ções”, percebe-se que o aprendente enfatiza o primeiro dia de aula. (S.3 – 12 anos).”
quanto o câncer alterou sua rotina e projetos de
O retorno à escola é compreendido como um
vida. À propósito, a criança entende que, mes-
momento especial, repleto de emoções. Assim,
mo frequentando a escola, não poderá realizar
a partir desse relato foi possível identificar duas
algumas atividades que os colegas realizam, a
subcategorias que descrevem a percepção do
exemplo de ser jogador de futebol.
indivíduo acerca do momento da reinserção
Sabe-se que as atividades escolares têm o
escolar: sentimentos e apoio social.
objetivo de desenvolver a aprendizagem e os
Na primeira subcategoria “sentimentos”, foi
relacionamentos sociais. Portanto, apesar de
possível identificar que o sujeito expressa senti-
não poder realizar atividades como a prática
mentos de ansiedade e alegria em poder voltar
de esportes, a escola tem o papel importante de
ao ambiente que julga ser importante para o
oferecer outros recursos. Propiciar atividades
aperfeiçoamento de suas habilidades e atenuar
didáticas e as brincadeiras, incentiva a ter pen-
ou solucionar suas dificuldades.
samentos positivos e a interagir com os seus pa-
res, são algumas estratégias que podem resultar Na segunda subcategoria “apoio social”, foi
progresso, bem-estar e motivação17. possível identificar que após se afastarem da sua
Na segunda subcategoria “relacionamentos rotina diária, os sujeitos que tiveram câncer, ao
afetivos”, identificou-se que as relações sociais ser reinseridos na escola, percebem esse espa-
são imprescindíveis, e quando se refere aqueles ço como um lugar que encontram apoio social,
que tiverem uma doença crônica, elas se tornam contribuindo assim, para o seu bem-estar e de
senvolvimento de fatores positivos (Figura 4).
Figura 2 – Desenho-Estória sobre o primeiro dia de aula Figura 3 – Desenho-Estória sobre o primeiro dia de aula
(S.2 – 11 anos). (S.3 – 12 anos).
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SUMMARY
Perceptions of children and adolescents
with cancer on school reintegration
The aim of this study is to analyze the perceptions that cancer patients
have about school reintegration. For this, we adopted the theory of social
perception, because it guides behavior and, consequently, is influenced due
to the behavior of others. In this study, four cancer patients participated,
between nine and thirteen years of age, residents of cities in the state of
Paraiba. The participants answered an interview with semi-structured,
cartoon-themed story and the socio-demographic questionnaire. The data
was analyzed using Bardin Content Analysis. The results indicated that
the participants perceive the school reintegration as a space that promotes
well-being and motivation, but also a context that enhances the feeling
of distress. From this, it is understandable that there is need to develop
an interdisciplinary work that makes it possible to develop strategies that
enhance the skills of the subject and its adaptation to the school context.
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