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“Escrever

é doar ao mundo

aquilo que existe


dentro do

seu mundo.”

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Capítulo 3

O pedido da senhora

Os olhos de Mary refletiam à luz das muitas velas sobre a mesa, seu rosto pálido e
bonito esboçando uma expressão de extremo espanto enquanto encarava o rapaz do
outro lado. Ele possuía um rosto bastante austero, sua franja loura por pouco não
chegava às pálpebras, onde seus olhos claros avaliavam a garota impertinentemente. Ela
parou a uns sete metros dele, totalmente perdida nas ações que deveria tomar. Em sua
mente, nenhum dos últimos acontecimentos tinha feito o menor sentido, mas esse era
tão estranho quanto os outros. Como aquele garoto conseguira chegar ali antes dela e de
Adam? Por que era ele quem se encontrava ali e não uma idosa? Sim, porque o
pronunciador daquela voz estridente e ofegante que havia dito para eles seguirem as
luzes verdes até aquela caverna só podia ser uma senhora de idade e não um rapaz que
parecia ter vinte anos no máximo. Porém a pergunta que mais intrigava Mary nesse
momento era o que ele teria feito para escapar daquela criatura horrenda com qual
estava lutando, a morte dele era totalmente certa levando em conta a última cena que ela
vira da luta.
– Achei que o bicho-papão tivesse matado ele – uma voz impressionada e infantil
anunciou que Adam estava às suas costas.
– Não sei se você fez uma boa escolha em ter entrado – ela censurou entredentes,
desanimada.
– Você não gritou, então pensei que estava tudo bem – resmungou Adam
enquanto observava o lugar onde estavam. – E não vejo nenhum monstro por aqui, acho
que não tem perigo.
A criança tinha razão, não havia mais ninguém ali dentro além dos três. Era como
um tipo de sótão entre as rochas de uma caverna, Mary conseguiria tocar o teto irregular
se esticasse as mãos. Em cada fissura nas paredes rochosas e ásperas se encontrava uma
vela, todas brancas e acesas. Isso fazia com que lá dentro fosse muito quente e a garota
sabia que não demoraria muito para gotículas de suor começarem a se formar em sua
testa. Porém a questão era o porquê de alguém colocar tantas velas em um único lugar.
O fator iluminação com certeza não era, pois um terço daquelas velas já seria mais que
o bastante para iluminar o ambiente. O maior número delas se amontoava sobre a mesa,

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a cera ia escorrendo pela superfície de pedra conforme derretia, deixando uma linha
branca que se estendia até o chão ou que se infiltrava em alguma rachadura no caminho.
Seis cadeiras circundavam a mesa, incluindo a que o misterioso rapaz estava usando,
como se estivessem postas para um jantar à luz de velas. Do outro lado do aposento
havia uma estranha porta fechada, formas e rostos assustadores dominavam sua
madeira. Essa, ao contrário da que os garotos haviam acabado de atravessar, não era
esburacada e possuía uma grande aldrava de ferro enferrujada.
– Não sabemos se podemos confiar nesse garoto – insistiu Mary, tentando desviar
o olhar dos rostos medonhos emoldurados na porta.
– Por que não? – rebateu Adam. – Ele salvou nossas vidas e deveríamos estar
felizes por ele estar vivo. Acho que ele pode nos ajudar.
– Não, as coisas não são tão simples assim – nesse momento o rapaz deu uma
breve tossida e se concentrou em observar o fogo de uma das velas sobre a mesa,
deixando de encarar Mary. A garota não sabia se ele havia ou não, escutado o que ela
dissera, mas por precaução decidiu falar mais baixo. – O modo como ele apareceu, o
modo como ele nos ajudou... Quantas pessoas você conhece que dariam a vida por
alguém que sequer se falou uma vez na vida? Sem contar o fato de ele ter chegado aqui
primeiro que a gente.
– Pode existir um atalho – declarou Adam, nada convencido com o que Mary
dissera.
– E se foi ele quem nos trouxe para esse lugar? – indagou Mary, ainda
desconfiada. – Ele pode ter nos sequestrado e ter feito a gente beber algo, cheirar
alguma droga... Sei lá, alguma coisa ele deve ter feito pra gente ter visto monstros e
ouvido vozes.
– Você acha então que ele está controlando os bichos-papões? – disse a criança,
arregalando os olhos.
Mary fungou, sem nada responder, e gravou mentalmente que nunca mais iria
tentar manter um diálogo lógico, num momento de vida ou morte como aquele, com
uma criança – era perda de tempo.
– Rápido, vamos dar o fora daqui enquanto temos chance – disse ela ao perceber
que não adiantava conversar.
– Não podem ir, preciso que me sigam – soou uma voz autoritária, fazendo o
coração de Mary dar um grande salto.
O rapaz havia se levantado da cadeira e agora olhava para Mary e Adam, seu rosto
não demonstrando qualquer expressão.
– Co... Como é que é? – perguntou ela, não sabendo se ficava assustada ou irritada
com o tom que o garoto havia usado. – A gente não vai seguir você pra lugar algum, não
conhecemos você.
– É preferível me seguir a ter uma morte dolorosa do lado de fora, não acha? –
rebateu ele, com um sorrisinho se formando no canto de sua boca. – E de qualquer
forma isso não foi um pedido, foi uma ordem.
– Você não manda na gente e também não é o dono da voz que falou com a gente
na floresta, suponho. Por que deveríamos te obedecer então? – perguntou aborrecida.
– Não, não fui eu quem falou com vocês na floresta, mas eu vou levar vocês até
ela, portanto é melhor me obedecerem... ou morrerão na floresta.
– Eu topo seguir ele – disse Adam, assim que escutou as últimas duas palavras
que o rapaz dissera, e sem aviso prévio largou a mão de Mary e correu para o lado do
desconhecido.
– Adam, o que você está fazendo?! – gritou Mary, surpresa com a atitude da
criança.

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– Eu não quero ter uma morte dolorosa – deu de ombros o pequeno. – E ele salvou
nossas vidas antes, tenho certeza que irá salvar outra vez se tiver chance.
– Ao menos alguém é agradecido aqui – comentou o estranho enquanto
caminhava até a porta às suas costas e puxava a aldrava de ferro, abrindo-a. – Vamos lá,
a melhor escolha a se fazer é a que o Adam fez.
Mary olhou para a escuridão que a porta revelara, sentindo um calafrio conhecido
percorrer todo seu corpo. Será que ela deveria obedecer àquele rapaz? Se ao menos
Adam tivesse ficado ao seu lado seria mais fácil negar a proposta e pensando bem foi
para isso que ela entrara ali, para encontrar respostas. Ela teria que seguir aquele garoto
para esclarecer suas dúvidas, era o único caminho.
– Eu vou, já que não tenho escolha – falou finalmente, lançando um olhar de
desaprovação a Adam.
– Garanto que fez a escolha certa – voltou a falar o estranho, dando espaço para a
criança e Mary passarem pela porta sinistra.
Adam foi na frente e antes que Mary pensasse em segurar o braço do garoto para
impedi-lo, ele já havia sumido em meio à escuridão. Mary, novamente sem alternativas,
moveu as pernas e atravessou o arco da porta.
No momento que entrou se deparou com uma escuridão total. Atrás dela escutou o
baque da porta de rostos medonhos fechando.
– Mary, você está aí? – a voz de Adam cortou o silêncio.
– Sim, estou – respondeu ela secamente, não tinha gostado nada das últimas
atitudes da criança.
E então, como acontecera da outra vez, um corredor reto de tochas se iluminou à
frente. Assim que as luzes se acenderam, Mary pode observar o rapaz ao seu lado, os
fios louros dos cabelos dele brilhando na luz do fogo.
– Apenas me acompanhem – disse ele, seguindo em frente.
Mary e Adam obedeceram e o acompanharam.
Esse corredor era muito semelhante ao que atravessaram logo que entraram na
caverna, exceto pelas raízes nodosas e espinhentas que se encontravam no caminho. De
algum modo elas haviam conseguido atravessar pelas rochas da parede e do chão e
esticavam seus dedos para fora. Adam quase caiu quando um espinho se prendeu ao seu
tênis, mas Mary deu um chute na raiz e o problema logo foi resolvido.
– Afinal, para onde estamos indo? – perguntou Adam após alguns minutos
andando em linha reta.
– Eu já disse que vamos encontrar a dona da voz – disse o estranho, sem olhar
para o lado. Parecia estar muito concentrado.
– E por que ela mora num lugar tão sombrio? – continuou Adam.
– Não sei dizer, você poderia perguntar isso diretamente a ela quando encontrá-la
– respondeu o rapaz. – Por aqui... – disse ele quando deram de cara com outra porta
sinistra, que também possuía rostos medonhos incrustados em sua superfície. O rapaz
entrou primeiro dessa vez, seguido de perto pelos dois.
Depararam-se com uma grande câmara, o piso feito de mármore negro, o que
lembrava muito um piso de igreja. Quatro candelabros de ferro encontravam-se nos
quatro cantos do compartimento, um fogo esverdeado bruxuleando em seus topos.
Ossos pendiam do teto arqueado e alto, se foram postos ali com o intuito de enfeitar o
ambiente, estavam conseguindo exatamente o efeito contrário; era pavoroso. Mary não
sabia se eram ossos de pessoas como os que encontrou no cemitério, mas notou que
alguns lembravam muito ao osso do braço humano.
– Por que tem esse monte de ossos lá em cima? – perguntou Adam em tom baixo,
segurando no braço da garota.

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– Não faço a menor idéia, mas fique calmo – disse ela, pois já havia percebido
pela tremedeira no braço da criança que ele estava bastante assustado. – E você
escolheu acompanhar ele, então é bom parar de ser medroso – continuou ela indicando o
rapaz que estava a alguns passos deles, parado no centro da câmara.
– Mas eu sou uma criança, crianças geralmente são medrosas! E eu nem estou
com tanto medo assim – argumentou Adam, largando o braço dela e parecendo bastante
aborrecido.
– Por que você parou aqui? – perguntou Mary quando chegou ao lado do rapaz
louro, ignorando o que Adam havia dito.
– É exatamente isto que estou tentando descobrir...
Havia algo de errado, ele parecia estar atordoado, seu olhar estava totalmente
vago quando olhou para Mary.
– Como assim está tentando descobrir? Foi você quem nos trouxe para cá – disse
ela, arqueando as sobrancelhas de tão sem nexo que foi a resposta do rapaz.
– Eu?!... Mas por que eu iria trazer vocês para cá? Eu nem sei que lugar é esse – e
então ele arregalou os olhos, demonstrando bastante surpresa ao encarar Adam e Mary.
– Eu me lembro de vocês agora... Estavam sendo perseguidos por aquelas criaturas
quando os ajudei...
Nesse momento um barulho pesado soou, vindo da parede lateral da câmara, atrás
deles. Como se as rochas pesadas da parede estivessem em movimento.
– Posso ver fumaça saindo da cabeça de vocês – a voz chiada e falhada ecoou
pelas paredes de mármore.
Os três se viraram rapidamente e depararam com uma grande passagem que não
estava ali antes, com certeza se tratava de uma entrada secreta. A voz ancestral vinha de
suas profundezas ocultas, escondida pela escuridão que se empilhava lá dentro.
– Fico feliz que finalmente estejam aqui, falta pouco para a mente de vocês se
tornar mais clara agora.
– Que brincadeira de mau gosto é essa?! – disparou Mary, amedrontada. – Eu não
quero mais explicação nenhuma, só quero acordar desse pesadelo!
– Você sabe muito bem que isso não é um pesadelo, minha querida – retornou a
voz. – Agora entrem, chegaram longe demais para desistir.
– E se a gente não entrar? Ah, já sei!... – teatrou Mary, levando as mãos à cabeça,
o medo dando lugar à irritação. – Seremos mortos pelo Caçador de Almas! Que se dane
o Caçador de Almas, isso é tudo imaginação da nossa cabeça!
Mas enquanto ela falava, o rapaz louro se infiltrou pela escuridão da passagem,
deixando ela e Adam para trás.
– Agora só falta você e a criança – avisou a voz.
– E por que devemos te obedecer? Não sabemos se você realmente está querendo
ajudar a gente ou só querendo arranjar um jeito de nos levar até sua armadilha... Afinal,
por que sequestrou a gente e nos trouxe para esse lugar? – perguntou, as palavras saindo
muito rápido.
– Eu não sou a causa de vocês estarem aqui, poderei explicar melhor se
atravessarem o arco da passagem...
– Não confio em você, não posso acreditar em alguém que eu sequer posso olhar
nos olhos – disse Mary.
– Bonitas palavras, mas esse tipo de sentimentalismo não tem espaço aqui –
contrapôs a misteriosa voz. – Não foi para isso que entrou no meu lar?Você quer
encontrar respostas para suas dúvidas e eu sou a única que posso lhe dar.
Mary olhou para Adam, os olhos do garotinho estavam vidrados de medo. Era
fato que ela estava completamente perdida, era fato que não tinha condição nenhuma de

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refletir sobre qualquer coisa, qualquer decisão. E a dona daquela voz tinha razão, ela
entrou ali para encontrar respostas para as centenas de dúvidas que borbulhavam em seu
cérebro, foi até ali para descobrir onde se encontravam seus pais, ela tinha de seguir em
frente por eles.
– Vamos – disse a garota por fim, dando as mãos para Adam e penetrando na
escuridão da passagem.
Logo quando entraram sentiram o chão tremer sob seus pés e escutaram a parede
as suas costas se movendo, sendo fechada.
– Deem alguns passos à frente – a voz voltou a se manifestar, porém voltando a se
tornar mais perto e real, como na vez que atravessaram a porta esburacada.
A garota, ainda segurando as mãos de Adam, deu alguns passos e então avistou
uma linha de luz na vertical, como se fosse a iluminação que estivesse vazando por uma
porta entreaberta. Havia algo quebradiço no chão, pois enquanto os dois caminhavam
ouviam o barulho de algo estalando. Por fim, os dois estavam diante da porta
entreaberta, e mesmo em meio à escuridão, Mary pôde notar os contornos dos rostos
medonhos que também estavam emoldurados ali.
– Minha nossa! – horrorizou-se ela, quando Adam empurrou a porta e ela se
deparou com um cômodo assustador.
Crânios e mais crânios esqueléticos estavam espalhados pelo chão, todos cobertos
por uma camada preta de poeira, mas isso não os tornava menos assustadores. A parede
acinzentada e esburacada estava coberta por objetos prateados triangulares, todos do
mesmo tamanho, e um brilho estranho emanava deles. E para deixar Mary mais
assustada, uma figura curvada e coberta por um longo manto azul-escuro os encarava do
canto, ao lado de um pedestal de pedra torto e rachado em alguns pontos. Usava um véu
negro na cabeça, escondendo sua face, suas mãos brancas e envelhecidas eram as únicas
partes de seu corpo que não estavam cobertas e se agarravam com os dedos longos a
uma distorcida e estranha bengala negra.
O rapaz louro estava ao lado da porta, bem próximo a Adam, seus olhos estavam
paralisados enquanto olhava para a figura excêntrica perante eles.
– Sejam bem vindos ao meu lar – sibilou a dona da habitual voz chiada e falha. –
Chamo-me Dionaea e os trouxe aqui, como disse antes, para ajudá-los. Quanto ao nome
de vocês, não é necessário dizer, pois eu já estou ciente.
Como era possível aquela mulher saber seu nome, indagou-se Mary. Será que ela
estivera investigando sua vida, seus hábitos, para depois sequestrá-la e levá-la para
aquele lugar medonho, como costumam fazer alguns sequestradores profissionais? E se
aquilo fosse algum tipo de experiência com humanos em que ela e Adam seriam as
cobaias? Aqueles monstros medonhos só poderiam ter sido criados em laboratórios, por
cientistas. Ou seria alguma tecnologia nova de imagens tridimensionais de games?
– Como sabe nossos nomes? – perguntou por fim, sua cabeça fervilhando de
possibilidades.
– Meus ouvidos e olhos são a floresta. Tudo que é pronunciado lá chega até a mim
– ela moveu uma das mãos para o lado esquerdo, indicando um estranho objeto metálico
que estava no único lugar da parede onde não possuía frascos, suas hastes metálicas
formavam um circulo vazio.
– Ela é uma bruxa, precisamos sair daqui – choramingou Adam, em um baixo tom
aflito. – Ela vai nos transformar em ratos ou nos cozinhar num caldeirão!
Mary continuou olhando para o círculo na parede, tentando entender o que a velha
queria dizer, seu coração parecendo estar quicando numa cama elástica.
– É, isso realmente é um sonho – concluiu ela. – Eu quero acordar logo desse
pesadelo louco, eu preciso acordar.

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– Não, isso não é pesadelo, é real. Tão real quanto qualquer coisa que você
vivenciou antes. Essa é a afirmação mais comum: isso só pode ser um pesadelo. E eu
me pergunto o motivo, o porquê, de se recusar tanto a enxergar uma coisa que seus
próprios olhos estão vendo. Vi muitos desses, que não aceitam a realidade, sucumbirem
por conta da própria cegueira que tecem em seus olhos, eles sempre acabam tendo que
pagar um preço bem caro. Alguns costumam se aliar à fúria, à raiva, por vezes até se
autoflagelando ou até mesmo tentando me machucar, esses também geralmente acabam
caindo. E claro, assim como já disse, existem aqueles que insistem em dizer que isso
tudo não passa de um sonho e que em poucas horas irão acordar – então a senhora se
aproximou mais de Mary e a garota pôde sentir o bafo quente e fedorento que vinha
dela, atravessando por aquele manto envelhecido que cobria seu rosto. Aquela mulher
parecia realmente acreditar no que dizia, não parecia estar blefando. – Não, você não irá
acordar porque já está acordada, essa é a pura e única verdade. Então sejam inteligentes,
todos vocês. O caminho mais sábio a se seguir é o caminho dos fatos – e então ela
direcionou a cabeça oculta para Adam e para o rapaz louro, respectivamente.
– E você quer que a gente acredite mesmo que isso não é um pesadelo? –
perguntou ele, seus olhos azuis cintilando. – Mesmo depois de termos visto aquelas
criaturas horrendas lá fora?
– Ah, é verdade – continuou a velha, caminhando até o rapaz e parando na frente
dele, assim como fizera com Mary, no entanto ele era mais alto, o que a obrigou a
erguer a cabeça para se comunicar. – A recepção não parece ter sido muito agradável
para vocês... Claro, quem se sentiria confortável sendo perseguido por demônios-
esqueléticos? Mas vocês se saíram bem, tiveram mais sorte do que os que ficaram para
trás pelo menos... Sim, como tiveram sorte – enfatizou em tom enigmático, a voz saindo
como um sopro.
– Demônios o quê... ?! – engasgou-se Mary, um sorriso incrédulo dominando seus
lábios. Aquela mulher só podia estar brincando, talvez a idade tivesse afetado seu
cérebro. – Afinal, onde estamos? Se isso não é um sonho, o que poderia ser?
– Mary tem razão, estou dando rodeios sem ir direto ao ponto. Desculpe-me, não
foi minha intenção, mas é que eu fico muito feliz sempre que vejo novas faces. Rostos
cheios de vida me fazem esquecer acontecimentos desagradáveis pelos quais tenho de
passar nesse mundo – e então Dionaea levou as mãos velhacas até o rosto e desceu o
véu negro lentamente, revelando sua face.
Um grito por pouco não escapou pela boca de Mary enquanto Adam se agarrava a
sua cintura, abraçando-a e resmungando algo que lembrava “bruxa feia”. Realmente,
feiúra era a palavra que mais se aproximava da definição daquele rosto humano que
estava diante deles. Os olhos não brilhavam, pois ambos eram brancos acinzentados, as
pupilas haviam sido consumidas pelo nada. Feridas profundas haviam perfurado aquela
pele no passado, deixando horríveis cicatrizes que dominavam todo o contorno do rosto.
Não havia boca, não havia lábios, apenas um buraco circulado por machucados que
parecia estar em decomposição, se deteriorando. E, ao subir o olhar, Mary viu que a
cabeça era nua, sem nenhum fio de cabelo sequer, apenas uma camada de pele doentia e
nojenta.
– O que a senhora quis dizer exatamente com “nesse mundo”? – o rapaz louro
perguntou, e Mary notou pela expressão em seu rosto que ele, como ela, não sabia se
sentia medo ou pena dela. – Parece ter tido a intenção de insinuar que estamos em outro
mundo, estou enganado?
Mas por que ele parecia estar tão assustado? Ele não era parte daquilo? Foi ele
quem levou Mary e Adam até ali, foi ele quem os guiou, até o momento em que pareceu
bastante embaraçado quando parou no meio da câmara. Havia algo de muito estranho e

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confuso nisso tudo, Mary não sabia com qual questão deveria se preocupar primeiro. –
Sim, outro mundo por enquanto pode definir – falou a senhora, os poucos dentes podres
que ainda restavam em sua boca podendo ser vistos – Existem muitas teorias, algumas
falsas, enquanto outras genuinamente verdadeiras, e sei que vocês conhecem muito mais
do que eu, até porque vieram de épocas atuais.
– E o que isso quer dizer? – perguntou Mary, pois as palavras daquela senhora não
faziam o menor sentido.
– Será que realmente não sabe do que estou falando ou não quer perceber? Pois
bem, vou clarear a mente de todos vocês, mas para que eu possa ajudá-los,
primeiramente preciso de ajuda. Percebo que existe algo de diferente nesses tempos,
algo muito maior e intrigante. Os demônios-esqueléticos estão agitados, o céu está
vermelho quando costumava ser negro, e o fluxo de... visitas vêm aumentando bastante.
– O que será que isso significa? – Dionaea perguntou sombriamente, começando a
dar passadas em volta dos três, circulando-os, sua bengala produzindo um baque
agourento quando tocava o chão áspero e coberto de caveiras. – Então penso que talvez
vocês possam me dar algumas respostas e por consequência ganhar outras.
– Se nós ao menos soubéssemos qual é a pergunta, poderíamos tentar responder
algo – falou o rapaz, seus olhos acompanhando desconfiadamente Dionaea enquanto ela
girava lentamente em torno deles. – O que exatamente a senhora quer da gente?
– Peço apenas que me revelem suas lembranças – sussurrou ela, um sorriso se
formando em seus lábios pútridos.
– Nossas lembranças?
– Sim, todas as lembranças dos últimos momentos que se seguiram antes de
chegarem aqui. Sei que será difícil para vocês, nunca é agradável quando temos que
reviver momentos de sofrimento, como costuma ser na maioria das vezes, porém eu só
poderei ajudá-los se me contarem suas histórias – falou ela enquanto passava seu olhar
opaco pelo rapaz, depois Mary, e por último recaindo sobre Adam, para quem apontou.
– A criança irá iniciar os relatos...
– Mas... não... – gaguejou Adam, puxando Mary para trás, tentando se distanciar
da senhora.
– Vamos lá, meu menino - insistiu Dionaea, se aproximando, um sorriso torto se
formando em seus deformados lábios. – Prometo que não irá doer. No máximo uma leve
dor poderá se apossar de sua mente, o que é normal ocorrer.
O menino estava muito assustado e Mary o compreendia. Ela mesma não sabia se
estava forte o bastante para relatar o acidente que sofrera, e como já havia concluído
antes, seria muito mais difícil uma criança conseguir falar qualquer coisa. Ele tremia
enquanto segurava sua cintura, ela pôs as mãos em volta dele, tentando acalmá-lo.
Seguiu-se um minuto inteiro até que Adam tomasse coragem para começar a falar,
sua voz saiu trêmula e baixa. Ele não queria ter de recordar novamente, ele não queria
ter de recordar nunca mais...
– Era noite, eu e minha mãe estávamos no sofá... tínhamos acabado de chegar da
festa de aniversário do Bob, meu melhor amigo de bairro... Na TV estava passando uma
reportagem sobre algo que caiu no centro da cidade e destruiu... – e então ele fechou os
olhos, como se estivesse fazendo força para se recordar.
– O que estava passando? – perguntou Dionaea.
– Não sei... não consigo me lembrar... – falou ele com dificuldade, suas pálpebras
tremendo.
– Sobre o que você e sua mãe falavam nesse momento, Adam? – continuou a
velha, os olhos brancos saltando em direção ao garoto, embora fosse impossível saber
para quem ela estava realmente olhando.

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– Minha mãe me assegurava que nenhum monstro do espaço iria invadir a nossa
casa, enquanto eu queria correr pra debaixo da minha cama... – nesse ponto o corpo do
menino começou a pulsar, como se a qualquer momento ele pudesse explodir. Mary o
abraçou mais forte.
– E então, que houve depois? Precisa dizer – Dionaea tocou a face dele.
Sua mão envelhecida possuía unhas tortas e compridas, tão feias quanto seu rosto.
– Meu pai estava chegando... Mamãe e eu sempre descemos para abraçá-lo
quando ele retorna do trabalho... – a voz da criança estava sumindo, transformando-se
aos poucos num balbuciar baixo e sofrido. – ... e enquanto descíamos a escada para a
garagem, a gente escutou – nesse momento o garotinho não conseguiu mais evitar,
lágrimas deslizaram lentamente das suas pálpebras, deixando riscos em seu rosto
rosado, seus olhos ainda fechados. O sangue parecia estar se esvaindo de seu rosto,
dando lugar ao branco pálido de uma folha de papel.
– Estamos quase no fim, logo tudo vai acabar...
– Primeiro veio o estrondo... depois o grito do meu pai do lado de fora, chamando
por mim e mamãe... Eu senti os braços da minha mãe em torno de meu corpo,... e o
clarão veio...
O peso do corpo de Adam desabou sobre Mary, e a garota, sem forças para
suportá-lo, caiu com ele nos braços.
– O veneno dos orghois está levando ele – sussurrou a velha enquanto se
ajoelhava ao lado deles.
Enquanto Mary olhava para Adam, ela via que os ferimentos na pele do garoto,
causados pela mordidas dos vermes do tronco, estavam escurecendo. Era possível
visualizar os vasos sanguíneos do corpo dele se tornando cada vez mais visíveis.
– Eles são venenosos? – entendeu ela, desesperada. Como se não bastasse tudo
que estava acontecendo com ela e a criança, eles ainda haviam sido mordidos por seres
venenosos?!
Foi quando sentiu sua própria mão direita latejar e ao olhar para a parte do seu
corpo percebeu que estava igualmente escurecido no ponto onde recebera a mordida.
Veias também começavam a se formar ao redor do machucado, criando linhas horríveis
que saiam de sua mão e iam subindo pelo seu braço.
– Rápido Liem, pegue o Triângulo de Cibório ao seu lado! – mandou Dionaea.
– Triângulo de Cibório?! – perguntaram Mary e o rapaz louro, que provavelmente
se chamava Liem, em uníssono.
– Isso mesmo que ouviu, não há tempo para indagações!
– A senhora está falando disso?! – falou o rapaz, apontando para os metálicos
objetos na parede ao seu lado, um quê de duvida estampado na cara.
– Exatamente – disse a velha. – Pegue o segundo da terceira fileira.
Liem percorreu o olhar pelos vários objetos ali presentes, enfileirados um acima
do outro, como se fossem amostras de perfumes em alguma loja. Ele esticou a mão para
a terceira fileira de baixo para cima e pegou o segundo objeto metálico, que emanava
uma fraca luz de seu interior.
– Me entregue antes que o veneno alcance o coração deles – apressou Dionaea.
Ele correu para perto da senhora e lhe entregou o objeto. Assim que o recebeu,
Dionaea fechou os olhos e começou a pronunciar palavras numa língua esquisita.
– O que a senhora está fazendo? – perguntou Liem, observando espantado.
Não houve resposta, Dionaea estava concentrada demais pronunciando as palavras
estranhas perante Mary e Adam, o objeto triangular bem próximo de sua boca. E então,
de repente, o objeto produziu um estampido e se abriu em três partes.

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Mary observou os fios negros do cabelo de Adam rodopiarem lentamente e então


sentiu quando um leve sopro tocou sua face. Era como a brisa gélida do oceano que
geralmente só sentia quando ia a alguma praia no litoral do Reino Unido, porém o som
que chegou aos seus tímpanos não era o de ondas quebrando em corais ou rochas. A
garota não sabia ao certo que som era aquele, nunca ouvira antes, no entanto era
esplêndido. Não era semelhante a uma canção, mas era de longe, melhor do que
qualquer música que já escutara antes. E o mais estranho de tudo era que o som, a
garota sabia, vinha de dentro do objeto metálico na mão de Dionaea.
– Penso que já é o bastante – falou a senhora, voltando a abrir os olhos, o objeto
em sua mão se fechando com um clique surdo.
Com a mesma rapidez que o sopro veio, ele se foi, deixando Mary com alguns fios
de cabelo fora do lugar.
– Mamãe... é você?... – Adam resmungou enquanto sua cabeça repousava sobre a
garota, ele estava acordando e ela se impressionou ao ver que os ferimentos no corpo
dele não estavam mais cinzas e que foram trocados apenas por pequenos hematomas e
cicatrizes.
– Como isso...? – começou ela, sem saber o que falar enquanto olhava para a
própria mão que não mais doía e constatava que não havia mais nenhuma grande veia
crescendo nela.
– Pronto, estão livres do veneno. Havia me esquecido que vocês foram mordidos
por eles – falou a senhora, erguendo-se e colocando o objeto triangular exatamente no
local de onde Liem o havia tirado.
– Okay, eu estou realmente pirado depois de presenciar uma coisa dessas – falou o
rapaz enquanto erguia a mão para ajudar Adam e Mary a se levantarem do chão.
– Já eu, acho que estou pirada desde o momento que abri os olhos e me deparei
com esse lugar – respondeu Mary, dando a mão para ele erguê-la.
– A bruxa... foi embora? – indagou Adam, meio entre o despertar e o adormecer,
uma das pálpebras ainda fechada, porém não demorou muito para a criança voltar a
arregalar as duas; Dionaea estava encarando-o a poucos metros.
– Eu não sou uma bruxa, Adam, mas entendo que pense isso de mim devido a sua
idade. Quase todos com essa faixa etária pensam – chiou ela, dando algumas passadas
em direção ao garoto. – No entanto eu posso lhe assegurar que seria bom se parasse de
temer coisas criadas pela mente humana como “bruxas” e “bichos-papões”, aqui você
vai se deparar com provações piores.
Mary não estava prestando atenção ao que Dionaea e Adam falavam, havia algo
que seu cérebro não parava de revirar.
– O que é exatamente esse Triângulo de Cibório? – repetiu ela, observando a
senhora.
– Tsc, tsc! – Dionaea moveu o dedo, indicando negativo. – Vocês ainda não
terminaram de relatar os últimos fatos que se recordam, portanto ainda não chegou a
minha vez de dizer nada.
– Eu já contei, não quero dizer mais nada – choramingou Adam, voltando a
abraçar Mary.
– Também acho que ele não tem mais nada pra dizer – apoiou, pois estava
preocupada com o garotinho depois de ter escutado a história terrível que ele contou.
– Tudo bem, o Adam já fez sua parte – disse a velha enquanto dava as costas aos
garotos e dava alguns passos no sentindo contrário de onde eles estavam. – Ele já disse
tudo que eu queria saber... e arrisco dizer que das crianças que vieram até a mim, ele foi
quem melhor relatou os fatos. Algumas mal conseguem formar uma frase de tanto que
ficam perturbadas com minha presença. Pois bem... você é a próxima, Mary.

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Ao escutar seu nome, a garota sentiu a boca amargar.


– Eu?
– Sim, você, querida.
No principio Mary teve dificuldade para recordar, era como se tudo tivesse
acontecido há bastante tempo e, para piorar a situação, uma dor de cabeça terrível havia
começado a dominar seus neurônios. Ela contou sobre o engarrafamento no centro de
Londres e sobre a briga que seu pai tivera, mas falou tudo sem o menor detalhe. Uma
sombra estava embaçando os acontecimentos em sua mente. Não foi difícil entender
porque Adam teve tanta dificuldade para falar, era claro que ele estava sentindo a
mesma dor de cabeça, além do efeito do veneno daqueles vermes. Quando a garota
chegou na parte do meteorito e da destruição do Big Ben teve de se concentrar para
materializar a cena, nesse ponto sua cabeça mostrava sinais de que iria explodir.
– Meteorito? – indagou Dionaea, ainda de costas. – Já ouvi falar sobre isso antes,
porém não me lembro muito bem.
– A senhora não sabe o que é um meteorito? – perguntou Liem, perplexo.
– Como ela não sabe? – também falou Adam, como se um professor tivesse feito a
questão a um coleguinha de sala. – Todo mundo sabe o que é um meteorito. Era isso
que estava passando no noticiário e que não consegui me lembrar... Você não assiste
TV, sua bruxa? – disparou malcriadamente, mas logo pareceu ficar arrependido ao ver a
careta que Dionaea fez ao se virar.
Então a mente de Mary foi despertada para algo de muito intrigante, algo que ela
não havia notado até o momento e que Adam a fez ver com a pergunta inocente que
fizera. Desde que entrou na caverna, ou até mesmo fora dela, ela não viu nenhum sinal
de aparelhos eletrônicos, nada que dependesse de energia elétrica. Não existia rádio,
telefone ou televisão. As lâmpadas ali dentro, como a garota bem pôde notar, estavam
sendo substituídas por duas tochas que se encontravam dos dois lados da sala. Será que
estavam num local da Terra onde o progresso e a tecnologia ainda não haviam chegado?
– Então, eu posso te explicar o que são meteoritos – disse Liem, o piercing
brilhando em seu lábio inferior enquanto ele movimentava a boca para falar. – Qualquer
detrito de cometas, asteróides, restos de planetas que atravessa a atmosfera da Terra e
atinge o solo é chamado de meteorito. Por vezes são bastantes pequenos, menores do
que uma ervilha, já outros podem possuir quilômetros de diâmetro. São constituídos de
rocha ou metal, e também existem os mistos. O número de meteoritos que atingem a
Terra vem aumentando bastante nos últimos três anos, o que indica que estamos tendo
um surto deles – nesse ponto o rapaz parou, lançando um olhar de dúvida à idosa. –
Você sabe o que é uma ervilha, metal, estrelas... ou também não sabe?
– É claro que sei o que são estrelas, meu caro! E conheço mais sobre elas do que
você pode supor – falou Dionaea enquanto levantava os braços para o ar, parecendo ter
ficado ofendida com a indagação do rapaz. – E também já sei do que se trata um
meteorito, me lembro agora.
O modo que Liem explicara sobre meteoritos lembrou muito a Mary o jeito
didático de seus professores darem aula, como se ele tivesse memorizado o assunto
depois de tanto repetir.
– Por que você sabe isso tudo sobre meteoritos? – decidiu questionar desconfiada.
Aquilo estava parecendo um teatro bem ensaiado, onde aquela velha e o rapaz louro
eram os protagonistas e ela e Adam os bobos da corte – Assiste muito ao National
Geographic?
– Ou será que é por que sou um estudante de astronomia de Oxford? – respondeu
ele, uma de suas sobrancelhas se erguendo.

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Dark Writer Br

Mary se calou, envergonhada, pois Oxford era nada mais, nada menos do que uma
das universidades mais disputadas do Reino Unido.
– Agora que já sei o que é um meteorito, continue o relato – prosseguiu Dionaea,
atraindo a atenção de Mary e cortando o constrangido silêncio da garota.
A dor de cabeça gritante havia parado durante o período que discutiram sobre
meteoritos, mas assim que a garota abriu a boca e voltou a contar sobre a viagem com
os pais, a dor voltou com força total. Lembrar do incidente com o cervo ferido foi mais
fácil do que previra, mas quando chegou na parte que entravam no carro, começou a
sentir uma falta de ar tão grande que era difícil pronunciar qualquer palavra.
– ... e meu pai tentou parar o carro... Minha mãe gritou, eu também gritei, e o
carro bateu – terminou ela, sentindo um vazio horrível no peito ao pensar em Charles e
Alice, mas ao mesmo tempo aliviada por estar sentindo a dor se esvair de sua mente
enquanto o ar retornava aos seus pulmões. – E então eu acordei em meio aquele monte
de pilastras negras, eu estava tão tonta que nem conseguia ficar de pé.
– Um animal morto no meio da estrada? – resmungou Dionaea bem baixinho,
falando mais para si mesma. – O que será que isso significa?
– Significa que ele foi atropelado, oras – respondeu Adam, sem a menor
cerimônia. – Ela falou que havia marcas de pneus na barriga do cervo.
– Não me dirigi a você – retrucou Dionaea, por entre os dentes.
– Essa luz que apareceu eram faróis de outro automóvel? – perguntou Liem, uma
expressão estranhamente séria no rosto.
– Sim, eu vi no GPS que outro automóvel se aproximava – respondeu Mary, no
entanto ela não tinha tanta certeza assim. Mas o que mais poderia ser além de outro
automóvel?
– Agora que Mary já nos contou sobre sua história, finalmente chegou sua vez,
Liem – disse a velha, encarando-o. – O que tem para nos contar? Aposto que deve ser
algo tão interessante quanto os relatos que acabamos de escutar.
Mary olhou para Liem, esperando ele começar a falar. Porém ele não abriu a boca.
– Vamos lá, me conte o que houve com você para vir parar aqui – a velha abriu
um sorriso, os dentes quebrados e escurecidos aparecendo novamente.
Outra vez Liem ficou em silêncio enquanto seus olhos azuis olhavam para ela. Por
um momento Mary achou que ele iria falar algo, mas logo sua boca voltou a fechar-se.
– O que está havendo, Liem? – perguntou Dionaea.
– Não sei, eu simplesmente não consigo me recordar – respondeu ele
alienadamente.
– Não consegue se lembrar? – Mary não esperava isso.
– Não me vem nada na cabeça, parece que tudo foi apagado – continuou Liem,
havia um tom de desespero em sua voz.
– Então como conseguiu se recordar que estuda em Oxford? – voltou a questionar
Mary.
– Disso eu me lembro! Lembro-me de tudo, menos... Eu não sei como vim parar
aqui!
– Calma, não precisa se desesperar – falou a senhora caminhando até ele e
esticando as mãos brancas, tocando o rosto do rapaz.
– Mas por que eu não consigo me lembrar? Adam e Mary se lembram de tudo –
disse ele, seus olhos agora observando atentamente as unhas longas daquela mão
horrível.
– Alguns são assim, não conseguem rever os acontecimentos que os trouxeram
aqui. Talvez a mente tenha decidido apagar por ser algo muito doloroso e sofrido ou por
que estava dominada pelo sono quando ocorreu tudo. Eu não sei ao certo o verdadeiro

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Dark Writer Br

motivo – agora os dedos velhos de Dionaea acariciavam o rosto dele. – Você não é o
primeiro que não se lembra, e nem será o último tampouco. Algum tempo atrás recebi
uma moça que sequer sabia o próprio nome, ao menos você se lembra dos fatos que
ocorreram em sua vida, se lembra de quem você é, onde estudava... E como eu disse
antes, isso não é motivo para desespero, pois você ainda pode recuperar sua mente.
Mary ficou bastante desapontada com a súbita amnésia de Liem, pois queria muito
saber se ele também tinha passado por alguma experiência como a que ela e Adam
passaram. Sim, porque havia algo de comum entre a história dela e do Adam. Os dois
pareciam ter vivido o mesmo tipo de horror, os dois pareciam estar correndo grave risco
de vida quando veio o clarão. Tudo bem que a garota achava que a luz que vira à frente
era de um carro, mas e se não fosse? Mas uma coisa era certa, apesar de ela ter escutado
algumas coisas e dito outras para Dionaea, sua mente ainda permanecia tão confusa
como antes, a velha ainda não havia esclarecido nada e aquilo estava somente
confundindo-a ainda mais.
– Se livrar disso tudo?... Nós estamos em que parte do planeta? – perguntou Liem
empurrando as mãos de Dionaea para longe do seu rosto e indo para o lado de Mary.
Uma expressão de extremo nojo em sua face. – A gente consegue te entender... Em que
país estamos?
– Você está falando de linguagens? – perguntou Dionaea, cruzando os braços.
Pareceu não ter gostado do rápido afastamento de Liem de suas carícias. – A confusão
das línguas não se faz necessária aqui.
– A confusão das línguas?
– Certas coisas vocês entenderão somente com o tempo, não vale a pena
responder agora – ponderou a velha. – Eu, por exemplo, levei séculos para compreender
certos fatos.
– Levou séculos?! – engasgou-se Mary.
– Quantos anos você tem? – perguntou Adam, novamente agarrando-se à Mary e
logo depois dizendo baixinho que Dionaea comia carne humana para permanecer viva
eternamente.
– Isso não importa, não é da sua conta – respondeu a senhora enquanto caminhava
novamente para perto do pedestal torto, o manto azul escuro arrastando no chão
enquanto o barulho da bengala soava. Parou perante o pedestal e deixou a bengala
escorada na parede, logo depois, dirigiu aqueles olhos esbranquiçados aos três garotos
novamente. – Vocês devem estar se perguntando como sair daqui, certo? Só há um meio
de saírem... digamos... vivos, somente uma chance entre mil, e poucos foram os que
alcançaram a vitória. Os obstáculos são maçantes, inflexíveis, cruéis e extremamente
poderosos. Gostaria de poder dizer que no fim tudo vai terminar bem, que tudo dará
certo, mas infelizmente não posso. Não vou mentir para vocês. Os acontecimentos aqui
quase nunca são favoráveis, nunca temos sorte nesse lugar. O que temos são somente
maldições, dor e perdas. Digo isso para que o tombo seja menor, para que não fiquem
amargurados sentindo o severo gosto da derrota enquanto queimam e, acima de tudo,
digo para que se conformem e assim se sintam melhor. Não estou dizendo para serem
covardes ou para não lutarem, somente quero que entendam que não se pode ter muita
esperança, não, aqui. Venho me deparando com jovens iguais a vocês por muito tempo,
os jovens que ainda teriam muito para viver. São vocês que mais me entristecem, que
mais me fazem lamentar. Porém essa é a vida,... essa é a morte.
– A senhora está querendo dizer que estamos mortos? – perguntou Liem, o pavor
estampando no rosto.
Será que Mary realmente havia escutado a palavra morte?

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– Não, não estamos mortos! – falou Adam, os olhos do garotinho estavam mais
saltados que nunca, mas ele ainda assim conseguiu falar em tom bastante cético. – Se
estivéssemos mortos não estaríamos respirando, falando e nem se mexendo. Pessoas
mortas não fazem nada disso, apenas ficam dormindo em caixões debaixo da terra!
Mamãe sempre me diz isso e eu acredito nela!
– Sim, é claro que acredita – falou Dionaea, um estranho sorriso de desdém
tomando conta de sua face. – A palavra morte sempre causou muito medo, não estou
certa? Uma das grandes perguntas que nunca tem resposta é exatamente essa... Pra onde
vamos após a morte?... Eu encontrei a resposta há muito tempo e agora é chegado o
momento de vocês, meus queridos, encontrarem também.
– Morte, demônios, vermes venenosos! Meu Deus, o que será que houve comigo
pra estar imaginando coisas tão absurdas como essas?! – gritou Mary, um pânico
horrível se abatendo sobre ela. – Eu não estou morta, isso é impossível!
– Não disse que estão mortos, ao menos não no sentindo literal da palavra –
contrapôs a idosa. – Se querem saber, a morte não é o descanso eterno que estão
acostumados a acreditar. A morte é vida, assim como a vida é morte.
Mary sentiu os ossos das pernas tremerem a sustentação do seu corpo e logo
depois se deixou cair ao chão. Ela precisava sair daquilo, precisava voltar a ver o rosto
de seu pai e de sua mãe... ou será que eles também estavam mortos?
– Está bem, se estamos mortos, embora eu não acredite nisso, o que devemos
fazer para sair da morte então? Eu só quero que me diga um modo de acordar desse
pesadelo, seja ele verdadeiro ou não – suplicou ela.
– Sim, só nos diga como sair disto então – concordou Liem. O rapaz vislumbrava
piedosamente Mary e também mostrava sinais de estar bastante apavorado.
Nesse momento a mão direita da garota, que tocava molemente o chão cheio de
ossos, encontrou algo sólido que não possuía a mesma textura de um osso. Ao dirigir o
olhar na direção do objeto ao seu lado, viu que sua mão tocava um grande livro
encadernado com uma grossa capa de couro. Havia outros livros perto daquele, todos
em meio a ossos e crânios, entretanto a extensa camada de poeira encobria seus títulos.
– Sim, eu já vou lhes dizer, mas antes me deixem encontrar um crânio em bom
estado – comentou a senhora enquanto ia se abaixando atrás do pedestal, suas mãos
tocando as várias ossadas ao seu alcance.
– Pra que você está procurando um crânio? – perguntou Adam.
– Você vai saber – falou a velha, jogando uma caixa craniana rachada perto do
garoto, que, por sua vez, deu um grande pulo para trás.
Mary aproveitou que a velha não estava olhando e esticou a mão até a superfície
do livro. Após esfregar rapidamente a capa de couro, ela se frustrou ao perceber que
ele de tão antigo havia perdido as letras do título. Mesmo não sabendo sobre o que o
livro falava, o fato de Dionaea possuir o hábito da leitura surpreendeu Mary, pois ela
não aparentava ser o tipo de senhora que gostava de ler enquanto tomava o chá da tarde,
ainda mais agora que estava agachada revirando o que antes foram cabeças humanas.
– Agora me deixe ver os Nimbos de vocês – falou Dionaea quando por fim se
ergueu, segurando um crânio acinzentado nos braços.
– O que são Nimbos? – perguntou Mary, sua mão largando a superfície do livro
antes que a senhora notasse alguma coisa.
– Logo quando chegam ao Cemitério do Desespero, todos recebem seus Nimbos.
Sem eles, ninguém pode sonhar em se ver livre daqui – concluiu a senhora.
– Você está falando disso? – perguntou Adam, erguendo a mão no ar como se
mostrasse alguma coisa, porém não havia nada.

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– Exatamente, meu querido – respondeu a senhora com um tom visivelmente falso


de carinho.
– Do que você está falando? Não há nada na mão do Adam – disse Liem, olhando
para a mão vazia da criança.
– Você e Mary não conseguem visualizar, na verdade nem eu mesma posso –
disse ela. – Somente uma pessoa, alguém entre os milhares que também está perdido
como vocês, pode visualizar o medalhão que se encontra em volta dos seus pescoços.
– Apareceu logo que acordei... – falou Mary erguendo-se do chão e enfiando a
mão por baixo da blusa, tirando o medalhão metálico de pedras negras.
– E quanto a você, Liem? Não ganhou o seu? – questionou Dionaea.
O rapaz tocou lentamente o peito e Mary pôde ver que existia um relevo sob sua
camisa. Com certeza se tratava de outro medalhão.
– Pelo visto, sim, mas eu não tinha percebido isso em meu pescoço – falou ele,
pensativo. – Como veio parar aqui?
– Essa é uma boa pergunta e como boa pergunta que é, não possui resposta. Se
contentem com o fato de que ganharam isso de alguém, ou alguma coisa que queria lhes
dar a chance de se livrarem daqui.
– E como esse medalhão pode exatamente nos ajudar a dar o fora daqui? – voltou
a questionar Liem.
– Você vai entender – soprou Dionaea, repousando o crânio no topo do pedestal
com enorme cuidado. – Adam, poderia vir até aqui e pôr o seu Nimbo sobre o suporte
logo à frente do pedestal?
– Por que logo eu? – interrogou a criança, se escondendo atrás de Mary.
– Por que você é o mais novo e sempre começo com os mais novos. E não haverá
dor dessa vez, apenas preciso que traga seu Nimbo para mim.
O garotinho saiu lentamente do encalço de Mary e deu alguns passos receosos em
direção ao pedestal. Parou a poucos centímetros e então esticou a mão direita, deixando
algo invisível sobre o vão de pedra logo à frente da arquitetura rústica onde se
encontrava a velha e o crânio. Havia vários símbolos desenhados na pedra daquele
suporte, símbolos estes, muito parecidos com os do medalhão de Mary.
Quando Adam deixou o suposto medalhão no pedestal, coisas começaram a
acontecer. Um brilho azul escorreu pelas linhas finas dos símbolos estranhos, vindos de
cima para baixo.
– O que é isso? – amedrontou-se a criança ao ver os filetes luminosos, parecendo
tão apavorado que nem conseguia mover os pés para se distanciar.
Dionaea continuava no mesmo lugar, sua cabeça desnuda agora se direcionando
para o crânio macabro no centro do pedestal.
– Olha! – falou Liem, apontando para o crânio.
E logo Mary viu o que o impressionara. Algo de muito anormal estava se
espalhando rapidamente pela caveira. Era como se pequenas linhas cor de sangue
estivessem cobrindo toda a caixa craniana, umas sobre as outras. E então, fios negros
começaram a brotar no topo do crânio, esticando-se e escorrendo para fora.
– Isso são fios de cabelo... ? – mas antes que Mary pudesse terminar, sua pergunta
já estava sendo respondida.
As orelhas se materializaram lentamente, dando sequência aos lábios e olhos. O
nariz saliente se protuberou enquanto os tecidos da bochecha pouco a pouco ganhavam
a camada branca da pele. O pelos das sobrancelhas e cílios cresceram um a um, num
ritmo impressionante, e quando Mary se deu conta, olhava para um rosto humano.
A face do homem estava sobre o pedestal onde antes se encontrava o crânio
medonho. Seus olhos castanhos claros estavam parados, olhando para frente, porém

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Mary teve a sensação de que eles não visualizavam nada, pareciam sem vida, sem luz. O
cabelo negro tocava a superfície do patamar, e havia algo familiar naquele rosto...
– Pai! – gritou Adam.
– Ele é o seu pai? – perguntou Mary, aproximando do garoto.
– Sim, é meu pai – respondeu ele, que agora estava bem próximo da cabeça sem
corpo, ficando na ponta dos pés para poder observar melhor os olhos paternos.
Adam esticou as mãos, seus dedos quase tocando a face do pai.
– Não toque – alertou Dionaea, afastando a mão do garoto antes que encostasse na
cabeça.
– Papai está morto – falou ele, gotas começando mais uma vez a escorrer pelo seu
rosto infantil.
Mary não fazia idéia do que aquela velha estava querendo com aquilo. Como ela
podia expor Adam a uma cena destas, ainda mais depois de a criança ter visto a mãe
virar ossos? Aquilo não era certo.
– Por que está fazendo isso com ele? – questionou ela encarando a velha, uma
expressão de desagrado no rosto. Então virou Adam, forçando-o a olhar para ela e não
mais para o rosto inerte do pai. – Calma, vai ficar tudo bem.
– Seu tolo, isso não é realmente a cabeça do seu pai. É apenas uma ilusão – falou
Dionaea, um leve tom de divertimento na voz. – O único modo existente de Adam sair
daqui será ele encontrar o Nimbo que o pai dele carrega.
– Nimbo que o pai dele carrega? O pai dele também está aqui? – questionou
Mary, sentindo novamente sua cabeça dar um nó de confusão.
– Onde está meu pai? – perguntou Adam, um vestígio de alegria percorrendo seus
olhos.
– Isso é o que vamos descobrir agora.
Dionaea caminhou em direção às hastes metálicas na parede ao lado e deu um
simples toque com a unha torta do dedo indicador no centro do círculo.
Primeiro a parede entre o círculo desapareceu, revelando algo que lembrava névoa
escura, e então se fundiu maciçamente, tornando-se um horizonte pontilhado por
estrelas de fogo. Um zunido de vendaval chegou aos ouvidos de Mary, embora nenhum
vento tocasse sua pele, e a garota viu um mar de areia se formar. Havia alguém naquele
deserto, alguém que caminhava lentamente contra o vento giratório composto por areia.
– Pai! – gritou Adam.
O mesmo rosto que se encontrava no patamar se formou em meio ao círculo na
parede. Aquele homem caminhava com dificuldade, seu terno negro possuía um grande
rasgo na barriga, deixando um profundo ferimento visível. Seu rosto manchado de
sangue retratava o pânico e o sofrimento, mas havia vida nos seus olhos, como se ele
estivesse decidido a encontrar algo.
– Adaaaam! – gritava, sua voz sendo sufocada pelo rumor da tempestade de areia.
– Antony se encontra neste exato momento no Deserto dos Alucinados – falou
Dionaea, quando o homem ferido se dissipou e a rocha acinzentada da caverna voltou a
ficar entre as hastes. O zunido de vendaval cessando abruptamente. – Tenho de dizer
que não é um bom lugar para se visitar.
– O que mo-mordeu... a barriga do meu pai? – perguntou Adam soluçando.
– Ah, exatamente o que eu estava me perguntando – disse a velha virando-se para
a criança. – Mas lhe garanto que não foi um bicho-papão, pelo menos.
Mary não gostou do tom de ironia que Dionaea usara na última frase.
– Então você quer dizer que foi algo pior que os demônios esqueléticos? –
perguntou, um arrepio percorrendo o corpo só de lembrar das criaturas ossudas e
diabólicas que levaram a mãe de Adam.

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– Talvez, minha querida – disse a idosa de um modo sinistro, e Mary sentiu algo
ruim ao encarar aqueles olhos esbranquiçados desta vez, algo muito além da piedade ou
do nojo.
– Vamos ver se eu entendi... – falou Liem, pondo a mão no queixo e olhando para
a cabeça falsa de Antony que ainda se encontrava imóvel sobre o pedestal. – Adam
precisa encontrar o tal Nimbo que o pai dele carrega e então poderá voltar para a vida,
mas e quanto a mim e Mary? Quem nós temos de achar?
– Estas são as próximas questões a serem respondidas – disse Dionaea. – Adam,
retire seu Nimbo do pedestal, é a vez de descobrirmos o que o Nimbo de Mary tem a
nos dizer.
O garoto esticou a mão, trêmulo, e retirou o objeto invisível de dentro do suporte
de pedra. Neste momento o rosto do seu pai murchou e o crânio voltou a ficar visível
em cima do pedestal, exatamente do mesmo modo descarnado que estava antes, sem
nenhum fio de cabelo sequer.
Dionaea fez sinal para que Mary se aproximasse.
– Venha e faça exatamente como Adam fez.
A garota deu uns três passos até ficar frente ao pedestal e a senhora. As pedras
negras incrustadas no medalhão reluziram no momento em que seus dedos o largaram,
deixando-o no suporte de símbolos.
Novamente linhas deslizaram pelo monumento, mas dessa vez eram linhas negras.
Lembravam uma fumaça tensa e escura que estivesse preste a se dispersar no ar, porém,
por mais incrível que pudesse parecer, ela só escorria pelos poucos centímetros dos
contornos que desenhavam os símbolos estranhos.
Mary rapidamente olhou para o crânio acima, esperando tecidos musculares se
espalharem e se transformarem no queixo longo do seu pai ou no nariz perfeito de sua
mãe, obtido por meio de plástica. Ela realmente acreditava que teria de encontrar o
medalhão que estava com Alice ou Charles. Sim, isso ficou óbvio para ela depois de ver
o rosto do pai de Adam se formar no pedestal minutos antes. Mas em que lugar daquele
mundo sinistro se encontravam seus pais? Será que estavam juntos ou separados? Com
o coração apertado a garota imaginou se eles também haviam sido pegos por aqueles
bichos medonhos que sugaram a mãe de Adam. Não, isso não pode ter acontecido!
Sentenciou ela.
De repente o crânio começou a vibrar, como se um terremoto estivesse
acontecendo, no entanto nada mais se movia ao seu redor, somente ele.
– Cuidado! – gritou Dionaea, levando as mãos à cabeça e abaixando-se atrás do
pedestal.
A caveira explodiu, seus fragmentos ossudos voaram para todo canto. Mary viu
quando algo branco explodiu em sua direção. Desesperada, a garota fechou os olhos e se
agachou, mas foi em vão, uma coisa afiada já havia se chocado a poucos centímetros
acima de seu olho esquerdo.
– O que é isso?! – ouviu Liem berrar, provavelmente algo também havia acertado
o rapaz.
Quando Mary voltou a abrir os olhos, não havia mais nenhum crânio sobre o
pedestal e uma fumaça negra ia se dissolvendo aos poucos no ar.
– Isso raramente ocorre – falou Dionaea desconcertada enquanto se erguia detrás
do pedestal.
– E a senhora só fala isso agora?! Isso poderia ter furado o olho de alguém! –
disse Liem massageando a testa.

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– Me desculpem, é que realmente achei que não seria preciso alertá-los quanto a
isso. E de qualquer forma todos continuam com os olhos intactos aqui, infelizmente... –
acrescentou ela ao observar Adam sair detrás de Liem.
Os olhos da criança, como sempre, estavam esbugalhados de susto, no entanto
estavam perfeitamente inteiros.
– Poderia nos explicar o que acabou de acontecer aqui? Achei que o crânio fosse
tomar a forma do rosto do meu pai ou da minha mãe, não esperava que ele fosse
estourar e quase me deixar cega – falou Mary em tom pouco amigável depois de passar
a mão perto da sobrancelha e ver que havia vestígio de sangue nos seus dedos. – Ou era
esse o seu plano?
– Claro que não, eu sei o quanto a visão é importante para não desejar que os
outros a percam – se empertigou Dionaea. – E o motivo que propiciou o estouro do
crânio se trata de um enigma.
– Um enigma?!
– Sim, um enigma que somente a senhorita poderá desvendar. Algumas pessoas
não caem aqui para encontrar entes queridos ou somente o outro lado de seu Nimbo,
como nosso queridinho Adam – disse a velha, fazendo um gesto de desprezo em direção
ao garoto. – Existem outros planos, destinos, que também regem esse mundo. Admito
que se comparado com a sua, a probabilidade de a criança dar o fora daqui é muito
maior. Convenhamos que é muito mais fácil encontrar algo quando sabemos o que
estamos procurando.
– E como eu vou descobrir o que eu tenho de achar? Acabei de chegar neste
mundo, não tenho condições de desvendar qualquer enigma! – desesperou-se Mary, o
pânico crescendo em seu peito como se a qualquer momento pudesse ser vomitado.
– Ninguém nunca sabe de início, por isso eu disse que se tratava de um enigma;
leva-se tempo e perseverança para descobrir. Todos que chegam a mim recebem essa
informação do modo que estou lhe dando agora e depois acabam seguindo um caminho,
mesmo que não saibam para onde estão indo. Existem vários caminhos para se trilhar no
mundo dos mortos e o melhor meio de encontrar um é mergulhando de cabeça e
aceitando o lugar onde está. Nada aqui precisa ser determinado ou premeditado, as
coisas simplesmente acontecem e te levam para onde você as deixa levar.
Mary queria entender, assimilar qualquer coisa que Dionaea acabara de dizer, mas
sentia que era impossível. As informações que havia recebido eram alucinantes e
extremamente inacreditáveis. Como poderia acreditar que estava perdida num mundo
onde as pessoas estavam mortas?! Abriu a boca, querendo indagar qualquer coisa, no
entanto ela não tinha mais o que questionar, todas as suas perguntas já haviam sido
feitas e estavam devidamente respondidas, mesmo que tais repostas não fizessem o
menor sentido.
– Agora vamos desvendar os segredos que esperam Liem. Mas primeiro me
deixem encontrar outro crânio em bom estado, a maioria já foi usada antes – falou a
velha, dando uma breve olhada no chão a sua volta e detendo-se em um crânio que se
encontrava ao lado de Adam. – Pode me trazer o crânio que está próximo a seus pés,
criança?
Adam se agachou, trêmulo, e pegou a caixa craniana a sua esquerda.
– De quem são esses crânios? Pessoas que você devorou? – perguntou ele
enquanto caminhava receoso até ela.
– Não, são apenas crânios que recolhi quando fiz uma das minhas visitas ao
Cemitério do Desespero. Creio que você tenha notado que o que não falta lá são
caveiras humanas – acrescentou ela, Mary podendo novamente perceber a malícia em
sua voz arrastada.

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– Cemitério do Desespero foi onde minha mãe caiu e... ?


– Chega de perguntas, temos ainda outro Nimbo para desvendar – interrompeu
Dionaea, tomando o crânio dos braços do garotinho quando ele se aproximou o
bastante.
Mary sabia que Adam estava muito preocupado com a mãe dele, provavelmente
queria saber onde ela se encontrava. De certo modo a garota se sentiu aliviada por
Dionaea não ter permitido que ele completasse a pergunta, alguma coisa em sua mente
dizia que não era nada bom ser pego por aqueles monstros. E mesmo que estar no
mundo dos mortos já fosse bastante ruim, ela tinha receio de que pudesse existir algo
muito pior. Talvez não fosse sensato Adam saber a resposta agora, talvez não fosse
sensato nem para ela própria.
– Liem, é sua vez – falou a senhora, depositando o crânio sobre o pedestal e
fazendo sinal para que Mary retirasse seu medalhão do suporte.
A garota obedeceu, a temperatura gelada do objeto sendo transferida para seus
dedos quando o pegou. Então observou, logo a seguir, a mão direita de Liem se abrir
sobre o suporte a sua frente. Ele estava depositando seu próprio Nimbo dessa vez.
O silêncio que se seguiu à ação do rapaz revelou a expectativa que todos sentiam.
Mary, particularmente, queria muito descobrir qual era a “missão” do garoto para poder
sair daquele mundo. Será que ali, sobre o pedestal de pedra, iria se materializar o rosto
de algum parente dele? A resposta veio de um modo rápido, porém não inédito.
Linhas negras de fumaça novamente deslizaram pelo pedestal enquanto o crânio
tremia descontroladamente, quicando de um lado para outro. Dionaea não perdeu tempo
e logo já tinha desaparecido atrás do pedestal; Adam correu para o canto mais distante
do suporte de pedra, encolhendo-se no chão; Liem e Mary abaixaram, protegendo a
cabeça.
O estouro aconteceu e Mary escutou uma porção de fragmentos da caixa craniana
chocando-se no chão a sua volta enquanto uma fumaça negra se espalhava por toda
parte, impedindo a garota de visualizar Liem ao seu lado.
– Dois de um mesmo grupo, isso raramente acontece – resmungou Dionaea alguns
segundos depois, voltando a se erguer.
– Isso quer dizer que eu também tenho de desvendar um... “enigma”? –
questionou rapidamente Liem, se pondo de pé.
– Sim, você também terá de descobrir sozinho o seu meio de sair daqui –
respondeu a senhora, a mão murcha voltando a pegar a bengala às suas costas. – Há algo
que você precisa encontrar aqui, alguma coisa que não permitiram que você possuísse
durante o tempo em que esteve no outro mundo.
– E você não faz nenhuma idéia do que possa ser? O que houve com os outros que
também passaram por isso que estamos passando agora? E por que você está aqui? Por
que quer ajudar a gente? – disparou o rapaz, as perguntas saindo de sua boca feito água.
A fumaça negra já estava totalmente dispersa no aposento, deixando o ar limpo para que
Mary pudesse visualizar tudo ao seu redor.
– Eu nunca sei o que ocorre depois que as pessoas deixam meu lar, esse mundo é
muito grande para que notícias possam se espalhar – respondeu a velha, caminhando
com sua bengala para o ponto onde se encontrava uma das tochas de fogo que iluminava
o ambiente.
– Ao menos a senhora pode nos dizer qual direção devemos tomar para encontrar
o pai da criança? Nenhum de nós faz a menor idéia de como encontrar esse Deserto dos
Alucinados – voltou a falar o rapaz.
– Esse lugar não possui um mapa? – também questionou Mary, ficando de pé e
indo para o lado de Adam, que continuava encolhido no chão.

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Dark Writer Br

No mínimo o garotinho sabia o que precisava encontrar para voltar a viver e ela
faria de tudo para ajudá-lo no que quer que fosse.
– Lamento desapontá-los, mas ninguém nunca fez um mapa do mundo dos mortos
porque ninguém jamais visitou ou poderá visitar todos os lugares que existem aqui –
disse Dionaea, o fogo da tocha refletindo em sua cabeça nua. – No entanto vocês não
precisam se preocupar com isso, pois não precisarão ir ao Deserto dos Alucinados.
– Como assim, não? É lá que está o pai de Adam – falou rapidamente Mary,
confusa.
– Me perguntaram o porquê de eu estar ajudando vocês? – falou Dionaea,
voltando a dar aquele mesmo sorriso estranho e malicioso. – Isso não é óbvio? Estou
ajudando vocês por que quero algo em troca.
– Algo em troca?! – disparou Liem. – Você não espera que tenhamos dinheiro
dentro dos nossos bolsos, espera?
– Bem, vocês realmente esperavam que eu estivesse dando coordenadas a vocês se
não pudesse ganhar nada com isso? Se no mundo dos vivos não existe ajuda sem
recompensa, quem dirá no mundo dos mortos! – dito isso, a senhora esticou o braço
envelhecido e tocou o cabo de pedra da tocha sobre sua cabeça, puxando-o para baixo
como se fosse a alavanca para a entrada de uma passagem secreta. Uma risada medonha
saiu de seus lábios fétidos, ecoando pela caverna, fazendo Mary se sentir como uma
mosca que tivesse caído numa armadilha de alguma planta carnívora.
Então a parede às costas de Dionaea começou a mover, deslocando-se para cima e
mostrando aos poucos a escuridão atrás. De dentro das trevas, duas criaturas macabras
botaram suas mãos ossudas para fora, enquanto farrapos familiares giravam feito corda
de guilhotina ao redor.
– Somente me entreguem a alma da criança e poderão seguir seus caminhos –
falou ela, as duas criaturas deslizando em direção a Adam e Mary. – Bem vindos ao
purgatório, meus queridos.

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