Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
O que é Filosofia?
- Diferentemente das matérias científicas, a Filosofia não é uma matéria de conhecimento, com um
objeto preciso e específico, mas uma forma de reflexão sobre todo e qualquer problema que
tenha caráter universal. Nas palavras de Kant, “não há filosofia que se possa aprender, só se
aprende a filosofar”.
- Ciência positiva é construção que parte sempre de um ou de mais pressupostos particulares, ou
seja, de certas afirmações que se aceitam como condição de validade de determinado sistema ou
ordem de conhecimentos. Filosofia é crítica de pressupostos, sem partir de pressupostos
particulares, sendo, assim, um conhecimento que converte em problema os pressupostos da
ciência (natureza crítica).
- O sentido de universalidade revela-se inseparável da Filosofia. É uma ciência cujos cultores
somente se considerariam satisfeitos se lhes fosse facultado atingir, com certeza e universalidade,
todos os princípios ou razões últimas explicativas da realidade, em plena interpretação da
experiência humana.
- O filósofo pode ser definido como o “peregrino da verdade”, para o qual as perguntas são mais
importantes do que as respostas. Isso nos remete à chamada maiêutica socrática, processo que
consiste na formulação de perguntas e na análise das respostas de maneira sucessiva até se chegar
à verdade ou contradição do enunciado.
- A Filosofia tende a não se contentar com uma resposta, enquanto esta não atinja a essência, a
razão última de um dado “campo” de problemas. Quando atingimos uma verdade que nos dá a
razão de ser de todo o sistema particular de conhecimento, e verificamos a impossibilidade de
reduzir tal verdade a outras verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva,
dizemos que atingimos um princípio ou um pressuposto.
- A Filosofia deve ser vista como atividade perene do espírito, como paixão pela verdade essencial
e, nesse sentido, realiza, em seu mais alto grau e consequência, a qualidade inerente a toda
ciência: a insatisfação dos resultados e a procura cuidadosa de mais claros fundamentos, sem
outra finalidade além da puramente especulativa.
- Os primeiros filósofos gregos não concordaram em ser chamados de sábios, por terem
consciência do muito que ignoravam; preferiam ser conhecidos como amigos da sabedoria (ou
seja, filósofos). A Filosofia nasceu na Grécia, no século VI a. C., no momento em que alguns
indivíduos passaram a buscar explicações racionais para os problemas, rompendo com as
justificativas mitológicas reinantes. Conforme os problemas filosóficos foram sendo
solucionados pela ciência, deixaram de sê-lo.
- Em um primeiro momento, a Filosofia esteve relacionada aos problemas da natureza. Com
Sócrates, foi dada maior ênfase aos assuntos humanos (ética). Aristóteles, por sua vez, voltou sua
preocupação ao mundo físico.
- A Filosofia do Direito não é disciplina jurídica, mas é a própria Filosofia enquanto voltada para
uma ordem de realidade, que é a “realidade jurídica”. O Direito é realidade universal; onde quer
que exista homem, aí existe o Direito como expressão de vida e de convivência. Enquanto que o
jurista constrói a sua ciência partindo de certos pressupostos, que são fornecidos pela lei e pelos
códigos, o filósofo do Direito converte em problema o que para o jurista vale como resposta ou
ponto assente e imperativo.
- Nenhum sistema filosófico angaria a concordância unânime dos espíritos, ou seja, uma das
principais características da Filosofia é a falta de consenso, pois os sistemas filosóficos estão
sempre em choque. Nas palavras de Miguel Reale, “a Filosofia não existiria se todos os filósofos
culminassem em conclusões uniformes”.
- A Filosofia do Direito, de acordo com Jorge Del Vecchio, seria “a disciplina que define o Direito
em sua universalidade lógica, investiga os fundamentos e os caracteres gerais do seu
desenvolvimento histórico e avalia-o segundo o ideal de justiça traçado pela razão pura”.
- Segundo Jorge Del Vecchio, a Filosofia se dividiria em:
• Filosofia teórica (estudo dos primeiros princípios do ser e do conhecer): engloba a ontologia ou
metafísica, a gnoseologia ou teoria do conhecimento, a lógica, a psicologia e a estética.
• Filosofia prática (estudo dos primeiros princípios do agir): compreende a Filosofia moral (ética) e
a Filosofia do Direito.
- Garcia Morent, por sua vez, defende que a Filosofia compreenderia, simplesmente, a ontologia e
a gnoseologia. Outras disciplinas, como a ética, estariam se distanciando da Filosofia.
- A diferença entre a Filosofia e a Ciência do Direito reside no modo pelo qual cada uma delas
considera o Direito: a primeira, no seu aspecto universal; a segunda, no seu aspecto particular.
Em outras palavras, a Ciência do Direito tem por objeto os sistemas particulares, considerados
individualmente para cada povo em dado tempo; jamais recai propriamente sobre o todo de um
sistema, mas efetua especificações e distinções, considerando apenas uma fração deste.
- Jorge Del Vecchio entende que a Filosofia seria responsável por três investigações:
• Lógica: definição do Direito in genere, tarefa que excederia a competência de qualquer ciência
jurídica particular. A investigação lógica é um pressuposto para as outras duas.
• Fenomenológica: o Direito é produto necessário da natureza humana, o que significa que, além
dos fatores particulares e imediatos que determinam as normas singulares, existem outros gerais e
comuns. A indicação das contingências, devido às quais uma lei ou costume se formou, não é
suficiente para nos demonstrar o fundamento da existência do Direito in genere; este fundamento
não pode ser descoberto pelas ciências jurídicas, pois, tendo estas por objeto um campo particular,
escapa à sua competência a pesquisa das causas genéricas universais.
• Deontológica: investigação dos institutos jurídicos à luz da justiça. Cada homem sente em si a
faculdade de julgar e avaliar o Direito existente e sobre ele ajuizar; todo homem possui o
sentimento de justiça. A exigência de indagar sobre a justiça, ou seja, sobre como deve ser o
direito compreende tanto a especulação sobre o ideal, a que deve obedecer o Direito existente,
como a crítica da sua legitimidade e racionalidade. Desse modo, a Filosofia do Direito ocupa-se,
precisamente, daquilo que deve ou deveria ser o Direito, em oposição àquilo que é o Direito
(tarefa da Ciência do Direito).
a. Em Kant, o ideal de justiça é traçado pela razão pura, de modo que os conceitos de justiça e de
moral são universais (universalismo ético), e não variáveis por sociedade ou por indivíduo. Em
contrapartida, de acordo com o relativismo cultural, os ideais de justiça e de moral são relativos
à cada cultura, à cada sociedade e, até mesmo, à cada pessoa.
- Função prática
• “A Filosofia do Direito é ministra do progresso jurídico, reivindicadora do ideal.”
• Num primeiro momento, há uma formulação filosófica do ideal jurídico, o qual, posteriormente, é
incorporado ao direito positivo.
1º Momento 2º Momento
Hugo Grócio Progresso do Direito Internacional (direito das gentes ≠ direito natural)
Beccaria Progresso do Direito Penal (denúncia da tortura e das penas severas)
• A Filosofia do Direito, ao sintetizar a história deste e ao especular sobre o seu ideal, atua como
intermediária entre aquela e este e como instrumento do progresso do Direito. De semelhante
posição deriva a função prática da Filosofia do Direito: ensinar e preparar o reconhecimento
positivo do ideal jurídico.
• Com o despertar da consciência crítica, surge a necessidade de averiguar se as imposições legais
vigentes são também justas, se a autoridade que manda procede segundo a razão. A Filosofia do
Direito inicia-se precisamente com a descoberta da antítese entre o justo natural e o justo moral.
- O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um "direito
natural", ou seja, um sistema de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído
pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo). Este direito natural tem validade em si, é
anterior e superior ao direito positivo e, em caso de conflito, é ele que deve prevalecer.
- Jusnaturalismo antigo
• As primeiras manifestações de jusnaturalismo se dão na antiga Grécia. Na Hélade, encontramos,
entre os pré-socráticos, uma distinção fundamental, que é também um dos motivos da "Antígona"
de Sófocles: a distinção entre o justo por natureza e o justo por convenção, ou, em outras
palavras, entre lei natural e lei positiva.
• Aristóteles reconhece que existe o justo por lei e o justo por natureza, afirmando que este tem por
toda a parte a mesma força, por não depender das opiniões e dos decretos dos homens, expressão
que é da natureza racional do homem. Aristóteles encara o problema da justiça como
bilateralidade, de modo que não haveria “justiça de um homem para consigo mesmo”. O filósofo
divide, ainda, o conceito de justiça entre geral e particular (esta, por sua vez, divide-se em
distributiva e equiparadora / corretiva).
a. A justiça geral seria uma das virtudes em saber estabelecer um justo meio que represente a
equidistância entre os extremos do pouco e do demasiado. Exemplificativamente, a bravura
(virtude) seria o justo meio entre a covardia e a temeridade (ambos vícios), ao passo que a
generosidade (virtude) seria o justo meio entre a avareza e a prodigalidade (ambos vícios).
b. A justiça distributiva regularia a relação entre a comunidade e os seus membros, consistindo na
repartição das honras, dos bens, dos cargos, das recompensas entre os indivíduos, de acordo
com o mérito de cada um e respeitado o princípio da proporcionalidade.
c. A justiça corretiva se difere da distributiva na medida em que visa o restabelecimento do
equilíbrio rompido entre os particulares: a igualdade aritmética (as coisas e as ações são levadas
em conta pelo seu valor objetivo, e não mais pela qualidade das pessoas). A justiça corretiva se
divide em comutativa (intento de regular as relações de troca em conformidade com certa
medida, visando a igualdade entre o que se dá e o que se recebe, entre a prestação e a
contraprestação) e judicial (aplicada em casos de violação, exigindo uma igualdade
proporcional entre o dano e o ressarcimento, entre o delito e a pena, fazendo prevalecer o
critério equitativo nas controvérsias que exigem a presença do juiz).
• Na Grécia, não existe uma palavra própria para mencionar o Direito, pois o conceito ainda se
fundia no conceito universal de justo. Em Roma, o que se vê é sobretudo uma concepção do
Direito Natural como conjunto dos princípios morais do agir, que refletem, de maneira imediata e
necessária, as obrigações do homem enquanto homem, imanentes do jus gentium.
• Por meio de Cícero (grande divulgador das teorias estoicas), observa-se que, em Roma, se repete
a distinção já posta na Grécia entre o Direito Positivo e o Direito Natural, ou melhor, entre o justo
por natureza e o justo por lei ou convenção. Nas obras de Cícero, notam-se passagens de apologia
à lei como expressão da ratio naturalis, sempre igual por toda parte, sempre eterna, determinando
o que deve ser feito e o que deve ser evitado.
• Cícero desenvolveu uma teoria tripartida de categorias de direitos, que depois seria defendida,
principalmente, por Ulpiano.
a. Jus naturale (Direito Natural): direito comum à todos os homens.
b. Jus gentium (Direito das Gentes): direito positivo e vigente, inspirado na razão natural, que
regula as relações entre os Estados.
c. Jus civile (Direito Civil): composto por aquelas regras de direito que são aplicáveis somente ao
povo romano (direito interno de cada Estado). Estas regras devem estar respaldadas pelo ius
naturale e que podem, até mesmo, coincidir com o ius gentium, contendo, porém, instituições e
fontes próprias em relação à este.
• Diferentemente de Cícero, que entendia o Direito Natural como sendo ditado pela razão, Ulpiano
desenvolveu uma “concepção naturalista”, segundo a qual o Direito Natural seria aquele “que a
natureza ensina aos homens e aos irracionais”.
• O estoicismo de Cícero possui uma matriz em Epicuro. Todavia, posteriormente, se desdobrará no
cristianismo (o qual, mais tarde, influenciará Kant).
- Jusnaturalismo medieval
• Santo Tomás de Aquino é o principal intérprete da cosmovisão medieval. Ele entende que os
conceitos de lei e ordem são complementares. Lei seria uma ordenação da razão no sentido do
bem comum, promulgada por quem dirige a comunidade e de aplicabilidade universal (tanto ao
mundo humano quanto ao cosmos). Neste ponto, Santo Tomás possui uma tricotomia própria:
a. Lei eterna: razão de Deus, governadora de todo o universo e conhecida apenas parcialmente
pelos homens, através de suas manifestações (sendo a principal delas a lei natural).
b. Lei natural: versão parcial e imperfeita da lei eterna, que estabelece princípios morais
elementares aos quais os homens ascendem através da razão. A lei natural determina o que os
homens devem fazer (o bem) ou não (o mal), ou seja, rege o “agir” humano de uma forma geral,
ao passo que o Direito Natural diz respeito ao “agir” humano quando relacionado à justiça.
c. Lei humana: é o direito positivo. Se fundamenta na lei natural, da qual pode derivar
dedutivamente ou representar sua especificação em cada caso concreto. Pode se observar uma
derivação dedutiva da lei humana em relação à lei natural, quando esta estabelece que “deve-se
fazer o bem e evitar o mal” e aquela determina que “não se deve matar”. Já a especificação da
lei natural através da lei humana pode ser exemplificada quando aquela determina que “os
delinquentes devem ser castigados” (indeterminação) e esta impõe as penas para cada um dos
delitos (determinação).
d. Lei divina ou revelada: direito positivo posto por Deus, através das Sagradas Escrituras (Dez
Mandamentos). Diferentemente da lei eterna, que rege todo o universo, a lei divina ou revelada
se dirige especificamente às criaturas racionais.
• Santo Tomás de Aquino, pensador aristotélico, desenvolveu o conceito de justiça legal ou social,
que determinaria as obrigações dos membros da comunidade para com esta. A partir daí, estaria
completa a chamada “trilogia do justo”, formada pela justiça distributiva (deveres do todo para
com as partes), pela justiça comutativa (deveres das partes entre si) e pela justiça legal (deveres
das partes para com o todo).
• Santo Tomás de Aquino também desenvolveu uma ética das virtudes, com base nas quatro
virtudes enumeradas por Platão: prudência, justiça, fortaleza e intemperância. À estas, Santo
Tomás acrescentou as chamadas justiças teologais, quais sejam a fé, a caridade e a esperança.
• “Algo é correto porque Deus o ordena” (teoria do mandamento divino, defendida por Eutífron) ou
“Deus ordena algo porque é correto” (a retidão é prévia a Deus, conforme entendimento de
Sócrates)? Segundo Santo Tomás de Aquino, a correção está na própria razão de Deus, ou seja, a
retidão seria inerente a Deus.
- Jusnaturalismo moderno
• Segundo Guido Fassò, entre o jusnaturalismo antigo de Cícero, o jusnaturalismo medieval de
Santo Tomás de Aquino e o jusnaturalismo moderno de Hugo Grócio, haveria uma harmonia e
uma continuidade, pois o elemento racional estaria sempre presente. Esse entendimento é bastante
rechaçado pelos tomistas, como Michel Villey, que defendem a tese de que o jusnaturalismo
moderno (escolas do Direito Natural dos séculos XVII e XVIII) teria desvirtuado o
jusnaturalismo antigo e medieval (teria havido uma ruptura).
• Hugo Grócio é um dos fundadores que se chamava “Direito das Gentes” (hoje, denominado
Direito Internacional Público). Em seu livro “Do direito da guerra e da paz”, Grócio, um cristão
protestante, afirma que o Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou que,
existindo, não estivesse preocupado com as questões humanas. Depreende-se, portanto, que
Grócio retira do Direito Natural o seu elemento teológico, laicizando-o. Há uma visão do Direito
Natural como fruto da razão humana.
• No século XIII, Santo Tomás de Aquino defendia uma concepção racionalista. No século XIV,
Guilherme de Occam defendia um voluntarismo teológico. Na qualidade de filósofo nominalista
(aquele que defendia a não existência de conceitos universais, ou seja, não haveria um gênero
“homem”, mas apenas os indivíduos), Guilherme de Occam não acreditava na existência de um
Direito Natural, na medida em que este seria algo absolutamente genérico; haveria, sim, uma lei
moral que procederia da vontade de Deus (e não da razão Deste, como dizia Santo Tomás),
exteriorizada nas Sagradas Escrituras.
• Com a reforma de 1517, o calvinismo, em parte influenciado pelas ideias de Guilherme de
Occam, sofreu forte oposição por parte dos tomistas e de Hugo Grócio, o qual, embora não fosse
tomista, também evocava uma espécie de racionalidade: a humana.
• No jusnaturalismo antigo e medieval, a primazia estava no aspecto objetivo, ou seja, havia uma
lei natural, à qual os homens deveriam se adequar. Ao contrário, no jusnaturalismo moderno, a
primazia passou a estar no aspecto subjetivo, isto é, defendia-se a existência de direitos naturais
inatos, que deveriam ser respeitados pelas leis.
- O crepúsculo (ocaso) do Direito Natural (século XIX e primeira metade do século XX)
• No positivismo filosófico de Comte, não havia espaço para um Direito Natural. Tratava-se de
pensamento anti-metafísico e empirista, que não aceitava o raciocínio dedutivo.
• Na escola de Exegese francesa, também predominava uma visão anti-metafísica, anti-
jusnaturalista e estatalista, segundo a qual direito é apenas aquele criado pelo Estado (códigos0
ou, no máximo, permitido por ele (direito costumeiro). Havia, inclusive, a defesa do dogmatismo
legal (autossuficiência dos códigos) e da subordinação à vontade do legislador. Não sendo um
direito empirista, o Direito Natural não tinha lugar no século XIX.
• A escola histórica do Direito, da mesma forma, também se afastava as ideias jusnaturalistas, na
media em que entendia o Direito como produto da história e do espírito dos povos.
O Normativismo de Kelsen
• Defesa da obediência do Direito injusto: Kelsen nem mesmo entra neste mérito, se limitando a
defender a existência de um dever jurídico de obedecer a norma.
3 a 10 de novembro de 2016
A Ética de Kant
- Kant resume o seu processo filosófico (“O que é o homem?”) em três perguntas:
• “O que posso saber?”
a. Em Kant, tudo parte da teoria do conhecimento (gnoseologia). Diferentemente de Wolf
(dogmatismo) e Hume (ceticismo), Kant desenvolveu uma posição metodológica própria,
denominada criticismo e caracterizada por uma análise crítica do processo de conhecimento,
com total centralidade no sujeito (até então, a Filosofia esteve muito mais preocupada com o
objeto). Existem, no entanto, limitações inerentes ao próprio sujeito, isto é, o sujeito não
apreende a realidade / essência última das coisas (“as coisas em si”) porque seu conhecimento
ocorre em função das suas limitações sensoriais. Desse modo, o que homens conhecem é uma
representação das coisas a partir da forma como estas se apresentam (o espaço e o tempo, por
exemplo, seriam realidades que estariam mente do sujeito e que permitiriam-no apreender o
mundo físico).
b. Kant afirma que a matéria de nosso conhecimento vem da experiência, do mundo exterior, por
meio de nossos sentidos. Contudo, essas informações vêm de uma forma desconexa, pois na
experiência não existem as noções de causa e efeito, por exemplo, que poderiam servir para
organizar esses dados. Assim, existem em nós formas de sensibilidade e formas do
entendimento. Por meio das formas da sensibilidade, temos acesso ao mundo exterior, e pelas
formas do entendimento construímos conceitos, com base nesse contato sensível com o mundo.
• “O que devo fazer?”
• “O que posso esperar?”
- Teorias deontológicas x Teorias teleológicas.
• As teorias deontológicas dão primazia ao dever em detrimento do bem (ética de Kant), ou seja, a
correção moral de um ato depende de sua valia intrínseca. Há uma crença na racionalidade
humana, a qual, embora seja única, pode ser didaticamente dividida em razão teórica (nos permite
conhecer o universo e o mundo físico) e em razão prática (nos permite conhecer a lei moral).
a. O grande esforço de reflexão filosófica que Kant empreende tem o objetivo de estudar um
âmbito teórico (o que ocorre de fato no universo, como a rotação dos planetas em volta do Sol)
e um âmbito prático / moral (o que pode ocorrer por ação livre dos seres humanos). Tanto no
âmbito teórico quanto no prático, é possível que o homem saia da ignorância e rompa com a
superstição, se ele for capaz de disciplinar filosoficamente a sua reflexão.
b. A razão pode conhecer como é o mundo físico e moral, não podendo, contudo, responder às
perguntas: Como foi a origem do mundo? Deus existe? A alma é imortal?
c. “Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e
frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de
mim.” (Kant)
• As teorias teleológicas dão primazia ao bem em detrimento do dever. Embora todas teorias
utilitaristas sejam teleológicas, nem toda teoria teleológica é utilitarista, como é o caso das teorias
de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. O utilitarismo procura a maximização do bem-estar
geral, sendo possível o sacrifício de deveres e direitos individuais em prol de tal objetivo.
- Kant repudia o utilitarismo. Só porque uma coisa proporciona prazer a muitas pessoas, isso não
significa que possa ser considerada correta. O simples fato de a maioria, por maior que seja,
concordar com determinada lei, ainda que com convicção, não faz com que ela seja justa. O
argumento mais fundamental de Kant é o de que basear os princípios morais em preferências e
desejos (até mesmo o desejo da felicidade) seria um entendimento equivocado do que seria
moralidade. Embora fosse cristão, Kant não fundamenta a moralidade na autoridade divina, mas
argumenta que podemos atingir o princípio supremo da moralidade por meio do exercício
daquilo que ele denomina “pura razão prática”.
- Princípios morais
• Em Santo Tomás de Aquino, os princípios morais são heterônomos porque exteriores ao homem.
Em Kant, os princípios morais são autônomos porque dados pelo próprio homem a si mesmo,
com abstração dos ditados de certa autoridade humana ou divina e dos ditados dos próprios
desejos ou impulsos. Em outras palavras, a valia das ações (correção moral) é mais importante do
que as consequências destas; o que importa é fazer a coisa certa porque é a coisa certa, e não por
algum outro motivo exterior a ela (exemplo do comerciante e da criança e da caridade).
• Os princípios morais são, ainda, segundo Kant, absolutos / categóricos porque não comportam
exceções ou acomodações de qualquer espécie, motivo pelo qual, por exemplo, existiria um dever
moral de falar a verdade em toda e qualquer circunstância.
• Por fim, os princípios morais são universais porque vigoram em todos os tempos para todos os
seres racionais, independentemente de seus desejos, impulsos ou apetites.
- Imperativo hipotético
• Os imperativos hipotéticos são sempre condicionais, ou seja, há uma hipótese e um enunciado. Se
a ação for boa apenas como um meio para atingir determinada coisa, o imperativo será hipotético
(o Direito é considerado um imperativo hipotético porque não possui uma validade intrínseca).
• O imperativo hipotético será uma norma técnica quando se objetivar um fim particular e
contingente (por exemplo, “se quiser passar no vestibular, estude com afinco”), ao passo que será
uma norma de prudência quando o fim for universal e necessário (por exemplo, “se quiser ser
feliz, cultive boas amizades”).
- Imperativo categórico
• Os imperativos categóricos são incondicionais, ou seja, há apenas a regra. Se a ação for boa em si,
e, portanto, necessária para uma vontade que, por si só, esteja em sintonia com a razão, o
imperativo será categórico. Em outras palavras, há um comando sem referência e sem
dependência de nenhum outro propósito, motivo pelo qual apenas um imperativo categórico,
segundo Kant, pode ser considerado um imperativo da moralidade.
• “Aja apenas segundo um determinado princípio que, na sua opinião, deveria constituir uma lei
universal”, ou seja, só se deve agir de acordo com os princípios que podem ser universalizados
sem contradição.
a. Seria moralmente aceitável conseguir um empréstimo fazendo uma falsa promessa de que
devolveria o dinheiro em pouco tempo, promessa essa que sei que não poderei cumprir? Uma
falsa promessa poderia ser coerente com o imperativo categórico? Ao tentarmos universalizar
essa máxima e, ao mesmo tempo, agir de acordo com ela, descobriremos uma contradição: se
todos fizerem falsas promessas sempre que precisarem de dinheiro, ninguém mais acreditará
nessas promessas. Na verdade, não haveria promessas; a universalização da falsa promessa
eliminaria a instituição do cumprimento da promessa.
• “Aja de forma a tratar a humanidade, seja na sua pessoa, seja na pessoa de outrem, nunca como
um simples meio, mas sempre ao mesmo tempo como um fim.” Pessoas são seres racionais, não
possuindo apenas um valor relativo, mas também um valor absoluto, intrínseco (dignidade).
a. Quando prometo a uma pessoa pagar-lhe o dinheiro que espero conseguir emprestado, sabendo
que não poderei fazê-lo, eu a estou usando como um meio para resolver um problema
financeiro e não a estou tratando como um fim em si mesma, merecedora de respeito.
- Boa vontade
• Em Kant, a única coisa incondicionalmente boa é a “boa vontade”, no sentido de vontade de
obedecer a lei moral, independentemente do seu proveito ou desvantagem. A boa vontade não é
boa pelo que produz e realiza, nem por facilitar o alcance de determinado fim, mas apenas pelo
querer mesmo; isto quer dizer que ela é boa em si e que, considerada em si mesma, deve ser tida
em valor infinitamente mais elevado que tudo quanto possa realizar-se por seu intermédio em
proveito de alguma inclinação. A conformidade absoluta das intenções à lei moral corresponde à
virtude e torna o indivíduo digno da felicidade.
• Boa vontade é a vontade que, não só é conforme o dever, mas também pelo dever, determinada
única e exclusivamente pela razão. Em outras palavras, a boa vontade é a vontade da pessoa que
cumpre o seu dever, não porque é do seu interesse ou porque possui uma inclinação para tanto,
mas porque, simplesmente, é o dever, cuja validade intrínseca pode ser identificada por qualquer
homem (mais uma vez, o exemplo do comerciante e da criança).
• Três teses resumem a boa vontade kantiana:
a. A única coisa boa moralmente, sem restrições, é a boa vontade.
b. A boa vontade é a vontade de agir por dever.
c. A ação moralmente boa é aquela que se realiza, de acordo e pelo dever.
• Diferentemente da boa vontade, a inteligência não é boa em si mesma porque pode ocasionar
situações moralmente ruins (criminoso inteligente x criminoso rude).
- Postulados da razão prática kantiana
• Liberdade: se cumpríssemos o dever moral porque estamos programados biologicamente para tal,
que valia teria nosso ato moral? A nossa prática só tem valor moral porque somos livres e, sendo
livres, optamos pelo dever, ou seja, os homens são livres para cumprir o dever moral.
• Existência de Deus e imortalidade da alma: embora o dever deva ser feito em função do próprio
dever, e não em função da felicidade (utilitarismo), Kant entende que seria intolerável se os
homens virtuosos (que cumprem o seu dever moral) não fossem recompensados pela felicidade.
Como é fato que, no mundo em que vivemos, nem sempre a virtude é recompensada, a
moralidade pressupõe necessariamente a existência de Deus e a imortalidade da alma, de modo
que, não vindo a recompensa neste mundo, ela viria no próximo.
17 a 24 de novembro de 2016
• Rawls entende que os indivíduos não possuem mérito moral por terem determinados talentos, os
quais, por serem bens comum, devem ser revertidos para a sociedade.
• Ex: há um padrão A de distribuição, no qual cada pessoa recebe quatro salários mínimos, e um
padrão B de distribuição, no qual a pessoa 1 recebe cinco salários mínimos, a pessoa 2 recebe seis
salários mínimos, a pessoa 3 recebe sete salários mínimos e assim por diante. Rawls entenderia
que o padrão B seria mais justo, na medida em que a pessoa que está em pior situação (pessoa 1)
está melhor do que estaria numa sociedade na qual vigorasse o padrão A de igualdade absoluta
(maximização da porção mínima).
- A retomada da razão prática
• A ética pode ser dividida em ciência da moral ou ética descritiva, ética normativa, ética analítica
ou metaética e ética aplicada.
• Ética normativa: é a parte da ética que indaga o que certo, o que é bom e o que é obrigatório, ou
seja, a ética normativa é o estudo das várias correntes de determinação da ação correta,
respondendo a perguntas como “o que devemos fazer?” (Kant) e “qual a melhor forma de
viver?” (Aristóteles). Em suma, no âmbito da ética normativa, nós formulamos juízos de valor,
determinando, efetivamente, que coisas são justas e boas.
a. São três as principais correntes da ética normativa, quais sejam a ética das virtudes aristotélico-
tomista, a ética do dever de Kant e a ética utilitarista. É possível falar, ainda, numa quarta
corrente da ética normativa, denominada ética do mandamento divino.
b. A ética normativa é o núcleo mais importante da ética, podendo ser chamada, também, de ética
substancial. Seu objeto é a determinação de princípios básicos de justiça e, mais genericamente,
de moralidade. Quando Santo Tomás de Aquino fala que “deve-se fazer o bem e evitar o mal”,
bem como quando Kant estabelece o imperativo categórico para avaliação da máxima das
ações, nós estamos no campo da ética normativa.
• Ética analítica ou metaética: é uma aplicação à ética da filosofia analítica. Esta, por sua vez,
reduziu a filosofia a um estudo da linguagem da ciência, ou seja, para um filósofo analítico, a
filosofia é simplesmente uma metodologia da ciência. Deste modo, analogamente, para um ético
analítico ou metaético, a ética consiste no estudo da linguagem da moral (o que é o bom, o
correto, o justo e o dever?) e na discussão do caráter dos juízos de valor (seriam estes descritivos
e empiricamente verificáveis?).
• Rawls, inquestionavelmente, foi um liberal igualitário, defensor do Estado de bem estar social.
Segundo Dworkin, também um liberal igualitário, para os liberais, a justiça deve ser independente
de qualquer concepção a respeito da excelência humana ou da vida boa, na medida em que, em
um modelo liberal de sociedade, é o próprio indivíduo que sabe a sua concepção acerca da
excelência humana e da vida boa (a sociedade não impõe aos indivíduos qualquer ideal).
• Em Rawls, há um compromisso (conciliação) entre os ideais de liberdade e igualdade,
diferentemente de Nozick, que dá uma total primazia à liberdade, e de Dworkin, que vê na
igualdade o cerne do liberalismo.
• O obra de Rawls A Theory of Justice (1971) trouxe muitas inovações, dentre as quais a tentativa
de reconciliação de duas faces da teoria política tradicional que estavam distanciadas: o estudo do
desejável e o estudo do exequível. No século XX, a economia e a ciência política restringiram seu
domínio ao terreno dos fatos (exequibilidade), não se envolvendo com questões de desejabilidade,
ao passo que a Filosofia caracterizou-se justamente por fazer o contrário. No seu livro, Rawls
preocupa-se tanto com aquilo que é desejável (formulação de princípios de justiça que devem
reger a sociedade) quanto com o que é exequível (estabilidade das estruturas sociopolíticas que
serão adequadas aos princípios de justiça).
• No final do século XIX e início do século XX, três razões teriam levado ao predomínio do
discurso metaético (o qual, em regra, afasta a possibilidade de uma razão prática), em detrimento
das questões relacionadas à ética normativa.
a. Intuito de esclarecer a linguagem moral: achava-se que, em ética, as discussões eram, muitas
vezes, provenientes do descordo em relação aos termos morais, ou seja, por exemplo, para se
discutir se determinado fato era ou não justo, antes deveria haver um conceito do que é justo.
b. Obsessão pela neutralidade (epistemologia weberiana): a ciência deveria preocupar-se apenas
com juízos de fato ou de realidade, que têm uma comprovação empírica, e não com juízos de
valor de caráter estético ou ético.
c. Complexo de “grilo falante”: os filósofos não queriam ser confundidos com moralistas (“grilos
falantes”) e, por isso, teriam abandonado a prescrição de juízos de valor.
• Importante ressaltar que nem todos os filósofos metaéticos abandonaram por completo a ética
normativa, como nos casos de Moore, Stevenson e Hare.
• Ayer, mais radical e influenciado pelas ideias de Hume, Russell e Wittgenstein, entendia ética
como sinônimo de metaética, afastando totalmente a ética normativa. Para o autor, somente duas
proposições teriam um caráter significativo: as analíticas (formuladas a priori e nas quais o
predicado nada acrescenta ao sujeito) e as empíricas (formuladas a posteriori e nas quais o
predicado acrescenta algo ao sujeito). As proposições éticas, não sendo analíticas e nem
empíricas, não teriam significado cognoscitivo, constituindo-se em “pseudojuízos” (Ayer é o que
se chama de emotivista ético, para quem qualquer juízo ético seria uma descrição de emoções).
• No século XX, Rawls, ao mesmo tempo em que desafiou o predomínio da metaética através da
proposição de uma volta da ética normativa, também procurou construir uma alternativa ao
pensamento utilitarista que dominava o cenário anglo-americano, no âmbito da própria ética
normativa. Em outras palavras, Rawls enfrentou o ceticismo em relação da possibilidade de
fundamentar racionalmente a moral.