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BANCA EXAMINADORA
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Agradecimentos
Aos meus amigos do peito, sempre presentes: Otávio, André, Júlio e Ezequiel.
Graças ao doutorado no IE ganhei outro, meu camarada em armas Luís Otávio Reiff.
A meus familiares, que tornaram menos penosa esta travessia. O clã Werneck
Vianna está ficando cada vez mais extenso, mas vamos lá: João Pedro e Gabriela,
Juliano e Bianca, Marina e Sávio, João Francisco, Pedro (o rei do queijo quente),
e Márcia.
A Luiz Jorge e Maria Lucia, as figuras humanas mais extraordinárias que já tive
a ventura de conhecer; meus maiores mestres e meus maiores exemplos, a quem sempre
serei tão devedor, em quem sempre, ainda que em vão, tentarei me espelhar.
A Andrea, tudo que posso dizer é que um dia espero poder retribuir tudo que ela
Índice
TU APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................... 9
UT
MULTIDISCIPLINAR ............................................................................................................................ 13
UT
BRASILEIRO .......................................................................................................................................... 58
UT
TU 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 94
UT
Índice de gráficos
TU GRÁFICO 1 – PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASIL: VARIAÇÃO (%) REAL ANUAL, 1901-2006 ................ 95 UT
TU GRÁFICO 2 - PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASIL: MÉDIAS GEOMÉTRICAS DECENAIS DAS TAXAS DE
VARIAÇÃO (%) REAL ANUAL ............................................................................................................. 96
UT
TU GRÁFICO 3 - PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASIL: EVOLUÇÃO ANUAL DE SEU NÍVEL, EXPRESSO EM R$
MILHÕES DE 2006, 1901-2006 ........................................................................................................... 98
UT
TU GRÁFICO 4: EVOLUÇÃO DA RENDA POR HABITANTE NO BRASIL (EM R$ MIL DE 2006), 1901-2006 ............ 99 UT
TU GRÁFICO 5 – RENDA POR HABITANTE NO BRASIL, EM R$ MIL DE 2006: MÉDIAS DECENAIS ...................... 101 UT
TU GRÁFICO 7 -EVOLUÇÃO DA ARRECADAÇÃO DIRETA POR ESFERA DE GOVERNO: 1960, 1965, 1970-2005 . 246 UT
TU GRÁFICO 9 – CARGA TRIBUTÁRIA DIRETA E INDIRETA SOBRE RENDA, SEGUNDO CLASSES DE RENDA EM
SALÁRIOS MÍNIMOS PARA O TOTAL DAS ÁREAS, EM % ..................................................................... 295
UT
TU TABELA 1 – RENDA POR HABITANTE NO BRASIL, EM R$ MIL DE 2006: MÉDIAS QÜINQÜENAIS E TAXAS DE
VARIAÇÃO PERCENTUAL .................................................................................................................. 101
UT
Resumo
no período de meio século compreendido entre 1930 e 1980. Este processo, tratado no
e democráticas, e, ao seu final, lograra multiplicar em sete vezes a renda por habitante,
período colonial, recorrendo a alguns dos autores clássicos da ciência social brasileira,
desenvolvimento.
8
Abstract
between 1930 and 1980. This process, treated in the work as the national construction,
has occurred, alternatingly, in authoritarian and democratic conditions, and, to its end, it
achieved to multiply in seven times per capita income, while the population would
triple. The central objective is to argue how the innumerable reforms and implemented
institucional innovations, throughout this period, and in different social and political
contexts, had made possible the sped up economic growth. For this, an ample historical
panorama is traced, since the colonial period, appealing to some of the classic authors of
tax system, in the current Brazilian context, marked by increasing debate concerning the
Apresentação
agenda brasileira;
econômico a taxas mais elevadas. Embora a tese não possua pretensão normativa,
Formação Econômica do Brasil (Furtado [1959], 1976), e algumas incursões aos textos
década de 1930, que remetem, segundo Celso Furtado, a dois momentos de transição. O
para um sistema industrial no século XX, tratado na quinta e última parte da referida
deu a formação dos dois pólos dinâmicos que impulsionaram a economia colonial e que,
havido para a explicação desses “saltos” no que diz respeito à elaboração de políticas e
marcos legais (em alguns casos mesmo com novas constituições) que configurariam
estabelecido nas reformas de 1967 e de 1988, bem como sua evolução desde então. Dois
ressaltar, adicionalmente, o fato de que, nessas duas reformas, o sistema tributário foi
nacional levado a termo entre 1930 e 1980, e como e por que se deu sua interrupção.
12
discutir em profundidade os temas colocados, e a partir daí extrair as lições que possam
reformas institucionais.
Janeiro, 1970), desculpam-se aos leitores pelo plágio que “leviana, mas
portanto, duplo plágio, ofereço o título, e a própria tese, como uma homenagem (que
provavelmente não está à sua altura; o que, pensando bem, é irrelevante) ao mestre
Celso Furtado.
13
humano. Não exatamente fruto da ação individual, mas sim resultante da associação e
geral. 1 TPF FP T
hegemonia por longos séculos. É verdade que, assumindo que estes diferentes
1
TPPara uma digressão sintética sobre as origens e a evolução da técnica nas sociedades primitivas, ver
PT
inflexão durante o medievo. 2 No mínimo, pode-se afirmar que ele passa a se operar de
TP F FP T
maneira muito mais vagarosa. Pois que, tanto do ponto de vista das forças produtivas
O que por si, mesmo num tratamento informal como o ora apresentado e ainda
no terreno das conjecturas, permite que se levante uma indagação. Parece plausível a
hipótese de que, embora muitas vezes fatores exógenos possam exercer apreciável
que por sua vez correspondem a uma espécie de ato de “vontade” explicitada. Dito de
2
TPNuma perspectiva mais rigorosa, poder-se-ia talvez objetar que o desenvolvimento ocorre justamente
PT
nos pontos de descontinuidade dos processos de evolução das sociedades. Ainda assim, é possível
contrarrestar o argumento de que são as contínuas transformações políticas, econômicas e sociais que
produzem as condições endógenas para esses momentos de “quebra de continuidade”. Tomando-se o
exemplo da Grécia Antiga, helenistas célebres como Jean-Pierre Vernant e F.M. Cornford demonstram
como o desenvolvimento da Polis e da própria filosofia surge quase que repentinamente, entre fins do
século VI e início do século V, como conseqüência de transformações, inclusive econômicas, ocorridas ao
longo do século VI. Para estudos clássicos das origens do pensamento filosófico grego, além dos citados
Vernant (1981) e Cornford (1981), referência obrigatória é Werner Jaeger, com seu monumental Paideia
(México: Fondo de Cultura Económica, 1957).
3
TPHá um belo ensaio de Agnes Heller, em O Homem do Renascimento, sobre a concepção medieval de
PT
tempo e as mudanças que se operam no período renascentista. A autora mostra que a despeito da inflexão
operada pelo medievo em relação à antiguidade, mantém-se comum uma concepção do tempo, e pois, da
história, o que tem conseqüências sobre a filosofia e a ciência. “Durante a Antiguidade e a Idade Média,
os momentos históricos individuais ou ‘pontos no tempo’ eram intervalos de tempo suficientemente
grandes para excederem a vida de qualquer pessoa (e, muitas vezes, ultrapassavam até o tempo da vida de
muitas gerações). Mas durante o renascimento esta relação foi invertida, e desde então esta inversão
afectou toda a história européia (à parte certos casos excepcionais): os ‘momentos’ históricos tornaram-se
mais curtos do que a duração da vida humana (...) No domínio da ciência e da tecnologia, alguns
pensadores do Renascimento aprenderam a olhar o presente a partir do ponto de vista do futuro. O futuro
constituía algo que evoluía indefinidamente, transformando-se noutra coisa e aperfeiçoando-se; o
presente, por comparação, era um início, um ponto de partida imperfeito”. Ver Heller (1982), cap VI (“O
tempo e o espaço: orientação para o passado ou orientação para o futuro”).
15
Utilizando uma categoria moderna, poder-se-ia dizer, grosso modo, que onde
restringido.
denomina uma economia de mercado, cuja efetiva vigência só teria tido lugar na
sociedade de mercado do século XIX, não estariam na evolução das trocas locais
instituição do “mercado local” sempre “foi cercada por uma série de salvaguardas
por parte das práticas de mercado”). Por outro lado, não residiriam, para o autor, na
econômicas e separado dos mercados locais “não apenas em relação à sua função, mas
também à sua organização”). Para Polanyi, o “pai do comércio interno dos tempos
excedentes, comércio, estes passam a ser os principais motores das potências européias
– Inglaterra, França, Portugal, Espanha, Holanda – que se lançam aos oceanos para
lançar as sementes do mundo tal como hoje se define. O regime capitalista de produção,
que conhecemos por desenvolvimento até os dias de hoje. Desenvolvimento passa a ser,
capital de tal forma que possa alavancar suas forças produtivas para, com isso, produzir
mais e melhor, conquistar mais e maiores mercados e, por fim, gerar riqueza e
nos campos das ciências, transportes, comunicações etc. Evidentemente, sempre com
um objetivo comum: a acumulação de capital, que afinal de contas é o que move e torna
4
TP PT Ver Polanyi (1980), especialmente cap. 5.
17
século XX, em que não se pode deixar de registrar a mudança de paradigma (para os
ainda e sempre a acumulação de capital – mesmo, em certo sentido (talvez até mais de
um), os países do então chamado bloco socialista. (A China atual, aliás, parece um
exemplo emblemático a comprovar tal afirmação.) Importa mais, talvez, a mudança que
populações.
O fato mais evidente a ilustrar essa mudança é, sem dúvida, a constituição dos
Estados de Bem-Estar Social nos países da Europa Ocidental. Tais nações teriam
incorporado a suas sociedades a idéia de que não basta ter indústrias e tecnologias
avançadas; para serem desenvolvidas, tais nações deveriam garantir da forma mais
maior parte da segunda metade do século passado (período batizado por Eric Hobsbawn
a partir de fins dos anos 80 começou a dar sinais de esgotamento, por uma série de
fatores. Talvez o mais importante, pelo fato de haver ainda no mundo uma maioria
situado”, surgindo apenas quando “o sistema econômico em que ele ocorre torna-se
pode-se dizer que se trata de um conceito historicamente situado. Não por acaso, foi o
19
tema central da Economia clássica, como aliás o indicam o título e o conteúdo da obra
cruzada”.
Indo adiante na análise efetuada por Paul Baran, é interessante assinalar sua
econômica e social burguesa, esta ordem teria sido aceita como a “estação terminal” da
economistas neoclássicos,
5
TP PT Apud Baran (1972).
6
TP PT “Não por acaso, a teoria da utilidade marginal (...) tornou-se o núcleo da Economia neoclássica”.
7
TP PT “A natureza não dá saltos”.
20
do sistema econômico mais capaz de melhorar a situação das sociedades, nesta linha de
argumentação teria, nas palavras de Paul Baran, “se voltado contra seu passado”,
contexto: “Os economistas nos explicam o processo de produção sob dadas condições: o
que eles não explicam, porém, é como se produziram essas condições, isto é, os
8
TP PT Marx, A miséria da Filosofia, apud Baran (1972).
21
título de ilustração, pois no caso em questão, como se verá, os resultados podem ser
maior número possível de variáveis explicativas. Talvez porque, como a maior parte das
religiosas da população; origens do país colonizador (no caso de a nação em tela ter sido
colônia); fração da população que fala língua estrangeira, entre várias outras, foram
conclusão de que, “of all the variables considered, the strongest evidence is for the
initial level of real GDP per capita” (Sala-i-Martin et al., 2004, p.835). Ou seja,
considere-se uma miríade de fatores que podem vir a explicar o crescimento econômico
computacionais e estatísticos para se fazer tal aferição; e o resultado final ainda será:
depende das condições iniciais do processo – para cuja análise, diga-se de passagem, o
está, ao contrário, sempre inserido num determinado contexto político e cultural, que o
determina e, de certa forma, é por ele determinado. Assim sendo, faz pouco sentido
grupo de nações.
Este capítulo tem por objetivo – além de buscar conferir mais consistência à
para o que realmente se pretende discutir na tese. Ou seja, para citar a expressão de
Ferraz et al. (2003), chamar a atenção para “a necessidade de resgatar a discussão sobre
10
TP Para uma exposição detalhada do conceito de desenvolvimento econômico, em particular no
PT
pensamento econômico brasileiro no século XX, ver Bielschowski (2000), especialmente o capítulo 8.
23
que uma grande parte da população mundial é forçada a viver em condições de extrema
pobreza econômica” (Bruton, 1960, apud Teixeira), o que requeria formular uma teoria
Teixeira assinala ainda que, refletindo essa indistinção, inúmeros trabalhos se voltaram
movimento dos fatores de produção através das fronteiras nacionais” (apud Teixeira,
1983). A resposta foi dada de imediato por Prebisch, em artigo que serviu de base para o
convergência no período analisado por Teixeira (os trinta anos “gloriosos” que sucedem
ocorre com o conceito de crescimento. Com efeito, os autores que buscam adensar
(Teixeira,1983) 13 . TPF FP T
Para Teixeira, as análises formuladas com vistas a dar conta das mudanças
11
TP Prebisch, Raul – “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas”.
PT
Revista Brasileira de Economia, no 3, set de 1949. Prebisch mostra que a divisão internacional do
trabalho e a divisão centro-periferia a ela associada impediam a redistribuição igualitária dos ganhos do
comércio.
12
TP A afirmativa, reconhecida pelo próprio autor como uma tautologia, é de Sutcliffe (1971), citado por
PT
Teixeira (1983). Teixeira assinala que o problema maior da definição não é o de ser tautológica e sim o de
adotar um enfoque puramente quantitativo – expresso em percentuais do PIB oriundos do setor industrial,
na magnitude da população empregada no setor industrial, etc – para conceituar o termo industrialização.
13
TP PT E que, nesse “trânsito”, passam a incorporar à análise variáveis não-econômicas.
25
do Estado ou às políticas específicas que este implementa nos diferentes setores”. 17 TPF FPT
14
TP Essa dimensão teria preocupado tanto autores de tradição marxista quanto estudiosos como Rostow,
PT
uma idéia antecipada, em particular no que tange à abordagem “institucionalista”, dos problemas
inerentes à chamada “nova economia institucional”, que será objeto de algumas considerações adiante.
16
TP PT As aspas estão no texto de Teixeira (1983).
17
TP Teixeira (1983), p. 22. O autor assinala a inovação do pensamento cepalino, no tocante ao tema da
PT
(1983) mostra como teve destaque, em vários autores, uma argumentação apoiada no
Gerschenkron é justamente um dos autores que recusa conceitos como “padrão normal”
como um processo que possui determinações históricas e estruturais. Ainda que o objeto
mundial, suas ilações são fundamentais, como reconhece Teixeira (1983), na medida em
que chamam a atenção para os elementos que em cada país conformam aquilo que se
de situação encontrados no universo por ele pesquisado: o grau de atraso de cada país
avançadas no após 2 a guerra, “época em que o problema da passagem já está resolvido”, não se detém em
P
P
analisá-la, assim como não especifica as referências que faz às correntes “estruturalista” e
“institucionalista”.
18
TP O paradigma para essa linha de argumentação - presente em Hoffmann (1958), Kusnetz (1957 e 1966)
PT
- estaria nos trabalhos de Hollis Chenery, em especial num artigo de 1960 no qual constrói arquétipos
econométricos com recurso à análise cross-section (Chenery, 1960). Resumidamente, a análise de
Hoffmann supõe que a dinâmica da industrialização se dá no interior da própria indústria (peso relativo
do produto líquido nas indústrias de bens de capital face ao das indústrias de bens de consumo). Kusnetz
lida com um modelo de estrutura intersetorial da economia (agricultura, indústria e serviços), buscando
estabelecer padrões de mudança intersetorial do produto e da força de trabalho. Ver Teixeira (1983).
19
TP A constatação de Gerschenkron é que, quanto maior o grau de atraso relativo, maior a inflexão inicial
PT
na produção industrial, maior a ênfase em bens de produção, maior a escala de plantas e empresas, maior
27
se pretende seguir na presente tese. A primeira é que o grau de atraso relativo funciona
demonstrando a mesma validade para incluir sequer outros períodos, quanto mais países
diferença entre o conceito que usa para caracterizar o caso brasileiro – industrialização
atraso, “ora como referência temporal, ora como referência estrutural”, com o que
entendimento de que, uma vez superado o atraso (inicial), haveria, para Gerschenkron,
reduz a robustez da crítica que o autor se propunha a fazer, qual seja, a crítica à noção
a pressão sobre os níveis de consumo, menor o papel ativo da agricultura, tanto como mercado para a
produção industrial quanto como zona de elevação da produtividade do trabalho, e maior o papel dos
bancos e, a partir de um certo ponto, do Estado, como agente de financiamento.
20
TP Cabe destacar, para efeitos das considerações que virão a seguir, que, para Cardoso de Mello, a
PT
industrialização pode ser entendida como retardatária quando sua natureza específica está duplamente
determinada: “por seu ponto de partida, as economias exportadoras capitalistas nacionais, e por seu
momento, o momento em que o capitalismo monopolista se torna dominante em escala mundial”
(Cardoso de Mello, 1982, p. 98). Teixeira (1983) dá ênfase a essa distinção (são dele os grifos na citação
de Cardoso de Mello), mas por razões inteiramente diversas das que aqui se tentará esclarecer adiante, e
que têm a ver (as razões de Teixeira) com a natureza de seu próprio trabalho.
28
motivada por propósitos distintos dos aqui adotados, reforça o suposto de que
associado à industrialização, mas que não pode ser entendido apenas como crescimento
econômico ou como expansão industrial. Fiori (1999) resgata uma assertiva de Weber –
afirmar que, tanto quanto nos países do chamado Terceiro Mundo, o desenvolvimento
econômico nos países mais avançados também ocorreu por meio de intensos conflitos e
jogos de interesses que moldaram a conformação dessas sociedades. 21 Sobre o caso TP F FPT
mesma forma que as revoluções industriais, o Estado nacional moderno deve ser
21
TP PT Como, de resto, já assinalara Baran (1972), citado anteriormente.
29
Ainda que não haja intenção, nesse capítulo nem em qualquer outro da tese, de
passagem, não se encontram apenas nas obras de economistas, as formulações até agora
expostas esclarecem, com alguma fundamentação, como o conceito será usado ao longo
a não adesão a seus cânones, a despeito do eventual recurso a autores com eles
identificados.
22
TP Para um aprofundamento das questões teóricas do desenvolvimento, ver, além de Bielschowski (2000),
PT
que discute o conceito, conforme já citado anteriormente, no pensamento econômico brasileiro, Furtado
(1986 – Os economistas).
23
TP A obra considerada fundante da Escola da Regulação é Régulation et crises du capitalisme, de Michel
PT
Aglietta, publicada em 1976 (Clamnn-Levy, Paris). Ver Sabóia (1987), Nascimento (1993), Canuto
(1988).
30
microeconomia.
regulação, formulado por Michel Aglietta, expressa “os momentos em que a conjunção
24
TP Para Sabóia (1987), uma das críticas feitas pelos teóricos da regulação aos marxistas ortodoxos refere-
PT
da ortodoxia neoclássica.
economia, dita pura, em relação às interações entre política, cultura e economia, “que
26
TP Bruno (2005) cita Polanyi, cujos aportes “reforçam os fundamentos teóricos da concepção
PT
regulacionista do mercado”. Com efeito, conforme visto anteriormente, para Polanyi, o mercado não
surge espontaneamente do simples desenvolvimento das trocas e não tem nada de “natural”. Lembrando,
porém, que Polanyi escreveu A Grande Transformação em 1944, caberia indagar: seria Polanyi um
regulacionista avant la lettre?
27
TP Segundo Bruno (2005) três influências principais integram as matrizes teóricas do programa de
PT
pesquisa regulacionista: a) a teoria marxiana (expressão usada para ressaltar que a influência é direta de
Marx e não “de suas interpretações veiculadas por um marxismo ortodoxo ou oficial”) e a
macroeconomia kaleckiana; b) o institucionalismo americano (J.Commons, W. Mitchell e T. Veblen); c)
os trabalhos da Nouvelle Histoire, desenvolvidos pela École dês Annales (Braudel, L.Febvre). “Além
dessas três correntes, deve-se acrescentar a influência das análises pós-keynesianas, com autores como
Kaldor e Minsky” (Bruno, 2006).
32
das economias, mas não podem ser logicamente deduzidas da racionalidade individual
visa substituir a teoria da decisão individual e o conceito de equilíbrio geral como ponto
são entidades introduzidas ex-post nos modelos: “não se parte de um modelo geral
28
TP Para o autor, a abordagem neoclássica tradicional está completamente centrada na noção de equilíbrio.
PT
“Se ela admite a existência de desequilíbrios transitórios, a flexibilidade dos preços permite o retorno
automático ao equilíbrio”. Diversamente, a abordagem regulacionista desloca o foco da análise, que deixa
de ser o valor de equilíbrio das variáveis e passa a ser o processo de ajustamento que rege a dinâmica
dessas variáveis.
29
TP Modo de regulação, também um conceito-chave na Teoria da Regulação, indica o conjunto de leis,
PT
valores, hábitos que mediam a relação com o regime de acumulação e mantêm a coesão social. Formas
estruturais (forma de adesão ao sistema internacional, padrão monetário, forma de concorrência, forma de
Estado e relação salarial, isto é, forma de organização do trabalho) configuram modos de regulação. Ver
Nascimento (1993).
33
(Bruno, 2005). Boyer (1986) desdobra esse pressuposto em “três hipóteses fundadoras”
macrodinâmica 30 . TP F FP T
desenvolvimento pode ser entendido como “regime de crescimento viável [na medida
30
TP PT Para o detalhamento dessas hipóteses, ver Bruno (2005).
34
entendida como o conjunto de obras e investigações diversas que se abrigam sob tal
rubrica, não escapa de ser um todo heterogêneo (Cunha, 2003). Dessa decorre uma
examinam o quadro brasileiro recorrem a autores - como Celso Furtado, João Manuel
outros - que dificilmente se enquadrariam num único rótulo, quanto mais no de adeptos
31
TP Como se pode verificar nos trabalhos de Bruno (2005 e 2000), Conceição (1987), Faria (1989),
PT
integração da lógica econômica com a compreensão do social e da dimensão política, do que decorre uma
busca de contribuições em disciplinas vizinhas tais como a história, a sociologia ou a ciência política”.
Ver Cunha (2003).
33
TPA tese de doutorado de Miguel Bruno, só pela sua extensão, dá uma idéia da complexidade da
PT
análise econômica, no suposto geral que as mesmas “se formam para resolver, com
indivíduos” (Bueno, 2003). Razões pelas quais, em alguns países, a história teria
abordagem.
VEI 34 . Rutherford (1996) identifica na VEI duas vertentes distintas, a estabelecida por
TP F FP T
Thorstein Veblen e a que tem como ponto de partida as pesquisas de John Commons e
Wesley Mitchel 35 . Ambas as vertentes surgiram no início do século XX, marcadas por
TPF FPT
econômica o estudo das estruturas institucionais, das regras e dos comportamentos das
34
TP Em inglês, respectivamente NIE (New Institutional Economics) e OIE (Original Institutional
PT
dicotomia que percebia entre os aspectos pecuniários e industriais da economia, enfatizando o poder
econômico e político das grandes corporações, Commons e Mitchel teriam como foco a evolução dos
aspectos legais, direitos de propriedade e organizações, e seus impactos sobre a distribuição de renda.
36
North 37 ; por outro, nos de Oliver Williamson, que atualiza os achados de Ronald Coase
TP F FP T
com relação aos custos de transação como determinantes das formas organizacionais e
36
TP Thorstein Veblen (1857-1929), economista e sociólogo americano de descendência norueguesa, é
PT
conhecido principalmente pelo livro The Theory of the Leisure Class, de 1899 (publicado no Brasil com o
título A Teoria das Classes Ociosas); sua obra mais importante em economia, porém, é The Theory of
Business Enterprise, de 1904. John Commons (1862-1945), também americano, publicou seu trabalho
mais citado em 1934, Institutional Economics (New York, Macmillan). Wesley Mitchell (1874-1948) foi
aluno de Veblen e seu principal livro – Business Cycles - apareceu em 1913, tendo publicado,
posteriormente, vários outros livros e artigos.
37
TP North, certamente o mais destacado representante na Nova Economia Institucional, ganhou o Prêmio
PT
Nobel de Economia em 1993, justamente pela crítica que efetua, em sua obra, à economia neoclássica por
não reconhecer a importância das limitações institucionais no processo de tomada de decisão econômica e
por sua incapacidade de explicar a permanência de diversas instituições econômicas mundo afora.
Structure and Change in Economic Performance (1981) e Institutions, Institutional Change and
Economic Performance (1990) são os trabalhos mais citados de North. Ver Gomes (2004 e 2005),
Conceição (2002), Bueno (2003), Gala (2003), Fiani (2003).
38
TP Ronald Coase publicou, em 1937, o artigo “The Nature of the Firm” (A Natureza da Firma), em que
PT
introduz a visão da firma como um nexo de contratos e formula a lógica da economia dos custos de
transação; escreveu, depois, inúmeras outras obras (Gomes, 2004). Entre os vários textos de Williamson,
são em geral mencionados The Economic Institutions of Capitalism: Firms, Markets, Rational
Contracting (New York, The Free Press, 1985) e Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust
Implications (New York, The Free Press, 1975).
37
abandona o estudo da evolução das instituições como forma histórica pela qual os
jogo numa sociedade ou, mais formalmente, [...] as limitações idealizadas pelo homem
que dão forma às interações humanas” (North, 1990, apud Gala, 2003) e denuncia o
por parte dos agentes reside na constatação de que consideram as instituições como
39
TP “É inegável que as instituições afetam o desempenho da economia [mas] nem a teoria econômica
PT
corrente nem a história mostram muito interesse em demonstrar a função das instituições no desempenho
econômico”(North, 1990, apud Gomes, 2004).
40
TP PT Ou seja, um conjunto de regras formais e informais (Gomes, 2004).
38
curto, o que fica claro no modo pelo qual a Nova Economia Institucional concebe o
North, é a evolução das instituições que permitem reduzir o grau de incerteza e diminuir
41
TP PT North (1990), apud Gala (2003).
42
TP Custos de transação são custos (de produção ou de troca) invisíveis. Para North, são “os custos
PT
necessários para medir os atributos tanto legais como físicos, do que se está negociando. Os custos de
observar e fazer cumprir o acordo e o risco da incerteza que reflete o grau da imperfeição na medição e
cumprimento obrigatório dos termos da negociação” (North, 1990, apud Gomes, 2004).
43
TP PT Afirmações semelhantes se encontram em Gala (2003) e Teixeira (2003).
39
acordos que pode levar a custos de transação elevados, é necessário que as regras do
jogo estejam bem definidas e que seu cumprimento seja efetivamente realizado”, o que,
portanto, exige um terceiro agente que possa assegurar os interesses dos contratantes 44 . TP F FP T
É no que diz respeito aos constrangimentos informais que aparece com vigor,
respostas que os indivíduos dão a novos tempos e novas situações históricas. Mas as
seguintes pontos:
incerteza;
sociedades desenvolvem instituições, que são um contínuo de regras com dois extremos:
formais e informais;
44
TP “O cumprimento obrigatório por uma terceira parte significa o desenvolvimento do Estado como uma
PT
força coercitiva capaz de monitorar direitos de propriedade e fazer cumprir contratos” (North, 1990, apud
Gomes, 2004).
40
As organizações interagem entre si, com os recursos econômicos (que junto com
econômico são aquelas em que se deu a adequação das regras formais ao ambiente
45
TP Ao definir as instituições como “as regras do jogo”, North indica também os jogadores: “corpos
PT
políticos (partidos políticos, o Senado, agências reguladoras), corpos econômicos (empresas, sindicatos,
cooperativas), corpos sociais (igrejas, clubes, associações desportivas) e organizações educativas (escolas,
universidades, centros vocacionais de capacitação); grupos de indivíduos relacionados por alguma
identidade comum em direção a certos objetivos” (North, 1990, apud Gomes, 2004). Gomes (2004)
observa que North, porém, atribui a um só agente o protagonismo na mudança institucional: o empresário
individual.
41
embedded na política, que obedece aos arbítrios do poder político” (Medeiros, 2001). A
ser coerente com uma abordagem que supere um estreito economicismo, é preciso, para
evolução das instituições não obedecem apenas aos fatores econômicos, racionais ou
processo não são nem racionais ou irracionais, eficientes ou ineficientes, são sociais”.
instituições, ou dito de forma mais direta: é com esse sentido que o modelo econômico
46
TP Medeiros observa, a propósito, que “(...) esta construção metodológica em que o ato econômico inicia-
PT
se com a troca ou por meio da ação individual, num mercado abstrato, para num momento seguinte
acrescentar as empresas e as instituições como dispositivos funcionais, é típica do dedutivismo e do
reducionismo que perpassam a análise de North. Faz parte de seu programa de pesquisa estender o
individualismo metodológico à análise institucional” (Medeiros, 2001:78).
42
Institucional interage pouco com as demais ciências sociais. Nas palavras de Gomes
Além dessa subordinação das relações sociais ao econômico, a própria história, de uso
passa ao largo das diferenças que as sociedades manifestam em função das bases
sociedade medieval, todas elas podem ser incluídas dentro do método explicativo da
É de se esperar que já esteja claro, com o exposto até agora, o motivo da não
adesão, nessa tese, aos marcos teóricos da Nova Economia Institucional. Antes, porém,
de arrematar a argumentação, cabe uma breve incursão, por mais simplificadora que
47
TP PT Conflitos e disputas no interior do Estado seriam típicos de sociedades não-desenvolvidas.
43
ganharam força, em particular nos estudos sobre federalismo, relações entre poderes e
reformas 48 . TP F FP T
conhecimento, como observam Hall e Taylor ( 2003). Segundo esses autores, são três as
correntes de pensamento que, a partir dos anos 80, reivindicam o título de neo-
o institucionalismo sociológico 49 . TP F FP T
social americana dos anos 60 e 70, e talvez por isso tenham mantido uma recorrente
48
TP Não há intenção aqui de resenhar ou comentar tais estudos (alguns deles serão citados no capítulo IV
PT
que trata a questão do sistema tributário brasileiro e no qual, necessariamente, o tema do federalismo
estará presente). O resumo que se segue está baseado em textos que resenham as obras dos formuladores
originais da teoria institucionalista.
49
TP Os autores admitem que seria possível identificar uma quarta corrente, o neo-institucionalismo em
PT
Economia, que teria, no entanto, muito em comum com o institucionalismo da escolha racional. “Uma
análise mais extensa poderia observar que o Institucionalismo da Escolha Racional insiste de preferência
na interação estratégica, ao passo que o neo-institucionalismo em Economia privilegia os direitos de
propriedade, as rendas e os mecanismos de seleção competitiva”.
44
interesse quanto das teorias funcionalistas que dominaram a ciência política (americana,
por suposto) até meados dos anos 70, estariam nomes com trânsito na Economia, como
Peter Evans, Katzsenstein, Theda Skocpol, Anthony Giddens 50 . Mas também, para os TP F FP T
comentadores, poderiam ser incluídos autores mais conhecidos por seus estudos sobre
pensam o sistema político como um sistema global composto de partes que interagem
entre si, e dão ênfase ao papel do Estado como um complexo de instituições capaz de
que a rubrica institucionalismo histórico não chega a configurar uma escola definida de
50
TP São citadas as seguintes obras: Evans, P. et al. (ed.) Bringing the State Back In, Cambridge University
PT
Press, 1985; Katzenstein, P. (ed.) Between Power and Plenty, Madison, University of Wisconsin Press,
1978; Giddens, A., Central Problems in Social Theory, London, Macmillan, 1978; Skocpol, T. & Weir,
M., “State Structures and the Possibility for Keynesian Response to the Great Depression in Sweden,
Britain and the United States”, em Evans et al, Bringing the State Back In, Cambridge University Press,
1985.
51
TP As obras mencionadas são Zysman, J., Governments, Markets and Growth. Berkeley. University of
PT
California Press, 1983; Schmitter, Ph & Lembruch,G. (ed.) Patterns of Corporatist Policy-Making.
Beverly Hills. Sage, 1982; Hall, P.A., Governing the Economy – The Politics of State Intervention in
Britain and France. Oxford. Polity, 1986.
52
TP Carnoy (1984). A edição em português (de 1988) é usada em cursos de graduação em economia. A
PT
Política, tendem a perceber o Estado como um agente neutro arbitrando interesses concorrentes.
54
TP São entendidas como instituições os procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais ou
PT
com avaliações que revelam a contribuição de outros fatores (idéias, valores, bases
Contudo, Hall e Taylor (2003) estabelecem uma distinção entre dois tipos de
comportamentos individuais porque oferecem aos atores maior ou menor certeza quanto
55
TP O que também os distinguiriam dos institucionalistas da escolha racional, mais afinados com o
PT
individualismo metodológico.
56
TP Para Hall e Taylor, “qualquer análise institucional” tem que dar conta da questão de como as
PT
instituições afetam o comportamento dos indivíduos. Assim, as indagações cruciais seriam: (1) como os
atores se comportam?; (2) o que fazem as instituições?; e (3) porque as instituições se mantêm?
57
TP PT Esse é o papel da interação estratégica.
46
dos indivíduos não é estritamente maximizador, embora revele busca por satisfação, e,
vivem envolvidos por instituições – símbolos, cenários, protocolos – que atuam como
vida em coletividade. No dizer de Hall e Taylor: “os indivíduos aderem a esses modelos
mais uma dada instituição contribui para resolver os problemas da ação coletiva – ou
quanto mais ela torna possíveis os ganhos resultantes das trocas – mais robusta será.
58
TP Em suma, as instituições afetam o comportamento individual porque balizam as expectativas de um
PT
também afetam a identidade, a imagem de si e as preferências que guiam a ação” (Hall e Taylor, 2003).
Os comentadores não arrolam autores exemplares das “perspectivas” que distinguem. Mas indicam como
paradigmática do institucionalismo histórico culturalista a obra de J. March e J.P.Olsen, Rediscovering
Institutions. The Organizational Basis of Politics (New York, Free Press, 1989).
47
estavam corretos, deveria ser difícil reunir maiorias estáveis para votar leis no
Congresso, uma vez que as múltiplas escalas de preferências dos legisladores e o caráter
multidimensional das questões em tela gerariam ciclos nos quais cada nova maioria
60
TP Hall e Taylor citam vários artigos publicados em periódicos americanos entre 1975 e início da década
PT
de 80 sobre o tema.
61
TP A influência marcante sobre a ciência política neo-institucionalista foi, segundo Hall e Taylor, exercida
PT
pelos trabalhos de Oliver Williamson, particularmente Markets and Hierarchies (1975) e The Economic
Institutions of Capitalism (1985). Andrews (2004) confirma essa ascendência.
62
TP É significativo o título de um artigo citado por Hall e Taylor como exemplo de tais estudos: “The
PT
partidos políticos, e às relações entre o Congresso e os tribunais 63 . A partir dos anos 90,
TPF FPT
estudar processos de transição para a democracia, usando a teoria dos jogos. Segundo
significativa de cálculos;
• Tendem a considerar a vida política como uma série de dilemas de ação coletiva,
coletividade;
políticas, uma vez que o comportamento dos atores é determinado por cálculo
63
TP Como se verá no capítulo IV, essas são também as questões privilegiadas pelos neo-institucionalistas
PT
brasileiros.
49
competitiva, ela deve sua sobrevivência ao fato de oferecer mais benefícios aos
premissas que a teoria da escolha pública 65 . Há, porém, segundo a autora, uma
TP F FP T
public choice. Para os teóricos da escolha pública, a intervenção do Estado não pode
públicos por políticos e burocratas 66 . Por sua vez, os teóricos institucionalistas que se
TP F FPT
64
TP “As instituições estruturam [as] interações, influenciando a abrangência e seqüência das alternativas na
PT
Parece claro que, em termos de seus fundamentos gerais, a ciência política neo-
críticas que, a partir de comentadores como Gomes (2004), Gala (2003), Medeiros
(2001) e outros, foram endereçadas à NEI, podem, assim, ser estendidas (pelo menos) à
NIER. Algumas mais, porém, ainda cabem, e dessa feita, ao núcleo duro do próprio
desenvolvimento econômico uma vez que essa teoria ignora as instituições, no suposto
de que são aspectos exógenos à atuação dos agentes econômicos. Entretanto, como
que, restritos à “aparência dos fenômenos” não dão conta das diferentes formas de
67
TP A corrente do neo-institucionalismo sociológico mencionada por Hall e Taylor foi deixada de lado
PT
porque suas postulações, embora adotando premissas semelhantes às das outras, fundamentam, no Brasil,
estudos que não têm a ver com o tema da tese.
68
TP Relações essas que, como Marx evidencia, “cristalizam as relações de poder garantidas e sustentadas
PT
institucionalismo , a despeito de sua ênfase no papel das instituições – aspecto que será
destacado ao longo da tese -, serve de ponte para o caminho, mais afirmativo, que será
tomado adiante. Pois é justamente Celso Furtado o autor mencionado por Medeiros
(2001), Gala (2003) e Gomes (2004) como emblemático de um aporte que integra as
subdesenvolvimento 69 . TPF FP T
Por outro lado, é também Celso Furtado o autor invocado pelos referidos
North. Segundo Gomes (2004), a obra de North é preconceituosa, pois faz comparações
69
TP Gomes (2004) e Cruz (2003) citam especialmente Raízes do Subdesenvolvimento (Civilização
PT
Brasileira, 2003), uma coletânea de ensaios de Furtado, escritos entre 1964 e 1968. A coletânea já havia
sido publicada pela Editora Civilização em 1973. Na edição de 2003, porém, os ensaios foram
reordenados e revisados pelo próprio autor.
70
TP “Ao fazer [essas comparações], North trata os sistemas nacionais como entidades discretas, apenas
PT
externamente relacionadas. Ora, a economia capitalista já nasceu como economia internacional” (Gomes,
2004).
52
que só fazem sentido como elementos de um sistema maior que os envolve é, para
Xavier (1993) destaca ainda que North, apesar de usar com frequência o termo
o esquema de North inclui o conflito, mas o mantém como uma caixa-preta”. Nessa
(Cruz, 2003). A chave para a compreensão dessa particularidade, contudo, não está,
até podem pautar-se por estritos critérios de racionalidade, tanto em função dos meios
53
que utilizam como de seus legítimos objetivos; está nas relações estruturais que
maior ou menor, dos povos atrasados reproduzirem as crenças e instituições que tiveram
sucesso nos países avançados”. Fiori (1999) chama a atenção para o fato de que os
(...) pelo fato mesmo de que são coetâneas das economias desenvolvidas,
das quais, de uma forma ou de outra forma, dependem, as economias
subdesenvolvidas não podem reproduzir a experiência daquelas 71 .
TP F FP T
Duas outras críticas, finalmente, feitas por Medeiros (2001) ao modelo da NEI,
Celso Furtado no capítulo II. Numa, focaliza as respostas dadas pelos institucionalistas à
71
TP PT Raízes do Subdesenvolvimento (Furtado, 2003, p.88).
54
contraste com a que se formou no Oriente”. Mas, a observar a atitude dos Estados
ocidentais “na promoção deliberada e na conquista por todos os meios (inclusive pela
violência) dos mercados externos” (atitude não encontrada nos Estados orientais),
72
TP PT Para um exame mais completo da função do Estado no modelo de North, ver Fiani (2003).
55
monetárias etc.), como articulador dos interesses privados e como agente produtor de
dos acordos – condição basilar para a cooperação entre os agentes e, pois, para o
desenvolvimento – é incerto por causa das ambigüidades das leis jurídicas e inoperância
das instituições em geral, que aumentam, em vez de diminuir, as incertezas no que tange
que o acesso aos mercados externos, aos meios de pagamento e ao progresso técnico é
73
TP Como observa Fiori (2001), não é possível entender a trajetória histórica do desenvolvimento da
PT
regiões”.
que unicamente na idéia de path dependence. A esse respeito, Lessa (2001), aponta a
dos lusitanos. Cabe retornar também a Cardoso de Mello (1982), citado anteriormente,
para quem a industrialização brasileira pode ser entendida como retardatária porque sua
que se evidencia, com nitidez, no tratamento que confere ao Estado. Para a compreensão
Por todo o período que vai dos anos 30 aos 80, o Estado teve presença marcante, “no
setorial” (Fiori, 2001,p. 273). Tal visão, obviamente, é alheia aos postulados
74
TP PT A referência ao ensaio de J. L. Fiori, na nota anterior, reforça o ponto.
57
econômica, variáveis institucionais que servem tão somente para corroborar o modelo.
metodológico seguido nessa tese. A inspiração em Celso Furtado, por todas as razões
apontadas nos parágrafos precedentes, aparece com mais detalhes no capítulo que se
econômica brasileira.
58
publicação dos ensaios de Celso Furtado ali reunidos completava 30 anos, tem um
suas origens históricas. É, ademais, um dos primeiros a assumir uma postura científica
O presente capítulo tem por objetivo, mediante uma leitura atenta do clássico
Formação Econômica do Brasil (Furtado [1959], 1976), e algumas incursões aos textos
75
TPApós a morte de Furtado, em 2004, um certo revival se traduziu numa significativa produção de livros e
PT
artigos sobre sua obra. Ver, por exemplo, “O legado intelectual de Celso Furtado: uma abordagem
multidisciplinar e uma reflexão teórico-econômica sobre a teoria do subdesenvolvimento”, de Vera Alves
Cepêda (Cepêda, 2006); Celso Furtado 1920-2004, de Mauro Boianovsky (Boianovsky, 2006); Celso
Furtado: um retrato intelectual, de Carlos Mallorquin (Mallorquin, 2005); Celso Furtado e o século XXI,
organizado por João Sabóia e Fernando Cardim (Sabóia & Cardim, 2006).
59
década de 1930, que remetem, segundo Celso Furtado, a dois momentos de transição. O
para um sistema industrial no século XX, tratado na quinta e última parte da referida
como se deu a formação dos dois pólos dinâmicos que impulsionaram a economia
100).
76
TP Embora a solidez da argumentação de Furtado não deixe margem a dúvidas quanto à prevalência dos
PT
fatores econômicos e sociais na explicação do fenômeno, fatores físicos como condições orográficas,
hidrográficas e mesmo climáticas certamente constituíram vantagens nos períodos iniciais do processo de
60
à época de suas independências: para a primeira, “essa teria sido uma fase
políticas pelos Estados Unidos. Em primeiro lugar, porque na época o que realmente
Assim, não só a forte desvalorização cambial do início do século XIX teria mais
mais importante ainda, nos Estados Unidos o protecionismo teria sido uma causa
desenvolvimento dos EUA relativamente ao Brasil. Para uma análise detida da comparação entre esses
fatores nos dois países, ver Vianna Moog (1966).
61
Furtado argumenta, neste sentido, que as explicações teriam de ser buscadas nas
século XVII, a qual era “compatível com a pequena propriedade de base familiar e
p.167). Assim,
diferenças sociais eram profundas, “pois enquanto no Brasil a classe dominante era o
grupo dos grandes agricultores escravistas, nos EUA uma classe de pequenos
101). Sobre a relação desta questão com a capacidade de interpretação dos verdadeiros
em relação à expansão de seu mercado interno, diversos fatores teriam concorrido para
77
TP Ilustrativo também é o fato de Cairu publicar, em 1804, seus Princípios de Economia Política,
PT
claramente influenciado pela obra de Adam Smith. Furtado comenta, na nota de rodapé 76 de “Formação
Econômica do Brasil”, a influência de Cairu no episódio da “abertura dos portos”. “Segundo consta, o
Príncipe Regente relutou muito antes de aceitar os argumentos de José da Silva Lisboa, depois Visconde
de Cairu, em favor da abertura dos portos, o que indica quão pouca percepção tinham os governantes
lusitanos do que estava ocorrendo na realidade. Os ingleses – que acreditavam menos em Adam Smith do
que José da Silva Lisboa – tampouco ficaram muito satisfeitos (...)” (Furtado, 1976, p. 93). Essa visão
irônica do Visconde, compartilhada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (Holanda, 1936),
é criticada por Novais & Arruda (2003). Para esses autores, Furtado e Holanda traçam um retrato parcial e
enviesado de Cairu, “como um liberal de ocasião, sem formação prévia, defensor da liberdade enquanto
guardião da propriedade, formulação ideológica que recobria a defesa da escravidão e dos interesses dos
proprietários rurais” (p.241). Em tese de doutorado, Dea Ribeiro Fenelon (Fenelon, 1973) também
defende a existência de uma semelhança efetiva entre Cairu e Hamilton.
63
período das guerras napoleônicas, não seriam suficientes, segundo Furtado, para
nas culturas extensivas de algodão no sul do país, que chegaram a representar mais da
metade do valor das exportações dos EUA: “Com efeito, foi como exportadores de uma
pela grande plantação para exportação de algodão, permitiu não só a inserção norte-
Flórida”. Para além de tudo isso, e talvez mais importante, a ação decidida do Estado e
seus dirigentes, que conseguiram mobilizar a sociedade norte-americana para dar seu
salto desenvolvimentista. Essa ação fica evidenciada, como observa Furtado, pela
governos central e estaduais e formando, assim, “uma corrente de capitais que seria de
externos.
econômico dinâmico, dado tanto pela ampla disponibilidade de terras quanto pela
propiciaram uma grande margem de capitalização para o setor em fins do século XVI. 78 TP F FP T
revertia quase que inteiramente para o exterior; fosse a parcela destinada a bens de
exemplo) –, que era considerável, fosse aquela retida por comerciantes não-residentes
A questão central, contudo, era que, uma vez iniciado o processo de formação de
lugar para a formação de um fluxo de renda monetária” (Furtado, 1976, p. 48). Isto
vez geram criação de renda monetária ou de poder de compra, num sistema exportador-
78
TP Evidenciada pelo fato de a produção de açúcar ter podido decuplicar no último quartel daquele século
PT
qualquer possibilidade “de que o crescimento com base no impulso externo originasse
modificação estrutural significativa” (idem, p. 53). Isto porque, dada sua natureza
dependente. Assim,
pecuarista. Esta surgira induzida pela economia açucareira, como reflexo da formação
açúcar na faixa litorânea do Nordeste. Utilizando ainda uma vez os termos de Furtado, a
separação das duas atividades econômicas – a açucareira e a criatória – [...] deu lugar ao
p. 57).
interior brasileiro” (Furtado, 1976, p. 57). O segundo é que, com o lento processo de
atrofiamento, “no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou
setor pecuário declinando à medida que este se expandia via crescimento do setor de
subsistência.
formação do que no século XX viria a ser a economia brasileira (Furtado, 1976, p. 61).
século. 79 A mineração no Brasil atraía migrantes de recursos limitados, uma vez que,
TP F FP T
Este fato, argumenta Furtado, não teria significado maiores problemas, pelo
menos durante o período inicial de prosperidade. Pelo contrário, a elevação dos preços
79
TP Justificado em grande parte, argumenta Furtado, pela estagnação econômica em que se encontrava
PT
Portugal na primeira metade do século XVIII. Segundo o autor, chegou a haver alarme naquele país,
tendo mesmo sido tomadas medidas para dificultar o fluxo migratório (Furtado, 1976, p. 74).
70
irradiação dos benefícios econômicos da mineração” (p. 76). Pelo fato de já existir,
antes do ciclo mineiro, uma atividade pecuária no centro-sul, ainda que precária e
importa destacar, como o faz Furtado, que, embora sua renda média (ou seja, a
parcela muito maior de sua população livre, o que ensejava potencialidades superiores
ao mercado formado na região. Numa sentença, “[a] composição da procura teria que
consumo corrente e ocorrendo o contrário aos artigos de luxo” (Furtado, 1976, p. 79).
Além disso, a população, embora dispersa num grande território, estava reunida em
foram suficientes para que isso ocorresse. Com efeito, o “o desenvolvimento endógeno
– isto é, com base no seu próprio mercado – da região mineira foi praticamente nulo”
71
(idem, p. 79). Como sintetiza Bielschowsky, Furtado procura argumentar que isso não
mineração, que tendia a atrair o capital disponível, nem tampouco através da proibição,
técnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala ponderável”
termos empregados por Furtado para descrever o fim do ciclo, que ao fim se decompõe
como economia de subsistência. Desse movimento o autor extrai outra matriz estrutural
80
TP Furtado está a se referir, obviamente, não a uma prosaica incapacidade do imigrante lusitano. Está,
PT
muito concretamente, apontando questões referentes ao estágio econômico atrasado em que se encontrava
Portugal, particularmente em relação à Inglaterra, nação que na prática mais se beneficiou do ciclo
minerador brasileiro. A leitura do capítulo XIV de Formação Econômica do Brasil (“Fluxo da Renda”),
neste ponto, é fundamental.
72
ligada ao mercado interno; e articulação das regiões pecuárias do nordeste e do sul com
a área central, em razão do grande mercado de animais de carga criado pela mineração,
Nessa última obra citada (Análise do ‘Modelo’ Brasileiro), Celso Furtado refere-
mineira do século XVIII (que se teria feito em grande parte a partir dos recursos
Estados Unidos e do Brasil, reendereçada por Celso Furtado nos seguintes termos:
81
TP Cuja importância para o autor pode ser apreendida do seguinte trecho, que abre o segundo ensaio da
PT
obra em questão: “Nunca se insistirá suficientemente sobre o fato de que a implantação portuguesa na
América teve como base a empresa agrícola-comercial. O Brasil é o único país das Américas criado,
desde o início, pelo capitalismo comercial sob a forma de empresa agrícola” (Furtado, 1973, p. 93). A
experiência brasileira contrastaria, assim, com a da América Hispânica, forjada pela conquista e pela
pilhagem, e da Nova Inglaterra, formada por “comunidades que nascem introvertidas e que logo
desenvolverão interesses que não deixarão de conflitar com os da Metrópole” (p. 94, grifo no original).
73
Assinala Celso Furtado que a primeira metade do século XIX fora marcada pela
como no caso do cultivo de algodão no Maranhão, haviam gerado apenas efeitos locais,
sem no entanto lograr maiores impactos no panorama geral. Em que pesem alguns
técnica própria e que não podia contar com capitais externos, pela impossibilidade de se
Demais, havia ainda a dificuldade adicional dada pelas condições fiscais extremamente
precárias do governo brasileiro, cuja principal fonte de receita advinha dos tributos
incidentes sobre o comércio exterior, e que foram ainda agravadas pelos pesados gastos
corrente para fins de consumo local, e que adquire importância comercial no fim desse
século, por conta da alta de preços causada pela desestabilização do Haiti, então o
terceiro lugar depois do açúcar e do algodão (...), nos dois decênios seguintes já passa
para primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do valor das
sabe, procedeu-se à utilização intensiva da força de trabalho escrava. Mas como observa
grau de capitalização da empresa cafeeira ser muito mais baixo que a do açúcar, dado
simples, e podiam ser fabricados localmente. “Por conseguinte, somente uma forte alta
obra escrava subutilizada da antiga região mineira, e o fator terra não constituía
tomadas justamente na fase comercial. Os responsáveis pela produção não teriam sido
interesses, e assim, “[c]om o tempo, foram perdendo sua verdadeira função econômica,
e as tarefas diretivas passaram a constituir simples rotina executada por feitores e outros
foi formada desde o começo por homens com experiência comercial; os interesses da
porquanto desde cedo “eles compreenderam a enorme importância que podia ter o
82
TP Com fina ironia, Furtado justifica assim por que “os antigos empresários hajam involuído numa classe
PT
de rentistas ociosos, fechados num pequeno ambiente rural, cuja expressão final será o patriarca bonachão
que tanto espaço ocupa nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século XX” (Furtado, 1976, p. 115).
76
Convém esclarecer, tal como o faz Furtado, por que esse problema não se teria
de maneira geral estava de tal forma dispersa que o recrutamento de mão-de-obra dentro
(Furtado, 1976, p. 121). 83 Segundo, tal recrutamento só seria possível se contasse com
TP F FP T
autor, que “[como a] experiência demonstrou, (...), dificilmente podia ser conseguida,
defrontou essa solução, na prática, quase que a inviabilizaram. Primeiramente, pelo fato
83
TP Caio Prado Júnior, em Evolução Política do Brasil, explora detidamente o obstáculo que a dispersão
PT
de as colônias onerarem sobremaneira as finanças públicas, dado que era uma política
dirigente cafeeira, liderada pelo Senador e grande plantador de café Nicolau de Campos
medida em que o imigrante “vendia” seu trabalho futuro, o sistema degenerou-se numa
Para este autor, a política de imigração realizada nesses moldes teria muitos
(...) era, aliás, a continuação, sob nova forma, do velho sistema econômico e
social brasileiro herdado da colônia, isto é, uma organização mercantil, que,
para o fim de produzir alguns gêneros tropicais de grande valor no
mercado internacional, congregara aqui, ao lado de uma minoria de
dirigentes desta exploração comercial do território brasileiro, a massa de
trabalhadores destinados a fornecerem o esforço físico necessário à
produção. (...) O sistema permanecia fundamentalmente o mesmo, e se
perpetuava nos novos territórios abertos para a cultura do café, pela
substituição do tráfico pela imigração, do escravo africano pelo imigrante
europeu (Prado Júnior, 1969, p. 242, grifos no original).
Conforme observa Celso Furtado, “a conseqüência prática de tudo isso foi, (...),
para a corrente migratória de origem européia. Foi introduzido um sistema misto pelo
qual o colono tinha garantida parte principal de sua renda. Os gastos com o transporte
momento favorável, dada a conjuntura de melhora nos preços do café naquele período);
ao fazendeiro cabia cobrir os gastos do imigrante durante seu primeiro ano de atividade,
além de colocar à sua disposição terras em que pudesse cultivar gêneros de primeira
“tornou possível promover pela primeira vez na América uma volumosa corrente
84
TP A esse respeito, é de interesse observar, como o faz Furtado, as condições políticas vigentes na Itália,
PT
onde na época se realizava o processo de unificação. A solução migratória teria surgido como válvula de
escape para os excedentes de população agrícola das regiões meridionais daquele país, expostas a uma
concorrência desigual com as províncias mais desenvolvidas do norte. O que permite ao autor formular a
conjectura de que talvez “essa imigração não houvesse alcançado níveis tão elevados, não fora o concurso
de um conjunto de condições favoráveis do lado da oferta” (Furtado, 1976, p. 127).
79
abolição “não chegou a ter conseqüências graves sobre a utilização dos recursos e muito
(idem, p. 139).
Tal não teria sido o caso, entretanto, na região cafeeira que havia se
constituem os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Vários fatores então passam
a formação da grande corrente migratória para São Paulo. A abolição, neste contexto,
não gerou um deslocamento da força de trabalho das regiões antigas para as novas em
expansão, que podiam pagar salários relativamente elevados. Primeiro porque, do ponto
de vista dos fazendeiros de café, eram óbvias as vantagens que o trabalhador europeu
A resultante desses fatores teria sido, ao que tudo indica, segundo Furtado, uma
Todavia, o autor pondera que este fato aparentemente pode ter tido antes efeitos
negativos do que positivos no que respeita à utilização dos fatores. Argumenta ele que o
suas necessidades – que estão definidas pelo [seu] nível de subsistência (...) – determina
de imediato uma forte preferência pelo ócio”, o que fez com que “uma das
80
nova economia cafeeira em rápida expansão, notadamente em São Paulo. Nas palavras
de Furtado:
metade do século XIX, Celso Furtado observa que o crescimento naquele período se deu
a taxas relativamente altas. 86 Em todas as regiões teria havido crescimento da renda per
TP F FP T
capita, à exceção do Nordeste, onde teria havido significativo decréscimo (0,6% ao ano,
o equivalente a uma diminuição de 35% em meio século). O que leva o autor a sugerir
que, se a economia brasileira tivesse crescido, na primeira metade do século XIX, nos
85
TP Sem pretensões de uma exegese profunda das palavras de Furtado, importa ressaltar, como feito
PT
anteriormente, que o autor não está a aludir a, nem a fazer insinuações sobre, uma suposta inaptidão do
ex-escravo (ou seja, do negro) ao trabalho. Está, de maneira concreta, se referindo ao precário
desenvolvimento mental, isto é, de técnica e conhecimento, do indivíduo formado no sistema da
escravidão. Mais que isso, referindo-se a isso como um grave problema, de amplas repercussões sociais e
econômicas para o desenvolvimento posterior do país.
86
TP A análise é feita por estados, regiões e produtos, e é confrontada com dados demográficos dos censos
PT
segundo seus próprios cálculos, teria uma renda real comparável à média dos países da
século XX. O que leva a uma constatação final sobre as origens do subdesenvolvimento
Esse atraso tem sua causa não no ritmo de desenvolvimento dos últimos
cem anos, o qual parece haver ido razoavelmente intenso, mas no retrocesso
ocorrido nos três quartos de século anteriores. Não conseguindo o Brasil
integrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial durante essa
etapa de rápida transformação das estruturas econômicas dos países mais
avançados, criaram-se profundas dissimilitudes entre seu sistema econômico
e os daqueles países (Furtado, 1976, p. 141).
gestação”, pelo deslocamento dos vultosos capitais antes invertidos no tráfico humano
(1978, p. 192). O autor observa mesmo que a “libertação” desses capitais veio a
financeiras, que por sua vez deu origem a movimentos especulativos que terminariam
nas crises financeiras de 1857 e 1864. Não obstante, houve inequívoco progresso
87
TP Segundo Caio Prado Jr., ao final do período imperial, as linhas de transporte ferroviário totalizavam
PT
9.000 km; a navegação fluvial a vapor somava ao redor de 50.000 km de linhas em tráfego regular. O
legado imperial inclui também o desenvolvimento da rede telegráfica, que articulava todas as capitais e as
cidades mais importantes do país. Ver Prado Jr. (1978), cap. 20, para maiores detalhes.
83
vigoroso, sendo o decênio que vai de 1870 a 1880 classificado por Caio Prado Jr. como
“um dos momentos de maior prosperidade nacional” (p. 194). Com efeito, esse é o
Furtado assinala, a propósito, que “[o] fato de maior relevância ocorrido na economia
brasileira no último quartel do século XIX foi, sem lugar à dúvida, o aumento da
sobre o trabalho assalariado ainda era constituída por uma grande quantidade de
evidentemente, constituem a renda dos pequenos produtores e comerciantes, que por sua
vez também destinam grande parte de sua renda em gastos de consumo. Assim sendo,
setor exportador.
Não obstante, como o fluxo monetário nos setores de subsistência era muito
subsistência para o setor exportador, e que era reforçada pelo forte fluxo imigratório,
modificações nos preços do café, acabavam sendo retidos em sua totalidade pelo
empresariado cafeeiro. A este, por sua vez, não interessava investir em melhorias de
Em relação ao fator terra, argumento análogo pode ser mobilizado para explicar
terras desocupadas ou subocupadas, uma vez que a terra utilizada desse sinais de
esgotamento, era abandonada, e o capital dela transferido para novos solos de maior
dos mercados internacionais, que se refletiam em elevações dos preços que por sua vez
observar, por outro lado, que na contração cíclica, isto é, nos períodos em que houve
86
reduções ocasionais dos preços, o setor exportador era beneficiado por políticas de
Furtado nos seguintes termos. A questão central era o papel determinante do preço do
câmbio. 88 A conseqüência era que, nos períodos de baixa cíclica dos preços do café, o
TP F FP T
Como se daria a correção dos desequilíbrios trazidos pela contração cíclica dos
preços do café, caso a economia operasse dentro das regras do padrão-ouro? Nesse caso,
redução de suas margens de lucro, que se propagaria aos demais setores da economia.
Assim, “[a] contração da renda global resultante da crise se manifestaria, (...), numa
redução das remunerações das classes não-assalariadas” (Furtado, 1976, p. 164). Dada a
88
TP Furtado (1976) identifica no estudo de Wileman (1896) um caráter pioneiro nessa associação empírica,
PT
“numa época em que os observadores mais esclarecidos do Brasil preocupavam-se apenas com as
emissões de moeda-papel e os déficits do governo central” (p. 164, nota 144). Cabe registrar, neste ponto,
a crítica de Franco (1997), para quem tal análise possuiria um “viés no sentido de se explicar as
flutuações cambiais nos anos [18]90 através das variações no preço do café” (Franco, 1997, p. 15). Este
autor cita, logo em seguida, trabalhos que procuram “especificar modelos macroeconômicos onde (sic) as
diversas influências sobre a taxa de câmbio são identificadas e testadas”. À parte o fato reconhecido pelo
autor de que os “resultados desses estudos não são conclusivos, embora gerem dúvidas, (...), sobre
interpretações simplistas da relação entre a taxa de câmbio, a moeda e os termos de troca” (Franco, 1997,
p. 15), importa objetar a seguinte observação. Não constituía objetivo primordial de Furtado a
identificação de quais fatores influenciavam a taxa de câmbio; seu interesse, muito mais relevante, era, a
partir da constatação de um fato inequívoco, a associação entre o preço do café e o câmbio, elaborar uma
explicação teórica para tal fato, baseado na realidade sócio-econômica brasileira.
87
exportador da economia.
industrial dinâmico, a crise econômica funcionaria como uma parada necessária para
atividade econômica nacional, paralisação essa que, caso ocorresse, “acarretaria a maior
pelo fato de serem constituídas em sua grande maioria por parcelas assalariadas, e por
as populações dos núcleos urbanos eram as mais penalizadas pela redução real de seus
mais abastadas. Celso Furtado descreve tal processo da seguinte maneira. O principal
aspecto era que o imposto sobre importações, fonte mais importante de receita para o
Por um lado, a redução real do gravame era maior para os produtos que
pagavam maior imposto, isto é, para os artigos cujo consumo se limitava às
classes de altas rendas. Em segundo lugar, a redução relativa das receitas
públicas obrigava o governo a emitir para financiar o déficit, e as emissões
operavam como um imposto altamente regressivo, pois incidiam
particularmente sobre as classes assalariadas urbanas (idem, p. 169).
externos, contraídos para fazer face aos desequilíbrios da conta corrente do balanço de
sua contribuição “para o financiamento a curto prazo das trocas internacionais”. Essa
(Furtado, 1976, p. 156). Ou seja, sua validade estava associada à realidade européia.
termos: ou via deflação de preços, causada pela redução do meio circulante decorrente
É evidente que, mesmo em termos teóricos, deve ser relativizada a idéia de que
teria que haver um espaço de tempo para que isso ocorresse, e nesse ínterim
reconhecíveis nas etapas de Rostow), e raízes estruturais diversas das que se constatam
nas economias desenvolvidas (não redutíveis a uma path dependence), como também as
89
TP PT Vale lembrar que a 1 a edição da Formação Econômica do Brasil é de 1959.
P
P
92
Furtado, e muito menos dissecar a concepção teórica que formula sobre o par
como enunciado acima, pelo pioneirismo da abordagem que adota, e que serviu de
90
TP Essa seria uma tarefa à qual se dedicaria, nos 50 e 60, a CEPAL, e especificamente no Brasil (até 64),
PT
o ISEB. Sobre a CEPAL, ver Bielschowsky (2000); sobre o ISEB, ver Toledo (1978).
91
TP Uma contribuição importante, nessa linha, está no trabalho de Constantino Cronemberger Mendes e
PT
Joanílio Rodolpho Teixeira (Mendes & Teixeira, 2004), que compila, com detalhes, as formulações de
Furtado.
93
atividades de subsistência.
desenvolvimento, analisar a importância que pode ter havido para a explicação desses
“saltos” no que diz respeito à elaboração de políticas e marcos legais (em alguns casos
1 Introdução
uma base industrial, ainda que reduzida e concentrada em poucos setores – basicamente,
crescimento anual do produto provém de duas fontes. Para o período de 1901 a 1947
(1978); de 1948 em diante os dados são os das contas nacionais do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. Essa série histórica, bem como diversas outras, referentes a
o ipeadata (www.ipeadata.gov.br).
92
TP Dificuldades a que Mário Henrique Simonsen assim se refere: “Seria ocioso lembrar que o principal
PT
1930, tanto em termos de variação real anual do produto, da variação do produto real
como era de se esperar, estão sujeitos a uma grande variabilidade (gráfico 1).
Gráfico 1 – Produto Interno Bruto do Brasil: variação (%) real anual, 1901-2006
20
15
10
R2 = 0,1574
0
01
04
07
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13
16
19
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31
34
37
40
43
46
49
52
55
58
61
64
67
70
73
76
79
82
85
88
91
94
97
00
03
06
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
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19
19
19
19
19
19
19
19
19
20
20
20
-5
-10
exportador, marcada por grandes turbulências no cenário externo (que culminam com a
polinômio de sexta ordem 93 . Ainda que essa aproximação seja ainda imprecisa (na
TP F FP T
intervalos de dez anos, com exceção do último período, que vai de 2001 a 2006.
10
R2 = 0,7031
4
0
1901-10 1911-20 1921-30 1931-40 1941-50 1951-60 1961-70 1971-80 1981-90 1991-2000 2001-06
93
TP PT O que constitui a melhor aproximação fornecida pelo software Microsoft Excel.
94
TP O coeficiente de determinação R 2 representa a medida do ajuste de um modelo estatístico aos dados
PT P P
observados, e seu valor está compreendido no intervalo [0, 1]; quanto mais próximo estiver seu valor da
unidade, melhor é o ajuste. Para mais detalhes, ver Hayashi (2000).
97
das três décadas da República Velha no século XX (4,2% para os dois primeiros
médias geométricas de cinco anos para esse período 95 , verifica-se que em apenas dois
TP F FP T
que havia sido duramente comprimido nos anos finais do Governo anterior de Arthur
Cabe observar também os períodos em que houve crescimento mais intenso, que
inclusive se registra, em 1973, a mais alta taxa de variação real do PIB brasileiro:
13,9%. É forçoso reconhecer que o crescimento médio dos anos 1960 está viesado pelo
mau desempenho da economia no Governo João Goulart, o que pode ser considerado
95
TP PT Cujo gráfico encontra-se no apêndice.
98
Destaque-se, por fim, o pífio crescimento médio da década de 1980 (1,6%) e a lenta
equivale a construir uma série de números-índice das taxas de variação anual com base
em 1900 (isto é, 1900 = 100); bem entendido, a representação gráfica é idêntica para
ambos os procedimentos.
Gráfico 3 - Produto Interno Bruto do Brasil: Evolução anual de seu nível, expresso
em R$ milhões de 2006, 1901-2006
2500000
2000000
1500000
1000000
500000
0
00
03
06
09
12
15
18
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24
27
30
33
36
39
42
45
48
51
54
57
60
63
66
69
72
75
78
81
84
87
90
93
96
99
02
05
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
20
20
Duas observações devem ser feitas em relação a este gráfico. A primeira é que,
dado, de maneira concreta, a partir de meados dos anos 1940, isto não invalida a
hipótese aqui adotada, qual seja, de que o ciclo desenvolvimentista teve início a partir
99
Governo Goulart, não houve decréscimo do nível do PIB. De fato, isto só viria a
grande depressão e da Segunda Guerra, nos anos de 1981, 1983 e 1990, quando o
Gráfico 4: Evolução da renda por habitante no Brasil (em R$ mil de 2006), 1901-
2006
14
12
10
0
01
04
07
10
13
16
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25
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52
55
58
61
64
67
70
73
76
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82
85
88
91
94
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00
03
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19
19
19
19
19
19
19
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19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
20
20
20
Relativa constância nas três primeiras décadas do século XX, com perceptível
segunda metade da década de 1940, aumento vigoroso e ininterrupto até 1980 – com
acelerado em 1980, a renda por habitante havia aumentado em praticamente sete vezes
em relação ao nível prevalecente em 1930, resultado este que deve ser ainda qualificado
pelo fato de a população, no período, ter certamente mais do que triplicado neste
período de meio século. 96 Observando a trajetória pós-1980, cabe salientar que, após as
TP F FPT
monotônico (exceção feita ao ano de 2003), ainda que bastante modesto – o nível de
O gráfico 5 apresenta as médias de períodos de dez anos para a renda per capita
96
TP A não realização do censo populacional em 1930 impossibilita qualquer afirmação precisa a este
PT
respeito – e, de resto, constitui um problema sem solução para a demografia brasileira. Pelo censo de
1920, a população total ultrapassara a casa dos 30 milhões de habitantes – cifra que é objeto de suspeitas
de sobrestimação por parte de especialistas; em 1940, o censo (este considerado um dos melhores já
realizados) apurou uma população total pouco superior a 41 milhões de habitantes; em 1980, o
recenseamento registrou uma população de praticamente 120 milhões. Portanto, é possível afirmar, com
toda a segurança, que entre 1930 e 1980 a população mais que triplicou. Para os dados censitários citados,
veja-se IBGE ( www.ibge.gov.br ). Para um exame criterioso dos censos das primeiras décadas do século
HTU UTH
XX, veja-se Mortara (1970). Para uma análise da evolução demográfica brasileira no século XX, veja-se
Berquó (2001).
101
12
10
0
1901-10 1911-20 1921-30 1931-40 1941-50 1951-60 1961-70 1971-80 1981-90 1991-2000 2001-06
renda média por habitante. Tais “saltos” podem ser melhor identificados a partir da
de 1930, quando a renda média por habitante daquele período cresce em mais de uma
quarta parte em relação ao qüinqüênio anterior. A partir da segunda metade dos anos 40,
passa a haver forte crescimento da renda per capita, próximo ou superior a 20% a cada
cinco anos, até 1965. O período de cinco anos seguinte é de recuperação da forte crise
mais altas taxas da história brasileira, fechando o qüinqüênio 1971-75 com a espantosa
ainda registra uma expansão vigorosa da renda média por habitante (superior a 27%),
Pelo exposto, parece lícito trabalhar com a idéia de que o grande ciclo
trata-se de um período da história brasileira que guarda uma dinâmica própria, com
dos interesses das oligarquias rurais – que lhe são peculiares; estudá-las implica um
103
foco diverso do que se pretende no presente trabalho. Além disso, a idéia aqui é
justamente chamar a atenção para o fato de que foi a ruptura com a estrutura do Estado
sido produzidos vários grandes clássicos da ciência social brasileira. Entre os analistas
Azevedo Amaral e Francisco Campos, este último Ministro da Justiça do Estado Novo e
Justiça do Governo Prudente de Morais entre 1896 e 1897; Presidente do Estado do Rio
desse ano até 1900, e Ministro do Supremo Tribunal Federal a partir de 1901. Em seus
ele, deveria organizar-se como corpo social e econômico, não devendo copiar nem criar
Brasileiras (1949). Presente nesses livros, e de modo geral em sua obra, forte crítica, de
104
políticas e instituições externas à realidade brasileira, muitas vezes até corretos e bem-
federação pela Constituição de 1891. Para Oliveira Vianna, o iberismo era uma
categoria marcante na formação social brasileira (cf. Werneck Vianna, 1997 e Carvalho,
1993), e por isso era imprescindível a existência de um poder central forte e articulado
ouro, também dirige sua crítica à importação de idéias e instrumentos sem um devido
denomina uma “família intelectual de longa descendência, que começa com Paulino José Soares de
Souza, o Visconde de Uruguai, passa por Silvio Romero e Alberto Torres, prossegue com Oliveira
Vianna, e vai pelo menos até Guerreiro Ramos”. Para mais detalhes, ver Carvalho (1993).
105
uma análise política objetiva dos primeiros anos da República, Lessa (2001) é um
composição de forças que deu origem à Carta de 1891, o autor estende sua análise até o
oligárquico e a República encontra o que o autor classifica como a sua “rotina” (Lessa,
2001, p. 53).
Para uma análise da política econômica nos anos finais do Império e nos
monetária que se procurou implementar, tanto no Gabinete Ouro Preto quanto na gestão
de Rui Barbosa em seus 14 meses como Ministro da Fazenda 98 . Para uma visão TPF FPT
particular para o Estado de São Paulo, encontram-se em Dean (1971) e em Cano (1977).
processo de desenvolvimento.
98
TP Curioso é observar que as descrições das (tensas) reuniões ministeriais do turbulento início do período
PT
republicano, que por certo constituem objeto do mais alto interesse, já haviam sido realizadas quase que
integralmente sessenta anos antes em O Ocaso do Império, obra publicada por Oliveira Vianna pela
primeira vez em 1925, e que não é citada pelo autor em tela (G. Franco).
106
uma ótima introdução, pela concisão e erudição com que discorre sobre as questões
evidentemente Carone (1973), esta uma antologia de trabalhos, estudos e manifestos dos
daquele período.
da República Velha ocorre, como foi visto, no último Governo, o de Washington Luís.
Este foi precedido de uma ampla reforma constitucional, em 1926, ainda sob a
Presidência de Arthur Bernardes, cuja principal característica foi justamente uma maior
um lado, surgiu como uma conseqüência dos temores que passava a haver nas elites
civis urbanas quanto nos círculos militares 99 ; e, por outro, já trazia consigo os indícios
TP F FPT
da nova configuração que o Estado viria a ter que adotar no Brasil para dar início ao
99
TP De que são exemplos emblemáticos a Semana de Arte Moderna (e seus desdobramentos nos anos
PT
ênfase, quando não o afirmam categoricamente, à idéia de que, a partir de 1930, de fato
se inaugura uma nova etapa na formação histórica nacional, em particular no que diz
que essa literatura sugere, em linhas gerais, é que do ponto de vista político-institucional
o setor público tornou-se mais capacitado para intervir na dimensão sistêmica, no jargão
Luiz Werneck Vianna, por sua vez, afirma que “[a] Revolução de 30 refunda a
assim como em outros momentos da história brasileira, trabalhado por este autor
Do ponto de vista estritamente econômico, tal posição pode ser explicada por duas
são de fato muito lentos na década de 1930. Segundo o censo demográfico de 1940, a
população rural àquela época atingia ainda quase 70% do total. A participação da
indústria na renda era reduzida – e de fato só iria suplantar a agricultura em meados dos
anos 1950. Além disso, como evidenciado na seção introdutória deste capítulo, do ponto
guardam grande divergência, em termos médios, aos dos melhores anos da primeira
República.
100
TP Simbolizado pela célebre frase atribuída a Antônio Carlos de Andrada, último governador de Minas
PT
Gerais da República Velha, às vésperas de 1930: “Façamos a revolução antes que o povo a faça.” (apud
Werneck Vianna, 2001, p. 113).
109
Em segundo lugar, pelo fato de que a difícil tarefa de gerir uma economia como
quadro como o do começo dos 30, de instabilidade política interna e de grave crise no
Vargas durante o período 1930-34 (Governo Provisório). Neste sentido, os autores que
defesa do café levada a termo nos primeiros anos da década de 1930 101 , e a importância
TP F FPT
que teve esta política na dinamização da economia, em particular para o crescimento das
em relação a esta questão: analisando a severidade das crises externa (dada pela Grande
101
TP A política de defesa do setor cafeicultor, como se sabe, baseou-se na retenção e destruição de parte da
PT
produção de café, que havia crescido nos anos da depressão, bem como nas sucessivas desvalorizações
cambiais. Assim, procurou-se manter o nível de emprego e renda no principal setor produtivo da
economia, ainda que à custa da destruição do fruto da produção. “O que importa ter em conta é que o
valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava. Estávamos, em
verdade, construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes” (Furtado, 1976, p. 192).
110
ordem de 60% entre 1929 e 1933), tece considerações sobre o que teria ocorrido caso o
uma política fiscal ortodoxa (que visasse o equilíbrio orçamentário) e conclui que:
Importa registrar ainda que, na visão deste autor, as compras maciças de café
contribuído decisivamente para deter a queda da renda e propiciar o impulso para sua
recuperação, o que leva o autor a concluir que “o comportamento efetivo do Estado foi
keynesiano em 1930 e 1932, ainda que as intenções fossem bem outras” (Cardoso de
padrão de funcionamento do Estado, pouca ou nenhuma ênfase é dada quanto a ser 1930
102
TP “(...) o Conselho Nacional do Café comprou café no montante de quase 30% da receita de exportação
PT
em 1931 e 1932, destruindo 14,4 milhões de sacas entre maio de 1931 e fevereiro de 1933. Das despesas,
65% foram financiadas com impostos, e o restante com créditos do Banco do Brasil e do Tesouro
Nacional” (Cardoso de Mello, 1984, p. 172). Para uma análise completa da política de defesa do café, ver
Antônio Delfim Netto, O Problema do Café no Brasil (São Paulo, 1981).
111
Furtado, por exemplo, não dedica mais que uma nota de pé de página ao movimento que
Econômica, inicia sua análise a partir dos anos finais da década de 1940, justificando-se
economia houvera transitado após 1929, era “extensiva” e “não decidida” (Lessa, 1981,
p. 15). Chama a atenção, por fim, que Delfim Netto (1981) refere-se ao movimento de
1930 como “um governo de força [que] assumiu a direção do país” (p. 142) e, algumas
páginas à frente, classifica o levante de 1932 como a “revolução paulista” (p. 145).
regionais, abrindo espaço para inserir novos atores no universo restrito das elites
dirigentes do país” (Bielschowsky, 2000, p. 249). Adverte, no entanto, para que se não
paradigma é dada ao se afirmar que é no período em tela que surgem quatro elementos
na autoritária de 1937; e
recursos naturais.
De todo modo, o que se pode afirmar com segurança, e com suporte tanto da
pela depressão internacional e pelos problemas internos por que passava a economia
cafeeira, a política econômica dos primeiros anos da década pautou-se de imediato por
golpe de Estado dado pelos próprios dirigentes do regime inaugurado com a revolução
distintas das que lhe foram originárias, na medida em que se configuram como opostas
em 1889, como um movimento de elites, tendo como base os interesses emergentes nos
vista como obstáculo à livre iniciativa e ao desenvolvimento do mercado. Essa foi, sem
federativo americano -, embora tenha mobilizado a seu favor uma aliança mais ampla,
103
TP Para uma descrição da política econômica nos primeiros anos da década de 1930, ver Abreu (1997);
PT
como representante geral da nação. No entanto, a nova ordem encontrou, desde o início,
tornaria insustentável com a crescente radicalização política no país, tendo, por um lado,
de uma crise mundial mais profunda, que parecia apontar, no começo dos anos 30, para
pelo crack da bolsa de Nova York, em 1929, foi, por toda parte, sucedida pelo
104
TP O corporativismo sindical estatuído por Vargas será examinado adiante. Sobre o corporativismo como
PT
do Exército que apoiavam Vargas. Sobre o tenentismo, movimento que provocou vários levantes na
década de 20, e que teve papel importante na Revolução, ver, entre outros, Borges (1992), Drummond
(1986), Sodré (1985).
106
TP PT E ambos com forte penetração nas forças armadas.
115
planos quinqüenais, nos países sob regimes fascistas, como a Itália e a Alemanha, um
capitalismo sob o controle direto da agência estatal, e, mesmo nos EUA, na América do
New Deal de Roosevelt, o liberalismo cedia lugar àquilo que foi conhecido à época por
do país na economia internacional, que se teria tornado evidente quando a crise de 1929
um mercado nacional incipientes, supunha uma presença indutora do Estado. Tal papel,
para ser exercido com efetividade, não só requeria a centralização do poder como a sua
conforme esse cálculo, se mostrava inadequado para as grandes mudanças que deveriam
ser introduzidas.
com a guerra civil espanhola, com a intervenção no conflito, de um lado, dos regimes
107
TP A ALN formara-se como um movimento contra o integralismo e o fascismo em ascensão, em março
PT
de 1935. Em novembro do mesmo ano, com a adesão de militares e intelectuais aliancistas, o Partido
Comunista liderou um levante em quartéis de Natal, Recife e Rio de Janeiro que foi rápida e severamente
reprimido pelo governo. Ver Levine (1980), Vianna (1992) e Sodré (1986), entre outros.
116
apoio aos republicanos, era mais um pretexto para o projeto continuísta de Vargas.
terminaria em 1938. José Américo de Almeida tinha sido escolhido como candidato
oficial, enquanto que as elites de São Paulo indicaram Armando Sales de Oliveira.
Plinio Salgado concorreria pelo partido Integralista. Nenhum deles, “da perspectiva dos
aprofundamento do que vinha sendo a obra iniciada com a revolução de 30: edificar as
bases para a industrialização e pacificar a ordem social pela criação das leis sociais e
pelo controle dos sindicatos por meio da estrutura corporativa vinculada ao Estado”
Cohen, provocação arquitetada pelo governo que atribuía aos comunistas, com base em
papéis forjados, um projeto de insurreição 108 . Com a sua divulgação pela “Hora do
TP F FP T
Brasil”, o Congresso aprovou o estado de guerra, com o que se selava o fim do processo
por meio das corporações, não se comportariam como esferas contrapostas como no
sistema político liberal, mas realizariam uma unidade sob o imperativo da vontade
civis e públicas, postos os sindicatos sob tutela estatal, abrem-se amplas oportunidades
com base em um projeto concebido pelos responsáveis pela nova ordem, a partir do qual
o país seria reerguido pela vontade do centro político estatal. No caso, a tarefa essencial
estruturação.
109
TP “O Estado Novo realizou, a esse propósito, uma transformação radical imediata. A nação não é mais o
PT
vasto rebanho, cujo destino era apenas pagar impostos e levar às urnas os nomes ilustres dos dinastas da
república. Nação e Estado estão hoje identificados e, com o desaparecimento dos políticos profissionais, a
Política tornou-se matéria sobre a qual cada cidadão, por mais humilde que seja, tem não apenas o direito,
mas o dever de formar opiniões e de pronunciar-se, com a esperança de atuar na direção do Estado com a
parcela mínima dos frutos de sua experiência pessoal” (Azevedo Amaral, O Estado Autoritário e a
Realidade Nacional, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1938, p. 7)
118
uma economia dependente da exportação de produtos primários. Mais que isso, porém,
o fato é que, naquele período, passam a deter crescente influência, na arena política,
grupos sociais cujos interesses, afinados ou não entre si, vão convergir no sentido de
que o Brasil não poderia reproduzir o modelo de industrialização dos países avançados
e, em especial, não poderia prescindir da proteção do Estado para levar à frente seu
comercial. O colapso dos mercados do café, o declínio dos preços dos produtos
especial a de algodão. Contudo, os níveis anteriores, tanto dos preços do café quanto
dos índices de exportação, não foram recobrados. O governo, ademais, tendo que fazer
revolta paulista de 32, por exemplo, contribuíram para minar as intenções de contenção
de gastos do governo.
calculado, então, em cerca de 250 milhões de libras 110 - seria melhor utilizado na
PF FP
deficientes. Tal postura era duramente combatida por Oswaldo Aranha, que tentava
estabelecendo uma competição que, longe de ser apenas econômica, tinha motivações
110
TP PT . Ver WIRTH (1973)
120
Vargas optou por uma política comercial “eclética” 113 , adotando uma orientação
PF FP
algodão, café, cítricos, couros, tabaco e carnes 114 . A ambigüidade, que tinha por
PF FP
continuou até 1940, quando o governo volta a se alinhar com os Estados Unidos 115 . PF FP
111
TP . Em meados de 34, o Congresso Americano aprovou o Ato de Acordos Comerciais Recíprocos e
PT
Berlim despachou uma missão à América do Sul para por à prova o apelo de seu programa comercial. Ver
HILTON (1977).
112
TP . Tratava-se de uma moeda especial, não conversível, que só podia ser utilizada para compras na
PT
própria Alemanha, caracterizando acordos bilaterais que afastavam outros concorrentes. Ver HILTON
(1977).
113
TP . WIRTH (1973).
PT
114
TP . FAUSTO (1994).
PT
115
TP . Embora Vargas tivesse sinalizado simpatia pelo eixo nazifascista logo após a derrota da França, em
PT
1940, num momento em que a ameaça de captura da esquadra britânica parecia prestes a se concretizar, a
reviravolta na guerra o levou rapidamente a uma reaproximação com os Estados Unidos. As negociações,
como se verá a seguir, evoluíram desde o estabelecimento de bases aéreas americanas em solo brasileiro e
121
Brasil, bem como uma reformulação da política de comércio exterior que visasse a
industrial figuravam, ao lado da proteção tarifária, como demandas dos empresários que
Executivo 117 . O código continha um artigo que autorizava o governo a elevar as taxas
PF FP
aduaneiras para produtos que estivessem concorrendo com os artigos nacionais por
117
TP . Além de estabelecer critérios e aliquotas e classificar os produtos para importação, o Código criou o
PT
legislação sobre similares que, existente desde 1890, fora reformada em 1911, embora praticamente não
tivesse nenhum efeito. Ver LEOPOLDI (2000).
122
momento, à lei tarifária de 34. A partir de 37, a formulação da política tarifária foi
para agências como o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) 119 , o ConselhoPF FP
beneficiou não só da ampliação das agências nas quais suas lideranças tinham
representação como também dos novos canais abertos através do sistema sindical, como
119
TP . O CFCE fora criado em 1934.
PT
120
TP . Criada em 1942 com funções de organizar a economia brasileira em tempo de guerra, foi extinta em
PT
1945.
123
industrialização”. 121 PF FP
vale insistir, foram incorporadas à política econômica. Tais demandas tinham em vista a
sem visar à receita fiscal 122 . Reivindicavam ainda a estabilização cambial, o controle
PF FP
como o caminho para a independência do país, a burguesia industrial era menos radical
por uma ordem corporativa que acabou por se adequar aos seus interesses, se mostraram
relevantes.
122
TP Reivindicação explicitada no 1 o Congresso Brasileiro da Indústria, em São Paulo, em 1944. Citado em
PT P
P
Leopoldi (2000).
124
pagamentos como pelos riscos crescentes da guerra, que imporia – e realmente impôs –
grandes restrições às importações. Não por acaso, o governo criou a CME (Coordenação
importações.
para o período de guerra preparou-os para formularem propostas para uma efetiva
política industrial no pós-guerra. Roberto Simonsen, da FIESP, teria dado voz a estas
que atuou em 1944 e 1945 como um forum de debates de questões econômicas ligadas
com iguais objetivos, Eugênio Gudin daria início a um debate com Simonsen (este no
mesmo, o que não corresponde inteiramente aos fatos. Embora, como visto
das minas, dos recursos energéticos e das “indústrias consideradas básicas ou essenciais
próprio Código de Minas, que, reformado em 1940 passou a proibir aos estrangeiros a
bem como o investimento de capital estrangeiro neste setor, foi suavizado por um
decreto de 1941.
123
TP . A Carta consignava também que só poderiam funcionar no país bancos e companhias de seguros
PT
cujos acionistas fossem brasileiros e concedia às empresas um prazo, a ser fixado por lei, para que se
transformassem em nacionais.
124
TP . Como menciona FAUSTO (1994), as empresas de energia elétrica, por exemplo, não foram tocadas e
PT
em outubro de 1941 Getúlio Vargas negou-se a aceitar um projeto de decreto determinando que, até
agosto de 1946, os bancos e empresas de seguros deveriam estar em mãos de nacionais.
126
condições materiais das forças armadas, e a tradução dessa inquietação em pressão para
área de comércio externo. A política “eclética” de Vargas tinha objetivos para fora,
divergências entre os setores cujo apoio o governo cultivava. Mesmo após o golpe de
a Krupp, em março de 1938. Mas, pouco antes, Vargas mostrara sua disposição de não
Ministério do Exterior.
125
TP . HILTON (1977).
PT
127
subsídios, mesmo que tímidos, uma pequena indústria se mantinha em expansão desde
os anos 20. Expansão que, claramente, não acompanhava a demanda. Em 1940, cerca de
70% de todos os produtos de aço laminado, inclusive trilhos e chapas, de que careciam
organizou uma comissão para estudar os problemas do ferro e do aço, convocando para
dela participar técnicos como Edmundo de Macedo Soares, ex-tenente e que seria um
debates.
Em 37 ainda não havia uma fórmula definitiva para a fabricação de aço em larga
Exército entrara firme nas discussões com a tese da soberania nacional, a desconfiança
126
TP . WIRTH (1973).
PT
127
TP . O que não chegou a ocorrer, pois Roosevelt preferiu evitar medidas extremas que poderiam levar o
PT
Brasil a aliar-se com a Alemanha ou a seguir um caminho nacionalista radical. Ver FAUSTO (1994).
128
TP A companhia Belgo-Mineira, instalada em Monlevade e Sabará (MG) não fabricava os produtos
PT
Export- Import Bank e por recursos do governo brasileiro 130 , a Companhia Siderúrgica
PF FP
De todo modo, entre 1938 e 1943, se inicia o delineamento de uma política para
129
TP Companhia inglesa que controlava uma estrada de ferro ligando a região rica em minérios, em Minas
PT
Gerais, ao porto do Vitória. Seu presidente, Percival Farquhar, apresentou por diversas vêzes ao governo
brasileiro planos de instalação de uma siderúrgica no país.
130
TP A Caixa Econômica Federal e os Institutos de Previdência Social entraram com mais da metade do
PT
capital inicial, fazendo jus, em troca, à maioria das ações preferenciais. Ver WIRTH (1973).
129
diversos ministérios e grupos de interesse, o Conselho foi, até 43, sob o comando do
engenheiro militar General Horta Barbosa, dominado por setores favoráveis a uma
estabelecer grandes refinarias estatais, dali emanadas, não tenham logrado êxito, o
trabalho, que desconhecia obstáculos institucionais e/ou legais para a otimização das
classes dominantes nos anos 10 e 20. Tal consenso, para os dirigentes políticos da nova
131
TP A estrutura sindical corporativa começa a ser implantada a partir de 1931, mediante revogação da
PT
legislação vigente e progressiva introdução de novos estatutos legais. Unicidade sindical, imposição de
reconhecimento pelo Estado, vinculação ao então criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
eram algumas das características do modelo. Werneck Vianna (2000) e Santos (1979), entre outros,
descrevem e analisam o corporativismo sindical instituído por Vargas, que valia, com diferenças não
triviais que se acentuaram gradativamente, para o trabalhadores e para os empresários.
130
situação em que a classe operária era contida num livre mercado (com eventual recurso
à coerção policial) para outra, na qual sua submissão era a um Estado tutelar (e por ele
garantida), não demorou a ganhar apoio das lideranças empresariais e logo de toda essa
classe. O suporte delegado pelos industriais, contudo, não seria irrestrito nem
determinadas leis sociais e, de outro, mais importante, forças para retificar seu
referendar tal realidade no plano legal, o Estado acabou por legitimar essa perspectiva,
ao abdicar do seu poder impositivo para obrigar a realização dos contratos coletivos.
estabeleceu ao longo dos anos 30, seria inconcebível sem a mediação dos empresários,
que reconheciam o termo autoritário e repudiavam o corporativo, “salvo nos seus efeitos
dirigentes do Estado, por onde faziam passar suas reivindicações mais importantes.
132
TP Um exemplo está no instituto das convenções coletivas do trabalho. Proposto pelo governo em 1931,
PT
e decretado em 1932, foi repelido pelos empresários. A Carta de 34 ratificou sua criação e a de 37 a
confirmou, tendo sido afinal consagrado pela CLT. Apesar disso, não teve vigência real. Para o
empresariado, no que se refere às classes subalternas, o corporativismo se resumia no sistema interventor
da vida sindical, ignorando as veleidades do Estado em compeli-lo a aceitar o fator trabalho como
interlocutor numa mesa de negociações.
131
desenvolvimento, com uma segura política econômica de amparo dos seus interesses
por parte dos seus Estados. O documento negava a existência de um conflito entre
conjunto social”, com o que reivindicavam, na verdade, a hegemonia dos seus interesses
uma solução definitiva para o problema. Sua sugestão previa a criação de impedimentos
à livre alocação dos capitais, cuja aplicação deveria subordinar-se à prévia anuência dos
133
TP Circular da FIESP, de 24/ 12/36. Ver WERNECK VIANNA (2000).
PT
132
efetiva declaração de que reconheciam nele o seu intérprete político, embora não
pensada pela burocracia estadonovista como modelo a ser aplicado tanto para as
alternativos aos liberais e cujo núcleo residia na identidade da nação com o Estado” 137 . TP F FP T
resistiriam à nova realidade 138 . O Estado, segundo ele, teria de deixar de ser um centro
TP F FP T
134
TP Circular FIESP n. 810, de 9 de março de 1937. Citada em WERNECK VIANNA (2000)
PT
135
TP Idem.
PT
136
TP Leopoldi (2000) mostra como os empresários lograram preservar suas antigas associações (como o
PT
Centro Industrial de São Paulo), paralelamente à estrutura corporativa imposta por Vargas.
137
TP PT Werneck Vianna (2000).
138
TP PT Termos semelhantes são usados por Azevedo Amaral na obra acima citada.
133
vingar, o projeto modernizante não poderia conviver com partidos oligárquicos, que
ameaçariam com o retorno à antiga ordem e com “o perigo das formações partidárias
Nesse discurso, que antecipa o que vai ser o Estado Novo, a política é afastada
por isso, dos intermediários políticos, para manter contatos estreitos com o povo e
O Estado forte, para os ideólogos do Estado Novo (como Azevedo Amaral), não
nacional organizada. Conforme afirma Werneck Vianna (2000), tal ente significaria a
139
TP PT Idem.
140
TP“No limiar do ano de 1938”, discurso pronunciado por Vargas em 31 de dezembro de 1937, citado por
PT
nacional.
trabalho, ao qual foram dedicados os três primeiros itens do artigo 137. Os restantes
do trabalho dos menores de dezesseis anos e das mulheres, assistência médica e garantia
141
TP “O Estado Novo e as Classes Trabalhadoras”, discurso pronunciado por Vargas em 1 o de maio de
PT P
P
trabalhistas – o capital e o trabalho – não exerciam suas atividades num mercado liberal.
A greve, pelo artigo 139 da Constituição era considerada um recurso anti-social. Pelo
como representante da nação expressaria sua vontade soberana, situando-se num plano
legitimado, não é visto como uma finalidade em si mesmo, mas somente na medida em
que potencializa esse mesmo Estado nacional. Sua realização, nesse sentido, dependeria
não apenas do esforço empresarial como também do trabalhador. Daí que a disciplina
protofascista do legislador:
144
TP O item da letra n consignava: “As associações de trabalhadores têm o dever de prestar aos seus
PT
conceito prévio dos sindicatos como órgãos delegados do poder público. Livre a
facultativa -, tal suposto não impedia que os contratos coletivos celebrados pelos
empresa (ou o Estado). O Estado lhe garantia o controle jurisdicional de toda a categoria
operária para o interior dos sindicatos postos sob controle do Ministério do Trabalho.
da empresa.
movimentação operária e sindical se bem que, por conta de sua própria invenção, o
governo tenha sido também obrigado a exercer a fiscalização das leis trabalhistas. Os
145
TP PT Ver Werneck Vianna (2000) e Santos (1979).
137
prática política dos dirigentes governamentais no início do Estado Novo, aos poucos
com que recuperasse a legitimidade do seu interesse face à obscura potência do Estado
entendido menos como promotor de harmonia e mais como meio de potencialização dos
para a relevância do papel que desempenharam no período. Cabe sublinhar ainda que a
estatuto oficial de suas entidades, continuou presente e atuante nos inúmeros conselhos
146
TP PT Leopoldi (2000); Werneck Vianna (2000).
138
das principais vias de acesso, por parte de grupos privados, ao processo decisório.
Nesse sentido, como observa Boris Fausto, o Estado Novo não significou um
corte radical com o passado, pois várias de suas práticas e instituições já vinham
tomando forma desde 30, ou mesmo antes. Mas, a partir de novembro de 37, maior
Novo vai, de fato, concentrar a maior soma de poderes até então conhecida na história
República recebia poderes para confirmar ou não o mandato dos governadores eleitos,
própria Constituição. Outro preceito transitório, que também se prolongou por todo o
147
TP Na realidade, os governadores dos estados se transformaram em interventores e na maioria dos casos
PT
Campanhole e Hilton Lobo Campanhole, Todas as Constituições do Brasil, ed. Atlas, 1971.
149
TP PT FAUSTO (1994).
139
plenamente com a nova ordem implantada em 37. Os estados passam a ser governados
por decreto-lei de abril de 39. Essa agência federal faria as vezes das assembléias
assessorar por um círculo de extrema confiança, formado por elementos das Casas Civil
Com efeito, entre março de 1938, quando Oswaldo Aranha, que já ocupara outros
cargos importantes no governo, foi nomeado Ministro do Exterior, e junho de 1941, não
Embora Vargas cultivasse relações bastante próximas com uma elite intelectual
liberalismo (ou, pelo menos, com um certo liberalismo), como Oswaldo Aranha, eram
intocado, por todo o período, a despeito das tensões que marcaram a criação da estrutura
corporativa para a classe patronal. Desse modo, Vargas preservava eqüidistância face
Indústria e Comércio, Almir de Andrade, advogado e jornalista, que dirigiu a revista Cultura Política,
publicação oficial destinada ao meio cultural, o poeta Cassiano Ricardo, o jurista Francisco Campos, e
muitos outros.
140
monolítico nem tinham um programa definido de política estatal. Sua coesão repousava
as com os interesses do governo. “Quando logo após o golpe de 1937, Getúlio tomou a
japonês a Pearl Harbor, provocou reservas por parte dos generais Dutra e Góis
subsecretário de Estado americano, Sumner Welles, Getúlio chegou a dizer aos dois
militares que contava com o povo “e não precisava das Forças Armadas para conter
nesse aspecto, uma outra faceta aparece, corroborando a idéia de que ao dirigente
151
TP PT FAUSTO (1994).
141
máximo do Estado Novo cabia uma função indispensável à plena consecução da ordem
São Januário – o maior estádio do Rio de Janeiro na época – e desde 1944 no Pacaembu,
em São Paulo, Vargas iniciava seus discursos com a famosa alocução “Trabalhadores
de formar uma ampla opinião pública favorável à nova ordem não se restringiram,
políticas ativas, entre as quais merecem destaque a censura aos meios de comunicação,
contrárias.
DIP era ligado diretamente à presidência da República, que escolhia seus principais
e cultura. Cinema, rádio, imprensa, literatura – tudo passava pelo crivo dos censores do
Brasileira.
seus dirigentes, que passar por sérias reformas 153 . Uma burocracia qualificada,
TP F FP T
propostas legislativas.
ministério entre novembro de 1930 e setembro de 1932; em seguida, foi substituído por
implantá-lo, uma vez que, na maior parte do país os cursos eram meros preparatórios
1920 e, até então, uma simples agregação de três escolas (a Faculdade de Direito, a
do Rio de Janeiro, foi criada a Universidade do Distrito Federal, em 1935, cujo núcleo
para tanto, evitou estabelecer os vínculos com as escolas superiores existentes que a
ensino, foi descartado 156 . Em 1939, a Universidade do Distrito Federal foi extinta. Seus
TP F FPT
155
TP PT Idem.
156
TP O reformismo educacional se configurou como corrente de pensamento durante os anos 30,
PT
nível secundário para ingresso nas escolas superiores 157 . Historiadores que TPF FP T
partir de 1937. Embora o ministro Capanema tenha dado sequência à reforma Campos
no ensino secundário, sua prioridade, no Estado Novo, vai recair sobre a organização do
Industrial, com o objetivo de qualificar a mão de obra para a indústria. Pelo Decreto-lei
O que viria mais tarde a ser conhecido como Sistema S (os serviços sociais e de
relacionamento entre Estado e sociedade, à época vigente, a obra social de Vargas. Com
157
TP PT Ver ROMANELLI (1978).
158
TP PT ROMANELLI (1978), FAUSTO (1994), por exemplo.
159
TP O SENAI, destinado ao ensino profissional do menor operário, era subordinado ao Ministério da
PT
34, o IAPB (dos bancários) e o IAPC (dos comerciários) tomam forma. Durante o
Estado Novo, foram montados o IAPI (dos industriários), o IAPETEC (dos empregados
quando, com a promulgação do Decreto-lei 4.682 – a chamada lei Eloi Chaves 160 - se TP F FP T
caixas de aposentadorias e pensões para seus empregados 161 . As CAPs, porém, embora
TPF FPT
160
TP PT A lei ficou conhecida pelo nome do deputado paulista que apresentou o projeto no Congresso.
161
TP Organizadas por empresas, as CAPs eram financiadas pelas contribuições dos empregados e dos
PT
empregadores, além de contarem com uma fração das tarifas pagas pelos usuários dos serviços. Eram
dirigidas por colegiados formados por representantes de empregados e empregadores, permanecendo o
Estado apenas como fiscalizador. Ver, a respeito, Werneck Vianna (1998), Oliveira & Fleury Teixeira
(1986) e Santos (1979).
147
União, em 1931), não chegaram a constituir um sistema nacional, como o que foi
instituição previdenciária não mais baseado na empresa, mas que organizava como sua
nome de uma categoria. As eleições para a escolha da representação será então feita
teve, ademais, seu estatuo rebaixado, pois, acima dele se criou a instância superior de
do mercado de trabalho formal urbano 162 , os IAPs foram erigidos como entidades
TP F FP T
(na forma de um percentual do salário que variava de uma categoria para a outra) e de
nos anos 40 já era suficientemente vultuoso para que rentáveis investimentos fossem
162
TP PT O sistema previdenciário, assim como a organização sindical, excluía os trabalhadores rurais.
148
Não por acaso, a última categoria a ter seu instituto de aposentadoria seria a dos
projeto varguista 163 . Criado, na verdade, por dispositivo legal em 1936 só entraria em
TP F FP T
IAPI nasceu sob forte intervenção do MTIC e com a expressa orientação de tornar-se
Muitas das reformas levadas a cabo por Vargas durante o Estado Novo
1945, após sucessivos episódios nos quais se evidenciou o declínio do apoio que atores
163
TP PT Ver HOCHMAN (1992).
164
TP PT Idem.
165
TP PT Sobre os episódios que marcaram a queda de Vargas, ver FAUSTO (1994).
149
construção da nova ordem, mas preconizava que tais interesses – o mundo da economia
do Estado, o regime criava uma séria dificuldade para sua própria reprodução, já que
procurava introduzir, numa esfera que tendia à autonomia e às leis do mercado, uma
ideologia que lhe era estranha. A segunda contradição consistia no movimento paralelo
Estado.
166
TP PT Artigo 135 da Constituição de 1937, citado em Werneck Vianna (2001).
150
predomina em países do norte europeu 167 . Como ordenamento das relações entre
TPF FPT
capital trabalho, também tem natureza diversa daquela em que se baseava o salazarismo
português, pois, embora seja um empreendimento político, não tem a função de conter a
sociedade e sim de expandir suas potencialidades, desde que sob os ditames dos
dirigentes estatais. Essa ideologia, verbalizada na Carta de 37, e afirmada por seus
Estado Novo: a intenção explícita de liberar as forças modernas do capitalismo sob uma
Estado Novo. Nesse episódio, o “interesse” das forças a serem liberadas prevaleceu
siderúrgica, o Brasil acabaria por se definir em favor da causa dos Aliados contra os
no continente europeu.
Minado por contradições que vinham do desajuste entre a sua “teoria” política
a institucionalidade antiliberal do Estado Novo não teve como resistir a mais esta:
167
TP O corporativismo estatal criado por Vargas se funda numa concepção inteiramente distinta daquela
PT
no Brasil, que a bibliografia das ciências sociais sobre o período do imediato pós-
Segunda Guerra Mundial até a eleição de Juscelino Kubitschek pode ser classificada da
seguinte maneira:
Para o historiador político, a opção tradicional, quando sua análise vai além
do período 1945-47, é a de considerar como períodos distintos os anos
1946-50 (governo Dutra), 1951-54 (governo Vargas) e 1954-55 (governo do
presidente Café Filho e soluções provisórias que se seguiram ao seu
afastamento). Entre os historiadores da política econômica, encontram-se
duas opções básicas. Há aqueles que, como Carlos Lessa [1981], estão
preocupados em marcar a diferença entre a política desenvolvimentista de
Vargas e a política liberal de Dutra e que empregam a mesma periodização
dos historiadores políticos. E há os que privilegiam a política econômica
externa e, sem recusar validade à questão enfatizada por Lessa, preferem
mostrar a continuidade da política cambial (licença prévia e taxa de câmbio
fixa) entre 1947 e 1952. Com isso, o grande marco histórico passa a ser a
introdução de um mercado cambial livre para capitais e a subseqüente
introdução da política de taxas múltiplas de câmbio, respectivamente em
fevereiro e outubro de 1953 (Bielschowsky, 2000, p. 316).
Para os fins do presente trabalho, cuja ênfase reside no desenho das instituições
periodização dos “historiadores políticos”. 168 Em primeiro lugar porque, como afirma o
TP F FP T
(...) não seria equivocado tomar o início do [segundo] governo Vargas como
um marco histórico, na medida em que a reinserção do desenvolvimentismo
no aparelho do Estado, tal como ocorreu, representou um avanço decisivo
na consolidação e difusão da concepção de industrialização integral e
planejada (Bielschowsky, 2000, p. 316).
governo Vargas é, em certa medida, um resultado direto das frustrações a que o governo
168
TP Para uma análise da política econômica stricto sensu do governo Dutra, ver Vianna, S. B. (1997). Para
PT
uma interpretação alternativa, com uma caracterização crítica do liberalismo daquele período, ver Bastos
(2003).
153
Dutra submeteu aqueles que defendiam uma política de industrialização para o país”
Carlos Lessa, para quem, nos anos finais da década de 1940, “[a] industrialização (...)
perseguido, razão pela qual podemos qualificá-la de ‘não intencional’” (Lessa, 1981, p.
11).
Vargas, e que vai de 1951 a 1954; nesta etapa, conforme Carlos Lessa, é que são
compreende a metade posterior da década, sob o governo JK, “quando, sob o esquema
essas duas etapas, se situa um período de transição, marcado por tentativas frustradas de
desde o início, embora sem consenso quanto ao que seria este projeto.
154
ambigüidade não por alguma indecisão intelectual de Getúlio, mas pela necessidade de
acaba por perder-se e isolar-se num emaranhado de compromissos que não ganham a
confiança das outras partes interessadas” (D’Araújo, 1982, p. 134). Parece haver poucas
dúvidas de que a dinâmica da crise final do governo Vargas seria marcada por pressões
dos mais diferentes atores políticos (à esquerda e à direita) e, da parte do governo, por
de interesses específico e acabando por afastar ainda mais algum grupo concorrente (cf.
Sola, 1982, pp. 120–7; e D’Araújo, 1982, pp. 113–126). Embora este modelo
interpretativo possua validade na análise da crise política do último ano do governo, esta
crise final não seria fortuita, estando, na visão de D’Araújo, associada à maneira como o
155
1954), em que cada uma de duas das vertentes opostas possíveis (direita × esquerda;
monetária × desenvolvimento) seria predominante. Para ela, Vargas sempre foi e teria
segundo a qual teria havido uma “virada política” em algum momento do governo. No
entanto, embora Skidmore realmente tenha identificado uma progressiva “virada” para a
esquerda no último ano de governo (envolvendo uma solução final que eliminaria sua
linha de ação que se identifica com princípios nacionalistas e que imprime ao governo
Exterior e seu instrumento comum de ação, a Comissão Mista Brasil – Estados Unidos
brasileiros aos dos Estados Unidos” (D’Araújo, 1982, p. 132). A autora não deixa muito
claro qual seria o programa de ação econômica que o presidente queria executar, mas, à
luz de um comentário que precede a menção da presença de Horácio Lafer, João Neves
pode-se inferir que seu programa de desenvolvimento foi elaborado com a Assessoria, e
díspares dos diferentes setores do governo para implementar um projeto unificado que,
projeto que unificaria a ação do governo (a não ser, talvez, o projeto de decidir não
157
antemão que não devam sequer existir indícios suficientes para determinar seja que a
presidência dispunha de algum projeto que vinculasse as ações dos diferentes membros
da equipe, seja que este projeto tenha sido coerentemente transmitido à equipe que o
executaria. Neste caso, restaria constatar a presumida ambigüidade prática entre seus
membros: não apenas entre a Assessoria Econômica e o Ministério, mas entre a gestão
possível desta atitude seria sugerir ou que Vargas era irracional, passando a governar
compromissos e lotear cargos com o único projeto de preservar-se em seu próprio cargo.
fato, uma outra opção seria, nas palavras de Sérgio Besserman Vianna, “localizar qual
era o projeto que, na visão dos que dele partilharam, seria capaz de tornar coerente a
ação do governo, assim como articular consistentemente forças e setores que divergiam
entre si quanto a princípios e interesses — isso embora tal projeto não tenha resistido às
provas de seu tempo” (Vianna, 1987, p. 32). Ou seja, localizar o projeto central que
indícios deste projeto, como consultar aquilo que assessores de Vargas consideravam a
segundo, identificar estas idéias às do próprio Vargas. Com base neste silogismo,
seria entre Horácio Lafer e Ricardo Jafet” (Vianna, 1987, p. 38). Como presume que as
creditícia do Banco do Brasil foi a nota dissonante da política econômica dos dois
169
TP Para um aprofundamento da crítica a essa interpretação, bem como uma análise das idéias de Horácio
PT
presidente anuncia as principais dificuldades que teriam de ser superadas para o avanço
outros comentários sobre o que ele e outros consideravam uma “Mensagem Programática”, ver Almeida
(1986), citado em Bastos (2005).
160
Tal visão encontra respaldo na análise efetuada por Maria Antonieta Leopoldi,
que, de resto, ia ao encontro da estratégia maior idealizada por Vargas, para a realização
171
TP Destaque-se também a presença, na composição da Assessoria Econômica, de nomes do porte de
PT
Ignácio Rangel e Jesus Soares Pereira. Para mais detalhes, ver D’Araújo (1982), pp. 134-138.
161
formulados pela Assessoria Econômica. Leopoldi lembra ainda que, na elaboração dos
Dessa forma, para cada projeto, seguia-se uma proposta de pequena reforma
fiscal, para o provimento do capital necessário para aquela área. Como as
políticas do petróleo e da energia elétrica culminaram na criação de
empresas públicas, pode-se dizer que, além de planejar, a Assessoria
realizou, sem grande alarde, uma reforma administrativa e fiscal pela via
incrementalista, sem ter de recorrer a medidas que gerariam rupturas no
interior do Estado (Leopoldi, 1997, p. 36; grifos acrescentados).
seguintes termos:
(...) Os trabalhos da Comissão Mista passaram a compor o que o ministro Lafer chamou
Este plano era um programa qüinqüenal, formado pelos projetos elaborados pela
financiado com recursos do Banco Mundial e do Eximbank, até o valor de US$ 500
163
Cr$ 10 bilhões (Lei nº. 1.474, de 26.11.1951). Para gerir este fundo, e também os
recursos provenientes dos empréstimos externos, seria criada, mais uma vez graças à
Eisenhower (cf. Skidmore, 1976 e Leopoldi, 1997), que havia sucedido Harry Truman,
de US$ 387 milhões. Além disso, a comissão formou uma geração importante de
técnicos que teria papel importante na formulação de políticas nos anos seguintes, como
Lucas Lopes, Roberto Campos, Octávio Gouveia de Bulhões, San Tiago Dantas, entre
este, por sinal, outro legado importantíssimo da comissão mista, que seguiu formulando
siderurgia.
172
TP Criado pela Lei nº. 1.626, de 20.06.1952, sob jurisdição do Ministério da Fazenda, com a atribuição
PT
governo, havendo sempre em sua composição (ou nas subcomissões em que ela se
industriais (como Euvaldo Lodi, presidente da CNI, militares com ligações no setor
Augusto Frederico Schmidt e Luiz Simões Lopes. Neste sentido, observa a autora que:
Essa Comissão [a CDI] foi o único órgão com caráter neocorporativo dentre
os três braços planejadores do governo Vargas. Com ela se retomava uma
estratégia de articulação entre burguesia industrial e o Estado que já existira
no Conselho Federal de Comércio Exterior e no Conselho de Política
Industrial e Comercial. Só que agora esse tipo de organismo passava a
existir na democracia, convivendo com o Congresso e com os partidos
políticos (Leopoldi, 1997, p. 40).
A autora aponta também que a CDI deu origem a dois outros organismos
formulação do Plano Nacional do Carvão, a criação do Banco do Nordeste e projetos na área agrícola (cf.
Leopoldi, 1997, p. 37).
174
TP PT Para uma descrição minuciosa do Plano Geral de Industrialização, ver Draibe (1985, pp. 237-239).
175
TP Quando viria a constituir o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), conforme será
PT
CEIMA foi criada em 1954, quando a crise política já se havia instalado. Referindo-se à
recepção favorável que esta comissão teve pela Federação das Indústrias de São Paulo,
[a] atitude dos industriais paulistas mostra que, apesar dos conflitos que
havia nesse momento entre a burguesia industrial e algumas áreas do
governo – em questões como greves e aumentos salariais – a aliança entre
empresariado e o Estado, visando a aceleração industrial, ainda se mantinha
(Leopoldi, 1997, p. 41). 176
TP F FP T
integrada almejado por Getúlio Vargas. Abaixo, segue um breve sumário das principais
presidência, seja pela demanda crescente do produto e seus derivados, quando pelo fato
levar à frente o projeto da Petrobrás foi preparar dois projetos de lei, enviados em
176
TP Tal observação, como já mencionado, vai de encontro à análise de autores como Thomas Skidmore
PT
(1976), por exemplo, para quem a crise em torno do aumento do salário mínimo em 1954 constituiu um
elemento de ruptura entre a burguesia industrial e o governo Vargas.
177
TP Não cabe, no âmbito deste trabalho, uma análise pormenorizada das realizações alcançadas nas quatro
PT
grandes áreas da industrialização integrada perseguida pelo projeto desenvolvimentista, quais sejam:
petróleo, energia elétrica, bens de capital e transportes. Por sua importância, decidiu-se apresentar
sinteticamente um breve panorama dos dois primeiros. Para uma visão aprofundada da questão do
petróleo, ver, por exemplo, Martins (1975) e Pereira (1976); para a questão energética, ver Carneiro
(2000); para os setores de bens de capital e de transportes, ver Wirth (1973), Lago et al. (1979), Leopoldi
(1997), e Draibe (1985).
166
destacados das Forças Armadas e sob supervisão direta de Getúlio. Procurou-se evitar,
participação do capital estrangeiro; tampouco nele foi incluída qualquer proposta que
178
TP PT Tal estratégia, como se verá em seguida, também seria adotada para o caso da energia elétrica.
179
TP O que se contrapunha à contundência que o presidente utilizava em seus discursos em defesa da
PT
criação da Petrobrás, muitas vezes com conotações claramente nacionalistas. Um exemplo, segundo
Thomas Skidmore, foi o “violento discurso [em 31 de dezembro de 1951] em defesa da sua lei da
Petrobrás, apresentada pouco antes, no mesmo mês, advertindo que ninguém ‘deve exigir do Brasil
colaboração e sacrifício distribuindo aos outros os benefício’” (Skidmore, 1976, p. 131).
167
Ao longo dos quase dois anos em que o projeto de criação da empresa foi
empresa para o seu primeiro qüinqüênio. Isto demonstraria que a ação dessa instituição
paralela “ia além da atividade técnica de formulação. Eles [os membros da Assessoria]
detinha 51% das ações, com o intuito de explorar as jazidas brasileiras de petróleo e de
elétrico pesado como de maior prioridade, ao lado dos setores de petróleo, de bens de
180
TP Para a caracterização das posições favoráveis e contrárias à criação da Petrobrás, ver por exemplo
PT
estatal no setor pretendida pelo Executivo federal é a ênfase nos problemas provocados
com tal propósito, a Mensagem Presidencial de 1951 afirma que “a falta de reserva de
autônoma do governo, mas um imperativo legal, já que tanto o Código de Águas quanto
preferência por políticas de cunho estatizante. Para tanto, o discurso oficial recorre à
elétrica passíveis de serem implementadas pelo Executivo federal. De acordo com este
raciocínio, a inserção do Estado nas atividades do setor seria, por exclusão, a alternativa
longo prazo, a crise energética vivenciada pelo país, de forma a atender as expectativas
Estado. Como visto, a consecução de tais propósitos passava, sob a ótica oficial, pelo
projetos a serem implantados pela administração pública; de outro, criar uma estrutura
Imposto Único sobre Energia Elétrica (cuja criação fora inclusive prevista na
aprovado através da Lei nº. 2.308, de agosto de 1954, poucos dias após o falecimento do
Presidente Vargas.
Para lidar com o segundo bloco de questões, seriam propostas a criação de uma
Plano Nacional de Eletrificação, nos moldes das iniciativas pioneiras dos governos dos
181
TP Maria Antonieta Leopoldi e Ricardo Carneiro observam que a oposição a esse projeto foi reduzida
PT
também porque ele capacitava o governo a gastar em projetos de eletricidade para os setores privado e
público. Acrescente-se a isso o fato de o projeto prever uma partilha generosa com estados e municípios,
aos quais se destinariam 60% dos recursos arrecadados. Carneiro (2000, p. 209 et passim) analisa em
detalhes essas e outras questões relativas à tramitação, no Congresso, das reformas institucionais do setor
elétrico.
170
estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais 182 (Carneiro, 2000). À frente do
TP F FP T
para não dar mostras de que se tratava de um projeto integrado para o setor” (Leopoldi,
1997, p. 58).
uma vez que representava uma “invasão” na esfera do BNDE (cf. Leopoldi, 1997), que
criação de uma empresa federal, por temerem perder recursos e poder. E, sem dúvida o
fator mais importante, houve intensa oposição da imprensa, do próprio Congresso e das
operavam nas áreas urbanas e industriais mais importantes do país. Sem esquecer, é
criar a Eletrobrás – o que, de resto, só ocorreria em 1962, sob o governo João Goulart.
novo perfil do Estado no que concerne à sua atuação no setor nos anos seguintes.
182
TP No Rio Grande do Sul, o governo se envolvera na produção de eletricidade desde 1943, quando da
PT
criação da Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Em Minas, o então governador Juscelino
Kubitschek criou as Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) em 1952.
171
sensível, a externa, a situação era mais favorável, fruto do controle das importações que
significou uma elevação do seu preço em torno de 300% entre 1945 e 1950.
interna. Porém, antes que esta oferta adicional de bens importados viesse a atenuar as
183
TP Medido pelo IPC-RJ, da Fundação Getúlio Vargas, o nível de inflação tem a seguinte evolução:
PT
11,2% em 1950; 10,8% em 51; 20,8% em 52; 16,7% em 53; e 26,2% em 54. O IPC da FIPE (SP)
apresenta a seguinte evolução para os mesmos anos: 3,7%; 11,3%; 27,2%; 19,2%; e 22,6%. O IGP-DI da
FGV, de cobertura nacional, se eleva em 1953 após anos de estabilidade: 12,4%; 12,3%; 12,7%; 20,5%;
25,9%. Dados extraídos do ipeadata.
172
encerrava um longo período de taxa de câmbio fixa, desde 1939, e visava enfrentar o
que o faz, toma-se a liberdade de reproduzir abaixo em toda sua extensão a descrição
184
TP PT Sobre a Lei 1807, ver Malan et al. (1977), pp. 84-85 e p. 448.
185
TP Maria Antonieta Leopoldi observa que a substituição no comando da Fazenda se deu também como
PT
resposta às demandas por maior controle da inflação e por aumento de salário, que ganharam corpo com
greves operárias, entre elas a célebre greve dos 300 mil (18 de março de 1953), em São Paulo.
173
excedente pago pelos importadores, criou um fundo que custeava despesas importantes
do governo e representou assim, segundo Leopoldi (1997, p. 66), “mais outra reforma
tecido pelo presidente, 186 que se logrou viabilizar o arcabouço institucional que
TPF FP T
industrialização integrada.
presentes desde o início do governo (vide a contestação do resultado eleitoral por parte
186
TP Um exemplo é o que Maria Antonieta Leopoldi denomina “aliança desenvolvimentista”, entre o
PT
país “segue firme seu caminho em direção à substituição de importações pela integração
tão diversos – economia, cultura e mesmo na geografia política nacional – foram de tal
ordem, que sem dúvida justificam e motivam o grande interesse por aquele período. 187 TP F FP T
entre o segundo governo Vargas e o governo JK. Estes dizem respeito, em essência, à
deste estudo, ao papel do Estado e às estratégias adotadas para dotá-lo das instituições
[de progresso] em cinco [de governo]”. E, apesar das turbulências que antecederam sua
187
TP Correndo o risco de omitir referências importantes, seguem alguns dos principais estudos sócio-
PT
políticos e econômicos sobre os anos JK: Leff (1968), Jaguaribe (1969), Tavares (1972), Skidmore
(1976), Benevides (1976), Lafer (1970), Lago et al. (1979), Sola (1982), Sochaczewski (1980), Hippolito
(1985), Draibe (1985) e Leopoldi (2000 e 2002).
175
posse, que inclusive só foi garantida graças à firmeza do Ministro da Guerra, General
1955 188 ; e das contínuas crises militares que permearam o período de seu governo 189 ,
TP F FP T TPF FPT
relativa estabilidade política 190 – isto é, “no sentido mais usual da ‘estabilidade
TPF FPT
O governo JK apresenta à sociedade, logo em seu início, aquele que é tido quase
Metas. 192 TP F FP T
188
TP Para maiores detalhes sobre o Movimento do 11 de Novembro, consultar o sítio eletrônico do Centro
PT
Jacareacanga (logo no começo do mandato, de meados de janeiro a fins de fevereiro de 1956) e Aragarças
(eclodida a dois de dezembro de 1959 e debelada em menos de 48 horas), ambas originadas na
Aeronáutica.
190
TP Observe-se que a autora faz essa colocação no contexto de seu arcabouço analítico e teórico, que
PT
envolve as categorias de eficácia e legitimidade. Além disso, não haveria contradição entre a estabilidade
e as profundas crises acima mencionadas, já que “estabilidade política não significa, necessariamente,
ausência de crises” (Benevides, 1976, p. 47).
191
TP Em que pese a situação de ilegalidade em que foi mantido o Partido Comunista Brasileiro. Na prática,
PT
porém, a atuação do PCB era tolerada extra-oficialmente, com suas reuniões ocorrendo e seus veículos de
comunicação circulando livremente. Isto derivava do apoio, que se mostrou decisivo, dos comunistas na
eleição presidencial, e que foi inclusive objeto de contestação por parte de Carlos Lacerda.
192
TP O “quase” se justifica pelas críticas de economistas avessos à idéia de planejamento, podendo-se
PT
quadro esse cuja gravidade parecia demandar, por parte da política econômica
Entretanto, ainda segundo este autor, tal contexto desfavorável não impediu a
além de propor inversões que implicavam uma vigorosa elevação dos gastos
do setor público, postulavam um substancial avanço na industrialização (...),
[que forçosamente acentuaria] as pressões sobre a capacidade para importar.
Neste sentido, o autor propõe a pertinente indagação de por que o país não
adotou políticas voltadas à estabilização (como aliás o fizeram outros países latino-
americanos), ou, em suas palavras, “por que não aceitou o que se convencionou chamar
193
TP O autor se refere ao período de transição 1954-55, o qual, sob a presidência de João Café Filho e as
PT
gestões de Eugênio Gudin e José Maria Whitaker no Ministério da Fazenda, foi marcado por tentativas
frustradas de estabilização econômica via políticas monetária, fiscal e creditícia contracionistas. Ver a
este respeito Pinho Neto (1997).
194
TP Com efeito, o sistema financeiro só viria a sofrer uma profunda reforma sob o regime de exceção
PT
instaurado no país em março de 1964. Este tema será objeto de análise mais adiante.
177
conjuntura,
Além disso, e mais importante, segundo Lessa, havia o fato de que, em função
Energia (metas 1 a 5)
Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo
Os investimentos previstos pelo Plano eram da ordem de Cr$ 422 bilhões entre
1957 e 1961, cerca de 5% do PIB real do período, sendo 71,3% em energia e transporte,
195
TP Para um exame minucioso e pormenorizado da previsão e da execução de cada uma das metas, ver
PT
elétrico pesado. O setor público seria responsável por cerca de 50% do desembolso
resultados ficaram bem próximos das metas estabelecidas para energia elétrica 196 , TPF FPT
ferrovias e refino de petróleo ficaram bem abaixo das metas. Segundo Benevides (1976,
p. 211), tais “fracassos parciais” podem ser imputados a uma estimativa falha das
cresceu em média 8,1% ao ano de 1956 a 1960, ou 4,9% per capita; excluindo 1956,
ano de baixo crescimento (2,9%) e de ligeira redução na renda por habitante (-0,2%) 197 , TPF FP T
1960 198 . Ressalte-se que a previsão do próprio Plano de Metas era de um crescimento
TP F FP T
qual pode ser medido pela participação da indústria no PIB, que aumentou de 30,0% em
196
TP Lafer (1970) assinala que o sucesso no setor de energia foi tamanho que motivou o Congresso a
PT
desfavoráveis ao crescimento advindos das políticas contracionistas do período Café Filho, e das
turbulências institucionais que marcaram os meses finais daquele governo.
198
TP PT Cálculos realizados a partir dos dados anuais do ipeadata.
180
anos.
primeiro se refere ao papel do setor público, que atuou não apenas na elaboração do
forte déficit no balanço de pagamentos entre 1951 e 1952 levou à adoção de reformas
governo Café Filho baixa, por decreto, uma nova reforma cambial, a Instrução 113 da
Sumoc, que foi mantida, sem modificações substanciais 199 , no governo JK até 1957. 200
TP F FPT TP F FPT
199
TP As modificações se deram no âmbito de sucessivos reajustes nas taxas de ágio e de bonificação entre
PT
Por esta Instrução, a Carteira de Comércio Exterior (CACEX) 201 do Banco do Brasil TPF FP T
era autorizada a emitir licença de importação sem cobertura cambial (isto é, sem
200
TP Neste ano, em agosto, foi aprovada uma nova lei de tarifas (Lei nº. 3.244), de evidente caráter
PT
eram tão poderosos junto às autoridades brasileiras, que logravam inclusive favores negados aos próprios
nacionais” (Prado Jr, 1978, p. 314). À parte o tom de tintas fortes que este clássico autor utiliza para
caracterizar os capitais estrangeiros, e o fato de que, de resto, o empresariado nacional se beneficiava da
dinâmica da industrialização, é verdade que a Instrução 113 foi objeto de pesadas críticas, em especial
dos industriais de São Paulo e da FIESP.
182
processo de industrialização integrada, para F. de Oliveira, não teria sido por influência
de “interesses imperialistas”, como sugerira Caio Prado Jr. Ao contrário, em sua visão,
É preciso fazer a ressalva que essa interpretação diverge em certa medida da que
buscando estabelecer vínculos com as classes subalternas, tanto pela mediação dos
dos anos 1950) 203 . Assim, ao invés de um Estado inteiramente mobilizado para atender
TP F FPT
conseqüências inevitáveis, como reforma agrária etc.” (Werneck Vianna, 1986, p. 44).
203
TP Ao que se poderia acrescentar, também, especificamente no período pós- Estado Novo, conforme
PT
Uma palavra final sobre o Plano de Metas é que, embora exitoso na consecução
fornecedores estrangeiros eram mais caros e com prazos menores do que os capitais de
contínuo aumento das despesas com importações e a menor entrada de capitais externos
204
TP O ano de 1956 foi o único com resultado positivo no balanço de pagamentos (US$ 194 milhões). Nos
PT
anos subseqüentes do governo JK (1957-60), a despeito da forte entrada de capitais externos, os déficits
respectivos foram de 180, 253, 154 e 410 milhões de dólares. Ver Leopoldi (2002, p. 123).
184
Brasil eram fontes de pressão sobre o Tesouro. Por fim, o governo era incapaz de
Usura, que fixava a taxa de juros em 12% e criava uma expectativa de rentabilidade
negativa para os títulos públicos, esse mercado não tinha como se desenvolver.
segundo governo Vargas, decorria do regime cambial, que penalizava o setor agrícola
exportador ao comprar divisas a uma taxa sobrevalorizada. Criava também um viés anti-
setores era prejudicada pelo regime cambial, que diminuía as receitas potenciais de
Antes de mais nada, fazem-se necessárias algumas breves notas sobre o sistema
205
TP Medida pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas,
PT
são os seguintes os dados de inflação para o qüinqüênio de JK: 24,6%; 6,9%; 24,4%; 39,4% e 30,5%. Em
1958, com Lucas Lopes à frente do Ministério da Fazenda, elaborou-se o Plano de Estabilização
Monetária (PEM), em paralelo à retomada de negociações com o FMI. O PEM se inviabilizaria em curto
prazo de tempo e, em 1959, o próprio JK ordena o retorno da missão brasileira que negociava com o
Fundo em Washington e rompe unilateralmente com a instituição. Ver Benevides (1976, pp. 221-223). O
trabalho clássico de análise produzido naquele período sobre o processo inflacionário é A Inflação
Brasileira, de Ignácio Rangel (in Obras Reunidas, Rio de Janeiro: Contraponto, 2005; primeira edição de
1963). Para uma visão daquele processo em perspectiva histórica, ver Munhoz (1997).
185
forma mais abrangente, nos períodos que o precedem e o sucedem, por motivos que
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) eram os principais partidos entre 1945 e 1964 206 . TPF FP T
Juntos, eles comandavam cerca de 80% das cadeiras da Câmara dos Deputados
(Hippolito, 1985). O PSD era o maior e o mais importante partido do sistema político,
tendo por ele sido eleitos os presidentes Dutra, em 1945, e JK, em 1955. Nas palavras
segundo maior partido durante quase todo o período, salvo na última legislatura (1963-
1964). Era o principal partido de oposição, exceto durante os seis meses do governo
Eduardo Gomes, e na de 1955 com o General Juarez Távora. Suas bases sociais
incluíam setores das elites agrárias e importantes grupos das classes médias urbanas.
O PTB foi o terceiro maior partido de 1946 a 1962, passando a segundo maior
206
TP Todos criados na reta final do Estado Novo, nas seguintes datas: 17.07.1945 (PSD), 07.04.1945
PT
(UDN) e 15.05.1945 (PTB). A lei eleitoral de maio de 1945, elaborada sob a supervisão do ministro da
Justiça Agamenon Magalhães, determinou a constituição de partidos de caráter nacional, o que rompia
com a tradição regionalista da política partidária brasileira. Sobre o papel de Getúlio Vargas na criação
dos partidos, e para mais referências sobre suas formações, ver Benevides (1976, p. 62 et passim).
186
63-64).
e era o quarto maior partido. O Partido Republicano (PR), o quinto entre os principais
partidos, era uma agremiação de direita dominada por sua seção mineira. O Partido
Comunista Brasileiro, que havia saído das urnas em 1946 como a quarta força política
nacional, tendo conquistado expressivos 5% das cadeiras da Câmara dos Deputados, foi
Celso Lafer, em seu importante trabalho de 1970, 209 classifica o período que vai
TP F FP T
207
TP Em entrevista à autora, Ernani do Amaral Peixoto afirma que “o PTB seria o anteparo entre os
PT
1961, Tese de Doutorado, Cornell University. Por questões de simplicidade analítica, optou-se por
recorrer, no presente trabalho, a uma versão resumida da referida tese (Lafer, 1975). Sempre que
necessário, remeter-se-á ao estudo original do autor.
187
crescimento do PCB, PTB e PSP nas regiões do “Brasil desenvolvido” entre 1945 e
coexistência de duas culturas políticas teriam exigido “do sistema uma política que
conciliasse diversos interesses num pacto de dominação que fosse viável” (idem,
ibidem, grifos no original). Este pacto foi moldado sob duas vertentes: o voto, que
institucional” desse pacto de dominação era o Congresso que, pelas características dos
nesses termos, um papel de vigilância sobre o governo, sendo este o mecanismo que
210
TP Resultados para os quais concorreu, decerto, a sobre-representação dos estados atrasados, questão
PT
crise (como nas situações da licença de Café Filho em 1955 e da renúncia de Jânio
Quadros em 1961), teria cabido ao Congresso o papel “de buscar fórmulas que, com o
apresentado como “o modelo econômico que sustentou este pacto de dominação”, e que
65). 211 Para promover tal processo, o Estado ganha importância e assume um papel de
TPF FPT
importações” (Lafer, 1975, p. 68). A seção seguinte se dedica a analisar o papel das
211
TP PT Para uma maior elaboração sobre este ponto, ver Lafer (1970).
212
TP Este item se beneficia em grande medida das extensas e importantes contribuições do trabalho
PT
clássico de Maria Victoria Benevides (Benevides, 1976). Referências adicionais igualmente relevantes
são os trabalhos de Celso Lafer (Lafer, 1970) e de Nathaniel Leff (Leff, 1968).
189
propriedade.
quadros, que em boa parte neles ingressavam pelo sistema de mérito: CACEX
órgãos somaram-se os novos, criados por JK, que podiam ser executivos ou de
Sobre esse ponto, a análise de Carlos Lessa converge inteiramente à efetuada por
mas principalmente por sua participação direta na criação, por decreto, dos grupos
Neste contexto, a “linha de menor resistência política” por que optou Kubitschek
verdadeiro é também o fato de que manter as forças políticas que davam sustentação ao
do processo sucessório – críticas da imprensa, acusações de corrupção, greves etc. 213 É TPF FPT
neste sentido que Celso Lafer analisa a administração paralela relacionando-a à questão
A) O Conselho de Desenvolvimento
213
TP Para mais detalhes do recrudescimento da oposição ao governo, por parte de setores à direita e à
PT
B) Os Grupos de Trabalho
determinado projeto.
Um ponto importante dos Grupos de Trabalho era sua composição, que era feita
BNDE, a CNI etc. Os membros dos Grupos Executivos também faziam parte dos
mais bem sucedido justamente nos setores nos quais aqueles tiveram resultados
pode ser considerada (...) como função da eficiência dos Grupos de Trabalho, os quais,
no entanto, foram ‘obscurecidos’ pela atuação mais visível dos Grupos Executivos”.
C) Os Grupos Executivos
criados por decreto, sem intervenção do Congresso, e também a forma como foram
de impasse ou conflito. Nathaniel Leff observa que a ação dos Grupos Executivos
guardava estreita relação com uma série de “prévias decisões”, em particular com o
1956, que tinha maior autonomia e foi o de mais longa duração 215 ; TP F FPT
Marinha Mercante;
as technical study groups, analyzing the new industries’ markets and the
supply conditions necessary to meet them. Private industrialists participated
not as representatives voicing business views and interests, but as
individuals, usually engineers, with special technical competence on
conditions in domestic industry (Leff, 1968, pp 56-57, grifos
acrescentados).
214
TP Maria Antonieta Leopoldi observa a influência das experiências européias no período da reconstrução
PT
pós-guerra, sobretudo do Plano Monnet na França, na constituição dos Grupos Executivos – sobretudo na
visão de Lucas Lopes (Leopoldi, 2002, p. 113). Para uma análise mais detida de cada um dos Grupos
Executivos, ver Lafer (1970) e Lessa (1981).
215
TP Como mencionado anteriormente, o GEIA veio a ser o “herdeiro” da Comissão Executiva da Indústria
PT
Automobilística (CEIMA), por sua vez originada da Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI),
criada por Getúlio Vargas em julho de 1951. Maria Lucia Werneck Vianna destaca o caráter de locus de
articulação de interesses por parte dos Grupos Executivos, em particular no caso do GEIA, evidenciado
pelo fato de que, quando da implantação da indústria automobilística, “se dá a divisão do mercado entre
as empresas montadoras do produto final – atividade que fica reservada ao grande capital
internacionalizado – e o setor de autopeças para reposição, distribuído entre empresários nacionais,
evidentemente de menor porte”, divisão esta que é decidida “após negociações que têm como palco o
GEIA” (Werneck Vianna, M. L., 1987, pp. 25-26).
216
TP PT Diga-se de passagem, tal como Vargas fizera com a Assessoria Econômica.
195
técnico do mundo da política. 217 Esta tendia a prevalecer nas estruturas “formais” pré-
TP F FPT
D) O BNDE
Carlos Lessa enfatiza que, além dos setores de infra-estrutura, o Banco apoiou
217
TP Até mesmo por se tratar de um governo que buscava se legitimar através da consolidação das
PT
instâncias democráticas (cf. Lafer, 1970 e 1975, e Benevides, 1976), essa separação nunca poderia ser
plenamente realizada. Os chamados “fatores políticos” sempre teriam um papel a desempenhar no
processo decisório. O que N. Leff ressalta é que “The operation of such factors, however, was limited
within the framework the government established according to its own criteria” (Leff, 1968, p. 57).
218
TP Em todo caso, Leopoldi (2002) observa que um posto-chave como o Ministério da Fazenda foi sempre
PT
ocupado por homens em que Juscelino depositava inteira confiança, e que todos os ministros desta pasta
eram oriundos do PSD.
196
Neste sentido, para este autor, o BNDE exerceu, ainda que “de forma não
dessa forma, “na peça básica da filosofia do Plano de Metas” (idem, ibidem).
E) Demais organismos
modificações das tarifas aduaneiras, até certos limites, de acordo com as necessidades
219
TP Tributos específicos são aqueles que incidem com base num valor monetário fixo para cada unidade
PT
de um bem vendida ou produzida. A incidência ad valorem se dá com base em um percentual fixo sobre o
valor do bem. Ver Stiglitz (2000) para mais detalhes.
197
• reduzir em até 50% a tarifa aplicada a equipamentos, desde que o órgão central
questão.
importação do bem”.
p. 107).
ressalva de que a criação desta instituição como órgão de planejamento regional se deu
dentro de uma lógica eminentemente política, na medida em que foi motivada pela
Poder Executivo enquanto agente central das políticas industrial e regional, atendendo,
sem contradição aparente, aos interesses de diferentes grupos sociais que lhe davam
220
TP COHN, Amélia. Crise Regional e Planejamento (o processo de criação da Sudene), São Paulo:
PT
fundamental.
projetos sugeridos pela Comissão Mista Brasil – Estados Unidos e nas fontes de
forma de conciliar os interesses dos setores dominantes com as demandas das classes
condições autoritárias em que se conformou o Estado Novo, e que perduram até 1945.
configuração. Assim, as inovações institucionais, que sob este quadro não mais
poderiam ser impostas discricionariamente, “de cima para baixo”, passam a ser
221
TP Uma referência para a análise comparativa sobre instituições e política econômica no Brasil e na
PT
da interpretação de que, finda a década de 1950 – quando, portanto, foi posta em prática
claros de esgotamento.
financiamento do Estado – que só poderiam ser construídas via uma reforma tributária,
esse esforço proveio, em grande medida, de adiantamentos do Banco do Brasil 223 e do TPF FPT
222
TP Como descrito em seções anteriores, as soluções para aumentar as bases de arrecadação se fizeram, de
PT
modo geral, de maneira ad hoc, criando-se tributos vinculados a setores específicos – petróleo, energia
elétrica – ou se valendo das receitas oriundas das diferenças de câmbio.
223
TP PT Que dividia com a SUMOC e o Tesouro Nacional as funções de autoridade monetária.
201
capacidade do país para importar 224 , o que por sua vez passa a se constituir num grande
TP F FPT
12% ao ano (Lei da Usura). A combinação desses dois fatores teria reduzido “à
224
TP Dificuldades que já se faziam sentir desde 1955, quando se verifica aguda deterioração dos termos de
PT
intercâmbio, que se reflete nos sucessivos déficits no balanço de pagamentos mencionados na seção
anterior, que permeiam praticamente todo o governo JK.
202
máquinas e equipamentos.
Carlos Lessa, por sua vez, em diversas passagens (na presente tese assinaladas)
seguinte citação:
225
TP PT Para a descrição e análise desses tributos, veja-se o Capítulo IV.
203
dessa estratégia:
Acumulam-se nos últimos anos provas desta exaustão [do uso de reformas
improvisadas]. Um dos traços mais marcantes do triênio [1961-1963] reside
no afloramento de inúmeros conflitos entre a margem legal da Constituição
de 1946 e os requerimentos da sociedade muito mais complexa, que veio se
articulando nos últimos 15 anos (Lessa, 1981, pp. 140-141, grifos
acrescentados).
direções:
acelerada, adota uma direção convergente à dos autores citados, conforme abaixo:
Neste sentido, para esta autora, o setor público, ao aumentar sua participação no
investimento, sem no entanto expandir sua receita e, por via de conseqüência, sua
poupança fiscal, abriu uma “competição por recursos financeiros de curto e longo
prazo” entre si e o setor privado, e “em ambos os setores, entre o consumo (...) e a
formação de capital”, que resultou em “sérias pressões inflacionárias que, até o início da
processo inflacionário, a respeito das quais cabe destacar a semelhança em relação aos
termos semelhantes aos utilizados por Carlos Lessa e que Conceição reforçaria
futuramente:
isto transparece claramente em sua análise sobre a conjuntura dos primeiros anos da
A partir da breve análise das visões desses quatro destacados nomes da ciência
226
TP Recorde-se que, naquele período, Celso Furtado foi nomeado pelo presidente João Goulart Ministro
PT
do Planejamento (pasta então criada, da qual foi portanto o primeiro titular), quando elaborou e pôs em
prática, sem êxito, o Plano Trienal, que tentaria combinar uma política de combate à inflação com
estímulos ao desenvolvimento, conforme se verá em seguida. A citação que segue refere-se diretamente a
esta tentativa.
227
TP E que, ironicamente, retornaria ao debate brasileiro décadas mais tarde, estando fortemente presente
PT
na atualidade.
207
programa desenvolvimentista tal como fora efetivado na década de 1950. Vale dizer,
“entreato agonizante” (cf. Skidmore, 1976) do período em que Jânio Quadros ocupou a
por Celso Furtado (titular da pasta então criada), com a colaboração do Ministro da
Fazenda San Tiago Dantas. 230 O Plano baseava-se num diagnóstico da inflação tal
TPF FPT
como caracterizado alguns parágrafos acima, isto é, esta derivaria basicamente dos
economia.
228
TP Na realidade, desde o parlamentarismo Goulart levantou a bandeira da reforma agrária; em discurso
PT
no primeiro de maio de 1962, o presidente propunha a revisão do Artigo 141 da Carta de 1946, que
condicionava as desapropriações de terra à prévia indenização em dinheiro. Para o conjunto dos partidos e
movimentos sociais que defendiam as reformas – PTB, PSB, CGT, UNE -, a manutenção desse artigo da
Constituição, na prática, inviabilizava a reforma agrária. Ver Bandeira (1977).
229
TP A reforma eleitoral girava basicamente em torno do direito de voto dos analfabetos e dos direitos
PT
1997), o fato é que, naquele ano, o PIB registrou um crescimento de apenas 0,6%
(redução de 2,2% do PIB per capita), quando em 1962 havia registrado expansão de
mas esta sofreria os seus primeiros (e fortes) abalos com os protestos vindos dos setores
assim como a submissão dos interesses nacionais aos dos Estados Unidos 233 (Toledo, TPF FP T
2004).
O fato é que, antes mesmo de findar o ano de 1963, o fracasso do Plano Trienal
era reconhecido por todos: não se logrou obter nem a desaceleração da inflação nem a
diversas vezes, sem obter qualquer êxito do ponto de vista de aumentar sua sustentação
presidente passa a empunhar de forma mais enérgica a bandeira das reformas de base,
231
TP Ainda na vigência do parlamentarismo, foi constituída uma comissão de alto nível com a finalidade de
PT
O governo Goulart, a rigor, nunca existiu. Essa é que é a pura realidade. Foi
demasiadamente contestado pelo sistema de poder no Brasil, seja pelos
setores privados, seja pelos setores militares. [Goulart] nunca conseguiu sair
de uma situação de transitoriedade. No começo, sua luta foi
fundamentalmente para restabelecer o poder do presidente e, em seguida, foi
absorvido pelo problema sucessório... Repito, o governo Jango nunca
existiu. Ele não pode ser comparado com um governo normal: Nunca dispôs
de suficiente poder. Na verdade, durante quase todo o seu governo [Goulart]
foi uma espécie de candidato a alguma coisa e não propriamente um
presidente. (Celso Furtado, depoimento ao longa-metragem O Longo
Amanhecer, de José Mariani).
Como observa Toledo (2004), “Depois desse comício, a batalha ideológica se ampliou;
PCB, do CGT e das forças políticas nacionalistas - preparava um golpe de Estado”. Dois
O primeiro foi a anistia que o presidente concedeu aos cabos e marinheiros que
se haviam insubordinado no Rio de Janeiro, e que haviam sido punidos pelo comando
reformas". 234 TP F FP T
Gerais, partem de Juiz de Fora , rumo ao Rio de Janeiro , sem encontrar resistência. Este
HT TH HT TH
democrático entre 1945 e 1964. A agenda das reformas estruturais seria implementada,
remodelam o perfil do Estado e criam as condições para dois novos saltos no processo
militar, pela forma discricionária com que os marcos legais passam a ser criados
234
TP Sobre esse episódio, Toledo (2004) observa que “as palavras eloqüentes e os gestos dramáticos do
PT
presidente da República muito se assemelhavam à carta-testamento de Vargas. Sem atirar contra o próprio
peito, Goulart parecia decidir pelo suicídio político.”
235
TP A pesquisa para esta seção baseou-se nas seguintes fontes, todas disponíveis nos respectivos sítios
PT
Editado sem número, o documento passaria a ser designado como AI-1 somente após a
divulgação do segundo Ato, e sua redação não deixava dúvidas em relação ao que
afirmava que, "a Revolução, investida no exercício do Poder Constituinte" 236 não TP F FPT
236
TP A fonte para os textos dos Atos Institucionais foi o CPDOC/FGV. Os grifos foram acrescentados.
PT
237
TP No dia 10 de abril, a junta militar divulgou a primeira lista dos atingidos pelo AI-1, composta de 102
PT
nomes. Foram cassados os mandatos de 41 deputados federais e suspensos os direitos políticos de várias
personalidades de destaque na vida nacional, entre as quais João Goulart, o secretário-geral do proscrito
Partido Comunista Brasileiro (PCB) Luís Carlos Prestes, os governadores depostos Miguel Arraes, de
Pernambuco, o deputado federal e ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, o economista
Celso Furtado, o reitor deposto da Universidade de Brasília Darcy Ribeiro e o jornalista Samuel Wainer.
A extensa lista incluía ainda 29 líderes sindicais, além de cento e vinte e dois oficiais que foram expulsos
das Forças Armadas. Alguns dias depois, foi divulgada nova lista de cassações, incluindo 67 civis e 24
oficiais das Forças Armadas. Até o fim de 1964, punições diversas atingiram cerca de 3.500 pessoas -
entre as quais o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que se exilou voluntariamente em Paris - enquanto
centenas de inquéritos policiais-militares (IPM) eram instaurados para apurar atividades subversivas.
212
artigo 2º que num prazo de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a
civil José Maria Alkmin, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD) e
inaugurando uma série de governos militares no país. Poucos meses depois, sob a
poderia decretar o estado de sítio por 180 dias sem consulta prévia ao Congresso,
sobre assuntos de segurança nacional. No âmbito do AI-2 seria ainda expedido, entre
maioria dos membros das assembléias legislativas dos estados. Estabelecia também que
os prefeitos dos municípios das capitais passariam a ser nomeados pelos governadores
senadores. Estas últimas seriam as únicas eleições diretas. Através desses dispositivos,
Castelo Branco pretendia colocar nos postos-chaves estaduais e municipais homens que
AI-1. Para a vice-presidência foi eleito Pedro Aleixo, deputado federal por Minas Gerais
da antiga UDN e na época filiado à Arena. Tanto nas eleições estaduais como na eleição
e promulgar a nova Carta sob regime de trabalho acelerado. Daquela data até a entrada
A Carta de 1967 formalizava assim as modificações por que passara a estrutura de poder
regime. No campo político, surge a Frente Ampla, que une Juscelino Kubitschek e
deputado Márcio Moreira Alves, 239 o governo editaria o AI-5, que representa uma
TPF FPT
238
TP Em agosto, a repressão intensifica-se de fato, com o fechamento da Universidade Federal de Minas
PT
na Câmara, conclamando o povo a não participar dos festejos comemorativos da Independência no dia
sete. Em 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos e contando com o concurso
da própria Arena, o pedido de licença encaminhado pelo governo para processar Márcio Moreira Alves.
215
cassar mandatos eletivos e para suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer
editados por Costa e Silva e pela junta militar que o sucedeu), 59 atos complementares e
ministros do STF. Além dos três ministros que haviam sido cassados anteriormente por
mês seria editado o AI-7, que anulava o calendário eleitoral e suspendia todas as
eleições parciais para cargos executivos ou legislativos da União, dos estados, dos
Longe de ser a causa direta, esse episódio acabaria por servir de pretexto para a edição do AI-5 e o
endurecimento do regime.
240
TP Após a edição do AI-5, foram determinadas inúmeras prisões de jornalistas e políticos, inclusive as de
PT
Kubitschek e Lacerda. Seriam ainda cassados os mandatos de dezenas de deputados, entre os quais
Márcio Moreira Alves e Renato Archer, e três ministros do Supremo Tribunal Federal: Hermes Lima,
Evandro Lins e Silva e Vítor Nunes Leal. Ao longo de 1969, muitos outros mandatos seriam ainda
cassados, inclusive de membros da ARENA.
216
Em abril daquele ano, seria editado o AI-8, que dava celeridade à reforma
administrativa iniciada pelo Decreto-Lei nº. 200. 241 Esse ato delegava aos executivos
TPF FPT
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de população superior a duzentos mil
administrativas.
base no AI-1, AI-2, AI-5 e AI-6, implicaria a perda de todos os cargos ou funções na
República a estender essas sanções a pessoas punidas antes da edição do AI-5. 242 TP F FP T
todas as eleições para uma data única (15 de novembro de 1969), uniformizando assim
241
TP O Decreto-Lei nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967, dispunha sobre a organização da Administração
PT
Federal e estabelecia diretrizes para a Reforma Administrativa. A íntegra de seu texto está disponível em
www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0200.htm.
242
TP Data dessa época a aposentadoria compulsória de centenas de pesquisadores e professores
PT
universitários, entre os quais Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. e Fernando Henrique Cardoso.
217
reúne-se então no Rio de Janeiro, resultando do encontro o AI-12, pelo qual uma junta
constituída pelos ministros militares, General Aurélio Lira Tavares, Brigadeiro Márcio
ainda uma proclamação da junta militar, segundo a qual a gravidade da situação interna
A edição do AI-15, ainda em setembro, viria fixar a data das eleições nos
um ano as eleições anteriormente marcadas. Poucos dias depois, a junta militar emitiria
uma junta de três generais para encaminhar a questão sucessória. O general Emílio
Garrastazu Médici, comandante do III Exército, acabaria sendo indicado para suceder o
243
TP PT CPDOC/FGV, sítio eletrônico.
218
pública e por votação nominal. O Ato fixava ainda o término do mandato do novo
outubro de 1969), autorizava a junta militar a transferir para a reserva os militares que
foram eleitos pelo Congresso por 293 votos. Houve 76 abstenções, correspondentes à
erigiu o regime militar. Com base em 17 Atos Institucionais, regulamentados por 104
Novo. Fazer o registro dessas medidas de exceção é preciso, não só para que não se
perca de vista que tal experiência jamais deve se repetir, mas também para que sejam
sucesso econômico dos anos 1970 (que constituem objeto da seção seguinte).
que a crise econômica com que o país se defrontava, manifestada com força em 1963 e
início de 1964, tinha a sua raiz na inflação. Retomar uma trajetória de desenvolvimento
Para além de um receituário ortodoxo que pregasse somente o rigor das políticas
(1974), baseou-se num rigoroso controle dos gastos públicos, viabilizado por um
do Imposto sobre Vendas e Consignações (de competência estadual), que incidia sobre
Além disso, foram criados mecanismos de reajuste (de acordo com a inflação
passada) dos impostos pagos em atraso, o que contribuiu para a elevação da arrecadação
real do governo. Como resultado dessas medidas, ocorreu uma significativa elevação da
carga tributária da economia brasileira, que passou de 16% do PIB em 1963 para 21%
fiscal do governo (incluindo governo federal, estados e municípios), que havia sido de
244
TP PT As características dessa reforma são analisadas em profundidade no Capítulo IV.
221
4,2% do PIB em 1963, reduziu-se para 3,2% em 1964, 1,6% em 1965, e 1,1% do PIB
decreto, das duas leis básicas que estabeleceram os novos alicerces institucionais do
sistema financeiro nacional: a Lei n°. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que definiu a
reforma bancária 245 , e a Lei n°.4.728, de 14 de julho de 1965, conhecida como a "lei do
TP F FP T
mercado de capitais". A primeira delas, importa dizer, criava duas novas instituições no
setor financeiro, ao estabelecer que o Sistema Financeiro Nacional seria constituído: (i)
Brasil; (iv) do BNDE; e (v) das demais instituições financeiras públicas e privadas. 246 TPF FPT
até hoje, foi a criação do instrumento da correção monetária, que se aplicaria aos títulos
(ORTN). 247 Em 1963, 85% do déficit público federal eram financiados por emissões
TP F FP T
245
TP PT Para um exame detalhado da reforma bancária, ver Werneck Vianna, M. L. (1987), cap. 3.
246
TP Com a criação do Banco Central e a transferência para suas contas do passivo das reservas
PT
compulsórias dos bancos comerciais, o Banco do Brasil perdeu uma importante fonte de recursos. Para
compensar esta perda, recebeu um "empréstimo" de igual valor e maturidade indefinida, a uma taxa de
juros simbólica, de 1% ao ano. Devido à sua vasta rede de agências, o Banco do Brasil foi designado
como órgão executor das determinações do Banco Central. Uma conta especial, a "conta-movimento", foi
criada para o registro das transações entre as duas instituições. A conta deveria teoricamente ser "zerada"
semanalmente com o pagamento de 1% de juros sobre o saldo. Isto, na verdade, nunca ocorreu. A conta-
movimento ajustou-se sempre passivamente à transferência de recursos para o Banco do Brasil, tal como
requerida para que este cumprisse as metas de empréstimos estabelecidas pelo governo através do
Conselho Monetário. Em 31 de dezembro de 1981, o valor da conta-movimento era igual ao da base
monetária, cerca de 50% do total dos meios de pagamento. Figurando no ativo do Banco Central e no
passivo do Banco do Brasil, a conta-movimento desaparecia quando se apresentava o balancete
consolidado das autoridades monetárias, que incluíam Banco Central e Banco do Brasil. A conta-
movimento seria extinta em 1986, quando da criação da Secretaria do Tesouro Nacional.
247
TP Furtado (1973, p.43) observa que o instrumento da correção monetária sob a forma de indexação de
PT
títulos desenvolvera-se no começo dos nos 50, em países como França, México e Finlândia. Para uma
análise detalhada dos mecanismos de indexação introduzidos no Brasil, ver Barbosa (1992).
222
Governo Castelo Branco teriam seu amplo alcance comprovado a partir de 1968. Em
teria sido possível sem a criação do SFH e o suporte do FGTS. O mesmo se aplicaria ao
248
TP Um aspecto pouco mencionado na literatura foi a tentativa, estimulada pelo governo, de se criar
PT
conglomerados financeiros. Para uma análise desta questão, ver Macarini (2007).
249
TP Holanda (1992), por sua vez, analisando a experiência brasileira na indexação de ativos financeiros,
PT
mostra que ela fracassou no longo prazo, pois não conseguiu criar um instrumento não-inflacionário para
o financiamento do déficit público, e também não foi capaz de construir um sistema financeiro sólido para
o financiamento do setor habitacional no país.
223
internacional.
Além disso, a dívida externa foi renegociada e o Congresso aprovou a Lei nº.
4.390, de julho de 1964, que flexibilizou a Lei de Remessa de Lucros de 1962, a qual
junho de 1965);
novembro de 1966);
De todo modo, como suportado por ampla literatura (por exemplo, Furtado,
1973; Bacha, 1976; Lessa, 1998; Macarini, 2006) 250 ,os primeiros anos do regime
TP F FP T
militar caracterizam-se, no que diz respeito à política econômica, por uma intervenção
principal residia no desequilíbrio das contas públicas. Outros dois fatores eram também
250
TP Uma exceção é o já citado Resende (1997), para quem “o PAEG era um programa com diagnóstico e
PT
Com relação à segunda, não se pode dizer o mesmo. Como Resende (1997) observa, as
crescimento dos preços, atingindo, nesses anos, níveis superiores a 80%, enquanto a
previsão definida pelo PAEG fora de 30% (para 1965). Para este autor, a principal razão
Assim, a política monetária não teria sido “suficientemente ágil para esterilizar
este influxo de moeda gerado pelo superávit externo” (Resende, 1997, p. 219). A
1966; naquele ano, a expansão dos meios de pagamento foi pouco superior a 35%,
muito embora tal nível de restrição não tivesse se aplicado ao crédito ao setor privado.
Outros autores, como por exemplo Lessa (1998), observam que isso refletia uma opção
de política por parte dos gestores econômicos, que buscavam angariar apoios junto ao
225
salarial. A política salarial preconizada pelo PAEG visava essencialmente “impedir que
inflacionário” (MPCE, 1964, p. 83, apud Resende, 1997, p. 216). Tal objetivo foi
viabilizado em 1965, por uma circular (Circular nº. 10) do Gabinete Civil da
municipais; em 1966, as normas estabelecidas por essa circular foram estendidas para o
setor privado, e somente em junho de 1968, por força dos movimentos grevistas então
modificadas.
com base no salário real médio dos 24 meses anteriores ao mês do reajustamento. Sobre
pelo governo para o ano seguinte. Naquela conjuntura, com as atividades sindicais
251
TP As taxas de crescimento do PIB foram as seguintes de 1964 a 1967: 3,4%; 2,4%; 6,7% e 4,2%,
PT
inevitável seria, como foi, uma violenta redução dos níveis de salário real. 252 TP F FP T
Mário Henrique Simonsen, por exemplo (Simonsen, 1972, pp. 37-38), 253 para TP F FP T
quem o governo Castelo Branco, “após a Revolução [sic] de março de 1964 (...), iniciou
uma etapa heróica de restauração econômica do país”, argumenta que o período 1964-
67 houvera sido “uma fase de sacrifícios”, razão pela qual a economia não crescera “a
taxas brilhantes”. Ao destacar algumas medidas, dentre “inúmeras (...) que foram
tomadas entre 1964 e 1967 e que iriam constituir os alicerces para uma nova fase de
252
TP Já no primeiro ano de vigência da fórmula, houve redução real de 18% do valor do salário mínimo.
PT
Utilizando-se os dados do ipeadata, e tomando o índice do salário mínimo com base em 1964 (isto é,
1964 = 100), ter-se-ia, em 1965, um índice igual a 82; em 1966, de 71; e em 1967, o índice seria igual a
66, evidenciando, portanto, uma queda real de quase 35% no período. Além da fórmula salarial do PAEG,
concorreu também para esse resultado a política de “inflação corretiva” de preços e tarifas públicas.
253
TP PT Simonsen e Campos (1974) retomam esses argumentos, em termos praticamente idênticos.
254
TP O que revela, para dizer o mínimo, uma notável incoerência na análise deste autor. Como a primeira
PT
medida por ele destacada refere-se à “redução do ritmo inflacionário”, e dado que a compressão salarial,
por óbvio, contribuiu em grande medida para esse resultado, então a política salarial ter-se-ia constituído
também, por simples lógica, num “alicerce” para a posterior retomada do desenvolvimento.
255
TP A visão de Simonsen sobre a questão salarial (a fórmula do PAEG é de sua autoria, segundo André
PT
Lara Resende) pode ser clarificada a partir do seguinte comentário: “Há considerável vantagem de se criar
uma regra de arbitramento para as negociações salariais coletivas. O grande problema destas negociações
no mundo moderno, inclusive no que diz respeito à fixação de salários no nível de decisão
governamental, é que elas são agressivamente afetadas pelo poder político dos sindicatos (...), por
critérios eleitorais e por outros tantos bem afastados de qualquer teorema de eficiência econômica. Uma
fórmula desse tipo [do PAEG] tem a vantagem de substituir um infindável jogo de greves e pressões por
um simples cálculo aritmético” (Simonsen, s/ referência, citado em Resende, 1997, p. 231).
227
Autores como Edmar Bacha e Celso Furtado divergem frontalmente de uma tal
redução das pressões inflacionárias a partir de 1964”, apresenta as evidências por ele
(especialmente à apresentada na nota 240), ao contestar o que seria o “Mito nº. 3”, por
ele assim enunciado: “No Brasil, a política salarial trouxe soluções técnicas para os
problemas que em outros países são resolvidos através de conflitos sociais paralisantes
termos semelhantes. Este autor também enfatiza o caráter de arrocho da política salarial
implementada pelos gestores econômicos dos primeiros anos do regime militar. Nessa
primeira fase, a redução salarial real (em particular nos estratos inferiores) teria atuado
triênio do regime militar. Na verdade, não só a ampla maioria da literatura, mas também
ausência das garantias democráticas e das liberdades civis e individuais, e que, no dizer
sociais” e dispôs ao regime “um raio de manobra invulgarmente amplo para sua
dizer é que o programa implementado nos primeiros anos do regime militar, por
Campos e Bulhões, foi parcialmente exitoso. O processo inflacionário, que vinha numa
trajetória fortemente ascendente até 1964 (quando atingiu o pico de 92%, pelo IGP-DI),
foi revertido; não se logrou, contudo, reduzir a inflação para um patamar inferior a 25%,
piso este que só seria atingido em 1967, 257 quando já havia ocorrido a mudança de
TPF FP T
Já a partir de 1967, tem início uma inflexão na política econômica, inclusive pela
ascensão de Antônio Delfim Netto ao cargo de Ministro da Fazenda. Delfim havia sido
256
TP Cabe lembrar a provocativa afirmação deste autor, segundo a qual “Roberto Campos, em defesa de
PT
sua gestão, poderá invocar qualquer argumento, menos o da presença de restrições” (Lessa, 1998, p. 65).
257
TP PT Em 1965 a inflação foi de 34%, e em 1966 de 39%. Ver os dados anuais de inflação no anexo.
229
(Lessa, 1998, p. 66). Para Delfim Netto, a inflação brasileira deveria ser entendida como
Uma análise mais cuidadosa mostra que a inflação brasileira recente não
pode ser explicada em termos de esquemas puros de inflações de demanda
ou de custos, mas que estas duas formas de tensões se alternam no tempo,
sendo possível localizarem-se fases em que predominaram os estímulos da
demanda ou o crescimento dos custos. Na verdade, a inflação de custos
estava latente na economia, porém oculta pelo crescimento da demanda, e
somente emergiu quando foi feito o controle da demanda (Delfim Netto,
1967, apud Macarini, 2006). 258
TPF FPT
Além disso, como observa Carlos Lessa, Delfim assume a Fazenda num quadro
258
TP "Análise do comportamento recente da economia brasileira". Documento preparado no início de 1967,
PT
uma política de distribuição de renda, inclusive via reforma agrária, como parte
O PED, todavia, consistiu mais num elemento de retórica do que num efetivo
econômica que tem início em 1968 (quando o PIB cresce à taxa de 9,8%, ante 4,2% no
ano anterior), guarda relação estreita com as políticas fiscal e monetária expansionistas
259
TP "Política econômica e financeira do governo". Documento preparado para uma exposição na Câmara
PT
déficit orçamentário cresceu expressivamente, alcançando 1,7% do PIB (em 1966, ele
representara 1,1% do PIB), o que foi justificado como uma desejável ação
consumo, foi elevado o teto de isenção sobre o imposto de renda das pessoas físicas,
recursos para capital de giro a um custo praticamente nulo, o que atendeu ao objetivo ao
Fica claro, portanto, que a política fiscal foi manejada em 1967 tendo por
com o Banco do Brasil à frente, se deu também em ritmo forte, beirando os 30% ao ano
favoráveis (em 1967), propiciou uma expansão do setor reduzindo as pressões de custo
261
TP Nas palavras de Delfim Netto: "o Governo realizou uma espécie de política compensatória de
PT
Assim, a política monetária foi instrumental para a recuperação que teve início em abril
de 1967, engendrando uma demanda crescente de liquidez e crédito para capital de giro.
governo uma maior margem de manobra para estabelecer objetivos mais ambiciosos de
ao longo de 1968, e que chegaria ao ápice com o Ato Complementar nº.40 (do AI-5),
Municípios. 262 O Governo federal passava a ter, nesse sentido, um controle quase
TP F FP T
posse seria o de dobrar a renda per capita na década vindoura. Delfim Netto, mantido
na Fazenda (João Paulo dos Reis Velloso assumia a pasta do Planejamento), anunciava
Médici, e de que forma a sua execução conduziu às taxas de crescimento que fizeram
com que este fosse denominado o período do “milagre brasileiro.” 263 Importa mais, na
TP F FP T
Simonsen. Para este autor, de início, a própria expressão “milagre” seria imprópria, uma
vez que se refere ao “efeito sem causa”, enquanto que o crescimento no período 68-73
poderia “ser tudo, menos o fruto da geração espontânea” (Simonsen, 1972, p. 39).
seria “a colheita dos sacrifícios plantados durante o governo Castelo Branco”. Estes
teriam sido condição necessária, porém não suficiente; haveria também que saber colher
grau de controle de preços” 264 para evitar pressões inflacionárias, garantia folga de
TPF FPT
263
TP PT Tarefa que, aliás, foi realizada por Macarini (2006).
264
TP O que era feito pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP), um exemplo clássico de paradoxo
PT
Convém aqui mencionar um estudo bastante recente (Veloso et al., 2007), que
7) efetuadas entre 1964 e 1967. Uma das justificativas apresentadas pelos autores para
autores não façam sequer menção à política salarial do PAEG como instrumento de
controle da inflação (ao qual se referem repetidas vezes no texto, com adjetivos como
hipótese de que no período entre 1964 e 1967 ‘se plantou muito para colher pouco’, em
então que “os resultados indicam que o episódio de aceleração do crescimento associado
se esperar que o “maior incentivo” a que se referem não implique mais duas décadas de
Muito mais interessante, por seu conteúdo e pelas questões que propõe, é a
avaliação do “milagre” efetuada por Bacha (1976). Conforme visto anteriormente, este
históricas de PNB potencial e PNB efetivos, e calcular os hiatos resultantes ano a ano, o
A recuperação econômica após 1967, por sua vez, teria sido garantida “pelo
o impulso para a expansão [teria provindo] dos bens de luxo e das despesas
governamentais, para ativar posteriormente o investimento privado,
deixando a indústria de bens-salário na dependência do comportamento dos
mercados externos, já que o mercado doméstico não se [tinha recuperado]
de modo significativo (Bacha, 1976, p. 23).
estrangeira, no Brasil,
observar que:
por E. Bacha sobre a existência de uma grande hiato de produto em meados dos anos 60
(em 67, o hiato seria de 22%) são irrefutáveis. Neste sentido, a conclusão resultante é a
fiscais e financeiras do Estado (que se haviam esgotado, finda a etapa JK), a retomada
questão tributária passa a ter na dinâmica da economia desde então, o capítulo seguinte
espantosamente altas, não se sustenta no longo prazo. O governo militar que sucederia
taxas de crescimento econômico, o faria sobre bases já não tão firmes, deixando um
legado oneroso ao período que se seguiu, que não por acaso assistiu ao fim do regime
autoritário. A opção por deixar de abordá-lo, aqui, não significa entendê-lo como
irrelevante 265 . Deve-se, antes à constatação de que, do ponto de vista das premissas que
TPF FPT
compõem o eixo da tese, o governo Geisel, assim como seu sucessor – o governo
substantivas.
265
TP O período Geisel é importante na política e na economia. Na primeira dimensão, representa a inflexão
PT
do regime em direção a um processo de abertura – “lenta e gradual”. Na economia, faz uma aposta, que se
mostraria extremadamente custosa à frente, pela conclusão do processo de industrialização dos setores
produtores de insumos básicos e de bens de capital. Essas questões serão retomadas no Capítulo V.
239
1 Introdução
contemporânea, e não por mera casualidade. Gerando uma carga tributária bruta que se
das altas taxas de juros, como culpados pelo desempenho medíocre da economia, ao
primeira metade daquela década, houvera intenso e profícuo debate acadêmico sobre a
266
TP Eris, Cláudia Cunha Campos. “Considerações sobre uma possível reforma tributária no Brasil”.
PT
“Subsídios a um projeto de reforma fiscal” (IPEA-FIPE, abril de 1983); “Reforma tributária e federalismo
fiscal” (SRF-FIPE, dezembro de 1983); “Integração IRPF-IRPJ” (SRF-FIPE, setembro de 1984).
240
de equidade, o sistema tributário brasileiro em seus três níveis de governo gera recursos
para 2006; em 2005 o valor contabilizado pela SRF foi de 33,7%). O que coloca a carga
Real. Segundo essa hipótese, aqui parcialmente adotada, em linhas gerais seriam três as
da economia.
conflitos tributários entre os entes federados constituiria obstáculo para uma relação
provisão de bens públicos à sociedade. Por fim, no que toca à distribuição de renda, a
268
TP PT Eris (1985), p. 2.
241
temas tem sido objeto de numerosos estudos, em grande parte dedicados a investigações
para reformá-lo 269 . Não obstante, nas diversas vezes em que o Congresso Nacional
PF FP
269
TP A FECOMERCIO e a FIPE/USP, por exemplo, recentemente publicaram extenso documento
PT
contemplando, além da questão tributária, a dimensão do gasto público. Ver “Simplificando o Brasil:
propostas de reforma na relação econômica do governo com o setor privado”, São Paulo, outubro de
2005. Instituições de pesquisa como o IPEA (público) e IBPT (privado) freqüentemente produzem
estudos sobre o tema.
270
TP Logo no primeiro ano de seu mandato, o primeiro governo FHC submeteu à apreciação do Congresso
PT
a PEC 175/1995. Esta tinha como principal objetivo unificar o IPI e o ICMS, criando assim um imposto
federal sobre consumo partilhado por União e estados (e Distrito Federal). Esta proposta tramitou muito
lentamente, e foi virtualmente abandonada, em grande parte por pressões da equipe econômica do próprio
Executivo federal, que temia eventuais perdas de receitas. No primeiro ano do governo Lula, foi
apresentada ao Congresso a PEC 41/2003, cuja principal característica era a tentativa de unificação das
legislações estaduais do ICMS. A proposta foi desmembrada para que fossem aprovados projetos de
interesse do governo no curto prazo (prorrogação da DRU e da CPMF, incidência de PIS e COFINS sobre
produtos importados), que acabaram por integrar a Emenda Constitucional 42/2003; o projeto de
unificação do ICMS segue parado, sendo de esperar a reabertura de negociações políticas em torno a sua
tramitação no novo mandato presidencial, iniciado em 2007.
242
representa uma ruptura com o padrão evolutivo que caracterizou a economia brasileira
contemporâneo: seu tamanho, sua importância para a vida econômica e social, suas
Contudo, a dimensão federativa propriamente dita não foi ainda examinada. Esse
na terceira seção do capítulo. Tal tratamento se justifica na medida em que ela constitui,
questões-chave no debate brasileiro são e têm sido duas, há mais de uma década:
competitividade e guerra fiscal. Demais, cabe lembrar que esta tem sido também uma
diferença dos outros dois temas mencionados, por meio da apreciação de alguns estudos
2 Estado e Federalismo
Desde 1947, quando tem início o registro sistemático das contas nacionais do
patamares que perduraram por longo tempo, a carga tributária brasileira tem mostrado
35
30
Carga tributária (% do PIB)
25
20
15
10
1947
1952
1957
1962
1967
1972
1977
1982
1987
1992
1997
2002
Ano
Fonte: Até 1989, Afonso et al. (2004); de 1990 em diante, Secretaria da Receita Federal (SRF).
244
pelo menos em três ocasiões observaram-se mudanças abruptas para patamares mais
altos:
arrecadação que não chegava a 20% do PIB). Esse patamar foi mantido, a
para um novo patamar – algo próximo a 30% do PIB. Até 1998, a arrecadação
• após a crise cambial de 1999, desde quando, por força da adoção do regime
resultados primários positivos para o setor público, foi iniciada nova escalada
econômica brasileira. O sistema tributário que com ela emergiu, deixando para trás “a
(1997), equipou o país com uma estrutura impositiva relativamente moderna e eficaz, e
271
TP As maiores oscilações para baixo em relação ao patamar de 25% do PIB ocorreram nos anos
PT
posteriores ao Plano Cruzado (1986), com o nível mínimo (22,4% do PIB) atingido em 1988, último ano
antes da entrada em vigor da Constituição Federal, e do novo sistema tributário por ela instituído. Em
1990, a carga tributária atingiu um valor acima do verificado no período 1969-93 em decorrência de
medidas extraordinárias do Plano Collor.
245
O tema voltaria à baila no início dos anos 1980. Naquela ocasião, contudo,
propriamente dito, todavia, a carga brasileira se situava entre as menores entre países de
1987-88. 275 Não por acaso, a principal característica da estrutura tributária consagrada
PF FP
272
TP PT Adiante, a reforma de 1967 será analisada de forma mais detalhada.
273
TP Conforme evidenciado em Guimarães Neto, Leonardo. Planejamento e Políticas Públicas, no. 15,
PT
manteve-se em “níveis insólitos” ao longo da década. “Os 23% do PIB registrados na economia brasileira
em 1988 contra os 44% registrados na CEE [Comunidade Econômica Européia] dão uma idéia da
dimensão do problema. Na América Latina, a única economia macroeconomicamente estável, o Chile,
elevou em mais de 16% sua carga fiscal nos anos 80 atingindo, em 1988, a 38.2% do PIB”.
275
TP A série de Textos para Discussão publicada pelo IPEA (“Estudos para a reforma tributária”, TDs 104,
PT
105, 106, 107 e 108) constitui sem dúvida um rico exemplo da participação de pesquisadores de diversas
instituições no processo de elaboração do capítulo tributário da Carta de 1988. Esta série consolida os
estudos realizados pela Comissão de Reforma Tributária e Descentralização Administrativa e Financeira
(CRETAD), criada pelo governo federal em 1985 no âmbito do Ministério do Planejamento.
246
base de incidência de seu principal imposto, o ICM (que viria a se tornar o atual ICMS),
parcela do total arrecadado pelo setor público nos três níveis de governo, que já vinha
recomposição das receitas estaduais, é ainda mais reduzida nos primeiros anos de
(gráficos 7 e 8).
100%
80%
60%
40%
20%
0%
0
4
6
0
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
20
20
20
1 00 %
80 %
60 %
40 %
20 %
0%
60
70
72
74
76
78
80
82
84
86
88
90
92
94
96
98
00
02
04
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
20
20
20
U n ião E stad os M u n icípios
A partir de meados dos anos 90, com a implementação do Plano Real em 1994 e
produto nacional tem sido apropriada pelo setor público através da cobrança de tributos.
Importa destacar que data também desse período – precisamente no biênio 1993-94 –
modo geral, conseguiram preservar sua “fatia” do bolo tributário. Os estados têm sido
os grandes perdedores.
seja um fato relativamente conhecido, nem sempre está claro qual é, efetivamente, a
248
tributária e, por esta razão, os valores divulgados pelos mesmos apresentam diferenças
(às vezes não desprezíveis) entre si. Além disso, os prazos para divulgação dos
crescimento que, ano após ano, a carga tributária vem experimentando no passado
de crescimento econômico mais acelerado, 278 todos estes vêm concorrendo para o
PF FP
276
TP Atualmente, dentre os órgãos públicos que efetuam a apuração da carga tributária nacional encontram-
PT
se, principalmente, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a SRF (Secretaria da Receita
Federal). Para fins do presente trabalho, dar-se-á preferência, sempre que possível, aos dados oficiais
disponibilizados pela SRF.
277
P Para maiores detalhes acerca dos distintos critérios de apuração e valores da carga tributária, ver:
P
Meirelles (2006) apresentam comentários interessantes sobre as diferenças entre sua metodologia de
cálculo da carga tributária e as de outros estudos, em particular os realizados pela SRF.
278
TP Uma característica interessante que o sistema tributário brasileiro vem apresentando nos últimos dez
PT
anos, a propósito, tem sido uma sensibilidade pequena a períodos de baixo crescimento, porém elevada
quando a economia acelera. Isso se justifica provavelmente pelo peso considerável da cumulatividade na
carga tributária, que tem amortecido os efeitos de ciclos econômicos adversos.
249
menos em termos de arrecadação, e que fatores concorreram para isso, parece ser
primeiro lugar, há que se ter em conta que a conformação de qualquer sistema tributário
é um processo social, e como tal, aspectos estruturais como cultura e tradição exercem
noutro plano, são cruciais para a determinação do papel do Estado na sociedade (e por
central e demais entes subnacionais; e a dicotomia entre a busca por maior equidade ou
de intenso debate no Brasil moderno, tanto no que diz respeito ao gasto público, como
que por definição o período a ser considerado se inicia na República, dado que é a partir
deste período histórico que o país passa a se constituir como federação. Por isso parece
evocadas para tal opção. A primeira é que permite incluir, ainda que mediante sumárias
250
cultural, social, etc.) é decisivo para a compreensão das questões estruturais brasileiras,
conforme já assinalado. 279 A segunda é que, como argumenta Abrucio (1998), no léxico
PF FP
político brasileiro a própria idéia de federalismo parece estar muito mais ligada a uma
e econômicas dos poderes locais e regionais, como indicam as análises de Celso Furtado
e Caio Prado, fartamente utilizadas no capítulo II. Assim é que, mesmo antes da
279
TP PT Ver Capítulo II.
280
TP Por mais recentes, em termos históricos, que essas origens possam ser, em comparação com as de
PT
outras nações.
281
TP O tema da centralidade do poder colonial versus autonomia provincial ou local é tratado por vários
PT
historiadores. Ver, por exemplo, a coletânea organizada por Sérgio Buarque de Holanda (Colônia e
Império) e Boris Fausto (República), publicada em 11 volumes entre 1960 e 1984 , pela Difel, São Paulo.
Fausto (1996), Iglésias (1993) e Linhares (2000) constituem também referências obrigatórias. Carvalho
(2005) observa que no século XVIII houve quatro revoltas políticas. Três delas foram lideradas por
elementos da elite, contra a política metropolitana e a favor da independência de partes da colônia (e das
quais, não por acaso, duas se passaram nas regiões das minas, sendo a mais importante a Inconfidência
Mineira); a quarta – a mais popular e a única a incluir a extinção da escravidão entre suas bandeiras – foi
a Revolta dos Alfaiates em 1798, na Bahia. A última revolta antes da independência aconteceu em
Pernambuco, em 1817, quando os rebeldes proclamaram uma república independente que incluía, além
de Pernambuco, as capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte (Carvalho, 2005).
251
sentido de esmagar qualquer pretensão emancipacionista por parte das províncias 282 . PF FP
Para o bem ou para o mal, não importa o juízo que se faça, o fato é que o Brasil,
precariedade de sua infra-estrutura, foi construído como Nação por força e obra da ação
Também não seria correto supor que o processo de integração conduzido pelo
América. 284 Este debate (centralização x autonomia provincial), portanto, é uma das
PF FP
raízes do Brasil moderno; não por acaso, quando o país “ingressa” na era da
282
TP Em 1824, a revolta da Confederação do Equador, liderada por Pernambuco, separou várias províncias
PT
do resto do pais e proclamou uma república. A Revolta dos Cabanos, envolvendo pequenos proprietários,
índios, camponeses e escravos, ocorreu em 1832, na fronteira das províncias de Pernambuco e Alagoas.
Em 1838, a Balaiada, no Maranhão chegou a reunir 11 mil homens armados. A Cabanagem, iniciada em
1835, no Pará, durou até 1840 e resultou em cerca de 30 mil mortos. A Farroupilha estendeu-se por dez
anos, só terminando no Segundo Reinado. Em todas elas, o separatismo esteve presente (ver Carvalho,
2005).
283
TP Carvalho (2005) observa que, enquanto no Primeiro Reinado (e no período regencial) as revoltas
PT
ocorridas expressavam (ou se beneficiavam de) conflitos entre facções da classe dominante, após 1848,
quando o Imperador passa a exercer efetivamente o Poder Moderador, a situação se altera. O Estado
Imperial se consolida, a alternância do governo promovida pelo Poder Moderador pacifica as elites e as
revoltas ganham, então, características de reação às reformas promovidas pelo governo. Assim, houve
reações em várias províncias contra a lei que introduziu o registro civil, em 1851, contra a lei que
ordenava o primeiro recenseamento nacional em 1852, contra a lei que adotava o sistema decimal de
pesos e medidas, em 1862.
284
TP PT Ver, de Tavares Bastos, a obra clássica A Província (Cia. Editora Nacional, 1937).
252
maneira diferente por diversos autores (Abrucio, 1998; Resende e Afonso, 2003), e cujo
O quadro acima, embora possa ser considerado útil para compreensão, dada sua
de vista do federalismo fiscal 285 . Em decorrência disto, acaba não tendo a capacidade
TP F FPT
elemento característico da vida política do Brasil Imperial, ainda que sob diferentes
governadores estaduais; tal tese encontra respaldo em diversos autores recentes que
1930, e durante os quinze anos do primeiro governo Vargas, não é difícil identificar que
passa pelo próprio governo central, em particular após 1937, no Estado Novo – ainda
pelas Forças Armadas, em particular pelo Exército, como aponta Lafer (1970).
parte-se da constatação de que, em seus diversos períodos, forças políticas houve que,
ou não). 286 O ponto a destacar, aqui, é que, dada a natureza notadamente política de
TPF FP T
285
TP Affonso (2003) afirma que o uso indiscriminado dos conceitos de descentralização e federalismo na
PT
literatura revela um entendimento reducionista da teoria econômica , pois o federalismo é visto quase que
exclusivamente em seu aspecto fiscal, desconsiderando as demais dimensões – social, política e histórica
– que o integram e explicam.
286
TP PT 1964, a propósito, constitui, nitidamente, um caso paradigmático de saída não-institucional.
255
O período que vai de 1964 a 1985, marcado pela forte centralização política sob
existência, em alguma medida, do poder moderador (no caso, exercido obviamente pelo
da democracia brasileira.
dos debates de reforma tributária que vêm sendo travados no Brasil há mais de dez anos.
E vale dizer, o foi também em contextos anteriores (Constituinte, início dos anos 80,
desde os idos remotos do Império até hoje, passando pelas Constituições de 1891, 1934,
287
TP Mais uma vez, cabe lembrar que a tentativa de examinar o desenvolvimento da economia brasileira a
PT
partir de autores representativos do diálogo entre política e economia foi feita em capítulo anterior.
256
1937, 1946, pela reforma tributária de 1967 e pela Constituição de 1988: a continuidade
Com efeito, desde que o sistema tributário do país começa a ser estruturado, o
explicação no fato de que, até quase a metade do século passado, a economia brasileira
dada a forma como esse regime fora concebido, a solução encontrada residiu
paralelamente aos gravames sobre o comércio exterior, foram sendo criados impostos
288
TP Para maiores detalhes sobre a formação e características das relações federativas brasileiras, ver
PT
Araújo (1999).
257
Consumo – uma união de espécies prematuras de excises taxes – incidente sobre alguns
bens específicos, e o Imposto sobre Vendas Mercantis, mais amplo que o anterior. Cabe
observar que somente a partir de 1924 o governo federal instituiu um imposto de renda
aos efeitos da I Guerra Mundial e da Grande Depressão é que o país ingressa, nos anos
30 do século passado, em uma nova fase de sua história tributária. A novidade não
concebido nos anos 30 não sofreu substanciais alterações. O principal tributo federal
lhe foi designada em 1946. Varsano (1996) informa que durante o período 1946/66, o
Imposto de Consumo era responsável por mais de 45% da receita tributária da União, o
primeiras fases do movimento pendular apresentado acima, o mesmo não se pode dizer
daquele padrão evolutivo, dadas a profundidade e o alcance das transformações por que
passou o sistema tributário na ocasião. De fato, foi nessa reforma que se instituíram os
principais impostos da malha arrecadadora nacional, impostos que, em que pese o fato
de terem sido modificados ao longo do tempo, estão em pleno vigor até hoje.
A reforma tributária implantada entre 1965 e 1967 não pode ser corretamente
compreendida sem que esteja inserida em seu contexto histórico e político. Seu amplo
de 1964.
Não se trata de dizer que a idéia da reforma surgiu depois da "revolução". Havia
setor público derivados do ciclo industrializante da década de 50, que fora comandado
Analisando a reforma sob um ponto de vista técnico, de todo modo, não se pode
instrumento de política que possa vir a ser utilizado com eficácia pelos policy makers
15% do PIB em 1966 para cerca de 25% em 1969, nível em torno do qual se
expressava-se na supressão quase total de tributos com incidência cumulativa 289 , que TPF FPT
ficaram restritos aos incidentes sobre serviços e aos impostos únicos sobre combustíveis
sobre o valor adicionado tanto para o principal imposto estadual como para o imposto
federal sobre produtos industrializados, técnica que à época era utilizada apenas na
França.
tributária estadual. O Imposto de Consumo (IC), por sua vez, era o tributo indireto
compunham suas bases. Em substituição ao IVC, foi criado o Imposto sobre Operações
etapas de produção e comercialização de uma mercadoria, sem que haja mecanismos de débito e crédito
em sua cobrança, tornando sua incidência efetiva sobre o preço final de venda bem maior que sua alíquota
nominal.
260
subnacional com base no valor adicionado. E o IC, por sua vez, deu lugar ao Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), tributo com incidência também baseada na técnica
ICM. 290 TP F FP T
Crédito – IOF – e Imposto sobre Transportes e Comunicações – ambos federais 291 ), TPF FP T
conceito de um sistema tributário de fato, vale lembrar que ela se insere no contexto da
ressaltado no capítulo anterior. Neste sentido, é lícito afirmar que, dentre os objetivos
almejados no desenho do sistema tributário, estava não apenas elevar o nível de esforço
incentivos fiscais à acumulação de capital. 292 Um ponto a ser colocado é que, desta
TPF FPT
290
TP Embora ambos fossem IVAs com cobrança baseada no método da subtração, foi estabelecido que o
PT
ICM teria incidência "por dentro", isto é, agregando o próprio valor do imposto na base de incidência,
enquanto que o IPI seria cobrado "por fora". Além do que, evidentemente, a base do IPI seria mais
restrita, alcançando apenas os produtos industrializados. Para maiores detalhes, ver Rezende & Silva
(1973), Ueda & Torres (1984) ou ainda Quadros (1995).
291
TP Para um quadro detalhado da estrutura tributária brasileira por níveis de governo antes e após a
PT
foram utilizados outros instrumentos importantes, tais como diversos mecanismos de financiamento a
empresas e setores industriais, através de instituições como o BNDE e os bancos regionais de
desenvolvimento.
261
equidade.
municípios –, a autonomia que de fato lhes foi concedida era extremamente restrita. Em
governo federal nas receitas tributárias totais, que passa de menos da metade [em 1964]
a um percentual em torno de 60% [a partir de 1974] (...)” (Ueda & Torres, 1984, p. 11).
federal, vale dizer, era condizente tanto com o contexto político, marcado por um
comandar mais um ciclo de crescimento acelerado. Para tanto, no que dizia respeito às
decisões do setor privado, estas seriam moldadas por meio dos incentivos fiscais. E em
União.
da Federação não tinham poder para fixarem as alíquotas do ICM, nem mesmo para
concederem incentivos e isenções, dado que isto era prerrogativa exclusiva do poder
central. Dito de outra forma, o poder dos estados para legislar em matéria tributária foi
limitado, “(...) de modo que o imposto [o ICM] gerasse arrecadação sem que pudesse
ser usado como instrumento de política (...)” (Varsano, 1996, p. 10). Além disso, as
1967 se deu basicamente em dois sentidos. Num, de cobrir as brechas que a intensa
293
TP Embora antes da reforma já houvesse mecanismos de transferência para estados e municípios, é em
PT
1965 que se constituem o FPE e o FPM na forma como vigoram até hoje, isto é, centralizando percentuais
do Imposto de Renda e do IPI. O que mudou ao longo dos anos, e como se verá, de maneira bastante
significativa, foram justamente estes percentuais.
294
TP PT Sobre as contribuições criadas nos anos 70 ver Azeredo (1987).
263
transparente e democrático que marcou sua discussão – assim como de resto todo o
sociedade 295 , pode-se dizer que os trabalhos da Constituinte foram a antítese desse
TP F FPT
processo, uma vez que não apenas permitiam a intensa participação de todos os
tendiam a limitar a discussão aos tópicos ali expostos e já eivados pelos vieses dos
Todavia, alguns autores argumentam que, não obstante todos estes pontos
resultou uma estrutura tributária com sérios problemas. Na opinião de Varsano (1996),
295
TP PT Embora se possa fazer a ressalva de que o grande empresariado tenha sido muito bem representado.
265
Neste sentido, para este autor, embora houvesse um grande sentimento nacional,
acumuladas por longos anos pela população – que se expressava no “tamanho do Estado
implícito nas comissões” –, a elevação da carga tributária – que poderia financiar este
Estado – não logrou entrar para a lista dos objetivos prioritários da reforma.
medida que contaria com uma de suas pernas - a do governo federal - fragilizada
destinado à educação de 13% para 18%, gastos adicionais com a criação de novos
do Estado, limitaria ainda sua ação, já que contando com recursos escassos, na
que são mais dependentes de transferências federais, e que mais resistências colocaram
De todo modo, o desenho do sistema tributário foi marcado, até mesmo como
uma reação natural a mais de vinte anos de concentração do poder político, por uma
forte intenção de se alçar a questão federativa como o principal objetivo a ser atingido.
reforma tributária.
talvez a mais importante, foi a ampliação da base de incidência do ICM, que passou a
dando origem ao atual ICMS. Em segundo lugar, a cada estado foi atribuída a
competência para fixar autonomamente as alíquotas deste que é seu principal imposto (o
forma que, em 1993, chegassem aos atuais 21,5 e 22,5%, respectivamente. Finalmente,
foram criadas ainda uma partilha do IPI, na qual os estados passariam a repartir 10% de
órgão colegiado que viria ser constituído pela totalidade dos secretários estaduais de
Fazenda, mais o Ministro titular desta pasta. O CONFAZ foi idealizado para ser o
296
TP PT Ver Varsano (1996).
267
harmonização entre as políticas tributárias dos estados. Para isto, foi previsto na lei que,
ICMS, tal decisão deveria ser respaldada por aprovação unânime dos demais membros
chamadas “guerras fiscais” que os estados têm promovido para atrair empresas e
investimentos.
Para autores como Varsano (1996, 1997, 1998) e Rezende (1996), o grande
recursos na União e não proveu os meios, legais e financeiros, para que houvesse um
Há que se considerar, entretanto, que esta é uma visão particular destes autores.
A questão da descentralização política consagrada pela Carta de 88, com todos os seus
explorado com maior profundidade, tanto em termos teóricos como empíricos 297 . É TP F FP T
preciso ressaltar especialmente que esta é uma questão que se insere dentro de um
arcabouço analítico mais amplo, que contempla a relação entre os fluxos de poupança
dependente. 298 TP F FP T
tributária empreendida pelo governo federal, tem sido a adoção de sucessivas medidas
para compensar suas perdas e fazer face a seu desequilíbrio fiscal crônico.
elevação das alíquotas dos já existentes, especialmente daqueles que não constituem
finanças, que, pelas suas características, não somente se revelarão prejudiciais para
297
TP Não se pode esquecer que, se houve alguma melhora nos indicadores sociais nos últimos dez anos – e
PT
os dados disponíveis confirmam esta tendência –, isto pode ser creditado pelo menos em parte aos gastos
realizados nas esferas subnacionais em áreas como educação, saúde e assistência social; cabe lembrar que
isso está relacionado não apenas às receitas disponíveis, mas também aos repasses estabelecidos em lei e
à execução descentralizada dos recursos orçamentários . Souza (2002), por exemplo, discute os incentivos
que a descentralização promove, em termos de maior participação dos governos locais na provisão de
serviços sociais e na adoção de políticas participativas.
298
TP Esta questão, por sua vez, vem a se inserir numa área de pesquisa recentemente aberta por autores
PT
como Tavares & Fiori (1997) e Fiori (1999). Nestes trabalhos, tem-se procurado retomar o debate sobre o
desenvolvimento econômico global e a distribuição desigual da riqueza entre os Estados nacionais,
levantando-se indagações sobre o futuro do desenvolvimento na periferia capitalista. No entanto, não há
uma abordagem específica nesta linha de pesquisa que trate das questões relacionadas aos impactos dos
sistemas de tributação sobre os perfis distributivos das sociedades capitalistas modernas.
269
São exemplos deste fato a criação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
Ressalte-se que todos estes tributos, sem exceção, incidem de maneira cumulativa no
processo produtivo. Além disso, impostos que teoricamente deveriam ter função
geração de receitas pelo governo federal, também pelo fato de suas receitas não serem
299
TP PT Gentil (2006) demonstra o ponto com evidências bastante precisas.
270
Conforme mencionado mais atrás, desde a segunda metade da década de 90, foi
do PIB (produto interno bruto) – isto é, da carga tributária nacional (Tabela 1, a seguir).
meados de 1994 –, a carga tributária nacional saltou do patamar de cerca de 25% do PIB
para algo próximo a 30% do produto. Importa observar que a receita total do governo
os governos subnacionais, cuja arrecadação sobe de 9,6% para 13,5% do PIB, com
destaque para os impostos sobre receita das empresas (COFINS), cuja receita mais do
que dobrou (de 1,46% para 3,74%) e para o “imposto sobre cheques” (CPMF), que foi
criado em 1996, recriado inúmeras vezes e que se consolida como o terceiro principal
Após a crise cambial de 1999, foi iniciada uma nova escalada tributária. A
histórico em 2005: cerca de 33,7% do PIB (Tabela 1). Esta dinâmica se coaduna,
cumpre repetir, com um dos pilares da política econômica implementada no Brasil após
dois aspectos como centrais em sua configuração atual. São eles o processo de
300
TP PT Ver a respeito da “recentralização” depois de 1998, Almeida (2005)
272
A assim chamada guerra fiscal lança suas raízes em um vácuo criado pela
ausência de uma política regional patrocinada pela esfera federal para contrabalançar a
Paulo. 301 Sem ações fortes para promover o crescimento econômico das regiões menos
TP F FP T
desenvolvidas, a tendência a reduzir a distância entre o PIB das cinco principais regiões,
que estava em andamento desde o final dos anos 70, parou na metade dos anos 80 e
oposta ameaça desencadear uma nova onda de aumento das desigualdades regionais
fiscal, os estados vêm concedendo vantagens cada vez maiores aos investidores
estrangeiros e nacionais para sediar novas unidades industriais. Esse processo provocou
futuras da população. Além disso, a escalada da guerra fiscal é favorecida pelo princípio
papel nas decisões dos investidores sobre a melhor localização de suas fábricas. A
estabilidade política e a boa governança, por exemplo, estavam por trás da decisão de
301
TP PT Ver Arbix (2000).
273
novas fábricas nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul, não distantes do principal centro industrial de São Paulo, e a escolha de cidades
conhecidas pela qualidade de seu ambiente e de sua força de trabalho. Houve um único
caso de indústria automotiva que foi mais para o norte, para a Bahia, depois que o novo
governo estadual do Rio Grande do Sul rejeitou o acordo feito por seu antecessor, que
financeiros para atrair investimentos. A outra deu destaque ao apoio político para ter
275
acesso às fontes federais de financiamento. No fim, esse tipo de competição pode levar
federais, perdendo autonomia em relação a políticas que criam uma ambiente favorável
aos negócios. Desse modo, benefícios de curto prazo podem se transformar em custos
federais 302 .
TP F FP T
tenham autonomia para decidir a alocação de seus recursos, sejam eles compostos de
receitas próprias ou transferências. Como foi dito antes, essa condição não existe
relação a estas, identificadas como focos de descontrole das contas públicas, o governo
das dívidas mobiliárias estaduais (uma cronologia das renegociações das dívidas
302
TP “Além de comprometer ainda mais as já combalidas finanças de estados e municípios, minando as
PT
tentativas de se alcançar qualquer equilíbrio fiscal, essa disputa distorce a competição no mercado e
provoca a diminuição dos investimentos privados já decididos nas matrizes das multinacionais,
diminuição esta que passa a ser compensada pela elevação dos gastos públicos” (Arbix , 2000, p.6).
276
estaduais entre 1989 e a edição da lei 9.496 se encontra abaixo, no quadro 5). O objetivo
desta renegociação era claro: estancar uma fonte de desequilíbrio das contas públicas,
de sua Receita Líquida Real (RLR) para o pagamento de seus encargos financeiros,
superávits primários. Além disso, o contrato proibiu a contratação de novas dívidas por
esses governos, até que sua RLR se equiparasse ao estoque de suas dívidas, eliminando,
controle e disciplinamento das contas dos distintos níveis de governo, capaz de garantir
uma gestão fiscal responsável, mas a verdade é que tanto o contrato da dívida como a
LRF não somente limitaram o grau de autonomia das instâncias subnacionais como
superávits primários para o pagamento de parcela dos encargos da dívida com a União.
277
1989: Depois do colapso do plano de estabilização lançado em 1986, a lei 7976 autorizou o
Banco do Brasil a refinanciar as dívidas dos estados por vinte anos. Por ser parcial – o
refinanciamento limitava-se a dívidas para com o Tesouro Nacional – essa operação fez pouco
para resolver os problemas financeiros dos estados, que continuaram a se deteriorar sob o
impacto de altas taxas de juros e inflação acelerada.
1991: A lei 8388 estabeleceu novas condições para refinanciar dívidas não incluídas na
renegociação de 1989. Vinte anos para quitar, com juros de 6% e pagamentos mensais
limitados a 11% das receitas no primeiro ano e 15% depois. Como as condições não foram
aceitas, essa proposta não se materializou.
1993: Conforme as diretrizes estabelecidas pela lei 8388/91, a lei 8727/93 possibilitou o
refinanciamento de dívidas pendentes para com instituições financeiras federais, inclusive
pagamentos devidos desde 1991. Os limites para reembolso foram baixados para 9% das
receitas no primeiro ano e 11% depois. Embora as novas condições permitissem a
regularização dos pagamentos da dívida, elas não cobriam todo o problema, pois as dívidas
para com os bancos privados e títulos não estavam incluídas.
1995: Depois do Plano Real, o governo federal mudou sua abordagem da renegociação das
dívidas dos estados e introduziu novas medidas para controlar o endividamento. A partir de
então, o refinanciamento estaria associado às reformas do setor público, incluindo
privatizações e condições para cumprir as metas estabelecidas para ajustar as contas fiscais.
Além disso, os novos acordos teriam de ser submetidos aos legislativos estaduais.
1996: Novas regras foram introduzidas pela Medida Provisória 1560, dando ao governo
federal poder para renegociar todos os tipos de dívidas. As negociações deveriam ser feitas
caso a caso, dependendo das medidas adotadas pelos estados. O objetivo final era trazer o total
das dívidas financeiras dos estados a níveis abaixo de suas receitas líquidas.
1997-98: A lei 9496/97 criou critérios a serem adotados nas renegociações, estabelecendo
metas para a dívida total, superávit primário, folha de salários, arrecadação de impostos e
privatização. Dos 27 estados, 24 assinaram acordos com o governo federal dentro das regras
desta lei.
municipais. Como essas taxas implicavam uma economia menos dinâmica, as receitas
estados realizada em 1997 e 1998 não pode ser considerada propriamente um caso
Enquanto o governo federal podia refazer sua situação fiscal aumentando a carga
período 1995-98 podia ser compensado com um superávit nas contas federais, evitando
10,5% do PIB), em condições bastante favoráveis: trinta anos para pagamento e taxas de
juros fixas entre 6% e 7,5%. Além disso, o reembolso não deveria superar 15% das
receitas atuais (essa porcentagem poderia baixar até 11%). Por esses acordos, os estados
não poderiam emitir novos títulos até que suas dívidas totais fossem compatíveis com
suas receitas anuais. Se não cumprirem com seus compromissos, o governo federal tem
Com a economia andando devagar, as receitas dos impostos não proporcionavam espaço
suficiente para melhorar as políticas públicas, gerando apreensão nas autoridades locais
que pretendiam fazer uso da emenda constitucional que permitia a reeleição em todos os
níveis.
das dívidas estaduais, que poderiam comprometer o cumprimento das metas fiscais
Senado proibiu novos empréstimos de qualquer tipo aos estados que apresentassem um
assinados com os estados também proibiam a emissão de nova dívida em caso de não
concedidos aos estados, municípios e instituições sob seu controle. As duras restrições
Do ponto de vista dos serviços públicos urbanos, no entanto, o preço foi alto. Os
urbanos caíram para 3,1% do PIB em 2000, de um nível já baixo de 4,1% em 1996,
serviços sociais – educação, saúde e saneamento – que aumentaram dos 5,5% do PIB
(SUS e FUNDEF).
institucionais.
3.1. Introdução
303
TP São poucos os trabalhos que relacionam as questões da estrutura tributária e da desigualdade. Em
PT
geral, essas questões são tratadas isoladamente. Daí a contradição implícita na primeira frase do
parágrafo. Dada a constatação de que o Brasil é um país de renda média, os autores que lidam com a
281
hoje, de estudos que relevam, entre seus determinantes, aspectos como os demográficos,
(2006), criticando o teor da análise contida no Relatório IPEA 2006 304 - paradigmático
TP F FP T
questão tributária tendem a enfatizar o fato de o país não ser rico, enquanto os que se debruçam sobre a
questão das desigualdades tendem a enfatizar o fato do país não ser pobre. São exemplos,
respectivamente, Varsano (1996) e Barros & Mendonça (2000).
304
TP Publicado em livro (que inclui o artigo de Cláudio Salm) organizado por Ricardo Paes e Barros,
PT
Esta seção tem por objetivo examinar o sistema tributário brasileiro no que se
afirmações (como as citadas acima) que lhe atribuem papel relevante na persistente
estrutura de desigualdades 305 . Para tanto, serão revisitados alguns trabalhos que
TP F FP T
sobre a tributação indireta 306 . É praticamente lugar comum nessa literatura (produzida
TP F FP T
305
TP A proposição inversa – a de que o sistema tributário é potencialmente capaz de alterar a estrutura de
PT
desigualdades – tão consistente quanto a aqui adotada, não constituiu objeto do capítulo. Hoffmann
(2002) faz algumas simulações procurando demonstrar que determinadas mudanças no imposto de renda
(que ele mesmo reconhece como utópicas na conjuntura brasileira) aumentariam significativamente o
potencial redistributivo do sistema.
306
TP Na teoria convencional sobre sistemas tributários, em geral há convergência entre os autores na
PT
medida.
283
Hoje em dia, contudo, já não impera o consenso outrora existente sobre o caráter
debate a natureza da regressividade dos tributos indiretos. Não caberia aqui discorrer
sobre os termos de tal debate 308 embora caiba anotar que autores brasileiros não estão
TP F FPT
alheios a ele.
Rezende (1996), por exemplo, entende que o modelo de tributação direta sobre a
renda foi concebido em um contexto em que não era expressiva a mobilidade de fatores
impositivas, então, tomava como referência a localização física de grande parte das
atividades econômicas, que, por seu turno, respeitava os limites impostos pelas
fronteiras de cada país. Com as mudanças ocorridas nas últimas décadas em âmbito
Segundo autores como Rezende (1996), Spíndola (1998) e Hinrichs (1996), uma
decisões dos agentes econômicos não estão mais circunscritos aos limites territoriais de
308
TP PT Ver a respeito do mesmo, Vianna (2000) e Afonso, Araújo e Vianna (2004).
284
impostos indiretos – sobre o consumo local de bens e serviços - tidos como alternativas
No caso brasileiro, o que estudos empíricos sobre tributos têm mostrado é que os
impostos sobre bens e serviços são regressivos e reforçam as desigualdades. Mais ainda,
não tem sido suficiente para contrarrestar os efeitos negativos, em termos de equidade,
dos impostos indiretos 310 . Vale frisar, porém, que os trabalhos examinados a seguir são
TPF FP T
309
TP Segundo SPÍNDOLA (1998, p. 3): "... as bases tributárias tradicionais, sobre as quais se assentavam os
PT
do imposto de renda, e sua importância limitada “ao papel como fonte de arrecadação”, supondo que “as
transferências diretas para as famílias no extremo inferior da distribuição são muito mais eficazes para
reduzir a desigualdade de renda do que o imposto de renda” (Rocha, 2002, p.73).
285
apenas alguns, obviamente, entre os muitos que enfocam o tema e estão longe de uma
carga fiscal na época. Em que pese o fato de ser um trabalho relativamente antigo, ainda
disponível de cada uma delas no status quo e na ausência de um ou mais tributos 313 . TPF FP T
Estes dados foram agrupados em dois tipos de resultados: uma “tabela de distribuição”,
constituída pelas informações sobre os perfis de distribuição de renda nas situações com
311
TP Uma observação que se deve fazer de antemão é que, de modo geral, estes estudos tomam como
PT
referencial para a análise de incidência as unidades familiares. Isto se dá porque os principais tributos que
compõem o sistema de impostos brasileiro, sobretudo os indiretos, recaem predominantemente sobre as
unidades de consumo, isto é, os indivíduos e/ou as famílias. Outra observação relevante é que os estudos
usam metodologias diferentes, o que não será objeto, aqui, de exame. Uma revisão que contempla os
aspectos metodológicos das investigações sobre impactos do sistema tributário brasileiro se encontra em
Afonso, Araújo e Vianna (2004).
312
TP A principal fonte de dados do trabalho foi o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF),
PT
realizado pelo IBGE em 1974, que vem a ser a mais completa pesquisa sobre despesas familiares de
âmbito nacional já feita no país.
313
TP Considerando uma distribuição de renda inicial que não seria afetada por fatores dinâmicos (ou seja,
PT
realizando uma análise estática, de curto prazo), o estudo consistiu basicamente na avaliação de como esta
distribuição seria influenciada pela existência de impostos. Isto foi feito através da comparação entre dois
estados da economia: o inicial, em que todos os impostos estão presentes (status quo), e o alternativo,
ocasionado pela ausência de um ou mais impostos em questão. Os impostos considerados foram o IR, os
impostos indiretos federais (IPI, os antigos impostos únicos e o Imposto de Importação), as contribuições
para a Previdência Social (além da contribuição para o PIS) e o ICM. Os impostos municipais foram,
portanto, desconsiderados.
286
analisado fosse extinto. Estas tabelas foram construídas por faixas de renda e por
aspectos referentes aos resultados desta situação. Em primeiro lugar, para a alta
população: para a primeira classe de renda (de zero a um salário mínimo), as medianas
das alíquotas obtidas ficaram entre 29% e 36%, dependendo das várias hipóteses de
participação na renda dos 20% de famílias mais pobres se elevaria de 2,39% para
2,55%.
atribuída pelos autores ao fato de serem, as rendas das famílias mais pobres, muito
baixas. Assim, apesar de muito altas as alíquotas incidentes sobre estas famílias, o
trabalharam os autores era tão desigual que, embora o percentual da renda das famílias
os autores, “o atual Sistema Tributário não pode ser utilizado como um instrumento
314
TP Em que se supõe que os impostos sobre renda total não são transferidos para os preços, enquanto que
PT
tributário brasileiro. Por outro lado, a forte presença de tributação cumulativa vem a ser
fenômeno relativamente recente, de modo que naquele contexto, início dos anos 1980,
distribuição extremamente desigual da renda – tenderá a ser feita cada vez mais através
do sistema tributário. 315 Ancorada num marco teórico que privilegia os aspectos de
TP F FP T
custos marginais mais baixos são os dos produtos de primeira necessidade, cujas
315
TP Esta visão vai ao encontro da de outros autores. Varsano (1996), por exemplo, sugere que, para fazer
PT
face à enorme dívida social e aos investimentos em infra-estrutura necessitados pelo país, é inevitável que
no curto e médio prazos a carga tributária alcance e se mantenha na marca de 1/3 do PIB.
316
TP Neste tipo de abordagem, a questão relevante seria a identificação dos custos adicionais em termos de
PT
bem-estar advindos do aumento da carga tributária. Uma reforma tributária voltada para fins de equidade
deveria portanto almejar a minimização desses custos e para tanto, seria preciso que a fixação das
alíquotas dos impostos (em particular no caso de tributos indiretos, que constituem o foco da autora) fosse
feita de maneira diferenciada conforme as condições de mercado (isto é, segundo as elasticidades de
demanda e oferta) dos bens e serviços.
288
alimentar em geral.
palavras da autora:
majorações de impostos deveriam ser orientadas no sentido de recair sobre produtos que
não afetam significativamente o padrão de consumo das famílias mais pobres, ainda que
conclui que “a estrutura das alíquotas de impostos indiretos obtida quando se leva em
conta a questão da equidade é praticamente oposta àquela que se obtém quando somente
ICMS e do IPI deveria ser reduzida, uma vez que tais impostos incidem mais
para a primeira classe de renda (que inclui as famílias com rendimentos até 2 salários
famílias, enquanto que para a última classe esta proporção se situava em 6,9%.
comparação com resultados obtidos em outros trabalhos, ainda que feita com certa
cautela, em função de diferenças metodológicas, torna este fato ainda mais evidente.
Como foi visto, em Eris et al. (1983) a carga tributária indireta para a primeira classe de
renda foi estimada em 25,2%; como se verá adiante, em Siqueira et al. (1999), este
montante alcança 28,1% para essa mesma classe; em Vianna et al. (2000), o mesmo
valor chega a 26,5%. Parece claro, portanto, que a base de dados utilizada pelo autor
317
TP O método do estudo consistiu basicamente na mensuração dos fluxos de receita e despesa dos
PT
receptores de salários formalmente empregados. Assim, as entradas de receitas (salários) foram captadas
com base no rendimento bruto médio mensal de natureza salarial do chefe de família, informação que é
discriminada na POF.Combinando os fluxos de receitas com a legislação tributária vigente (alíquotas,
base de cálculo, deduções), o autor estimou a parcela da renda devida a título de tributação direta, isto é,
sobre a renda. Foram consideradas, além do Imposto de Renda Pessoa Física, as contribuições para o
Fundo de Previdência e Assistência Social (administrado pelo Instituto Nacional de Seguro Social –
INSS) – isto é, a Previdência Pública – e para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
290
hipóteses o grau de progressividade obtido para os tributos diretos foi suficiente para
(1998) para a carga tributária direta referem-se à incidência legal dos impostos diretos
evidência empírica que leva o autor a concluir que, tomado de forma abrangente
progressivo sobre as famílias brasileiras, não sendo portanto um fator a contribuir para a
consumo (isto é, indiretos) no Brasil utilizando não só a renda como parâmetro, mas
dos impostos indiretos com base apenas na razão entre estes e a renda dos contribuintes,
(1999) questionam tais conclusões, pois em sua abordagem alternativa – que os autores
julgam teoricamente mais consistente –, baseada nos gastos de consumo das famílias, a
carga tributária indireta com base na razão entre o montante de imposto pago e os
dispêndios familiares é que “há uma forte sugestão na teoria econômica de que a
aos gastos totais das famílias do que em termos das suas rendas disponíveis”. (Siqueira
et al., 1999, p. 1). Estas estimativas são comparadas com aquelas realizadas com base
bastante diferentes.
parâmetro de avaliação os gastos de consumo das famílias reside na idéia de que, para a
impactos distributivos dos tributos indiretos do que a renda corrente (Creedy, 1997).
alíquota fosse maior para produtos cuja participação nas despesas familiares aumenta à
Além disso, com base em literatura recente (Poterba, 1989; Creedy, 1997;
indicador mais apropriado do padrão de vida das famílias do que a renda, por ser mais
estável durante o ciclo de vida das mesmas. Isto seria explicado pela hipótese de
292
A crítica central que pode ser feita a este tipo de concepção é que ela inibe
medida mais adequada de aferição de sua capacidade de pagamento, uma vez que esta
sentido ou torna-se estranha, uma vez que a decisão de poupar implica necessariamente
a acumulação de riqueza.
informações de consumo das famílias. É indiscutível que a aferição das rendas de cada
família significa para o pesquisador um problema de resolução bem mais fácil que o
registro de suas despesas. Além disso, há que se considerar o intrincado problema que
habitação – daqueles que constituem aquisições de bens duráveis, que são consumidos
com pouca freqüência (de um modo geral, independentemente das rendas percebidas).
em relação a este ponto; eles simplesmente trabalham com os "gastos totais" das
293
famílias, sem especificar quais os itens de despesa que estão aí incluídos. Todavia, esta
como desembolsos) e são, portanto, passíveis de registro como gastos totais das
famílias.
Por fim, mas não menos importante, cabe salientar que as principais medidas de
desigualdade utilizadas em ciências sociais, como os índices de Gini, Theil, Sen, entre
abaixo dos quais determinadas camadas da população são classificadas como indigentes
IPI, o ISS 318 , o Imposto de Importação e outros impostos indiretos não especificados)
TP F FPT
pagos pelas famílias e suas rendas disponíveis (isto é, líquidas de impostos diretos), os
cálculo, para a primeira classe de renda (famílias com rendimentos até 2 salários
318
TP Na verdade, o fato de o estudo considerar o ISS também é passível de crítica do ponto de vista
PT
metodológico. A maioria dos estudos empíricos sobre tributação no Brasil, como já mencionado, ignora
explicitamente este imposto, por um motivo simples: a extrema dificuldade em se medir sua incidência,
em função da escassez de informações e da diversidade de legislações municipais que impedem a
obtenção de alíquotas uniformes para aplicação nas respectivas bases imponíveis. Além disso, a
participação do ISS na carga tributária global (que inclui as três esferas de governo) é bastante reduzida:
em 1996, atingia somente 1,94% deste total.
294
acima de 30 salários mínimos), a carga tributária indireta atinge apenas 11,7% da renda
apontam, na verdade, para uma incidência da tributação indireta quase que proporcional
sobre as diferentes classes de renda: a carga tributária seria de 18,1% para a primeira
prosseguem, "a substituição deste sistema [de tributação indireta atual] por um com
tributação indireta brasileiro, como prova a seguinte afirmação: "Por sua vez, a natureza
por tributaristas e pelo público em geral, fica ainda mais evidente quando consideramos
no uso dos dados individualizados (microdados) da POF, que permite aos autores
295
al. (2000), por sua vez, consideram todo o universo de declarantes pesquisados pela
POF.
que mostra a carga tributária total – tributos diretos e indiretos – estimada pelos autores
como percentual dos recebimentos familiares por classes de renda, considerando o total
3 0 ,0 0
2 5 ,0 0
2 0 ,0 0
1 5 ,0 0
1 0 ,0 0
5 ,0 0
0 ,0 0
A té 2 2 a 3 3 a 5 5 a 6 6 a 8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 + de 30
F a ix a s d e R e n d a (e m s a lá rio s m ín im o s )
incidente sobre o recebimento das famílias que recebiam até dois salários mínimos, na
média das regiões metropolitanas, era pouco inferior a 2% de sua renda bruta. Para
famílias com ganhos acima de 30 salários mínimos, a carga tributária direta perfazia em
296
média cerca de 11% de sua renda. As famílias mais ricas pagavam portanto, para cada
real recebido cerca de 11 centavos em tributos diretos. As famílias mais pobres arcavam
Dito de outra forma, os autores constataram que a carga tributária direta das
famílias do último estrato de renda era seis vezes maior que a do primeiro. Tomando
como fonte a estrutura de rendimentos familiares oferecida pelos dados da POF 1995-
1996, observaram ainda que o recebimento médio mensal familiar per capita das
famílias do primeiro estrato (até dois salários mínimos). Neste sentido, tinha-se um
quadro em que, embora a carga tributária direta suportada pelas famílias mais ricas
fosse cerca de seis vezes mais elevada que aquela suportada pelas famílias mais pobres,
isso ocorria numa estrutura distributiva em que o recebimento médio mensal familiar
per capita daquelas ficava em torno de 37 vezes maior que o das famílias mais
pobres. 319
TPF FPT
renda observadas entre famílias e indivíduos, a evidência encontrada sugere então que o
renda entre 20 a 30 salários mínimos com uma carga de tributos diretos representando
6% de sua renda bruta, verifica-se que a progressividade dos tributos diretos é bem
319
TP O ideal seria replicar tal exercício com base nos dados oferecidos pela POF 2002-2003. No entanto, o
PT
quadro geral não deve ter se alterado de modo substancial. Trabalhos mais recentes que utilizam a POF
2002-03 (por exemplo, Zockun 2005, analisado a seguir) demonstram avanço da regressividade, o que dá
sustentação à argumentação aqui desenvolvida.
297
menos acentuada, já que estas famílias sofrem uma incidência dos tributos diretos
apenas 3 vezes maior que a das famílias pobres. Os tributos indiretos, por sua vez, têm a
descontados os tributos diretos – das famílias que ganham até dois salários mínimos. 320 TP F FP T
recebimentos familiares, a carga total de tributos pagos pelas famílias mais pobres é
ligeiramente superior a 28%. As famílias com rendimentos até cinco salários mínimos
mensais também têm uma carga tributária total maior que as famílias de maior renda.
As famílias mais ricas, do último estrato de renda, por sua vez, destinam, em média, ao
fator que contribui para a manutenção dos níveis de desigualdade de renda e pobreza
observados no país. Sugerem também, por outro lado, que modificações na atual
população pobre.
famílias do ultimo estrato de renda pagavam apenas 7% de sua renda mensal em tributos indiretos. Ou
seja, para cada real de renda das famílias mais pobres, elas pagavam quase 27 centavos em impostos
indiretos. Em contraste, as famílias mais ricas pagavam um pouco mais de sete centavos. Os autores
observaram também que a percentagem da renda líquida destinada ao pagamento dos tributos indiretos se
reduz à medida que a renda familiar cresce em todos os estratos.
298
impostos e alíquotas, e sua incidência sobre insumos, as alíquotas finais (efetivas) dos
tributos indiretos presentes nos preços muitas vezes divergem substancialmente das
alíquotas nominais e efetivas dos impostos indiretos considerados: IPI, ICMS, ISS e II
famílias – que respondia na época por 84% da incidência final –, por exemplo, para o
setor de produtos vegetais beneficiados, que inclui alimentos da cesta básica como arroz
e farinha de trigo, a alíquota efetiva média encontrada foi de 24%, bastante superior à
alíquota efetiva média obtida para o total do consumo das famílias, de 16,2%. Mesmo as
exportações, que “(...) aparentemente eram apenas levemente tributadas, com alíquotas
com uma alíquota média efetiva de 11,7% para o total dos impostos e de 6,7% para o
ICMS” (Siqueira et al., 2001, p. 9). Os autores observaram ainda que, mesmo se fossem
sério problema de falta de transparência, na medida que sua incidência efetiva é bem
321
TP A metodologia e a base de dados utilizadas pelos autores são praticamente as mesmas do trabalho
PT
anteriormente citado (Siqueira et al., 1999). Nesse, porém, os autores não estão preocupados em avaliar
impactos distributivos da incidência tributária. Seu objetivo é avaliar, conforme mencionado, o efeito
final dos impostos levando em conta sua incidência no interior da cadeia produtiva. Por este motivo, a
base de informações utilizada foi apenas a Matriz Insumo-Produto elaborada pelo IBGE para 1995.
299
diversa da que se poderia esperar a partir de sua estrutura de alíquotas nominais. O que
adicionado (IPI e ICMS). Uma possível crítica ao trabalho, nesse sentido, é que,
impostos indiretos, não considera tributos que também oneram a produção e o consumo
de bens e serviços, tais como a COFINS, o PIS e a CPMF, que possuem ainda o
agravante de incidirem de maneira cumulativa. Assim, ainda que o objeto do estudo seja
relevante, seu alcance torna-se muito limitado, pois não há como avaliar a incidência
efetiva dos impostos indiretos no Brasil sem considerar o gravame das contribuições
acima citadas.
efetivas dos principais impostos e contribuições que compõem a carga tributária indireta
despesas com uma cesta de consumo dos seguintes itens: alimentação no domicílio,
indireta incidente sobre uma cesta de consumo bastante representativa no orçamento das
322
TP Convém observar que a POF-IBGE fornece as informações sobre o pagamento de tributos diretos
PT
famílias de baixa renda, como proporção das despesas de consumo (alíquotas efetivas) e
VALOR MÉDIO DO IMPOSTO (R$ de 1996) 30,3 54,9 91,8 159,0 390,2
ICMS 13,5 24,2 39,9 68,8 164,8
IPI + ISS 3,9 6,9 11,7 19,9 45,3
COFINS + PIS + PASEP 13,0 23,8 40,3 70,3 180,1
14,00%
13,30%
12,90%
13,00%
12,00% 11,40%
11,00%
9,90%
10,00%
9,00%
8,30%
8,00%
7,00%
6,00%
0 a 2 SM 2 a 5 SM 5 a 10 SM 10 a 20 SM > 20 SM
Fonte: Tabela 3.
301
7,00%
5,90%
5,70%
6,00%
5,00%
5,00%
4,30%
4,00% 3,50%
3,00%
2,00%
1,00%
0,00%
0 a 2 SM 2 a 5 SM 5 a 10 SM 10 a 20 SM > 20 SM
Fonte: Tabela 3.
3,00%
2,50%
2,00%
1,70%
1,60%
1,50%
1,50%
1,20%
1,00%
1,00%
0,50%
0,00%
0 a 2 SM 2 a 5 SM 5 a 10 SM 10 a 20 SM > 20 SM
T Fonte: Tabela 3 .
TT
302
7,00%
5,70% 5,60%
6,00%
5,00%
5,00% 4,40%
3,80%
4,00%
3,00%
2,00%
1,00%
0,00%
0 a 2 SM 2 a 5 SM 5 a 10 SM 10 a 20 SM > 20 SM
T Fonte: Tabela 3. TT
nos gráficos 10 a 13 fortalecem, mais uma vez, a hipótese de que os tributos indiretos
são regressivos. Isso é particularmente verdade, como era de se esperar, quando tais
tributos são considerados como proporção da renda das famílias. No estudo, os autores
renda das famílias que ganham até 2 salários mínimos, na classe das famílias de maior
determinado grupo de serviços. Regra geral, tais bens (como por exemplo,
mais regressivo dos três grupos de tributos considerados. Para os autores, era
não tem relevância em países pobres e com alta concentração de renda como o Brasil. A
tabela abaixo, reproduzida do texto em tela, mostra a carga tributária por classe de renda
familiar em 1996 e 2004 323 . Os tributos diretos referem-se aos pagamentos que as
TP F FP T
323
TP As estimativas para 2004 , como as de Vianna et al. (2000), para 1996, são baseadas na POF, que
PT
considera como renda todas as fontes: remuneração do trabalho, transferências (aposentadorias, pensões,
bolsas de estudo, mesadas, doações, transferências transitórias), lucros recebidos, rendimentos de aluguel,
de aplicações financeiras e de capital.
304
324
nominais de ICMS, IPI, PIS e Cofins não-cumulativos TP F FP T aos gastos que constituem
acentuada em 1996, foi intensificada em 2004” (Zockun, 2005, p.11). As famílias com
renda de até 2 salários mínimos, que em 1996 destinavam 28% da renda ao pagamento
com tal destino. As famílias com renda superior a 30 salários mínimos também sofreram
Zockun (2005) chama atenção ainda para o papel que a incidência de impostos
população com aspirações de consumo incompatíveis com seu nível de renda”, exerce
custo aos produtos, numa dispersão elevada que chega a mais de 3 mil por
cento no caso de fumo ou quase trezentos por cento no caso de artigos de
higiene pessoal. É nessa elevada margem que floresce a informalidade no
Brasil: ao não cobrar do consumidor o valor total dos impostos, o preço
praticado dá à economia informal vantagem imbatível, muitas vezes não
compensável pela maior produtividade, ganhos de escala e melhor
tecnologia e qualidade do produto fornecido pela empresa inteiramente
formal (Zockun, 2005, p. 12).
324
TP Por isso, explica a autora, a referência é o ano de 2004, quando os tributos passaram a vigorar nesse
PT
regime.
325
TP Alíquotas do PIS/Cofins não cumulativas; não foram incluídos nem o ISS nem os encargos
PT
econômico brasileiro, ao longo da década de 1990 até hoje. Não obstante a importância
Na prática, contudo, os sucessivos ajustes feitos ao longo dos anos nem sequer
destacar nos oito anos do governo Fernando Henrique foi a inequívoca mudança
paulatinamente até ultrapassar 33% do PIB, em 2002. Não obstante ter sido
Congresso uma proposta de reforma (PEC 41 de 2003), cujo ponto central era
326
TP O Fundo Social de Emergência (FSE) foi criado em 1994. Em 1996 foi renomeado como Fundo de
PT
Estabilização Fiscal (FEF) e posteriormente recebeu a denominação atual, DRU (Desvinculação das
Receitas da União). Trata-se de um mecanismo de vigência provisória, que vem sendo prorrogado
regularmente, pelo qual 20% das contribuições arrecadadas (excetuando-se as contribuições
previdenciárias que incidem sobre salários e folha salarial) são de uso exclusivo do governo federal. O
estratagema visa contornar o preceito constitucional de vinculação das receitas oriundas de contribuições
sociais a áreas específicas.
307
Do acima exposto, depreende-se claramente que, por maiores que tenham sido as
ao longo dos últimos quinze anos, segundo Dain (2005), “[...] o ajuste fiscal de curto
prazo tem tido precedência sobre decisões relativas a reformas estruturais, tributárias e
sistema tributário, apontados por autores que trabalham com o tema 328 , conforme visto TP F FP T
(i) seu nível, extremamente elevado, ainda mais em relação ao de outros países
327
TP PT Embora diferentes segmentos da mesma tenham razões distintas para tal.
328
TP PT Varsano (1997), Dain (2005 e 2003), Afonso (2005), entre outros.
308
Cabe indagar, portanto: se o sistema tributário brasileiro é tão ruim (e de fato é),
se há uma cobrança tão forte da sociedade por menos e melhores impostos e por que,
afinal de contas, se o tema está em pauta há tanto tempo, passada uma década e meia de
corretivos na economia. A questão é que o sistema tributário não pode ficar estático
enquanto a economia muda quase que cotidianamente. Além disso, o fato de a evolução
radicais, asseguraria a minimização de perdas e ganhos por partes dos atores envolvidos
329
TP Como visto anteriormente, para o autor essas duas características estariam presentes no sistema
PT
tributário brasileiro.
309
tem que ser lento. Esta lentidão refletiria as resistências da sociedade e do próprio
Estado a mudanças, não sendo por acaso que o tempo decorrido entre os primeiros
reclamos por uma reforma tributária e sua realização seja grande. A questão central é
tributário seria “a barreira, criada pelos próprios agentes econômicos, que os protege
caso do sistema tributário brasileiro atual, entretanto, parece ter havido um processo
inverso, por assim dizer, de “involução”. Dito de outra forma, o sistema foi se
maneira que hoje parece não haver alternativa que não seja uma reformulação profunda,
que esteja funcionando razoavelmente bem. Mas esse não é definitivamente o caso
brasileiro.
desequilíbrio fiscal crônico do setor público, passou a prevalecer, por parte dos policy
curto prazo, utilizando para este fim instrumentos pragmáticos que estivessem à
plano de estabilização que viria a ser implementado poucos meses depois, em que pese
sistema aprovado na Carta de 88 332 . Não por acaso, esses seriam, para boa parte dos
TP F FPT
330
TP Sobre a subordinação da política macroeconômica à lógica da estabilização monetária e os problemas
PT
daí decorrentes, ver, além de Gentil (2006), Hermann (2002). As autoras reconstituem com precisão e
com respaldo em autores variados as medidas tomadas e as características do contexto em que foram
adotadas.
331
TP “Como medida preventiva para enfrentar o esperado aumento dos gastos que viria com o fim da
PT
inflação, o governo criou, em 1993, o Plano de Ação Imediata (PAI) e, em 1994, o Fundo Social de
Emergência [que visava]: (i) a redução dos gastos públicos e a maior eficiência em sua utilização; (ii) a
elevação da receita fiscal com a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e
o combate à sonegação; (iii) a redefinição das relações entre a União e os estados e municípios,
consubstanciada na redução das transferências não-constitucionais e na regularização do pagamento das
dívidas destes para com o governo federal; (iv) as mudanças institucionais e saneamento dos bancos
estaduais e federais; (v) a ampliação do Programa Nacional de Desestatização (PND), concluindo-se a
privatização das empresas de siderurgia e petroquímica e iniciando-se a dos setores de energia elétrica e
de transporte ferroviário, com a instituição do Fundo de Privatização” (Gentil, 2006, p.193). Ver também
Modenesi (2005).
332
TP . O total arrecadado com a COFINS que era de cerca de 14 bilhões de reais em 1995, passa para mais
PT
de 38 bilhões em 2000, chegando a quase 88 bilhões em 2005; com a CPMF passa de 14, 385 bilhões
em 2000 para 29,230 em 2005; e com a CSLL vai de 5,615 bilhões em 1995 para 8,750 em 2000 e para
26, 323 bilhões em 2005. Cf. Gentil (2006).
311
encargos.
câmbio flutuante, metas de superávit primário), a dinâmica dos ajustes fiscais ad hoc foi
verdadeira foi ainda mais reduzido. Evidente, pois diante da necessidade de geração de
sistema que propiciava crescentes níveis de arrecadação, inclusive de maneira quase que
Este é um dilema que vem perdurando até hoje. Mas não é o único.
que por sua vez são ainda insuficientes para cobrir a totalidade das despesas com juros
da dívida pública. Segundo Lopreato (2006), nesta fase pós-1999, a política fiscal sofreu
fixados na lei orçamentária anual até que haja segurança que a meta de superávit
será alcançada;
333
TP PT Ver também Modenesi (2005) e Hermann (2002).
334
TP PT Lopreato (2006, p. 190).
313
municípios 335 ;
TP F FPT
encargos da dívida;
tenha vindo para ser definitivo, não logrou solucionar os problemas fiscais 336 . A dívida TPF FPT
pública interna cresceu 28,1 pontos percentuais do PIB do início do plano real até 2005.
335
TP “Esta lei limitou as despesas com pessoal, dificultou a realização de investimentos públicos e
PT
restringiu a geração de novas despesas de custeio, de forma que as metas anuais de resultados fiscais
(resultado primário e nominal e o montante da dívida pública) nunca fossem afetadas. Além disso, impôs
ajustes de compensação a toda renúncia de receitas e induziu a obtenção de superávit primário para
redução da dívida pública” (Gentil, 2006, p. 201).
336
TP Daí, segundo a autora, a continuidade do discurso pró-reforma da previdência, com o sentido de
PT
reduzir o seu alcance, mesmo tendo o presidente Lula declarado, ao assumir o segundo mandato de
governo, que não o faria.
314
cresceu para patamares ainda mais altos. Ou seja, ao mesmo tempo que o “remédio”
A este respeito, convém revisitar um texto anterior de Sulamis Dain, que possui
tributário tem enfrentado ao longo dos anos reside, como mencionado, no campo da
política. Também neste terreno o artigo de Sulamis Dain introduz elementos inovativos,
influência sobre o processo decisório relativo à questão tributária 337 . Azevedo e Melo TP F FPT
90, salientando os interesses em jogo e o padrão de interação política entre eles nessa
governadores 338 . Esses autores concluem que o impasse está fundado em elementos
TP F FP T
consociativos 339 do sistema político brasileiro, em problemas de ação coletiva por parte
TPF FPT
dos governadores e na geometria política das perdas produzidas pela reforma (Azevedo
337
TP Como indicado no capítulo I, os trabalhos nessa linha, em sua grande maioria , seguem
PT
que diz respeito à capacidade tributária e à capacidade de promover reformas no sistema tributário,
ressaltando a importância do arranjo federativo presente em cada um dos países.
316
A este tipo de problema se soma outro, identificado por Dain (1999) como sendo
tributação”.
(muitas vezes difícil) com os governadores, que “controlam” suas bancadas 341 . De TPF FPT
(Dain, 1999).
respeito à ausência de organicidade dos partidos do que qualquer outro fator 342 . A TPF FP T
quase inexistente participação das classes médias nos movimentos sociais (sindicatos,
341
TP Historicamente os partidos consolidaram-se em torno dos centros de poder regional e de coalizões de
PT
elites locais (Carvalho, 1993); com o passar do tempo, a diferenciação dos redutos eleitorais dos partidos
reproduziu-se ou se acentuou. Devido a características desses últimos, a lealdade dos parlamentares
vincula-se mais a seus estados que aos partidos ou a uma lógica nacional (Abrucio, 1997) e portanto, os
governadores influenciam fortemente as bancadas legislativas (Kinzo, 1997).
342
TP É vasta, na ciência política, a literatura que enfatiza a ausência de organicidade dos partidos políticos
PT
próprio Partido dos Trabalhadores, por muito tempo tido como único exemplo de fato
de partido político do país, em sua real constituição jamais passou de uma grande
federação de grupos com ideologias e métodos bastante distintos entre si – prova maior
seja o governo federal, nas fases centralizadoras.A atual conjuntura, ao que tudo indica,
dos governadores na política nacional ainda seja muito grande, na medida em que se
Legislativo, não parece que com isso exerçam algum tipo de “poder moderador”.
forte centralização tributária e administrativa por parte do governo federal, a qual fora
força de que o domínio dos recursos tributários pelos estados e municípios permitiria
avançar sobre o outro pilar de sustentação dos trabalhos constitucionais, qual seja, o
a descentralização fiscal e criar recursos adicionais para atender à expansão das políticas
entanto, demonstra que se está bastante longe de cumprir o espírito que marcou a
discussão dos trabalhos constitucionais. O resgate da dívida social ainda está longe de
pelos constituintes. Não se pode negar que a descentralização avançou bastante desde a
com o descontrole das contas públicas, a reagir contra a perda de recursos e a promover
343
TP Almeida (1996) assinala a forte influência que os processos de descentralização e crise fiscal –
PT
presentes no contexto dos anos 80 – exerceram na transformação do sistema federativo. Segundo a autora,
a descentralização deveria implicar a transferência de competências e atribuições de outras esferas para os
municípios, “instância em que se supunha ser mais fácil o controle democrático exercido pelos cidadãos”.
344
TP Sobre questões relacionadas aos estados e municípios após a Constituição de 88, ver, entre outros,
PT
Nazareth (2005), Prado (2001 e 2003), Silva (2003), Afonso e Araújo (2001), Santos e Mattos (2006).
319
hoje justamente quanto que dos problemas brasileiros se deriva de uma crise na
Federação.
32% do total dos tributos e ficavam com 43% da receita tributária nacional, após a
previdenciárias. Quanto aos gastos, eram então responsáveis por 62% da folha de
pagamento dos servidores públicos em atividade, 71% dos outros custeios e 78% dos
capital fixo do governo central e dos 27 estados, enquanto que a presença do governo
federal se fazia dominante nas transferências a pessoas e gastos com os juros da dívida
pública.
satisfatório das demandas sociais, o que tem resultado no agravamento das tensões no
decisivo na receita federal e respondeu, em 2000, por 36,4% do total da carga tributária
(em 1990 esse valor alcançava 30,1%) e tornou-se o fator responsável por elevar a
tributária disponível em 1990 era de 57,1% e cresceu para 59,2% em 2004, enquanto
expandiu de 3% do PIB em 1990 para 5% do PIB em 2004 e que aumentou seu peso na
Além disso, é importante mencionar que outros fatores contribuíram para que
DRU, Desvinculação das Receitas da União), desvinculando 20% das receitas das
emergencial, ganhou caráter perene e contribuiu para ampliar o domínio federal sobre
municípios assumindo maior peso no atendimento das demandas sociais e no valor dos
gastos totais. De outro, observa-se que vários municípios vivem uma conjuntura de
crescente demanda de serviços que recaem sobre eles. A situação é muito evidente
sobretudo nas unidades de maior porte e nas capitais, onde se concentram parcelas
substanciais da população e que foram as que mais sofreram com o quadro recente da
economia brasileira. É importante notar que, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, este
metropolização tem levado a que os municípios menores – muitas vezes com condições
sociais fundamentais, como saúde e educação, aos municípios que compõem o núcleo
322
central da Região Metropolitana, com implicações sobre a qualidade dos serviços, dado
serviços maior do que o número de seus habitantes, sem que tenham qualquer
contrapartida financeira.
encaminhadas nas áreas sociais. 345 O enfrentamento individual das questões de caráter
TP F FP T
dificuldades financeiras hoje existentes. Neste contexto, é válido pensar nas regiões
devem procurar soluções também compartilhadas para tais questões. Parece claro, por
conseguinte, que o caminho mais seguro a ser trilhado pela sociedade brasileira no
345
TP Para uma discussão concreta sobre as questões envolvendo o compartilhamento de serviços públicos
PT
por habitantes de diferentes municípios de uma mesma Região Metropolitana, no caso a de Campinas, ver
Lopreato e Paiva (2001).
323
angústia gerado pelas incertezas” que pairavam, naquele já longínquo ano de 1992 (data
passaria o mundo nesses últimos quinze anos – um piscar de olhos em termos históricos.
vitória dos Estados Unidos na guerra fria e consolidaria a posição desta última nação
como única hiper-potência global; a completa integração dos países da Europa, que se
Parlamento Europeu e a Constituição Européia (esta ainda inconclusa); por último, mas
escala) à condição, cada vez mais concreta, de potências globais, crescendo já há vários
anos a taxas próximas ou iguais a 10%, detendo arsenais nucleares e uma população
346
TP Este pequeno trecho da obra universal de Lewis Carrol, de simbolismo ímpar, foi utilizado, ao que
PT
consta, pelo menos outra vez na ciência social brasileira. É com ele que L. A. Costa Pinto, importante
sociólogo do desenvolvimento, com vasta obra publicada nas décadas de 1950 e 1960, hoje virtualmente
ignorado, abre o Capítulo 2 de Desenvolvimento Econômico e Transição Social (Instituto de Ciências
Sociais, Universidade do Brasil, 1967, 1ª. edição).
324
conjunta de quase 2,5 bilhões de habitantes. 347 Permeando esse quadro de radicais
TP F FP T
assistida ao vivo, em rádio e televisão, por todo o país, o Congresso Nacional aprovou,
por ampla maioria, a abertura de processo de impedimento contra ele, por crime de
sucessão de Juscelino Kubitschek, quase três décadas antes, Collor de Mello assumiria o
país, a 15 de março de 1990, num contexto de aguda crise econômica, com a inflação
período 1930-80 exigiam para os propósitos desta tese, os quais se tentou empregar,
ainda que em vão, no Capítulo III, propõe-se retomar o fio da história, de maneira a
347
TP A Índia ainda é, a rigor, uma potência regional. Para uma análise detalhada da evolução do quadro
PT
geopolítico mundial, ver Fiori, J. L., “O poder global dos Estados Unidos: formação, expansão e limites”,
in O Poder Americano, Editora Vozes, Petrópolis, 2004. Para um exame do processo de desenvolvimento
recente da China, ver Medeiros, C.A., A China como um duplo pólo na economia mundial e a
recentralização da economia asiática”, Texto para Discussão IE/UFRJ, 2006.
325
80; feito isto, estar-se-á na mesma perspectiva em que Furtado estivera quando escreveu
a pequena e substantiva obra que inspira o presente capítulo. Isto, conforme se espera
nacional, não estava (apenas) constatando algo ocorrido, mas principalmente antevendo
Baptista Figueiredo, que sucedera Ernesto Geisel em 1979 e cujo mandato terminaria
em 1985. Figueiredo houvera sido um membro destacado do regime desde seu início,
quando, recém promovido a coronel, fora designado para chefiar o Serviço Nacional de
Informações no Rio de Janeiro, e, dois anos depois (1966), comandar a Força Pública do
Estado de São Paulo. Em 1969, alcançaria o generalato, sendo então convidado por
Emílio G. Médici, então comandante do III Exército, a ocupar a chefia de seu Estado-
Couto e Silva. Escolhido pelo próprio Geisel para sucedê-lo, num processo que geraria
348
TP Os setores da “linha-dura” ligados ao ministro do Exército, general Sílvio Frota, que disputava a
PT
indicação, opunham resistência ao nome de Figueiredo, que, ademais, fora promovido a general-de-
divisão havia pouco tempo, estando naquela ocasião, em tese, distante da conquista imediata da quarta
estrela (a patente de general-de-exército, o topo da hierarquia militar), considerada indispensável para o
acesso à presidência da República. Após sucessivos choques no relacionamento entre o ministro do
326
mantendo sob seu estrito controle esse processo. Em agosto de 1979, foi sancionada a
Lei nº. 6.683, anistiando todos os cidadãos punidos por atos de exceção desde 9 de abril
simplesmente destituídos dos seus empregos, a Lei de Anistia beneficiou quase cinco
18 meses, de novos partidos, que deveriam montar diretórios em, pelo menos, 1/5 dos
diretas para os governos estaduais, e extinguia a figura do senador eleito por via
total de votos. 350 Além disso, proibiu-se a coligação de partidos, em qualquer nível.
TP F FP T
Estado, o quadro da abertura teve influência no sentido de uma retomada das atividades
Exército e o presidente da República, Geisel destituiria Frota, em outubro de 1977. Figueiredo seria
promovido em março de 1978, quando sua indicação já fora anunciada.
349
TP Com a extinção do bipartidarismo, as novas forças políticas começaram a constituir-se. A maior parte
PT
dos antigos emedebistas filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sob a
presidência do deputado paulista Ulysses Guimarães. Dissidentes da antiga Arena, com o senador
emedebista Tancredo Neves, criaram o Partido Popular (PP), que tinha como presidente de honra o
senador arenista Magalhães Pinto. O líder sindicalista Luís Inácio da Silva, o Lula, com o apoio de
intelectuais, grupos socialistas e de algumas correntes ligadas às comunidades eclesiais de base, fundou o
Partido dos Trabalhadores (PT). A ex-Arena, acrescida de políticos oriundos do antigo MDB, passou a
chamar-se Partido Democrático Social (PDS), presidido pelo senador José Sarney. Dois grupos, liderados
pelo ex-governador gaúcho Leonel Brizola e pela ex-deputada Ivete Vargas, disputavam a sigla do antigo
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em maio de 1980,
favoreceu Ivete, levando Brizola a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT), completando assim o
espectro partidário que se manteria até fevereiro de 1982, quando o PP se integra ao PMDB.
350
TP O eleitor seria obrigado a sufragar a chapa integral de um único partido para os cargos de governador,
PT
senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador. Qualquer discrepância - um voto sequer
em candidato de outro partido - implicaria a anulação.
327
das oposições, marcam sem dúvida uma derrota da qual o regime militar não se
recuperaria. A partir das vitórias do PMDB em estados como São Paulo, com Franco
Montoro, Minas Gerais, com Tancredo Neves, Paraná, com José Richa, e de Leonel
política e popular, que atingiria seu auge em 1984, quando grandes cidades, como Rio e
piores crises da história republicana. Após registrar em seus dois primeiros anos taxas
porém a uma violenta elevação dos níveis de inflação (77% e 110%, respectivamente,
frente a um índice de 41% em 1978, e a uma média de 38% entre 1974 e 1978), a
durante o ano de 1981, quando a alta taxa de inflação (95%) e o aumento dos
351
TP No total, a oposição conquistou 10 dos 22 em disputa, e obteve maioria na Câmara. O PDS manteve
PT
seu controle sobre o Senado e, com os 12 governos estaduais conquistados, garantiu a maioria governista
no Colégio Eleitoral encarregado de escolher o sucessor de Figueiredo. O Colégio Eleitoral era
constituído de todos os integrantes do Congresso, mais seis deputados de cada Assembléia Legislativa
indicados pelo partido majoritário.
328
PIB real despencaria 4,3% naquele ano) 352 , caracterizando a entrada do país em um
TPF FPT
período de estagflação, que perduraria até 1983. Neste ano, o PIB declinaria quase 3%,
Tomando por base o ano de 1980 (isto é, construindo uma série de números-índice com
1980=100), a renda real per capita, em 1983, havia se reduzido em praticamente 13%.
Nacional, e que constavam da primeira (de um total de sete) carta de intenções enviada
da dívida externa. 354 Em 1983, o governo conseguiria negociar novo empréstimo junto
TPF FP T
salários fossem reajustados de acordo com índices inferiores aos da inflação. Isto seria
352
TP Modiano (1997, p. 327) salienta que a “escalada das taxas de juros internacionais de quase 4 pontos
PT
percentuais em 1981 adicionou (...) cerca de US$ 3 bilhões ao pagamento dos juros da dívida externa, que
absorvia então 40% das receitas de exportação”. Naquele ano, o PIB industrial teria uma queda de cerca
de 10%, puxada pelas retrações de 26% e de 19% nos segmentos de bens de consumo duráveis e de bens
de capital, respectivamente.
353
TP PT Entre os meses de março e novembro, o cruzeiro foi desvalorizado em cerca de 140%.
354
TP Dois fatos importantes ocorridos entre 1981 e 1982 devem ser mencionados. Primeiro, a
PT
Decreto nº. 2.065, pelo qual se tentou implementar a desindexação salarial. 355 TP F FP T
puxada principalmente por uma forte demanda de exportações, o PIB real registrou
Aliança Democrática, formada pelo PMDB e pela Frente Liberal, 356 com a chapa TPF FP T
Tancredo Neves - José Sarney, vence as eleições indiretas com uma votação mais de
Nova República, termo cunhado por Tancredo em campanha, que daria início ao
355
TP Para detalhes sobre a política salarial do regime militar, e do governo Figueiredo em particular, ver
PT
Sabóia, J., “Política salarial e distribuição de renda: 25 anos de desencontros, in Distribuição de renda no
Brasil, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2000.
356
TP Constituída por significativa dissidência do PDS. Despontavam, entre suas principais lideranças,
PT
Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel e Aureliano Chaves (este o vice-presidente da República).
357
TP Pretendeu-se aqui apenas traçar as linhas gerais do ciclo final do regime militar. Sugere-se, a título de
PT
particular a influência de Ulysses Guimarães como seu presidente, a transição não seria
herdeiro de Vargas 358 , mas sim por um elemento saído do regime, oriundo do
TP F FP T
estamento oligárquico nordestino, com raízes políticas (na antiga UDN) antitéticas às de
Tancredo.
De todo modo, como presidente, não há margem a dúvida, José Sarney viria a
referida, o primeiro (que no curso da história acabaria por ser o único) governo da Nova
popular e social em sua elaboração, reforçou os laços federativos e ampliou poderes nas
358
TP Como se sabe, Tancredo fora Ministro da Justiça no segundo governo Vargas. No sepultamento deste,
PT
em sua terra natal, São Borja (RS), pronunciou violento discurso contra o novo governo chefiado por
Café Filho e as forças políticas que haviam levado ao suicídio de Vargas.
359
TP Para a análise política do governo Sarney, veja-se Vianna, L. W., A Transição – da Constituinte à
PT T
Sucessão Presidencial, Editora Revan, Rio de Janeiro, 1989; e Santos, W. G., “A Pós-Revolução
Brasileira”, in Jaguaribe, H. et al., Brasil, Sociedade Democrática, José Olympio, Rio de Janeiro, 1985.
T
331
assim como a universalidade dos benefícios para os que contribuam ou não, além de
beneficiar onze milhões de aposentados, espoliados em seus proventos”. 360 TPF FPT
estabilidade), por outro lado, os resultados foram, sem dúvida, muito fracos. 361 Os TPF FPT
inflação; medida pelo IGP-DI, a taxa média do período superou 470%. A economia
puxadas pelas vigorosas expansões de demanda que se seguiram aos Planos Cruzado e
sucedâneos, que, no entanto, não tiveram sustentabilidade. De todo modo, graças a esse
episódico crescimento, a renda per capita se recuperaria aos níveis de 1980. Mais ainda,
base em 1984), a renda por habitante registraria aumento real de 12%, incluindo o
crescimento de 1984 (ou seja, levando a base do índice para 1983), tal aumento teria
sido superior a 15%. Um valor modesto, sem dúvida, em especial se comparado com a
média histórica anterior, mas certamente muito melhor que a estagnação resultante da
Assim, uma conclusão que emerge, mesmo após uma exposição superficial
como a apresentada, é a de que o decênio 1980-89 não foi exatamente uma “década
360
TP Ulysses Guimarães, discurso de promulgação da Constituição na Câmara dos Deputados, Brasília, 5
PT
de outubro de 1988.
361
TP Para o estudo da política econômica no governo Sarney, ver Carneiro, R. (org.), A Política Econômica
PT
da Nova República, Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1986, e Teixeira (1994); para a questão inflacionária, ver
Arida, P. (org.), Inflação Zero – Brasil, Argentina e Israel, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986; para o
problema da dívida, ver Velloso, J. P. R. (org.), Dívida Externa e Desenvolvimento, Rio de Janeiro: José
Olympio, 1990.
362
TP A maior parte da literatura converge ao identificar, como justificativa principal desses fracassos, a
PT
crise fiscal e financeira do setor público. Esta, por sua vez, tinha como raízes um enfraquecimento da
capacidade tributária do Estado (conforme visto no Capítulo IV) e o crescimento da dívida pública
externa, que se refletia no crescimento da dívida interna.
332
perdida”; este adjetivo talvez seja apropriado para qualificar sua primeira metade. A
metade seguinte, no entanto, conseguiu produzir algum crescimento (ainda que aos
solidamente enraizada, com uma Carta Constitucional que, pela primeira vez na história
real”, para utilizar uma expressão de Oliveira Vianna. Tratar esses dois períodos de
presidência. 363 Importa mais observar a inflexão que seu governo representa do ponto
TP F FP T
Dadas a prolongada crise por que vinha passando o país desde o início do
363
TP Para a análise política do período, ver Vianna, L. W., De um Plano Collor a Outro: Estudo de
PT T
conjuntura, Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991. Na economia, ver, sobre o Plano Collor, Faro, C. (org.),
Plano Collor: avaliação e perspectivas, Revista Brasileira de Economia, edição especial, v. 44, jan. 1991.
Sobre a política econômica e social, ver Tavares et al. (orgs.), Aquarella do Brasil, Rio de Janeiro: Rio
Fundo Ed, 1990; e Teixeira (1994).
333
descontinuidade em seus quase três anos de existência, o mesmo não ocorreu com sua
estratégia de longo prazo”, estratégia esta baseada nos pilares neoliberais: redução do
1994, pp.130-131).
anos mais tarde, quando Fernando Henrique Cardoso elege-se presidente da República.
À diferença de Collor de Mello, que se elegera por um partido “nanico”, legenda criada
para abrigar sua candidatura, uma aventura que viria a se tornar realidade, o governo
Fernando Henrique chegaria à presidência amparado por uma sólida aliança eleitoral e
política entre seu partido, o PSDB, e o PFL (além de outros partidos médios e
pequenos), gozando ainda de um grande prestígio popular, por ter sido, quando Ministro
364
TP O “Consenso de Washington” era um conjunto de medidas - composto de dez regras básicas -,
PT
discurso que ficou famoso (Filosofia e Diretrizes de Governo) 365 em que anunciava TP F FP T
“um acerto de contas com o passado”, que se traduziria pelo fim da Era Vargas. Esta era
apresentada como “um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca[va] o
problemas conjunturais da crise econômica dos anos 80 (“a ressaca dos choques do
necessariamente, por uma reforma do Estado e por “um novo modo de inserção do País
nessa “nova” agenda que viria a ser predominante – até mesmo em função da
pretendia enterrar, mas sim para dotar o mercado de condições para realizar as
365
TP PT Disponível no sítio eletrônico da presidência (www.planalto.gov.br).
335
“novo ciclo” deveria ser precedido, então, “Pela remoção, da Carta de 88, dos nós que
econômico dos anos 90 e vem até os dias atuais, de reformas para um “novo ciclo” de
Assinale-se, antes de mais nada, seu ponto de partida: a Revolução de 1930, que
Capítulo III, o processo mediante o qual ocorre essa mudança de paradigma se dá por
uma nova correlação de forças sociais, pela reformulação do aparelho e da ação estatal,
que teria tido um duplo significado (Oliveira, 1981). De um lado, de destruição das
problemas internos por que passava a economia cafeeira, a política econômica dos
primeiros anos da década pautou-se de imediato por combater a crise. Depois de 1933,
do setor exportador com a existência de capacidade ociosa acumulada nos anos 1920, e
institucionalizado pela Constituição outorgada naquele mesmo dia, não apenas abortaria
para uma (precária) base industrial, as maiores fontes de receita pública 366 . Como foi
TP F FP T
discutido (no Capítulo III), tais políticas expressavam respostas do governo às pressões
do empresariado, o qual, desde o começo dos anos 30, vinha, através de suas
momento, à lei tarifária de 34. A partir de 37, a formulação da política tarifária foi
366
TP PT Conforme analisado no Capítulo IV.
338
marcadamente nacionalista na concepção de certos setores estratégicos 368 . O Estado TPF FPT
a expansão deste último. Claro está, o fez a um preço elevado: a perda de autonomia da
história republicana, como no regime do Ato Institucional nº. 5, em 1969, e que só viria
baseado na aceleração do crescimento industrial, seria retomado ao longo dos anos 50,
que vai de 1951 a 1954; nesta etapa, conforme Carlos Lessa, teriam sido lançadas as
essas duas etapas, se situa um período de transição, marcado por tentativas frustradas de
367
TP Além, evidentemente, como enfatizado em capítulos anteriores, do Código Tarifário e do sistema
PT
nacionalização das minas, dos recursos energéticos e das indústrias consideradas básicas ou essenciais à
defesa econômica ou militar da nação.
339
duplo objetivo: primeiro, isolar as decisões de caráter técnico das ingerências do mundo
ausência de bases fiscais e financeiras sólidas, tanto no setor público quanto no privado,
estaduais, adotava-se uma estratégia de “fuga para frente”, que seria viabilizada a partir
realizada pela política econômica na medida em que políticas monetária, fiscal, cambial,
caso das empresas privadas. Quanto ao fundo público, este também se beneficiava de
não se deve perder de vista, por fim, a sistemática emissão monetária pelo Tesouro
Esse processo, como foi visto, foi duramente criticado, em diversos momentos: ao longo
Octavio Gouvêa de Bulhões 369 ); no regime militar, por homens como Antonio Delfim
TP F FP T
Neto e Mário Henrique Simonsen; e nos anos 90, 370 quando as críticas seriam TP F FPT
do neoliberalismo, e que, não por acaso, foi um destacado membro da equipe econômica
369
TP PT Havia também críticas de grupos à esquerda, contrários à presença de indústrias multinacionais.
370
TP A década de 1990, em particular nos anos governo Fernando Henrique Cardoso, a questão da
PT
estabilidade monetária dominaria todos os demais temas da agenda econômica, conforme será explorado
mais adiante.
342
estruturalistas, Celso Furtado em primeiro lugar, reconhecem esses custos. Ocorre que:
a região mais pobre do país transferia para a mais rica – esta, em processo
de rápida industrialização – o recurso econômico mais escasso e mais
estratégico do ponto de vista do desenvolvimento econômico: a capacidade
para importar. (...) [Além disso,] o salário pago à massa da população
trabalhadora não acompanhava o aumento da produtividade nas atividades
industriais, em razão da formidável reserva de mão-de-obra disponível nas
regiões mais pobres (...).
Mais ainda:
371
TP O que não chega a constituir surpresa para quem, por ofício, é obrigado a acompanhar a literatura
PT
a ter nos anos 90, com todas as suas conseqüências negativas sobre as demais variáveis
“determinação impronunciável” (sic), o que pode ser feito, de resto, com a recuperação
instala a partir do golpe de 1964. Sobre este período, importa observar que, no novo
receitas. Neste sentido, o conjunto das reformas, sem dúvida, conferiu uma forma mais
formação do fundo público. A partir de 1971, este contou, também, com o Programa de
aumento de margens foi ainda favorecido pela política de comércio exterior que, entre
exportações. 373 Finalmente, com relação ao fundo externo, houve nesse período
TP F FP T
período 1968-73, mais que um “milagre econômico”, deve ser percebida como uma
atingidas são explicadas pelo enorme hiato existente, em 1967, entre o PNB potencial e
1962 até 1967 (Bacha, 1976). Assim, quando a utilização plena da capacidade instalada
choque do petróleo, quando o quadro externo favorável foi desfeito e, também, quando
rapidamente.
viabilizado entre 1976 e 1980, sob a égide do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND). A partir de 1976 o governo praticou uma política de aumento do diferencial entre
do lucro proveniente da atividade exportadora, até a isenção do pagamento de impostos indiretos para os
produtos exportados. Implantou-se o regime de “drawback”, que isenta o pagamento de impostos e taxas
vinculadas às importações de bens utilizados em projetos voltados para a exportação.
346
monetária. Este processo, que ficou conhecido como “ciranda financeira”, vinculava,
então, a dívida pública interna à dívida externa, cuja estatização cresceu a passos largos
estatais foi levado adiante e os desequilíbrios externos puderam ser financiados (dir-se-
ocorreu a reversão do ciclo de liquidez internacional na virada dos anos 1970 para os
anos 1980, o arranjo financeiro adotado perdeu sua funcionalidade para o crescimento
acertos, cujo fim é anunciado por Fernando Henrique Cardoso ao decretar o “fim da Era
constitui, em essência, a agenda de reformas que passa a ser, até os dias atuais,
submetida à sociedade como condição não apenas necessária, tampouco suficiente, mas
especial no que respeita a seu capítulo da Seguridade Social (CF, Título VIII, Capítulo
seus gastos sociais nos segmentos “realmente pobres”. Assim, a reforma previdenciária,
salário mínimo; a adoção, por parte do INSS, do princípio da idade mínima de 55 anos
eliminação dos regimes especiais dos professores e dos empregados do meio rural; a
idade de elegibilidade da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) para 70 anos. 374 TP F FP T
Constituição não consagrou um capítulo à Seguridade por índole generosa. Ela o fez por
questões de justiça social, porque este era o elemento primordial de vontade que estava
notório que a evolução, nos últimos anos, do sistema tributário se deu no sentido de
participação na renda nacional. Note-se, porém, que isto ocorreu muito mais como
é a apropriação, pelo Executivo federal, via mecanismos como a DRU, de recursos que
o superávit primário e, em última instância, pagar juros da dívida pública. Neste sentido,
374
TP IPEA, Diretoria de Estudos Macroeconômicos, Uma agenda para o crescimento econômico e a
PT
redução da pobreza, Texto para Discussão nº. 1234, Rio de Janeiro, 2006.
375
TP Não se trata aqui de negar que haja espaço para aperfeiçoamentos na gestão da Previdência. O que não
PT
se perder de vista, é, reafirme-se, o caráter distributivo e universal que a Constituição de 1988 destinou à
Seguridade. Para o aprofundamento dessas questões, ver Gentil (2006).
348
ao invés de uma reforma ampla e de resultados incertos, parece muito mais razoável
progressividade do sistema.
CLT. A reforma do Judiciário é apresentada como necessária por ser este poder um
invés de se dedicarem à sua função precípua, isto é, “garantir o cumprimento das leis e
que o seu papel principal (...) [é] o de fazer justiça social”. 376 TP F FP T
A agenda de reformas não se esgota aí. Importa ressaltar, contudo, seu caráter
1930 e 1980, fosse pela via autoritária, fosse por atalhos ao mundo da política,
conduzir o país à via da modernização – esta vista como o único caminho para a
Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. Para uma crítica contundente e fundamentada a essa visão, ver Dell´Orto,
T
portanto devem sempre obedecer à sua lógica (isto é, devem ser “market friendly”).
Como palavras finais, afirme-se que a presente tese pretende constituir, dentro
“modernizante”. E que, neste sentido, observa-se com vivo interesse uma reanimação
interrompida. Pois como Celso Furtado ensinou, a História ainda não terminou, e
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