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ARTIGO

Terræ
História geológica e Ciência do clima: métodos e
origens do estudo dos ciclos climáticos na Terra
Marcos José de Oliveira1, Gustavo Macedo de Mello Baptista2, Celso Dal Ré Carneiro3, Francisco Arthur Silva Vecchia4
1 Doutorando em Progr. Pós-Grad. Ciências da Eng. Ambiental, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, EESC/USP
- marcos.jose@gmail.com
2 Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, IG/UnB - gmbaptista@unb.br
3 Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, IG/Unicamp- cedrec@ige.unicamp.br
4 Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, EESC/USP - fvecchia@sc.usp.br

Abstract: This article presents a precise definition of climate cycles and examines the multiple Manuscrito:
forms of measurement, reconstruction and prediction of climate conditions, based on a historical Recebido: 30/07/2013
review of the origins of the study of climate cycles. Information about climates of ancient times Corrigido: 10/09/2015
has been obtained from the geological record using data on biogeochemical processes that vary Aceito: 30/09/2015
according to atmospheric factors. Data interpretation requires some assumptions, one of them
Citation: Oliveira M.J., Baptista
specially critical: the principle of Actualism, which establishes an uniformity of the natural laws
and Earth processes. This means that, in the past, the relationship between climate and other G.M.M., Carneiro C.D.R., Vecchia
natural phenomena was similar to that which operates in the present. Thus, given the variety of F.A.S. 2015. História geológica e
natural processes that depend on weather, it is possible to reconstruct the past climate with the Ciência do clima: Métodos e ori-
help of various types of evidence (rings of trees, marine sediments, ice cores, isotopes etc.). With gens do estudo dos ciclos climá-
the use of different paleoclimatic reconstruction techniques, the general regularities of climate ticos na Terra. Terræ, 12(1):03-
conditions in the geological past are reliable; so, we can infer that the climate is an eminently 26. - http://www.ige.unicamp.
cyclical phenomenon. The recognition of the periodic nature of climate dates back to the late 18th br/terrae
century, with innovative ideas of renowned scientists: Hutton (Uniformitarianism), Agassiz (great
ice age), Penck and Brückner (multiple glacial cycles), Milankovitch (glacial cycles and orbital Keywords: Climate change, clima-
variations) and Schwabe (solar cycle of 11 years). For discussing the contemporary changes in te, Climatology, Geology, natural
the Earth’s climate it is essential to recognize their spatial and temporal scales, the physical processes, carbon dioxide, an-
mechanisms and types of natural climate variability, especially when one considers the vastness thropogenic global warming
of the Geological Time.

Introdução A Terra possui uma história de 4,5 bilhões de


Atualmente, instrumentos automáticos em anos, extraordinariamente mais extensa que a do
estações climatológicas nos solos e geotecnolo- Homo sapiens (200 mil anos). Então como é possível
gias de sensoriamento remoto (satélites e radares) saber do clima antes mesmo dos relatos humanos?
permitem continuamente monitorar a atmosfe- Com a finalidade de rastrear as condições climáticas
ra, registrar as condições do tempo e obter uma durante períodos em que o homem não registrava o
quantidade jamais imaginada de dados sobre clima – ou até mesmo nos períodos que antecedem
climas. Contudo, os benefícios da tecnologia a presença humana na Terra, ou seja, quando não
moderna são recentes se considerarmos toda a havia testemunhas humanas ou instrumentais – os
história humana. Antes do advento de tecnolo- pesquisadores lançam mão de diversos métodos e
gias digitais e instrumentos de medição, registros técnicas de estimativas indiretas, denominadas de
qualitativos eram feitos com base na observação reconstruções.
de fenômenos cujas impressões perceptivas eram Ao longo da história evolutiva do planeta,
mais bruscas, como, por exemplo, rios na Euro- os processos físicos, químicos e biológicos e as
pa congelando de maneira não habitual devido a mudanças impostas à Terra deixaram vestígios nos
invernos intensos atípicos. diferentes componentes ambientais. A riqueza do
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registro geológico assinala que a Terra é testemunha naturais são geralmente omitidas ou brevemen-
dela mesma ao registrar em si as impressões decor- te citadas e, em seguida, um volume imenso de
rentes de alterações do clima. Com base em estudos informações é dedicado à influência humana no
multidisciplinares, o homem consegue coletar, ler clima (Carneiro & Toniolo 2012a, 2012b). Notí-
e interpretar os sinais gravados e, assim, reconsti- cias com previsões exageradas e alarmistas sobre
tuir o clima de diferentes e longínquas escalas. As climas futuros induzem a um medo descabido nas
amostras ambientais coletadas são, evidentemente, pessoas, podendo provocar ansiedade e até mes-
chamadas de testemunhos: presentes nas diferentes mo distúrbios psicológicos (Oliveira et al. 2015).
etapas desde a formação do planeta, representam as Previsões apocalípticas sobre efeitos antrópicos no
cicatrizes da atuação dos processos biogeoquímicos. clima lançam o desafio de se entender as causas da
De forma sintética, propomo-nos a respon- mudança climática.
der duas questões: existiria um “estado imutável Seria a atividade antrópica realmente capaz de
do clima”? O aquecimento global constitui uma suplantar e impor novos patamares à variabilida-
ruptura provocada pelo homem de uma possível de natural do clima da Terra? A resposta requer
situação de equilíbrio? informações menos dramáticas e mais ponderadas
Tendo o clima como o objeto de estudo, o artigo sobre mudança climática. Pelo que se apresenta
está estruturado no sentido de analisar e apresentar: nesta revisão, existem argumentos vigorosos para
uma reflexão crítica e sensata na análise e discussão
• Os conceitos básicos sobre o Atualismo e a das causas naturais e antropogênicas das mudanças
propriedade cíclica do clima (seção “Ciclos: climáticas1. Somente por meio da compreensão
Conceitos”); da verdadeira natureza das flutuações climáticas
será possível chegar a uma conclusão sobre qual
• O escopo da área do conhecimento que lida proporção do aquecimento global atual é devido a
com o clima no passado, a Paleoclimatologia, causas antropogênicas e naturais.
inserida nas Geociências (seção “ Geociências O intuito do artigo é oferecer informações
e Paleociências”); precursoras de uma nova perspectiva sobre o cli-
• As ferramentas utilizadas para a obtenção de ma e suas mudanças, ressaltando os testemunhos
dados e geração do conhecimento sobre o e as técnicas de reconstrução do clima, bem como
clima no passado (seção “Métodos de Estudo resgatando a evolução dos estudos dos ciclos cli-
dos Ciclos Climáticos: Determinação da Tem- máticos, geralmente pouco difundidos.
peratura Terrestre”); e
• A história do surgimento e evolução dos estu- Ciclos: Conceitos
dos do clima no passado (seção “História da Um ciclo pode ser definido como uma única
Origem dos Estudos Paleoclimáticos e dos execução completa de uma sequência de eventos
Ciclos Climáticos”). ou fenômenos que se repetem após intervalos de
tempo bastante regulares2. O período corresponde
Além das óbvias mudanças diárias e sazonais, a ao tempo necessário para um ciclo completar. Con-
variabilidade da temperatura atmosférica também sequentemente, os ciclos3 podem ser assumidos
está sujeita a algumas outras oscilações e ciclos como uma sequência de eventos periodicamente
pouco percebidos e conhecidos. O esforço para repetidos, recorrentes.
oferecer melhores respostas sobre o comporta- No movimento de um pêndulo em um relógio,
mento periódico do clima tem aumentado cada vez 1 Para os interessados em se aprofundar nas polêmicas das mudanças
climáticas, recomenda-se, como leitura complementar, as publicações
mais. O desafio de colocar observações climáticas acadêmicas (teses e dissertações) de Onça (2007), Oliveira (2010) e
recentes em um contexto de longo prazo tem sido Onça (2011), além dos livros de Baptista (2009), Maruyama (2009) e
impulsionado pela preocupação sobre se a tendên- Lino (2010) e Molion (2014).
2 Em certos casos, os ciclos representam fenômenos denominados quasi-
cia de aquecimento global do século 20 faz parte -periódicos, que ocorrem habitualmente, porém, que não apresentam
da variabilidade natural do clima ou está ligada ao necessariamente uma regularidade (ou período) constante.
aumento das descargas antrópicas de gases de efeito 3 Como sinônimos ao termo ciclos, diferentes termos podem ser utilizados:
eventos cíclicos, periódicos, recorrentes ou repetitivos; pulsos, pulsações,
estufa na atmosfera.
flutuações, oscilações, repetições e ritmos; ciclicidade, periodicidade,
Nos resultados de pesquisas científicas e notí- repetitividade, ritmicidade e recorrência, entre outros derivados. Ressalta-
cias relacionadas a mudanças climáticas, as causas -se que prevalece o uso dos termos ciclos, ciclicidade e periodicidade.

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um ciclo possui um período de dois segundos: o secamente conectados ao tempo cronológico. Por
pêndulo iniciando na posição esquerda, por exem- exemplo, o tempo meteorológico, no período
plo, gasta um segundo no balanço para a direita e diurno, apresenta temperaturas mais elevadas do
mais um segundo para retornar ao lado esquerdo, que as do período noturno. O componente local
concluindo, em dois segundos, o ciclo em sua – em termos de altitude, latitude e longitude –
posição original. impõe condições determinantes quanto à pressão
A causa dos ciclos é geralmente alguma força atmosférica e à quantidade de radiação recebida a
de restauração que surge sempre que qualquer partir do Sol. Assim, regiões altas como os topos de
sistema tem seu equilíbrio perturbado. Assim, no montanhas são mais frias que regiões ao nível do
desenvolvimento de ciclos que perduram indefini- mar, onde a coluna de ar e a pressão são maiores.
damente, ocorrem flutuações periódicas em torno Da mesma forma, regiões de altas latitudes (mais
de uma média constante – como a posição vertical próximas dos polos) são mais frias do que regiões
do pêndulo – ou em torno de uma linha de ten- de baixa latitude (mais próximas do equador), onde
dência em uma série temporal de dados observados há maior incidência de radiação solar. Por fim,
durante um período prolongado, tipicamente mais as condições atmosféricas podem ser traduzidas
do que um ano, em estudos do clima. em termos dos elementos atmosféricos (temperatu-
ra, umidade do ar, pressão atmosférica, ventos,
Ciclos, Tempos e Clima nebulosidade e precipitações como chuva, neve
e granizo), gerando tempos quentes/frios, secos/
Ao longo da história, eventos e movimentos úmidos, ensolarados/nublados/chuvosos etc. Cabe
repetitivos serviram como padrões para as unida- citar ainda os fatores modificadores (geográficos,
des de tempo. Exemplos incluem o movimento topológicos, biológicos e culturais) que atuam
aparente do Sol no céu, as fases da Lua e o balanço sobre os elementos atmosféricos e criam variações
de um pêndulo. locais no tempo meteorológico.
O tempo cronológico é, em sua essência, baseado É importante definir e distinguir o tempo
em eventos periódicos naturais perceptíveis ao meteorológico do clima. Embora ambos cons-
ser humano. Um dia corresponde ao período de tituam-se de combinações realizadas por certos
rotação da Terra em torno de seu próprio eixo (ciclo valores dos elementos atmosféricos, a diferenciação
diário de rotação terrestre); um ano é o período da está na escala adotada para as dimensões espaciais
órbita da Terra em torno do Sol (ciclo anual de trans- e temporais. O tempo meteorológico é caracterizado
lação terrestre)4. A unidade internacional do tempo, por um estado instantâneo e efêmero das condi-
o segundo, sempre teve sua definição relacionada ções atmosféricas, ou seja, a escala da abordagem
a ciclos. No passado, o segundo foi definido, em temporal é relativamente curta, geralmente na
termos de uma fração diária, como 1/86.400 de um ordem de horas ou dias, podendo se estender, em
dia solar médio (86.400 = 24 horas × 60 minutos × alguns casos, até a escala semanal. A escala espacial
60 segundos). Atualmente, definido mais precisa- também é reduzida, normalmente restrita a um
mente em termos atômicos, um segundo equivale bairro, cidade ou pequena região. O clima pode ser
ao período de 9.192.631.770 ciclos de radiação cor- interpretado, simplificadamente, como a média de
respondentes às transições do átomo de césio 133. longo prazo do tempo meteorológico, ou seja, o
O tempo meteorológico, por sua vez, é o estado clima constitui-se em um conjunto de tendências
da atmosfera em um dado instante e local ou, em duradouras, oriundas de combinações permanen-
outras palavras, representa as condições atmosfé- tes, analisadas e estudadas ao longo de um dado
ricas combinadas às dimensões temporais e espa- período, a exemplo do que expressam as normais
ciais. Cada instante está atrelado ao minuto, hora, climatológicas, que consideram períodos de 30 anos
dia, mês e ano e, em última instância, depende de dados. As escalas temporais do clima partem das
dos ciclos de translação e rotação da Terra, intrin- escalas sazonais (estações do ano: primavera, verão,
4 Além do dia e do ano, usados como as principais unidades de tempo, cabe outono e inverno), passam pelas escalas mensais,
destacar a origem dos meses e das semanas. Desde os primórdios, a
marcação do tempo baseava-se na óbvia alternância entre dia e noite e
anuais, decadais, seculares, milenares e remon-
na quase tão óbvia distinção entre a lua cheia e a lua nova. Assim, o mês tam até milhões e bilhões de anos. Na dimensão
do calendário é baseado no movimento da Lua ao redor da Terra, cujo temporal do clima, pode-se dizer, por exemplo,
período natural de 29,5 dias é conhecido como mês lunar. O conceito
de uma temperatura média de um ou mais meses,
original da semana (7 dias) está intimamente ligado à divisão do mês em
virtude das quatro fases da Lua. de um ou mais invernos, de um ou mais anos, de
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décadas, séculos, milênios e assim sucessivamente; pelas transformações terrestres, a descrição e
na dimensão espacial, podem ser consideradas as caracterização das esferas materiais da Terra e seu
escalas locais (bairro, cidade), regionais (grupos de funcionamento no presente (sobretudo atmos-
cidades e estado), nacionais, continentais e global. fera e hidrosfera) para, depois, servir de funda-
mento para explicar a história do planeta inteiro
Seja no nível astronômico (macro) ou no nível
(caracterizado pelas esferas rochosas, crosta,
atômico (micro), o tempo cronológico, o tempo
manto e núcleo e pelo contexto astronômico).
meteorológico e o clima estão, portanto, funda- Ao se introduzir a Escala do Tempo Geológico,
mentalmente atrelados a fenômenos cíclicos da completa-se o conceito denominado por Pota-
natureza. Em determinadas escalas, os sentidos pova (2008) processo histórico-geológico (Carneiro &
humanos proporcionam percepções nítidas como Gonçalves 2013. Grifos do original).
as alternâncias de dia e noite (relacionadas à rotação
da Terra) e aos extremos frios e quentes das épocas A disponibilidade de dados do passado per-
de inverno e verão (relacionados à inclinação do mite estudar minuciosamente a história da Ter-
eixo da Terra). Contudo, em escalas extremamente ra, constatar as incontáveis variações do clima
pequenas ou grandes, a limitação sensorial humana e compreender as diversas causas possíveis. Do
não permite observação direta de diversos outros ponto de vista climático, o princípio do Unifor-
ciclos da natureza, seja por questão temporal (deter- mitarismo – formulado inicialmente em 1785 por
minado fenômeno que ocorre muito rapidamente James Hutton [1726–1797], considerado o pai
ou que demora milhares ou milhões de vezes o da Geologia Moderna – pode ser interpretado
tempo de uma vida humana) ou também espacial além da constatação de que “o presente é a chave do
[algo que é muito pequeno (átomo) ou muito gran- passado” (Geikie 1962). Ampliando o conceito e
de (sistema solar)], ambas escalas que são invisíveis considerando a famosa frase do filósofo escocês
e/ou imperceptíveis ao olho nu em sua plenitude. David Hume [1711–1776], que em 1777 disse
Com o desenvolvimento de inúmeras técnicas e que “todas as inferências a partir da experiência supõem
uso de instrumentos específicos, amplificadores que o futuro assemelhar-se-á ao passado”, o estudo dos
das capacidades humanas de observação e com- processos do passado e do presente é, inclusive,
preensão da natureza e de seus complexos proces- a chave para o futuro. Tal generalização, radical,
sos, a Ciência tem possibilitado enxergar bastante feita por Sir Archibald Geikie, despertou polêmica
além do sistema solar e dos átomos, desvendando em um nível que nem mesmo Lyell ou Hutton
incontáveis estrelas, constelações e galáxias, bem teriam ousado (Carneiro et al. 1994). Recuperan-
como minúsculas partículas subatômicas. Enfim, do as diversas visões que integram a concepção
a partir da crescente compreensão da natureza, o de Uniformitarismo, Gould (1965, 1967) distin-
homem vem percebendo cada vez mais que ela está gue dois tipos de Uniformitarismo: Metodológico
repleta de ciclos. e Substantivo. O primeiro é geralmente aceito,
pois reúne dois pressupostos metodológicos: a
Ciclos, Uniformitarismo e Atualismo uniformidade das leis naturais e uniformidade
dos processos terrestres, sendo conhecido como
Ao definir a Geologia como ciência histórica
Atualismo (Gould 1967). O Uniformitarismo
da natureza, Potapova (1968, 2008) propôs que
Substantivo não se sustenta, porque contempla,
a Geologia produz o conhecimento geológico,
além dos pressupostos acima, outras duas propo-
ao levar adiante a missão de realizar o estudo da
sições acerca do mundo: o gradualismo e o não-
história do planeta como um todo (Carneiro &
-direcionalismo dos processos terrestres (Carneiro
Gonçalves 2013):
et al. 1994). Ambas as concepções implicam uma
uniformidade de velocidades dos fenômenos na
A autora caracterizou o intercâmbio de conceitos
e explicações de modo sistêmico entre Geologia Terra e uma uniformidade de condições que nunca
e as demais ciências que estudam a Terra em suas foram comprovadas. O Uniformitarismo Meto-
partes e sobretudo definem as leis naturais válidas dológico é conhecido como Atualismo (Carneiro
para os fenômenos do presente (Física, Quími- et al. 1994).
ca etc.). Essa abrangente descrição constitui a A uniformidade dos processos somente é possí-
base conceitual da ciência geológica exposta em vel devido à existência da ciclicidade dos fenômenos,
alguns livros de Geociências: o estudo dos flu- ou seja, padrões de eventos periódicos ou unifor-
xos e balanços de energia e matéria responsáveis memente distribuídos dentro de certo interva-
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lo temporal. Assim,
sabendo-se da ocor-
rência de determina-
do evento no passa-
do e conhecendo-se
as características de
período/frequência
dos ciclos bem como
dos mecanismos
geradores, é possível
entender o presente
e, até mesmo, prever
situações e aconteci-
mentos futuros.

Ciclos Naturais
Durante muito
tempo, a noção de
aleatoriedade foi um
dogma central nas Figura 1. Corte vertical no Parque do Varvito, em Itu (SP), expõe sucessivas camadas de rochas,
formadas a partir de níveis alternados de sedimentos argilosos pretos e sedimentos
Geociências. Recen-
síltico-argilosos de cor cinza claro, ilustrando com precisão a existência de variações
temente, no entanto, rítmicas no registro geológico. Sobre o Varvito de Itu, consultar Rocha-Campos (2002).
as constatações de Foto: CDR Carneiro
que “Tudo na Terra funciona de forma cíclica” e que enxofre; ciclo hidrológico; ciclo das rochas (Car-
“O universo é regular e previsível” foram incluídas neiro et al. 2009, Carneiro 2012), e até mesmo os
em uma lista dos vinte grandes pensamentos das ciclos de vida dos inúmeros seres vivos.
Ciências (Culotta 1991). O conceito de ciclicidade
no sistema terrestre possui uma longa tradição
Ciclos Climáticos
que remonta ao final do século 18. Com sua teoria
do Uniformitarismo simplificada na afirmação “o Além dos ciclos de materiais, os fluxos de
presente é a chave do passado”, James Hutton foi energia também são parte fundamental do sistema
pioneiro ao conceber que vários processos terres- planetário, visto que representam a energia motriz
tres operam ciclicamente. Umbgrove (1947), em e propulsora da ciclagem material. No passado
seu livro “Pulso da Terra”, encontrou evidências remoto da Terra, fontes internas vulcânicas repre-
notáveis de regularidade nos padrões do clima, sentaram a principal fonte de energia emanada à
mudanças no nível do mar, episódios tectônicos atmosfera . Atualmente, o Sol é a principal fonte
7

e vulcânicos, bem como percebeu claras divisões de energia que movimenta direta e indiretamente
naturais na coluna estratigráfica durante da história
5 os ciclos biogeoquímicos acima da litosfera.
evolutiva da Terra. A Fig. 1 ilustra a existência de Em termos climáticos, a temperatura é o indica-
variações cíclicas registradas na forma de diferentes dor mais utilizado pelo fato de ser um elemento do
camadas rochosas. clima facilmente obtido, seja por medição direta ou
A Terra está repleta de ciclos biogeoquímicos que por reconstrução (estimativas indiretas), e também
operam nos oceanos e na atmosfera. Na reciclagem por ter o atributo de sintetizar o balanço de energia
de materiais e nutrientes, são amplamente conheci- terrestre. A temperatura – seja do ar, dos oceanos
dos os ciclos presentes em todas as esferas ambien- ou de outros compartimentos – é fundamental,
tais (litosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera): portanto, nos estudos de mudanças no clima e será
ciclos do oxigênio, carbono , nitrogênio, fósforo,
6 adotada como o indicador de enfoque deste artigo.

5 A Estratigrafia é o ramo da Geologia que estuda as camadas de rochas 7 Em escalas de dezenas de milhões de anos, a energia interna da Terra
(estratos) e a Cicloestratigrafia é o estudo dos ciclos climáticos, forçados influencia na tectônica de placas, no tamanho e localização dos conti-
astronomicamente, que são observados em sucessões sedimentares. nentes bem como na ocorrência de atividades vulcânicas associadas às
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Toniolo & Carneiro (2010) abordam os processos geológicos de movimenta- movimentações das placas.
ção/fixação de carbono na Terra e o aquecimento global.
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Geociências e Paleociências produzidas, como a mecânica Newtoniana, a teoria
da relatividade e a teoria da evolução de Darwin.
Entende-se Paleociências8 como o plural de todas Charles Lyell habilmente adaptou a metodologia
as disciplinas científicas que lidam com referências estabelecida nas ciências experimentais para lidar
históricas, incluindo temas relacionados com o com o passado, utilizando-se do método vera causa
passado nos campos da Arqueologia e Geologia, (ou “causa verdadeira”) inicialmente articulado por
como a Paleontologia, Paleoantropologia, Pale- Newton em suas famosas Regras de Raciocínio em
obiogeografia, Paleoecologia, Paleohidrologia, Filosofia contidas no volume 3 de sua obra “Princí-
Paleloclimatologia, dentre outros ramos das Ciên- pios Matemáticos da Filosofia Natural” publicada
cias Naturais que focam na reconstrução e modela- nas edições de 1713 e 1726. Com a adaptação ao
gem dos eventos passados, ao invés da observação contexto da geologia, Lyell propôs que as evidências
direta e realização de experiências. da existência de causas passadas devem ser obtidas
Uma vez que as Paleociências não lidam com por meio da observação dos efeitos dessas causas
observações diretas dos fenômenos que ocorreram agindo no presente. (Rachel 1992).
no passado não observável, mas sim com os seus
efeitos, elas são muitas vezes referidas como Ciên-
cias Históricas. Esse aspecto a diferencia das Ciên- Paleoclimatologia
cias Empíricas9, que dependem fundamentalmente A capacidade de decifrar climas passados ​​tem
da possibilidade de realizar um experimento várias se expandido nos últimos anos, com uma melhor
vezes. Como não é possível viajar de volta no tempo compreensão dos atuais processos climáticos e o
e observar diretamente os fenômenos do passado, desenvolvimento de ferramentas de análise mais
as Paleociências são dependentes de hipóteses que sofisticadas. Registros instrumentais possuem
são, em princípio, não absolutamente verificáveis, dados de apenas um ou dois séculos atrás. Para
mas que explicam as evidências ao postular uma estender o registro para além do período instru-
causa comum a elas. mental, os cientistas utilizam de indicadores que
Assim, comparados a cientistas empíricos como permitem medir indiretamente os climas passados​​
os químicos e físicos, os paleocientistas ficam em ou ambientes preservados em arquivos naturais, tais
desvantagem na análise das evidências disponíveis. como sedimentos marinhos e terrestres, árvores e
Primeiro, os vestígios imperfeitamente preservados núcleos de gelo, entre outros.
de objetos e eventos passados são o primeiro desafio Como um ramo da Paleociências, a Paleoclimato-
observacional, pois, tais registros do passado podem logia10– definida como o estudo dos climas durante
ser completamente destruídos e, assim, tornam-se qualquer parte do passado geológico – especi-
para sempre inacessíveis para a observação. Segun- ficamente trata dos estados do clima em épocas
do, os físicos e os químicos rotineiramente realizam anteriores ao período de registros instrumentais
seus experimentos sistematicamente variando as modernos. Para explicar as causas de mudanças
causas e observando os efeitos resultantes. Entre- climáticas cujas condições não foram registradas
tanto, os paleocientistas frequentemente investi- por instrumentos modernos, são utilizados dados
gam causas que operam muito lentamente para de testemunhos, aliados ao emprego de modelos de
seus efeitos se tornarem perceptíveis à observação computador, para reconstruir os climas do passado.
contemporânea. O surgimento e o aparecimento Assim, o estudo do paleoclima ajuda a entender os
de montanhas e a Tectônica de Placas, por exemplo, controles das mudanças climáticas e, logo, como o
são fenômenos que ocorrem ao longo de milhões sistema climático funciona. (Mock 2006).
de anos. Assim, processos causais que agem tão O estudo dos climas passados ajuda na com-
vagarosamente que não se “encaixam” na escala preensão da mudança climática ao apresentar uma
temporal humana, obviamente não podem ser perspectiva melhor do que a fornecida pelos regis-
investigados experimentalmente. tros instrumentais, tanto em termos das causas e
Ainda assim, muitos cientistas estudam fenô- dos efeitos das mudanças climáticas quanto das
menos nos quais eles não conseguem conduzir magnitudes de variações espaciais e temporais. Ao
experimentos. Teorias causais admiráveis foram fornecer longos registros do clima e sua variabili-
dade natural, permite-se uma compreensão mais
8 O prefixo paleo, do latim, significa “muito antigo, pré-histórico”, e palaios,
do grego, significa “antigo”.
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Como obras de referência, indica-se os trabalhos de Bradley (1999), Elias
9 Cleland (2002) aborda as diferenças entre Ciências Históricas e as Ciências
(2006) e Gornitz (2009).
Empíricas.
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clara sobre o delineamento da variabilidade natural informações em documentação histórica ou
e possíveis influências antropogênicas. pela determinação indireta utilizando análises
de testemunhos e técnicas de datação;
Paleotemperatura • Futuro: estimativas, previsões e projeções com
A temperatura da Terra não é estável; ela é base em modelos matemáticos e possíveis
governada por muitos processos internos e exter- cenários.
nos que operam em diferentes escalas espaciais e
temporais. Mudanças na produção de energia pelo
Sol, na distribuição sazonal e geográfica de insola- Medições Recentes da Temperatura do Ar
ção devido a mudanças na configuração orbital da Os valores da temperatura do ar podem ser
Terra (inclinação axial, precessão e excentricidade mensurados, de um modo geral, por três diferentes
orbital), nas características físicas (poeira soprada métodos de medição: observações de superfície,
pelo vento, emissões vulcânicas) e características observações de satélite e observações por radiosson-
químicas da atmosfera (concentrações de gases das. As medições realizadas por satélite não repre-
radiativamente ativos), bem como processos tectô- sentam a temperatura do ar na superfície terrestre,
nicos que alteram a distribuição continental e cir- mas sim a temperatura radiométrica ou temperatura
culação oceânica, todos influenciam a temperatura. radiante aparente, obtida pela detecção das ondas
Registros históricos e instrumentais de tempe- emitidas pelas superfícies radiantes. Ou seja, com
ratura são demasiadamente curtos para entender as radiâncias medidas em várias bandas de compri-
esses e outros complexos padrões de variabilidade mento de onda são feitas correlações que permitem
da temperatura da Terra em diferentes escalas de realizar inferências indiretas da temperatura do ar.
tempo, ou para servir como uma linha de base para Já as radiossondas de fato medem a temperatura do
avaliar tendências atuais da temperatura global e ar, porém, é traçado um perfil vertical de acordo
supostas influências humana no clima. Portanto, com a ascensão do balão na atmosfera.
um dos temas mais ativamente pesquisadas em As medições de superfície, por sua vez, são divi-
Paleoclimatologia é a reconstrução e interpretação didas em dois tipos: em superfície terrestre, tendo
das temperaturas atmosféricas e oceânicas passadas, os sensores de temperatura dispostos em abrigos;
ou Paleotemperatura. em superfície marinha, em que são realizadas
medições em navios ou por meio de bóias, fixas
ou móveis. Na superfície terrestre, os registros da
Métodos de Estudo dos Ciclos Climáticos:
temperatura do ar podem ser realizados em estações
Determinação da Temperatura Terrestre climatológicas clássicas, utilizando-se de termógra-
A temperatura na Terra pode ser referente à fos, termômetros de mercúrio, termômetros de
temperatura próxima à superfície (esta comumente máximas e mínimas; ou em estações climatológi-
denominada de temperatura do ar na superfície terrestre) cas automáticas, nas quais são utilizados sensores
tanto sob os continentes quanto sob os oceanos; elétricos de temperatura e sistemas de aquisição/
pode se referir à temperatura nos fundos de oceanos armazenamento de dados.
ou no fundo de sondagens profundas (deep drillings)
na superfície terrestre; ou ainda pode denotar a Reconstruções do Clima no Passado
temperatura da troposfera (camadas superiores).
Qualquer tentativa de estabelecer e identifi-
A temperatura terrestre pode ser determinada
car mudanças climáticas no passado deve utilizar
ou estimada de acordo com a escala temporal de
informações históricas. Uma primeira modalida-
abordagem adotada. Basicamente, as mudanças
de consiste no estudo dos registros com base em
climáticas podem ser divididas em três categorias
documentos históricos, a qual possui o inconve-
temporais de análise – passado, presente (passado
niente de fornecer impressões subjetivas tanto
recente) e futuro – as quais possuem diferentes
pela pessoa que relatou o fato quanto pela pessoa
fontes de dados:
que vir a interpretar esse relato. Os casos de séries
• Presente (passado recente): medições instrumen- históricas longas são raros, logo, os relatos histó-
tais diretas, com base em estações nos conti- ricos são pontuais e qualitativos, geralmente enfa-
nentes ou nos oceanos, satélites e radiossondas; tizando informações de condições incomuns que
• Passado: reconstruções por meio do resgate de provocaram, na percepção das pessoas na época,
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algum impacto significativo. Consequentemente, Cada vez mais utilizados nos estudos sobre o
tais registros transmitem poucas informações das clima, os isótopos12permitem a determinação indireta
condições normais, ao contrário, fornecem mais das condições climáticas, especialmente a tempera-
informações das condições anormais. Além disso, tura. Isótopos estáveis e radioativos são utilizados
os relatos não permitem identificar se as condições tanto no monitoramento de fluxos em processos
excepcionais foram resultado de oscilações da varia- quanto na datação radiométrica de eventos – esta
bilidade natural do clima ou de alguma mudança baseada no decaimento dos isótopos radioativos.
climática expressiva. Os principais isótopos usados na pesquisa do clima
Indicadores quantitativos e representativos de são: hidrogênio (1H, 2H – deutério, 3H – trítio),
paleoclimas têm o potencial de fornecer evidências oxigênio (16O, 17O, 18O), carbono (12C, 13C, 14C
para mudanças climáticas de grande escala antes da – radiocarbono) e radônio (222Rn) (Mcguffie &
existência de registros documentais instrumentais Henderson-Sellers 2005).
ou históricos generalizados. Para superar as limi-
tações dos relatos humanos, uma segunda moda- Climatologia Histórica
lidade de técnicas indiretas com uso de testemunhos A Climatologia Histórica é o ramo da Climato-
(do inglês proxy, “representante”, “substituto”) logia que usa documentos escritos para investigar
– baseados essencialmente em informações bioló- o clima do passado. Esses registros podem incluir
gicas, geológicas ou geofísicas – possibilitam, com tanto os registros climáticos instrumentais ou não
maior confiabilidade, reconstruir e obter estimati- instrumentais. Para fins paleoclimatológicos, fontes
vas bastante próximas das condições climáticas reais documentais históricas são mais adequadamente
ocorridas no passado, inclusive aquelas precedentes definidas como registros meteorológicos anteriores
aos alguns milhares de anos da história humana. ao estabelecimento de redes meteorológicas oficiais.
Essa segunda modalidade fornece indicadores de Redes de observações modernas usam métodos
clima mais seguros e temporalmente abrangentes. e instrumentos de observação padronizados para
Com base na análise de uma infinidade de registrar e medir as variáveis ​​meteorológicas em
arquivos biológicos, geológicos e geofísicos, os níveis definidos de precisão e exatidão. As primeiras
principais métodos de reconstrução da Paleocli- redes organizadas datam do final do século 18, mas
matologia utilizam: (a) seres vivos que apresentam somente a partir de 1873 os serviços meteorológicos
estratificação anual, como anéis de árvores (Dendro- internacionais estabeleceram esforços sistemáticos
climatologia) e corais (Esclerocronologia); pólens (Pali- de padronização de procedimentos e instrumentos.
nologia); (b) evidências geomorfológicas superfi- Logo, os dados históricos são propensos a proce-
ciais, como mudanças do nível dos mares, formação der de métodos não padronizados de exposição e
e movimentação de solos, assinaturas de geleiras; calibração de instrumentos, de práticas de obser-
estratigrafia convencional que não utiliza isótopos, vação e definições de termos altamente variáveis.
como deposição de sedimentos físicos (ritmitos e Nesse sentido, a sensibilidade do observador a
varvitos11) e sedimentos biológicos (pólen, esporos, vários fenômenos climáticos varia entre as pessoas
fósseis, conchas) em lagos e oceanos; (c) métodos e dentro do tempo de vida de um único indivíduo.
baseados nas variações da composição de isótopos Por exemplo, a definição de “geada” é altamente
(Saltzman 2002). Ressalta-se que a taxa de depo- variável, uma vez que o termo pode ser baseado em
sição ou de crescimento do material nos testemu- fatores individuais de percepção bastante diversos.
nhos é influenciada pelas condições climáticas no O mesmo é verdadeiro para a contagem de dias
momento em que os materiais cresceram ou foram com chuva e neve, entre outras situações sujeitas a
estabelecidos. subjetividades (Chenoweth 2006).
11 Ritmitos são rochas sedimentares que apresentam estratificação Por um lado, apesar dos obstáculos inerentes
plano-paralela, que se deve a uma alternância de dois tipos litológicos à percepção individual dos fenômenos por dife-
diferentes, formando estratos semelhantes e repetitivos. O varvito é um
ritmito constituído por sucessão regular de pares de rochas que incluem rentes observadores, os documentos históricos
uma camada/lâmina inferior mais clara, em cima de uma lâmina mais proporcionam, por outro lado, inigualável resolu-
escura. O nome varvito, cunhado a partir de varve (do sueco, varv: repe- ção sub-anual. Enquanto outros registros de tes-
tição periódica de camadas) e o sufixo ito. No seu sentido original, varve
corresponde a um par de tipos litológicos contrastantes, sendo a camada
temunhos paleoclimáticos podem fornecer dados
inferior síltica e clara, e a camada superior argilosa e escura (rica em que se estendem a milhões de anos no passado,
matéria orgânica), depositadas no verão e inverno de um mesmo ano, 12 Os isótopos são átomos, de um mesmo elemento químico, que possuem
respectivamente (Rocha-Campos 2002). a mesma quantidade de prótons, mas quantidade diferente de nêutrons.

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alguns documentos possuem resolução temporal essencial a cooperação interdisciplinar entre clima-
sub-horária e diária, escalas de tempo que simples- tologistas, historiadores, bibliotecários e arquivistas
mente não estão disponíveis em qualquer outro para a investigação científica pela Climatologia
tipo de testemunho. Histórica (Chenoweth 2006).
O principal desafio para a reconstrução do cli-
ma reside, contudo, na disponibilidade de fontes Testemunhos
escritas. Os registros escritos são mais abundantes Compreender a dinâmica do clima do passado
durante o último milênio, embora alguns registros requer primeiramente reconstruir a história do cli-
fragmentários em partes da região do Mediterrâneo, ma. A reconstrução é, portanto, o principal objetivo
Oriente Médio e China tenham mais de 2.000 anos dos paleoclimatologistas. Para isso, em primeiro
de idade. A China detém, provavelmente, a maior lugar, a evidência de condições passadas é acumu-
coleção de documentos escritos com informações lada e, em lugar segundo, a evidência é interpre-
sobre o clima, mas mesmo estes registros contêm tada. As evidências incluem vestígios (geológicos,
lacunas significativas(Chenoweth 2006). químicos e biológicos) de eventos passados ​​que
Qualquer registro escrito pode fornecer, direta s�����������������������������������������������
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o influenciados pelo clima, como: o crescimen-
ou indiretamente, informações sobre o tempo. to de árvores e mudanças regionais da vegetação;
Crônicas de igrejas, registros paroquiais, pesqui- o acúmulo de certos elementos e isótopos dentro
sas do governo e outras contabilidades oficiais, de geleiras, sedimentos, restos fósseis de organis-
registros de imóveis e fazendas, registros de rendi- mos; ou a deposição de sedimentos em morenas
mento das culturas e épocas de colheita, registros glaciais, lagos e oceanos. As interpretações variam
fenológicos13, diários e revistas (incluindo aquelas entre inferências qualitativas simples e estimativas
especificamente dedicadas ao clima), registros de quantitativas elegantes, incluindo simulações de
observatórios astronômicos, almanaques, livros, processos baseados em computador. Todas as abor-
relatos de viagens e explorações, jornais, documen- dagens para a reconstrução paleoclimática depen-
tos legais, registros de portos, registros de protes- dem da compreensão da relação entre o clima e a
tos de navios (documentos legais absolvendo um fonte de evidências.
capitão de navio a partir de danos sofridos em uma As evidências de mudanças climáticas do pas-
viagem devido às condições meteorológicas ou aci- sado provêm de muitas fontes diferentes. Essas
dente) e diários de bordo dos navios são exemplos fontes geralmente podem ser divididas em classes
de fontes de dados climáticos históricos. Na Euro- com base nos tipos de fenômenos envolvidos (bio-
pa, os registros eclesiásticos das igrejas cristãs são a lógicos, geomorfológicos, geoquímicos, geofísicos)
principal fonte de registros do clima nos últimos 2 ou e de acordo com a resolução temporal dos dados
milênios. Diários pessoais, incluindo os de expedi- (anual, decadal, secular, milenar ou multimilenar).
ções de exploração, estão entre as mais importantes As fontes derivam de processos terrestres que são
fontes de tempo, particularmente para os últimos controlados pelo clima e as evidências deixadas por
300 a 500 anos (Chenoweth 2006). tais processos atuam como substitutos das medições
Registros escritos documentados que fornecem reais de condições passadas. Assim, o testemunho
informações sobre o clima do passado são extrema- acompanha e registra um fenômeno natural como
mente abundantes, mas residem em grande parte se fosse um arquivo.
na forma não digitalizada em milhares de locais Os testemunhos podem ser qualitativos, basea-
em todo o mundo. Uma das tarefas mais impor- dos em características da paisagem (por exemplo,
tantes para os climatologistas históricos, portanto, morenas glaciais, leitos de lagos secos e costas aban-
é verificar os locais de tais registros. Dada a grande donadas, dunas vegetadas inativas) ou podem ser
variedade de fontes de dados históricos do tempo, quantitativos, com medições calibradas de fenômenos
todos os arquivos, bibliotecas, museus e outros biológicos, geoquímicos e geofísicos (por exemplo,
repositórios de documentos devem ser considera- as larguras de anéis de árvores, valores isotópicos de
dos como locais que potencialmente contêm dados gelo glacial e temperaturas obtidas em sondagens
climáticos valiosos. Desse modo, para lidar com o profundas). Os dados de testemunhos representam
grande volume de registros potenciais, torna-se o mundo de diferentes maneiras, dependendo dos
13 Registros fenológicos descrevem eventos periódicos de plantas e animais fatores climáticos que controlam suas formações.
conforme influências por variações sazonais e interanuais no clima, como
a migração das aves e a floração e frutificação de plantas. A Fenologia é A reconstrução paleoclimática começou, como
o ramo da Ecologia que estuda tais fenômenos periódicos. muitos outros campos, de modo qualitativo. Mui-
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tos testemunhos climáticos são os valores medidos magnitude absoluta das mudanças passadas da tem-
de aspectos dos sedimentos de lagos, sedimentos peratura ou precipitação. Interpretações inadequa-
oceânicos, ou núcleos de gelo coletados de locais- das podem surgir caso a resposta dos testemunhos
-chave de todo o mundo. A interpretação desses não seja calibrada aos seus fatores determinantes.
substitutos, no entanto, geralmente é qualitati- Muitos testemunhos se comportam de maneira
va. Exemplos de reconstruções (Shuman 2006) complexa e podem ter controles múltiplos. Logo,
incluem inferências como: tentar quantificar uma interpretação tem o bene-
• Temperaturas obtidas a partir de núcleos de fício de estabelecer uma relação entre os testemu-
sedimentos de lagos, uma vez que a quantidade nhos e os fatores que o controlam. Basicamente,
de matéria orgânica ou sílica biogênica produ- Shuman (2006) destaca quatro tipos de reconstru-
zida por diatomáceas representa mudanças na ções paleoclimáticas quantitativas:
produtividade aquática, fenômeno regido pela • Medições de anéis de árvores têm oferecido
temperatura; uma ferramenta amplamente útil para quan-
tificar as condições do passado, pois o cres-
• Temperaturas obtidas a partir de registros de
cimento dos anéis em árvores é geralmente
pólens fósseis de mudança da vegetação, com
regulado pelo clima. Relações locais entre as
base em suposições sobre os controles na dis-
condições passadas do clima e do crescimento
tribuição de plantas;
podem ser calibradas e verificadas utilizando a
• Temperatura e umidade com base em valo- sobreposição entre os padrões atuais de cres-
res isotópicos de gelo, sedimentos de lagos cimento com medições do clima na mesma
e fósseis marinhos que estão intimamente região;
ligados aos efeitos de fracionamento isotópico
• Condições paleoclimáticas têm sido inferidas a
dependentes da temperatura e da evaporação;
partir de concentrações de micro e macro fós-
• Umidade baseada na concentração de macro- seis de organismos preservados nos sedimentos
fósseis de plantas aquáticas, tamanho dos grãos de oceanos, lagos, pântanos e solos por meio da
de sedimentos e descontinuidades em núcleos quantificação das relações espaciais modernas
de sedimentos de lagos representam mudanças entre a biota e o clima, e em seguida, assume-se
no nível de água do lago; que as mesmas relações regularam mudanças
biológicas no passado;
• Umidade baseada nas características dos sedi-
mentos oceânicos representa mudanças na • Registros geoquímicos também fornecem
vazão de rios; dados quantitativos do clima, uma vez que a
temperatura influencia a abundância relativa
• Velocidade, direção do vento e gradientes de
entre isótopos pesados e leves ​​de oxigênio e
pressão atmosférica, com base em mudanças
hidrogênio. Técnicas geoquímicas modernas
na composição sedimentos lacustres e oceâni-
incluem a reconstrução de temperaturas da
cos indicam influências por poeira terrestres,
água ou níveis de salinidade utilizando razões
ressurgência oceânica e outros fenômenos
elementares (por exemplo, magnésio/cálcio -
impelidos pelo vento;
Mg/Ca) em minerais sedimentares, e usando
• Velocidade, direção do vento e gradientes de geoquímica orgânica; e
pressão atmosférica, com base em mudanças
• Medições físicas de temperatura a partir de
na química elementar e isotópica de núcleos
poços profundos em rocha e gelo produziram
de gelo que são controladas pela deposição de
estimativas quantitativas de temperaturas de
poeira e sais marinhos trazidos pelos ventos;
superfície com base na física de fluxo de calor.
• Frequências de eventos de tempestade com
base em camadas de sedimentos grosseiros Enfim, com base nos diversos tipos de teste-
depositados em lagos, lagoas costeiras, res- munhos e técnicas disponíveis (sumarizados na
tingas e manguezais representam sedimentos Tab. 1), é possível obter uma variedade apreciável
depositados durante as cheias. de informações paleoclimáticas e paleoambientais
As reconstruções paleoclimáticas qualitativas correlatas: precipitação, umidade, temperatura
são limitadas devido ao fato de não registrarem a atmosférica, temperatura dos oceanos, nível dos

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oceanos, direção e velocidade dos ventos, varia- Embora os indicadores geológicos estendam
bilidade solar, atividades vulcânicas, circulação ao mais antigo registro de rocha sedimentar, com
atmosférica, concentração de gases na atmosfera, quase 4 bilhões de anos atrás, eles geralmente são
produtividade biológica e nutrientes nos oceanos, qualitativos e incompletos. A preservação desse tipo
distribuição de plantas e animais, vazão de rios, de testemunho pode ter sido seletiva e afetada por
salinidade, pH, volume de gelo, extensão da calota processos influenciados pelo clima, como a erosão,
polar, detritos transportados pelo gelo (morenas), intemperismo e deposição. Embora os depósitos
entre outros. sedimentares terrestres ou os solos tenham sido
A Tab. 2 apresenta uma síntese das caracterís- modificados conforme o contato com a atmosfera e
ticas dos testemunhos e a Fig. 2 ilustra a resolução a hidrosfera, o seu desenvolvimento pode também
temporal bem como o alcance temporal dos prin- ter sido fortemente controlado por outros processos
cipais testemunhos climáticos. não climáticos, como, por exemplo, os processos
Tabela 1. Principais fontes de testemunhos utilizados em reconstruções paleoclimáticas
Geoquímica (íons e isótopos de oxigênio, hidrogênio e outrosa)
Glaciológico Concentração de gases em bolhas de ar
(núcleos Concentrações de elementos-traçob e de micropartículas
de gelo)
Propriedades físicas (direções do gelo)
Sedimentos Composição isotópica de oxigênio
biogênicos (fósseis Abundância de fauna e flora
Marinho (núcleos planctônicos e Variações morfológicas
de sedimentos bentônicos) Alquenonasc (a partir de diatomáceas)
oceânicos)
Sedimentos Poeira terrestre (eólica) e morenasd
inorgânicos Mineralogia da argila
Geológico Depósitos e características de erosão glacial
Características periglaciais
Linhas costeiras (características eustáticas e glácio-eustáticas)
Terrestre Depósitos eólicos (loesse e dunas de areia)
Sedimentos lacustres e feições erosivas (costas)
Feições pedológicas (paleossolos)
Espeleotemas (idade e composição dos isótopos estáveis)
Anéis de árvores (largura, densidade, composição de isótopos estáveis)
Pólens (tipo, abundância relativa e/ou concentração absoluta)
Macrofósseis vegetais (idade e distribuição)
Insetos (características de aglutinação)
Biológico Corais (geoquímica)
Diatomáceas, ostracodes e outros organismos em sedimentos lacustres (aglutinação,
abundância, e/ou geoquímica)
Distribuição da população moderna (refúgios e relíquias de populações de plantas e
animais)
Registros escritos de indicadores ambientais (fenômenos para-meteorológicos – secas,
Histórico enchentes etc.)
Registros fenológicosf
a
Isótopos: Be, δ11B, 13C/12C, 2H/1H, 18O/16O, 15N/14N, 87Sr/86Sr e 34S/32S.
10

b
Elementos-traço: Bário (barita), Boro (na forma B(OH)4- ), Cádmio, Magnésio, Fósforo, Ferro,
Manganês, Cobalto, Niquel, Zinco, Cobre e Estrôncio.
c
Alquenonas: gorduras trans produzidas por certas algas.
d
Morenas: ver nota de rodapé nº 15.
e
Loess: sedimento fértil, de coloração amarela, formado por partículas depositadas pelo vento.
f
Registros fenológicos: ver nota de rodapé nº 13.
Fonte: Adaptado de Bradley (1999) e Gornitz (2009).
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tectônicos (Gornitz 2009).
Os registros biológicos (fós-
seis) podem servir como indica-
dores paleoclimáticos úteis, uma
vez que as plantas e os animais são,
muitas vezes, bastante sensíveis
ao seu meio ambiente e ao clima
adjacente. Uma espécie fóssil útil
Anos
é aquela que responde rapidamente Figura 2. Diagrama ilustrativo do alcance temporal dos principais
a mudanças climáticas, se esten- testemunhos climáticos. As respectivas resoluções são representadas
de por uma faixa de tempo sem por um círculo. Fonte: Adaptado de Miranda (2010)
mudança evolutiva significativa, é relativamente mento espontâneo de 238U em minerais comuns);
abundante e generalizada no registro geológico, e luminescência; polaridade geomagnética registrada
pode ser bem preservada sem alteração posterior em sequências de rochas (Magnetostratigrafia); e isó-
(Gornitz 2009). topos e radiometria (Radiocronologia).
Em todos os paleorregistros, a datação precisa
é de importância fundamental. Sem uma datação Estimativas Futuras da Temperatura do Ar
precisa, é impossível determinar se os eventos
As temperaturas futuras são estimadas por
ocorreram de forma síncrona ou se determinados
meio de modelos matemáticos climáticos. Um
acontecimentos causaram ou defasaram outros.
modelo climático é uma representação do sistema
Para entender a natureza das mudanças globais do
atmosférico terrestre baseada em cálculos com-
passado, a datação precisa é necessária para avaliar
putacionais de equações de Navier-Stokes em
a taxa em que as mudanças ambientais ocorreram, uma esfera rotativa, com termos termodinâmicos
principalmente quando se considera mudanças cli- para diferentes fontes de energia. Os modelos
máticas de alta frequência e de curto prazo Bradley climáticos resolvem equações matemáticas que
1999). As principais técnicas de cronologia incluem descrevem o balanço de energia do planeta, com
análises de: racemização de aminoácidos conserva- o objetivo de compreender e reproduzir os pro-
dos em biominerais (Geocronologia de Aminoácidos cessos de controle do clima. Os modelos diferem
ou Aminoestratigrafia); distribuição de fósseis em amplamente em sua complexidade, alguns consi-
estratos sedimentares (Bioestratigrafia); crescimen- deram apenas o balanço (entrada/saída) de energia
to de anéis de árvores (Dendrocronologia); traços de da Terra, enquanto outros tentam descrever todo
fissão (método que envolve a utilização do número o sistema climático, incluindo as complexas inte-
de eventos de fissão produzidos a partir do decai- rações entre as diferentes componentes do planeta
Tabela 2. Características dos principais testemunhos
Testemunho Intervalo mínimo de Intervalo temporal Informação potencial
amostragem (ordem: anos) derivada
Registros históricos dia/hora ~103 T, P, B, V, M, N, S
Anéis de arvores ano/estação ~104 T, P, B, V, M, S
Sedimentos lacustres ano (varves) - 20 anos ~104 - ~106 T, B, M, P, V, Cw
Corais ano ~104 Cw, N, T, P
Núcleos de gelo ano ~5 × 10 5
T, P, Ca, B, V, M, S
Pólen 20 anos ~105 T, P, B
Espeleotemas 100 anos ~5 × 105 Cw, T, P
Paleossolos 100 anos ~10 6
T, P, B
Loess 100 anos ~106 P, B, M
Geomorfologia 100 anos ~106 T, P, V, N, P
Sedimentos marinhos 500 anos ~10 7
T, Cw, B, M, N, P
T = temperatura; P = precipitação, umidade; C = composição química do ar (Ca) ou água (Cw); B =
biomassa e vegetação; V = vulcanismo (erupções); M = magnetismo (campos geomagnéticos); N =
nível dos mares; S = sol (atividades solares).
Fonte: Adaptado de Bradley (1999).
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(como o oceano e a atmosfera) (Philander 2008). Nuvens, por exemplo, têm dois efeitos concor-
O uso de modelos climáticos não é uma rentes sobre o clima: elas refletem a luz solar de
exclusividade de estimativas de temperatura volta para o espaço e elas bloqueiam o calor emi-
no futuro, pois elas também são utilizadas em tido pela superfície. Se temperaturas mais altas
reconstruções passadas do clima. Todavia, a aumentam a quantidade de nuvens, os efeitos são
questão das mudanças climáticas induzidas pelo pouco claros e por isso não são fáceis de modelar.
homem mudou o foco da modelagem do clima. Além desses fatores ainda pouco compreendidos,
Agora, muitos modelos são projetados para veri- os modelos devem ter em conta os mecanismos
ficar o efeito da mudança das emissões humanas de feedback (retroalimentação), tanto os positivos
sobre o clima e previsão do clima futuro. As quanto os negativos. Nos feedbacks positivos,
previsões ou projeções climáticas são feitas com existem situações em que uma pequena altera-
modelos climáticos globais, que tem como base ção em algum aspecto no sistema amplia o efeito
Modelos de Circulação Global (MCGs). original e, portanto, causa um efeito muito maior
Nos MCGs o planeta é dividido em uma gra- (Desonie 2008).
de tridimensional em forma de blocos retangula- Os modelos de previsão climática tentam ela-
res. Na atmosfera, os modelos climáticos globais borar cenários do clima de muitos anos no futuro.
normalmente têm uma resolução horizontal de Eles não têm o objetivo de prever determinados
200 a 300 km; e uma resolução vertical de algumas acontecimentos de pequena escala (em compara-
centenas de metros a 1 km. A resolução vertical ção com a previsão do tempo, que tenta prever,
dos modelos é geralmente mais fina na superfície por exemplo, a ocorrência de uma tempestade
(onde ela é necessária para resolver importantes em um determinado dia). Em vez disso, a elabo-
processos de pequena escala) e torna-se grossei- ração de cenários do clima tem uma abordagem
ra em grandes altitudes. Na superfície, os níveis estatística na qual as propriedades gerais do clima
do modelo normalmente acompanham o terre- podem ser previsíveis; normalmente a média ou
no (níveis paralelos à topografia da superfície), a variância das variáveis climáticas são previsíveis
mas, em níveis mais altos do modelo, o efeito da (como a temperatura média em determinado mês
topografia da superfície é menor, e os níveis se ou ano). Os modelos climáticos consideram uma
tornam mais espessos. Os componentes oceânicos série de variáveis climáticas diferentes, algumas
dos MCGs geralmente têm uma resolução maior das quais podem ser modelados com um grau
que o componente terrestre, pois as estruturas de relativamente elevado de confiança (tais como
pequena escala como redemoinhos são impor- a temperatura), enquanto outros permanecem
tantes para o transporte de calor nos oceanos. A muito mais incertos (como a precipitação). Nos
resolução nos oceanos varia tipicamente de 125 modelos climáticos são considerados os tipos
a 250 m na horizontal e 200 a 400 m na vertical diferentes de variabilidade no sistema da Terra,
(Philander 2008). como as mudanças naturais e as induzidas pelo
Com a divisão gradeada do planeta, cálculos homem (Philander 2008).
são feitos para as trocas verticais e horizontais
de energia e matéria (umidade) entre os blocos.
Incertezas nas parametrizações utilizadas nos
História da Origem dos Estudos
modelos climáticos contribuem para a incerteza Paleoclimáticos e dos Ciclos Climáticos
nas previsões climáticas. Para investigar a sensibi-
lidade do modelo a estas incertezas, é executado
um conjunto de várias simulações. Para verificar Estudos Paleoclimáticos
a validade de um novo modelo, tenta-se repro- Estabelecer as datas das alterações climáticas é
duzir os eventos que já ocorreram no passado. Se um elemento-chave na investigação do clima no
os modelos descrevem o passado com sucesso, passado. Para determinar a idade dos episódios
então eles podem ser usados para prever o futuro climáticos, é necessário estabelecer uma cronolo-
com algum grau de confiança. O sucesso de um gia dos eventos. Utilizando-se de um conjunto de
modelo depende, em parte, da capacidade dos métodos de datação, a Geocronologia é a ciência que
cientistas em explicar as interações entre terra, permite determinar a idade de rochas, fósseis, sedi-
atmosfera, oceanos e os seres vivos. No entan- mentos e os diferentes eventos da história da Ter-
to, alguns fatores não são bem compreendidos. ra, incluindo a cronologia das variações do clima.
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Carneiro et al. (2005) apresentam uma revisão dos ções, rapidamente ganhou espaço. Até o início do
fundamentos dos principais métodos14 de estudo século 20, a maioria dos geólogos estava aderindo
do passado da Terra. à visão de que quatro grandes episódios glaciais
As primeiras abordagens de datação do passado afetaram as paisagens da Europa e América do
estavam intimamente associadas com tentativas de Norte, embora o embasamento de datação desses
estabelecer a idade da Terra. Alguns dos escritos eventos permanecesse incerto. Uma das primeiras
mais antigos sobre o tema encontram-se nas litera- tentativas de estabelecer uma cronologia glacial-
turas clássicas, sendo que a maior parte das escritos -interglacial foi conduzida pelos geólogos Albrecht
gregos empregava o conceito de um tempo infinito. Penck e Eduard Brückner, usando a profundidade
Tal posição contrasta marcadamente com o período de intemperismo e intensidade de erosão na região
pós-renascentista europeu (início do século 17), alpina do norte da Europa para estimar a duração
onde o pensamento bíblico colocava a criação do dos períodos interglaciais. Com essa base, uma
mundo em torno de 6.000 anos atrás e quando o idade de 60.000 anos foi designada para o último
fim do universo foi previsto em algumas centenas período interglacial e uma idade de 240.000 anos
de anos. Durante os séculos 18 e 19, no entanto, para o penúltimo período interglacial. Uma abor-
com o desenvolvimento do pensamento unifor- dagem alternativa de Milutin Milankovitch, usando
mitarista em Geologia, iniciou-se uma tendência o calendário astronômico com base em variações
de proposições e reconhecimento de prazos mais observadas na órbita e no eixo da Terra, chegou a
longos para a formação da Terra e para a longevidade um resultado semelhante, porém mais preciso e
de funcionamento dos processos geológicos, uma incluindo glaciações mais antigas (Walker 2005,
visão encapsulada por famosa observação de James Reboita et al. 2015).
Hutton – na obra Teoria da Terra, de 1788 – de que Na época em que a cronologia glacial estava
“não encontramos nenhum vestígio de um começo e nenhu- sendo desenvolvida para os Alpes Europeus, as
ma perspectiva de um fim” (Walker 2005). A descoberta primeiras tentativas de desenvolver uma escala
do Tempo Geológico por James Hutton, no final de tempo para o último degelo usando lâminas
do século 18, anunciou uma revolução científica e ou sequências de sedimentos em camadas foram
cultural. Do ponto de vista cultural, a concepção de interpretadas como reflexo de ciclos anuais de sedi-
Tempo Geológico é uma das ideias “mais relevan- mentação. Essas camadas, conhecidas como varves,
tes na história do pensamento humano”, segundo ainda são utilizadas na cronologia nos dias de hoje.
Gould (1987) e Cervato & Frodeman (2012, 2014). Alguns dos primeiros estudos foram feitos sobre os
Uma enorme dificuldade dos cientistas de antes sedimentos em lagos suíços e produziu estimativas
do século 20 era não ter bases para determinar com de entre 16.000 e 20.000 anos desde o último máxi-
precisão a passagem do tempo geológico. Nesse mo glacial, resultados que não são muito diferen-
clima de incerteza cronológica, o geólogo e zoó- tes dos resultados de datações mais recentes. Um
logo suíço Louis Agassiz [1807-1873] apresentou trabalho formidável em sequências de varves foi
sua ideia revolucionária15 de uma “Grande Era do realizado na Escandinávia, onde o geólogo suíço
Gelo”, que marcou o nascimento da Paleociência Gerard Jacob De Geer [1858-1943] desenvolveu
moderna. A noção, proposta pela primeira vez em a primeira cronologia glacial de alta resolução do
1837, foi inicialmente recebida com certo grau mundo em relação à geleira da Fino-Escandinávia.
de ceticismo pelos geólogos, mas a ideia de não Assim, a cronologia por varves foi a primeira téc-
somente uma única glaciação, mas de várias glacia- nica de datação que forneceu estimativas realistas
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Como obra de referência em técnicas de datação, indica-se o trabalho de
e relativamente precisas do tempo (Walker 2005).
Walker (2005). No começo do século 20, foi desenvolvida
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Ao observar a Cordilheira do Jura – uma cadeia de montanhas situada ao outra técnica de datação que ainda é amplamente
norte dos Alpes, na França, Suíça e Alemanha – Agassiz contatou que
blocos de rochas alpinas espalhadas pelas encostas e cumes haviam sido
utilizada na paleociência atual: a datação por anéis
transportados para lá devido à expansão de geleiras no passado. A inter- de árvores, ou Dendrocronologia. Pesquisas sobre
pretação de Agassiz sobre esses detritos carreados pelo gelo (conhecidos anéis de árvores têm uma longa história e a relação
na Geologia como morenas, termo derivado do inglês moraine) decorreu
entre os anéis das árvores e o clima tem intrigado
das fortes semelhanças entre as características dessas paisagens e as
condições atuais nos glaciares alpinos. Assim, Agassiz foi pioneiro em um os cientistas desde a Idade Média. De fato, alguns
importante aspecto da reconstrução paleoclimática: observar as condições dos primeiros escritos sobre esse assunto podem ser
ou lugares atuais como análogos para as condições passadas ou paisagens encontrados em trabalhos de Leonardo da Vinci.
antigas. Os resultados de Agassiz impulsionaram a Glaciologia (o estudo
de fenômenos glaciais) em todas as partes do mundo. Os fundamentos da dendrocronologia moderna,
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no entanto, foram formulados pelo astrônomo climáticas que descreviam o que aconteceu, com
norte-americano Andrew Ellicott Douglass [1867– estudos envolvendo uma variedade de dados oriun-
1962], que foi o primeiro a vincular os princípios dos de diferentes tipos de testemunhos. No início
da dendrocronologia com pesquisas históricas e de 1970, o desenvolvimento de computadores pro-
com a Climatologia (Walker 2005). moveu um novo tipo de paleoclimatologista espe-
O avanço mais significativo na Geocronologia, cializado na análise de grandes conjuntos de dados
no entanto, sucedeu durante e imediatamente após paleoclimáticos. Os primeiros estudos quantitativos
a Segunda Guerra Mundial, com a descoberta de aplicavam funções de transferência para converter
que o decaimento de certos elementos radioativos variáveis ​​de testemunhos em variáveis ​​climáticas,
poderia constituir uma técnica de datação. O tra- correspondência que envolvia também a calibra-
balho pioneiro do físico-químico norte-americano ção com dados climáticos modernos. A revolução
Willard Frank Libby [1908-1980] e seus colegas do computador também criou uma perspectiva
levou ao desenvolvimento de datação por radio- paleoclimática para lidar com modelos de circula-
carbono em 1949. Durante os anos 1950 e 1960, ção geral. Ao contrário dos dados de testemunhos
outros métodos radiométricos foram desenvol- paleoclimáticos, que reconstroem de forma inde-
vidos, incluindo técnicas de datação baseadas em pendente “o que aconteceu”, os modelos passaram a
séries de urânio e potássio-argônio. A crescente explicar “porque aconteceu” e, portanto, se tornaram
valorização dos efeitos sobre os minerais e outros uma ferramenta extremamente útil para testar hipó-
materiais expostos à radiação levou ao desenvol- teses sobre as causas de mudanças climáticas, com-
vimento de outra família de técnicas que inclui as parando os resultados de simulações com aqueles
datações por termo-luminescência, por traços de derivados de dados de testemunhos (Mock 2006).
fissão e por ressonância magnética eletrônica. No Sozinhas, as reconstruções não explicam
final dos anos 1960 e 1970, os avanços na Biolo- as mudanças observadas, logo, os modelos são
gia possibilitaram utilizar mudanças moleculares necessários para entender os processos envolvidos.
post-mortem em estruturas de proteínas como uma Assim, a reconstrução e a modelagem paleocli-
técnica de datação (Geocronologia de aminoáci- máticas podem proporcionar uma linha de base
dos), enquanto os notáveis ​​desenvolvimentos na de longo-prazo para compreender as condições
tecnologia de perfuração conduziram à obtenção climáticas atuais e futuras.
de longas sequências de núcleos de sedimentos
oceânicos e de núcleos de gelo das calotas polares Ciclos Climáticos
(Walker 2005).
As duas últimas décadas do século 20 foram Desde os primórdios, a humanidade tem sido
marcadas por uma série de inovações tecnológicas fascinada e afetada pelo clima. As flutuações do
que implicaram não só uma maior expansão na clima têm desempenhado um papel importante
faixa de técnicas de datação, mas também a melho- na vida humana, determinando repetidamente
rias significativas na precisão analítica. Um grande momentos ora de abundância de alimentos ora
avanço foi o desenvolvimento da espectrometria de tempos de fome. Como a vida dos povos agrícolas
massa com aceleradores, que não só revolucionou primitivos estava ligada ao ciclo das estações chu-
a datação por radiocarbono, mas também tornou vosas e secas, o homem pré-histórico precisava
possível a técnica de datação por cosmonuclídeos. observar o tempo para saber quais eram as melhores
Nas últimas duas décadas também foram obtidas épocas para realizar a colheita e a semeadura.
cronologias de alta resolução em núcleos de gelo na No início do século 19, ainda acreditava-se
Groenlândia (séries GRIP e GISP2) e na Antártida amplamente que o mundo teria sido criado em
(séries Vostok e EPICA) (Walker 2005). 4004 a.C, e que a sua superfície havia sido molda-
Os vários desenvolvimentos e inovações signi- da por eventos catastróficos tais como a inunda-
ficam que os cientistas agora têm à disposição um ção bíblica de Noé. Diante de tal curto espaço de
portfólio de métodos de datação que não poderia tempo para a história da Terra, e dada a invocação
ter sido sonhado apenas uma geração atrás, e que do dilúvio para explicar as mudanças no registro
são capazes de datar eventos em escalas de tempo sedimentar, não é de estranhar que, naquela época,
desde poucos anos a milhões de anos. havia poucos motivos para acreditar que o clima da
Antes de 1970, muitas pesquisas paleoclimato- Terra tinha sofrido grandes mudanças através de
lógicas focaram principalmente em reconstruções um prolongado período de tempo. No entanto,

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conforme os geólogos começaram a examinar os definir padrões do tempo tem feito parte do fol-
registros sedimentares e paleontológicos, tornou- clore e ditados populares. Frequentemente, esses
-se aparente a evidência de que a Terra possuía uma padrões estão preocupados com variações de mês
história bem mais longa. A ideia de que o clima e a mês ou entre estações do ano, mas raramente
outros aspectos ambientais haviam flutuado no abrangem variações anuais. Há pouca evidência
passado resultou inicialmente a partir da descoberta de que, antes da Filosofia Moderna (século 17),
de que as geleiras alpinas e norueguesas haviam tenha havido qualquer tentativa de quantificar as
anteriormente se estendido para além dos seus variações do clima16.
limites atuais. Após a década de 1820, o conceito
da “Idade do Gelo” tornou-se aceito por mais e Conforme relata Miall (2010), ideias sobre a
mais geólogos, nomeadamente por Louis Agassiz. periodicidade ou repetitividade da história da Terra
Por volta de 1860, era evidente que a idade de gelo já existiam desde o século 18. Sobre o estudo da
do Pleistoceno consistia-se de várias glaciações, periodicidade nas Geociências, Dott (1992) escla-
e Penck e Brückner introduziram seu modelo rece a essência da motivação:
altamente influente a respeito dos ciclos glaciais
(Goudie 2005). Por que a periodicidade pode ser um opiáceo
Burroughs (2003) relata que uma das primeiras tão poderoso para os geólogos? Obviamente, a
citações históricas sobre variação periódica do cli- noção de periodicidade emana naturalmente por
meio da experiência humana universal com os
ma está registrada na Bíblia, em Gênesis 41:53-55:
ciclos diurnos, das marés e das estações do ano.
E tem raízes antigas na visão de mundo Greco-
Por fim, os sete anos de abundância terminaram.
-Aristotélica de que tudo na natureza é cíclico. A
E iniciaram-se os sete anos de fome tal como
resposta deve estar fundada mais diretamente, no
José previra. Começou a haver falta de alimentos
entanto, no apelo psicológico inato de ordem e
em todas as terras circunvizinhas, mas no Egito
simplicidade, os quais são fornecidos por padrões
mesmo havia em suficiência.
ritmicamente repetitivos. Para os geólogos, o
apelo instintivo de periodicidade constitui uma
A história bíblica do sonho de José, precisamen-
extensão sutil do princípio da uniformidade,
te predizendo que sete bons anos seriam seguidos que por sua vez é um caso geológico especial de
por sete anos de fome, bem como descrevendo simplicidade ou parcimônia (Dott 1992, p. 13).
as ações tomadas para armazenar o excedente dos
bons anos para atender à escassez dos maus anos, 16 Uma exceção interessante parece ser o ciclo de 35 anos, que, segundo
Francis Bacon [1561–1626], já era objeto de investigação nos Países
mostra o enorme benefício que pode advir das pre- Baixos no início do século 17. Essa periodicidade ganhou mais atenção no
visões exatas das oscilações climáticas regulares e final do século quando o Professor alemão Eduard Brückner [1862–1927]
seu impacto sobre as colheitas. O episódio bíblico foi contratado pelo governo russo para estudar mudanças nos níveis do
mar Cáspio, que causavam desvios significativos no transporte maritmo.
esclarece porque as flutuações regulares no clima Brückner investigou dados meteorológicos de toda a Europa, considerando
têm fascinado os observadores do clima por tanto rios, lagos, colheitas e safras de uvas. Ele concluiu que havia um ciclo
tempo. de 35 anos que afetava a meteorologia e, portanto, alterava os níveis do
mar Cáspio. Os ciclos de Brückner não sobreviveram por muito tempo no
Além da citação no Livro de Gênesis, o filósofo século 20, pois nenhuma evidência estatística nem qualquer conhecimento
Teofrasto [372–287 a.C.], de Eresus (cidade da ilha de sua causa comprovaram que fossem duráveis ou convincentes. Depois
grega de Lesbos), fez, no século 4 a.C, a primeira de definhar na obscuridade durante grande parte do século 20, essa
periodicidade ressurgiu como uma característica em estudos de anéis de
observação registrada de ciclos do tempo. Ele estu- árvores e em certos sedimentos laminados que podem estar ligados às
dou na Academia de Platão e, após a morte deste, flutuações periódicas das interações oceano-atmosfera no Atlântico Norte
tornou-se assistente de Aristóteles. Juntos, estuda- ou originadas nas marés, por fim, relacionadas ao período de periastro
lunar (Burroughs 2003). Curiosamente, o ciclo de 35 anos de Brückner
ram Meteorologia e observaram que “os finais e os
foi influente quando, em 1935, em uma conferência da Organização
inícios do mês lunar estão sujeitos a tempestades”. Meteorológica Internacional (OMM), em Varsóvia, foi discutido um período
Mais de 2.000 anos mais tarde, ainda continua o universal para o cálculo das normais climatológicas. Argumentos sobre o
debate sobre a extensão dos efeitos lunares sobre período médio mais adequado variaram de 11 anos (um ciclo solar bastante
conhecido), 20 ou 25 anos (curto o suficiente para permitir que um grande
o clima (Burroughs 2003). número de estações calculasse suas normais), 35 anos (ciclo de Brückner)
As preocupações com as mudanças climáti- ou mesmo 50 anos (para capturar mais da variabilidade inter-decadal
cas irreversíveis e desfavoráveis não são novas e, do clima). No final, a Comissão de Climatologia da OMM recomendou
“um período de 30 anos, conforme apropriado para o estabelecimento de
portanto, sempre houve discussões sobre suas condições normais de temperatura” e sugeriu “1901-1930 como o período
possíveis causas e consequências. A antiga arte de universal para o cálculo das normais”. (Berger et al. 2002, Burroughs
2003, Hulme et al. 2009).

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Uma breve retrospectiva sobre a origem dos planeta transitando pela superfície solar. O proble-
ciclos de Schwabe e de Milankovitch, dois dos ma era que o Sol possuía manchas solares e estas
principais ciclos climáticos, introduzirá a noção de poderiam ser facilmente confundidas com o planeta
que as marcas dos movimentos cíclicos na evolu- ilusório. Schwabe decidiu desenhar essas manchas
ção de vários processos biogeoquímicos oceânico- solares de modo que ele não se confundisse com o
-atmosféricos e suas ligações físicas representam, planeta que ele estava procurando. Em 1843, após
em diferentes escalas de tempo, um dos assuntos 17 anos de observações diárias, Schwabe deve ter
mais intrigantes e fascinantes das Geociências. ficado extremamente desapontado por não ter
avistado, agora obviamente, o planeta inexistente.
1.1.1. Ciclos Solares de Schwabe17 No entanto, ele tinha milhares de desenhos e, ao
Desde o final do século 18, quando o conheci- estudá-los, percebeu que as manchas solares pare-
mento com base científica começou a substituir as ciam ter um ciclo: a cada dez anos, o número de
visões místicas e religiosas que prevaleceram durante manchas solares atingia o seu máximo e depois
séculos, têm ocorrido debates científicos relativa- começava a diminuir gradualmente.
mente permanentes sobre variações no clima. Em Em 1838, Schwabe publicou o seu primeiro
estudos mais científicos, a primeira tentativa de expli- conjunto de observações, depois de ter percebido o
car as variações climáticas foi efetuada pelo astrôno- máximo de 1828, o mínimo de 1833 e o máximo de
mo alemão William Herschel [1738–1822] no início 1838. Certamente ele devia ter começado a suspei-
do século 19. Ele propôs que as mudanças na ativida- tar de que sua investigação estava conduzindo para
de do Sol podiam influenciar o clima, porém, foi o uma evidência de periodicidade. Mas Schwabe se
trabalho de outro astrônomo alemão que realmente contentou em publicar seus resultados, sem tentar
impulsionou o tema dos ciclos solares e o clima. Em tirar conclusões. Somente após cinco anos, em
1843, Samuel Heinrich Schwabe [1789–1875] des- 1843, depois de ter obtido uma série uniforme de
cobriu que o número de manchas variava de forma observações compreendendo duas máximas e duas
regular, previsível, levantando a hipótese de o clima mínimas, ele finalmente anunciou, timidamente,
poder variar com o mesmo padrão (Burroughs 2003). em uma breve nota no periódico da Sociedade
O astrônomo amador Schwabe, nascido em Astronômica da Alemanha, que a indicação de
Dessau, perto de Berlim, estudou Farmácia na periodicidade mostrada por seus resultados ante-
Universidade de Berlim, onde se interessou por riores havia sido confirmada, e que o período era
Astronomia e Botânica. Em 1812, ele estava no de cerca de 10 anos.
comando da farmácia da família em sua cidade Com reticência científica habitual, Schwabe
natal. Resultado de um prêmio na loteria, Schwabe cuidadosamente omitiu a importante conclusão a
obteve seu primeiro telescópio em 1825, a partir partir do título de seu artigo, que foi simplesmen-
de quando começou a dedicar o tempo livre na te publicado como “Observações solares durante
observação do céu. Originalmente, ele começou a 1843” (Schwabe 1844), a partir de onde foram
observar o Sol após o conselho de um amigo que extraídos os seguintes trechos:
o convenceu de que seus trabalhos poderiam ser
O tempo ao longo deste ano foi tão extremamen-
recompensados com a descoberta de um planeta te favorável que eu fui capaz de observar o Sol
próximo a Mercúrio. Mas Schwabe ficou tão fas- claramente em 312 dias, no entanto, eu contei
cinado pelas manchas em constante mudança sobre apenas 34 grupos de manchas solares (...). A par-
o disco solar que a sua intenção original foi logo tir de minhas observações anteriores, que tenho
esquecida. Em 1826, ele comprou um telescópio relatado todos os anos nessa revista, parece que
mais poderoso e iniciou as suas observações sobre existe certa periodicidade no aparecimento de manchas,
as manchas solares. O hobby rapidamente tomou e essa teoria parece ser mais provável a partir dos
conta de sua vida; em 1829, ele vendeu a farmácia resultados deste ano (...). Gostaria agora de adi-
da família para dedicar-se exclusivamente à busca cionar um relatório completo de todas as minhas
observações de manchas solares até o presente, no
de sua ambição: encontrar Vulcano, um planeta
qual eu indiquei o número de dias de observa-
hipotético entre Mercúrio e o Sol.
ção e os dias em que não havia manchas a serem
Schwabe apontava seu telescópio para o Sol observadas, bem como a número de grupos de
todos os dias em que este estava visível – ou seja, manchas solares (Schwabe 1844. Grifo nosso).
sem nebulosidade – na tentativa de observar o
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Baseado em Richardson (1946).
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Naturalmente poderia supor-se que
uma importante descoberta desse tipo iria
atrair imediatamente a atenção generalizada.
Pelo contrário, ela não despertou nenhum
comentário. Assim, os resultados passaram
despercebidos pelos astrônomos da época,
que estavam muito mais ocupados tentando
determinar as posições dos corpos celestes
do que se preocupando com a natureza dos
próprios corpos. Schwabe teve, no entanto,
que esperar mais oito anos até o mundo
reconhecer sua descoberta.Nesse meio tem-
po, bastante perturbado pela total falta de
entusiasmo com que o anúncio foi recebido,
ele continuou contando as manchas solares,
como de costume. Em algum momento nos
anos seguintes, sua descoberta chamou a
atenção do ilustre Alexander von Humboldt
[1769-1859], naturalista, geógrafo e explora-
dor alemão, considerado o pai da Geografia.
Somente em 1851, Humboldt usou o
trabalho de Schwabe no terceiro volume
de sua publicação Kosmos, que continha não
só as observações de manchas solares de
Schwabe referentes ao período entre 1826 e
1843, mas também as observações de 1844
a 1850 que nunca antes haviam sido publi-
cadas. Desse modo, os astrônomos deram
maior atenção aos resultados de Schwabe.
Em 1857, o astrônomo suíço Johann Rudolf Figura 3. Quadro-síntese original das observações de manchas
Wolf [1816-1893] compilou dados de várias solares realizadas por Schwabe. Cabeçalhos: Anos
fontes, incluindo os dados de Schwabe e (primeira coluna); Número total de grupos de manchas
solares observadas (segunda coluna); Número de dias
todos os dados disponíveis de manchas sem manchas solares (terceira coluna); e número de dias
solares até o ano 1610 – época das primeiras que o Sol foi observado (quarta coluna). Fonte: Humboldt
observações de manchas solares feitas por (1850).
Galileu e contemporâneos – e calculou com
maior precisão um período de 11,2 anos 350
Quantidade de manchas solares

para o ciclo de manchas solares. A Fig. 3 300


apresenta a tabela original do resultado das
250
observações das manchas solares realizadas
por Schwabe, conforme publicado no volu- 200
me III de Kosmos, de Humboldt; e a Fig. 4 150 B
exibe a plotagem do gráfico correspondente
100
aos dados originais.
O trabalho de Schwabe foi de importân- 50
A
cia extraordinária para a Ciência. Ele abriu o 0
1832

1842
1828

1838

1848
1830

1840

1850
1826

1836

1846
1834

1844

caminho para futuras investigações nas áreas


de magnetismo, do clima terrestre e de taxas
Figura 4. Gráfico das manchas solares observadas por Schwabe.
de crescimento de organismos. Schwabe Os pontos (A) e (B) indicam os anos em que os dados foram
recebeu o reconhecimento por seu trabalho apresentados nas publicações de Schwabe (1844) e de
de seus colegas na Inglaterra. A Royal Astrono- Humboldt (1850), respectivamente. Fonte: elaborado a partir
mical Society concedeu-lhe medalha de ouro e dos dados da Fig. 3 (Humboldt 1850)

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Figura 5. Curva paleoclimática resumindo o trabalho de Penck e Brückner sobre as glaciações nos Alpes. As iniciais W,
R, M, G correspondem respectivamente às glaciações denominadas de Würm, Riss, Mindel e Gunz (nomes de
quatro afluentes bávaros do rio Danúbio) e as combinações das letras representam os períodos interglaciais. O
eixo horizontal indica o tempo, iniciando-se com o zero à esquerda (data atual), remontando até 600 mil anos
atrás, à direita. As durações dos dois períodos mais recentes estão relatadas no lado esquerdo do diagrama. O eixo
vertical representa a linha de neve permanente (altura, em metros, comparada ao valor atual). Algumas culturas
pré-históricas conhecidas na época são indicadas no topo da curva. Fonte: Original de Penck & Brückner (1909)
recuperado por Bard (2004)
ele foi eleito membro da Royal Society. A Schwabe é de geleiras alpinas durante as eras glaciais (ver curva
concedido o crédito de uma das mais importantes original na Fig. 5), em uma época em que os ciclos
descobertas da Astronomia. Astrônomos amadores de idade de gelo eram considerados improváveis por
muitas vezes tornam-se desanimados, achando muitos especialistas – incluindo o próprio Penck,
que não há esperança de fazer uma verdadeira orientador de doutorado de Brückner.
contribuição para a Ciência com o equipamento O grande marco no estabelecimento das eras
modesto à sua disposição. A postura humilde e glaciais foi decorrente das pesquisas de Milutin
persistente de Schwabe mostrou que algo novo Milankovitch [1879–1958], engenheiro e matemá-
sempre pode ser descoberto em Astronomia, não tico nascido na Sérvia. Milankovitch havia come-
necessariamente por instrumentos mais poderosos çado um projeto para calcular as temperaturas em
ou deduções brilhantes, mas por fazer observações diferentes latitudes e para saber se a temperatura
cuidadosas e sistemáticas, continuamente, ano após alterava-se conforme ritmos astronômicos. Seu
ano, somente movido por fascínio pelo assunto. objetivo era explicar o papel desempenhado pelos
ciclos astronômicos nas eras glaciais ao determinar
Ciclos Orbitais de Milankovitch de que modo os parâmetros orbitais coincidiam e
O primeiro e principal ciclo solar identificado combinavam-se para influenciar a quantidade de
por Schwabe até hoje é tema recorrente de diversas radiação solar, provocando, assim, mudanças cli-
pesquisas que relacionam variações das atividades máticas bruscas como as glaciações.
solares com mudanças no clima terrestre. ����� Deba- Mesmo tendo sido prisioneiro no período de
tes sobre as mudanças climáticas culminaram, no extrema instabilidade provocada pelas duas Gran-
final do século 19, em discussão viva das causas das des Guerras Mundiais, Milankovitch continuou
eras glaciais, da natureza histórica da variabilidade seu trabalho para determinar, matematicamente, os
climática, da possível influência humana sobre o ciclos das eras glaciais. Ele construiu a teoria de que
clima futuro e do impacto sobre as economias e as as eras glaciais eram cíclicas conforme os trabalhos
sociedades. As questões foram discutidas por cien- sobre ritmos astronômicos do geólogo escocês James
tistas proeminentes, incluindo o físico e químico Croll18. As séries de cálculos astronômicos, comple-
sueco Svante Arrhenius [1859–1927], o austríaco tadas por Milankovitch usando apenas lápis, papel e
Julius von Hann [1839–1921], considerado o pai seu cérebro como calculadora, levaram em conta os
da Meteorologia Moderna, e o austríaco Eduard fatores da órbita da Terra, incluindo a inclinação do
Brückner [1862–1927] (Brönnimann 2001). eixo de rotação, a excentricidade da órbita e a preces-
Brückner é conhecido como o co-autor de obra são dos equinócios para determinar a quantidade de
monumental (Penck & Brückner 1909) sobre a geo- ���������������������������������������������������������������������
James Croll [1821–1890] foi um cientista escocês que desenvolveu a
teoria dos efeitos das variações da órbita da Terra em ciclos climáticos.
logia da idade do gelo nos Alpes, publicada em cola- Ele argumentava que os períodos quentes e frios alternados da Era Glacial,
boração com o geógrafo e geólogo alemão Albrecht que tinha sido descoberta por geólogos, eram causados pela excentricidade
Penck [1858–1945]. Entre outras coisas, com ideias da órbita da Terra. Sobre as relações entre as eras glaciais e as variações
na órbita terrestre, Croll trocou correspondências com Sir Charles Lyell
originalmente concebidas por Brückner, a obra apre-
[1797–1875], mais conhecido como o autor de Princípios de Geologia, o
sentou evidências inéditas sobre a expansão repetida qual popularizou o conceito de Uniformitarismo de James Hutton.
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Figura 6. Amplitudes das variações seculares, obtidas por Milankovitch, da radiação no verão para a latitude 65° norte,
ao longo dos últimos 600 mil anos. Milankovitch identificou alguns pontos baixos na curva como quatro eras
glaciais europeias. O gráfico superior é oriundo de um cálculo de Milankovitch feito em 1920 e o gráfico inferior
de um cálculo de 1941. O eixo vertical fornece latitudes equivalentes a 65°N, definidas por Milankovitch; o tempo
ao longo do eixo horizontal está em milhares de anos antes do presente. Fonte: Originais recuperados e adaptados
por Berger (1988)
radiação solar recebida pela Terra (Philander 2008). de Milankovitch (Philander 2008).
O produto essencial da teoria de Milankovi- Milankovitch estava destinado a se tornar um
tch é a curva original (Fig. 6) que mostra como a dos raros cientistas que desenvolveram ideias ver-
quantidade de radiação do Sol de verão variou ao dadeiramente fundamentais. A aceitação da teoria
longo dos últimos 600 mil anos, período em que de Milankovitch foi muito mais do que a quantifi-
ele identificou alguns pontos baixos como quatro cação da mudança dinâmica das últimas idades do
eras glaciais europeias, quase idênticas ao esque- gelo. Ele revolucionou a compreensão da dinâmica
ma reconstruído antes por Penck e Brückner. A climática, configurou a climatologia como uma
diferença significativa reside no fato de que a cur- ciência exata e iniciou a modelagem numérica do
va de Milankovitch teve uma calibração precisa clima, bem como formulou a única teoria do clima
do tempo, expresso em milhares de anos. Assim, que pode ser verificada matematicamente e testa-
ele substituiu o esquema de Penck e Brückner ao da geologicamente. Assim, geólogos estão agora
fornecer uma explicação obre os surgimentos e as aplicando sua teoria para toda a história da Terra.
interrupções das eras glaciais e também uma maior Para climatologistas, a modelagem de longo prazo
precisão às datações destas (Berger 1988). é agora possível, e para meteorologistas deixa uma
Proposta pela primeira vez em 1930, a teoria de mensagem crucial: a máquina do clima terrestre
Milankovitch e seus cálculos causaram entusiasmo não é caótica nem imprevisível, ela é movida pelos
entre contemporâneos, mas, sem meios de com- fatores extraterrestres, geralmente com comporta-
provação, sua teoria foi arquivada. Milankovitch mento cíclico (Kukla & Fairbridge 2005).
morreu em 1958, antes da teoria voltar à merecida
proeminência na comunidade científica. Com o Ciclos Climáticos na Atualidade
uso de computadores e testemunhos para melhorar O tema de ciclos climáticos está se expandindo
a precisão dos cálculos, os cientistas resgataram o rapidamente na literatura. Várias razões são respon-
trabalho de Milankovitch. A primeira evidência sáveis por esse desenvolvimento:
científica foi trazida somente nos anos 1970, quan-
do pesquisadores relacionaram a cronologia de alte- 1. A ciclicidade das eras glaciais já está bem estabe-
rações encontradas em sedimentos oceânicos com lecida. Essas mudanças cíclicas estão vinculadas
as mudanças associadas aos ciclos orbitais. Assim, às oscilações do eixo da Terra e mudança da for-
de forma modificada, a teoria ficou estabelecida em ma de sua órbita, como o corretamente descrito
1976 como um modelo científico chamado de ciclos por Milankovitch.

22 ISSN 1679-2297 TERRÆ 12, 2015


2. A discussão sobre qual parte do aquecimen- aqui resumir que, além de causas antropogênicas,
to global dos últimos cem anos é de origem existem diversas causas naturais de mudanças do
antropogênica. Se existir alguma contribuição, clima cujas variabilidades incluem as alterações das
só pode ser respondida quando se tem uma emissões solares, dos parâmetros orbitais terrestres,
noção do estado natural que o clima teria sem a da atmosfera e da superfície terrestre, atividades
interferência artificial humana. Nesse contexto, vulcânicas, colisão de meteoritos e cometas, osci-
as mudanças na radiação solar têm sido identi- lações oceânicas, raios cósmicos e tectonismo (ver
ficadas como um fator importante no controle Faustinoni & Carneiro 2015), entre outros fatores.
da temperatura global na Terra. As flutuações Intensas discussões científicas, políticas e
na intensidade da radiação do Sol estão intima- públicas sobre este tema e, especialmente, sobre o
mente ligadas às atividades de manchas solares, grau de contribuição das atividades humanas são
que é definitivamente um fenômeno cíclico, testemunho da importância da questão. A comple-
conforme descoberto por Schwabe. Assim, xidade dos sistemas em estudo é tão imenso que se
quando a variabilidade do Sol é importante nas torna igualmente grandioso o desafio de pesquisar,
mudanças climáticas, tais mudanças também descrever os resultados e comunicar as inúmeras e
podem ter uma componente cíclica intrinseca- controversas implicações. A diversidade e a comple-
mente relacionada. xidade das causas naturais de mudanças climáticas
merecem ser examinadas em profundidade.
3. A recente grande expansão de esforços em
Qualquer discussão sobre mudança climá-
encontrar padrões de mudança climática na
tica deve primeiramente reconhecer as escalas
escala decadal levaram à descoberta de uma
espaciais e temporais do sistema em análise, bem
série de oscilações internas no sistema oceano-
como os mecanismos físicos e tipos de variabilida-
-atmosfera. Entre os mais estudados estão o El
de natural do clima, sobretudo diante da vastidão
Niño – Oscilação Sul (ENOS), a Oscilação
do Tempo Geológico. Nesse quadro, a resposta à
Decadal do Pacífico (ODP) e a Oscilação Mul-
pergunta inicial (“seria a atividade antrópica capaz
tidecadal do Atlântico (OMA).
de ultrapassar a variabilidade natural do clima da
4. Com base no estudo dos anéis de árvores, tes- Terra”?) revela o grave equívoco que se pode criar
temunhos de núcleos de gelo polar, esqueletos pela suposição de que pudesse existir “um estado
de corais e sedimentos lacustres, séries longas imutável do clima”, e que o recente aquecimento
e detalhadas das mudanças paleoclimáticas tor- global constituiria uma ruptura breve provocada
naram-se disponíveis nas últimas três décadas. pelo homem. O clima do mundo está mudando;
ele sempre mudou e sempre mudará. A situação
atual é antes um resultado da inevitabilidade da
Considerações Finais mudança climática causada por ciclos naturais que
Este artigo examina conhecimentos e informa- periodicamente oscilam entre fases de aquecimen-
ções sobre mudança climática, tendo como pano to e resfriamento, ao longo do Tempo Geológico.
de fundo a hipótese do “aquecimento global antro-
pogênico”, veiculada por muitos autores e veículos
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atividade antrópica possa ser capaz de suplantar e Baptista G.M.M. 2009. Aquecimento Global: Ciência
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Resumo: Este artigo expõe uma definição precisa de ciclos climáticos e examina as múltiplas formas de medição, reconstrução e
previsão das condições climáticas. Apresenta-se uma revisão histórica das origens do estudo dos ciclos climáticos. Informações
sobre climas de épocas remotas são obtidas a partir do registro geológico de efeitos de processos biogeoquímicos que variam em
função de fatores atmosféricos. A interpretação dos dados requer premissas, sendo uma delas especialmente crucial: o princípio
do Atualismo, que estabelece a uniformidade das leis naturais e dos processos terrestres. Isso significa que, no passado, a relação
entre o clima e outros fenômenos naturais fôra similar à que opera no presente. Assim, diante da variedade de processos naturais
que dependem do clima, é possível reconstruir o clima passado com a ajuda de vários tipos de testemunhos (anéis de arvores,
sedimentos marinhos, núcleos de gelo, isótopos etc.). Distintas técnicas de reconstrução de paleoclimas revelam ser confiável a
regularidade geral das condições climáticas no passado geológico, de tal modo que é possível inferir que o clima é um fenômeno
eminentemente cíclico. O reconhecimento da natureza periódica do clima remonta ao final do século 18, graças aos estudos e ideias
inovadoras de renomados cientistas: Hutton (Uniformitarismo), Agassiz (grande Era do Gelo), Penck e Brückner (múltiplos ciclos
glaciais), Milankovitch (ciclos glaciais e variações orbitais) e Schwabe (ciclo solar de 11 anos). Na discussão sobre mudanças
contemporâneas no clima da Terra é essencial reconhecer as escalas espaciais e temporais, os mecanismos físicos e os tipos de
variabilidade natural do clima, sobretudo se pensarmos na vastidão do Tempo Geológico.

Palavras-chave: Mudança climática, clima, Climatologia, Geologia, processos naturais, dióxido de carbono, aquecimento global
antropogênico

26 ISSN 1679-2297 TERRÆ 12, 2015

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