Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Gaspar Souza1
INTRODUÇÃO
Nos últimos trinta anos, um novo debate na academia foi introduzido. Trata-se de
trazer para o centro do debate cristão o tema da Justificação. Porém, longe do conceito
sistematizado e defendido pelos Reformadores, a nova abordagem reformula o conceito
tradicional para uma nova perspectiva. Nesta nova abordagem, a Carta de Paulo aos
Gálatas, bem como Romanos, passam por outra investigação histórica e exame do
comportamento teológico dos judeus do primeiro século da Era Cristã. Segundo esta
concepção, o Judaísmo que Paulo tão tenazmente combateu não possuía uma visão auto-
justificante nem legalista. Paulo não estava refutando a justificação pelas “obras da lei”,
mas apenas debatendo a posição e a relação entre Judeus e Gentios na Igreja Cristã.
Esta abordagem tem sido chamada de Nova Perspectiva sobre Paulo (NPP) ou
Teologia da Nova Perspectiva e recentes estudiosos têm adotado esta visão1. Em matéria
na Christianity Today2, após parafrasear o título da obra de N.T. Wright,3 o subtítulo já
deixava claro o objetivo da NPP: “Eruditos da Nova Perspectiva argumentam que
precisamos, com justiça, uma nova perspectiva sobre a justificação pela fé”. De fato, trata-
se de uma reinvenção de Paulo.4
Na verdade, o objetivo da NPP é reinterpretar a relação de Paulo com a Lei de
Moisés para os gentios e reacender o debate acerca do lugar da Lei na Nova Aliança. O
centro da questão, portanto, se dá em torno de dois pontos: 1) o que Paulo queria dizer
com a expressão “obras da Lei” e; 2) o que Paulo queria dizer por “justificados pela fé”.
Estes dois pontos, portanto, relacionam-se com a natureza do judaísmo do primeiro século
e com os atos missionários de Paulo aos gentios.
O que está em jogo é nada mais do que a doutrina da justificação especialmente
como entendida pelos Reformadores, principalmente Lutero. Este não é, portanto, um
debate arcaico acerca de uma doutrina de somenos importância. Antes, “nunca será
demais insistir no caráter polêmico da doutrina paulina da justificação. Ela desaparece
quando é enfraquecida ou quando se elimina o seu caráter antitético”.5 Trata-se de um
pilar do cristianismo. Como bem alertou o Dr. Joel Beeke:
A relevância e urgência desta doutrina dizem respeito à identidade, a essência da
Teologia Cristã, a proclamação do Evangelho, bem como o fundamento experimental
escritural da Fé Cristã para cada um de nós. A Justificação pela Fé não é mais apenas, nas
palavras de Lutero, “o artigo pela qual a igreja fica de pé ou cai” (articulus stantis et
cadentis ecclesiae), mas por esta doutrina cada um de nós pessoalmente ficará de pé ou
cairá na presença de Deus.6
Neste artigo, portanto, desejamos introduzir os leitores ao tema em questão – Nova
Perspectiva Paulina – abordando, neste primeiro artigo,7 sua história, seus principais
proponentes e suas ideias, e os pressupostos subjacentes à NPP.
1
Professor de Teologia Exegética e Apologética no Seminário Presbiteriano do Norte. Professor Visitante
no Seminário Martin Bucer (São José dos Campos, SP) e na Escola Teológica Charles Spurgeon (Fortaleza,
CE). Mestrando em Teologia Filosófica com Especialização em Exegese Bíblica. Pastor Efetivo da Igreja
Presbiteriana dos Guararapes, Jaboatão dos Guararapes, PE
Bultmann.9 Segundo ele, a interpretação luterana da visão de Paulo da justiça pela fé era
historicamente errada, pois o centro da teologia paulina seria a “história da salvação”
descrita especialmente em Romanos capítulos 9 a 11.3.10
Werner Kümmel questionou o “Eu” Paulino em Romanos 7.7-25, afirmando que
aquele “eu” não era autobiográfico de uma época pré-cristã ou pré-conversão de Paulo.
Para Kümmel, o “eu” era um dispositivo retórico significando “alguém” ou “qualquer
um” separado de Cristo11. Porém, três nomes atuais se destacam quando se fala de NPP:
Ed Parish Sanders, James D. G. Dunn e Nicholas Thomas Wright.
1. 1. Ed Parish Sanders
Se, na atualidade, pode-se vincular a NPP a um destes nomes, sem dúvidas que E.
P. Sanders se destaca como “o mais influente erudito sobre Paulo nos últimos vinte e
cinco anos”,12 embora não seja o originador da NPP.13 Seu livro, Paul and Palestinian
Judaism – a comparision of patterns of Religion, de 1977, deu um novo e decisivo ímpeto
nos estudos paulinos desde então,14 seguida da obra, da mesma pena, Paul, the Law and
the Jewish people (1983).15
Segundo Sanders, é preciso contestar a persistente visão de que o Judaísmo
Rabínico do primeiro século era legalista e que buscava a justiça pelas obras.16 Para esta
contestação, Sanders se vale de obras rabínicas do período do Judaísmo Palestinense (200
a.C – 200 d.C), tais como a Literatura Tannaítica, os Rolos do Mar Morto, Apócrifos e
Pseudo-epígrafos de Ben-Siraque, 1 Enoque, Jubileus, Salmos de Salomão, 4 Esdras. Na
verdade, diante do vasto corpum litteratum, Sanders foi bastante seletivo, pois outras
obras importantes foram deixadas de lado – Testamento dos Doze Patriarcas e 2 Baruque
(Apocalipse de Baruque) e, principalmente, o Targum Aramaico17, sob a alegação de
falta de tempo ou espaço para examiná-las ou interpolações cristãs em alguns
documentos.18
O objetivo de Sanders, comparando aquela literatura com as Cartas de Paulo, é ir
“atrás da terminologia para determinar se Paulo e os Rabinos (por exemplo) tinham ou
não o mesmo tipo de religião”.19 A conclusão de Sanders é que no Judaísmo Palestinense
a “obediência [da lei] mantém a posição de alguém no pacto, mas não ganha a graça de
Deus como tal. Ela simplesmente guarda um indivíduo no grupo que é recipiente da graça
de Deus“20. Enfim, é possível resumir a posição de Sanders acerca do Judaísmo dos
anos 200 a.C a 200 d.C com suas palavras, naquilo que ele chama de “nomismo pactual”:
O ‘modelo’ ou ‘estrutura’ do nomismo pactual (covenantal nomism) é este: (1)
Deus escolheu Israel e (2) deu a lei. A lei implica na (3) promessa de Deus em manter a
eleição e (4) requerer obediência. (5) Deus recompensa a obediência e pune a
transgressão. (6) A lei fornece os meios para expiação, e a expiação resulta em (7)
proteção ou restabelecimento da relação pactual. (8) Todos aqueles que são mantidos no
pacto pela obediência, expiação e misericórdia de Deus pertencem ao grupo que serão
salvos.21
Onde Paulo entra nesta história? Paulo apenas transferiu a terminologia do
Judaísmo para o Cristianismo22, mas que no fim Paulo “apresenta um tipo de religião
essencialmente diferente de qualquer encontrada na literatura judaica palestinense”23. A
justiça no Judaísmo era para obedecer aos mandamentos e arrependimento dos pecados.
Nisto reside a maior mudança de Paulo,
Pois ser justo na literatura judaica significava obedecer a Torah e arrepender-se da
transgressão, mas em Paulo isto quer dizer ser salvo por Cristo. Mais sucintamente, justiça
no judaísmo é um termo que implica a manutenção do status entre o grupo de eleito; em
Paulo é um termo transferido.24
Em outras palavras, nesta NPP, a justiça em Paulo era para “entrar”, enquanto no
Judaísmo era para “permanecer” no pacto. Enfim, Sanders conclui desaprovando o
pensamento paulino ao afirmar:
Paulo parece ignorar (e por consequência negar) a graça de Deus para Israel como
evidenciada pela eleição e pelo pacto. Mas, isto nem por causa da ignorância do
significado do pacto dentro do pensamento judaico, nem por causa do legado da
concepção do pacto no judaísmo tardio. Paulo, na realidade, explicitamente nega que o
pacto judaico possa ser efetivo para salvação, negando, desse modo, conscientemente a
base do judaísmo […]. Em resumo, isto é o que Paulo encontrou de errado no Judaísmo:
ele não era Cristianismo.25
CONCLUSÃO
Vimos neste primeiro artigo um breve histórico, os principais proponentes e o
pressuposto hermenêutico da corrente de estudos paulinos conhecida como “Nova
Perspectiva sobre Paulo”. Não há nada de novo na tentativa de corrigir a visão teológica
encontrada na Reforma Protestante, seja Luterana, seja Calvinista. Até agora, a doutrina
da justificação continua de pé, não só porque é apenas uma doutrina revelada à igreja,
mas porque nenhuma proposta até hoje (e acreditamos que assim continuará), foi
suficiente para responder aos questionamentos acerca da relação do homem com Deus
em termos de Deus santo x homem pecador.
BIBLIOGRAFIA
BEEKE, Joel. Justification by Faith Alone – The Relation between of Fatih to
Jsutifcation. Disponível em: . Acesso: 30 de abr. de 2003.
BUSENITZ, Nathan. A Brief Overview of the New Perspective. Disponível em: . Acesso:
30 jul. 2009.
CALVINO, Juan. Insttuicion de la Religion Cristiana. Vol. 1. Rijswijk (Z.H) – Paises
Bajos: FELIRE, 1999.
CARSON, D.A. A Nova Perspectiva em Paulo. 25a Conferência Fiel para Jovens, 2009,
MP3 [1:04:15]. Disponível em:.
COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. 2vol. 2aed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000.
DUNCAN, J. Ligon. The Attractions of the New Perspective(s) on Paul. Disponível em:
. Acesso em: 25 de maio de 2009.
DUNN, James D. G; SUGGATE, Alan M. The Justice of God: a fresh look at the old
doctrine of justification by faith. Grand Rapids, Michigan: W. B. Eerdmans Publishing
Company, 1993.
DUNN, James D. G. Jesus, Paul and Law – studies in Mark and Galatians. Louisville,
KY: Westminster John Knox Press, 1990.
. The Theology of Paul the Apostle. Grand Rapids,
Michigan/Cambridge, UK: W.B. Eerdmans Publishing Company, 1998.
. The New Perspective on Paul. Ed. Revisada. Grand Rapids,
Michingan/Cambridge, UK: W. B. Eerdmans Publishing Company, 2005.
FARNELL, F. David. The New Perspective On Paul: Its Basic Tenets, History, And
Presuppositions. THE MASTER’S SEMINARY JOURNAL. vol 16, n. 2, 2005, pp. 189
– 243.
GAGER, John G. ReiventingPaul. New York – NY: Oxford University Press, 2000, 208p.
GARLINGTON, Donald B. The New Perspective on Paul – an appraisal two decades
later. In: CRISWELL THEOLOGICAL REVIEW. vol 2, n. 2, 2005, pp. 17 – 38.
GATHERCOLE, Simon. What Did Paul Really Mean? CHRISTIANITY TODAY. Vol.
51, n.8. Disponível em: . Acesso: 29 de jul 2009.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. 3a ed. São Paulo: Ed. Teológica,
2002.
HARRIS, R. Laird; ARCHER JR., Gleason L; WALTKE, Bruce. Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998.
JOHN, Piper. The Future of Justification: a response to N.T. Wright. Wheaton, Illinois:
Crossway Books, 2007.
JOHNSON, Phil. What’s Wrong with Wright: Examining the New Perspective on Paul.
Disponível em: . Acesso em: 13 jul. de 2009.
KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas Paulinas. 2aed. São Paulo: Editora Teológica, 2003.
LONGENECKER, Richard. Studies in Paul – exegetical and theological. Sheffield
Phoenix Press, 2004.
LOPES, Augustus Nicodemus. A Nova Perspectiva sobre Paulo: um estudo sobre as
“Obras da Lei” em Gálatas. In.FIDES REFORMATA. Vol XI, n. 1, 2006, pp.83 – 94.
McGRATH, Alister. Iusticia Dei – A history of the Christian Doctrine of Justification.
3ed. USA – New York: Cambridge University Press, 2005.
. Teologia sistemática, histórica e filosófica – uma introdução à teologia
cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
MARSHALL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento: diversos testemunhos, um só
evangelho. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2007.
PORTER, Stanley E (ed). Dictionary of biblical criticism and interpretation. London/New
York: Routledge, 2007.
. (ed). Paul and His Theology. Leiden, Boston: BRILL, 2006.
RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2004.
SANDERS, E.P. Paul and Palestinian Judaism: A Comparison of Patterns of Religion.
Minneapolis, MN: Fortress Press, 1977.
SOUZA, Gaspar de. A Relevância do Antigo Testamento para a Igreja Contemporânea.
Recife: SPN, 2006. Monografia não publicada.
STUHLMCHER, Peter. Lei e Graça e Paulo – uma reafirmação da doutrina da
justificação. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2002.
SWANSON, Dennis M. Bibliography of works on the New Perspective on Paul. THE
MASTER’S SEMINARY JOURNAL. Vol 16, n.1, 2000, pp. 317 – 324.
TENNEY, Merril C. (Ed.). The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible: Pradis
Software. Grand Rapides, Michigan: Zondervan Publishing House, 2002.
THOMAS, Robert L. Hermeneutics of the New Perspective on Paul. THE MASTER’S
SEMINARY JOURNAL. Vol. 16, n.2, pp. 293 – 316.
TURRENTIN, Francis. Forensic Justification. Disponível em: . Acesso em: 16 maio de
2003
WRIGHT, Nicholas Thomas. What Saint Paul Really Said: Was Paul of Tarsus the Real
Founder of Christianity? Grand Rapids: Eerdmans, 1997, 192p.
. Paul: In Fresh Perspective. Minneapolis: Fortress Press, 2005.
. Justification – God’s Plan and Paul’s Vision. Dowers Grover, Illinoes:
Intervarsity Press Academic, 2009, 279p.
. Paulo – Novas Perspectivas. São Paulo: Loyola, 2009, 229p.
____________
https://teologiabrasileira.com.br/introducao-a-nova-perspectiva-paulina-um-ensaio/