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O S L IMITES DA L IBERDADE
H UMANA EM R ELAÇÃO À
V ONTADE ( EM A RISTÓTELES ,
A PÓSTOLO P AULO , E PICTETO E S ANTO
A GOSTINHO )
Neste trabalho, procuramos discutir o lugar que a liberdade ocupa
em sua articulação com a Vontade, esta ultima como uma das
faculdades do espírito. Orientamos-nos por meio da seguinte
questão: é possível que haja uma vontade livre no ser humano?
Quais seriam, então, os obstáculos que impediriam a Vontade de
atuar livremente? Para tanto, nos debruçamos sobre a obra de
Hannah Arendt intitulada “A Vida do Espirito – Querer”,
especificamente o capítulo dois, cuja discussão se assenta sobre a
descoberta do homem interior em Aristóteles, Apóstolo Paulo,
Epicteto e Santo Agostinho. Trata-se, portanto, de um texto
descritivo cujo foco norteador é o lugar da liberdade na descoberta
da Vontade.
Matrícula: 06101795
Doutorando em Psicologia Social
Introdução
A “Vontade” em Aristóteles
“Recentemente fui a um cardiologista para um check-up anual. Os resultados
dos exames laboratoriais e de imagens indicaram que não há irregularidade
fisiológica em meu coração, mas sim uma hipertensão que precisa ser tratada o
quanto antes, por meio de medicação. Outro imperativo dado pelo médico é que
eu deveria imediatamente iniciar atividades físicas, para reduzir tanto a
pressão arterial como diminuir o risco de uma diabetes. Tão logo saí do
consultório médico, comprei a medicação recomendada e na semana seguinte
me matriculei numa academia perto de casa. Precisava ser perto de casa, pois
caso contrário, correria o risco de não freqüentá-la devido à longa “distancia”.
Após 15 dias me dei conta que não estava freqüentando a academia como
deveria. Neste mesmo período me “esqueci” de tomar a medicação devida. Hoje,
após três meses do diagnóstico, não vou mais à academia (embora permaneça
matriculado), mas estou tomando a medicação regularmente”.
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Aristóteles vai dizer que a razão por si só não move nada. A razão daria
ordens, mas elas não são necessariamente obedecidas. Se fossem
automaticamente obedecidas, estaria eu praticando esportes e nunca teria
deixado de tomar a medicação.
Mas a razão recomenda e é possível que ela seja obedecida, mas não pela
sua própria recomendação, mas por um desejo maior que teria prioridade na
execução da ação recomendada. Ou seja, o desejo de um objeto ausente (cura)
deveria mover-me à adesão ao tratamento. A razão entraria neste processo no
calculo para atingir este fim. Qual o horário melhor para executar os meus
exercícios, adequação destas atividades à minha agenda, quais os horários
para ingerir os medicamentos, etc.
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PROIARESIS PATHOS
Escolha Paixão
ou
Emoção
Deliberação
Escolher é necessário para o homem aja com um fim. Contudo, o fim não
está aberto a escolhas, mas somente os meios para atingi-lo. A este fim,
Aristóteles vai chamar de eudaimonia, felicidade no sentido de viver bem.
As coisas que dizem respeito a mim estão mesmo sob meu poder, sobre a
qual a razão prática se ocupa? Neste caso, parece que a Vontade carece de
uma total liberdade. Esta se vê restrita aos contingentes externos (meios
possíveis). Em Paulo, veremos que a Vontade não só carece de pouca liberdade,
como é destituída dela.
A “Vontade” em Paulo
A questão do conflito interno aparece em Paulo fortemente, através da
luta constante entre a vontade de fazer o bem e sua “contra-vontade” (eu-
recuso).
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de pecar. Tal assertiva é compreensível, pois, se não houvesse a Lei, não
saberíamos se nossos atos são pecaminosos e portanto, estariamos eu livre
desta tensão.
15Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o
que odeio. 16 E, se faço o que não desejo, admito que a Lei é
boa. 17 Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o
pecado que habita em mim. 18 Sei que nada de bom habita
em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de
fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo.
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Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser
comparados com a glória que em nós será revelada. 19 A
natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os
filhos de Deus sejam revelados. 20 Pois ela foi submetida à
inutilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa
da Vontade daquele que a sujeitou 1, na esperança
21 de que a própria natureza criada será libertada da
escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a
gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
A lei antiga dizia “deves fazer”, a nova Lei diz “deves querer”. Mas este
querer não está em nossas mãos, na medida em que este “querer” encontra-se
em poder Daquele que nos criou! Em Paulo, passamos do “fazer” para o
“acreditar”.
1 O grifo é nosso.
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que ela obedeça, mas sim ocasionar a mortificação desta. Crucificá-la. Fato este
que está além do poder dos homens.
A “Vontade” em Epicteto
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obstáculos que ela própria constrói. Tudo o que parece ser real, o mundo as
aparências, precisa efetivamente do meu consentimento para ser real para
mim. Em outras palavras, caberia ao homem não querer o que não pode
conseguir e deixar de recusar o que não pode evitar. Aceitando as coisas como
são (desejar o que já está acontecendo) não só eliminaria o conflito, como
também colocaria o próprio homem como senhor de si. Ninguém pode nos fazer
mal sem o nosso consentimento.
A “Vontade” em Agostinho
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Faz parte da natureza da Vontade o duplicar-se, e neste
sentido, onde quer que haja uma Vontade, há sempre duas
Vontades, nenhuma das quais é plena e o que está presente
numa delas está ausente na outra. Não é monstruoso em
parte querer e em parte recusar (ARENDT, 1978,p. 102).
Nota-se que, ao falar das duas vontades, ele ainda traz a divisão entre
espiritual e carnal. Contudo, ambas são nomeadas como Vontade. Que
implicações isso traz? Primeiro, que ao colocar a carne e o espírito como
vontades distintas, cuja duplicação seria da própria natureza da vontade, ele
passa a considerar não monstruoso o querer e ao mesmo tempo recusar.
Ele reconhece que querer e ser capaz de fazer não são o mesmo. A
Vontade precisa estar presente para a capacidade poder agir. Por conseguinte,
2 O grifo é nosso.
3Elas podem ser antagonicas na medida em que me vejo diante de duas possibilidade, como
cometer adultério e ir ao cinema. Ou também não serem antagônicas (do ponto de vista do bem
e do mal) como ir ao cinema ou ao teatro.
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esta capacidade tem que estar disponível para a Vontade fazer uso dela. Mas
qual seria a causa para que a Vontade queira? Não seria da natureza desta
faculdade não conter nenhuma causa?
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O amor é colocado aqui como uma espécie de Vontade, que unifica, que
apazigua, que aquieta o espírito.
Considerações Finais
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BIBLIOGRAFIA
ARENDT, Hannah. A vida do Espírito, volume II, Querer. Trad. João C.S.
Duarte, Lisboa: Instituo Piaget, 1978.
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