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Intolerância étnica e racial: o pensamento eugenista no

Brasil e o ideal de “purificação” das raças

William Vaz de Oliveira

Graduado em Psicologia e Mestrando em História Social (Linha Política e Imaginário) ambos pela
Universidade Federal de Uberlândia – UFU.
Bolsista de Mestrado pela CAPES (2007-2009) e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Política (NEPHISPO)
willianvaz@yahoo.com.br

Resumo Abstract
Pensar a intolerância em toda a sua complexidade Thinking of intolerance in all its complexity is
faz-se necessário pensá-la enquanto um conceito thinking it while a historical concept that carries
histórico que carrega as marcas de seu tempo. the marks of its time. Nowadays, it is recognized
Atualmente, por exemplo, seu exercício se dá de in a subtler way, because discourse creates the
forma mais sutil, pois o discurso cria a idéia de que idea that some historical issues have already been
algumas questões históricas, tão calejadas pelo solved. In this paper we discuss the construction of
tempo, já foram resolvidas. Discute-se a a social space as well as of socialization for
construção de um espaço social e de socialização homosexuals, the rights acquired by black and
para os homossexuais, direitos adquiridos para os afro-descending people, equality between men and
negros e afro-descendentes, igualdade entre women in the job market, among others.
homens e mulheres no mercado de trabalho, etc. However, in practice, those subjects don’t seem to
No entanto, na prática, essas questões não contemplate exactly what is assured. In Brazil,
parecem refletir exatamente o que está mainly in the first half of the twentieth century,
assegurado. O Brasil, principalmente na primeira intolerance against black people was still more
metade do século XX, a intolerância contra os accentuated. They were seen as an inferior race
negros ainda era mais acentuada. Eram vistos which was blamed as responsible for delay of
como uma raça inferior que era vista como society. In that sense, this article discusses the
responsável pelo atraso da sociedade. Nesse form in which eugenist thought tried to solve the
sentido, este artigo discute a forma como o issue through an intolerant proposal of people
pensamento eugenista procurou resolver essa whitening.
questão através de uma proposta intolerante de Keywords: Intolerance. Eugeny. Race. Etnical
branqueamento dos povos. groups.
Palavras–Chave: Intolerância. Eugenia. Raça e
Etnia.

Introdução e de feiúra. Insidioso, dissimulado, o ódio insinua-


se na linguagem, como no olhar, para perturbar
Em religião, o ódio esconde a face de Deus. Em as relações entre um homem e o outro, uma
política, o ódio destrói a liberdade dos homens. comunidade e a outra, um povo e o outro. 1

No campo das ciências, o ódio está a serviço da


morte. Em literatura, ela deforma a verdade, A intolerância não pára de crescer em todo o
desnaturaliza o sentido da história e encobre a mundo. Basta ligar a televisão ou ler a gazeta diária
própria beleza sob uma grossa camada de sangue para percebê-la saltando aos nossos olhos

1
WIESEL, Elie. Prefácio. Foro Internacional sobre intolerância (1997: Paris, França). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 8.

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inescrupulosamente. “Conflito no Oriente Médio A sociedade se vê a cada dia mais fragmentada.
deixa doze mortos e cinqüenta e quatro feridos”. A definição de padrões de comportamentos
“Ataque suicida faz dez vítimas fatais no Líbano”. específicos, a criação de grupos particulares, os
“Homossexual de vinte e oito anos é morto com trinta guetos, é uma constante hoje em dia. São os emos,
e dois golpes de faca por um grupo de skinheads novos punkies, os metrossexuais, os ubersexuais, os
furioso”. “Pais são mortos a pauladas pela filha de clubs, os skinheads, e tantos outros que fica até difícil
dezessete anos”. “Criança de oito anos é estuprada e elencar. Cada um com seu mundinho, com sua
morta em um subúrbio do Rio de Janeiro”. “Índio moda, sua linguagem, enfim, uma redefinição dos
Pataxó é queimado vivo por um grupo de jovens de espaços sociais que nem sequer asseguram o direito
classe média”. “Mãe desesperada atira a filha recém- à diferença. As particularidades são toleradas, desde
nascida em uma lagoa na cidade de Belo Horizonte”. que manifestas em espaços cuidadosamente criados
Essas informações não são lançadas aqui na tentativa para isso.
de fazer nenhuma sensação com os acontecimentos Nesse sentido, a necessidade de se afirmar
narrados, mas, ao contrário, procura evidenciar a enquanto tal gera uma intolerância doentia acerca
afirmativa de que a intolerância é uma constante do outro, no qual não se reconhece. A prática da
em nosso dia-a-dia e que em virtude de seu exercício alteridade, capacidade de se colocar no lugar do outro
a violência cresce a cada dia. não ocorre. Muito ao contrário, a definição e
Pensar a intolerância em toda a sua afirmação de si levam ao exercício de negar o outro
complexidade faz-se necessário pensá-la enquanto que é externo, diferente, bárbaro. Estas práticas,
um conceito histórico que carrega as marcas de seu tão presente em toda a história das civilizações
tempo. Atualmente, por exemplo, seu exercício se surgem em nossos dias trajando outras roupagens e
dá de forma mais sutil, pois o discurso cria a idéia de forjando novas linguagens, mas a repercussão dessas
que algumas questões históricas, tão calejadas pelo práticas não deixa de ser igualmente intolerante e
tempo, já foram resolvidas. Discute-se a construção violenta. Como mostra Elie Wesel:
de um espaço social e de socialização para os
homossexuais, direitos adquiridos para os negros e [...] ausência de linguagem, a intolerância não é
afro-descendentes, igualdade entre homens e apenas o instrumento fácil do inimigo; ela é o
mulheres no mercado de trabalho, etc. No entanto, inimigo. Ela nega toda a riqueza veiculada pela
na prática, essas questões não parecem refletir linguagem [...]. Quando a linguagem fracassa,
exatamente o que está assegurado. é a violência que a substitui. A violência é a
O próprio conceito de intolerância já parece ser linguagem daquele que não se exprime mais pela
intolerante o que mostra que este não é um assunto palavra. A violência é também a linguagem da
que dispensa maiores cuidados. As formas de intolerância, que gera ódio. 2

dominação são outras, as minorias são revistas e


reconfiguradas, mas o exercício da intolerância não Essas considerações acabam reiterando a idéia
deixa de fazer suas vítimas a todo instante. Tolerar trabalhada anteriormente, pois a violência
significa, da forma como entendo, permitir que o transforma-se no elemento ativo da prática da
outro exista, se manifeste, mas não é porque eu tolero intolerância. A negação do outro, gera o instinto de
que, necessariamente, o aceito e o compreendo. vê-lo exterminado. Para tanto, há uma depreciação
Estatísticas revelam, por exemplo, que grande parte da diferença que se encontra na contramão dos meus
da população é tolerante aos homossexuais. No interesses. Na guerra, este mecanismo é adotado na
entanto, ver dois homens ou duas mulheres trocando justificativa do massacre do inimigo. Compará-lo a
afetos e carinhos pode ser um ato de estranhamento um animal, sem alma, sem espírito e sem
e agressividade para a maioria das pessoas. Há uma sentimentos faz-se necessário o seu extermínio. A
tolerância, certamente, desde que ele se manifeste e guerra sustenta-se na ideologia da inferioridade e
seja ele mesmo nos lugares que lhes são reservados. barbárie do inimigo. Mais que uma prática de

2
WISEL, Elie. Prefácio. Foro Internacional sobre Intolerância (1997: Paris, França). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 7.

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violência e conflito de interesses, ela é transformada necessária de civilização e progresso, foram
num veículo de difusão da civilização e combate ao recolhidas e enjauladas em celas insalubres de
terrorismo. Subsidiada por esse discurso, a guerra é manicômios e prisões. A idéia de uma raça superior,
usada para exterminar povos inteiros. livre de miscigenação, foi precursora de uma política
Dessa forma, a relação saber-poder, tão cara ao de higienização que visava o branqueamento das
pensamento do filósofo Michel Foucault, não pode raças. O eugenismo surge nesse momento como
ser descartada nessa tentativa de compreender a possibilidade de difundir a idéia de progresso e
intolerância. No exercício do poder, embora ele se civilização, além da moralização e disciplinarização,
encontre em todos os lugares, aqueles que sabem de um povo bárbaro, impuro e não civilizado.
mais, conseqüentemente, podem mais. O discurso
dessa maneira aparece como um recurso capaz de
proselitizar massas inteiras, difundir o ódio e O pensamento eugenista no Brasil
justificar práticas desumanas e violentas. Ao jurista
cabe o direito de dizer a verdade sobre as leis, aos No Brasil, a doença mental ganhou os seus moldes
médicos o direito de dizer a verdade sobre as doenças a partir da incorporação do pensamento da Eugenia
e assim por diante. importado dos Estados Unidos. Vê-se o ideal da
Nesse sentido, a história revela acontecimentos sociedade moderna em construir suas grandes
incompreensíveis e injustificáveis que foram vistos cidades e manter a sua aparência impecável. Eis,
como necessidade. A história não deve ser vista como pois o pobre, o mendigo, e o desajustado social
uma necessidade. Não é justificável a necessidade enclausurados pela força dos conceitos eugênicos e
da exterminação de povos e culturas. O fato é que a trancados nos porões da insanidade. A idéia dos
intolerância gera ódio pelo outro que contraria as eugenistas americanos era identificar os portadores
nossas verdades, ele se transforma assim numa de “germes defeituosos”, impedir sua reprodução pela
ameaça que deve ser combatida e erradicada. Não segregação e esterilização. Segundo alguns autores,
há como pensar a história fora de um jogo constante Edwin Black, por exemplo, as idéias dos eugenistas
e interminável de interesses. americanos inspiraram Adolf Hitler, que assume o
A intolerância contra as minorias escreveu poder na Alemanha em 1924, ao promover o
páginas de nossa história que chegam a dar uma aperfeiçoamento da raça ariana. 3
Como lembra o
dor no fundo dos olhos quando são lidas. Bruxas, filósofo Roberto Machado, a idéia da eugenia,
hereges, prostitutas, leprosos, loucos, negros e melhora da descendência, se espalharam pelo
homossexuais foram vítimas das incompreensões de mundo, conquistando adeptos em muitos países,
outrem e sofrem na pele as marcas desse inclusive no Brasil. Dentre esses adeptos
ressentimento. encontravam-se médicos, escritores, juristas e
Não é de hoje que as minorias são negadas e empresários que se filiavam a essa corrente de
perseguidas. Muito pelo contrário, a história nos pensamento. Dentro dessas idéias provindas dos
revela que foi uma constante em toda a história das Estados Unidos, foi fundada em 1917 a Sociedade
civilizações. A intolerância étnica, racial e religiosa Higiênica de São Paulo. Para os eugenistas
também carrega as marcas de seu tempo. Negros americanos, nossa miscigenação racial era
foram negados como humanos, esta é uma completamente oposta os seus desígnios. 4

característica da intolerância, negar o outro em sua O termo eugenia (“boa geração”) foi cunhado por
humanidade na tentativa de diferenciá-lo do eu. Francis Galton em 1883, no livro Inquires into
No Brasil, no período colonial, sobretudo, as human faculty. Sob a influência da leitura do livro
minorias, transformaram-se em verdadeiros “bodes de seu primo Charles Darwin, A origem das espécies,
expiatórios”. Vistas como um entrave à idéia tão Galton lança as bases do que depois ganhará o nome

3
Cf. BLACK, Edwin. A Guerra contra os Fracos: A Eugenia e a Campanha Norte Americana para criar uma Raça Superior. São Paulo: A
Girafa, 2003.
4
Cf. MACHADO, Roberto (Org.). Danação da Norma. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

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de eugenia com o livro Hereditary genius (1869). bem-dotados e avaliações de hereditariedade.
Nesse livro, Galton procura demonstrar que a Paralelamente, e de modo complementar, era
capacidade humana decorria da hereditariedade necessário limitar a descendência das pessoas
mais do que da própria educação. avaliadas como inferiormente apresentáveis
Segundo definição do próprio Galton, Eugenia é (doentes taradas e miseráveis). 5

a “ciência que lida com todas as influências que


melhoram as qualidades natas de uma raça; Á medida que as teorias racistas começaram a
também aquelas que as tantas influências quantas ser postas em dúvida, nas primeiras décadas do
possam ser razoavelmente empregadas, para fazer século XX, novos intelectuais passaram a questionar
com que as classes úteis na comunidade possam o determinismo geográfico e biológico como
contribuir mais do que sua proporção para a geração explicação para os problemas nacionais.
seguinte”. Paradoxalmente, a ideologia do branqueamento se
A ansiedade com o futuro da sociedade, reforçada consolidou. Nesse período, a instabilidade política
por uma série de transformações sociais e que levaria à crise e derrocada da Primeira
econômicas, criava o contexto no qual a eugenia República mostrava cada vez mais um
aflora como uma esperança para a elite branca e aprofundamento das divisões internas na elite. A
rica. Em 1909, em um dos artigos de sua coletânea, somatória desta cisão com as transformações
Esays on Eugenics, Galton parte de uma proposição econômicas e sociais, além do desenvolvimento da
estatística de distribuição de “talentos” entre uma ciência (especialmente da medicina) brasileira,
dada população, para defender que o caráter e as criou o ambiente no qual surgiu e ganhou no Brasil
faculdades dos seres humanos seriam distribuídos a eugenia. Na opinião de Couto, a Eugenia se tornou
de acordo com certas leis estatísticas. Adotando o um amálgama ideológico num espaço de conflito,
critério de distribuição de “valor cívico”, procura contextualizado pelo fracionamento dos interesses
demonstrar que este também obedece econômicos entre setores agrários alijados do poder
razoavelmente a essas leis. O raciocínio desloca-se pela burguesia cafeeira e de recém-surgidos
para a sociedade a partir da adoção da premissa de industriais, além de uma classe média multifacetada
que “os cérebros de nossa nação encontram-se nas e de reivindicações operárias constantes.
mais altas de nossas classes”, e então Galton conclui O Brasil foi o primeiro país sul-americano a ter
pela “economia de esforço” em concentrar a atenção um movimento eugenista organizado, a partir da
sobre as elites para buscar o aprimoramento da raça. criação da Sociedade Eugênica de São Paulo (1918).
Seria estatisticamente mais proveitoso investir nos O movimento eugênico brasileiro é bastante
casamentos em que ambos os cônjuges são oriundos heterogêneo, mas vale destacar sua atuação junto à
da mesma classe alta do que em casos em que apenas saúde pública e o saneamento, bem como à
um deles o é. Acrescenta Galton que é muito mais psiquiatria e “higiene mental” ao longo das décadas
importante promover o aumento da produtividade de 1920 e 1930, o que permite verificar algumas
do melhor estoque do que reprimir a do pior. Segundo das principais questões nas quais a questão urbana
André Mota. se relaciona ao pensamento eugênico.
A união entre eugenia e higiene foi característica
Os primeiros passos dirigiam-se aos que já do movimento eugenista brasileiro. Parte do sucesso
possuíssem uma raça já considerada superior. do eugenismo nesse período parece devido à sua
Incentivando as pessoas consideradas formulação suprapolítica. Podendo ser utilizada por
racialmente fortes, equilibradas, inteligentes e qualquer tendência político-ideológica, a eugenia
bonitas a ter maior número de filhos, de modo oferecia mecanismos de contenção dos conflitos
que seu número médio se elevasse sociais provenientes das reivindicações trabalhistas
progressivamente, foram criados concursos de e justificavam o fortalecimento do Estado. A luta

5
MOTA, André. Dos “quase brasileiros” ao perigo “de fora”: brasileiros e imigrantes sob um diagnóstico sanitário e eugênico. In: Quem
é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 68.

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pelo saneamento, com o apoio das práticas uma vida sadia. Ganhou força aqui a crença de que
eugenistas, buscava resguardar – ou resgatar – a fatores externos como doenças e o alcoolismo
força de trabalho. As campanhas pelo saneamento, contribuíam para a degeneração da raça. Sob os
que culminaram na criação da Liga Pró-Saneamento preceitos da higiene mental, Antonio Carlos Pacheco
tinham à frente, por exemplo, a figura de Belisário e Silva criou o Sanatório Pinel de Pirituba, para
Penna, membro efetivo da Comissão Central suprir a demanda proveniente do processo de
Brasileira de Eugenia. urbanização e combater os “detritos da civilização”.
Fazia parte do ideal desses médicos sanitaristas à A intensa urbanização do período fez emergir a
crítica aos modelos políticos vigentes. Um aspecto questão da loucura na ordenação do espaço urbano,
importante dessa crítica, porém, é uma aceitação concebida como fonte potencial de “epidemias
da doutrina da “vocação agrícola” do país por uma psíquicas”. Essa concepção é expressa por Pacheco e
grande parcela da elite, e que consta também das Silva:
proposições da Comissão Central Brasileira de
Eugenia: Direitos de sucessão que favoreçam os Freqüentemente, nas grandes aglomerações, os
trabalhadores dos campos no sentido de garantir a homens deixam-se conduzir por indivíduos
estabilidade econômica das famílias sadias e tarados, portadores de estados psicopáticos, de
prolíferas de agricultores e criadores. idéias mórbidas de reivindicação, de delírios
Apenas uma parcela ínfima da população rural pleitistas, de idéias delirantes de perseguição.
teria condições de ser agraciada pelos direitos de “Tais tipos mórbidos são dotados de grande
sucessão reivindicados pelos eugenistas. Essas capacidade de proselitismo e são extremamente
propostas parecem tentar garantir aos já ativos na defesa de suas idéias mórbidas, razão
proprietários rurais que não seriam reconhecidos por que exercem grande influência sobre as
direitos, aos ex-escravos libertos ou seus massas”. 6

descendentes, de terras que tivessem ocupado como


“posseiros” após a Abolição. Mais do que isso, as Admitem-se aqui fatores sociais como elementos
melhorias do campo e a regeneração da raça “disgênicos” e sua vinculação a finalidades políticas
visavam unicamente o aumento da produtividade – no caso, o ativista político igualado a um paranóico.
dos trabalhadores rurais, não em qualquer tentativa Da mesma forma, e com muita freqüência, o
de reorganização da estrutura fundiária do campo. feminismo era visto como uma ameaça à família.
Já nas cidades, a atuação dos eugenistas se As mulheres, concebidas pelos eugenistas como
caracteriza pelo disciplinamento das massas “Sacerdotisas da Eugenia”, frágeis física e
trabalhadoras através da noção de higiene mental. intelectualmente, deveriam se enquadrar em
Na década de 1920, a eugenia ocupa um lugar rígidos moldes comportamentais sob risco de terem
central no discurso psiquiátrico brasileiro. sua cidadania esvaziada sob o diagnóstico de
Advogando a possibilidade de intervenção racional enlouquecimento.
sobre a seleção natural, a eugenia se apresentava Assegurar a ordem social cada vez mais
com a proposta de defender a saúde física e moral ameaçada pelo crescimento das cidades foi um dos
dos trabalhadores brasileiros. Assim, o movimento principais papéis atribuídos às instituições
de Higiene Mental é uma extensão e um psiquiátricas, e a grande motivação para criação do
desdobramento das questões eugênicas, e “ratificava Sanatório Pinel: uma resposta ao medo perante o
parâmetros disciplinares, os quais deveriam crescimento da cidade, e um exemplo do esforço
garantir a formação de uma população sadia, sem eugênico para ordenação do espaço urbano para o
conflitos”. qual contribuíram membros da elite social paulista,
A higiene mental extrapola então os limites de capitalistas, comerciantes, advogados e médicos.
sua disciplina e passa a cuidar das condições Segundo o pensamento eugenista, o brasileiro
psíquicas da sociedade como um todo, organizando tinha um potencial genético e civilizatório que

6
Idem.

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ameaçaria o progresso da ação, devendo ser apurado Numa sociedade que assistiu, desde tempos
e transformado. Nesse sentido, acreditava-se que o remotos, ao alvorecer da escravidão, e a sua
atraso da nação devia-se a miscigenação da derrocada tardia em fins do século dezenove, não é
população que havia herdado apenas as de se surpreender que tenha logo se filiado ao
características ruins do branco, do negro e do índio. pensamento eugenista. Uma cultura
A idéia de progresso e civilização não podia conviver constantemente marcada pelo contato de sangues
com estrutura social formada por seres não diversos, desde o latino ao escravo africano, talvez
civilizados. Essa situação estava em desacordo com seja a sociedade mais miscigenada do mundo. O ideal
a construção tão almejada de uma idéia de nação de branqueamento da sociedade nos leva a crer que
aos moldes das nações européias, como queria a elite o sentimento de chegar a uma raça pura não se
brasileira daquela época. Como mostra André Mota: reserva à imagética pessoa de Hitler.
Nesse sentido, o pensamento eugenista no Brasil
Para as elites dirigentes que buscavam construir tem sido abordado em diferentes perspectivas e
uma identidade nacional, colocando o Brasil diversos enfoques. Jurandir Freire Costa, em seu
junto aos países mais civilizados e altivos, as livro A História da Psiquiatria no Brasil, nos apresenta
críticas contra esse homem “quase brasileiro” o pensamento eugenista enquanto ideal de
eram tidas como fundamentais para o higienização mental, sendo que a incorporação desse
desenvolvimento da nação de sua história. 7
pensamento no Brasil aproxima-se dos ideais nazistas
da psiquiatria alemã. Desse ponto de vista, o fato de
Assim, as elites acabavam comparando o ter sido publicado nos Arquivos de Higiene Mental a
brasileiro ao europeu mostrando que o europeu era Lei Eugênica Alemã de 1934 dá a impressão de
mais civilizado e acreditando que somente uma reforçar as idéias do autor. Num período atribulado
política de controle da saúde é que manteria o da história brasileira; crise de 1929, Revolução de
brasileiro produtivo com a capacidade de alcançar o 1930, Revolta Constitucionalista de 1932, Revolta
europeu. Assim, os poderes públicos atentaram-se Comunista de 1935, tentativa de golpe integralista
para os “brasileiros miscigenados”, e acreditavam de 1938. Vivia-se um período de afirmações
que a fusão das raças era a grande responsável pela totalitárias e o Brasil convivia com a ditadura
degenerescência e a impossibilidade da civilidade. Vargas que tentava se equilibrar entre as forças em
Nesse sentido, ele devia ser cuidadosamente luta pelo mundo.
assistido, disciplinado e adestrado. Segundo os Assim, nota-se o interesse do Estado em mediar
eugenistas: as relações sociais, por meio do controle do espaço
público em consonância com o espaço privado. Nesse
[...] higienizada e civilizada a nação, os eugenistas sentido, as práticas psiquiátricas assumem suas
diziam ter campo fértil para consagrar o seu nuances políticas. Higienizar significa limpar o que
grande objetivo de traduzir nas características é sujo e preservar o que é puro. Num governo
raciais que vinha sendo feito no campo autoritário não fica difícil perceber o que deve ser
civilizatório, pelas intervenções sanitárias [...]. varrido e o que deve ser escondido. São aqueles que
A busca de um indivíduo saudável e equilibrado contestam as ordens e aqueles que enxergam demais
passaria, igualmente, pelas contingências do e falam demais. Numa sociedade em que ninguém
meio físico e moral, de que cuidariam tanto os quer ver, enxergar além dos horizontes pode custar
sanitaristas como os eugenistas, estes caro ao observador.
considerados capazes de formatar geneticamente
um brasileiro “mais homem”, portanto “menos
animal”. 8

7
MOTA, André. Dos “quase brasileiros” ao perigo “de fora”: brasileiros e imigrantes sob um diagnóstico sanitário e eugênico. In: Quem
é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 60.
8
Idem, Ibidem, p. 65-66.

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Considerações finais Referências:

A partir do que foi dito fica claro perceber que o BARRETO, L. Diário do Hospício – o cemitério dos
tema da intolerância não pode ser fechado em vivos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de
Cultura/ AGCRJ, 1988.
discussões simplórias. Em todos os momentos
históricos, e em todas as civilizações, ela foi BASTIDES, Roger. Sociologia das Doenças Mentais.
responsável pelo massacre de corpos, almas, São Paulo: Nacional; EDUSP, 1967.
culturas, personalidades e costumes. Assim, como
foi mostrado, a questão do discurso entra como um BLACK, Edwin. A Guerra contra os Fracos: A Eugenia
e a Campanha Norte Americana para criar uma
canal através do qual se exerce o poder e o controle
Raça Superior. São Paulo: A Girafa, 2003.
sobre os outros. A eugenia no Brasil revela um
quadro de intolerância, étnica, racial, cultural e CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio
social que acabou por levar pessoas inocentes a de Janeiro e a República que não foi/ José Murilo de
manicômios e prisões. Além de acentuar o Carvalho. - São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
preconceito racial sobre os negros, à medida que
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e
propõe um embraqueamento dos povos,
epidemias na Corte imperial/ Sidney Chalhoub.- São
relacionando a cor da pele ao atraso, à perversão, à Paulo: Companhia das Letras, 1996.
barbárie e a degenerescência.
Atualmente percebe-se que essas práticas COSTA, J. F. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de
tiveram grande repercussão e ainda sobrevivem Janeiro: Graal, 1983.

com grande intensidade. A intolerância racial,


_________. História da psiquiatria no Brasil: um corte
sobretudo contra os negros, ainda é uma questão de
ideológico, 4.ed.ver. e ampliada.- Rio de Janeiro:
grande peso. E enquanto as pessoas não se atentarem Xenon Ed., 1989.
para o fato de que todos, independentemente de cor,
raça ou gênero são igualmente seres humanos, a CUNHA, Maria Clementina Pereira. O Espelho do
intolerância continuará fazendo milhares de Mundo: Juquery, a História de um Asilo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1986.
vítimas pelo mundo todo.
Tolerar, no entanto, não é apenas permitir o ser ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão:
do outro, mas sim, respeitá-lo em toda a sua médicos, loucos e hospícios( Rio de Janeiro, 1830-
integridade. Segundo Françoise Héritier: 1930 )./ Magali Gouveia Engel. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2001.

Tolerar é aceitar a idéia de que os homens não


Foro Internacional sobre Intolerância (1997: Paris,
são definidos apenas como livres e iguais em
França). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
direito, mas que todos os humanos sem exceção
são definidos como homens. Sem dúvida é aí que MACHADO, Roberto (Org.). Danação da Norma. Rio
reside o fundamento de uma hipotética ética de Janeiro: Graal, 1978.
universal, com a condição – que comporta
MOTA, André. Dos “quase brasileiros” ao perigo “de
consideráveis condições – de que haja uma
fora”: brasileiros e imigrantes sob um diagnóstico
tomada de consciên-cia individual e coletiva, sanitário e eugênico. In: Quem é bom já nasce feito:
uma vontade política internacional e o sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro:
estabelecimento definitivo de sistemas DP&A, 2003.
educacionais que ensinem a não odiar. 9

SAMPAIO, G. Nas Trincheiras da Cura. Campinas:


Cecult/ Editora da Unicamp, 2002.

9
HÉRITIER, Françoise. O Eu, o Outro e a Intolerância. Foro Internacional sobre intolerância (1997: Paris, França). Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000, p. 27.

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UCHOA, P. M. Organização da Psiquiatria no Brasil. de alienados e da psiquiatria no Rio Grande do Sul.
São Paulo: Sarvier, 1981. Porto Alegre: Editora da Universidade – UFRGS,
2002.
WADI, Yonissa Marmitt. Palácio para guardar doidos:
Uma história da lutas pela construção do hospital

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