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PREGÕES DO PORTO

pregoes, tal como os entendiam os


Romanos pela palavra praeconia,
existem em Portugal desde recua-
díssimos tempos. Alexandre Her-
culano, aludindo aos almotacés, frisa
que eles se socorriam de pregoeiros
para o exercício do seu cargo, e não
só Diogo do Couto como também
Garcia de Resende nos dão teste­
munho da existência de pregões na
época em que viveram.
As Encomendações das Almas, ainda hoje ouvidas por
diferentes partes, não passam de forma especial de pregão
como, ao fim e ao cabo, o são os próprios sinos, que servem
não só para anunciar a celebração da Santa Missa, com seus
três toques sucessivos, mas também para tornar pública a de
baptizados, casamentos e outros actos litúrgicos.
Pregões autênticos são igualmente os «banhos» ou leituras
de promessa de casamento, em três domingos seguidos, tornadas
obrigatórias a partir do Concílio de Latrão, nos alvores, por­
tanto, do século X III.
Havia oUtrora pregões militares destinados à publicação
de ordens, pregões judiciais para a proclamação de sentenças
e execuções capitais e pregões administrativos, na vida corrente
dos municípios, para os mais variados fins. Se se tratasse, por
exemplo, da arrematação da sisa anual, o porteiro da Câmara
118 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

percorreria as ruas da sede do concelho e nas praças principais


daria conhecimento do dia e hora a que procederia, na sala
ou terreiro municipal, ao acto da arrematação. Isto durante
trinta dias ou mais.
ÍIo dia designado, estando presentes os interessados, o
mesmo porteiro receberia os lanços e ao último diria em altas
vozes as palavras da L e i:— «Duzentos mil réis dão pela sisa
corrente para o ano que vem! Dou-lhe uma, dou-lhe duas,
dou-lhe outra mais pequena! hio preço a acho, na praça a
arremato, dou o ramo a seu dono!» E entregava ao arrema­
tante um ramo verde, figuração simbólica da outorga imediata
da coisa arrematada.
Tratando-se de luto pela morte de pessoa real, o bando
ou pregão público era proclamado por Juízes, Almotacés, Pro­
curador do Concelho e Escrivão do Senado municipal, com
o Pregoeiro e o Alcaide do Juízo, todos de capa e volta, e quatro
tambores cobertos de luto, formando longo cortejo.
Se a notícia fosse de regozijo à escala nacional, como,
por exemplo, o baptismo dum Príncipe, publicava-se, então,
o bando acompanhado de música, tambores e um corpo de
tropa cedido pela autoridade militar. Proclamava-se o faustoso
acontecimento e pedia-se à população que iluminasse as janelas
nas três noites imediatas.
O pregão dos nossos dias é acto praticado pelos artífices
ambulantes quando anunciam os serviços que estão aptos a
prestar ou pelos vendedores da rua quando tornam público
o que trazem para vender.
Artífices de importância etnográfica são os amoladores-
-guardassoleiros, homens que afiam navalhas e facas e do mesmo
passo consertam guarda-sóis e louça, quer de barro quer de
folha. O seu pregão é melodia de «flauta pânica», instrumento
universal, da mais alta antiguidade, a que chamam gaita,
flautim ou apito.
Os artigos de comércio trazidos pelos vendedores ambu­
lantes ou são artefactos, como agulhas e alfinetes, peneiras
e crivos, esteiras e vassouras, ou géneros alimentícios das mais
PREGÕES DO PORTO 119

variadas espécies, desde a fruta e os legumes até às aves, peixe


e alimentos preparados: doces, queijo, pastéis, pão, etc. O seu
pregão, quando musical (porque também os bá simplesmente
gritados), consta duma parte melódica e um pequeno texto
prosódico.
Há fórmulas consagradas. Uma delas consiste em per­
guntar: «Quem quer1?...«. É desse género o lindo pregão das
uvas, na cidade do Porto : Quem quer uvas ? Quem quer uvas ?
Quem quer uvas ? Ai, quem quer uvas ?
É de notar que a última das quatro interrogações começa
pelo fonema Ai. Hão é caso único nem este fonema é único.
Diz-se em Lisboa: Oh azeite doce e petroline! B também:
E o «tramoçm saloio ! Ho Porto, igualmente se encontra: E quem
merca a oliveira ? Este E (i), diga-se de passagem, era do velho
falar galaico-português.
Ho pregão para mel da cidade do Porto a fórmula inicial
da pergunta é: «Quem compra?...». Esta e a equivalente—-
«Quem merca ?... » — são também as fórmulas iniciais doutros
pregões, aparecendo a segunda maior número de vezes que
a primeira.
O texto prosódico dum pregão pode ser constituído pura
e simplesmente pelo nome da coisa que se vende : Arruf adas
de Coimbra \ ou Bananas e vagens ! Houtros casos, como no
antigo pregão do Porto para sabão, a seguir ao nome da coisa
surge uma interrogação : Sabão a vintém ! Quem merca sabão ?
O pregão para peras e ameixas, usado outrora em Porta­
legre, oferece-nos uma novidade — declara-se a coisa e o seu
preço. Ali se dizia: Qu'âe màrc-ás paras ? Qu'âe márc'ás amâxas '!
Vêo a trás vintães! («Quem merca as peras? Quem merca as
ameixas? Yêm a três vinténs!»).
Em Lisboa e na cidade de Eivas, apregoam-se figos da
mesma maneira : Quem quer figos ? Quem quer almoçar ? Bom
figo da capa rota! Heste caso a fórmula de introdução não é
nem «Quem m erca?...» nem «Quem compra?...», mas «Quem
quer?...». Casos há, todavia, em que, para simplificar, se diz
unicamente «Quer?...», como, aliás, se diz simplesmente
120 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

«Merca?...», «Compra?...». Outra particularidade oferece o pre­


gão para figos: é que proclama o estado ou a qualidade das
coisas, como nestes dois outros de Lisboa:

Oh rica amora ãa horta,! Amora fria!


e
Olha do ramo altol Olha laranja boa!

Atente-se em rica, fria, boa.


É ainda em Lisboa que se nos depara um pregão com
referência a estado e qualidade. Trata-se do pregão para broinhas
de milho: Broinhas ãe milho! Quentinhas! D'erva doce!
Na cidade de Portalegre, o pregoeiro do melhor vinho
da terra indicava não só o preço da «bela pinga» mas também
o local de venda. Era um longo reclamo, em nada inferior aos
capciosos «conselhos» publicitários dos nossos dias. Com sua
pronúncia regional, era assim:

QPãe (fár compres bom vinho tinto a trás vin­


téns o litro vá ó Rocio à venda do Cachudo q'á lá
se vanãe!

Em Lisboa, dá o leiteiro réplica dizendo:

Ó freguesa lá do primeiro, venha à vaquinha!


Cá está o leiteirol Chega lá para baixo, chegai

Na cidade de Eivas, ouve-se (ou ouvia-se) o mais longo


pregão até hoje compendiado. Diz a letra:

Pão ãe calo quentinho, próprio para manteiga,


biscoitos, pão de ló, jezuítas, a vintém, a dez réis!
Quem mais compra, meus senhores ?

Nem sempre quem lança um pregão é com a intenção de


vender. Quem tiver ossos, trapo ou metais, ouvirá o homem
PREGÕES DO PORTO 121

do ferro velho, em Lisboa, com uma pequena melodia de certo


encanto formal, atirar o pregão:

Há por aí alguns ossos, ou cobre, ou trapo que


vendam, ou algum chumbo ou latão ?

Há pregões de texto sibilino, hermético, só acessível aos


iniciados nos altos mistérios da prosódia popular. Se ao passa­
rem outrora pelas ruas de Lisboa ouvissem gritar — E erre !
— aquilo queria dizer: Mexilhão! Ha cidade de Eivas as difi­
culdades subiriam de ponto ao ouvir-se:

Um há ! Há cramél Há tatarrá! Há tricoél


Aguinha da cisterna !

Impenetrável, não é verdade ? Eis a tradução :

"H á ! Há caramelos ! Há como torrãol Há a


cinco réisl Aguinha da cisterna !»

Todavia, na nossa faina de recolher cantigas e pregões


o caso mais curioso que nos sucedeu foi numa estação da Linha
do Douro. Ao parar o comboio ouvimos o pregão da mulher
das regueifas e escrevemos a respectiva solfa, que terminava
na nota ré e era assim:

Ordenando o Chefe da estação o prosseguimento da marcha,


o empregado avisou da partida num brado que terminou na
mesmíssima nota ré, já ouvida à mulher das regueifas:
1 22 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

Até aqui, nada de verdadeiramente extraordinário, pen­


sámos nós. O funcionário subordinara-se instintivamente à tona­
lidade estabelecida anteriormente pela mulher.
Sucedeu, porém, que o silvo dado pela locomotiva, antes
de retomar a sua marchai, ainda era um ré! As coincidências
eram agora demasiadas... Deu-nos que cismar o enigma. Por
fim, ocorreu-nos que a locomotiva apitara antes de penetrar
na estação. Era isso! Como o apito afinava em ré, a mulher
das regueifas e o funcionário tinham-se regulado por tal diapasão.

*
* *

Xo século X Y , as populações alimentavam-se na base de


peixe, aves, legumes e carnes, predominando, então, os pratos
preparados com açafrão, leite, mosto, mel, ovos e manteiga.
O comércio destes e doutros géneros levara à criação de
feiras; dos pregões se pode dizer que são tanto ou mais anti­
gos que elas.
Gil Yicente deixou-nos um quadro pitoresco e animado
duma feira em que o Tempo vende não só piedosos conselhos
e remédios contra adversidades mas também amor e razão,
justiça e verdade, temor a Deus e chaves para entrada no
Paraíso. E serve-se do pregão:

Quem quer feirar


venha trocar, que eu não hei-de vender;
todas virtudes que houverem mister,
nesta minha tenda as podem achar
a troco de coisas que hão-ãe trazer!

Das aldeias vieram feirantes para a troca de ovos, quei­


jadas, artefactos (sombreiros de palma, burel de lã marinha,
pucarinhos para mel e sapatos), produtos agrícolas (trigo,
cevada, favas de Yiana e mostarda) e animais domésticos
(patos, galinhas, coelhos, cabritos e leitões).
PREGÕES DO PORTO 12 3

Nesse tempo, em cada feira uma festa, pois disse uma


das personagens:

Eu não vejo aqui cantar,


nem gaita nem tamboril
e outros folgares mil
que nas feiras soem estar.

Segundo Rafael Bluteau (Suplemento ao Dicionário Por­


tuguês e Latino, parte II), os pregões mais usados em Lisboa,
no século X V III, eram os oito seguintes:

Para panos da Holanda, Inglaterra, índia,


etc.: Quem quer um par de varas de cassa, um par
de varas da Holanda ?
Para sardinhas: Há sem sal de posta! ou Há sem
sal como cavalas!
Para velharias: Ferro velho! Latão para ven­
der! Passamanes de prata! Galão velho!
Para cal em pedra: «Marcai» call ou, estro-
peando ainda mais: Marcai quel!
Para f avinhas frescas: Tenho rica síria!
Para tremoços, simplesmente: Idos!
Para carvão: Carbiú\ ou apenas: Biú!
Para panos de linho: «Marcai» panos de linho!
ou «Marcai» panos! Medir!

O Novo Almanaque de Lembranças Luso-brasileiro para


o ano de 1875, citado por A. Tomás Pires (ver «Revista de
Portugal», II, p. 655) contém uma relação de pregões relativa
à Capital, no terceiro quartel do século passado. Parecem-se
mais com os do nosso tempo do que com os do sécrüo anterior,
como se pode ver:

Para sardinhas: E salgadinha da costal ou


E canudos sem sall Viva sem sal!
BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO
124

Para mexilhão: Erre 1 Errei, acrescentando-se,


às vezes, em rimas sucessivas: com seu alho e seu
sarabugalho, e azeite de Santarém, que e pouco mas
sabe beml
Para nabos: Mão de nabos!
Para fava seca, cozida e temperada: Fava rica!
Para castanhas cozidas: Quentinhas de erva doce!
Para tremoços: «Tramoço» saloio!
Para frutas diversas: Amoras da hortal Um par
de melões! Melancias da Várzea! Reais figos tenho \
Figos ãa capa rotal Quem quer figos? Quem quer
almoçar ?
O aguadeiro galego simplesmente clamava: A ú !

Júlio Machado em Trechos de Folhetins (citado também


por A. Tomás Pires, loc. cit.) anota o seguhite pregão para
sardinhas: Bibinha! Bibinha! Quem a quer bibinha ?*

Palemos da música dos pregões.


Aos pregões musicais se refere Augusto de Santa Eita
nos seus versos:
E aquelas moçoilas de gigos, cabazes...
— Olhai!
Entoando pregões
Que lembram canções
Cheias de harmonia;
Que trajos alegres e também vivazes
Rebrilhando — lindos — ao sol do meio-dia !

(O Mundo dos meus Brinquedos)

Os mais antigos pregões musicais que se conhecem foram


recolhidos por César das Neves, que os compendiou no Can-
PREGÕES DO PORTO 125

cioneiro ãe Músicas Po-pulares (Porto, III, 1898). Segundo


aquele autor, o pregão para castanhas já existia em Lisboa
por volta de 1838 e revestia-se da seguinte configuração:

Cas_____ ta nha co-- sl— da! Quem as quer quen-

(1 )

Bem pequeno tem sido o número de folcloristas dedicados


à recolha de pregões musicais, depois de César das Neves, que
publicou dez. Adriano Merêa compendiou 19, Tomás Pires 32,
Eodney Gallop 14 e Luís Chaves 21. Estas as principais con­
tribuições. Vêm depois Cláudio Carneyro e Jaime Cortesão
(recolha de Judith Cortesão).
Temos procurado demonstrar, utilizando dados alcan­
çados por diligência própria, que os pregões do Porto rivalizam
em qualidade e quantidade com os de qualquer outra cidade
do país, não lhes sendo inferiores no significado musicológico.
O estilo da emissão, rude, por vezes agreste, é que os fará
parecer menos belos. Curiosas são as coincidências. O pregão
de Eivas para barquillero e o do Porto para azeitonas paten­
teiam correspondência de timbre musical.

( 2)

(3)

Mer-ca a-- zei-- to— na?

(!) César das Neves, Cancioneiro de Músicas Populares, III, Porto, 1898.
(») A. Tomás Pires, Os Pregões de Eivas (in «Portugália», II).
( 3) Rebelo Bonito, Cantigas e Pregões, Cancioneiro inédito.
126 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

Os pregões como música estão sujeitos a vicissitudes, e


estas não diferem das que atribulam a vida da canção popular
de qualquer espécie. Em ambos pode variar o texto poético
ou o prosódico e ficar a música. Isso se observa especialmente
quando a mesma pessoa se dedica, no decorrer do ano, à venda
de géneros diferentes. ÍTo l.° de Maio, e no Porto, o homem
das maias passa pelas ruas cantando:

Mer----- ca mai-— as ou lou----rei - ro?

Pois o mesmo vendilhão, no Domingo de Ramos, ainda


longe, já se ouve:

( 5)

E o Porto, a mulher que vende sardinhas no Yerão e uvas


no Outono, e em Eivas a mulher ora dos ovos, ora dos tre-
moços, mudam o dito mas não alteram a solfa.
Também admitem os pregões variantes. Uma toada meló­
dica de terra para terra, de indivíduo para indivíduo, adaptada
a novo texto prosódico, altera-se mas fica reconhecível. É o que
acontece nos pregões do Porto para sabão e louça e em Lisboa
nos pregões para mexilhões e ostras. A exemplificação deste fenó­
meno vamos fazê-la tomando um pregão do Porto para flores,
outro de Eivas para espargos e ainda outro do Porto para mel.
Eis o primeiro:

Quem mer— ca va--- sos de fio— res?

(4). (6) e (6) Rebelo Bonito, loc. cit.


PREGÕES DO POETO 127

O de Eivas apoia-se longamente na segunda sílaba do


texto e encaminha-se para um desfecho déliquescente ou,
empregando termos técnicos, para uma «cadência cromática».

(7)

Quem mer— ------------------- o ’ ó.s *spa r----------------gos?

A fórmula do pregão do Porto para mel, breve, concisa,


é de quem tem pressa. A mulher que o vende como que pretende
dizer que «é pegar ou largar».

MelJ Quem com-----pra mel?

O pregão de Eivas para caramelos e o de Lisboa para


figos originam variantes formadas pelo processo de desinte­
gração, isto é, de uma toada relativamente longa destaca-se
uma das suas partes, que vai formar novo pregão.
Vejamos como se comporta o pregão de Lisboa para figos.

Quem quer f i - —gos?Quem quer al-m o— -c a r ?

(9)
m -g u i---- nho da c a ------ pa ro -----1 '?

(7) A. Tomás Pires, loc. cit.


(8) e (9) Rebelo Bonito, loc. cit.
128 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

A segunda parte do pregão soltou-se e passou a constituir


novo pregão:

Quem quer f l -----gos? Que® quer a l —mo------ça r?

A mulher dos frangos e a farrapeira da cidade do Porto


mostram-nos como se pode formar uma variante «por contracção».
Canta a mulher dos frangos:

(11)

Quem mer-------- ca fr a n -------gos?

E a farrapeira:

(12)

Far---- ra ----- p e i --------------- ra l

Como se verifica, a mulher do farrapo logrou adaptar


a uma só palavra toada criada para três. É a isto que chamamos
«variante por contracção».

*
* *

Disse alguém que as toadas dos pedreiros e os pregões


representam, no campo musical, as poucas coisas que podem
ser criadas por qualquer, sendo que tudo o mais requer um
autor dotado de jeito para a composição, ainda que musical­
mente analfabeto.
Não estamos de acordo.

(10), (“ ) e (12) Rebelo Bonito, loc. cit.


PREGÕES DO PORTO 129

Ató onde nos tem sido dado aprofundar, as conclusões


a que chegámos dizem-nos que os pregões têm raízes múltiplas,
sendo as principais o cantochão, o canto gregoriano e os toques
militares.
A estrutura musical para o final da missa de Sábado
Santo, na parte correspondente às palavras — Ita missa est.
Alleluia — reflecte-se em três pregões da cidade de Eivas, em
um da cidade do Porto e um da cidade de Lisboa.
A o Liber Usualis Missae et Officii (p. 108) encontramos
uma passagem em recto-tono sobre as palavras — Qui vivis
et regnas cum Deo Patris — a qual nos permite encabeçar no
cantochão o pregão de Aveiro (Estação) para ovos moles.
Eis a toada litúrgica:

Eis o pregão:

(13)
Quem mer-----ca o -----vos mo---------- l e s d 'A — v e l — ro ?
Simples coincidência ? É possível, mas não deixa de
impressionar a aproximação.
Ao Comunio do II Modo, que se lê na pág. 133 do mesmo
Liber Usualis, encontramos a passagem:

iP H
Tu au— tem
£ f- í 1í f f
Do— mi— ne mi— se re re no bis

y
De-- o gra— ti--- as

Ao Porto, os pregões para vasos de flores e ervilhas pare-

(l3) Rebelo Bonito, loc. cit.


vol. XXVI fl. 9
130 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

cem trair influência deste texto eclesiástico, ou de qualquer


outro do mesmo tipo melódico.
O pregão para vasos de flores apresenta a seguinte con­
figuração :

Ai, quem mer "ca fio— res?Quen mer-ca fio— res?

O pregão para ervilhas, variando por contracção, soa de


modo idêntico:

Quem mer:
--- ca er-vi--- lhas?
B, porém, a Salmodia do V III Modo gregoriano a estru­
tura melódica que, a nosso parecer, tem exercido mais profunda
influência sobre a música dos pregões populares.
Vamos apresentar o texto integral gregoriano sobre a
frase didáctica: Octavus tonus sic ineipitur, sic flectitur atque
sic finitur.
Vai designada por A a Intoação, por B o Reeitativo,
por 0 a Cadência mediante e por D a Cadência final

is
2o
Oc-- ta-viií
í í-f- í í í
to-- nus sic in-- ci--- pi-— tur sic
I.. .... ° ' ■■-"!( -....... — D .................... .... I

ç ç Ç £ Ç £ ç f
flec— ti--- tur at---que sic fi--- ni----- tur

Os pregões que a seguir se mostram provêm dalgum ou


dalguns elementos melódicos da dita Salmodia.

(i4) e (is) Reggio Bonito, loc, cit.


PREGÕES DO PORTO 131

A desintegração da Intoação (letra A) deu pregões como


o de Gaia para ágiia e bananas:

Da desintegração conjugada do Recitativo e Cadência


mediante (letras B e C) terá resultado, p. e., o pregão para
água da estação de Albergaria dos Doze, na Linha do ÍTorte:

(i t :

Ã-- gual Ai, quem quer a--- gua?


O pregão para peras da cidade do Porto reflecte a desin­
tegração conjugada da Intoação, Recitativo e Cadência mediante
(letras A, B e 0):

ÈÉÉ1
Quem quer peras?Ai,que ri-cas pe-rasJQuem quer pe ras?
Encontram-se no pregão do Porto para Jornais, como
elementos inspiradores, a Intoação imediatamente seguida da
Cadência mediante (letras A e C):

(19)

Há o Ja— neiro e o Comércio 1 Há_o Comércio^e^p Janeiro!

A Intoação e a Cadência final (letras A e D) terão dado


o pregão de Lisboa para figos e o de Eivas para peneiras. Apenas
o de Lisboa interessa aqui reproduzir:

(20)

Quem quer fi--- g's? Quem quer al — mo— --çar?

( 161 (17)> (18). (19) e ( 20) Rebelo Bonito, loc. cit,


132 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

A desintegração da Cadencia final (letra D) vamos encon­


trá-la no pregão do gnardassoleiro lisboeta e no pregão do
Porto para mel. Este último apresenta-se com a seguinte expres­
são melódica:

Mell ___________ Quem com-- pra mel?


Passemos às influências dos antigos toques militares.
Os sinais executados pelos clarins regimentais baseiam-se
nas notas que formam o que no estudo da Harmonia se designa
por «acorde perfeito do modo maior». A diversidade de toques
obtém-se quer variando os ritmos quer variando a posição
relativa das sete notas ao alcance do instrumento, que são:
sol, dó, mi, sol, dó, mi, sol.
Os toques que se nos afiguram de mais pronunciada
influência sobre os pregões populares são os de pão, água,
aula, deitar correias e inimigo à vista.
O de água vemo-lo reflectido no pregão de Lisboa para
morangos; o de deitar correias quer no de Eivas para amolar
tesouras e navalhas quer no do Porto para gamelas. O toque
para distribuição de pão influenciou o pregão de Lisboa para
tremoços e o de Eivas para Jornais.
Toque militar para a distribuição de pão:

Pregão de Eivas para Jornais:

(22)

( 21) Rebelo Bonito, loc. cit.


( 22) A. Tomás Pires, loc. cit,
PREGÕES DO PORTO 133

O toqüe por meio do qual se convoca a galuchada para


a aula de instrução primária inspirou rítmica e melòdicamente
a fórmula do pregão de Lisboa para a venda de quebra-luzes.
Eis o toque:

Eis o que parece ser a sua variante como pregão:

A------- b a t ----- j o u r s l A---------- b a t --------j o u r s j A

O sinal de inimigo à vista é rápido, incisivo:

O pregão de Eivas para leite soa ainda com maior bre­


vidade :

(24)

Va----- mos ó " l ê t e nJ

( 2a) Adriano Merêa, A Música dos Vendilhões (in «Serões», 2.a série, II,
1906).
( 24) A. Tomás Pires, loc. cit.
134 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

Influência menos pronta, ao qne se nos afigura, é a da


canção popular. Earos casos dessa natureza se nos têm depa­
rado. O mais notável é certamente o de «Baya, nina», canção
compendiada em 1898 por César das Neves. Corresponde-lhe,
em Lisboa, o pregão para alféloa, gergelim e amêndoa doce.
Aquela canção apresenta-se-nos com os seguintes com­
passos iniciais:

Bay a, bay-- a , ni-- na, fa----- cei as-sim:

Opregão vai-lhe na peugada:

(26)

E quanto à música erudita ? Também ela terá tido alguma


influência sobre os pregões populares cantados ? Erancamente,
não ousamos dicidir-nos; todavia, seja-nos permitido apro­
ximar nm pregão duma passagem de Wagner e outra de Puccini.
No «Idílio de Siegfried» encontramos o tema:

E canta-se no l.° acto de «Madame Butterfly»:

Dammi ch'io ba-ci le tue ma-- ni ca— ri

( 25) César das Neves, loc. cit.


( 26) Adriano Merêa, loc. cit.
PREGÕES DO PORTO 135

Para a venda de azeite e petroline canta-se (on can­


tava-se) por Lisboa:

(21
3 E
i— zei-te • ce_
do— e pe— troll— nel

Destas aproximações seria ousado tirar conclusões em


defesa de qualquer tese, pelo que melhor será levar tudo à conta
de mera coincidência... Adriano Merêa também não tirou con­
clusões quando aproximou este mesmo pregão dos primeiros
compassos do cantabile de Amneris, no princípio do 3.° acto
da <Aida». Já o mesmo não acontece com as restantes influên­
cias assinaladas. As do canto eclesiástico explicam-se pela
presença do povo nas cerimónias do culto e participação
nelas; as dos toques militares pela vizinhança de quartéis,
onde certos sinais se ouvem diariamente, a horas determina­
das, e todos incessantemente se repetem durante os períodos
de instrução dos soldados-corneteiros.

Os pregões que a seguir se apresentam foram recolhidos


na cidade do Porto, na década compreendida entre 1947 e
1957, à excepção do que leva o n.° 34, que esse o ouvimos há
muitos anos.
Os pregões de flauta multitubular, tocados por guardas-
soleiros e amoladores de tesouras e navalhas, e que se ordena­
ram por ordem decrescente da complexidade melódica, apioxi-
mando os afins, temo-los por importantes pelo que represen­
tam no estudo comparado do folclore da Galiza e Portugal,
pois também ali existem e muito semelhantes.

( a7) Adriano Merêa, loc. cit.


136 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

Os quatro últimos pregões vocais (n.os 42 a 45) não levam


nem texto prosódico nem título, por nos ter sido impossível
entender as palavras de quem apregoava, o que nos inibiu de
identificar as coisas apregoadas. Não quisemos, todavia, deixar
de os incluir, para não se perderem os textos musicais, que
reputamos de algüm interesse.
Os pregões desta espécie dispuseram-se por ordem alfa­
bética dos títulos.

Rebelo Bonito
COLECTÂNEA
DE

PREGÕES DO PORTO

I —P r e g o e s i n s t r u m e n t a i s

II — P r e g o e s v o c a i s
I — P R E G Õ E S IN S T R U M E N T A IS

(Flauta pânica)
140 BOLETIM CULTURAL DA CAMARA MUNICIPAL DO PORTO
PREGÕES DO PORTO 141

13

14
Apressado

15
Apressado ,___ 3

16

17
I I — P B E G Õ E S V O C A IS

18 Azeitonas
r

J Mer-ca1a— z e l -t o na?

19 Bananas

r~ : 0 m * é
Quer bana—nas? Quer ba-na— nas? Ai,quem quer, quem

IE íe É TZZ
J quer toa— na----nas?

20 Cenouras e vagens2
1

Ce—nouras e va-----gensl

21 Enguias

s&
Quem mer-ca e n - g u i ---- a s ?
144 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

22 Ervilhas

Q uem quer e r --- v i --- lhas?

23 Farrapo

--- — A ^
Far-- ra---p e i ---------- ral

24 Frangos

25 Jornais

Há o J a - n e i r o e o C o m é r c i o J H á o Comércio e o J a n e i r o l

26 Maias e loureiro

27 Mel

Quem mer— ca mel? Quem quer mel do Na-

J ta---- 1(e) Mel do Na--- ta 1(e) 1


PREGÕES DO PORTO 145

29 Mel

30 Mexilhões

31 Peras

32 Peras, bananas e regueifas

vol. XXVI fl. 10


146 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

33 Ramos de oliveira

J E quem m er— c a a o l i — v e i — r a ?

34 Sabão

(28)
Sa— bao a v i n — têm j Quem m er------c a sa bão?

35 Sardinhas

O ra a — g o -----r a v i ------ v a i

36 Uvas

£
É
74 Quem q u e r u ----- v a s ?
m
Quem q u e r u ----- v a s ?

Quem q u e r u ----- v a s ? A il Quem quer -v a s ?

37 Uvas

( “8) Este pregão do Porto já se não ouve há uns 50 anos.


PREGÕES DO PORTO 147

38 Vagens e cenouras

C o m — pra v a --- gens ou ce n o u ---------- ras?

39 Vasos de flores

40 Vasos de flores

A i , q u em œ e r - c a f ^ o — r e s ? V a — sos de f l o — resl

41 Vasos de flores

42

(29)

( 29) A letra deste pregão, bem com o a dos três seguintes, foi impossível
distingui-la.
148 BOLETIM CULTURAL DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

43

44

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BIBLIOGRAFIA

CÉSAR D AS NEVES, Cancioneiro de Músicas Populares, III, Porto, 1898.

AD RIAN O M ERÊ A, A Música dos Vendilhões, (in «Serões», 2.a Série, II).

A. TOMÁS PIRES, Os Pregões de Eivas (in «Portugália», II).

REY COLAÇO — Colectânea de pregões de Lisboa harmonizados.

R O D N EY GALLOP, Cantares do Povo Português, Lisboa, 1937.

JAIME CORTESÃO, O que o Povo Canta em Portugal, Rio de Janeiro, 1942.

CLÁU D IO CARN EYRO , Pregões (in «Conferências da Liga Portuguesa de Pro­


filaxia Social», V série, Porto, 1946) (30).

LUÍS CHAVES, Nota Etnográfica-Os Pregões Populares das Ruas de Lisboa (Sepa­
rata da «Revista Municipal», n.° 64, Lisboa, 1955).

(30) Cláudio Carneyro utilizou no seu estudo pregões das colectâneas de


Adriano Merêa e Rey Colaço e outros da sua própria recolha na cidade do Porto.

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