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A arquitetura da repressão: as narrativas nos inquéritos policiais militares

Conference Paper · January 2015

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4 authors, including:

César Nardelli Cambraia Francielle Vargas


Federal University of Minas Gerais University of São Paulo
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A ARQUITETURA DA REPRESSÃO:
AS NARRATIVAS NOS INQUÉRITOS POLICIAIS/MILITARES

César Nardelli Cambraia1


Francielle Alves Vargas2
Paula Carvalho Tavares3
Thaynara Nascimento Santos4

Introdução

Segundo Bandeira (2010), o golpe de Estado que deu origem à


ditadura que perdurou de 1964 a 1985 no Brasil foi um episódio de luta
de classes:

O golpe de Estado em 1964 constituiu um episódio da luta


de classes, com o qual o empresariado, sobretudo seu
setor estrangeiro, tratou de conter e reprimir a ascensão
dos trabalhadores, cujos interesses, pela primeira vez na
história do Brasil, condicionavam diretamente as decisões
da presidência da República, devido às vinculações de
João Goulart com os sindicatos. (BANDEIRA, 2010, P. 415)

Dentre os instrumentos utilizados pela ditadura para reprimir


qualquer manifestação de dissidência ideológica havia os inquéritos
policiais/militares (IP/Ms). Esses procedimentos geravam processos com
documentação para apresentar acusação àqueles que não
sucumbissem ao estado totalitário e à sua ideologia.
Uma questão interessante de se discutir é de que forma os IP/Ms
deixavam transparecer as contradições entre o discurso anticomunista
que havia sido utilizado como justificativa para o golpe e os objetivos
subjacentes, segundo a interpretação da luta de classes, de frear o
processo de ascensão dos trabalhadores.
No presente trabalho, pretende-se investigar essa questão com
base na documentação do Departamento de Ordem Política e Social

1
UFMG/CNPq.
2
UFMG/CNPq.
3
UFMG.
4
UFMG/PROGRAD.
83
de Minas Gerais (DOPS-MG) atualmente disponível no Arquivo Público
Mineiro (APM).

Inquéritos policiais/militares

Segundo estabelece o Código de Processo Penal (Decreto-lei nº


3.689, de 3 de outubro de 1941), vigente no período da ditadura, e ainda
hoje, o inquérito policial (IP) tem por finalidade “a apuração das infrações
penais e da sua autoria” (Liv. I, Tít. I, Art. 4º).
Sua realização deve incluir as seguintes tarefas:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se


alterem o estado e conservação das coisas, até a
chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato,
após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o
esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, (...) devendo o respectivo termo ser
assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a
leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a
acareações;
VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de
corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo
datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha
de antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto
de vista individual, familiar e social, sua condição
econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e
depois do crime e durante ele, e quaisquer outros
elementos que contribuírem para a apreciação do seu
temperamento e caráter. (Liv. I, Tít. II, Art. 6º)

Essas tarefas darão origem a um conjunto de peças de


informação: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só
processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso,
rubricadas pela autoridade” (Liv. I, Tít. II, Art. 9º). Acompanhará esse
conjunto um relatório: “A autoridade fará minucioso relatório do que tiver
sido apurado e enviará autos ao juiz competente” (Liv. I, Tít. II, Art. 10, §1º).

84
O inquérito policial militar, segundo estabelece Código de Processo
Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969), diferencia-
se do anterior basicamente em função da natureza do crime, no caso,
militar: sua finalidade é “a apuração sumária de fato, que, nos termos
legais, configure crime militar, e de sua autoria” (Liv. I, Tít. III, Cap. Único, art.
9º).
As tarefas de realização do IPM são, na sua essência, quase iguais
às do IP:

Art. 12 (...) a autoridade (...) deverá, se possível:


a) dirigir-se ao local, providenciando para que se não
alterem o estado e a situação das coisas, enquanto
necessário;
b) apreender os instrumentos e todos os objetos que
tenham relação com o fato;
c) efetuar a prisão do infrator, observado o disposto no
art. 244;
d) colher todas as provas que sirvam para o
esclarecimento do fato e suas circunstâncias.
Art. 13. O encarregado do inquérito deverá, para a
formação deste: (...)
a) tomar as medidas previstas no art. 12, se ainda não
o tiverem sido;
b) ouvir o ofendido;
c) ouvir o indiciado;
d) ouvir testemunhas;
e) proceder a reconhecimento de pessoas e coisas, e
acareações;
f) determinar, se for o caso, que se proceda a exame
de corpo de delito e a quaisquer outros exames e
perícias;
g) determinar a avaliação e identificação da coisa
subtraída, desviada, destruída ou danificada, ou da qual
houve indébita apropriação;
h) proceder a buscas e apreensões (...);
i) tomar as medidas necessárias destinadas à proteção
de testemunhas, peritos ou do ofendido, quando coactos
ou ameaçados de coação que lhes tolha a liberdade de
depor, ou a independência para a realização de perícias
ou exames. (Liv. I, Tit. III, Cap. único, Arts. 12 e 13)

Como se vê, esses ritos jurídicos constituem-se de uma sucessão


de eventos para apurar uma infração penal, sendo cada passo
registrado textualmente, dando origem a uma macronarrativa (resumida
pelo relatório final), composta de micronarrativas (representadas por

85
cada peça de informação, como os termos de declaração das
testemunhas e dos indiciados).
Vejamos a seguir como, na prática, essas narrativas se
manifestaram na documentação do DOPS-MG durante a ditadura de
1964-1985.

O CORPUS

Como assinala Silva (2007, p. 104), o primeiro órgão de polícia


política de Minas Gerais foi criado em 1922 (com o nome de Gabinete
de Investigações e Capturas), passando por diversas transformações até
fixar a designação de Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)
em 1969 (Lei n. 5.406 de 16 de dezembro de 1969, art. 51). As
modificações refletiam as conjunturas sociais de cada época, como foi o
caso na década de 50:

na visão dos integrantes da polícia, o avanço dos


movimentos sociais era um indicador da necessidade de
reforçar e ampliar a estrutura repressiva. Provavelmente o
argumento era utilizado inclusive para ganhar espaço no
próprio campo político ao propugnar o perigo de um
iminente colapso social que só poderia ser contido com o
fortalecimento do aparato policial. (SILVA, 2007, p. 107)

A documentação do DOPS foi recolhida ao APM em 1998 através


de 98 rolos de microfilmes, contendo 5.489 pastas (60 delas em branco)
numeradas provavelmente na microfilmagem. O APM recebeu uma
listagem com o número da pasta e seu título, abarcando apenas 2.120
delas.
Segundo apurou Silva (2007, p. 134-136), 1.748 pastas (31,12%)
foram abertas e encerradas entre 1964 e 1979, havendo pico de
abertura entre 1964 (258 pastas) e 1968 (315 pastas):
É sintomático, pois, em 1964, logo após o golpe, houve um
movimento de perseguição àqueles que se mostravam
contrários ao governo que se impunha e 1968 também é
um ano importante, pois, nesse período, os militares, sob a
justificativa de combater a luta armada, reforçaram o
aparato repressivo, inclusive do ponto de vista legal cujo

86
ponto nevrálgico foi a promulgação do Ato Institucional n.
5 de 13 de dezembro de 1968. Silva (2007, p. 136)

Apesar da quantidade de documento disponível para o período


de 1964 a 1985 (1.748 pastas), a presente análise será feita de forma
prioritariamente qualitativa, dada a grande dificuldade de localizar de
forma sistemática dados relevantes para viabilizar uma investigação de
base quantitativa. Uma futura melhoria da indexação do acervo do
DOPS permitirá confrontar os resultados aqui encontrados com uma
base documental mais robusta.
Fizemos uma busca na base do APM com a expressão “inquérito”
na faixa de tempo de 1964 a 1985, obtivemos o retorno de 71 pastas,
distribuídas em 102 arquivos pdf, totalizando um conjunto de 1.796
páginas: para 29 pastas, o título era Inquérito Policial; para 12, era
Inquérito Policial Militar; e, para as demais, o título era diversificado
(identificando nome de pessoa, de organização, do tema, etc.).

A macronarrativa: tipologia das peças de informação

Como já assinalado acima na apresentação das tarefas dos IP/Ms,


esses ritos jurídicos dão origem a um conjunto de unidades documentais
(“peças de informação”). As informações disponíveis na base do APM
sobre a tipologia da documentação do acervo do DOPS-MG são muito
vagas e atomísticas. Consta apenas uma longa lista de 38 tipos
genéricos sem indicação de sua interrelação:

Correspondências expedidas e recebidas pela polícia,


mandados de prisão, prontuários de presos políticos,
fichas policiais, atestados de antecedentes político-sociais,
depoimentos, ordens de serviço, pedidos de busca, autos
de apreensão, materiais apreendidos, documentação de
organizações (partidos políticos, organizações político-
militares, sindicatos, associações comunitárias, entidades
estudantis, organizações religiosas), documentação de
empresas e instituições públicas, relatórios de
investigação, relatórios de manifestações públicas (greves,
eleições, eventos culturais, festas, visitas de autoridades
políticas), documentação relativa ao controle da
comercialização de armas e munições, documentos
sobre movimentos na zona rural, inquéritos policiais-
militares, laudos técnicos periciais, leis, decretos, portarias,
panfletos, folhetos, livros, textos de análises teóricas,
87
periódicos nacionais e estrangeiros, recortes de
periódicos, caricaturas, charges, documentos pessoais,
cartas anônimas, bilhetes, cartões-postais, telegramas,
fotografias, materiais cartográficos e documentos sobre
censura. (APM, 2014)39

No conjunto das 71 pastas (1.796 páginas) analisadas de


inquéritos, foi possível identificar em 35 tipos diferentes de documentos:

1. Anexo No 4 19. Memorando


2. Antecedentes 20. Ofício confidencial
3. Assentada 21. Ofício secreto
4. Autuação 22. Ofício-circular secreto
5. Boletim Individual 23. Pedido de busca
6. Certidão 24. Pedido de busca de Informações
7. Coleta de dados informativos 25. Portaria
8. Conclusão 26. Recibo
9. Declaração 27. Relatório
10. Declaração de poderes 28. Requerimento para atestado de
11. Edital de citação antecedentes políticos e sociais
12. Exposição 29. Solicitação de antecedentes
13. Ficha de IPM 30. Termo de acareação
14. Guia de recolhimento 31. Termo de declarações
15. Índice dos indiciados e dos 32. Termo de inquirição de
envolvidos testemunha
16. Informação 33. Termo de perguntas ao indiciado
17. Informação confidencial 34. Termo de reinquirição ao
18. Informativo indiciado
35. Verificação de jornais

Mas que interrelação existe entre essa documentação?


Uma parte da resposta a esta pergunta consta de uma pasta que
não foi listada na referida busca: trata-se da pasta sob a cota BR
MGAPM,XX DMG.0.0.646, intitulada na base como Eleições.
Embora haja de fato nessa pasta, composta de 6 arquivos e um
total de 197 páginas, vários telegramas sobre as eleições de 30 de junho
de 1963, a parte relevante para a presente discussão está logo no
primeiro arquivo entre as páginas 12 a 15. Trata-se de um conjunto de
documentos assim intitulados:

Decreto No 53.897, de 27 de abr de 964 [p. 2-4];


Instruções para os inquéritos policiais e IPM (aditamento) [p. 5-11];

5 http://www.an.gov.br/mr/Multinivel/Exibe_Pesquisa_Reduzida.asp?v_CodReferencia_ID=221

88
Instruções para os inquéritos policiais e IPM [p. 12-13];
Portaria No 1 [p. 14] e
Ato No 9 [p. 15].

Trata-se de um conjunto de documentos que orientam sobre a


realização dos IP/Ms. O mais interessante é o segundo deles, pois
oferece informações relevantes do ponto de vista técnico e ideológico
(cf. reprodução no anexo deste texto).
Primeiramente, consta nessas Instruções, de autoria do Major
Estevão Taurino de Rezende Neto, um roteiro para constituição de IP/M,
evidenciando assim o que se pode chamar de sua estrutura prototípica.
Segundo se apreende do Anexo No 1 dessas Instruções, essa estrutura
seria:

Figura 1 – Estrutura prototípica do IP/M


[BR MGAPM,XX DMG.0.0.941/APM6 ]

Autuação (registro da portaria)



Portaria de designação (instauração do inquérito)

Termo de inquirição de testemunhas

Juntada de provas documentárias

Libelo (relato das acusações ao indiciado)

Termo de perguntas ao indiciado

Relatório

Remessa (ofício do encarregado ao Presidente da Comissão Geral de
Investigação)

É interessante salientar que nas pastas examinadas não há


sempre a obediência a essa estrutura, faltando em muitos casos diversas
partes do IP/M. Em 35 das 45 pastas examinadas, há apenas um
relatório relativo a alguma cidade do interior de Minas Gerais, com
descrição de perfil de pessoas e organizações. Em alguns poucos, como
6
http://imagem.arquivonacional.gov.br/mr/arquivos/naorestrito/61565_4284.pdf.

89
no relativo a ações para criação de um sindicato rural na cidade de
Novo Cruzeiro (BR MGAPM,XX DMG.0.0.941), consta um conjunto mais
completo e, portanto, mais próximo da estrutura prototípica. Sua
constituição é a seguinte:
Figura 2 – Estrutura do Inquérito Policial de Novo Cruzeiro
[BR MGAPM,XX DMG.0.0.941/APM]

Neste organograma, a ordem os documentos na pasta segue da


esquerda para a direita e, quanto há documentos do mesmo tipo, de
cima para baixo; as setas indicam a ordem cronológica dos
documentos, que começa com a autuação (24.04.64), em amarelo, e
termina com a correspondência no início da pasta (17.07.64), em verde.
Os investigados estão em vermelho e as testemunhas em roxo.
Neste IP constam a autuação, a portaria, os termos de inquirição
de testemunhas (sob a designação assentada), os termos de perguntas
ao indiciado (sob a designação de termo de declarações [=TD]) e o
relatório. Constam como documentos não previstos na estrutura
prototípica (cf. FIG 1) a solicitação de antecedentes [=AS] e os boletins
individuais [=BI].
O inquérito, no entanto, na sua forma preservada, não parece
totalmente coerente, já que no relatório se trata de apenas um dos
investigados (A.P.S.), mas, em seu começo, consta o boletim individual de
cinco outros (A.B., A.R., J.R.B., W.R.A. e E.A.C.) com a acusação de “crime
contra a Lei de Segurança Nacional”, tendo como “meio empregado" a
90
“subversão” e como “motivos presumíveis” a “tomada de poder”. Essas
acusações contrastam fortemente com o teor do relatório, cujo parecer
“altamente” técnico descreveu um dos acusados, A.P.S., da seguinte
maneira:

Trata-se de um desocupado, que antes exercia a


profissão de alfaiate, mas que ultimamente é dado ao
jogo, vivendo divorciado de bons ambientes, tendo, por
isto, facilidade de manifestar sua maluquice. (BR
MGAPM,XX DMG.0.0.941/APM, arquivo 62136_4946, p. 21)

De toda forma, a verificação da complexidade da tipologia da


documentação com base na presente análise preliminar sugere que
esse tema deva ser futuramente aprofundado para: (a) permitir uma
melhor intelegibilidade dos processos através da demonstração da
organicidade das peças no conjunto e (b) para servir de fundamento
para a detecção do grau de mutilação7 da documentação
remanescente do DOPS-MG, pois, como já se mencionou, raras são as
pastas de IP/Ms com todos os elementos da estrutura prototípica prevista.

As micronarrativas: termos de declaração e relatórios

O já referido conjunto de documento da pasta sob a cota BR


MGAPM,XX DMG.0.0.646 é também revelador em relação as
micronarrativas, pois os roteiros propostos deixam transparecer a forma
difusa de condução dos inquéritos.
No Anexo No 3 das referidas Instruções, aparece uma proposta de
12 temas para serem abordados durante os IP/Ms:

1. - Opinião sobre a ordem econômica, política e


social, Constituição e Governo vigentes até a Revolução.
2. - Em caso de julgamento (do depoente) de ser um
ou todos aqueles elementos inadequados, como via sua
alteração: Ação pacifica e democrática ou meios
violentos?
3. - Atitudes e ações tomadas em favor da idéia.

7
Há notícia de que a documentação do DOPS não terá passado por triagem (Scofield,
2012).
91
4. - Opinião sobre outros elementos que participam da
mesma idéia no caso de ser ela em favor de alterações.
5. - Opinião sobre o levante de Brasília, motim dos
marinheiros e fuzileiros reunidos no Sindicato dos
Metalúrgicos (GB), reunião dos Sargentos no Automóvel
Clube (GB) e comício de 13 de março frente à Central do
Brasil (GB).
6. - Opinião sobre o comunismo no Brasil. Legalização
do P.C. Contribuição do depoente para ações do
comunismo.
7. - Conduta em caso de tomada do poder pelos
comunistas.
8.- Como encarava as denúncias de que os comunistas
já estavam no Governo do Sr. JOÃO GOULART.
9. - No caso de reconhecer a existência no País, antes
da Revolução, de clima subversivo de fundo comunista,
quais os esclarecimentos que pode prestar.
10. - A solução econômica, política e social para
ser efetivada deverá se processar através de agitações,
greves, lutas de classes, desmoralização das Forças
Armadas, etc, como vinha acontecendo, ou poderá ser
conseguida por meios normais, pacíficos e democráticos?
11. - Opinião sobre a tentativa do Governo
passado para obter, através do plebiscito a reforma da
Constituição.
12. - Opinião sobre o voto do analfabeto. (BR
MGAPM,XX DMG.0.0.646/APM, arquivo 61565_4284, p. 10)

O documento com o temário não apresenta data explícita, mas


deve datar de logo depois do decreto 53. 897, de 27 de abril de 1964,
pois é-lhe um aditamento. Dentro da lógica do anticomunismo da
época, entende-se a pertinência de questões como a segunda
(alteração da ordem “por meios violentos”) ou a décima (“solução

econômica, política e social (...) através de agitações, greves, lutas de

classes, desmoralização das Forças Armadas”), mas certamente não são


devidamente objetivas questões como a primeira (“Opinião sobre a
ordem econômica, política e social, Constituição e Governo vigentes até
a Revolução”).
De todas as questões do roteiro, no entanto, a que mais chama a
atenção é justamente a última, pois revela preocupação menos com a
segurança do País e mais com a perspectiva de participação popular
na política do País.
Essa contradição fica ainda mais evidente considerando o teor do
decreto ao qual acompanha o aditamento: o decreto no 53.897
92
regulamenta os artigos sétimo e décimo do Ato Institucional de 9 de Abril
[o AI-1]. Esses artigos, que legislam sobre a suspensão de “as garantias
constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade” (art. 7º), previam
como motivação para a suspensão casos em que os titulares das
garantias “tenham tentado contra a segurança do País, o regime
democrático e a probidade da administração pública” (art. 7º, § 1º).
É claro que a questão do voto do analfabeto passa longe de
qualquer ameaça contra “a segurança do País, o regime democrático e
a probidade da administração pública”, sendo ele justamente o que
tornaria um regime efetivamente democrático, pois só com o voto do
analfabeto, legitimado com a Constituição Federal de 1988, houve uma
efetiva participação popular nas eleições.
O roteiro de temas sugerido pelas Instruções foi de fato adotado,
como se constata pelo trecho abaixo extraído de um termo de
perguntas ao indiciado (indicamos o número do tema das instruções
entre colchetes):

(...) [1a] perguntado que acha da situação econômica do


país no tempo do governo anterior à Revolução,
respondeu que nada pode dizer; [1b] perguntado que
acha da situação política do País anterior da Revolução,
respondeu que não entende de política; [1e?] perguntado
que acha da farsa do Governo ao tempo de Presidente
deposto, respondeu que não sabe explicar; [5a]
perguntado qual a opinião sobre o levante de Brasília,
respondeu que leu somente por alto nos jornais, mas que
não sabe explicar pormenores; [5b] perguntado se soube
do motim dos marinheiros, respondeu que não,
desconhece o assunto; [5d] perguntado se teve
conhecimento do comício de treze de março (comício da
reforma), respondeu que sim, que ouviu pela televisão
rapidamente quando passava por um bar; [5d?]
perguntado se conhece algo das reformas, respondeu
que muito pouco, e que só tem ouvido falar por alto; [5c]
perguntado se teve conhecimento da reunião no
Automóvel Club do Brasil, respondeu que sim; [5c]
perguntado qual sua opinião sobre esta reunião,
respondeu que achou que a disciplina militar fora (...) ferida
e que seria difícil fazer daquela maneira as reformas
pregadas pelo Presidente; [12] perguntado que acha do
voto de analfabeto, respondeu que é a favor do voto de

93
analfabeto (...) (BR MGAPM,XX DMG.0.0.411/APM8 , arquivo
60939_3783, p. 7 [documento datado de 12.06.64])

O aspecto formulaico dos IP/Ms revela-se não apenas na


padronização de perguntas a testemunhas e indiciados, mas também
na própria redação dos relatórios, para os quais as ditas Instruções
também forneciam modelo com acusações pré-formuladas.
No Anexo No 4 das Instruções, consta uma ficha modelo com uma
breve narrativa acusatória seguida mais adiante do enquadramento:
1. - TENDÊNCIAS:
Conhecido por suas tendên cias co munistas.
Esquivou-se de dirigir a palavr a a seus
subordinados por ocasião das co memorações
da intentona comunista do ano de 1962.
Durante a instrução de Guerra
Revolucionária eviden ciou -se ser: ateu,
9
mater ialista, adepto da estatização em todos os
setores econômico s.
Constantemen te def ende a política de
autodeterminação e não intervenção; é um
entusiasta da revolução cubana.
(...)
4. - ENQUADRAMENTO :
Incurso nos Art. 130 e 133 do CPM, Art. 2º § III,
e Art 9 o , da Lei 1802/53.
- Proposto para ser transferido para a
reserva remunera da de acordo com o art. 7 o , §
1º, do ATO INSTITUCIONAL, do Comando Supremo
Revolucionário. (BR MGAPM,XX DMG.0.0.646/APM,
arquivo 61565_4284, p. 11)

Nova busca na documentação do DOPS revelou que esse roteiro


também foi posto em prática:
1.TENDÊNCIAS:
Conhecido por suas tendências comunistas, confessou ser
socialista moderado. - Doutrinador, calmo, fala pouco e
foge à discussão que contraria seu ponto de vista.
Elemento perigoso por ter facilidade de estabelecer uma
conversa sobre assuntos variados, onde tem
oportunidade de doutrinar seus colegas. Favorável às
reformas e defende a estatização, voto dos cabos e
soldados e elegibilidade dos sargentos.
(...)
4.ENQUADRAMENTO:
Incurso nos artigo 11 letra a e 3º da lei 1802, de 5 Jan 953.

8
http://imagem.arquivonacional.gov.br/mr/arquivos/naorestrito/60939_3783.pdf.
9
No original: “estalização”.
94
- Proposto10 para ser demitido do Serviço público, de
acordo com o artigo 7º 1º do Ato Institucional, do
Comando Supremo Revolucionário, e cassado os seus
direitos políticos. (BR MGAPM,XX DMG.0.0.591/APM11,
arquivo 62046_4908, p. 7 [documento datado de 14.09.64])

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente análise, de natureza exploratória, buscou investigar


como se organizavam as narrativas que constituíam os inquéritos
policiais/militares.
Apurou-se que essas narrativas se distribuíam em dois níveis: nas
macronarrativas, constituídas pelo registro da sucessão de eventos
responsáveis pela produção das peças de informação dos inquéritos; e
nas micronarrativas, constituídas pelo registro da sucessão de perguntas
pelos encarregados dos inquéritos e de respostas pelas testemunhas e
pelos indiciados.
No que se refere às macronarrativas, foi possível verificar a
proposição de uma estrutura prototípica por parte de membros do
Estado, com vistas a uniformizar o processo em todo o território nacional.
Analisando os IP/Ms do acervo do DOPS-MG, verificou-se que, na prática,
os processos apresentam muito mais peças do que as previstas na
referido estrutura prototípica, exigindo, assim, uma análise futura mais
detalhada para descrever as suas interrelações, permitindo, como
consequência, detectar com mais clareza as mutilações do acervo
remanescente.
No que tange às micronarrativas, verificou-se que havia orientação
para que os inquéritos fossem conduzidos segundo um modelo
específico de questionamentos, cujos temas apresentavam certa
vaguidão em relação os objetivos propugnados pelo AI-1. Saltam aos
olhos temas como a questão do voto do analfabeto (que revelariam
estar por trás dos inquéritos a preocupação com o avanço da
participação da população na vida política do País), questão

10
No original: “Preposto”.
11
http://imagem.arquivonacional.gov.br/mr/arquivos/naorestrito/62046_4908.pdf.
95
nitidamente incompatível com os objetivos oficiais dos inquéritos e do
previsto no AI-1. Modelos também foram adotados para os relatórios,
com texto pré-estabelecido para o enquadramento, mas não para o
não-enquadramento, o que sugere que havia uma preocupação maior
em acusar do que propriamente em apurar a verdade dos fatos.

REFERÊNCIAS

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Departamento de Ordem Política e Social de


Minas Gerais. Disponível em
http://www.an.gov.br/mr/Multinivel/Exibe_Pesquisa_Reduzida.asp?v_CodRe
ferencia_ID=221; acesso em 06.04.2014

BANDEIRA, M. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-


1964). 8. ed. São Paulo: UNESP, 2010 [1. ed., 1978].

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo


Penal). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3689.htm; acesso em 06.04.2014.

BRASIL. Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 (Código de


Processo Penal Militar). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1002.htm; acesso em
06.04.2014.

MINAS GERAIS. Lei n. 5.406 de 16 de dezembro de 1969. Disponível em


http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-
min.html?tipo=LEI&num=5406&comp=&ano=1969&texto=original; acesso
em 06.04.2014.

SCOFIELD, P. Documentos da ditadura militar foram triados por torturador.


Hoje em Dia, Belo Horizonte, 04 nov. 2012. Disponível em:
http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/documentos-da-ditadura-
militar-foram-triados-por-torturador-1.52789; acesso em 17.04.2014.

SILVA, S. L. da. Construindo o direito de acesso aos arquivos da repressão:


o caso do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais.
253 f. Belo Horizonte, 2007. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação.

96
ANEXO

Fac-símile do documento BR MGAPM,XX DMG.0.0.646/APM

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103
Anais eletrônicos do
III Encontro do Grupo de Estudo e
Trabalho em História e Linguagem:
Política das narrativas políticas

FAFICH – UFMG
08, 09 e 10 de abril de 2014
Anais eletrônicos do
III Encontro do Grupo de Estudo e
Trabalho em História e Linguagem:
Política das narrativas políticas

Márcio dos Santos Rodrigues


Renata Moreira
(organizadores)

ISBN: 978-85-62707-64-3

FAFICH – UFMG
2015

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