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10/11/2019 Folha de S.

Paulo - Paul Valéry desafia as vanglórias do mundo intelectual - 7/1/1996

  São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996

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Paul Valéry desafia as vanglórias do mundo


intelectual
PAUL VALÉRY

Meu amigo, eis-me aqui longe de ti. Conversávamos, e estou te


escrevendo. É, se assim se pode dizer, uma coisa muito estranha.
Verás que estou disposto a me encantar.
O próprio retorno a esta Paris, após uma certa ausência, apareceu-me
de certa forma metafísica. - Não falo apenas do retorno material,
negro sacrifício de uma noite ao escândalo e aos sacolejos. O corpo
inerte e vivo entrega-se aos corpos mortos e moventes que o
transportam. O expresso tem uma idéia fixa que é a Cidade. Somos os
prisioneiros de seu ideal, o joguete de seu furor monótono. (...)
Embriagamo-nos de fantasmas que giram, de visões derramadas no
nada, de luzes arrancadas. O metal moldado pela marcha na escuridão
faz sonhar que o Tempo pessoal e brutal ataca e desagrega a dura e
profunda distância. Superexcitado, crivado de sevícias, o cérebro, por
si mesmo e sem que o saiba, engendra necessariamente toda uma
literatura moderna... (...)
Talvez a eternidade e o inferno sejam expressões ingênuas de alguma
viagem inevitável?
Todavia, após tanta agitação de nossos ossos e de nossas idéias nas
trevas, o sol e Paris enfim saem do jogo.
Mas o ser do espírito, -o pequeno homem que está dentro do homem,-
(e que é sempre suposto na grosseira imagem que temos do
conhecimento), opera por seu lado sua mudança de presença. Ele não
circula como a consciência, numa fantasmagoria de visões e num
tumulto de fenômenos. Ele viaja segundo sua natureza, e em sua
própria natureza. Estimaria muito a mim mesmo se eu soubesse
representar-me sua operação. Se eu soubesse descrevê-la para ti, essa
estima por mim cresceria em mim até o infinito. Mas não se trata
absolutamente disso... (...)
Tenho muito medo, meu velho amigo, de que sejamos feitos de
muitas coisas que nos ignoram. E é nisso que ignoramos a nós
mesmos. Se houver uma infinidade delas, toda meditação torna-se
vã... (...)
O que é mais cansativo do que conceber o caos de uma multidão de
espíritos? -Cada pensamento, nesse tumulto, encontra seu semelhante,
seu contrário, seu antecedente e seu sucessor. Tantas similitudes,
tantos imprevistos desencorajam-no.
Consegues imaginar a desordem incomparável que 10 mil seres
essencialmente singulares mantêm entre si? Pensa na temperatura que
pode produzir nesse lugar tamanha quantidade de amores-próprios
que nele se comparam. Paris aprisiona e combina, consome e
consuma a maioria dos brilhantes desafortunados que seus destinos
levaram às profissões delirantes... Dou esse nome a todas essas
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profissões cujo principal instrumento é a opinião que se tem de si


mesmo e cuja matéria-prima é a opinião que os outros têm de nós. As
pessoas que as exercem, destinadas a uma eterna candidatura, são
necessariamente sempre afligidas por um certo delírio de grandeza
que uma certa mania de perseguição permeia e atormenta sem
descanso. Nesse povo de seres únicos reina a lei de fazer o que
ninguém jamais fez, e o que ninguém jamais fará. É a lei dos
melhores, ou seja, daqueles que têm a coragem de desejar claramente
algo absurdo... Eles vivem apenas para alcançar e tornar duradoura a
ilusão de serem sós, -pois a superioridade não passa de uma solidão
situada nos limites atuais de uma espécie. Cada um deles funda sua
existência na inexistência dos outros, estes de quem devem arrancar
seu consentimento de que não existem... (...)
Rogo que me desculpes desse abuso que estou fazendo do imperfeito
do indicativo; mas ele é o tempo da incoerência, e percebo que estou
retratando para ti, se tal coisa pode ser um retrato, a maior incoerência
concebível. Eu acrescentaria a isto alguns traços graças a alguns
outros imperfeitos.
Eu via em espírito o mercado, a bolsa, o bazar ocidental das trocas
dos fantasmas. Estava ocupado com as maravilhas do instável, com
sua espantosa duração, com a força dos paradoxos, com a resistência
das coisas gastas. Tudo tornava-se figura. As lutas abstratas adquiriam
a força de mascaradas. A moda e a eternidade se digladiavam. O
retrógrado e o avançado disputavam entre si o ponto de onde se cai.
As novidades, mesmo as novas, davam luz a consequências muito
antigas. O que o silêncio havia elaborado vendia-se aos gritos... Por
fim, todos os acontecimentos espirituais possíveis se produziam
rapidamente frente a minha alma semi-adormecida. Ela era tomada
pelo terror, pelo nojo, pelo desespero, e por horrível curiosidade,
contemplando, totalmente cansada e confusa, o espetáculo ideal desta
imensa atividade que chamamos de intelectual...

- INTELECTUAL?...

Esta palavra enorme, que me veio vagamente, bloqueou


completamente todo meu trem de visões. Que coisa engraçada é o
choque de uma palavra numa mente! Toda a massa do falso em plena
velocidade salta bruscamente para fora da linha do verdadeiro...
Intelectual?... (...)
- Intelectual... Todos, no meu lugar, teriam entendido. Quanto a
mim!...
- Sabes, querido Outro, que eu sou um espírito da mais tenebrosa
espécie. Sabes disso por experiência, e sabes ainda mais por tê-lo
ouvido cem vezes dizer. Não faltam pessoas, e pessoas doutas, e
benignas, e bem-dispostas, que só esperam para me ler que eu tenha
sido traduzido para o francês. Elas se queixam para o público,
expõem citações de meus versos nos quais confesso que elas devem
ficar embaraçadas. Mais, elas tiram uma glória justa de não ouvir
alguma coisa; coisa que outros ocultariam. (...) Quanto a mim, não
tenho esperanças de causar problemas a esses amadores de luz. Nada
me atrai, além da clareza. Infelizmente, amigo meu! garanto-lhe que
quase não a encontro. Deposito tal coisa em teu ouvido tão próximo.
Não espalha. Guarda excessivamente meu segredo. Sim, a clareza é
para mim tão pouco comum que não a vejo por toda a extensão do
mundo -e singularmente do mundo que pensa e que escreve-, senão
na proporção do diamante frente à massa do planeta. As trevas que
me atribuem são vãs e transparentes perto daquelas que descubro em
quase todos os lugares. Felizes são os outros, que combinam entre
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eles mesmo que eles se entendem perfeitamente! (...)


Minha má consciência sugere-me às vezes que devo incriminá-los
para defender-me. Ela murmura que só aqueles que nada procuram
nunca encontram a escuridão, e que deve-se propor aos outros apenas
o que eles já sabem. Mas examino a mim mesmo no fundo, e devo
deveras consentir no que dizem tantos homens distintos. Sou
verdadeiramente feito, meu amigo, de um espírito infeliz que nunca
tem absoluta certeza de ter entendido o que entendeu sem o perceber.
Diferencio muito mal o que é claro sem reflexão daquilo que é
positivamente obscuro... Tal fraqueza, sem dúvida, é o princípio de
minhas trevas. Desconfio de todas as palavras, pois a menor
meditação torna absurdo que nelas se confie. Cheguei, infelizmente, a
comparar estas palavras com as quais atravessamos com tanta
agilidade o espaço de um pensamento, a leves tábuas lançadas por
sobre um abismo, que suportam a passagem, mas não aguentam a
demora. O homem em movimento rápido as usa e escapa; mas na
menor insistência, esse pouco tempo as rompe e tudo se perde nas
profundezas. Aquele que se apressa entendeu; não se deve pesar (...).
Tudo isso poderia levar-me a grandes e encantadores
desenvolvimentos dos quais vou poupar-te. Uma carta é literatura.
Uma lei estreita da literatura diz que não se deve aprofundar nada. É
também esse o desejo geral. Vê por todos os lados.
Assim, estava eu dentro de meu próprio abismo -que por ser meu não
deixava de ser abismo-, assim estava eu dentro de meu próprio
abismo, incapaz de explicar a uma criança, a um selvagem, a um
arcanjo -a mim mesmo, esta palavra: Intelectual, que não causa
nenhum problema a quem quer que seja.
Não eram as imagens que me faltavam. Mas, ao contrário, a cada
consulta de meu espírito em busca dessa terrível palavra, o oráculo
respondia com uma imagem diferente. Eram todas ingênuas.
Nenhuma exatamente anulava a sensação de não entender.
Vinham-me nesgas de sonho.
Eu formava figuras que chamava de "Intelectuais". Homens quase
imóveis que causavam grandes movimentos no mundo. Ou homens
muito animados, cujas vivas ações das mãos e das bocas
manifestavam potências imperceptíveis e objetos essencialmente
invisíveis... Peço-te desculpas por te dizer a verdade. Eu via o que
via. (...)
Em seguida, uma luz apocalíptica, pensei entrever a desordem e a
fermentação de toda uma sociedade de demônios. Surgiu, num espaço
sobrenatural, uma espécie de comédia das coisas que acontecem na
História. Lutas, facções, triunfos, execrações solenes, execuções,
revoltas, tragédias em torno do poder!... Só se falava nesta República,
de escândalos, de fortunas fulminantes ou fulminadas, de complôs e
de atentados. Havia plebiscitos de câmara, coroamentos
insignificantes, muitos assassinatos pela palavra. Não estou falando
dos pequenos roubos. Todo esse povo "intelectual" era como o outro.
Encontravam-se puritanos, especuladores, prostituídos, crentes que
pareciam ímpios e ímpios que se faziam de crentes; havia falsos
inocentes e verdadeiras bestas, e autoridades, e anarquistas, e até
mesmo carrascos cujas espadas pingavam tinta. E uns acreditavam ser
padres e pontífices, outros profetas, outros Césares, ou então mártires,
ou um pouco de cada coisa. Muitos consideravam-se, até em seus
atos, crianças ou mulheres. Os mais ridículos eram aqueles que se
outorgavam as funções de juízes e justiceiros da tribo. Eles não
pareciam desconfiar de que nossos julgamentos nos julgam, e que
nada nos desvenda com maior ingenuidade e expõe nossas fraquezas
do que a atitude de julgar o próximo. É perigosa a arte na qual os
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menores erros podem sempre ser atribuídos ao caráter.


Cada um desses demônios olhava-se com alguma frequência num
espelho de papel; nele considerava-se o primeiro ou o último dos
seres...
Eu buscava vagamente as leis desse império. A obrigação de divertir;
a necessidade de viver; o desejo de sobreviver; o prazer de causar
espanto, de chocar, de bronquear, de ensinar, de desprezar; o aguilhão
da inveja, conduziam, irritavam, aqueciam, explicavam este Inferno.
Nele vi a mim mesmo; e com um aspecto de mim que eu desconhecia,
que meus escritos, talvez, haviam formado. Não ignoras, caro
sonhador, que nos sonhos cria-se por vezes uma concordância
singular entre o que vemos e o que sabemos; mas não se trata uma
concordância que suportaríamos acordados. Eu vejo Pierre, e sei que
é Jacques. Logo, avistei a mim mesmo, embora raramente, e com
outro rosto; reconhecia-me apenas por uma dor deliciosa que
atravessava meu coração. Entre o fantasma e eu, parecia-me que um
de nós devesse desaparecer...
Adeus. Não acabaria mais se quisesse te dar para ler tudo o que veio
colorir-se e me confundir nos últimos momentos de minha viagem.
Adeus. Esquecia de te dizer que fui arrancado a tais meditações pelo
pé duro de um Inglês que amassou o meu sem nenhuma piedade,
enquanto o trem negro e suado parava. Adeus.

Trecho do livro "Monsieur Teste", a ser lançado pela Editora Ática


Tradução de CRISTINA MURACHCO

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