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Salvador
2010
3 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
SUMÁRIO
PRÓLOGO
O médico espiritual, 8
INTRODUÇÃO
O milagre de cada um, 12
CAPÍTULO I
Benzedeira de Jeová, 16
CAPÍTULO II
E o homem se criou a partir do barro, 24
CAPÍTULO III
A cura das matas, 31
CAPÍTULO IV
Consciência e cura, 41
CAPÍTULO V
Só por hoje, 46
CONCLUSÃO
Cura, presente da fé, 51
4 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
O MÉDICO ESPIRITUAL
8 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
PRÓLOGO
Nesta sala, como a de qualquer consultório médico, tinha iodo, éter, algodão,
tesoura, esparadrapo, luvas. Contudo, o que mais chamava a atenção ali era um
senhor, com a cara sisuda, o braço esquerdo para trás, andando de um lado para
outro. Deduzimos que ele era o “médico”. De repente, ele parava e andava em
direção a algum paciente que deitava para ser atendido. Pouco mais de dez
pessoas assessoravam aquele senhor que tinha um problema no pescoço, fazendo a
cabeça pender para um lado.
Embora todos tenham esperado cerca de duas horas para ser atendidos, na
sala de “cirurgia”, a média de tempo de atendimento é de 10 minutos. Porém, o
processo de cura, para a maioria, inicia-se desde o momento em que se entra
10 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
naquele espaço, que fica em uma área residencial do centro da cidade de Salvador
e para os vizinhos e transeuntes é apenas um espaço religioso: Sociedade Espírita
André Luís.
O MILAGRE DE CADA UM
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INTRODUÇÃO
Escrever um projeto como este é uma tarefa árdua. Além das dificuldades
naturais de concluir um trabalho como um livro, precisávamos pensar, refletir,
ponderar o suficiente a cerca do tema. Foram feitas pesquisas, trocas de idéias e
muito diálogo. Pois, para se escrever sobre fé é necessário, principalmente, de
olhos despidos de preconceito, já que esta ferramenta humana é intransponível e
apartidária.
Contudo, havia um quesito que nos preocupava: a cura pela fé. Como trazer
para um trabalho de jornalismo, profissão baseada em fatos e apuração, um
assunto que somente pode ser sentido? E como sentimento, cada um, na sua
individualidade, carrega a sua própria apreensão de tal sensação. Como fazer que
estas estórias sejam lidas até para os mais incrédulos, aqueles que crêem somente
que a humanidade é algo insignificante, alojada em um planeta sem importância,
que se desloca pelo vazio do universo, sem Deus, sem nada?
Logo, o diferencial do livro reportagem Você: o templo que cura é que ele
fala, especialmente, de gente, gente mais do que comum, que em tempos como o
que vivemos, de importância excessiva da representação estética, pouco são vistas
e ouvidas. Evidenciamos, então, itens que são obscurecidos pelo jornalismo
padrão: a pessoa comum e o milagre que cada vida esconde.
Por isso, cremos que este livro fala, prioritariamente, sobre pessoas. Sobre
vidas que em determinado momento viram possibilidades no que ainda não
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existia, sobre pessoas que decidiram alicerçar suas histórias na esperança que
possuíam ou que passaram a ter.
Já no capítulo II, Marcelo invocou o inverso da fé. A sua história não começa
com a busca pela vida e, sim, pela autodestruição. Porém, foi por esse caminho
errante que compreendeu o valor da espiritualidade em cada pessoa. Em uma
tradição de pagã, compreendeu o processo de cura.
No capítulo IV, a história de Ismar, uma católica fervorosa, que aos 79 anos
percebeu que a amplitude da fé supera a religião. Depois de sofrer de uma doença
nas articulações, passou a compreender o que antes era desconhecido. Do
catolicismo ao espiritismo, a sua recuperação aconteceu no tratamento espiritual.
14 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
Por fim, do grego fides, fé significa fidelidade. Fidelidade essa que não
abandona aqueles que crêem em tempos melhores, em cura, em resignação, em
perdão. Por essa característica de doar esperança e confiança nos seus próximos
passos, a fé é esse sentimento que permite que muitos recomecem suas vidas, que
expandam sua capacidade de enxergar sua própria existência. Por meio dessa
convicção é trilhado o caminho das próprias crenças que não cedem a
questionamentos ou dúvidas.
15 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
BENZEDEIRA DE JEOVÁ
16 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
CAPÍTULO I
Um dia, Clóvis acordou mais rouco que das vezes anteriores e tratou como
algo sem importância. Em seguida, essa enfermidade persistiu até que a voz sumiu
por completo. O problema prosseguiu e se agravou. Daí em diante, o homem de voz
forte e estridente estava resumido a conversar através de bilhetes e gestos.
Escolher a medicina homeopática, entretanto, não foi visto com bons olhos
pelos irmãos de religião, que começaram a ficar preocupados com aquela opção.
Foram muitos os boatos espalhados pelos próprios religiosos. A tristeza fez parte
da vida do casal, que antes eram considerados tementes a Deus e, nesta situação,
transgressores. “Deixaram de visitar nossa casa e de prestar solidariedade”, revela
Zélia.
Um dia, após uma das muitas recaídas causadas pela doença, sua esposa
recorreu a um vizinho para que conduzisse o carro. Na volta do hospital,
conversaram sobre a possibilidade de cura. O homem que conduzia o carro,
Robson, era neto de uma benzedeira que morava na cidade de Cruz das Almas, no
recôncavo baiano. “A minha vó já curou diversas pessoas com suas beberagens,
rezas e banhos”, contou o neto empolgado. Como Clóvis e a esposa tinham uma fé
diferente, se tratar com aquela senhora estava fora de cogitação.
Certo dia, antes de dormir, junto com a esposa, resolveu orar para obter a
orientação de Deus sobre o assunto. “Intrigante ou não, ele sonhou que estava em
um lugar de grande vastidão, com plantas rasteiras. Caminhou um pouco pelo lugar
e avistou, de longe, uma árvore que estava com as folhas caindo. Quando chegou
perto, observou uma casa muito simples. Olhou para dentro da casa e reparou uma
senhora que, quando o avistou, fez um gesto com a mão para que entrasse e disse:
Meu filho, eu estava te esperando”, recorda Zélia.
Quando seu esposo recebeu alta e pôde voltar para casa, Zélia foi procurar o
vizinho que falou sobre a benzedeira. Ela foi e marcou quando o encontro
aconteceria. A outra parte era falar com o marido e manter os irmãos da religião
longe da decisão. Depois de todos os acertos – e do marido decidir que visitaria a
benzedeira – organizaram tudo e foram viajar para encontrar com D. Benedita, na
cidade de Cruz das Almas, a 142 km de Salvador.
Durante a viagem Clóvis passou muito mal. Por causa do estado delicado, a
viagem, que estava marcada para durar aproximadamente 2 horas, durou 3 horas e
meia. Depois de percorrer a cidade por cerca de meia hora e trafegar por uma
estradinha de chão batido, chegaram a um lugarejo com aspecto bastante humilde.
A ansiedade tomava conta da situação e Clóvis e a esposa, de mãos dadas, oravam
juntos para aquela ser a melhor solução.
Mesmo com aquela situação, Clóvis continuou o tratamento. Não abriu mão
de ser tratado por D. Benedita. Houve situações onde o casal de TJ precisou dormir
na casa da senhora para ela mesma ensinar como eles deveriam usar a argila, os
banhos e que orações proferir durante o tratamento. O desejo de ficar curado, e a
fé que desenvolveu pelos procedimentos da velha, os ajudou. Contudo, em todos os
dias que realizou o tratamento – ao deitar para dormir e ao levantar – Clóvis
agradecia a Jeová por utilizar Benedita no seu processo de cura.
chegou a ser orientado a formar uma religião apenas para ele. Clóvis retomou as
suas atividades, mas para a religião ele não era mais o mesmo. Voltou a comentar,
sair de casa em casa, mas tornar a ser ancião estava fora de cogitação. Havia os
irmãos que o apoiavam e os contrários à participação dele e da família nas
atividades da congregação.
Em 1996, morre D. Benedita aos 98 anos e com ela todo conhecimento que
tinha sobre as coisas que fazia. Uma benzedeira, descendente de escravos, criada
por índios e educada por freiras, que mostrou a Clóvis que Deus transita em muitos
lugares e ela, com toda simplicidade, era mais um instrumento divino. O paciente
da velha lamentou ter perdido a “benzedeira de Jeová”.
Porém, viajar era uma forma de se distanciar dos irmãos que insistiam em
persegui-lo por causa de suas escolhas. No dia que morreu, Clóvis havia dito para a
esposa que se fosse da vontade de Jeová – para cessar toda aquela perseguição –
que ele fosse descansar. A mulher, preocupada, apenas balançou a cabeça negando
o que ele havia dito. E assim que ele saiu resolveu proferir uma oração para Deus
proteger o marido.
ser aprendida e ensinada. Os recursos utilizados que ajudaram seu marido estão
disponibilizados na natureza criada por Deus. Contudo, um detalhe há de ser
levado em consideração: Clóvis venceu a batalha contra o câncer, porém não lhe foi
permitido prever o imprevisto.
SANCTIMONIA-FOXFIRES
CAPÍTULO II
Das pedras atrás do Cristo, ele se jogou no mar da Barra. Bêbado, não
conseguia nadar e apagou. Quando voltou a si, estava sendo resgatado por sete
crianças que estavam na praia. Horas antes de tentar ser oferenda para rainha das
águas, começou a beber para sair num bloco, largar uma amiga sozinha no carnaval
e brigar na rua. Horas depois da tentativa de suicídio, estava preso num esgoto na
Avenida Centenário, onde caiu ao querer atravessá-lo se equilibrando em um cano.
Mesmo machucado e sujo, rejeitou companhia de seus pais que vieram lhe
socorrer. O humilhante cheiro de fezes não foi capaz de amolecer o seu orgulho.
Aceitou apenas a carona e foi para sua casa, onde colocou uma pizza no forno e
dormiu. Acordou com a vizinha batendo com a vassoura na janela. Dormira por
quatro horas e a pizza esquecida no forno enchera a casa de fumaça.
O “abre alas” desse período foi uma briga com seus pais, a fuga para a casa
de uma tia e sua expulsão de uma festa de formatura, na qual arranjou confusão.
Do local, só saiu arrastado por seguranças. “No outro dia me disseram que vários
homens tiveram que me tirar de lá e eu todo franzino. Me falaram que eu não tinha
noção de como estava”.
Na primeira vez que tentou se matar, estava numa festa quando se jogou
pela janela. Sempre normal as poucas lembranças das suas motivações, recorda
somente que ao debater seu corpo contra a parede percebeu que um amigo lhe
segurou pela calça.
A sua pulsão pela morte criou rachaduras na ligação com a família e com os
amigos. Porém, como diz aquela velha frase “se as coisas não vem pelo amor, vem
pela dor”. No caso de Marcelo, acostumado às dores, o divisor de águas foi o amor.
O seu namorado da época o impediu de experimentar cocaína e lhe apresentou
uma possibilidade espiritual para a vida. Entretanto, não deixou de conviver com
sua ânsia devastadora.
Ao voltar de uma festa com Marcelo, não permitiu que ele, embriagado,
dirigisse um carro. Com raiva, Marcelo quebrou o vidro do carro com a mão e
tentou enforcar um amigo que estava no veículo. Como de costume, depois de
desaparecer do local da festa, desapareceu de si mesmo e não sabe como sumiu.
Chegou na casa de sua mãe com a roupa que tinha saído, uma bata preta e o
crucifixo invertido, e a mão ensanguentada. Ao seu namorado, restou o desespero
de achar que tinha caído num esgoto próximo.
Tradição de 1920. Ele achou que eu ia ficar empolgado, mas achei muito estranho,
porque quando viajei ele tinha uns amigos, quando voltei ele tinha outros”.
Ele e o namorado foram para um ritual do grupo dos novos amigos. Porém,
como tinha dificuldades em estabelecer ações de equidade com outras pessoas ou
espaços, desrespeitou a movimentação energética da Tradição de 1920, a ponto de
levar um copo de vinho na cara pelo líder do grupo. Ele foi para casa, seu
namorado ficou. O interesse do seu namorado pelo grupo foi o novo motivo para
mais um término.
Sem sua “bengala” emocional, Marcelo bebia mais. Na pior bebedeira dita
por ele, deu em cima de um amigo que se irritou e o agrediu com um murro.
Mesmo assim, foi para uma boate e se embriagou mais. Incontrolável, foi levado
para casa de um colega de trabalho e amarrado com o fio do carregador de celular.
Quando teve condições de voltar para casa, foi assaltado. Com poucas lembranças
do ocorrido, foi trabalhar no dia seguinte. Chamado no vestuário pelo colega que
lhe amarrou, viu o amigo abaixar a calça e mostrar as marcas do seu dente na
perna. ”Eu não lembro, mas sei que fui eu quem mordeu”. Àquela altura, esse era
mais um de seus muitos vexames públicos.
A Tradição de 1920 acredita que cada pessoa pode se tornar apta a cuidar
de sua própria energia. Logo, a ajuda é de você para você mesmo e começar esse
trabalho de cuidado próprio foi o propulsor para a purificação interna de Marcelo.
“Caso contrário, utilizaria o grupo de cura eternamente como bengala energética, e
estou muito novo para andar de bengalas (risos)”.
Por isso, o cuidado com o álcool passou a ser um trabalho diário, constante,
eterno. “Quando comecei a me cuidar, passei um ano sem beber nada, o que era
muito difícil porque eu não conseguia beber um copo, bebia uma grade. Hoje eu
consigo me mapear e perceber o momento de parar”.
CAPITULO III
Centro União e Paz, Caboclo Sultão das Matas1: era o que tinha escrito na
soleira da porta. Quando entraram na casa, o aroma, as folhas no chão, as pessoas
reunidas e o copo d’água sobre a mesa lhe pareciam familiar, mesmo tendo a
certeza de que nunca estivera ali. Apesar de ser de uma família de evangélicos, não
havia medo nem curiosidade, apenas a vontade de ficar curada.
Quando uma entidade chegou, depois de ter falado com todos à mesa,
levantou-se e foi conversar com a primeira senhora da fileira onde Lourdes estava.
Já impaciente, cochichou com sua filha “vou embora!”. O caboclo voltou como se a
1 “Sobre os Caboclos, existe pouca coisa escrita. Os estudos sobre estes seres espirituais são
reduzidos, quase sempre, a oralidade. Povos ágrafos, normalmente passam a tradição de pai para
filho, é o caso dos índios. Os caboclos são entidades que se apresentam, quase sempre, com nomes
relacionados aos índios. Nas cerimônias, que acontecem nas casas ligadas ao culto de Caboclos, são
usados incensos, banhos de folhas e até animais. Assim como no espiritismo, algumas pessoas
orientadas por esses espíritos alegam que eles possuem diferenciados graus de evolução.
Geralmente, eles utilizam charutos para provocar a descarga espiritual de seu médium e também do
consulente. Alguns assobiam, outros bradam no ato da incorporação. Costumam ser bastante sisudos,
de pouca ou nenhuma brincadeira. São respeitados como grandes trabalhadores dos locais onde
atuam. Essas entidades possuem status de pai para algumas pessoas”. Pai Edinho de Maragogipe.
32 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
- Olha, meu pai está dizendo que ele te conhece desde que a senhora era
criança. Uma menina que ainda não tinha nem peito. Que a senhora ficaria doente e
ele sabe porque a senhora está aqui hoje.
não moravam com ela e que, de vez em quando, enchia a casa de gente para fazer
sabe lá o que”.
Terezinha era conhecida por fazer as beberagens para curar os males que
afligiam o povo da roça, que raramente tinham contato com médico. “Ela era
famosa por ser parteira, médica, curandeira, conselheira, amiga. Só os meus pais e
o restante do povo da igreja a viam como inimiga”.
bastante infantil. A D. Terezinha olhou em nossa direção e fez sinal para irmos até
lá”.
“Eu perdi a noção de tempo. Nem percebi que tinha demorado, lembro de
tudo como hoje. Havia um copo com água em cima da mesa, uma vela, pessoas
sentadas em volta da mesa e eu achei que eles iriam almoçar. Nesse meio tempo,
não vi a D. Terezinha. Quando ela voltou, com uma voz muito estranha, um pano
em volta da cabeça, parecia uma tira dessas de tecido. Andava como se fosse para o
lado. Me assustei! Ela parou e me disse que um dia eu teria a bolsa que o bacurio
puxa para comer doente e que ela ou ele, sei lá, me faria ficar boa”. Lourdes
assustada foi embora correndo e dessa vez, como estava sozinha, decidiu não
contar para ninguém sobre o que aconteceu.
Muitos anos depois, quando Lourdes soube que estava com câncer de
mama, por pouco não entrou em desespero. “Eu estava viúva, meus filhos criados e
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resolvidos na vida e, se fosse para me despedir, que fosse desse jeito, indo ver o
mar”, lembrou emocionada.
“O linfoma cresceu, cheguei a fazer uma biópsia para saber se o tumor era
maligno ou benigno. Quando fui buscar o resultado junto com minha filha, o
médico disse que eu teria que retirar a mama”. A filha Angélica é praticamente
companheira inseparável e motorista particular. Nesse dia, antes de irem para
casa, pediu para que a filha a levasse para ver o mar. “Fui ali para Itapuã e fiquei
olhando aquela vastidão, durante umas duas horas, pensando em minha vida”.
Várias vezes ela pensou que iria morrer. “Pedi aos céus que me dessem uma luz
para eu alcançar a cura e não precisasse ser amputada, uma vez que com a idade
que eu tinha, 66 anos, o estágio era avançado da doença e as chances de ficar boa
eram mínimas”.
Muitas vezes, depois de voltar das consultas com o caboclo Sultão das
Matas, Lourdes rezava do jeito dela para agradecer a Deus o que estava recebendo.
No período de um ano, após seguir a orientação da entidade, ela, junto com o
médico, que se tornou o principal incentivador das idas dela ao centro, perceberam
que o problema havia regredido e a possibilidade de retirada da mama foi anulada.
“Eu depositei tanta fé naquele caboclo que acreditei na promessa que a mim foi
feita”, lembrou.
Um dia, antes de ir para o último exame que iria eliminar qualquer dúvida
existente sobre a doença, Lourdes preferiu retornar a casa do Sultão das Matas,
pois em seu íntimo existia ainda o medo de que o resultado do exame fosse oposto
ao que esperava. Ao chegar na casa, o caboclo já estava lá. “Parecia que estava me
esperando. Logo que entrei, ele me disse: tu não confia em mim? Vá onde tens que
ir e volte aqui depois de uma lua grande”. Para os Caboclos, a lua grande é
compreendida como o período de um mês. É quando acontece a lua cheia em
determinado dia de cada mês. Alguns povos contavam o tempo através da lua
cheia.
cerca de trinta minutos. Em seguida, saiu para o local onde o exame seria realizado.
Esperaram por mais duas horas até que o diagnóstico final fosse entregue a ela. Ao
invés de ser acalmada pelos filhos, era Lourdes que estava abrandando-os. Após
um minuto de silêncio, o médico que cuidava da idosa levantou e caminhou na
direção de Lourdes, a quem disse: “Parabéns não existe mais nódulo e muito
menos a possibilidade de retorno”.
“Muito obrigado doutor!”. Foi o que seus lábios proferiram, mas seu coração
agradecia também ao caboclo, a quem desejava que ali estivesse. Com um abraço
demorado no médico, ela chorou. Amparada pelos filhos, que eufóricos repetiam
vez após vez: “Foi Deus, mãe. Ele ouviu as nossas preces”. Depois do resultado, a
orientação médica era que deveria retornar a clínica uma vez por ano para realizar
exames rotineiros.
Amanheceu, o sol estava radiante, céu com poucas nuvens. Nesse exato dia,
completou o tempo dela retornar ao centro. Era uma manhã de sábado, Lourdes
apressou-se para ir a feira de São Joaquim junto com duas filhas. Compraram
frutas, flores, incenso, alfazema, fumo e charutos. Ainda na feira, dois meninos
gêmeos pediram a Lourdes para ajudar com ingredientes ou dinheiro no caruru
deles. Essa situação fez a velha senhora lembrar do sonho que teve na noite
anterior. Ela deu alguns trocados para as crianças e foi para casa do seu guia
espiritual.
recordou a idosa. Logo quando entrou na modesta casa que acolhia os que
procuram algum tipo de ajuda, as pessoas ficaram muito felizes em ver a mulher
que há dois anos chorava quando conversava com o caboclo.
Ele continuou,
- Hoje você poderia ter feito algo melhor que vir aqui trazer presente para
mim.
- O quê? Diga! eu faço qualquer coisa, disse Lourdes.
O caboclo riu dela durante um bom tempo, depois pediu para alguém lhe
ascender um charuto e prosseguiu:
- Hoje dois gurio pediram a você para ajudar no come, come deles e você
ajudou pouquinho e para mim traz um montão assim.
Quando traduziram para Lourdes de que se tratava, ela caiu no choro ao que
o caboclo disse:
- Minha filha, de hoje em diante, você vai chorar de alegria. Os dois gurio da
feira foram levados por seus filhos.
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CONSCIÊNCIA E CURA
41 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
CAPITULO IV
A vida religiosa sempre teve privilégio para Ismar de Gusmão, que quando
mais nova pensou em se tornar freira por acreditar ter vocação. Depois de
abandonar de idéia, porque estava apaixonada, mudou o direcionamento de sua
vida. “Os estudos e a religião foram as primazias da minha vida. Me casei aos 25
anos, tive um único filho – que nasceu com uma limitação mental – aos 28 e fiquei
viúva aos 30”, lembrou a idosa. O abalo causado pela morte do marido e a doença
do filho fizeram aquela senhora agarrar-se ainda mais a fé que praticava.
Ismar, que antes era independente, agora estava limitada a ser amparada
para realizar tarefas simples, como buscar um copo com água, trocar de roupa e
usar o banheiro. Além de um acompanhante, passou a andar auxiliada por uma
bengala. O tratamento passou a fazer parte do seu cotidiano, porém as dores foram
aumentando a cada dia. Uma amiga, então, lhe incentivou a recorrer ao tratamento
espiritual do Centro Espírita André Luis.
As reclamações de Ismar eram por estar ali sozinha e pelo fato de nunca ter
pensado entrar em um local como aquele. Quando questionada porque tanta
indignação, ela respondeu prontamente: “Estou fora dos princípios de uma católica
devota de N. Sr da Vitória”.
A tentativa de acalmá-la era quase impossível porque ela alegava não estar
em paz com a própria consciência. “Desde ontem que eu peço perdão a Jesus Cristo
por vir aqui neste lugar. Espero que ele e nossa senhora me perdoem”, falou a
idosa preocupada. Como sua amiga e acompanhante não chegava, decidiram dar
43 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
mais um pouco de atenção a história que a velha senhora continuou a contar. “Eu
estou neste lugar contra a minha vontade. Uma amiga que gosto muito insistiu
para que eu viesse e ela até agora não chegou”, reclamava impaciente.
Ela estava ali para dar continuidade a um tratamento que havia começado
uma semana antes. O procedimento pelo qual ela passou foi uma intervenção
cirúrgica comandada pelo espírito do médico André Luiz. “Eu reconheço que estou
melhor, mas a minha consciência não me deixa em paz!”.
Para ela, o motivo era nobre: ficar curada. Mas, convencer os irmãos da
igreja que um local visto como partícipe do mal tinha algo bom era um problema
encarado com mais dificuldade que a dor que sentia. E, além da preocupação de
divulgar o benefício alcançado, lhe deixava apreensiva pensar que podia estar mal
vista por Cristo ou Nossa Senhora da Vitória. “Passei muitos dias sem comer e até
tomar banho. Eu realmente acreditava que não seria perdoada por Deus e as
pessoas seriam usadas por ele para me punir”, relembrou.
não iria conseguir sozinha, recorreu a ajuda de pessoas que julgava ser
competentes para auxiliá-la. “O padre titular da igreja, monsenhor Gaspar Sadoc,
me disse que Deus cuida dos seus filhos das mais diferenciadas formas e o
importante é estar bem consigo mesmo. Depois, tudo melhora com o homem lá de
cima”.
SÓ POR HOJE
46 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
CAPÍTULO V
Esta Irmandade formada em 1960, nos EUA, por três mulheres “não é
vinculado a nenhuma organização pública ou privada, movimento político,
ideologia ou doutrina religiosa e não toma posição em assuntos externos”. A razão
de agregar homens e mulheres sob o anonimato está numa doença: o comer
compulsivo.
A pulsão pela comida constitui-se numa doença incurável, que exige dos que
possuem tal enfermidade abstinência cotidiana. “Eu sou uma comedora compulsiva
em recuperação diária, só por hoje. A Irmandade acredita que a gente trabalha a
cada 24 horas o programa”. Pois, o que diferencia os Comedores Compulsivos das
outras pessoas não consiste somente no fato de comer em excesso ou estar acima do
peso, mas a forma obsessiva como eles se relacionam com a comida.
Por essa característica de ânsia que Maria Clara sabia que não tinha uma
relação normal com a comida. Então, passou a pesquisar por compulsão na
Internet quando encontrou o site do CCA (Comedores Compulsivos Anônimos).
Após responder perguntas como “Você come quando não está com fome?”, “Você
faz 'farras alimentares' continuamente, sem razão aparente?”, “Você sente culpa e
remorso depois de comer compulsivamente?”, “Você gasta muito tempo comendo,
ou pensando em comida?”, “Você espera com prazer e antecipação pelo momento
em que pode comer sozinho?” e identificar-se como comedora compulsiva, passou
a fazer parte da Irmandade.
Porém, como é para todos que entram no CCA, estar acima do peso é a ponta
do iceberg da compulsão alimentar. Os comedores compulsivos acreditam que eles
já nascem com a pulsão alimentar e morrem com ela. “Com quatro anos de idade
eu era obcecada por comida. Pensava muito em comida e pedia, recorrentemente, a
minha mãe. Nesta idade, eu morava em uma cidade com meus pais que ficou
marcada na minha vida pelos locais que vendiam alimentos. E até hoje eu me
lembro de tudo que pedia para comer, mas nesta idade eu ainda não comia
compulsivamente”.
mental de calorias. Sabia tudo que era mais calórico. Com o programa me destituir
dessa calculadora porque a gente não faz isso”. Pois, principalmente, é trabalhada a
honestidade para com você mesmo perante a doença, como diz o primeiro passo:
“Admitimos que éramos impotentes perante a comida - que tínhamos perdido o
domínio sobre nossas vidas”.
Os dois outros passos que Maria Clara apegou-se para a recuperação foram
o segundo e o terceiro, que tratam de Esperança e Fé. “Viemos a acreditar que um
Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade” e “Decidimos
entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O
concebíamos” são passos primordiais que auxiliam os comedores compulsivos a
compartilhar e conceber ao que eles chamam de Poder Superior. Cada membro
adota a sua concepção de Poder Superior, sendo que a maioria dos CCA's adota o
conceito de Deus.
CURA, PRESENTE DA FÉ
51 VOCÊ: O TEMPLO QUE CURA
CONCLUSÃO
Por ser tão primordial para a auto-estima, muitas pesquisas já foram feitas
para averiguar o quão essencial ela é para a saúde. A fé, dizem os estudos sobre o
tema, corrobora para que as pessoas vivam mais, tenham menos problemas de
saúde, maiores chances de serem bem-sucedidos e, principalmente, auxilia na
recuperação de um doente.
Conforme os relatos desta obra, a fé não pode ser medida e uma parábola
bíblica exemplifica isso: a do grão de mostarda. Como disse Jesus: “[...] Se tiverdes
fé do tamanho dum grão de mostarda, direis a este monte: ‘Transfere-te daqui para
lá’, e ele se transferirá, e nada vos será impossível” (Mateus 17:20). Por meio dessa
minúscula dimensão de fé, é oferecida às pessoas a oportunidade de conseguirem
resultados diferentes, dentre eles, a cura.
Para este livro foram feitas visitas a templos e grupos católicos, pagãos,
espíritas. Participamos da missa na Igreja do Bonfim e visitamos sua Sala de
Milagres, fomos ao culto na Igreja Universal do Reino de Deus, ao encontro
semanal do grupo de cura pagão Tradição de 1920 e vivenciamos uma cirurgia
espiritual no Centro Espírita André Luis. Conversamos com algumas pessoas que
ali estavam e entramos em contatos com alguns dos seus líderes.
cada história com o próprio ritmo e singularidade que cada um trouxe. Para uns,
tivemos que ter paciência, esperar o tempo e a hora da entrevista acontecer. Com
outros, aconteceu como que uma bela conversa de amigos. O principal foi respeitar
a realidade e o andamento que cada um dava a sua fala.
Por fim, percebemos que a cura pela fé está além de ser uma “benção” das
religiões. Mas, um ato prodigioso das próprias pessoas, pois elas que são
responsáveis por seus milagres pessoais. Pois, somos nós, seres humanos, que a
cada novo dia e a cada término deste, que a cada respiração, meditação, oração,
rezas, banhos de folhas que impulsionamos nosso caminhar. E pela capacidade de
nos reinventarmos a cada situação delicada de nossas vidas, a cada doença,
decepção, angústia, dor ou perda que nos constituímos como verdadeiros templos
de cura.