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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Pós Graduação em Filosofia

DISCIPLINA: Seminário de Pesquisa III: “HANNAH ARENDT:


Questões de Filosofia Moral”
PROFª Dª DULCE CRITELLI

O S L IMITES DA L IBERDADE
H UMANA EM R ELAÇÃO À
V ONTADE ( EM A RISTÓTELES ,
A PÓSTOLO P AULO , E PICTETO E S ANTO
A GOSTINHO )
Neste trabalho, procuramos discutir o lugar que a liberdade ocupa
em sua articulação com a Vontade, esta ultima como uma das
faculdades do espírito. Orientamos-nos por meio da seguinte
questão: é possível que haja uma vontade livre no ser humano?
Quais seriam, então, os obstáculos que impediriam a Vontade de
atuar livremente? Para tanto, nos debruçamos sobre a obra de
Hannah Arendt intitulada “A Vida do Espirito – Querer”,
especificamente o capítulo dois, cuja discussão se assenta sobre a
descoberta do homem interior em Aristóteles, Apóstolo Paulo,
Epicteto e Santo Agostinho. Trata-se, portanto, de um texto
descritivo cujo foco norteador é o lugar da liberdade na descoberta
da Vontade.

ALEXANDRE PEREIRA DE MATTOS


alexandremattos@espacounico.org

Matrícula: 06101795
Doutorando em Psicologia Social
Introdução

Neste trabalho, procuramos discutir o lugar que a liberdade ocupa em


sua articulação com a Vontade, esta ultima como uma das faculdades do
espírito. Em outras palavras, nos orientamos por meio da seguinte questão: é
possível que haja uma vontade livre no ser humano? Quais seriam, então, os
obstáculos que impediriam a Vontade de atuar livremente? Para tanto, nos
debruçamos sobre a obra de Hannah Arendt intitulada “A Vida do Espirito –
Querer”, especificamente o capítulo dois, cuja discussão se assenta sobre a
descoberta do homem interior em Aristóteles, Apóstolo Paulo, Epicteto e Santo
Agostinho. Trata-se, portanto, de um texto descritivo cujo foco norteador é o
lugar da liberdade na descoberta da Vontade.

Arendt inicia a discussão a partir da seguinte questão: Que experiências


fizeram com que os homens se tornassem conscientes do fato de que eram
capazes de formar volições? Ou seja, qual a natureza da Vontade (1978, p.63)?

A “Vontade” em Aristóteles
“Recentemente fui a um cardiologista para um check-up anual. Os resultados
dos exames laboratoriais e de imagens indicaram que não há irregularidade
fisiológica em meu coração, mas sim uma hipertensão que precisa ser tratada o
quanto antes, por meio de medicação. Outro imperativo dado pelo médico é que
eu deveria imediatamente iniciar atividades físicas, para reduzir tanto a
pressão arterial como diminuir o risco de uma diabetes. Tão logo saí do
consultório médico, comprei a medicação recomendada e na semana seguinte
me matriculei numa academia perto de casa. Precisava ser perto de casa, pois
caso contrário, correria o risco de não freqüentá-la devido à longa “distancia”.
Após 15 dias me dei conta que não estava freqüentando a academia como
deveria. Neste mesmo período me “esqueci” de tomar a medicação devida. Hoje,
após três meses do diagnóstico, não vou mais à academia (embora permaneça
matriculado), mas estou tomando a medicação regularmente”.

Este meu depoimento não difere de tantos outros que escutamos no


cotidiano. Muitos versam sobre parar de fumar, iniciar uma dieta, procurar um
emprego melhor, etc. Todos eles falam de nossa incapacidade de nos
orientarmos única exclusivamente pela razão.

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Aristóteles vai dizer que a razão por si só não move nada. A razão daria
ordens, mas elas não são necessariamente obedecidas. Se fossem
automaticamente obedecidas, estaria eu praticando esportes e nunca teria
deixado de tomar a medicação.

Mas a razão recomenda e é possível que ela seja obedecida, mas não pela
sua própria recomendação, mas por um desejo maior que teria prioridade na
execução da ação recomendada. Ou seja, o desejo de um objeto ausente (cura)
deveria mover-me à adesão ao tratamento. A razão entraria neste processo no
calculo para atingir este fim. Qual o horário melhor para executar os meus
exercícios, adequação destas atividades à minha agenda, quais os horários
para ingerir os medicamentos, etc.

Aristóteles divide, portanto, a razão em razão prática (nous praktikos) e


razão pura (nous theoretikos). A primeira seria a razão calculadora ou a razão
que está preocupada com o que depende exclusivamente dos homens. Já a
segunda, preocupada com assuntos cujas mudanças estão além do poder dos
homens.

Quando um desejo está à mão, atingível, mesmo num futuro próximo, a


razão é convidada a intervir. A razão torna-se o princípio que governa os
desejos e a obediência a ela traria uma tranqüilidade no espírito. A
intemperança pode ser entendida, neste sentido, como o resultado da
desobediência a esta razão prática.

Contudo, segundo Arendt, este conflito, ou desobediência, explica a


conduta intemperada, mas não a ação, porque a ação não é simplesmente a
execução do que a razão comanda. É ela própria uma atividade racional,
próprio da razão prática.

A ação no sentido de como é que os homens querem


aparecer precisa de um planejamento deliberado e
antecipado, para o qual Aristóteles forja um novo termo,
proairesis, escolha no sentido da preferência entre
alternativas – uma de preferência à outra (op cit, p.68)

Proiaresis seria o caminho para sair da contradição e do conflito, pois a


intemperança não pode ser um ato voluntário e involuntário ao mesmo tempo.
Entre os ditames da razão prática (tomar medicamento e fazer atividade física)
e o desejo (que pode ser a favor do tratamento –quero me tratar, ou contrário a
ele – ficar em casa e não tomar o remédio), haveria um novo termo
intermediário, que seria, neste caso, a deliberação ou escolha.

2
PROIARESIS PATHOS

Escolha Paixão
ou
Emoção
Deliberação

Desta forma, a escolha converte-se no ponto de partida das próprias


ações. Trata-se então de uma faculdade mediana, presente entre a razão e o
desejo e sua principal função é mediar entre eles. O oposto da escolha
deliberada é o pathos, paixão ou emoção, no sentido de que somos motivados
por algo que sofremos.

Escolher é necessário para o homem aja com um fim. Contudo, o fim não
está aberto a escolhas, mas somente os meios para atingi-lo. A este fim,
Aristóteles vai chamar de eudaimonia, felicidade no sentido de viver bem.

O interessante é que este processo de deliberação é ao mesmo tempo um


ato de preferência. Sem dúvida, a proiaresis é a precursora da vontade, mas o
espaço deixado para a liberdade é pequeno, na medida em que os meios
também são dados. Seja pela medicação, atividade física, ou outros caminhos
como meditação, religião, etc., há uma contingência que limita meu campo de
ação. Posso escolher, por preferência, a um desses meios para reestabelecer
minha saúde.

As coisas que dizem respeito a mim estão mesmo sob meu poder, sobre a
qual a razão prática se ocupa? Neste caso, parece que a Vontade carece de
uma total liberdade. Esta se vê restrita aos contingentes externos (meios
possíveis). Em Paulo, veremos que a Vontade não só carece de pouca liberdade,
como é destituída dela.

A “Vontade” em Paulo
A questão do conflito interno aparece em Paulo fortemente, através da
luta constante entre a vontade de fazer o bem e sua “contra-vontade” (eu-
recuso).

Tal conflito teria se originado com a Lei, que ao proibir o pecado, ao


mesmo tempo incitaria uma rebeldia interna, uma contra-vontade, ou vontade

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de pecar. Tal assertiva é compreensível, pois, se não houvesse a Lei, não
saberíamos se nossos atos são pecaminosos e portanto, estariamos eu livre
desta tensão.

Tornei-me um problema para mim mesmo, na medida em


que a Lei, que proíbe o pecado, ao mesmo tempo o produz.
Sem a lei não existiria pecado.

Ao proibir o pecado, ela o constrói, lhe dá forma. Desperta as paixões.

9 Antes eu vivia sem a Lei, mas quando o mandamento


veio, o pecado reviveu, e eu morri.
10 Descobri que o próprio mandamento, destinado a

produzir vida, na verdade produziu morte.


11 Pois o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo

mandamento, enganou-me e por meio do mandamento me


matou.

Neste sentido, com a presença da Lei, Paulo torna-se um problema para


si próprio, em virtude de não compreender mais suas próprias ações.

15Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o
que odeio. 16 E, se faço o que não desejo, admito que a Lei é
boa. 17 Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o
pecado que habita em mim. 18 Sei que nada de bom habita
em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de
fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo.

O conflito que Paulo vivencia toma grandes proporções devido à


preocupação com a vida eterna. Entregar-se ao pecado, à carne, seria, ao
mesmo tempo, renunciar à vida eterna, cuja garantia estaria vinculada à total
obediência a Lei.

Mas como próprio Paulo atesta, o cumprimento da Lei estava além


do poder humano. Começamos a perceber por que a liberdade da Vontade é
nula, pois até a obediência à Lei não depende da escolha ou deliberação do
sujeito, mas sim da graça divina. A solução do conflito interno descrito por
Paulo, não estaria na obediência cega a Lei e nem à entrega aos prazeres da
carne. A Vontade, então, não estaria em poder do sujeito atormentado, mas em
poder Daquele que o criou, como vemos em Romanos 8:18-21:

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Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser
comparados com a glória que em nós será revelada. 19 A
natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os
filhos de Deus sejam revelados. 20 Pois ela foi submetida à
inutilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa
da Vontade daquele que a sujeitou 1, na esperança
21 de que a própria natureza criada será libertada da
escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a
gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

Mas se até mesmo a obediência à Lei depende da graça divina, qual


seria então nosso campo de ação, ou o lugar da Vontade na solução de nosso
conflito? A resposta estaria na distinção entre a Lei antiga (Antigo
Testamento) e a nova Lei (novo testamento, por meio dos ensinamentos de
Cristo).

A lei antiga dizia “deves fazer”, a nova Lei diz “deves querer”. Mas este
querer não está em nossas mãos, na medida em que este “querer” encontra-se
em poder Daquele que nos criou! Em Paulo, passamos do “fazer” para o
“acreditar”.

O Tu-deves da Lei antiga espera um ato de concordância: o deves-fazer.


A Lei nova deve incitar o deves-querer. A Vontade, neste caso, é de uma
natureza paradoxal: tu deves-escolher.

Tu Deves Querer Tu Deves Escolher


Gera uma contra Vontade Obediência ou

Início de uma luta interior Desobediência

Eu-quero, mas recuso.

Como já mencionado, este ato de deliberação estaria vinculado à fé na


graça Daquele que nos criou. Portanto, a obediência cega não anularia a contra
vontade gerada pela Lei. Como resolver isso? Por meio de um ato. Um ato de
fé. E é no exercício desta fé que originaria a graça onde havia o pecado.

Conclui-se, assim, que a vontade se torna impotente porque a principal


tarefa do espírito não é limitar-se a governar os apetites da carne e fazer com

1 O grifo é nosso.

5
que ela obedeça, mas sim ocasionar a mortificação desta. Crucificá-la. Fato este
que está além do poder dos homens.

Trazendo novamente o depoimento inicial, caberia a mim, portanto, e


única e exclusivamente, querer ser curado da contra vontade, ocasionado pela
carne (preguiça, indisciplina). Eu deveria desejar que meu corpo, como templo
do espírito, fosse curado dos pecados da inércia por meio da fé em Deus e de
Sua Graça.

A “Vontade” em Epicteto

Epicteto e Paulo se aproximam em relação à rigidez moral, mas se


afastam no que diz respeito a potencia da Vontade. Paulo acreditava ser a
Vontade impotente e Epicteto declarava ser ela toda poderosa.

Para Epicteto, tanto o bem quanto o mal residiam na vontade. A


ausência de ambos só seria possível quando algo do mundo não estivesse sob o
poder do homem.

Os filósofos estóicos defendiam a primazia da interioridade, pois seria


nela que poderíamos construir todos os argumentos contra qualquer miséria.
Estarmos preparados para os infortúnios é uma condição cujo poder está à mão
dos homens, na medida em que a busca pela felicidade, razão ultima da vida,
dependeria da ausência de tempestades. Ser feliz, portanto, significava não ser
miserável.

A potência da Vontade em Epicteto se revelaria na capacidade, por meio


de instrução, de se distanciar de tudo que pudesse causar miséria ao homem.
Trata-se, assim, de um ato de alienação ao mundo externo para se evitar o
sofrimento.

Vimos em Aristóteles que o desejo implica na obtenção de um objeto que


se encontra num futuro, próximo ou distante. Nos ensinamentos estóicos,
deveríamos desejar aquilo que já está acontecendo e não algo ausente. Esta
compreensão já demandaria de nós certo esforço, pois estamos acostumados a
desejar algo que nos falta. Se já temos o que desejamos, não haveria por que
desejá-lo.

O espírito, depois de ter se apartado das coisas exteriores para a


interioridade, descobre que há um aspecto em que é inteiramente
independente de todas as influências exteriores. A Vontade só pode encontrar

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obstáculos que ela própria constrói. Tudo o que parece ser real, o mundo as
aparências, precisa efetivamente do meu consentimento para ser real para
mim. Em outras palavras, caberia ao homem não querer o que não pode
conseguir e deixar de recusar o que não pode evitar. Aceitando as coisas como
são (desejar o que já está acontecendo) não só eliminaria o conflito, como
também colocaria o próprio homem como senhor de si. Ninguém pode nos fazer
mal sem o nosso consentimento.

A razão, neste processo, teria a função de ajudar o sujeito discernir


aquilo que está sob seu poder e o que não está. Nem mesmo uma doença tem o
poder de tirar a minha liberdade, pois o espírito é livre.

Para Arendt, estes preceitos estóicos contribuem para uma alienação e


traduzem um ressentimento de um eu existencial que não consegue lidar com a
própria impotência.

Agostinho, como veremos a seguir, argumenta que tais preceitos


estóicos, uma docilização desejada, pressupõem uma importante limitação da
própria vontade de querer.

A “Vontade” em Agostinho

Para Agostinho, os estóicos fingem ser felizes. Os estóicos não acreditam


na imortalidade, daí reside sua contradição. Como ser feliz não estando vivo?

Outra inconsistência nos argumentos dos estóicos diz respeito à recusa


de dados do mundo que poderiam causar sofrimento ou que não estão sob o
controle do homem. Para Agostinho, nenhum ser criado pode querer contra a
criação (pois as coisas do mundo, incluindo nós mesmos, são criações de Deus),
porque isso seria uma Vontade dirigida, não contra uma contra-Vontade, mas
contra a própria existência do sujeito que quer ou recusa.

Quanto aos ensinamentos de Paulo, sua primeira contra-argumentação


recai sobre o embaraço em que se encontra a Vontade, cujo problema não
reside na existência dual do homem, a saber, carnal e espiritual, mas sim na
própria faculdade da Vontade. A cisão ocorreria na própria Vontade.

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Faz parte da natureza da Vontade o duplicar-se, e neste
sentido, onde quer que haja uma Vontade, há sempre duas
Vontades, nenhuma das quais é plena e o que está presente
numa delas está ausente na outra. Não é monstruoso em
parte querer e em parte recusar (ARENDT, 1978,p. 102).

Em Confissões, podemos ver claramente como Agostinho se refere ao


conflito interno como o jogo entre duas vontades e não entre carne e espírito.

O inimigo dominava-me o querer e forjava uma cadeia que


me mantinha preso. Da vontade pervertida nasce a paixão;
servindo à paixão, adquire-se o hábito, e, não resistindo ao
hábito, cria-se a necessidade. Com essa espécie de anéis
entrelaçados (por isso falei de cadeia), mantinha-me ligado
à dura escravidão. A nova vontade apenas despontava; a
vontade de servir-te e de gozer-te, ó meu Deus, única
felicidade segura, ainda não era capaz de vencer a vontade
anterior, fortalecida pelo tempo. Desse modo, tinha duas
vontades, uma antiga, outra nova, uma carnal e
outra espiritual 2, que se combatiam mutuamente; e esta
rivalidade me dilacerava o espírito. (215).

Nota-se que, ao falar das duas vontades, ele ainda traz a divisão entre
espiritual e carnal. Contudo, ambas são nomeadas como Vontade. Que
implicações isso traz? Primeiro, que ao colocar a carne e o espírito como
vontades distintas, cuja duplicação seria da própria natureza da vontade, ele
passa a considerar não monstruoso o querer e ao mesmo tempo recusar.

Segundo, a Lei não precisaria mandar se não existisse a Vontade e nem


a graça serviria se a Vontade fosse suficiente. Isto se dá porque a Lei, segundo
Agostinho, não se dirige ao espírito, pois se assim fosse, esta revelaria e não
mandaria. Ela se dirige à Vontade porque o espírito não é movido até que
queira ser movido. Por se dirigir às Vontades (antagonicas ou não 3) é que a Lei
poderá de fato transformá-las.

Ele reconhece que querer e ser capaz de fazer não são o mesmo. A
Vontade precisa estar presente para a capacidade poder agir. Por conseguinte,

2 O grifo é nosso.

3Elas podem ser antagonicas na medida em que me vejo diante de duas possibilidade, como
cometer adultério e ir ao cinema. Ou também não serem antagônicas (do ponto de vista do bem
e do mal) como ir ao cinema ou ao teatro.

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esta capacidade tem que estar disponível para a Vontade fazer uso dela. Mas
qual seria a causa para que a Vontade queira? Não seria da natureza desta
faculdade não conter nenhuma causa?

Como pensar a “capacidade” nesta argumentação? Podemos entendê-la


como habilidades que possibilitam o sujeito a agir, ação esta subordinada e
desencadeada pela Vontade?

Agostinho, ao fazer alusão à Santíssima Trindade, cuja existência


tríplice (portanto com partes independentes – Pai, Filho e Espírito Santo) é
também una (Deus único), argumenta que a Vontade, embora única, é também
composta pelo querer, recordar e entender.

A Vontade diz à memória o que deve reter e o que deve


esquecer, diz ao intelecto o que deve escolher para o seu
entendimento. A memória e o intelecto são ambos
contemplativos e, como tais, passivos; é a Vontade que os
faz funcionar e eventualmente os liga um ao outro. E só
quando pela virtude de um deles, a saber, a Vontade, os
três são forçados a serem um só é que falamos de
pensamento.

A Vontade prepara o terreno no qual a ação pode ter lugar. Podemos


inferir disso que esta “preparação” só é possível pela ação da memória e do
intelecto, cuja atuação (reter, esquecer, escolher) pode ser entendida como
“capacidade” da qual fala Agostinho. Esta capacidade tem que estar disponível
para que a Vontade possa fazer uso dela.

O problema concernente aos embaraços da Vontade não está na divisão


entre corpo e espírito, como já dissemos e como preconizava Paulo, mas sim em
duas vontades: uma que quer e uma que recusa. O problema é que a divisão da
vontade obstaculiza sua tarefa de agir. Por que? Se a Vontade estiver
envolvida na controvérsia com sua contra-vontade, ela não estará
suficientemente livre para preparar a ação.

Desta forma, este “desembaraçar” da Vontade não viria do espírito e


nem por intervenção divina. Ela viria da ação que interrompe o conflito entre
velle e nolle. A solução do conflito interior da Vontade é conseguida por meio de
uma transformação da própria Vontade em amor (op cit, p.110). Por que o
amor é o mais bem sucedido agente da união e essa união se dá pela ação.

Para Agostinho, segundo Arendt, o amor é o peso da alma. Uma alma


flutuante entre duas vontades encontraria seu repouso gravitacional no amor.

9
O amor é colocado aqui como uma espécie de Vontade, que unifica, que
apazigua, que aquieta o espírito.

Em que lugar fica a liberdade em relação à Vontade? A liberdade se


restringe na consciência de duas ou mais vontades. A percepção da existência
de uma vontade e contra-vontade insinua certa liberdade. Eu posso ir à
academia e tomar medicação, como também posso não fazê-lo. A liberdade
reside na possibilidade de ação. Contudo, ao decidir aderir ao tratamento, eu
abandono a recusa. E ao fazê-lo, eu pago com a liberdade. É impossível atuar
duas vontades antagônicas (aderir e não aderir ao tratamento).

Considerações Finais

Ao retomarmos as perguntas norteadoras deste trabalho, a saber, se é


possível que haja uma vontade livre no ser humano e quais seriam os
obstáculos que impediriam a Vontade de atuar livremente; podemos concluir
que, nas linhas argumentativas de cada pensador, com exceção da filosofia
estóica, a vontade nunca desfruta de uma total liberdade.

Em Aristóteles, vimos que a proiaresis, ou seja, a deliberação ou escolha,


não possui liberdade nem na seleção dos meios para se atingir os fins, na
medida que os próprios meios são dados. Para o Apóstolo Paulo, a solução do
tormento interior não depende de um ato voluntário, mas da graça de Deus,
que não só perdoa como também dá por graça a vontade da vida eterna e de
fazer o bem.

Encontramos nos estóicos a liberdade plena da vontade, na medida em


que ela desfruta de total escolha em sofrer ou ter uma vida feliz. Contudo,
vimos que, segundo Arendt, tal assertiva alimenta uma alienação
problemática. Como ser feliz num mundo caindo aos seus pés?

Em Agostinho, a liberdade se encerra na contemplação das


possibilidades de ação. Uma vez que uma ação é levada a cabo, cessa-se a
liberdade da Vontade, uma vez que ela não pode fazer e não-fazer ao mesmo
tempo.

O que permanece como uma indagação é a questão do amor. Se o amor é


o peso gravitacional que traria ao chão a alma flutuante entre duas vontades, é
licito considerar também limitante as opções da Vontade, uma vez que só o
amor é capaz de resolver o conflito entre as duas vontades.

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BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante, São


Paulo: Paulus, 2002.

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito, volume II, Querer. Trad. João C.S.
Duarte, Lisboa: Instituo Piaget, 1978.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Referência Thompson. Tradução de João


Ferreira de Almeida. São Paulo: Editora Vida, 2002.

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