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Terræ
História geológica e Ciência do clima: métodos e
origens do estudo dos ciclos climáticos na Terra
Marcos José de Oliveira1, Gustavo Macedo de Mello Baptista2, Celso Dal Ré Carneiro3, Francisco Arthur Silva Vecchia4
1 Doutorando em Progr. Pós-Grad. Ciências da Eng. Ambiental, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, EESC/USP
- marcos.jose@gmail.com
2 Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, IG/UnB - gmbaptista@unb.br
3 Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, IG/Unicamp- cedrec@ige.unicamp.br
4 Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, EESC/USP - fvecchia@sc.usp.br
Abstract: This article presents a precise definition of climate cycles and examines the multiple Manuscrito:
forms of measurement, reconstruction and prediction of climate conditions, based on a historical Recebido: 30/07/2013
review of the origins of the study of climate cycles. Information about climates of ancient times Corrigido: 10/09/2015
has been obtained from the geological record using data on biogeochemical processes that vary Aceito: 30/09/2015
according to atmospheric factors. Data interpretation requires some assumptions, one of them
Citation: Oliveira M.J., Baptista
specially critical: the principle of Actualism, which establishes an uniformity of the natural laws
and Earth processes. This means that, in the past, the relationship between climate and other G.M.M., Carneiro C.D.R., Vecchia
natural phenomena was similar to that which operates in the present. Thus, given the variety of F.A.S. 2015. História geológica e
natural processes that depend on weather, it is possible to reconstruct the past climate with the Ciência do clima: Métodos e ori-
help of various types of evidence (rings of trees, marine sediments, ice cores, isotopes etc.). With gens do estudo dos ciclos climá-
the use of different paleoclimatic reconstruction techniques, the general regularities of climate ticos na Terra. Terræ, 12(1):03-
conditions in the geological past are reliable; so, we can infer that the climate is an eminently 26. - http://www.ige.unicamp.
cyclical phenomenon. The recognition of the periodic nature of climate dates back to the late 18th br/terrae
century, with innovative ideas of renowned scientists: Hutton (Uniformitarianism), Agassiz (great
ice age), Penck and Brückner (multiple glacial cycles), Milankovitch (glacial cycles and orbital Keywords: Climate change, clima-
variations) and Schwabe (solar cycle of 11 years). For discussing the contemporary changes in te, Climatology, Geology, natural
the Earth’s climate it is essential to recognize their spatial and temporal scales, the physical processes, carbon dioxide, an-
mechanisms and types of natural climate variability, especially when one considers the vastness thropogenic global warming
of the Geological Time.
Ciclos Naturais
Durante muito
tempo, a noção de
aleatoriedade foi um
dogma central nas Figura 1. Corte vertical no Parque do Varvito, em Itu (SP), expõe sucessivas camadas de rochas,
formadas a partir de níveis alternados de sedimentos argilosos pretos e sedimentos
Geociências. Recen-
síltico-argilosos de cor cinza claro, ilustrando com precisão a existência de variações
temente, no entanto, rítmicas no registro geológico. Sobre o Varvito de Itu, consultar Rocha-Campos (2002).
as constatações de Foto: CDR Carneiro
que “Tudo na Terra funciona de forma cíclica” e que enxofre; ciclo hidrológico; ciclo das rochas (Car-
“O universo é regular e previsível” foram incluídas neiro et al. 2009, Carneiro 2012), e até mesmo os
em uma lista dos vinte grandes pensamentos das ciclos de vida dos inúmeros seres vivos.
Ciências (Culotta 1991). O conceito de ciclicidade
no sistema terrestre possui uma longa tradição
Ciclos Climáticos
que remonta ao final do século 18. Com sua teoria
do Uniformitarismo simplificada na afirmação “o Além dos ciclos de materiais, os fluxos de
presente é a chave do passado”, James Hutton foi energia também são parte fundamental do sistema
pioneiro ao conceber que vários processos terres- planetário, visto que representam a energia motriz
tres operam ciclicamente. Umbgrove (1947), em e propulsora da ciclagem material. No passado
seu livro “Pulso da Terra”, encontrou evidências remoto da Terra, fontes internas vulcânicas repre-
notáveis de regularidade nos padrões do clima, sentaram a principal fonte de energia emanada à
mudanças no nível do mar, episódios tectônicos atmosfera . Atualmente, o Sol é a principal fonte
7
e vulcânicos, bem como percebeu claras divisões de energia que movimenta direta e indiretamente
naturais na coluna estratigráfica durante da história
5 os ciclos biogeoquímicos acima da litosfera.
evolutiva da Terra. A Fig. 1 ilustra a existência de Em termos climáticos, a temperatura é o indica-
variações cíclicas registradas na forma de diferentes dor mais utilizado pelo fato de ser um elemento do
camadas rochosas. clima facilmente obtido, seja por medição direta ou
A Terra está repleta de ciclos biogeoquímicos que por reconstrução (estimativas indiretas), e também
operam nos oceanos e na atmosfera. Na reciclagem por ter o atributo de sintetizar o balanço de energia
de materiais e nutrientes, são amplamente conheci- terrestre. A temperatura – seja do ar, dos oceanos
dos os ciclos presentes em todas as esferas ambien- ou de outros compartimentos – é fundamental,
tais (litosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera): portanto, nos estudos de mudanças no clima e será
ciclos do oxigênio, carbono , nitrogênio, fósforo,
6 adotada como o indicador de enfoque deste artigo.
5 A Estratigrafia é o ramo da Geologia que estuda as camadas de rochas 7 Em escalas de dezenas de milhões de anos, a energia interna da Terra
(estratos) e a Cicloestratigrafia é o estudo dos ciclos climáticos, forçados influencia na tectônica de placas, no tamanho e localização dos conti-
astronomicamente, que são observados em sucessões sedimentares. nentes bem como na ocorrência de atividades vulcânicas associadas às
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Toniolo & Carneiro (2010) abordam os processos geológicos de movimenta- movimentações das placas.
ção/fixação de carbono na Terra e o aquecimento global.
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Geociências e Paleociências produzidas, como a mecânica Newtoniana, a teoria
da relatividade e a teoria da evolução de Darwin.
Entende-se Paleociências8 como o plural de todas Charles Lyell habilmente adaptou a metodologia
as disciplinas científicas que lidam com referências estabelecida nas ciências experimentais para lidar
históricas, incluindo temas relacionados com o com o passado, utilizando-se do método vera causa
passado nos campos da Arqueologia e Geologia, (ou “causa verdadeira”) inicialmente articulado por
como a Paleontologia, Paleoantropologia, Pale- Newton em suas famosas Regras de Raciocínio em
obiogeografia, Paleoecologia, Paleohidrologia, Filosofia contidas no volume 3 de sua obra “Princí-
Paleloclimatologia, dentre outros ramos das Ciên- pios Matemáticos da Filosofia Natural” publicada
cias Naturais que focam na reconstrução e modela- nas edições de 1713 e 1726. Com a adaptação ao
gem dos eventos passados, ao invés da observação contexto da geologia, Lyell propôs que as evidências
direta e realização de experiências. da existência de causas passadas devem ser obtidas
Uma vez que as Paleociências não lidam com por meio da observação dos efeitos dessas causas
observações diretas dos fenômenos que ocorreram agindo no presente. (Rachel 1992).
no passado não observável, mas sim com os seus
efeitos, elas são muitas vezes referidas como Ciên-
cias Históricas. Esse aspecto a diferencia das Ciên- Paleoclimatologia
cias Empíricas9, que dependem fundamentalmente A capacidade de decifrar climas passados tem
da possibilidade de realizar um experimento várias se expandido nos últimos anos, com uma melhor
vezes. Como não é possível viajar de volta no tempo compreensão dos atuais processos climáticos e o
e observar diretamente os fenômenos do passado, desenvolvimento de ferramentas de análise mais
as Paleociências são dependentes de hipóteses que sofisticadas. Registros instrumentais possuem
são, em princípio, não absolutamente verificáveis, dados de apenas um ou dois séculos atrás. Para
mas que explicam as evidências ao postular uma estender o registro para além do período instru-
causa comum a elas. mental, os cientistas utilizam de indicadores que
Assim, comparados a cientistas empíricos como permitem medir indiretamente os climas passados
os químicos e físicos, os paleocientistas ficam em ou ambientes preservados em arquivos naturais, tais
desvantagem na análise das evidências disponíveis. como sedimentos marinhos e terrestres, árvores e
Primeiro, os vestígios imperfeitamente preservados núcleos de gelo, entre outros.
de objetos e eventos passados são o primeiro desafio Como um ramo da Paleociências, a Paleoclimato-
observacional, pois, tais registros do passado podem logia10– definida como o estudo dos climas durante
ser completamente destruídos e, assim, tornam-se qualquer parte do passado geológico – especi-
para sempre inacessíveis para a observação. Segun- ficamente trata dos estados do clima em épocas
do, os físicos e os químicos rotineiramente realizam anteriores ao período de registros instrumentais
seus experimentos sistematicamente variando as modernos. Para explicar as causas de mudanças
causas e observando os efeitos resultantes. Entre- climáticas cujas condições não foram registradas
tanto, os paleocientistas frequentemente investi- por instrumentos modernos, são utilizados dados
gam causas que operam muito lentamente para de testemunhos, aliados ao emprego de modelos de
seus efeitos se tornarem perceptíveis à observação computador, para reconstruir os climas do passado.
contemporânea. O surgimento e o aparecimento Assim, o estudo do paleoclima ajuda a entender os
de montanhas e a Tectônica de Placas, por exemplo, controles das mudanças climáticas e, logo, como o
são fenômenos que ocorrem ao longo de milhões sistema climático funciona. (Mock 2006).
de anos. Assim, processos causais que agem tão O estudo dos climas passados ajuda na com-
vagarosamente que não se “encaixam” na escala preensão da mudança climática ao apresentar uma
temporal humana, obviamente não podem ser perspectiva melhor do que a fornecida pelos regis-
investigados experimentalmente. tros instrumentais, tanto em termos das causas e
Ainda assim, muitos cientistas estudam fenô- dos efeitos das mudanças climáticas quanto das
menos nos quais eles não conseguem conduzir magnitudes de variações espaciais e temporais. Ao
experimentos. Teorias causais admiráveis foram fornecer longos registros do clima e sua variabili-
dade natural, permite-se uma compreensão mais
8 O prefixo paleo, do latim, significa “muito antigo, pré-histórico”, e palaios,
do grego, significa “antigo”.
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Como obras de referência, indica-se os trabalhos de Bradley (1999), Elias
9 Cleland (2002) aborda as diferenças entre Ciências Históricas e as Ciências
(2006) e Gornitz (2009).
Empíricas.
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clara sobre o delineamento da variabilidade natural informações em documentação histórica ou
e possíveis influências antropogênicas. pela determinação indireta utilizando análises
de testemunhos e técnicas de datação;
Paleotemperatura • Futuro: estimativas, previsões e projeções com
A temperatura da Terra não é estável; ela é base em modelos matemáticos e possíveis
governada por muitos processos internos e exter- cenários.
nos que operam em diferentes escalas espaciais e
temporais. Mudanças na produção de energia pelo
Sol, na distribuição sazonal e geográfica de insola- Medições Recentes da Temperatura do Ar
ção devido a mudanças na configuração orbital da Os valores da temperatura do ar podem ser
Terra (inclinação axial, precessão e excentricidade mensurados, de um modo geral, por três diferentes
orbital), nas características físicas (poeira soprada métodos de medição: observações de superfície,
pelo vento, emissões vulcânicas) e características observações de satélite e observações por radiosson-
químicas da atmosfera (concentrações de gases das. As medições realizadas por satélite não repre-
radiativamente ativos), bem como processos tectô- sentam a temperatura do ar na superfície terrestre,
nicos que alteram a distribuição continental e cir- mas sim a temperatura radiométrica ou temperatura
culação oceânica, todos influenciam a temperatura. radiante aparente, obtida pela detecção das ondas
Registros históricos e instrumentais de tempe- emitidas pelas superfícies radiantes. Ou seja, com
ratura são demasiadamente curtos para entender as radiâncias medidas em várias bandas de compri-
esses e outros complexos padrões de variabilidade mento de onda são feitas correlações que permitem
da temperatura da Terra em diferentes escalas de realizar inferências indiretas da temperatura do ar.
tempo, ou para servir como uma linha de base para Já as radiossondas de fato medem a temperatura do
avaliar tendências atuais da temperatura global e ar, porém, é traçado um perfil vertical de acordo
supostas influências humana no clima. Portanto, com a ascensão do balão na atmosfera.
um dos temas mais ativamente pesquisadas em As medições de superfície, por sua vez, são divi-
Paleoclimatologia é a reconstrução e interpretação didas em dois tipos: em superfície terrestre, tendo
das temperaturas atmosféricas e oceânicas passadas, os sensores de temperatura dispostos em abrigos;
ou Paleotemperatura. em superfície marinha, em que são realizadas
medições em navios ou por meio de bóias, fixas
ou móveis. Na superfície terrestre, os registros da
Métodos de Estudo dos Ciclos Climáticos:
temperatura do ar podem ser realizados em estações
Determinação da Temperatura Terrestre climatológicas clássicas, utilizando-se de termógra-
A temperatura na Terra pode ser referente à fos, termômetros de mercúrio, termômetros de
temperatura próxima à superfície (esta comumente máximas e mínimas; ou em estações climatológi-
denominada de temperatura do ar na superfície terrestre) cas automáticas, nas quais são utilizados sensores
tanto sob os continentes quanto sob os oceanos; elétricos de temperatura e sistemas de aquisição/
pode se referir à temperatura nos fundos de oceanos armazenamento de dados.
ou no fundo de sondagens profundas (deep drillings)
na superfície terrestre; ou ainda pode denotar a Reconstruções do Clima no Passado
temperatura da troposfera (camadas superiores).
Qualquer tentativa de estabelecer e identifi-
A temperatura terrestre pode ser determinada
car mudanças climáticas no passado deve utilizar
ou estimada de acordo com a escala temporal de
informações históricas. Uma primeira modalida-
abordagem adotada. Basicamente, as mudanças
de consiste no estudo dos registros com base em
climáticas podem ser divididas em três categorias
documentos históricos, a qual possui o inconve-
temporais de análise – passado, presente (passado
niente de fornecer impressões subjetivas tanto
recente) e futuro – as quais possuem diferentes
pela pessoa que relatou o fato quanto pela pessoa
fontes de dados:
que vir a interpretar esse relato. Os casos de séries
• Presente (passado recente): medições instrumen- históricas longas são raros, logo, os relatos histó-
tais diretas, com base em estações nos conti- ricos são pontuais e qualitativos, geralmente enfa-
nentes ou nos oceanos, satélites e radiossondas; tizando informações de condições incomuns que
• Passado: reconstruções por meio do resgate de provocaram, na percepção das pessoas na época,
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algum impacto significativo. Consequentemente, Cada vez mais utilizados nos estudos sobre o
tais registros transmitem poucas informações das clima, os isótopos12permitem a determinação indireta
condições normais, ao contrário, fornecem mais das condições climáticas, especialmente a tempera-
informações das condições anormais. Além disso, tura. Isótopos estáveis e radioativos são utilizados
os relatos não permitem identificar se as condições tanto no monitoramento de fluxos em processos
excepcionais foram resultado de oscilações da varia- quanto na datação radiométrica de eventos – esta
bilidade natural do clima ou de alguma mudança baseada no decaimento dos isótopos radioativos.
climática expressiva. Os principais isótopos usados na pesquisa do clima
Indicadores quantitativos e representativos de são: hidrogênio (1H, 2H – deutério, 3H – trítio),
paleoclimas têm o potencial de fornecer evidências oxigênio (16O, 17O, 18O), carbono (12C, 13C, 14C
para mudanças climáticas de grande escala antes da – radiocarbono) e radônio (222Rn) (Mcguffie &
existência de registros documentais instrumentais Henderson-Sellers 2005).
ou históricos generalizados. Para superar as limi-
tações dos relatos humanos, uma segunda moda- Climatologia Histórica
lidade de técnicas indiretas com uso de testemunhos A Climatologia Histórica é o ramo da Climato-
(do inglês proxy, “representante”, “substituto”) logia que usa documentos escritos para investigar
– baseados essencialmente em informações bioló- o clima do passado. Esses registros podem incluir
gicas, geológicas ou geofísicas – possibilitam, com tanto os registros climáticos instrumentais ou não
maior confiabilidade, reconstruir e obter estimati- instrumentais. Para fins paleoclimatológicos, fontes
vas bastante próximas das condições climáticas reais documentais históricas são mais adequadamente
ocorridas no passado, inclusive aquelas precedentes definidas como registros meteorológicos anteriores
aos alguns milhares de anos da história humana. ao estabelecimento de redes meteorológicas oficiais.
Essa segunda modalidade fornece indicadores de Redes de observações modernas usam métodos
clima mais seguros e temporalmente abrangentes. e instrumentos de observação padronizados para
Com base na análise de uma infinidade de registrar e medir as variáveis meteorológicas em
arquivos biológicos, geológicos e geofísicos, os níveis definidos de precisão e exatidão. As primeiras
principais métodos de reconstrução da Paleocli- redes organizadas datam do final do século 18, mas
matologia utilizam: (a) seres vivos que apresentam somente a partir de 1873 os serviços meteorológicos
estratificação anual, como anéis de árvores (Dendro- internacionais estabeleceram esforços sistemáticos
climatologia) e corais (Esclerocronologia); pólens (Pali- de padronização de procedimentos e instrumentos.
nologia); (b) evidências geomorfológicas superfi- Logo, os dados históricos são propensos a proce-
ciais, como mudanças do nível dos mares, formação der de métodos não padronizados de exposição e
e movimentação de solos, assinaturas de geleiras; calibração de instrumentos, de práticas de obser-
estratigrafia convencional que não utiliza isótopos, vação e definições de termos altamente variáveis.
como deposição de sedimentos físicos (ritmitos e Nesse sentido, a sensibilidade do observador a
varvitos11) e sedimentos biológicos (pólen, esporos, vários fenômenos climáticos varia entre as pessoas
fósseis, conchas) em lagos e oceanos; (c) métodos e dentro do tempo de vida de um único indivíduo.
baseados nas variações da composição de isótopos Por exemplo, a definição de “geada” é altamente
(Saltzman 2002). Ressalta-se que a taxa de depo- variável, uma vez que o termo pode ser baseado em
sição ou de crescimento do material nos testemu- fatores individuais de percepção bastante diversos.
nhos é influenciada pelas condições climáticas no O mesmo é verdadeiro para a contagem de dias
momento em que os materiais cresceram ou foram com chuva e neve, entre outras situações sujeitas a
estabelecidos. subjetividades (Chenoweth 2006).
11 Ritmitos são rochas sedimentares que apresentam estratificação Por um lado, apesar dos obstáculos inerentes
plano-paralela, que se deve a uma alternância de dois tipos litológicos à percepção individual dos fenômenos por dife-
diferentes, formando estratos semelhantes e repetitivos. O varvito é um
ritmito constituído por sucessão regular de pares de rochas que incluem rentes observadores, os documentos históricos
uma camada/lâmina inferior mais clara, em cima de uma lâmina mais proporcionam, por outro lado, inigualável resolu-
escura. O nome varvito, cunhado a partir de varve (do sueco, varv: repe- ção sub-anual. Enquanto outros registros de tes-
tição periódica de camadas) e o sufixo ito. No seu sentido original, varve
corresponde a um par de tipos litológicos contrastantes, sendo a camada
temunhos paleoclimáticos podem fornecer dados
inferior síltica e clara, e a camada superior argilosa e escura (rica em que se estendem a milhões de anos no passado,
matéria orgânica), depositadas no verão e inverno de um mesmo ano, 12 Os isótopos são átomos, de um mesmo elemento químico, que possuem
respectivamente (Rocha-Campos 2002). a mesma quantidade de prótons, mas quantidade diferente de nêutrons.
b
Elementos-traço: Bário (barita), Boro (na forma B(OH)4- ), Cádmio, Magnésio, Fósforo, Ferro,
Manganês, Cobalto, Niquel, Zinco, Cobre e Estrôncio.
c
Alquenonas: gorduras trans produzidas por certas algas.
d
Morenas: ver nota de rodapé nº 15.
e
Loess: sedimento fértil, de coloração amarela, formado por partículas depositadas pelo vento.
f
Registros fenológicos: ver nota de rodapé nº 13.
Fonte: Adaptado de Bradley (1999) e Gornitz (2009).
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tectônicos (Gornitz 2009).
Os registros biológicos (fós-
seis) podem servir como indica-
dores paleoclimáticos úteis, uma
vez que as plantas e os animais são,
muitas vezes, bastante sensíveis
ao seu meio ambiente e ao clima
adjacente. Uma espécie fóssil útil
Anos
é aquela que responde rapidamente Figura 2. Diagrama ilustrativo do alcance temporal dos principais
a mudanças climáticas, se esten- testemunhos climáticos. As respectivas resoluções são representadas
de por uma faixa de tempo sem por um círculo. Fonte: Adaptado de Miranda (2010)
mudança evolutiva significativa, é relativamente mento espontâneo de 238U em minerais comuns);
abundante e generalizada no registro geológico, e luminescência; polaridade geomagnética registrada
pode ser bem preservada sem alteração posterior em sequências de rochas (Magnetostratigrafia); e isó-
(Gornitz 2009). topos e radiometria (Radiocronologia).
Em todos os paleorregistros, a datação precisa
é de importância fundamental. Sem uma datação Estimativas Futuras da Temperatura do Ar
precisa, é impossível determinar se os eventos
As temperaturas futuras são estimadas por
ocorreram de forma síncrona ou se determinados
meio de modelos matemáticos climáticos. Um
acontecimentos causaram ou defasaram outros.
modelo climático é uma representação do sistema
Para entender a natureza das mudanças globais do
atmosférico terrestre baseada em cálculos com-
passado, a datação precisa é necessária para avaliar
putacionais de equações de Navier-Stokes em
a taxa em que as mudanças ambientais ocorreram, uma esfera rotativa, com termos termodinâmicos
principalmente quando se considera mudanças cli- para diferentes fontes de energia. Os modelos
máticas de alta frequência e de curto prazo Bradley climáticos resolvem equações matemáticas que
1999). As principais técnicas de cronologia incluem descrevem o balanço de energia do planeta, com
análises de: racemização de aminoácidos conserva- o objetivo de compreender e reproduzir os pro-
dos em biominerais (Geocronologia de Aminoácidos cessos de controle do clima. Os modelos diferem
ou Aminoestratigrafia); distribuição de fósseis em amplamente em sua complexidade, alguns consi-
estratos sedimentares (Bioestratigrafia); crescimen- deram apenas o balanço (entrada/saída) de energia
to de anéis de árvores (Dendrocronologia); traços de da Terra, enquanto outros tentam descrever todo
fissão (método que envolve a utilização do número o sistema climático, incluindo as complexas inte-
de eventos de fissão produzidos a partir do decai- rações entre as diferentes componentes do planeta
Tabela 2. Características dos principais testemunhos
Testemunho Intervalo mínimo de Intervalo temporal Informação potencial
amostragem (ordem: anos) derivada
Registros históricos dia/hora ~103 T, P, B, V, M, N, S
Anéis de arvores ano/estação ~104 T, P, B, V, M, S
Sedimentos lacustres ano (varves) - 20 anos ~104 - ~106 T, B, M, P, V, Cw
Corais ano ~104 Cw, N, T, P
Núcleos de gelo ano ~5 × 10 5
T, P, Ca, B, V, M, S
Pólen 20 anos ~105 T, P, B
Espeleotemas 100 anos ~5 × 105 Cw, T, P
Paleossolos 100 anos ~10 6
T, P, B
Loess 100 anos ~106 P, B, M
Geomorfologia 100 anos ~106 T, P, V, N, P
Sedimentos marinhos 500 anos ~10 7
T, Cw, B, M, N, P
T = temperatura; P = precipitação, umidade; C = composição química do ar (Ca) ou água (Cw); B =
biomassa e vegetação; V = vulcanismo (erupções); M = magnetismo (campos geomagnéticos); N =
nível dos mares; S = sol (atividades solares).
Fonte: Adaptado de Bradley (1999).
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(como o oceano e a atmosfera) (Philander 2008). Nuvens, por exemplo, têm dois efeitos concor-
O uso de modelos climáticos não é uma rentes sobre o clima: elas refletem a luz solar de
exclusividade de estimativas de temperatura volta para o espaço e elas bloqueiam o calor emi-
no futuro, pois elas também são utilizadas em tido pela superfície. Se temperaturas mais altas
reconstruções passadas do clima. Todavia, a aumentam a quantidade de nuvens, os efeitos são
questão das mudanças climáticas induzidas pelo pouco claros e por isso não são fáceis de modelar.
homem mudou o foco da modelagem do clima. Além desses fatores ainda pouco compreendidos,
Agora, muitos modelos são projetados para veri- os modelos devem ter em conta os mecanismos
ficar o efeito da mudança das emissões humanas de feedback (retroalimentação), tanto os positivos
sobre o clima e previsão do clima futuro. As quanto os negativos. Nos feedbacks positivos,
previsões ou projeções climáticas são feitas com existem situações em que uma pequena altera-
modelos climáticos globais, que tem como base ção em algum aspecto no sistema amplia o efeito
Modelos de Circulação Global (MCGs). original e, portanto, causa um efeito muito maior
Nos MCGs o planeta é dividido em uma gra- (Desonie 2008).
de tridimensional em forma de blocos retangula- Os modelos de previsão climática tentam ela-
res. Na atmosfera, os modelos climáticos globais borar cenários do clima de muitos anos no futuro.
normalmente têm uma resolução horizontal de Eles não têm o objetivo de prever determinados
200 a 300 km; e uma resolução vertical de algumas acontecimentos de pequena escala (em compara-
centenas de metros a 1 km. A resolução vertical ção com a previsão do tempo, que tenta prever,
dos modelos é geralmente mais fina na superfície por exemplo, a ocorrência de uma tempestade
(onde ela é necessária para resolver importantes em um determinado dia). Em vez disso, a elabo-
processos de pequena escala) e torna-se grossei- ração de cenários do clima tem uma abordagem
ra em grandes altitudes. Na superfície, os níveis estatística na qual as propriedades gerais do clima
do modelo normalmente acompanham o terre- podem ser previsíveis; normalmente a média ou
no (níveis paralelos à topografia da superfície), a variância das variáveis climáticas são previsíveis
mas, em níveis mais altos do modelo, o efeito da (como a temperatura média em determinado mês
topografia da superfície é menor, e os níveis se ou ano). Os modelos climáticos consideram uma
tornam mais espessos. Os componentes oceânicos série de variáveis climáticas diferentes, algumas
dos MCGs geralmente têm uma resolução maior das quais podem ser modelados com um grau
que o componente terrestre, pois as estruturas de relativamente elevado de confiança (tais como
pequena escala como redemoinhos são impor- a temperatura), enquanto outros permanecem
tantes para o transporte de calor nos oceanos. A muito mais incertos (como a precipitação). Nos
resolução nos oceanos varia tipicamente de 125 modelos climáticos são considerados os tipos
a 250 m na horizontal e 200 a 400 m na vertical diferentes de variabilidade no sistema da Terra,
(Philander 2008). como as mudanças naturais e as induzidas pelo
Com a divisão gradeada do planeta, cálculos homem (Philander 2008).
são feitos para as trocas verticais e horizontais
de energia e matéria (umidade) entre os blocos.
Incertezas nas parametrizações utilizadas nos
História da Origem dos Estudos
modelos climáticos contribuem para a incerteza Paleoclimáticos e dos Ciclos Climáticos
nas previsões climáticas. Para investigar a sensibi-
lidade do modelo a estas incertezas, é executado
um conjunto de várias simulações. Para verificar Estudos Paleoclimáticos
a validade de um novo modelo, tenta-se repro- Estabelecer as datas das alterações climáticas é
duzir os eventos que já ocorreram no passado. Se um elemento-chave na investigação do clima no
os modelos descrevem o passado com sucesso, passado. Para determinar a idade dos episódios
então eles podem ser usados para prever o futuro climáticos, é necessário estabelecer uma cronolo-
com algum grau de confiança. O sucesso de um gia dos eventos. Utilizando-se de um conjunto de
modelo depende, em parte, da capacidade dos métodos de datação, a Geocronologia é a ciência que
cientistas em explicar as interações entre terra, permite determinar a idade de rochas, fósseis, sedi-
atmosfera, oceanos e os seres vivos. No entan- mentos e os diferentes eventos da história da Ter-
to, alguns fatores não são bem compreendidos. ra, incluindo a cronologia das variações do clima.
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Carneiro et al. (2005) apresentam uma revisão dos ções, rapidamente ganhou espaço. Até o início do
fundamentos dos principais métodos14 de estudo século 20, a maioria dos geólogos estava aderindo
do passado da Terra. à visão de que quatro grandes episódios glaciais
As primeiras abordagens de datação do passado afetaram as paisagens da Europa e América do
estavam intimamente associadas com tentativas de Norte, embora o embasamento de datação desses
estabelecer a idade da Terra. Alguns dos escritos eventos permanecesse incerto. Uma das primeiras
mais antigos sobre o tema encontram-se nas litera- tentativas de estabelecer uma cronologia glacial-
turas clássicas, sendo que a maior parte das escritos -interglacial foi conduzida pelos geólogos Albrecht
gregos empregava o conceito de um tempo infinito. Penck e Eduard Brückner, usando a profundidade
Tal posição contrasta marcadamente com o período de intemperismo e intensidade de erosão na região
pós-renascentista europeu (início do século 17), alpina do norte da Europa para estimar a duração
onde o pensamento bíblico colocava a criação do dos períodos interglaciais. Com essa base, uma
mundo em torno de 6.000 anos atrás e quando o idade de 60.000 anos foi designada para o último
fim do universo foi previsto em algumas centenas período interglacial e uma idade de 240.000 anos
de anos. Durante os séculos 18 e 19, no entanto, para o penúltimo período interglacial. Uma abor-
com o desenvolvimento do pensamento unifor- dagem alternativa de Milutin Milankovitch, usando
mitarista em Geologia, iniciou-se uma tendência o calendário astronômico com base em variações
de proposições e reconhecimento de prazos mais observadas na órbita e no eixo da Terra, chegou a
longos para a formação da Terra e para a longevidade um resultado semelhante, porém mais preciso e
de funcionamento dos processos geológicos, uma incluindo glaciações mais antigas (Walker 2005,
visão encapsulada por famosa observação de James Reboita et al. 2015).
Hutton – na obra Teoria da Terra, de 1788 – de que Na época em que a cronologia glacial estava
“não encontramos nenhum vestígio de um começo e nenhu- sendo desenvolvida para os Alpes Europeus, as
ma perspectiva de um fim” (Walker 2005). A descoberta primeiras tentativas de desenvolver uma escala
do Tempo Geológico por James Hutton, no final de tempo para o último degelo usando lâminas
do século 18, anunciou uma revolução científica e ou sequências de sedimentos em camadas foram
cultural. Do ponto de vista cultural, a concepção de interpretadas como reflexo de ciclos anuais de sedi-
Tempo Geológico é uma das ideias “mais relevan- mentação. Essas camadas, conhecidas como varves,
tes na história do pensamento humano”, segundo ainda são utilizadas na cronologia nos dias de hoje.
Gould (1987) e Cervato & Frodeman (2012, 2014). Alguns dos primeiros estudos foram feitos sobre os
Uma enorme dificuldade dos cientistas de antes sedimentos em lagos suíços e produziu estimativas
do século 20 era não ter bases para determinar com de entre 16.000 e 20.000 anos desde o último máxi-
precisão a passagem do tempo geológico. Nesse mo glacial, resultados que não são muito diferen-
clima de incerteza cronológica, o geólogo e zoó- tes dos resultados de datações mais recentes. Um
logo suíço Louis Agassiz [1807-1873] apresentou trabalho formidável em sequências de varves foi
sua ideia revolucionária15 de uma “Grande Era do realizado na Escandinávia, onde o geólogo suíço
Gelo”, que marcou o nascimento da Paleociência Gerard Jacob De Geer [1858-1943] desenvolveu
moderna. A noção, proposta pela primeira vez em a primeira cronologia glacial de alta resolução do
1837, foi inicialmente recebida com certo grau mundo em relação à geleira da Fino-Escandinávia.
de ceticismo pelos geólogos, mas a ideia de não Assim, a cronologia por varves foi a primeira téc-
somente uma única glaciação, mas de várias glacia- nica de datação que forneceu estimativas realistas
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Como obra de referência em técnicas de datação, indica-se o trabalho de
e relativamente precisas do tempo (Walker 2005).
Walker (2005). No começo do século 20, foi desenvolvida
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Ao observar a Cordilheira do Jura – uma cadeia de montanhas situada ao outra técnica de datação que ainda é amplamente
norte dos Alpes, na França, Suíça e Alemanha – Agassiz contatou que
blocos de rochas alpinas espalhadas pelas encostas e cumes haviam sido
utilizada na paleociência atual: a datação por anéis
transportados para lá devido à expansão de geleiras no passado. A inter- de árvores, ou Dendrocronologia. Pesquisas sobre
pretação de Agassiz sobre esses detritos carreados pelo gelo (conhecidos anéis de árvores têm uma longa história e a relação
na Geologia como morenas, termo derivado do inglês moraine) decorreu
entre os anéis das árvores e o clima tem intrigado
das fortes semelhanças entre as características dessas paisagens e as
condições atuais nos glaciares alpinos. Assim, Agassiz foi pioneiro em um os cientistas desde a Idade Média. De fato, alguns
importante aspecto da reconstrução paleoclimática: observar as condições dos primeiros escritos sobre esse assunto podem ser
ou lugares atuais como análogos para as condições passadas ou paisagens encontrados em trabalhos de Leonardo da Vinci.
antigas. Os resultados de Agassiz impulsionaram a Glaciologia (o estudo
de fenômenos glaciais) em todas as partes do mundo. Os fundamentos da dendrocronologia moderna,
16 ISSN 1679-2297 TERRÆ 12, 2015
no entanto, foram formulados pelo astrônomo climáticas que descreviam o que aconteceu, com
norte-americano Andrew Ellicott Douglass [1867– estudos envolvendo uma variedade de dados oriun-
1962], que foi o primeiro a vincular os princípios dos de diferentes tipos de testemunhos. No início
da dendrocronologia com pesquisas históricas e de 1970, o desenvolvimento de computadores pro-
com a Climatologia (Walker 2005). moveu um novo tipo de paleoclimatologista espe-
O avanço mais significativo na Geocronologia, cializado na análise de grandes conjuntos de dados
no entanto, sucedeu durante e imediatamente após paleoclimáticos. Os primeiros estudos quantitativos
a Segunda Guerra Mundial, com a descoberta de aplicavam funções de transferência para converter
que o decaimento de certos elementos radioativos variáveis de testemunhos em variáveis climáticas,
poderia constituir uma técnica de datação. O tra- correspondência que envolvia também a calibra-
balho pioneiro do físico-químico norte-americano ção com dados climáticos modernos. A revolução
Willard Frank Libby [1908-1980] e seus colegas do computador também criou uma perspectiva
levou ao desenvolvimento de datação por radio- paleoclimática para lidar com modelos de circula-
carbono em 1949. Durante os anos 1950 e 1960, ção geral. Ao contrário dos dados de testemunhos
outros métodos radiométricos foram desenvol- paleoclimáticos, que reconstroem de forma inde-
vidos, incluindo técnicas de datação baseadas em pendente “o que aconteceu”, os modelos passaram a
séries de urânio e potássio-argônio. A crescente explicar “porque aconteceu” e, portanto, se tornaram
valorização dos efeitos sobre os minerais e outros uma ferramenta extremamente útil para testar hipó-
materiais expostos à radiação levou ao desenvol- teses sobre as causas de mudanças climáticas, com-
vimento de outra família de técnicas que inclui as parando os resultados de simulações com aqueles
datações por termo-luminescência, por traços de derivados de dados de testemunhos (Mock 2006).
fissão e por ressonância magnética eletrônica. No Sozinhas, as reconstruções não explicam
final dos anos 1960 e 1970, os avanços na Biolo- as mudanças observadas, logo, os modelos são
gia possibilitaram utilizar mudanças moleculares necessários para entender os processos envolvidos.
post-mortem em estruturas de proteínas como uma Assim, a reconstrução e a modelagem paleocli-
técnica de datação (Geocronologia de aminoáci- máticas podem proporcionar uma linha de base
dos), enquanto os notáveis desenvolvimentos na de longo-prazo para compreender as condições
tecnologia de perfuração conduziram à obtenção climáticas atuais e futuras.
de longas sequências de núcleos de sedimentos
oceânicos e de núcleos de gelo das calotas polares Ciclos Climáticos
(Walker 2005).
As duas últimas décadas do século 20 foram Desde os primórdios, a humanidade tem sido
marcadas por uma série de inovações tecnológicas fascinada e afetada pelo clima. As flutuações do
que implicaram não só uma maior expansão na clima têm desempenhado um papel importante
faixa de técnicas de datação, mas também a melho- na vida humana, determinando repetidamente
rias significativas na precisão analítica. Um grande momentos ora de abundância de alimentos ora
avanço foi o desenvolvimento da espectrometria de tempos de fome. Como a vida dos povos agrícolas
massa com aceleradores, que não só revolucionou primitivos estava ligada ao ciclo das estações chu-
a datação por radiocarbono, mas também tornou vosas e secas, o homem pré-histórico precisava
possível a técnica de datação por cosmonuclídeos. observar o tempo para saber quais eram as melhores
Nas últimas duas décadas também foram obtidas épocas para realizar a colheita e a semeadura.
cronologias de alta resolução em núcleos de gelo na No início do século 19, ainda acreditava-se
Groenlândia (séries GRIP e GISP2) e na Antártida amplamente que o mundo teria sido criado em
(séries Vostok e EPICA) (Walker 2005). 4004 a.C, e que a sua superfície havia sido molda-
Os vários desenvolvimentos e inovações signi- da por eventos catastróficos tais como a inunda-
ficam que os cientistas agora têm à disposição um ção bíblica de Noé. Diante de tal curto espaço de
portfólio de métodos de datação que não poderia tempo para a história da Terra, e dada a invocação
ter sido sonhado apenas uma geração atrás, e que do dilúvio para explicar as mudanças no registro
são capazes de datar eventos em escalas de tempo sedimentar, não é de estranhar que, naquela época,
desde poucos anos a milhões de anos. havia poucos motivos para acreditar que o clima da
Antes de 1970, muitas pesquisas paleoclimato- Terra tinha sofrido grandes mudanças através de
lógicas focaram principalmente em reconstruções um prolongado período de tempo. No entanto,
1842
1828
1838
1848
1830
1840
1850
1826
1836
1846
1834
1844
Resumo: Este artigo expõe uma definição precisa de ciclos climáticos e examina as múltiplas formas de medição, reconstrução e
previsão das condições climáticas. Apresenta-se uma revisão histórica das origens do estudo dos ciclos climáticos. Informações
sobre climas de épocas remotas são obtidas a partir do registro geológico de efeitos de processos biogeoquímicos que variam em
função de fatores atmosféricos. A interpretação dos dados requer premissas, sendo uma delas especialmente crucial: o princípio
do Atualismo, que estabelece a uniformidade das leis naturais e dos processos terrestres. Isso significa que, no passado, a relação
entre o clima e outros fenômenos naturais fôra similar à que opera no presente. Assim, diante da variedade de processos naturais
que dependem do clima, é possível reconstruir o clima passado com a ajuda de vários tipos de testemunhos (anéis de arvores,
sedimentos marinhos, núcleos de gelo, isótopos etc.). Distintas técnicas de reconstrução de paleoclimas revelam ser confiável a
regularidade geral das condições climáticas no passado geológico, de tal modo que é possível inferir que o clima é um fenômeno
eminentemente cíclico. O reconhecimento da natureza periódica do clima remonta ao final do século 18, graças aos estudos e ideias
inovadoras de renomados cientistas: Hutton (Uniformitarismo), Agassiz (grande Era do Gelo), Penck e Brückner (múltiplos ciclos
glaciais), Milankovitch (ciclos glaciais e variações orbitais) e Schwabe (ciclo solar de 11 anos). Na discussão sobre mudanças
contemporâneas no clima da Terra é essencial reconhecer as escalas espaciais e temporais, os mecanismos físicos e os tipos de
variabilidade natural do clima, sobretudo se pensarmos na vastidão do Tempo Geológico.
Palavras-chave: Mudança climática, clima, Climatologia, Geologia, processos naturais, dióxido de carbono, aquecimento global
antropogênico