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LIVRO-REPORTAGEM
FILHOS DO BRASIL
SÃO PAULO
2010
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LIVRO-REPORTAGEM
FILHOS DO BRASIL
SÃO PAULO
2010
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a nossos pais, pois sem eles não teríamos sequer a
oportunidade de concluir esse projeto.
Ao professor Carlos Sandano, por esclarecer os caminhos a serem seguidos.
Aos profissionais parceiros, que contribuíram com talento na concepção do
livro.
À Daniela, pelas leituras e críticas frequentes.
À Roberta, pela paciência e companheirismo.
Aos colegas de trabalho, pelos espaços abertos e compreensão ante a nossa
falta de tempo.
E a Deus, pela saúde e força.
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Luiz Inácio da Silva, o Lula, e sua mãe, Dona Lindu, recriados no drama de
Barreto, são representações dos milhares de migrantes nordestinos que deixaram
sua região de origem em busca de melhores condições de vida, fugindo da violência
familiar; do abandono das autoridades; da fome e da falta de esperança que
convivem de forma contígua aqueles viventes e sobreviventes da seca, sem água e
sem comida. O percurso até a cidade grande é narrado como uma epopeia de
conhecimento e luta, no qual os contatos humanos intensificam-se, criando uma
relação de quase irmandade com os outros tantos que seguem na caçamba de um
pau-de-arara rumo a uma realidade em que não seja preciso depender da boa
vontade de governos indiferentes aos interesses dos excluídos, ou de favores
interessados dos proprietários e patrões, sem nenhuma garantia de melhora em seu
futuro.
Porém, quantas outras vidas tão doloridas ou vitoriosas existem e sequer são
recontadas pelos diretores em suas películas, mas, sobretudo, pelos jornalistas,
caçadores vorazes de bons relatos? Sendo assim, quantos brasileiros anônimos têm
contos tão interessantes e elucidativos sobre a realidade político-econômica por que
passa o país, não desconsiderando os institutos de pesquisa, mas revelando quando
e onde os números transformam-se em seres humanos?
pode elevar o potencial do jornalista a limites jamais vistos, fazendo com que esse
homem da informação alcance as motivações e implicações mais profundas de
determinado fato, atingindo assim um relato carregado de sentido, ultrapassando os
limites do tempo presente, por meio de um bem acabado texto, beirando a boa
literatura de ficção.
1. REFERENCIAL TEÓRICO
A imprensa comercial periódica pauta seus repórteres pela agenda oficial dos
institutos de pesquisa, das agências do Governo, dos balanços das empresas, no
fato diário desumanizado. Não há nesse processo um interesse pelo
aprofundamento dos temas, uma vez que, quanto mais rápido uma informação é
publicada, maior a competição entre as empresas jornalísticas e seus “escrevedores
de texto” para a publicação de novas informações, carentes de uma apuração mais
elaborada, em que outros elementos além do lead sejam verdadeiramente
considerados como parte importante do trabalho noticioso. Dessa forma, como é
possível entender o contexto no qual os fatos e acontecimentos surgem e tornam-se
notícia, se o processo de elaboração do relato jornalístico é cada vez mais
superficial e efêmero, afastado das minúcias que permeiam os dados presentes na
velha fórmula do quê, como, onde, quando e por quê?
periódica. Exemplo claro dessa rapidez por que os assuntos entram e saem das
esferas de interesse do jornalismo periódico são as coberturas de casos de teor
policialesco, tais como a morte da menina Isabella Nardoni, em março de 2008,
atirada do oitavo andar de um prédio em São Paulo, no qual o pai e a madrasta da
criança foram acusados pelo crime. À época, toda a imprensa voltou-se para o tema,
muito por conta da comoção gerada pelo ocorrido, mas principalmente pela
possibilidade de ganhar audiência e informar à frente dos concorrentes, em uma
procura incessante pela informação de momento, muitas vezes desconexa e sem
lógica no contexto do fato em questão. O foco da ação de repórteres e veículos
informativos era somar apenas algum novo elemento à informação original. Com
raras exceções, buscou-se uma compreensão do universo familiar e psicológico em
que o assassinato foi cometido; uma tentativa de trazer à luz motivações mais
intrínsecas ao todo social no qual esse crime está inserido, e que forças externas
atuam sobre ele. Desvirtua esse processo informativo a ausência de conexão entre
o fato da hora e eventos anteriores da mesma natureza. Uma preocupante
constatação é a de que,
Esse mergulho de que fala Edvaldo Pereira Lima pode valer-se de recursos
ligados a pesquisa jornalística, as técnicas mais elaboradas de entrevista, assim
como de elementos ligados à sociologia e antropologia, formando um conjunto de
elementos capazes de revelar e contextualizar as possíveis razões para a ocorrência
de determinado fato, aplicados até o limite permitido durante as idas aos locais pré-
estabelecidos e no contato com nossas fontes.
opta pela grande reportagem, tem à sua disposição recursos e propostas de estilo
raramente vistas e permitidas na imprensa convencional. Alguns desses elementos
que integram esse fazer jornalístico mais elaborado, tais como novas possibilidades
de construção do texto e técnicas de captação de informações inseridas em uma
produção jornalística que busca inspiração na arte para alcançar a mínima
compreensão da verdade, foram empregadas por nós na elaboração de Filhos do
Brasil, dando forma à ideia de contemporaneidade nas histórias sobre os lugares
percorridos e pessoas encontradas.
O leitor mais atento, ao abrir os jornais pela manhã, pode constatar como é
cada vez mais padronizada a linguagem empregada na elaboração de seus textos e
manchetes. O jornalista, tolhido pelas regras e preceitos dos manuais de redação;
preso a fórmulas e modismos negativos, tem obstáculos para a elaboração de um
relato mais lastreado e verdadeiramente capaz de informar e contextualizar o leitor
ou ouvinte ou telespectador. Pelo contrário, esse profissional do texto, controlado
pelo efeito arrasador da eterna falta de tempo nas redações dos grandes veículos de
comunicação, cada vez mais preocupados com os patrocinadores e financiadores,
perde a oportunidade de oferecer um serviço de qualidade ao seu cliente, o
consumidor de informação. Isso compromete a qualidade do jornalismo produzido
nessas organizações, provocando um aumento exponencial da oferta de relatos
compostos apenas pelos dados básicos de determinado fato, desvirtuado do
elemento básico do jornalismo, a apuração. Segundo Ricardo Noblat, a “pressa”
enraizada no trabalho de repórteres e pauteiros
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raias da boa literatura. Essa opção pelo uso da palavra trabalhada permite ao
jornalista/autor empregar sua marca no texto, revelando as subjetividades presentes
ao longo da apuração, no contato com as fontes e na descrição dos ambientes. A
narração das percepções e dados levantados pelo jornalista por meio do texto,
permeado este por elementos literários, permite maior absorção da mensagem, de
maneira clara e elucidativa do evento exposto, isso porque
Utilizando recursos das técnicas expostas até aqui, atuamos ao longo de seis
meses de produção direta do livro-reportagem buscando compreender e revelar com
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picolés. Até que, finalmente, o pai lhe estendeu um picolé verde. Mas
recuou, recolhendo o sorvete:
- Não vou te dar sorvete, não. Você não sabe chupar.
A mão do menino ficou parada no ar. E o choro, sufocado na
garganta (DANTAS, 2009, p.77).
2. APRESENTAÇÃO DA PEÇA
2.1 CONCEPÇÃO
Isto decidido, a dúvida ficou por conta do formato. Em principio, a ideia era
criar, como peça jornalística, um vídeo-documentário. Esse tipo de mídia consegue
mexer com o emocional dos telespectadores, o que nos apontaria para um caminho
de tons dramáticos e forte apelo imagético. Entretanto, um vídeo de 21 minutos
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2.2 EXECUÇÃO
ocorreram paradas, tais como o Produto Interno Bruto (PIB); número de escolas e
unidades de saúde; frota e população; e relatos acerca do próprio deslocamento,
realizado num precário veículo da Autoviação Progresso.
Não desconsiderando que nosso foco estava “na rua”, era preciso
compreender como pensavam e agiam alguns dos representantes do poder público
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garanhuense. Apesar dos contatos mantidos ainda em São Paulo indicarem que não
seria tarefa das mais difíceis entrar nos gabinetes, não nos foi autorizada uma
entrevista com o prefeito da cidade, Luiz Carlos de Oliveira. Pretendíamos tratar de
temas ligados à economia e política com o chefe do executivo municipal.
esse trajeto foi descobrir que razões levavam os passageiros; nossos companheiros
por mais de 45 horas, a cortar o país dormindo em condições desconfortáveis, em
turnos longuíssimos nas sinuosas e, algumas vezes, esburacadas rodovias do país.
todos os amigos de ocasião; suas estórias são recontadas por meio de uma
linguagem mais fluída, às vezes lenta, outras vezes rápida, permitindo ao leitor
experimentar o mesmo ritmo das rodas e o soar constante do barulho do motor do
ônibus, além de induzirem os cheiros e visões de quem está preso em seu interior.
Importante ressaltar que o texto segue a mesma linha de todo volume, com o
proveito qualitativo de descrições e de uma linguagem leve; uma tentativa de
prender a atenção do leitor.
Esse texto diferenciado; uma fuga incessante dos manuais e amarras das
redações dos jornais diários, foi alcançado também após as andanças e
experiências na Vila Carioca, pequeno bairro bem no meio do Ipiranga, na zona sul
da capital paulista. Antes mesmo de sairmos à procura de pessoas capazes de
elucidar como era a vida no local mais de 50 anos após a chegada por ali do menino
Lula, levado pela mãe, era preciso percorrer as ruas de pedra, sentir o clima da
região, aspirar o cheiro de ferro fundido das pequenas metalúrgicas. Tomados pelo
espírito pacato e quase acolhedor do lugar, conseguimos adentrar uma das casas e
conhecer a mulher que dá nome ao capítulo. Dona Zaíra trata não só das grandes
mudanças na rotina das famílias, como a inauguração de uma moderna estação do
Metro; um impressionante recorte de cimento e aço em meio aos galpões e moradas
nos entornos da Avenida Presidente Wilson.
Faz-se necessário ainda ressaltar que nem tudo que se passou com a dupla
foi descrito neste relatório, uma vez que foi preciso priorizar as partes mais
relevantes, nas quais notam-se a presença marcante do embasamento teórico
compilado ao longo de todo ano para a devida produção da reportagem. Não há
nisso uma tentativa de desqualificar o que ocorreu além do relatado até aqui; as
outras partes formam, juntamente com as mais simbólicas da reportagem, um
organismo cerrado, enriquecido pelas experiências dos alunos, das personagens e
por tudo que envolveu a feitura da peça.
2.3 FINALIZAÇÃO
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Relatadas como uma pontinha de inspiração nas obras dos grandes nomes
do jornalismo literário brasileiro e de outras paragens, as histórias colhidas e
apresentadas com o absoluto propósito de informar e emocionar são humildes
exemplos de como é possível reinventar o modo de fazer notícia, libertando-o dos
dogmas dos manuais e elevando-o a uma nova categoria dentro do processo
comunicacional; um jornalismo total, sensível e atento, interessado e capaz de
emocionar, sem perder sua capacidade fundamental de provocar indagações e
tentar compreender o mundo como um ambiente mutável, habitado não por
números, mas pelos verdadeiros causadores das notícias, os seres humanos,
nossos iguais, filhos da terra, filhos do Brasil.
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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABDALA JÚNIOR, Benjamin. In: DANTAS, Audálio. São Paulo: Editora Senac, 1998.
CAPOTE, Truman. A sangue frio: a história dos quatro membros da família Clutter
brutalmente assassinados. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
GUIA DE MÍDIA. Folheto elaborado para divulgação do filme Lula, o filho do Brasil.
Rio de Janeiro: Primeiro Plano Assessoria de Imprensa, 2010.
LIMA, Edvaldo Pereira. O que é livro-reportagem. São Paulo: Editora Manole, 1998.
MITCHELL, Joseph. O Segredo de Joe Gould. São Paulo: Companhia das Letras,
2003.
NOBLAT, Ricardo. A Arte de Fazer um Jornal Diário. São Paulo: Editora Contexto,
2007.
PARANÁ, Denise. Lula, o filho do Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2008.
TALESE, Gay. Aos olhos da multidão. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1973. In:
DANTAS, Audálio. Repórteres. São Paulo: Editora Senac, 1998.
WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005.
___________ The New journalism. Nova York: Harper & Row, 1973. In: Páginas
Ampliadas: O Livro-Reportagem Como Extensão do Jornalismo e da Literatura. São
Paulo: Editora Manole, 2004.
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