Brazilian Journal of

ARTIGO DE REVISÃO Neuroanatomy ISSN: 2594-956X

-956X
2594-956X

Trato corticopontocerebelar: revisão

Corticopontocerebellar tract:review

Marcelo José da Silva de Magalhães, MD1, Claudiojanes Reis, PhD2, Iully Beatriz Nobre Silva3; Laura Queiroz Pilet3;
Pedro Henrique Cunha Brondi3; Thiago Nobre Rodrigues3; Victória Gonçalves Silva3; Yamila Audrey Santos
Costa3

1-Neurocirurgião e cirurgião de nervos periféricos e dos plexos do Hospital Vila da Serra- Nova Lima-MG, Hospital Aroldo Tourinho-Montes Claros-MG, professor do
curso médico das Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE)e Faculdades Integradas Pitágoras (FipMOC).
2-Professor do curso médico das Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE).
3-Acadêmicos do curso de medicina das Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE)

Correspondência para: Dr. Marcelo José da Silva de Magalhães

Endereço: Rua Capelinha n° 270, Bairro Sumaré, Montes Claros-MG, CEP 39.402315
Email: marcelo7779@yahoo.com.br

Submissão: 10 de Agosto de 2018. Publicado em 22 Agosto de 2018

Resumo

O trato corticopontocerebelar é uma via aferente do cerebelo cujas fibras apresentam uma origem em áreas motoras
e não-motoras do córtex cerebral. Os axônios provenientes do córtex cerebral passam através da cápsula interna e
pela base do pedúnculo cerebral para realizarem sinapses nos núcleos pontinos, no tronco encefálico. A partir dos
núcleos pontinos e após sofrerem o processo de decussação alcançam o cerebelo pelo pedúnculo cerebelar médio. O
seu aspecto funcional está tanto ligado as funções psíquicas quanto ao processamento da “intenção” do movimento
(seu planejamento). Atualmente há evidências que essa via está envolvida em funções não-motoras como: a resolução
de quebra-cabeças e de operações matemáticas, linguagem verbal e o reconhecimento de figuras complexas. As
lesões desse trato podem levar a alteração da fala, ataxia de marcha, cefaleia, vômito, dificuldade de manter a
postura ortostática (perda do equilíbrio corporal), além de alterações involuntárias no humor.

Palavras-chave: Trato corticopontocerebelar, coordenação motora, cerebelo.

Abstract

The corticopontocerebellar tract is an afferent pathway of the cerebellum whose fibers have an origin in motor and
non-motor areas of the cerebral cortex. Axons from the cerebral cortex pass through the inner capsule and the base of
the cerebral peduncle to perform synapses on the pontine nuclei in the brainstem. From the pontine nuclei and after
undergoing the process of decussation reach the cerebellum by the middle cerebellar peduncle. Its functional aspect is
linked both to the psychic functions and to the processing of the "intention" of the movement (its planning). Currently
there is evidence that this path is involved in non-motor functions such as: solving puzzles and mathematical
operations, verbal language and the recognition of complex figures. The lesions of this treatment can lead the patient
to present speech alteration, gait ataxia, headache, vomiting, difficulty maintaining orthostatic posture (loss of body
balance), and involuntary mood changes.

Key-words: Corticopontocerebellar tract, motor coordination, cerebellum.

1.0 Introdução sofrerem uma decussação e alcançar o cerebelo através do

1,2,3
pedúnculo cerebelar médio.

O
trato corticopontocerebelar é responsável pela
conexão de áreas motoras e não-motoras do córtex
1,2
cerebral ao cerebelo. Os axônios provenientes do
córtex cerebral (fibras corticopontinas) passam pela
cápsula interna e pela base do pedúnculo cerebral para
1,3
realizarem sinapses nos núcleos pontinos. A partir dos
núcleos pontinos, as informações do córtex cerebral são
enviadas ao cerebrocerebelo (fibras pontocerebelares), após
Seu aspecto funcional está ligado a funções psíquicas como
as áreas de associação, as quais estão envolvidas no
processamento da “intenção” do movimento. 1,4Há também
evidências funcionais não-motoras como a resolução de
quebra-cabeças e de operações matemáticas, linguagem
verbal e o reconhecimento de figuras complexas. 1,2,4 Lesões
nesse trato podem levar o paciente à alteração de marcha,

Como citar esse artigo: Magalhães MJS e Reis C, et. al. Trato corticopontocerebelar: Revisão. Braz J Neuroanat 2 (2): 8-11; 2018.
8
fala, ataxia, cefaleia, vômito, dificuldade de manter a pedúnculo cerebral.3 O conjunto de fibras frontopontinas
postura ortostática (perda do equilíbrio corporal), além de também recebe a denominação de feixe de Arnold.2
alterações involuntárias no humor.5,6,7

O objetivo deste trabalho foi revisar e discutir os aspectos

neuroanatômicos desse trato, além da influência deste nos Córtex cerebral
processos cognitivos. Fibras corticopontinas Fibras dentotalamocorticais
e dentorubrotalamocorticais

2.0 Metodologia Coroa radiada

Fibras corticopontinas
O estudo caracterizou-se por uma revisão de literatura
realizada entre os meses de setembro e novembro de 2016. Cápsula interna
Foram consultados os bancos de dados PubMed, e Scielo Fibras corticopontinas
(Scientific Eletronic Library OnLine) utilizando os descritores:
“corticopontocerebellar tract”e “corticopontocerebellar tract Núcleos pontinos
review”. Decussação
Com base neste levantamento, foram realizados a seleção, o Pedúnculo cerebelar Núcleos
ordenamento e a análise dos estudos. Os critérios de médio talâmicos
inclusão empregados foram à menção da anatomia macro e
Fibras pontocerebelares
microscópica do trato corticopontocerebelar, as estruturas
componentes desse trato, bem como o trajeto de suas fibras Camada granular
axonais, e doenças associadas à lesão do mesmo. Como
critério de exclusão foi considerado: artigos sem
informações relevantes sobre a parte neuroanatômica deste Camada de Purkinje Núcleo rubro
trato.
3.0 Discussão Núcleos cerebelares Pedúnculo cerebelar superior

3.1 Aspectos gerais das fibras corticopontinas

O trato corticopontocerebelar (TCPC) é constituído por um
grupamento de circuitos fechados, em paralelo, os quais a
partir do pedúnculo cerebral enviam projeções do córtex ao
cerebelo (fibras corticopontinas e fibras pontocerebelares),
por outro lado os núcleos cerebelares enviam suas projeções
para o córtex via tálamo fechando o circuito (fibras
dentorubrotalamocorticais).3,8,9,10 Quadro 1
Estudos recentes sugerem que as conexões da substância
branca entre cerebelo e cérebro já estão estabelecidas por
volta da 29ª semana de idade de gestação.
9 interna. Essas fibras passam através do segmento lateral
Sabe-se, atualmente, que as fibras desse trato provêm das
áreas corticais frontal, parietal, occipital e temporal, e
convergem na base do pedúnculo cerebral homolateral, os
chamados feixes de Türk e Arnold.
3,8,10
O trajeto das fibras
corticopontinas estão também discretamente organizadas
na substância branca cerebral.3,9
As fibras desse trato podem ser divididas em quatro porções
distintas: fibras frontopontinas (FP), fibras parietopontinas
(PP), fibras occipitopontinas (OP) e fibras temporopontinas
(TP).
3,8,10
As fibras frontopontinas originadas das Áreas 4, 6, 8, 9 10,
45 e 46 de Brodmann descem pelo ramo anterior da cápsula
interna, joelho e terço anterior do ramo posterior da cápsula
2,3,10
interna. Essas fibras seguem pela parte ventromedial do
Quadro 1: Trato corticopontocerebelar e sua via eferente.
Fonte: adaptado de Schmahmann 2001.
As fibras parietopontinas originam-se a partir de áreas
corticais posteriores ao sulco pré-central e anterior ao sulco
parietoccipital, incluindo o córtex pré-motor, motor primário
(giro pré-central), sensorial primário (giro pós-central) e
córtex parietal posterior.3,10 As fibras PP descem paralelas as
fibras do trato corticoespinal (TCS) na coroa radial e depois
no 2º terço do ramo posterior da cápsula interna e da maior
parte da porção anterior da parte retro-lenticular da cápsula
3
da porção mediana do pedúnculo cerebral lateral ao TCS ou
3,10
medialmente ao TCS.
As fibras temporopontinas (TP) originam-se do lobo
temporal e descendem dorsalmente ao ramo inferior do
fascículo uncinado e ventralmente ao corno temporal do
ventrículo lateral. 3,10As fibras TP alcançam a margem
anterior pedúnculo cerebral margeado ventralmente pelas
3
fibras occipitopontinas.
Após realizar sinapse com núcleos pontinos as fibras
corticais cerebrais homolaterais (agora denominadas fibras
pontocerebelares) sofrem o processo de decussação e se
projetam para o verme e para o hemisfério cerebelar do
lado oposto. Notam-se também projeções para o lobo
flóculo-nodular do cerebelo.2 Essas fibras alcançam o
2,3,10
cerebelo através do pedúnculo cerebelar médio.

Como citar esse artigo: Magalhães MJS e Reis C et. al. Trato corticopontocerebelar: Revisão. Braz J Neuroanat 2 (2): 18-21; 2018.

9
3.2 Funções das fibras do trato corticopontocerebelar
Estudos com pacientes portadores de lesões cerebelares e
de suas vias inferem que transtornos cognitivos e afetivos
poderiam estar associados a lesões de fibras do TCPC.2,4,8
Historicamente essa via tem sido associada ao planejamento
motor. Funções cognitivas foram recentemente estudadas e
atribuídas às atividades do sistema cerebrocerebelar que
constituído por partes distintas do cérebro. 2,8 Sabe-se que
estão interligadas as áreas de associação corticais e as
estruturas neocerebelares, e que essa ligação é articulada
pela interação da via corticopontina e da via pontocerebelar
2,4,8
pelas fibras musgosas presentes no cerebelo. A (TCPC) provêm das áreas corticais frontal, parietal, occipital
retroalimentação dessas duas vias, que unem cerebelo ao
córtex, necessita do tálamo, obrigatoriamente, como via
sináptica (via dentorubrotalamocortical que passa pelo
pedúnculo cerebelar superior e via dentotalamocortical). 4
3.3 Correlações anatomoclínicas
O trato corticopontocerebelar tem como uma das principais
doenças associadas, o astrocitoma do ângulo ponto-
cerebelar (tumor muito raro nesta localização).5
Relacionado à doença acima, analisou-se um relato de caso
onde o paciente referia os seguintes sintomas. Iniciou-se o
com episódios de vômitos em jato não acompanhados de
5 doenças conhecidas como tumores do ângulo ponto-
náuseas por um período de dois meses.
Concomitantemente aos episódios acima citados, o paciente
referiu crescente dificuldade para caminhar em linha reta
(ataxia de marcha), que evoluiu com impossibilidade para se
manter em ortostatismo.5 Como acontecimento isolado foi
mencionado episódio em que apresentou a sensação de que
objetos giravam em torno de si mesmo (vertigem),
culminando em seguida em perda da consciência.5 Paciente
estabeleceu ainda que conseguia permanecer em posição
ortostática apenas se alargasse a base de sustentação.
Surgiram também alterações progressivas na escrita e na
fala. Por fim, o paciente relatou não sentir gosto dos
alimentos (agelsia) e hipoestesia da hemiface.5 Cefaleia ou
outras dores nunca foram referidas pelo examinado. 5
Outra doença associada à lesão do TCPC é a síndrome
pseudobulbar (SPB) que consiste em explosões
incontroláveis de riso ou choro inadequado às circunstâncias
externas do paciente e incongruente com o estado
emocional interno do paciente.6,7 Dados recentes sugerem
que é causada pela interrupção das fibras
corticopontocerebelares, reduzindo o limiar para a
7 7.Miller A, Pratt H, Schiffer RB. Pseudobulbar affect: the spectrum of
expressão motora da emoção. A síndrome pseudobulbar
pode ocorrer em várias doenças, sobretudo na Esclerose
Lateral Amiotrófica (ELA).6
Em estudos realizados com pacientes com lesões no
cerebelo foram observados também a presença de SPB.6
Sugere-se que essa síndrome seria uma consequência da
perda das fibras provenientes do córtex frontal que
normalmente que estão envolvidas no processo de cognição,
Como citar esse artigo: Magalhães MJS e Reis C et. al. Trato corticopontocerebelar: Revisão. Braz J Neuroanat 2 (2): 18-21; 2018.
controle emocional e social. Sabe-se que essas aferências
corticais são utilizadas pelo cerebelo para modular a duração
e a intensidade da ação muscular facial e respiratória
produzindo uma expressão emocional involuntária. 6 Nesse
mesmo estudo, utilizou-se tratografia e foi obtido como
resultado a presença de anormalidades no trato
corticopontocerebelar.6 Portanto, a SPB foi considerada uma
forma de dismetria da expressão emocional pelo resultado
da perda da função das fibras corticopontino.6
4.0 Conclusão
As fibras da via aferente do trato corticopontocerebelar
e temporal, passam pela cápsula interna, pedúnculo cerebral
homolateral e terminam nos núcleos pontinos. A partir dos
núcleos pontinos os axônios, após processo de decussação,
se projetam para o verme cerebelar e para o hemisfério
cerebelar do lado oposto. Há também projeções para o lobo
flóculo-nodular do cerebelo. A via eferente tem origem no
núcleo denteado, passa pelo pedúnculo cerebelar superior,
cruza a linha média realizando sinapse com os neurônios do
núcleo rubro e talâmico ventrolateral contralateral. Daqui
partem os neurônios para a área motora primária do córtex
cerebral (Trato dentorubrotalamocortical). Sabe-se que o
TCPC exerce importante função na coordenação e regulação
dos movimentos e pode estar associado, principalmente, às
cerebelar e síndrome pseudobulbar (SPB).
Referências
1.Machado ABM, Haertel, LM. Neuroanatomia funcional. 3.ed. São Paulo:
Atheneu, 2006. p. 213-215.
2.Engelhardt E, Moreira DM. O cerebelo e suas principais conexões: estudo
com tensor de difusão. Rev Bras Neurol 2009; 3: 17-27.
3.Kamali A, Kramer LA, Frye RE, et al. Diffusion tensor tractography of the
human brain cortico-ponto-cerebellar pathways: a quantitative preliminary
study. Journal of Magnetic Resonance Imaging 2010; 32:809-817.
4.Schmahmann JD. The cerebrocerebellar system: anatomic substrates of the
cerebellar contribution to cognition and emotion. International Review of
Psychiatry 2001; 13: 247-260.
5.Lange O, Maffei WE, Savoy CV. Astrocitoma ponto-cerebelar: estudo
anatomo-clínico. Arquivos de Neuro-psiquiatria 1944; 2: 31-44.
6.Floeter MK, Katipally R, Kim MP, et al. Impaired corticopontocerebellar
tracts underlie pseudobulbar affect in motor neuron disorders. Neurology
2014; 83: 620–627.
clinical presentations, etiologies and treatments. Expert Review of
Neurotherapeutics 2011; 7:1077-1088.
8.Engelhardt E, Moreira DM, Laks J. Cerebrocerebellar system and Arnold’s
bundle. Dement Neuropsychol 2010; 4:293-299.
9.Pieterman, K., Batalle, D., Dudink, J. et al. Brain StructFunct 2017; 222:
1625.
10
10.Keser Z, Hasan KM, Mwangi BI, et al. Diffusion tensor imaging of the
human cerebellar pathways and their interplay with cerebral macrostructure.
Frontiers in Neuroanatomy 2015; 9:41

Como citar esse artigo: Magalhães MJS e Reis C et. al. Trato corticopontocerebelar: Revisão. Braz J Neuroanat 2 (2): 18-21; 2018. 11