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Paradigmas e cognições no campo da

administração educacional: das políticas de


avaliação à avaliação como política

José Alberto Correia


Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Introdução de possíveis isomorfismos entre as gramáticas das


narrativas que, no campo educativo, têm a pretensão a
Num trabalho já publicado (Correia, 1999), definir a justiça legítima e aquelas que se ocupam
procurámos caracterizar as ideologias que estruturaram predominantemente da produção de narrativas que se
o campo educativo em Portugal depois da Revolução querem ajustadas à realidade. Procurava-se, nesse
de Abril de 1974. A nossa preocupação foi discernir a trabalho, ponderar as relações entre as políticas
estrutura das “narrativas educativas” consideradas educativas, entendidas como dispositivo de produção
legítimas para regular os debates sobre a justiça de normas justas para a acção, e as políticas cognitivas,
educativa. Admitia-se, então, que as questões da justiça encaradas como um espaço intencionalmente
educativa seriam susceptíveis de serem debatidas no vocacionado para a explicação de instrumentos úteis
campo político, se bem que os referenciais estrutura- para pensar a acção.
dores desse debate se teriam situado em espaços sociais As transformações que, entretanto, se produziram
diferenciados, a saber: a cidade como construção social, no campo educativo não só não puseram em causa esse
o Estado como campo jurídico da representação da esforço analítico como o tornaram mais premente, na
cidade, a empresa como representante simbólico do medida em que, independentemente do seu conteúdo,
tecido económico e o mercado como gramática da se assistiu a importantes transformações das
regulação social. A questão da avaliação estava modalidades responsáveis pela produção de injunções
relativamente ausente desse debate, não desempenhava para a acção onde, genericamente, o campo político se
papel central, na medida em que ela apenas poderia ocupou menos na definição de normas práticas para a
qualificar ou desqualificar os argumentos mobilizados acção e mais na imposição de ordens cognitivas para
sem se insinuar como operador cognitivo capaz de os pensar a acção. Sendo essas transformações, em parte,
substituir. uma expressão da progressiva individualização da
Num artigo posterior (Correia, 2002), sugerimos distribuição das responsabili
ser pertinente admitir analiticamente a existência

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Paradigmas e cognições no campo da administração educacional

dades sociais pelos fracassos da escolarização e da A mudança, a excelência e a qualidade como


fragmentação das instâncias de coordenação da acção referenciais paradigmáticos da administração
educativa, saldaram-se também pela atribuição de uma em educação
forte centralidade às práticas e dispositivos de avaliação
na regulação dos sistemas educativos. Com um ritmo mais ou menos intenso e
Neste trabalho, procuraremos analisar essa obedecendo a dinâmicas mais ou menos específicas aos
problemática tendo por pano de fundo as questões diferentes contextos nacionais, as críticas dirigidas às
relacionadas com a gestão em educação cuja intervenções homogeneizantes dos Estados educadores
importância é, de qualquer forma, susceptível de ser foram acompanhadas pelo aparecimento de um
associada à importância atribuída à avaliação. conjunto de narrativas educativas diversificadas
Sem ter a preocupação de propor uma genealogia incidindo tanto sobre os modos de definição das justiças
das relações que se estabeleceram entre avaliação e educativas como sobre as modalidades mais ajustadas à
regulação dos sistemas educativos, vamos começar por gestão dos sistemas e dos diferentes espaços educativos.
proceder a uma abordagem sucinta do que pensamos O processo de erosão do Estado educador tornou-
constituírem os três momentos que configuraram as se socialmente visível e particularmente intenso durante
relações entre avaliação e regulação dos espaços a década de 1980; conduziu a uma espécie de diabo-
educativos dando uma atenção particular às narrativas lização da intervenção e da regulação monocentrada da
que simultaneamente exprimem e ocultam as questões educação, da burocracia estatal e da consequente
políticas centrais que estruturam cada um desses consagração da intervenção dos actores mais ou menos
momentos. Em seguida, vou prestar atenção particular autodeterminados a quem se atribuíam as qualidades
aos actuais discursos sobre a qualidade em educação, pertinentes para superar a acumulação dos efeitos da
pois são eles que, de forma mais explícita, atribuem crise da educação. Se admitirmos, como sugerem
forte centralidade à problemática da avaliação. A nossa Boltansky e Chiapello (1999), que as críticas artística e
preocupação é poder contribuir para a compreensão das sociais dirigidas ao Estado durante as décadas de 1960
relações entre a produção política da regulação em e 1970 se saldaram pelo reconhecimento da pertinência
educação e a construção de políticas de avaliação, de da crítica artística e pela difusão da ideia de que os
forma a poder debater os efeitos do reforço da novos modos de regulação resultantes dessa aceitação
tendência para que a avaliação se tivesse desconectado resolveriam, de per si, as questões da desigualdade
das suas preocupações relacionadas com a promoção da social suscitadas pela crítica social, diríamos que, no
qualidade para se confundir com a própria qualidade, campo da educação, as questões relacionadas com o
numa lógica em que a cultura da qualidade se reduz ao aperfeiçoamento dos dispositivos e instrumentos
culto da avaliação. Para concluir, procurarei explicitar capazes de assegurar a governabilidade e a coerência
alguns referenciais - epistemológicos, institucionais e dos sistemas educativos no respeito dos princípios da
cognitivos - sus- ceptíveis de configurar abordagens igualdade de oportunidades, ou da democratização da
alternativas que são fundamentalmente de natureza educação, foram progressivamente matizadas e
cognitiva, ou seja, alternativas susceptíveis de induzir relativizadas pela problemática da governabilidade dos
dinâmicas de complexificação cognitiva que considero diferentes espaços educativos e escolares a quem se
serem imprescindíveis ao desenvolvimento de políticas reconhecia uma irredutível especificidade. Essa
consentidas, na dupla asserção que podemos dar ao especificidade, por sua vez, apelava para modelos de
termo consentido: tendo um sentido e estando gestão mais flexíveis e mais permeáveis à iniciativa de
preocupadas com a construção partilhada desse sentido. actores que se admitia serem mais consistentes para
protagonizar os novos desafios educativos.

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Durante a década de 1980, a desagregação do supõem que as mudanças pertinentes e susceptíveis de


Estado educador foi responsável pela centralidade assegurar a excelência já não resultam de uma
adquirida pelos discursos sobre a mudança como experimentação controlada, mas de uma inspiração
referencial central de novos modos de administração da voluntarista susceptível de ser difundida ao sistema. O
educação; essa incitação política à mudança legitimou- mundo empresarial exerce influência fundamental na
se, em parte, pelo propósito de assegurar maior estruturação dessas narrativas, não só através da sua
permeabilização dos espaços educativos aos sistemas interferência na definição dos produtos desejáveis da
produtivos como medida consistente para promover acção educativa mas também, e principalmente, por se
combate eficaz ao desemprego juvenil. A mudança ter constituído num referencial simbólico incontor-
constituiu, desse modo, o mote legitimador de uma nável na definição dos seus modos de funcionamento
flexibilização externa dos sistemas educativos, ao legítimos, decalcados, em parte, dos modelos de
mesmo tempo em que na sua gestão interna se insinuam difusão das inovações tecnológicas.
dispositivos e disposições, em grande parte oriundos do A terceira geração das narrativas produzidas no
mundo industrial, estruturados em torno da noção de campo da gestão educacional organiza-se em torno de
plano e de acção planificada. Não do plano com um P preocupações relacionadas com a promoção da
maiúsculo, mas de uma acção planificada localmente qualidade. Trata-se de uma noção entusiasmante,
que, por ser permeável a circunstâncias externas, se mobilizadora e susceptível de gerar consensos, apesar
pluraliza e dá origem a planos específicos a cada um de (ou devido à) sua polissemia e redundância. Na
dos espaços educativos, a acções planificadas realidade, a gestão pela qualidade sustenta-se num
localmente de acordo com lógicas organizacionais e conjunto de noções que são utilizadas de forma
administrativas em que prevalece a busca de uma recorrente, como se o seu significado fosse evidente, e
coerência interna entre as qualidades dos seres que no seu conjunto se estruturam numa espécie de
humanos e dos seres objectos e dessa com as injunções círculo mágico que se fecha sobre si próprio, em que
oriundas do contexto socioeconómico, em particular cada noção apela sempre para as restantes, sem que
com as que eram atribuídas ao mercado de trabalho. A nenhuma delas careça de explicitação. A excelência, o
promoção de experimentações controladas em espaços êxito, o progresso, a performance, o envolvimento, a
delimitados, a sua avaliação e posterior difusão pelo satisfação de necessidades, a responsabilização, o
sistema constituem os instrumentos privilegiados dos reconhecimento e, finalmente, a qualidade constituem
dispositivos de mudança. os recursos discursivos que essas narrativas mais
A excelência constituiu o referencial estruturador frequentemente evocam.
das narrativas educativas emergentes na gestão dos Estando na origem da proliferação narrativa da
sistemas educativos no final da década de 1990. Essas insignificância, de narrativas circulares e fechadas
narrativas começam a incorporar, de forma regular e sobre si próprias numa lógica em que cada noção pode
sistemática, a necessidade de identificar e difundir as ser substituída por qualquer uma das restantes sem que
“boas práticas” que, à semelhança do que se passa no daí advenham acréscimos de sentido, o paradigma da
mundo empresarial, se admite serem “exportáveis”, por qualidade atribui papel fortemente central ao
duplicação dos seus pressupostos de gestão, à totalidade desenvolvimento de dispositivos e de instrumentos de
dos sistemas educativos. A gestão das vontades dos avaliação. A cultura da qualidade tende, com efeito, a
protagonistas constitui a solução e a preocupação confundir-se com a multiplicação de instrumentos de
central da gestão educacional. avaliação de tal forma sofisticados que parecem
Sem abandonar as referências à mudança, que são desempenhar um papel mais importante na imposição
agora integradas em preocupações relacionadas com a de uma ordem cognitiva mais ou menos
promoção da excelência, essas narrativas pres homogeneizante do que na apreciação e regulação da
acção organizacional.

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Essa forte imbricação entre o culto da qualidade e para atribuir simbolicamente ao mercado o papel de
o culto da avaliação justifica que na nossa reflexão grande regulador. De acordo com a utopia de Adam
enfatizemos, sobretudo, o papel desempenhado pela Smith, os sistemas educativos já não são pensados
avaliação na estruturação dos actuais discursos e das como sistemas públicos, mas antes como dispositivos
práticas organizacionais. de prestação de serviços públicos ou privados que se
Iremos estruturar esta reflexão em torno de três estruturam como ofertas educativas tendencialmente
argumentos situados em campos diferentes. O primeiro adaptadas a uma procura em que se exprimem as
argumento é de natureza política e visa sobretudo necessidades dos clientes. A presença simbólica do
debater os processos de produção das actuais políticas mercado não deriva, por isso, apenas da presença de
educativas. O segundo argumento é de natureza trocas monetarizadas, se bem que estas tenham vindo a
organizacional e incide nos processos de produção das adquirir peso crescente.
práticas educativas; e o terceiro argumento é mais de No nível dos procedimentos accionados,
natureza epistemológica e tem por propósito contribuir evidencia-se uma definição de política da educação em
para a explicitação das ambiguidades que resultam do que esta é encarada, sobretudo, como política cognitiva.
esbatimento das fronteiras entre práticas científicas e Nos últimos dez anos, tem-se assistido, com efeito, à
práticas de avaliação. estabilização de uma tendência para que a definição
política da educação se exerça cada vez menos pela
As políticas educativas como espaço de tensão imposição de normas para a acção e mais pela
entre a produção de normas e a imposição de imposição de dispositivos e disposições cognitivas que
cognições legítimas configuram as formas legítimas de se pensar a acção.
Sem vincular-me completamente aos discursos ferozes
Como sugeri, o meu primeiro argumento é de que
contra o neoliberalismo que acentuam sobretudo a
nos últimos trinta anos se tem assistido a profundas
diluição do papel do Estado e a importância crescente
transformações das políticas educativas que incidem
do mercado monetarizado, o que queria acentuar é que
tanto sobre os seus sentidos como nos modos
essa tendência não é independente de um processo de
instituídos para a regulação estatal, como ainda nas
redistribuição das responsabilidades sociais pelos
modalidades através das quais elas se constroem
fracassos e, subsidiariamente, por alguns dos êxitos
socialmente.
apontados à escolarização: genericamente se diluem as
Ao nível do conteúdo da política, essas
responsabilidades colectivas para enfatizar sobretudo o
transformações conduziram ao abandono progressivo
papel dos actores individuais que, “naturalmente”,
das preocupações relacionadas com o papel da
estariam imbuídos de motivação estratégica. Nesse
educação no combate às desigualdades sociais e,
contexto analítico, não me parece ser heuristicamente
consequente o reforço das tendências, onde se acentua
pertinente se admitir que hoje se assiste a uma diluição
sobretudo a sua contribuição para a preservação da
do papel do Estado (ou a uma retirada) em detrimento
chamada coesão social, que se admite estar fragilizada
do papel (simbólico e objectivo) do mercado, mas antes
pela multiplicação de um conjunto de “incivilidades”
a profundas mudanças no espaço institucional e nas
em que a indisciplina e violência desempenham um
modalidades de intervenção estatal.
papel relevante.
Sem querer diabolizar ou mistificar o papel do
No que diz respeito aos dispositivos simbólicos de
Estado, eu diria que ele é simultaneamente excessivo e
regulação, tem-se enfatizado a crítica ao papel do
deficitário: deficitário no combate às desigualdades so-
Estado e ao desenvolvimento de dispositivos e
cioeducativas e excessivo numa regulação a posteriori
disposições que legitimam uma redistribuição social
(ou, se quiserem, à saída do sistema) em que se acentua
das responsabilidades pela gestão da educação. Nesse
sobretudo o seu papel no desenvolvimento de uma
domínio importa, ainda, realçar a tendência

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avaliocracia sem precedentes. Nesse processo, mesmo como dispositivo susceptível de produzir saberes
atribuindo algumas potencialidades emancipatórias às capazes de contribuir para a melhoria da qualidade dos
gramáticas educativas construídas em torno de uma rei- sistemas e das práticas educativas e uma outra
ficação do pedagógico que conduz à sua autonomização definição simbólica em que a avaliação visa sobretudo
relativamente ao político, ter-se-á de reconhecer que, hierarquizar os seres no sistema de acção educativa em
cognitivamente, o processo de redução do pedagógico função das suas qualidades, em grande parte definidas
ao escolar contribui para a imposição de cognições pelos seus níveis de desempenho.
legítimas em que, tendencialmente, o educativo é Se, em abstracto, se pode admitir que
reduzido ao escolar e este é simbolicamente definido potencialmente a avaliação pode contribuir para
como uma relação entre entes humanos e entes melhorar a qualidade dos sistemas educativos por força
objectos, em que os primeiros são reduzidos aos dos acréscimos de informação que ela pode assegurar, a
segundos. verdade é que nos últimos dez anos esse pressuposto se
A importância simbólica da avaliação na esbateu progressivamente ante o desenvolvimento de
imposição desta ordem cognitiva legítima articula-se, uma torrente avaliocrática que, sendo insensível aos
também, com a construção de uma “opinião pública” custos relacionais que a multiplicação dos dispositivos
que, dizendo-se esclarecida, apenas se ocupa com a de avaliação tem causado, parece ter como preocupação
eficácia dos resultados, desqualificando o debate sobre central a hierarquização dos intervenientes e espaços
os fins em educação, numa lógica em que o debate educativos. Ocupando-se fundamentalmente com a
político se reduz ao debate sobre a a articulação qualificação e desqualificação dos agentes educativos
funcional dos meios e a congruência das suas em função dos seus níveis de desempenho, essa
qualidades com os resultados desejáveis. Nesse avaliocracia contribuiu para a degradação das
contexto cognitivo e político, a gestão educacional condições organizacionais, relacionais e subjectivas
tende a ser dissociada das suas referências às dimensões imprescindíveis para que o acréscimo de informação
projectuais e transformadoras da acção educativa. Ela em circulação no sistema pudesse contribuir para a sua
tende a ser pensada como uma administração de qualificação.
recursos humanos e materiais, com a sua eventual Por um lado, a destruição regular e sistemática
requalificação, numa lógica em que o projecto se reduz das mediações organizacionais capazes de potenciar a
ao plano e a autonomia, à responsabilização individual. cooperação profissional e os efeitos sistémicos daí
Nesse contexto, o pro- jecto tende a ser pensado como resultantes, em parte induzidos por preocupações
um plano de acção e a autonomia tende a ser associada relacionadas pela multiplicação e pela procura de rigor
à solidão do actor individual ocupado com a gestão da da informação produzida, inibiu a que a retroacção
tensão entre o excesso de missões e responsabilidades e procurada produzisse efeitos positivos. Por outro lado,
o défice de retribuições simbólicas e institucionais. a associação estabelecida entre objectividade e rigor da
informação com a sua quantificação saldou-se pelo
Das políticas da avaliação à avaliação reforço da unidimensionalidade da informação
como política produzida, o que, seguramente, não contribuiu para a
produção de referenciais pertinentes à regulação de
O segundo argumento que gostaríamos de
uma acção que, como a educativa, é irredutivelmente
desenvolver incide sobre o papel da avaliação na
multirreferenciada, complexa e relativamente
construção social das práticas e da acção educativa.
imprevisível. Finalmente, compreende-se que, nesse
Admite-se que a avaliação não é exclusivamente um
contexto, os profissionais da educação, possuindo
instrumento a serviço da gestão. Ela é, antes, uma
experiência do domínio da avaliação que lhes permite
construção social que, no actual contexto educativo, se
reconhecer a relativa arbitrariedade dos juízos de valor
situa num espaço de tensão entre uma definição
produzidos, tivessem desenvolvido dispositivos e
simbólica da avaliação
disposições que
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os protegessem dessa arbitrariedade e da sua da sua articulação com as decisões organizacionais (o


“exposição pública”. debate sobre as justiças organizacionais), para atender
O facto de o desenvolvimento da avaliação ter apenas à funcionalidade dos meios e dos recursos, ou
sido acompanhado pela preservação e reactualiza- ção seja, à eficácia funcional. E essa tendência, convém
das condições necessárias para que ela pudesse ser realçá-lo, tende a legitimar uma concepção aditiva de
directamente utilizada na estruturação da acção educação assente no pressuposto de que a eficácia da
educativa não significa que sejam negligenciáveis os educação (ou a sua qualidade) não estaria
efeitos produzidos no campo educativo. Não podemos, substantivamente relacionada com uma constelação de
com efeito, negligenciar os seus efeitos simbólicos na factores em que as interacções entre os chamados
“naturalização” de modalidades mais ou menos “recursos” desempenhariam papel determinante.
arbitrárias de conceber a estruturação e a coordenação Perante essa concepção aditiva, parecem ter
da acção humana, em geral, e da acção educativa, em submergido as concepções mais interactivas da
particular. Refiro-me à “naturalização” da ideia de que qualidade das organizações, em que se realçam as suas
a qualidade só pode ser uma consequência indirecta do potencialidades qualifican- tes, ou seja, o papel das
aprofundamento de lógicas concorrenciais induzidas dinâmicas organizacionais nas aprendizagens colectivas
pela hierarquização dos seres e dos contextos e nas aprendizagens de cada um dos seus
educativos. Essa subordinação das dimensões sociais da intervenientes.
acção humana relativamente ao homo economicus, a Do ponto de vista da estruturação cognitiva do
subordinação da sociologia à economia como matriz de espaço de produção contextualizado da acção
análise das questões institucionais e organizacionais educativa, ou, se quisermos, do ponto de vista da
parece ter-se consumado. Uma subordinação que, aliás, produção contextualizada da sua organização, essa
já tinha sido anunciada pela ênfase que certas estruturação do espaço do debate político em educação
abordagens sociológicas das organizações tinham tende a reduzir os intervenientes a objectos
atribuído ao actor estratego. manipuláveis em que a interacção humana é
Apesar de ter obedecido a lógicas e ritmos simbolicamente encarada como uma interacção entre
nacionais de acordo com a história dos sistemas objectos mais ou menos qualificados. A actual
educacionais, as suas características estruturais e as tendência para avaliar, produzindo investimentos de
suas tradições pedagógicas, esse processo foi, forma, os alunos, os professores e os manuais escolares
seguramente, acelerado e acentuado pela recente utilizando critérios que, sendo específicos a cada um
difusão mundial das estatísticas e dos indicadores deles, não atendem à natureza das relações entre eles,
estatísticos da educação e do processo de valorização constitui uma das manifestações mais visíveis dessa
de uma informação centrada exclusivamente sobre os tendência que, como parece evidente, é responsável por
efeitos individuais (ou sobre os produtos individuais) e uma descontextualização sem precedentes da acção
uma consequente desvalorização das variáveis de educativa e das suas produções.
contexto. Como realça Lima (1997), assistiu-se a uma Finalmente, esse contexto cognitivo insere-se e
consolidação de uma definição contabilística da induz importantes transformações nas relações que a
educação, em que o predomínio atribuído ao argumento acção administrativa do Estado estabelece com os
estatístico (por vezes legitimado cientificamente de territórios e espaços educativos. Esse intenso processo
forma incontrolada) relativamente ao argumento de normativização da educação, ou de produção de
político teve profundas implicações na estruturação do normas que moldam os efeitos da acção dos
campo educativo. intervenientes da acção educativa, é, com efeito,
Do ponto de vista da estruturação simbólica do acompanhado pelo reforço da tendência para a
espaço político do debate educativo, tende-se a responsabilização individual pelos efeitos da acção
desqualificar o debate sobre os sentidos da educação e pública em uma dinâmica em que se reforça a relação
entre o Estado e o local onde aquele tende a reduzir o
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de uma informação estandardizada, produto de normas ameaças que importa evitar, e não como conjunturas
universais e monorreferenciadas. Esse modo de potenciadoras do enriquecimento e da complexificação
produzir a normatividade em educação resultante, em organizacional. A ideia de que é possível decompor a
grande parte, da circulação internacional do paradigma vida presente na organização em unidades simples,
da medida tende, assim, a diluir a especificidade do agregadas em variáveis cuja manipulação permite
local, encarando-o exclusivamente como um espaço de prever e melhorar o funcionamento organizacional,
aplicação de normas universais. Dessa forma, o local constitui o fundamento da legitimidade científica do
submerge perante uma homogeneização do campo domínio da expertise que tende a conceber as relações
educativo resultante, em parte, da tendência para entre entes humanos como relações entre coisas. A
transformar a avaliação e a circulação dos seus ideologia dos “recursos humanos” que fundamenta este
produtos numa política educativa que se inclina a trabalho de produção de cognições adequadas às
despolitizar para se legitimar através do argumento dinâmicas de “coisifação organizacional” desqualifica
estatístico cientificamente caucionado. qualquer debate sobre os fins da organização, sendo a
Apoiados no pressuposto de que a particularidade participação dos seus membros estimulada apenas na
da gestão reside no facto de ela procurar a realização de procura de soluções, na afirmação incontrolada de que
finalidades que não são escolhidas nem negociadas no o que importa é encontrar respostas sem que haj a lugar
interior de uma colectividade, mas, de qualquer forma, a um trabalho de explicitação das perguntas ou dos seus
induzidas do exterior, os paradigmas da qualidade, fundamentos.
apesar das ambivalências e ambiguidades, partilham um Subliminarmente se estruturam, assim, as bases
conjunto de pressupostos que se insinuam não tanto para uma definição economicista da acção humana cuj
como princípios normativos para a acção, mas mais a pertinência já não integra as suas produções
como imperativos cognitivos que se deseja serem relacionais e cognitivas, mas é uma acção que visa
partilhados pelos membros da organização para que a explorar recursos - sej am eles materiais ou humanos -,
distribuição das suas responsabilidades individuais se numa lógica da eficácia e da produtividade, bem
faça pacificamente, através da partilha de um ilustrada na imagem de uma organização habitada por
“inconsciente colectivo”, em geral implícito. Gaulejac indivíduos imbuídos de espírito empreendedor que se
(2005, p. 56) considera que esses paradigmas que envolvem numa azáfama de tarefas na procura de
fundamentam esses modos de gestão são soluções para problemas em cuja definição eles não
simultaneamente objecti- vistas, funcionalistas, participaram.
experimentalistas, utilitaristas e economicistas. A O paradigma da qualidade, principalmente o
aceitação do pressuposto de que compreender é medir, paradigma da qualidade total, transporta-nos imagi-
que fundamenta o argumento estatístico, induz, como nariamente para um mundo perfeito e puro, porque
sabemos, uma concepção de acção humana construída transparente; reenvia-nos para um mundo
em torno do homo economicus que Bourdieu assimila a
um “monstro antropológico habitado por uma suposta da reconciliação dos contrários, um mundo onde o erro, a

racionalidade que reduz todos os problemas da imperfeição e a impureza são erradicados, um mundo ideal

existência humana ao cálculo” (apud Gaulejac, 2005, p. onde cada um pode, idealmente, viver sem conflitos e sem

49). O pressuposto funcionalista, de que a organização limites, um mundo onde cada um pode finalmente viver sem

é um dado e não uma construção social, induz a que conflituar com o desejo do outro, num processo de

não se reconheça a pertinência do trabalho de produção desenvolvimento infinito e de harmonia generalizada.

organizacional realizado pelos seus intervenientes e (Gaulejac, 2005, p. 80)

“naturaliza” concepções da vida organizacional em que


Não vamos fazer uma referência detalhada aos
as tensões e os conflitos são sempre encarados como
efeitos sociais produzidos por essa descrição
“disfuncionamentos”, como
mistificada das organizações. Queremos apenas realçar
que a
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ideologia da harmonia generalizada teve como reverso lização e imposição de normas cognitivas que
o desenvolvimento de uma ideologia deficitária, em que estruturam os pensamentos sobre a acção, convertendo-
os disfuncionamentos das organizações tendem a ser se, sem afirmar-se como tal, em normas de acção no
analiticamente encarados como manifestações de interior de uma organização que se diz ser marcada pela
défices dos sujeitos e como tal susceptíveis de serem plasticidade, vamos procurar discernir alguns
superadas através de intervenções formativas. O referenciais alternativos, acentuando, sobretudo, as
aparecimento dessa ideologia, sendo contemporânea do condições de produção de outras dinâmicas cognitivas.
processo de produção social da depressão como doença Este trabalho aconselha que se tomem algumas
do século, induz um modo de gestão das precauções para inibir que o seu desenvolvimento
subjectividades individuais em que, simbolicamente, o produza, ele também, dinâmicas de imposição cognitiva
Prozac como droga aditiva suplantou as terapias da estruturadoras de um regime de verdade alternativo. Na
gestão positiva dos conflitos. De forma genérica, ela realidade, qualquer interferência no trabalho de
exprime o triunfo de Prozac sobre Freud; neste produção e de reprodução cognitiva das chamadas
domínio, a formação tende a afirmar-se como o Prozac organizações hipermodernas subentende e pressupõe
dos pobres e dos excluídos. modos de produção e de relação com o saber
Por outro lado, o paradigma da qualidade total no obedecendo a lógicas específicas. A ênfase atribuída à
campo da administração educativa, a exemplo de outros desnormativação das cognições e convicções, não
domínios da administração pública, tem contribuído inibindo a produção de saberes alternativos,
fortemente para a consolidação de uma tendência em eventualmente oriundos dos diferentes domínios
que o exercício de funções de gestão nomeadamente ao científicos que fundamentam as chamadas Ciências da
nível superior se dissocie das suas referências Administração (psicossociologia, direito, sociologia da
pedagógicas para se construir em torno da figura do organização, economia, gestão etc.) para legitimar as
quadro autónomo que o é, independentemente do práticas de administração como aplicação cognitiva e
domínio onde intervém. O campo da administração instrumental de saberes interdisciplinares, passa
escolar começa, com efeito, a ser estruturado pelo também pelo reconhecimento de que a relevância
aparecimento de dinâmicas corporativas de organização desses saberes não depende apenas do seu conteúdo
dos dirigentes escolares, ao mesmo tempo em que se substantivo, mas das suas potencialidades na produção
desenham acções de formação para “líderes de dinâmicas de explicitação das práticas resultantes;
inovadores”, em que o Ministério da Educação, em não da sua aplicabilidade, mas das suas potencialidades
parceria com empresas de informática e com hermenêuticas resultantes da sua circulação no sistema.
universidades privadas, conta com a participação de Nesse domínio, importa multiplicar e aprofundar novos
“líderes empresariais das principais empresas em “fóruns de produção de saberes”, fóruns híbridos
Portugal” para permitir identificar “áreas de melhoria marcados pela interpelação entre os saberes da acção e
de performance das suas escolas” e, consequentemente, os “saberes” sábios, fóruns marcados por uma
implementar planos de mudança. De acordo com os irredutível mestiçagem epistemológica, fóruns menos
sinais do tempo, “cada formando deverá preparar a preocupados com o avanço dos saberes do que com o
apresentação da sua escola e do status do plano de desenvolvimento de políticas de sentido para a acção.
mudança” ao (pasmem) business leader (coach)” Tendo por pano de fundo essas precauções,
procurarei explicitar alguns dos referenciais cognitivos
Dos paradigmas gestionários à gestão que, do meu ponto de vista, importa ter em conta no
emancipatória como alternativa paradigmática desenvolvimento de um trabalho que traga acréscimos
de sensatez aos discursos sobre a gestão. Irei situar
Em consonância com a importância que os novos
esses referenciais em três instâncias que, apesar de
paradigmas de gestão atribuem ao trabalho de norma

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distintas, por estabelecerem relações de interacção forte descontextualizados e, por isso, obsta que se
entre elas, devem ser consideradas espaços de reconheçam como manifestações particulares
mediação (Correia & Caramelo, 2003): mediação de informações gerais.
epistemológica, mediação organizacional e mediação Em terceiro lugar, convém realçar que a
cognitiva. avaliação como espaço cognitivo de produção
de normas para a administração, embora se
1) Campo da mediação epistemológica apoie em argumentos oriundos da ciência
Neste domínio, importa dar uma atenção (objectividade, quantificação, exterioridade,
acrescida ao trabalho de mediação entre o medida etc.), não constitui uma ciência, na
campo da legitimação epistemológica nas suas medida em que ela se refere sempre a sistemas
relações com o campo da legitimação política. de valores e, por isso, é susceptível de se
Apesar de se reconhecer que o processo de integrar num debate argumentado. Como dizia
credibilização da produção de normas em o meu amigo Guy Berger num seminário
educação está hoje fortemente relacionado realizado no ano passado na Universidade do
com duas autoridades distintas - a autoridade Porto, a avaliação mantém com a ciência uma
atribuída à ciência e a autoridade atribuída às relação semelhante àquela que Jack Daniels
organizações internacionais e aos Estados -, mantém com os uísques: ele não é um uísque,
importa admitir também que essa credibiliza- embora se pareça com ele, da mesma forma
ção mantém relações tensas com esses dois que a avaliação não é uma ciência, embora se
espaços de autorização. pareça com um certo modelo de cientificidade
Em primeiro lugar, porque as retóricas tributária de um paradigma galilaico que, nas
políticas da decisão e da justificação não são Ciências da Educação, coexiste com outros
redutíveis às retóricas científicas da verdade e modelos de cientificidade.
da prova: as acções organizacionais não se
ocupam apenas com questões relacionadas 2) Campo da mediação institucional
com a eficácia, mas também com as questões No campo da mediação institucional,
relacionadas com a justiça, isto é, situam-se importava ter em conta as configurações
num espaço híbrido entre esses dois processos organizacionais facilitadoras da gestão das
de autorização, não podendo fazer a economia tensões entre, pelo menos, duas ordens
da gestão da tensão entre ambas. cognitivas em que se produzem,
Em segundo lugar, o espaço de produção das respectivamente, normas descontextualizadas
justificações e decisões não é um espaço e injunções localizadas da acção. Os modelos
homogéneo e uniforme, é antes um espaço de gestão estruturados em torno da
heterogéneo onde se produzem várias ordens preocupação de implementar modelos de
de justiça e várias lógicas de decisão que não direcção eficazes e nos quais a preocupação
são susceptíveis de serem exclusivamente central é a produção de lideranças parecem ser
hierarquizadas; essas ordens de justiça e de mais permeáveis ao trabalho de produção
justificação obedecem, antes, a uma lógica da descontextualizada das normas da acção,
organização reticular. A desmultiplicação das induzindo, por isso, disposições cognitivas em
normas e informações estandardizadas que as circunstâncias locais são analiticamente
confronta-se sempre com informações encaradas como contextos de aplicação dessas
produzidas localmente cuja singularidade normas. Por sua vez, os modelos de “gestão
inibe que elas possam ser agregadas em descentralizados”, sendo aparentemente mais
indicadores permeáveis às circuns-

464 Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010


Paradigmas e cognições no campo da administração educacional

tâncias locais, fazem uma definição selectiva numa lógica do reconhecimento em que os
dessas circunstâncias e tendem a apreendê-las outros (entes humanos e objectos) têm o
em torno de preocupações relacionadas com a estatuto de testemunha que, desse modo,
“satisfação das necessidades” dos clientes, impede o trabalho de reificação e de
sendo estas sempre de natureza estratégica. A desumanização da acção, em que, como
importância que atribuímos à mediação realçámos, o outro se confunde com as coisas.
institucional supõe o reconhecimento de que o Ora, o trabalho educativo, embora
trabalho cognitivo de referencialização da pressuponha sempre a existência de normas ou
acção obedece a dinâmicas mais complexas; de regras universais descontextualizáveis, não
diríamos que é um trabalho de é apenas um trabalho de normalização, na
complexificação cognitiva em que as medida em que é também produtor de normas
fronteiras entre o universal e o particular não locais, de figuras de compromisso
induzem escolhas estratégicas, mas apelam radicalmente heterogéneas e incomensuráveis.
para uma acção comunicativa que possibilite As normas gerais e exteriores, ainda que sejam
encarar essas oposições estratégicas como incorporadas na acção, não determinam o seu
complementaridades contraditórias. Nessas sentido, embora possam ser úteis na
circunstâncias, o que está em causa já não é a construção de sentidos para o trabalho
procura de modelos de direcção mais eficazes, cognitivo. O desenvolvimento de políticas de
mas o desenvolvimento de instâncias de sentido não pode, desse modo, fazer a
coordenação que, não impondo economia de um trabalho de mediação
normativamente o trabalho de cooperação, institucional que possibilite lidar com as
podem facilitá-lo. Essa arquitectura relações tensas entre a normalização
organizacional subentende, portanto, que se descontextualizada e a produção de normas
considere que, em certas circunstâncias, a locais para a acção.
existência de zonas de indefinição
organizacional não é uma manifestação de 3) Campo da mediação cognitiva
“défices de funcionalidade” das organizações, A ênfase que temos atribuído ao trabalho
mas uma condição do trabalho de mediação cognitivo e, portanto, às mediações que se
institucional que importa dinamizar e tornar produzem nesse domínio apela a que se faça
mais pertinente. uma referência, mesmo que breve, a essa
Do ponto de vista cognitivo, a mediação dimensão específica das dinâmicas
institucional apoia-se no reconhecimento de organizacionais. Para além dos motivos já
que a acção educativa é intrinsecamente uma explicitados, essa alusão justifica-se também
acção contextualizada não redutível às lógicas no reconhecimento de que a dimensão
que estruturam as acções a distância, mas cognitiva constitui a dimensão central do
subentende sempre um trabalho de produção trabalho de formação e a sua especificidade.
de referenciais apoiado em arquitecturas As investigações desenvolvidas no domínio
cognitivas que, não negando o papel da das ciências cognitivas, nomeadamente
informação exterior e quantitativa, incorporam aquelas que se ocupam das “cognições
também desejos, crenças ou intenções que dão situadas”, têm permitido realçar o carácter
origem a regimes heterogéneos de apreciação “improdutivo” desse trabalho cognitivo se
da acção, de extensão mais limitada e com tivermos por referencial de produtividade
uma intencionalidade mais abrangente. Nesse aquele que é oriundo da ordem industrial, em
trabalho de produção normativa, os regimes de que a produtividade não tem em conta, ou só o
apreciação localizados estruturam-se mais tem
Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010 465
José Alberto Correia

de uma forma subsidiária, o trabalho que os é indissociável desse processo de alienação do


trabalhadores realizam sobre si próprios e ofício do professor e do aluno que está na
sobre a organização em que se encontram origem de numerosos sofrimentos pessoais e
envolvidos, para se centrar fundamentalmente profissionais. Não nos vamos debruçar sobre a
naquilo que são os produtos exteriores a esse natureza desses sofrimentos, mas queríamos
trabalho. Nessa definição predomina, então, apenas realçar que a gestão positiva desses
uma lógica da exterioridade que contrasta com sofrimentos subentende que se atribua
as dinâmicas da interioridade características do importância crescente à subjectivação e à
trabalho de formação. Esse trabalho de subjectividade, ou, dito de outro modo, ao
formação é, com efeito, um trabalho do sujeito aprofundamento de uma epistemologia da
sobre si próprio e sobre os contextos em que se escuta sensível, alternativa à imposição
realiza esse trabalho, sendo que ele perde a sua totalitária do argumento estatístico.
especificidade se pensado em torno da
metáfora da produção industrial ou da lógica Conclusões
da prestação de serviços que se constitui hoje
como referencial simbólico central da Nas últimas três décadas, a problemática da
administração pública. administração adquiriu forte centralidade no campo da
Quer se centre analiticamente nos destinatários decisão política em educação. Essa importância não
ou nos profissionais da formação, a pode ser dissociada das críticas que, na década
administração em educação não pode fazer precedente, foram dirigidas ao Estado educador e aos
economia dessa especificidade, sob pena de princípios da regulação monocentrada, bem como da
estruturar-se em torno de uma ordem cognitiva relevância que, progressivamente, se tem vindo a
que produz mais desconhecimentos do que atribuir à governação interna dos diferentes espaços
conhecimentos úteis para a acção. A utilização educativos, resultantes, em parte, do reconhecimento de
“incontrolada” de dispositivos de atribuição de que esses espaços não podem ser encarados como
sentido ao trabalho cognitivo que tem expressão local do sistema educativo. A necessidade de
exclusivamente em conta as qualidades dos compatibilizar, por sua vez, as determinantes
produtos da acção educativa pensando apenas específicas a esses espaços com o funcionamento
as dimensões organizacionais como produtoras global do sistema conduziu ao desenvolvimento de
de contextos prévios a essa acção produz na diferentes paradigmas de regulação na educação que,
realidade um trabalho de ocultação cognitiva obedecendo a lógicas específicas, subentendem
que contribui para a alienação do trabalho na diferentes dispositivos de aprendizagem organizacional
formação. Incidindo fundamentalmente sobre e propõem e impõem relações desejáveis entre os seres
as produções relacionais (produções sociais) e que, deste modo, são sujeitos a um conjunto de
sobre as produções de subjectividades, esse investimentos de forma.
trabalho de ocultação omite do campo da Depois de se terem estruturado em torno das
gestão educativa precisamente as dimensões e problemáticas da mudança e da excelência, esses
as condições específicas do próprio trabalho de paradigmas procuraram incorporar e reinterpretar essas
produção cognitiva. A ênfase dada às problemáticas pela afirmação do paradigma da
qualidades quantificáveis dos seres, associada qualidade. A centralidade atribuída à avaliação e à
às tendências para que os entes humanos sejam imposição de uma ordem cognitiva legítima constitui a
definidos como entes objectos e, portanto, sua característica mais importante.
desapropriados das suas produções narrativas, Num primeiro momento, os dispositivos de
avaliação implementados pretendiam explícita e

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Paradigmas e cognições no campo da administração educacional

directamente melhorar a qualidade e a eficácia das uma administração educativa atenta à justiça social e
modalidades de gestão, no pressuposto de que a organizacional e à gestão emancipatória das tensões e
avaliação, ao disponibilizar um conjunto de dos conflitos inerentes ao exercício da democracia
informações úteis aos actores, poderia contribuir para a organizacional.
melhoria das suas práticas e, por via destas, assegurar
um melhor desempenho dos diferentes sistemas Referências bibliográficas
educativos. Tratava-se de um pressuposto aceitável
desde que fossem preservadas as condições subjectivas, BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. Le Nouvel esprit du

relacionais e organizacionais necessárias para uma capitalisme. Paris: Gallimard, 1999.


utilização pertinente da informação disponibilizada. CORREIA, José Alberto; CARAMELO, João. Da mediação local ao

Num segundo momento, o desenvolvimento do local da mediação: figuras e políticas. Educação, Sociedade &
paradigma da qualidade total e a afirmação da Culturas, Porto, Edição CIIE/Afrontamento, n. 20. p. 167-191, 2003.
necessidade de promover uma cultura de qualidade foi CORREIA, José Alberto. A construção científica do político em
acompanhado por uma multiplicação dos dispositivos educação. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, Edição CIIE/
de avaliação que, sustentando-se, em geral, em Afrontamento, n. 15, p. 19-43, 2002.
aparelhos e indicadores estatísticos, contribuíram para a _____ . As ideologias em Portugal nos últimos 25 Anos. Revista
intensificação do processo de coisificação Portuguesa de Educação, n. 12, p. 81-110, 1999.
organizacional em que se impõem investimentos de LIMA, Licinio. C. O paradigma da educação contábil: políticas
formas semelhantes aos entes humanos e aos entes educativas e perspectivas gerencialistas no ensino superior em
objectos. Para além de ter contribuído para a Portugal. Revista Brasileira de Educação, n. 4, p. 43-59, 1997.
degradação das condições indispensáveis a uma GAULEJAC, Vincent de. La société malade de la gestion. Paris:
eventual utilização pertinente das informações Ed. du Seuil, 2005.
fornecidas pela avaliação, esse processo “naturalizou”
uma concepção de acção educativa que inibe o JOSÉ ALBERTO CORREIA é professor doutorado pela
reconhecimento da especificidade como trabalho Universidade de Bordeux II e conclui as provas de agregação da
cognitivo dos sujeitos sobre si próprios. A Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade
desqualificação das produções imateriais do trabalho do Porto. É membro do Centro de Investigação e Intervenção
cognitivo (produções relacionais, cognitivas e Educativa da mesma Faculdade (CIIE). As suas últimas publicações
subjectivas) e a exclusiva valorização dos seus produtos são: Correia, José Alberto et al. De l’invention de la cité démo-
quantificáveis contribuíram decisivamente para o cratique à la gestion de l’exclusion et de la violence urbaine au
agravamento do processo de alienação do trabalho dos Portugal [In: Marc Demeuse et al. (Dir.), Lespolitiques
professores e dos alunos e, consequentemente, para
d’éducation prioritaire en Europe: conceptions, mise en oeuvre,
uma degradação, sem precedentes, da qualidade de vida
débats. Paris: Institut Nationale de Recherche Pédagogique, 2008. p.
nos diferentes espaços educativos.
221-267]; Trabalho e formação: crónica de uma relação política e
As alternativas a essas modalidades de qualificar
epistemológica ambígua [Educação & Realidade, 35(1):19-34,
e, principalmente, de desqualificar a acção educativa
2010]. Actualmente desenvolve investigação nos domínios Mediação
são susceptíveis de serem estruturadas no
social: Figuras e Políticas e As Políticas de Educação Prioritária na
aprofundamento de dinâmicas cognitivas que
Europa. E-mail: correia@fpce.up.pt
possibilitem pensar as instituições, as cognições e as
produções políticas e epistemológicas como mediações
Recebido em maio de 2010
capazes de dinamizar um trabalho de complexificação
Aprovado em setembro de
que sensibilize as organizações educativas às
2010
gramáticas das formas de vida que as habitam. Esse
constitui o mais importante desafio político e cognitivo
a ser protagonizado por
Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010 467
Resumos/Abstracts/Resumens

políticas de avaliação à avaliação


como política
Nas duas últimas décadas, os dispositivos e
instrumentos de avaliação adquiriram uma
importância crescente no campo da
administração em educação. Não podendo
ser dissociados do processo de erosão do
Estado educador, os actuais dispositivos de
avaliação não se insinuam, apenas, como
dispositivos mais eficazes de regulação
dado serem sustentados num conhecimento
mais detalhado do campo. Neste artigo
admite-se que a avaliação produz o campo
que avalia e se propõe uma análise das
principais tendências de constituição do
campo, situadas nos níveis político,
cognitivo e institucional. Na esfera política,
comenta-se o processo de desqualificação
do debate político contextualizado e da
afirmação sem precedentes de uma
definição contabilística de educação, na
qual se enfatiza sobretudo o trabalho de
descontextualização e a reflexão sobre a
eficácia dos meios. No plano cognitivo, são
debatidos os conhecimentos e
desconhecimentos produzidos pela
avaliação, para realçar o trabalho de
coisificação dos entes educativos e das suas
relações que, deste modo, são
desapropriados das suas qualidades
especificamente educativas. No plano
institucional, são realçados tanto os
processos de produção de novas figuras
institucionais como os processos de
redistribuição das responsabilidades sociais
pelos fracassos da escolarização. Conclui-se
explicitando alguns referenciais susceptíveis
de configurarem um paradigma alternativo
que, não sendo normativo, se preocupa com
a reabilitação dos desconhecimentos
produzidos pelo paradigma da avaliação,
valorizando sobretudo as mediações

José Alberto Correia


Paradigmas e cognições no campo da epistemológicas, institucionais e cognitivas.
administração educacional: das

Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010 591


Resumos/Abstracts/Resumens

Palavras-chave: políticas educativas; configuring an alternative paradigm sus cualidades educativas específicas.
administração escolar; dispositivos de that, by not being normative, is A nivel institucional ponemos en
avaliação concerned with the rehabilitation of the relieve los procesos de producción de
lack of knowledge produced by the nuevas figuras institucionales como los
Paradigms and cognitions in the field
paradigm of evaluation, valuing, above procesos de redistribución de las
of educational administration: from
all, the epistemological, institutional responsabilidades sociales por los
policies of evaluation to evaluation as
and cognitive mediations. Key words: fracasos de la escolarización.
politics
educational policies; school En conclusión este artículo dibuja
In the last two decades, the mechanisms
administration; evaluation mechanisms algunos referenciales que se pueden
and Instruments of evaluation have
constituir como un paradigma
acquired an increasing importance in Paradigmas y cogniciones en el
alternativo, no normativo y
the field of educational administration. campo de la administración
relacionado con la rehabilitación de
Since they cannot be dissociated from educacional: de las políticas de
los desconocimientos producidos por el
the process of erosion of the educative evaluación a la evaluación como
paradigma de la evaluación, valorando
State, the current mechanisms of política
sobre todo las mediaciones
evaluation do not propose themselves En las dos últimas décadas los
epistemológicas, institucionales y
only as more efficient mechanisms of dispositivos e instrumentos para
cognitivas.
regulation, considering that they are evaluar han adquirido una creciente
Palabras clave: políticas educativas;
supported by a more detailed knowledge importancia en el ámbito de la
administración escolar; dispositivos de
of the field. This article admits that administración en educación.
evaluación
evaluation produces the field that it Los actuales dispositivos de evaluación
evaluates, and proposes an analysis of no pueden desconectarse del proceso de
the main tendencies in the constitution erosión del Estado Educador, y no se
of this field, situated on the political, presentan únicamente como métodos
cognitive and institutional levels. In the más eficaces de regulación, ya que se
political sphere, the text comments on sustentan en un conocimiento detallado
the process of disqualification of the del campo. En este artículo
contextualizedpolitical debate and the proponemos que la evaluación que
unprecedented affirmation of an book produce el campo que evalúa y
keeping definition of education, in which elegimos un análisis de las tendencias
the work of decontextualization and the clave en la constitución del campo,
reflection on the efficiency of the means situándolas en el plan político,
are emphasized above all else. On the cognitivo e institucional.
cognitive plane, the text debates the En política nos damos cuenta del
knowledge and lack of knowledge proceso de inhabilitación del debate
produced by the evaluation designed to político contextualizado y de la
emphasize the reification of the afirmación sin precedentes de una
educative persons and their relations, definición contabilistica de la
who are thus deprived of their specific educación que hace hincapié
educative qualities. On the institutional fundamentalmente sobre el trabajo de
plane, the text emphasizes both the descontextualización y la reflexión
processes of production of new sobre la eficacia de los medios.
institutional figures as well as the A nivel cognitivo analizamos los
processes of redistribution of social conocimientos y desconocimientos
responsibilities for the failures of producidos por la evaluación para
schooling. It concludes by making resaltar el trabajo de "objetivación " de
explicit some frameworks that are las entidades educativas y de sus
susceptible to relaciones, que son así despojados de

592 Revista Brasileira de Educação 15 n. 45 set./dez. 2010

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