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Lev Manovich
A Visualização de Dados como uma Nova Abstração AntiSublime
visualização até recentemente tem sido usada numa escala mais reduzida,
estando confinada a desenhos em 2D e gráficos na seção econômica dos jornais
ou numa ocasional visualização em 3D na televisão para ilustrar a trajetória de
uma estação espacial ou de um míssil.
Eu utilizarei o termo visualização para situações em que dados quantitativos que
pela própria natureza não são visuais – o resultado de sensores metereológicos,
comportamentos de ações na Bolsa de Valores, o conjunto de endereços
descrevendo a trajetória de uma mensagem através de uma rede de
computadores, e assim por diante – são transformados numa representação
visual.
(1). O conceito de mapeamento (mapping) está intimamente relacionado com
visualização, mas faz sentido separá-los. Ao representar todos os dados
utilizando-se o mesmo código numérico, os computadores facilitam o mapeamento
de uma representação em outra: imagem em escala de cinza (grayscale image)
sobre uma superfície 3D, uma onda sonora em uma imagem (pense nos plugs-in
de visualização dos programas de som como o iTunes) e assim por diante. A
visualização então pode ser concebida como de um subconjunto de mapeamento
no qual um conjunto de dados é mapeado numa imagem.
Mapear um conjunto de dados num outro, ou uma mídia em outra, é uma das
operações mais comuns na cultura eletrônica, e é também comum na nova mídia
arte.(1) Provavelmente o primeiro projeto de mapeamento que recebeu muita
atenção e que permanece na interseção da ciência com a arte (porque parece
funcionar bem nos dois contextos) foi “arame vivo”, de Natalie Jeremijenko.
Trabalhando no PARC da Xerox no princípio de 1990, Jeremijenko criou uma
escultura funcional de arame que reage em tempo real ao comportamento da
rede: mais movimento faz com que o fio vibre com mais força. Nos últimos anos,
o mapeamento de dados surgiu como uma das áreas mais importantes e
interessantes das novas mídias, atraindo a energia de algumas das melhores
pessoas do setor. Não é por acaso que em 10 projetos de Arte na Internet,
incluídos na Bienal do Whitney de 2002, cerca da metade apresentou diferentes
tipos de mapeamento: o mapa visual do espaço de endereços da Internet
(Jevbratt), o modelo de navegação em 3D da Terra, em camadas múltiplas
(Klima), outro modelo em 3D ilustrando o algaritmo usado as pesquisas de
genomas (Fry); os diagramas das relações corporativas de poder nos Estados
Unidos (John On & Futurefarmers). 1
1
http://artport.whitney.org/exhibitions/index.shtml.
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uma série de razões. Em primeiro lugar, ele faz conexões explícitas em suas
peças entre as novas idéias da mídia arte e várias tradições, movimentos e figuras
da arte moderna, particularmente Mondrian, Klee, e Sol Levitt. Considerando que
o mundo artístico e a cultura majoritariamente ainda tratam as novas mídias como
um fenômeno em si mesmo, que não tem nenhuma conexão com o passado, as
explorações explícitas e sistemáticas de Simon das ligações conceituais entre as
novas mídias e a arte moderna é muito importante. Além disso, enquanto o campo
artístico da nova mídia vem crescendo rapidamente em tamanho nos últimos
anos, e enquanto os artistas em todas as disciplinas usam rotineiramente o
computador como ferramenta em seus trabalhos, ainda há literalmente muito
poucos artistas por aí que se concentram em um dos mais fundamentais e radicais
conceitos associados com computadores digitais – o da computação em si mesma
(ao invés de interatividade, rede eletrônica ou multimídia). Simon pesquisa
sistematicamente como a computação em tempo real pode ser utilizada para criar
trabalhos artísticos engajados que sejam tanto conceituais quanto fortemente
substanciais, oferecendo ao observador ricas experiências visuais.
Em seu trabalho anterior, a peça on-line Every Icon (1998) e a sua parede
montada com peças, incluída na exposição de Bitstreams no Museu Whitney
(2001), ele usa a computação em tempo real para criar trabalhos de arte que têm
um início no tempo mas nenhum ponto final; à medida que o tempo passa, eles
mudam constantemente. Enquanto podemos encontrar alguns precedentes para
estes trabalhos artísticos na arte moderna (por exemplo, arte cinética, as primeiras
artes eletrônicas dos anos 60 e a arte conceitual), Simon persegue uma estratégia
inédita própria: utiliza vida artificial, automação celular e outras técnicas
eletrônicas a fim de criar imagens complexas e matizadas, combinando o
figurativo e o abstrato e que explicitamente inserem-se na história da pesquisa
visual modernista.
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Em seu bem conhecido projeto anterior 1:1 Jevbratt criou uma banco de dados
dinâmico, contendo endereços IP para todos os anfitriões na WWW, junto com os
cinco modos diferentes de visualizar esta informação.3 Como a descrição do
projeto de Jevbratt assinala:
2
http://cadre.sjsu.edu
3
http://www.c5corp.com/1to1/
11
4
http://dma.sjsu.edu/jevbratt/lifelike/
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Alguns dos mais talentosos artistas trabalhando com a Rede criaram clientes de
visualização para o Carnivore. O resultado é um menu de formas, diversificado e
rico, todos conduzidos pelos dados da internet. Justo como nas primeiras décadas
do século XX, os artistas modernistas mapearam o caos visual da experiência
metropolitana em imagens geométricas simples, os artistas da visualização de
dados transformam o caos da informação (informational chaos ) dos pacotes de
dados que se movem pela rede em formas claras e ordenadas. E se o
modernismo reduziu o particular a seus esquemas platônicos (veja Mondrian, por
exemplo, abstraindo sistematicamente a imagem de um árvore numa série de
pinturas ), a visualização de dados está comprometida com uma redução
semelhante, ao nos permitir enxergar padrões e estruturas atrás dos vastos e
aparentemente casuais conjuntos de dados. Desta forma, é possível pensar a
visualização de dados como uma nova abstração. Mas se a abstração modernista
foi de alguma maneira anti-visual - reduzindo a diversidade da experiência visual
familiar do dia-a-dia a estruturas mínimas e repetitivas ( de novo, a arte de
Mondrian fornece um bom exemplo ) – a visualização de dados geralmente
emprega a estratégia contrária: o mesmo conjunto de dados conduz a infinitas
variações de imagens (veja os muitos plugs-in de visualização disponíveis para os
aparelhos de som,como os iTunes.) Desta forma, a visualização de dados vai do
concreto ao abstrato, e depois de novo para o concreto. Os dados quantitativos
são reduzidos a seus padrões e estruturas que são então difundidos em inúmeras
imagens visuais ricas e concretas.
Outra questão importante que vale a pena ser levantada refere-se às escolhas
arbitrárias versus escolhas motivadas de mapeamento. Uma vez que os
computadores nos permitem facilmente mapear quaisquer conjuntos de dados em
outro conjunto , eu me pergunto porque o artista escolhe este ou aquele
mapeamento, quando infinitas outras escolhas também são possíveis. Mesmo os
melhores trabalhos que usam mapeamento sofrem com este problema
fundamental. Este é o “lado negro” do mapeamento e da mídia eletrônica em geral
- a sua embutida angústia existencial. Ao nos permitir mapear qualquer coisa em
qualquer outra, construir número infinito de diferentes interfaces para um objeto de
mídia, seguir trajetórias infinitas através do objeto, e assim por diante, a mídia
eletrônica faz simultaneamente todas essas opções parecerem arbitrárias – a não
ser que o artista utilize estratégias especiais para motivar as suas escolhas.
caminhadas com audio de Janet Cardiff , aqui o virtual vira uma força poderosa
que reestrutura o físico. No Museu Judaico, o passado literalmente irrompe no
presente. Ao invés de algo efêmero, aqui o espaço eletrônico está materializado,
virando um tipo de escultura monumental.
Uma maneira de lidar com este problema de motivação é não esconder, mas
colocar em primeiro plano a natureza arbitrária do mapeamento escolhido. Ao
invés de tentar sempre ser racional, a arte eletrônica pode, ao contrário, construir
seu método da irracionalidade 5. Esta foi, sem dúvida, a estratégia chave dos
Surrealistas do século vinte. Na década de 1960, os últimos Surrealistas – os
5
Leia: “contra o grão“, qualquer sistema descritivo ou de mapeamento que
consista de dados quantitativos – um catálogo telefônico, o encaminhamento de
uma mensagem por correio, etc. – adquire qualidades tanto grotescas quanto
poéticas. Artistas conceituais exploraram bem isso, e os artistas da visualização
eletrônica podem aprender com estas explorações.
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Este é o tipo de poesia e elegância conceitual que acredito estar faltando aos
projetos de mapeamento na nova mídia artística. Com muita frequência, estes
projetos são dirigidos pelo impulso racional para fazer sentido no nosso mundo
complexo, com muitos processos e forças invisíveis fora de nosso alcance.
Então, a estratégia típica é tomar algum conjunto de dados – trânsito da Internet,
indicadores de mercado, recomendação de livros amazon.com, ou clima – e
mapeá-lo de alguma forma. Esta estratégia reflete não a estética dos Surrealistas,
mas um paradigma algo diferente da esquerda avant-garde de 1920. O impulso
semelhante para “ ler “ relações sociais subjacentes da realidade visível, animou
muitos artistas esquerdistas na década de 1920, inclusive o herói principal do
meu “The Language of New Media” – Dziga Vertov. O filme de Vertov de 1929 ,A
Man With a Movie Camera (Um Homem com uma Camera de Cinema) é uma
tentativa corajosa na epistemologia visual – reinterpretar as frequentes imagens
banais e insignificantes do cotidiano como resultado da luta entre o antigo e o
novo.