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Arrisque mais
Apostar nas suas escolhas, sem medo de se machucar,
ajuda a descobrir o caminho para a felicidade e a satisfação. PAG.22
{J rfs's~iÊ RANo Q
A RO MA T HERAPV
APRESENTA
CYfw~ia:
{Ieglu:dt/ de 6effú-e<Jh~
A Tisserand Aromatherapy, referência em Aromaterapia, chegou
ao Brasil em 2012. Desde então a marca trouxe ao país todo know-
how já reconhecido na Europa. Em outubro, Robert Tisserand,
maior autoridade no segmento veio ao Brasil para comandar
o I Simpósio Internacional de Aromaterapia e Bem-Estar.
,
pag.4o
A onda gourmet transformou
o sabor original em opções
esnobes e um tanto exageradas
FOToDulla
CARTA AO LE ITOR
Diretor-Superintendente:
Edgardo Martolio
Diretores Corporativos:
Marketing: luis Fernando Maluf (Noros negócios.
pl<~taromltlS multimídiB c drculação)
Editorial: Claud io Gurmindo (Nucloo C•lebridades)
"MÃE, CADÊ o BAND-AID?". Essa é uma frase que ouço mui- Diretores Executivos:
Internet e MídiaOigital: Alan Fonterecchla
to em casa. E a verdade é que os maiores consumidores dos Tl: Cícero Brandão
Arte: André Luiz Pereira da Slh·a
curativos para machucados (pelo menos na minha casa)
Diretores:
são as crianças. Elas caem o tempo todo, se machucam, se Publkidade: Itália Marmio rl (RJ). ri!mando l.romll (N<idoo
Celebridades). Maria Rosário Pires (Nucloo Novos Leitores)
arranham e continuam a brincar. Para o meu filho Lucas, e Raquel Ezequiel (Nucloo Saber.IJem-Estar & Mulher)
que acaba de completar 6 anos de vida, basta colocar o tal Markcting Publicitário c Eventos: Luciana lordào
Escritório Rio de Janeiro: Claudio Uchoa
curativo que está tudo resolvido. Já Clara adora ostentá-lo Arte: Klka Gianesi (Núcleo Novos Leitores)
I f.~
Ana Holanda, Outras revistas Aventuras ne 1-ilstórla, Bons Fluidos. Caras. Manequim. Máx ima.
editora Minha Casa. Minha NO\tlm, Rtcreio. Sou M1is Eu!t Vin ,.tais
Editor Responsável: Wardi Awada
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@ IDEIAS PARA AL I M E NTAR O ESPÍRITO E MUDAR O MUNDO eo1çÃo Débora Zanelato
O palco
de todo dia
Fotóg rafa retrata a cidade em um
movimento diferente: o da dança
@
Fiscalize
a cidade
A CALÇADA está esbu-
racada, falta faixa de
pedestres ou o semáforo
quebrou? Este aplicativo
perm ite que os cidadãos
reportem os problemas de
s uas cidades e acompa-
nhem o caso até que sejam
resolvidos pelas autorida-
des. A plataforma Mobilize
- Cidadera lança a ocorrên-
cia em um mapa do Google
deixando a reclamação
disponível para acesso
público e e nca minha as
reclamações às prefeituras
de cada município. - oz
Um desenho pela paz
MOBILIZE- CIDADERA
Crianças na fai xa de Gaza pi nta m sobre o que esperam do futu ro da reg ião
mobilize.orq.br/mobilize-se
e reve lam sonhos de leva r uma vida normal e, principalmente, sem medo
estimação por um tempo, com carinho e ate nção. Fofo! - CAROLINA BERGIER
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Artista da
natureza
Jair criou um museu com
esculturas de animais utilizando lixo
dos rios da cidade onde vive
(f)
A louça
que não suja
ENFRENTAR A TE M IDA pia
cheia de pratos e copos
pode ganhar uma altern a-
t iva prática e sustentável.
Um est úd io de design
na Suécia inventou uma
louça que não precisa ser
lavada. Não é pegadinha:
um tipo de cera é utilizado
de forma que os utensílios
se tornem repelentes à
água, óleo e sujeira. Para
limpar a louça, bast a bat ê-
-la sobre o lixo. Economia
de tempo e também
de recursos como água e
sabão. O planeta também
Coragem invisível f ica f eliz.- oz
Artista f rancês reúne fotos de casais gays t iradas entre 1900 e 1960,
I NVENTIA
reve lando o amor e a liberdade antes da revolução sexual
bit.ly/ 1A09EYU
10 Vidasimples • FEVEREIR O 20 15
COM PARTILHE
@
Reduza
seu lixo
VOCÊ SERIA capaz de
não produzir mais lixo? A
americana Lauren Singer
comprometeu-se a dimi-
nuir e muito o próprio lixo.
Isso inclui não comprar
alimentos embalados
(prefere sempre à granel),
e também fabricar seu
próprio xampu, deter-
gente, pasta de dent e ou
desodorante. Ela defende:
"Não é difícil: o tempo
que você gastaria para
sair de casa e comprar
esses produtos é mais
do que suficiente para Entrevista com um estranho
fazê-los em casa". O que
Projeto conta, em vídeo, histórias de pessoas comuns que passam invisíveis
sobra é o lixo orgânico,
aos olhos cotidianos - mas que nos contam muito também sobre nós
enviado a um processo
que o t ransforma em
adubo. No site de Lauren
Q.. UM CAVALETE AMARELO COn - autoria com a jornalista Adriana Ne-
~ vida quem quiser sentar e con- greiros, apresenta, em vídeos, histó-
há receitas dos produtos
tar sua história. São pessoas comuns, rias de pessoas comuns, que se reve-
que ela mesma cria, além
estimuladas a falar sobre suas vidas lam interessantes simplesmente pelo
de alternativas para baixar
em fre nte à câmera. O que motivou que são. Nesses relatos, temos a chan-
a produção de lixo. - oz
a criação do projeto Fale com Estra- ce de perceber realidades sob outros
nhos foi "a ânsia que as pessoas têm olhares e, também, saber mais sobre
TRASHISFORTOSSERS
de se comunicar, colocar para fora o nÓS mesmos.- DÉBORA ZANELAT O
t rashisfortossers.com
que está latente. A carência de conta-
to real com outras pessoas", observa FALE COM ESTRANHOS
o designer Daniel Motta que, em co- facebook.com/falecomestranhos
LEITURA NA BICICLETA
Q\ A ESCOLA NORTE-AMERICANA Ward Elementary desenvolveu uma for-
\:?/ ma interessante de prevenir o excesso de peso entre as crianças e au-
mentar a concentração: colocar bicicletas ergométricas no lugar das cadeiras.
Em cinco anos do projeto Read and Ride, os alunos apresentaram melhora na
leitura e aumentaram o interesse por atividades físicas. Hoje a ideia de Read
and Ride já está presente em cerca de 30 escolas dos Estados Unidos.- so
Dentro do pote, o total de
lixo que Lauren produziu no
período de dois anos READ ANO RIDE I readandride.org
vida simples
apresenta
MITOS .!;_ JORNADAS
MITOS E JORNADAS é uma série de 12 textos sobre mitos no dia a dia e a importância desse tipo
de narrativa para compreendermos a nossa própria história. Essas jornadas nos ajudam a en-
tender com mais clareza medos e desafios.
A VIDA DOS DEUSES ANTIGOS podia ser eter- encalço da rival. Após o longo calvário, Leto
n a, mas nem sempre era fácil. Foi o que des- finalmente encontrou um esconderijo na ilha
cobriu a linda e sofredora Leto. Ela era uma de De los. Lá, deu à luz um casal de gêmeos:
deusa atípica: n ão fazia questão de ser ado- Ártemis, deusa da caça, e Apolo, deus de uma
rada e fugia aos olhares indiscretos. Alguns porção de coisas. A caçadora Ártemis era uma
a consideravam a deusa da modéstia; todos moça interessantíssima; mas o assunto hoje é
concordavam que era uma das divindades Apolo, então vamos a ele.
mais gentis e afáveis do panteão grego. Sua Os deuses crescem rápido: com quatro
beleza foi notada por Zeus, senhor do Olimpo. dias de vida, Apolo já tinha estatura e porte de
E os avanços do rei do mundo não a desgos- adulto. Sentia pela mãe uma devoção fanáti-
taram. Mas ela pagou caro por seu ajfair com ca, mas não herdara suas qualidades e logo se
a realeza. Acontece que Zeus era casado- e revelou o mais vaidoso de todos os imortais.
sua esposa, Hera, vivia enraivecida pelas es- Tinha temperamento terrível e jamais perdo-
capadas do marido. Como não podia se vin- ava uma ofensa. Na sua primeira semana de
gar d ele, descontava nas amantes. Ao saber vida, ganhou de Hefesto, o armeiro dos deu-
que Leto estava grávida, Hera lançou um de- ses, flechas e um arco de prata. E saiu pelo
creto proibindo qualquer um de acolhê-la ou mundo matando gente. A chacina não era ale-
ajudá-la. Por nove meses, Leto vagou. E, por atória: as primeiras vítimas foram os mortais
medo de Hera, ninguém lhe ofereceu sequer que haviam negado ajuda à sua querida mãe.
um travesseiro para descansar. Para comple- "Mas estávamos seguindo as ordens de Hera!",
tar, a rainha do Olimpo colocou um dragão no suplicavam alguns. Em seu rastro, Apolo
deixou uma trilha de cadáveres. Todos os nas profundezas da Terra; m as a doce Leto su-
gregos passaram a temer suas flechas invisí- plicou, prometendo que o menino tomaria jei-
veis e lhe deram o apelido de "o deus que fere to. Zeus ordenou que o garoto-problema tra-
de longe". Quando alguém tombava por uma balhasse por um ano como pastor a serviço de
morte súbita, ou quando uma doença miste- um reles mortal, o rei Admeto de Terae.
riosa dizimava humanos ou animais, não ha- Dizem que o campo tem efeitos terapêuti-
via dúvidas: o filho de Leto estava disparando cos; o mito comprova que, ao menos, tem efei-
seus dardos. É exatamente o que acontece nas tos didáticos. Cuidando de ovelhas, Apolo te-
primeiras páginas da Ilíada. O exército grego, ve tempo de sobra para meditar. E aprendeu
durante o cerco de Troia, profanara um tem- sua lição: mesmo na vida de um deus, tudo
plo de Apolo e ofendera seu sacerdote. A pu- deve ter um limite; a grandeza sem fronteiras
nição veio rápida, em uma das passagens mais é barbárie, loucura ou simples desperdício de
arrepiantes da obra de Homero : "Lá do alto, energia. O próprio Zeus, embora rei dos deu-
Apolo veio voando, semelhante à noite, em di- ses, não era todo-poderoso; acima dele, esta-
reção ao acampamento grego. Com um ruí- va Moira, a misteriosa deusa do destino; e en-
do sinistro, o arco prateado liberou as flechas; volve ndo todas as coisas do universo, pairava
o deus alvejou primeiro as mulas, depois os a primeira de todas as divindades, a única re-
cães, depois os homens. E, ao longo da praia, almente ilim itada: o Caos. Por que devería-
aspiras fúnebres crepitaram inumeráveis". mos odiar nossos limites, se são eles que nos
O enfezado Apolo inspirava temor em to- dão forma? Uma estátua só é bela porque a
dos, mas isso não era o bastante. Sua vaida- mão do escultor impôs certo limite à rocha; o
de continuava a atormentá-lo: ele queria al- barulho só se transforma em música quando
go mais, embora não soubesse exatamente um acorde molda os sons. Cumprida a pena,
o quê. Talvez para contrabalançar sua repu- Apolo retornou mudado. Em vez de maquinar
tação assassina, resolveu aprender música. planos mirabolantes, resolveu dedicar a eter-
Procurou, nas profundezas de um bosque, o nidade às artes: virou o deus da música, da po-
recluso deus Pã, hábil tocador de flauta. Ao esia e de todas as criações humanas que, de
contrário de Apolo, Pã não tinha grandes am- alguma forma, embelezam a face caótica do
bições. De bom grado, ensinou tudo o que sa- mundo. Para encerrar os excessos de su a ju-
bia e o discípulo igualou o mestre. Apolo, afi- ventude, ele mandou inscrever no mármore
nal de contas, não era vaidoso à toa: além de de seu grande templo, em Delfos, duas frases
bonito, seus talentos eram infinitos. Tornou- que os gregos não esqueceriam: "Nada em ex-
-se o melhor harpista do mundo; nos banque- cesso" e "Conhece-te a ti mesmo".
tes dos deuses, ele esquecia sua irritação qua-
se constante e dedilhava a lira com gestos flui-
dos, despertando delicadíssimas emoções. O padroeiro nacional dos antigos romanos era
Essas distrações musicais, contudo, não Ares ou Marte, o deus da guerra; já entre os
domaram sua tendência por ambições ex- gregos, o deus favorito era o formoso Apolo.
cessivas. Logo teve uma ideia que, hoje, está Para eles, o dândi sanguinário, que domou a
um tanto desgastada por histórias em quadri- si mesmo com a força da arte, e ncarnava to-
nhos e desenhos animados: que tal dominar das as ambiguidades da civilização, esse con-
o mundo? Apolo, que se considerava o her- ceito complicado que reúne medidas iguais de
deiro natural de Zeus, resolveu apressar um esperança e de mal-estar.
pouco a sucessão. Os deuses olímpicos forma- A existência, todos sabemos, tem um la-
vam uma família um tanto disfuncional, e lo- do sombrio; nada nos garante que o universo
go o jovem estava encabeçando uma conspi- em que vivemos não seja um mero instante de
ração de parentes contra o chefe do clã. Mas harmonia entre duas eternidades de caos. E o
a rebelião falhou e o líder dos insurgentes re- que é um indivíduo, se não uma combinação
cebeu uma punição. Zeus, a princípio, ame- talvez casual de traços, gostos e memórias, fa-
açou tranca fiá-lo no Tártaro, sombria região dada a se desfazer mais cedo ou mais tarde
e, quem sabe, voltar para o nada? Apolo sabe brisse com um véu de beleza a sua própria es-
disso, mas tem um conselho para nos afastar sência", escreveu Nietzsche em O Nascimento
do desespero: não devemos ignorar as som- da Tragédia. " Eis o verdadeiro desígnio artís-
bras, mas tampouco deixar que elas dominem tico de Apolo: sob seu nome reunimos todas
nossas vidas. Se o caos nos gerou e nos aguar- aquelas inumeráveis ilusões da bela aparê n-
da, devemos aproveitar este instante, esta vi- cia que, de algum modo, tornam a existência
da, para criar o nosso próprio mundo - mesmo digna de ser vivida". Apolo é o deus da ilusão
sabendo que ele está condenado a desapare- lúcida: por isso os artistas da antiguidade o
cer. O impulso em desafiar o cosmos desu- amavam tanto. Mas, embora portasse sempre
mano e lhe impor alguma forma, com a for- a harpa, jamais abandonou o arco. Nas está-
ça da imaginação, é o que o filósofo alemão tuas que o representam, o semblante sereno
Friedrich Nietzsche chamou de espírito apo- comporta sempre um sorriso de suave amea-
líneo. "Se pudéssemos imaginar uma encar- ça, como a dizer: há um fundo selvagem em
nação da dissonância - e que outra coisa é o toda harmonia humana; a beleza da vida te-
homem?- tal dissonância precisaria, a fim de rá sempre um vago gosto de morte; e, se hoje
poder viver, de uma ilusão magnífica que co- sou o deus da luz, é porque já olhei as trevas.
JOSÉ FRANCI SCO BOTELHO éjornalista, escritor e tradutor, autor da coletânea de contos A Ár-
vore que Falava Aramaico (Ed. Zouk) e mestre em Letras pela UFRGS. ODYR BERNARD I é quadri-
nista e publicou dois livros- Copacabana, com roteiro de Lobo, e Guadalupe, com Angélica Freitas.
Literatura tamanho P
Uma seleção de livros curtos e rápidos que
nos dão muito em poucas páginas
TEXTO Viviane Zandonadi
LIVRAR É DA NATUREZA dos livros bons, Luar", de Beethoven, executada ao piano pe-
aqueles que abrem passagem no labirinto la narradora da obra, Mária, quando ela dis-
particular e deixam no peito uma sen sação se que o romance acabou. Chovia na capital
de completude, de ir até o fim. Para domes- gaúcha, pouso autorizado. A lágrima insolen-
ticar conflitos internos há ainda os que var- te m olhou o papel e concordei com a citação
rem a falta de tempo e nos ajudam a tomar do dramaturgo russo Anton Tchekhov: o me-
fôlego para vencer a pilha empoeirada sobre lhor de um texto é o que não está escrito.
o criado-mudo. São os pequenos grandes li- Para a seleção que você confere a seguir,
vros. Sua vastidão está na capacidade de nos separei títulos de até 150 páginas, que me en-
dar muito em poucas páginas- pode ser na in- cheram de ânimo, inspiração e também vora-
sônia abismal, no trânsito, na sala de espera cidade. Mas como escolher é arbitrar, ao reco-
ou na poltrona macia ao lado da janela. Bolo mendá-los recorro a escritora Virgínia Woolf
perfumado no forno, pernas sob a manta azul, no ensaio Como Ler um Livro?: "O único con-
dia nublado, luminária na neblina. selho sobre leitura que uma pessoa pode dar a
Foi assim que atravessei as 115 folhas de outra é não aceitar conselho algum, seguir os
Morte em Veneza, de Thomas Mann, e as 93 pá- próprios instintos, usar o próprio bom senso e
ginas de Noturno Indiano, de Antonio Tabuc- tirar suas próprias conclusões. É o nosso gos-
chi. A caminho de Porto Alegre, m e debrucei to, o nervo sensorial que através de nós trans-
na obra 119 Palpitações de Felicidade Conjugal, mite choques, que mais nos ilumina; é pelo
de LevTolstói. Estava abstraída na "Sonata ao sentir que aprendemos".
L.EV ToiSfÓI
A MoRTE
OE IVAN \ L.ITCH
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"o ATLÂNTICO tem cor de asa de AO DESISTIR de um bar de jazz para NA ÚLTIMA LINHA do posfáci o, o tra-
pombo"; "O sol esmaga o mar, que escrever, nos anos 80 do século dutor Boris Schnaiderman escreve
mal respira, e o navio está carregado passado, o japonês Haruki Mu rakami que "esta novela nos torna mais in-
de gente silenciosa". "Os motoristas começou a correr. Consagrou-se na teligentes e mais humanos". Talvez a
brasi leiros querem chegar primeiro. literatura e virou também marato- morte seja, como acreditava o autor,
São alegres loucos ou frios sádicos." nista. Sem platitudes, fórmulas ou onipresente em nossos pensamen-
Essas são algumas das muitas im- frases de para-choque, neste livro tos e por isso o leitor mal consiga se
pressões do argelino Albert Camus, ele trat a de liberdade e foco, e no proteger do relato da vida vazia de
reunidas nos diários de duas viagens modo como a corrida interfere em um sujeit o pedante, que se enche de
à América do Norte (1946) e do Su l sua vida e melhora seu trabalho. dores físicas e morais. Somos todos
(1949). Ora rabugento, áspero ou de- Foi uma surpresa para mim- eu tomados pela análise da existência
pressivo, ora comovido e inspirado, não sacaria esse livro da estante se humana e do f im. Ninguém pretende
o autor do magnífico A Peste e do uma voz não me dissesse que ele estar no lugar de Ivan llitch, fiel aos
pouco extenso e bastante intenso ia além da prática do esporte. E vai. mais medíocres contratos sociais e
O Estrangeiro, se espanta, se entedia Ainda não abandonei o agasalho que adoece rodeado de afeto fingido.
e se comove em movimentos que o de sedentária, mas entendi que Mas todo mundo sabe que para
arrancam de si e levam-no a obser- escrever é, em parte, correr com as morrer basta estar vivo e se vê na
var o tempo e as pessoas ao redor. palavras. Pela primeira vez, porém, agonia e na dúvida. Por que gasta-
Suas anotações são estudos de estou pensando em usar os pés. mos tanta munição em insignifi-
narrador que pinta com as palavras. câncias, quando ainda não é tarde?
DO QUE EU FALO QUAN DO EU
DIÁRIO DE VIAGEM FALO DE CORRIDA A MORTE D E IVAN ILICHT
Albert Camus (Tradução de Valerie Haruki Murakami (Tradução de Cássio Lev Tolstói (Tradução de Boris
Rumjanek). Record, 121 páginas de A rantes Leite). Alfag uara, 150 páginas Schnaiderman). Editora 34. 96 páginas
20 Vidasimples • FEVEREIRO 20 15
l
1
BONSAI
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~
..' ,.._1.-_,..,.,--~~-.:r.:l-,-~ Alb -, .h AI& , ~- Ab , ~- Alb '~ j!i;'
UM DIA, TRAVEI. Não encontrava VINTE E NOVE HISTÓRIAS sobre a HISTÓRIA DE AMOR. No final ela
sinônimos para os textos que estava beleza doída de sonhos apartados, morre e ele fica sozinho. Mas eu
editando e achei que ia explodir. desejos i nterrompidos e desamores. não disse nada demais. O ch ileno
Me imaginei várias vezes levantando O fio que as une, e atravessa o leitor, Alejandro Zambra começa com essa
da mesa e dando uma de louca, a é a prosa poética de Mia Couto, afri- frase a narrativa sobre dois jovens
ignorar o fechamento daquela cano de língua portuguesa nascido que lêem juntos. Eles "acordam com
edição. Então recebi este livro da em Moçambique. Ela torna menos livros perdidos entre as cobertas"
repórter e escritora Eliane Brum. inabitáveis os lugares difíceis. Ao e, em meio à leitura, até que são
Abri como se fosse o Charlie, ao de- fim de cada texto, somos gratos felizes. A prosa de Zambra, feito um
sembrulhar uma barra de chocolate ao outro olhar. A narradora de "A bonsai, é cuidada e podada. E os
Wonka, e entrei ha fantástica fábrica Despedideira", por exemplo, diz que encontros e desencontros de Jul io e
de palavras mastigáveis. O mundo há mulheres que querem que seu Emilia nos dizem que o afeto precisa
não acabou porque parei para res- homem seja sol. "O meu, quero-o de cultivo igual. ainda que nós, jardi-
pirar dentro das páginas, acompa- nuvem. Há mulheres que falam na neiros, nos atrapalhemos um pouco.
nhando a t ransformação da menina voz de seu homem. O meu que seja
BONSA I
de ljuí em contadora de vidas inven- calado e eu, nele, guarde meus si-
Alejandro Zambra (Tradução de
tadas. Aprendi ali que toda memória lêncios." Ela, que sempre achou que
Josely Vianna Baptista). Cosac Naify,
é mágica e que olhar a vida sem amor era os dois se duplicarem em
96 páginas
encantamento é secar por dentro. um, deseja ser o múltiplo de nada.
No fim, queria voar. Respirei fundo, "Ninguém no plural. Ninguéns."
revigorada, e não perdi meu prazo.
O FIO DAS MISSANGAS VIVIANE ZANDONADI está lendo A Bi-
MEUS DESACONTECIMENTOS Mia Couto. Companhia das Letras, blioteca à Noite, de Alberto Manguei,
Eliane Brum. Leya, 144 páginas 147 páginas que tem 300 páginas.
FE VE RE IR O 2015 • vidasimpfeS 21
CAPA
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GoLA
Quando a gente é pequeno, tem que lidar o tempo todo com o medo. E vamos, assim, aprendendo, quando a vida nos permite -e nossos
pais também -a andar de bicicleta sem rodin has, de patins ou skate, a subir em árvore, a chegar no ponto mais alto do balanço
Arrisque mais
Ao nos arriscarmos, ficamos mais abertos aos desafios
que a vida traz e percebemos que nossos projetos têm mais chance
de darem certo quando são certos para a gente
TEXTo Daniel Vilela ILUSTRAÇÃo André Gola
PERDI AS CONTAS de quantas vezes fui ao co- Como se as minhas decisões- acertadas ou
légio de bicicleta. E também em quantas delas não- fossem se costurando na pele através de
fui parar no chão no meio do caminho. Acon- pequenas cicatrizes, marcas e arranhões que
tece que quando a gente é criança e vive num decidiram ficar comigo depois de tudo.
emaranhado de esparadrapos, carrega os co- De vez em quando, claro, tentei me livrar
tovelos esfolados por aí como se fosse coisa desses rabiscos. A gente, quando cresce, fica
grande. Na infância, os machucados são tidos com essa mania besta de apagar todos os ris-
como imensas honrarias, títulos de nobreza, a cos. Não só os que o tempo e a vida escreve-
marca de uma aventura que- ainda que mal- ram em nosso corpo. Mas também aqueles
sucedida- nos distingue dos meninos da rua que cercam os nossos desejos, os sonhos que
de baixo porque, enfim, respiramos fundo e temos, as oportunidades que ace nam lá de
tomamos coragem de nos arriscar entre uma longe. Na vida adulta, arriscar-se, aceitar no-
ou outra traquinagem na volta para casa. vas empreitadas, soa como algo distante, da
Com sorte, nunca parei de ralar os joe- infância, coisa de quem não tem muito juízo.
lhos. Tanto e de tal modo que meus amigos Às vezes, é preciso perdê-lo para acertar
sempre sabem que eu perdi alguma coisa as contas. "Quando eu falava para as pesso-
quando esbarram em um objeto manchado de as que eu ainda não sabia andar de bicicle-
laranja, tudo culpa daqueles frasquinhos de ta, elas ficavam muito surpresas ou admi-
antisséptico que insistem em estourar dentro tiam que também não sabiam", diz o progra-
da bolsa. Continuo por aí, cheio de remendos. mador Bruno Romaskiewzc. Em vez de se »
FEVEREI RO 20 15 • Vidasimples 2j
CAPA
Quando caímos, é só colocar um curativo no arranhão e tudo bem. Sabemos que a vida vai seguir em frente e que, no máximo, vamos
colec ionar algumas cicatrizes. Aliás, essas marcas costumam, na infância, ser até motivo de orgulho
» contentar com uma bela distância das m a- Não à toa, uma das maiores felicidades
grelas, ele apostou que sobreviveria a alguns da infância é quando saímos por aí em zigue-
tombos. Então, combinou com um grupo de zague, assim que alguém decide desaparafu-
amigos de passar uma tarde no parque do Ibi- sar as rodinhas laterais de apoio. Por isso, pare
rapuera, em São Paulo, e só sairia dali depois e pense em tudo o que você tem se ancorado
de ter aprendido a pedalar. quando bate aquele medo de se arriscar e as
coisas não darem certo. Será que não está na
Não se sinta tão seguro hora de pegar a sua chave de rodas e afrouxar
Sem querer, no boca a boca, a brincadeira de os próprios parafusos? "A vida muda o tempo
Bruno foi crescendo e deu início à "Oficina de todo e temos que ter essa habilidade de variar
Coisas Banais que Você Deveria ter Aprendi- com o mundo, de nos sentirmos livres, sem
do na Infância Mas Não Aprendeu", uma ini- qualquer amarra, porque aí somos mais capa-
ciativa que acabou se espalhando por mais zes para agir e criar diante dos nossos proble-
duas capitais - Vitória e Brasília- e juntou um mas", explica Zamboni.
monte de gente disposta a voltar a ser crian-
ça e a aprender algo novo. E não só a andar de Tudo pode dar certo
bicicleta, mas também a sair por aí de patins, Alguns parafusos a menos nos levam a per-
fazer bola de chiclete ou a dar nó no cadarço. ceber que a vida, acima de tudo, é uma apos-
"Criei um evento numa rede social para lem- ta. Isso não significa que devemos ficar à mer-
brar os amigos e as pessoas acabaram gostan- cê de estatísticas que, a primeira vista, pare-
do e se apropriando da brincadeira também", cem ser um daqueles bichinhos que grudam
comenta Bruno. "Quando vi, já tinham mais na gente e ficam ali remoendo as nossas pos-
de cinco mil pessoas confirmadas", diz. sibilidades. Claro, quando falamos em arris-
Apenas algumas dezenas compareceram car - seja para aprender a andar de bicicleta
ao dia em que o eve nto estava progra mado. ou largar aquele emprego chato- invariavel-
"No encontro, percebemos que muita gente mente pensamos nas chances de algo dar cer-
se sentia um pouco arrependida por ter deixa- to ou não. E, dentro da margem de erro, é fácil
do alguma coisa por fazer na infância", reve- apostar que os nossos sonhos são improváveis
la o programador. "E que talvez por isso elas e que as coisas vão dar errado. "Eu segui pelo
chegassem até nós tão inseguras". Mas basta- caminho que todos juravam ser o mais segu-
ram alguns minutos para que se soltassem e se ro e acabou não dando em muita coisa", con-
aventurassem por um ou outro tombo. Muitas ta a cantora lírica Patrícia Eugênio.
vezes sem perceber que foi exatamente aque- A voz, doce que só, já deu aulas e mais au-
le frio inicial na barriga que as levaram até ali. las de Física. "Eu sempre quis compreender
"Nossa sociedade supervaloriza a ideia melhor o mundo e as leis que o regiam", diz.
da segurança", avisa o psicólogo Jésio Zam- "Por isso, essa ciência sempre me chamou a
boni. "E muitas pessoas perseguem isso co- atenção. Eu queria entender as coisas mais
mo um ideal de vida, como se fosse bom não simples, dar uma explicação para aquilo que
ter conflito, desequilíbrio, alguma decepção", acontece no cotidiano". Em meio às contas e
continua Zamboni. Acontece que essa sensa- fórmulas, foi levando a vida. E cumpriu o pas-
ção de estabilidade, que nos leva a permane- so a passo: fez mestrado e doutorado em - pas-
cer na tal zona de conforto, funciona mais ou mem - Geofísica Espacial. Mas, quando botou
menos como aquelas rodinhas que nos acom- os pés em uma faculdade para lecionar, perce-
panham desde a primeira bicicleta. Elas nos beu que aquilo não a faria feliz. " Foi o pior pe-
deixam mal-acostumados e nos forçam a se- ríodo da minha vida", diz a cantora. "As pes-
guir e m linha reta sem tombos. E aí fica mui- soas projetavam em mim todo medo e dificul-
to mais difícil aprender a pedalar em duas ro- dade que tinham em relação à Física, como
das e sem apoio. Ou viver. Arriscar-se não tem se eu fosse a culpada". Perdida, encontrou na
nada a ver com sentir-se seguro, mas com e n- música a solução para as próprias equações.
frentar aquilo que nos tira do eixo. O hobby, que surgiu durante a graduação, »
,--
,---
Então, por que quando crescemos esquecemos essa lição tão importante? Por que passamos a ficar apavorados com a possibilidade de
errar, de cair, de dar com a cara na parede a cada pequena mudança que a vida nos coloca?
11 quando uma amiga a convenceu a partici- quando aceitamos começar uma nova jorna-
par do coral da unive rsidade, foi tomando ca- da. "E, devagar, o tempo transforma tudo em
da vez mais espaço em sua vida. Até o ponto tempo", anota o poeta português José Luis
que não deu mais. H a quatro anos, Patrícia de- Peixoto. "O ódio transforma-se em tempo, o
cidiu que seu lugar e ra no palco e não mais nas amor transforma-se em tempo, a dor transfor-
salas de aula. "Deixei tudo para trás, todos os ma-se em tempo. Os assuntos que julgávamos
anos que passei me qualificando, até mesmo mais profundos, mais impossíveis, mais per-
um casamento. O que fiz foi arriscado? Foi. manentes e imutaveis, transformam-se deva-
Mas tem valido tanto a pena. É o que me sal- gar em tempo. Por si só, o tempo não é nada.
va no fim do dia", revela. A idade não é nada. A eternidade não existe".
Não existe uma receita pronta para ser fe- Todas as cerlezas da administradora Fer-
liz. E a vida também não permite atalhos. Ca- nanda Paiva vieram abaixo em um mês. "Eu
da jornada é única: cabe a nós ter coragem pa- tinha planejado algo para a vida inteira e, de
ra trilhar o nosso caminho e não aquele che io repente, estava me questionando se era aqui-
de tijolos amarelos, que nos apontam rumo à lo mesmo que queria", diz. Em 30 dias, tro-
estabilidade financeira, prestígio social, ter- cou o cargo de gerência em uma multinacio-
nos e gravatas. Porque se a gente não pegar nal no interior de São Paulo - meta que havia
para viver os nossos sonhos, vai acabar viven- construído desde a adolescência - para mon-
do o dos outros. E, a í, o único risco que cor- tar uma e mpresa de mergulho em Maceió.
remos é o de passar nossa jornada decepcio- "Quando pedi demissão, muita gente quis me
nados por não termos conseguido nos e ncai- matar", revela, aos risos. "E, quando falei para
xar nas expectativas que nos foram propostas. o meu pai, ele quase teve um ataque do cora-
"Quanta s vezes não nos encontramos ção. Disse que eu estava trocando tudo o que
com uma pessoa que tem uma situação de vi- construí por causa de uma paixão".
da considerada ideal, um bom emprego, uma A rota de Fernanda se modificou quando
família como manda o figurino, uma situação tirou férias na capital alagoana e esbarrou em
financeira estável e está insatisfeita, deprimi- Luis Miguel, um português que havia se esta-
da, infeliz?", questiona o psicólogo Jésio Zam- belecido a beira-mar e que lhe daria algumas
boni. É um equívoco acreditar que existe um aulas de mergulho. Apaixonaram-se. E, qua-
ideal comum que devemos perseguir. Por is- se sem que rer, ela percebeu que ali, com ele,
so, é preciso ter "a mente aberta, manter a es- estava imersa em felicidade. E, nessas encru-
pinha ereta e o coração tranquilo"- parafrase- zilhadas em que a vida nos aponta um novo
ando a música "Coração Tranquilo". "Quan- jeito de seguir, todas as coisas que jurávamos
do fazemos o que não gostamos, acho que a mais certas para nós- um emprego de anos,
chance de dar errado é até maior", arrema- um casamento, a vocação da adolescência - se
ta Patrícia. "Eu posso não ter renda fixa, fé- desfazem no instante de um olhar, de um bei-
rias ou finais de semana, ter que aprender um jo, e o nosso mundo desmorona como um cas-
monte de canções que não estão entre as mi- telo de areia. Se arriscar, enfim, tem a ver com
nhas preferidas, mas sei que na minha vida eu a nossa capacidade de ser imprudente, de se
quero ser feliz. E vou correr atrás disso. Acho deixar ruir para perceber que podemos nos re-
que as coisas têm mais chance de dar certo construir e remodelar a todo momento. E, pa-
quanto são certas para a gente", conclui. ra isso, não precisamos de grandes justifica-
tivas, de um motivo certo. Fernanda arriscou
Dá tempo de (re)começar se jogar de cabeça na felicidade recém-desco-
Toda vez que damos um passo, todo o nosso berta mesmo que as pessoas considerassem >>
mundo sai do lugar. Talvez, por isso, seja tão
difícil dar o pontapé inicial nessa coisa de ser
feliz. Aquilo que jurávamos mais certo, a fé ANDRÉ GOLA é diretor de arte e redescobriu, há
que tínhamos em nossas verdades, no nosso pouco tempo, o prazer de desenhar. E agora ilus-
mundo, vão se desfaze ndo vagarosamente tra coisas lindas por aí:goladraiVings.com
FE V E RE IR O 201 5 • Vidasimples 27
CAPA
Cada um de nós deve encontrar, dentro de si, as respostas para as perguntas da ilustração anterior. Mas fica a nossa sugestão: recomeçar
faz parte. cair e se machucar também. O mais importante é não ficar parado enquanto a vida passa. Então, que tal arriscar mais?
,, seus argumentos mera bobagem. E, então, como boa parte das pessoas- entre esses pen-
viu o emprego formal se transformar em uma samentos mágicos. Esperando que o tempo
rotina a beira da praia, na descoberta de um resolvesse os meus problemas ou como se os
amor arrebatador, num companheiro para o ponteiros do relógio fossem varinhas de con-
que der e vier. "A grande briga é interna", avi- dão. E, ao ler o livro de Joan entendi, através
sa. "Porque, quando a gente se arrisca, tam- de suas palavras e da experiência- tão doloro-
bém se questiona se o que está faze ndo é lou- sa- dela, que não adianta se esconder. Em al-
cura. Mas passa. É só pensar: se não der certo, gum momen to, receberemos o chamado pa-
a gente começa de novo. Sempre dá tempo". ra se jogar de cabeça e nos arriscarmos. Faze-
mos isso, na verdade, o tempo todo. Sem nem
A vida é um risco perceber. Escolhemos uma pessoa, entre se-
Estou sendo otimista com essa coisa de correr te bilhões possíveis, para passar a vida juntos.
riscos, eu sei. E também entendo que, às ve- Topamos amar os nossos filhos, sem nem sa-
zes, quando a gente se joga pode dar com a ca- ber ainda quais os seus rostos, cheiros, jeitos,
ra na parede. Mas, por mais que talvez você se choros. Arriscar-se é uma parte natural e in-
encontre certo da sua felicidade, confortável separável da própria trajetória. Está no nosso
em sua cadeira enquanto lê essas palavras, po- cotidiano, bem à frente do nariz.
de ser que no próximo parágrafo o destino lhe Eu me enxerguei diversas vezes nessas
pregue uma peça. "A vida se transforma rapi- situações, ao escrever essa reportagem. Me
damente. Muda num instante. Você se senta identifiquei com os medos, as travas, o receio
para jantar e aquela vida que você conhecia de tirar os parafusos que boa parte de nós tem
acaba de repente". Isso foi tudo o que a escri- diante das escolhas, da possibilidade de ca-
tora americana Joan Didion conseguiu colo- minhar em um novo terreno. Há bem pouco
car para fora após ver o seu mundo virar de tempo, aba ndonei a cidade onde nasci e cres-
cabeça para baixo. Joan perdeu o marido e a ci para me aventurar sem rumo certo na capi-
filha, com alguns meses de diferença. A expe- tal paulista. Deixei para trás o convívio diá-
riência, relatada no livro O Ano do Pensamento rio com a minha família, um emprego legal e
Mágico (Nova Fronteira), nos faz pensar sobre alguns amigos, que decidiram se afastar por-
nossa fragilidade e também na urgência em que não concordavam com a minha decisão.
aprender a jogar tudo para o alto. Durante as primeiras semanas, pensei seria-
Ela se viu sozinha, na velhice e sem os mente em voltar atrás. Mas não fiz isso. O la-
companheiros. Foi desafiada a recomeçar. do ruim? Até hoje é difícil engolir o choro na
"Eu não estava preparada para aceitar aquelas hora de ligar para casa e avisar que estou bem
notícias como definitivas", escreve. "Em al- - mesmo estando com o coração aos pedaços.
gum nível eu acreditava que o que tinha ocor- Mas, quer saber, aos poucos fui ganhando no-
rido continuava podendo ser revertido". En- vos amigos, alguns amores, uma nova vida.
tão, ela passou um ano entre o que chamou de E, mal havia colocado meu dia a dia no eixo,
pensamentos mágicos, imaginando que o ma- peguei minha mala novamente e segui para o
rido, Gregory, passaria a qualquer instante pe- Rio de Janeiro, após aceitar uma nova propos-
la porta. Ou que ouviria a voz da filha, Quinta- ta de emprego. Muitos amigos me dizem, em
na, cada vez que o telefone tocava. alto e bom som, que eu tenho alguns parafu-
"Eu não queria terminar esse ano", conti- sos a menos por ter feito isso. Mas não me im-
nua a escritora. "Porque sei que à medida que porto. Isso porque, ao me arriscar, eu entendi
os dias passam e janeiro se torna fevereiro, e que ser feliz é como andar de bicicleta. A gen-
depois se torna verão, certas coisas vão acon- te nunca mais esquece como se faz. •
tecer". Até que Joan entendeu que a vida não
para e decidiu encarar suas feridas, suas do-
res e a necessidade de reaprender a caminhar DAN IEL VILELA costumaperdertudo:ahora, o
sem aquilo que julgava tão certo. Eu também ônibus, as chaves, alguns parafosos e, por sorte,
já me peguei inúmeras vezes-provavelmente não lembra onde deixou o tal do juízo.
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Ser ofendido, traído ou sofrer algum tipo de violência é algo que machuca. Mas essa dor emocional, de alguma maneira, precisa ser
avaliada com carinho. Caso contrário, ela pode fazer mal pra gente mesmo e daí se transformar em ansiedade ou em depressão
De onde nasce o perdão
Perdoar é algo que você faz por si mesmo, não pelos
outros, ainda que seu benefício se espalhe
TEXTO Ivonete Lucirio
UM SÁBIO COMERCIANTE estava em sua loji- humano do que com a religião que se abraça.
nha quando um ladrão entrou e levou todo o Mais a ver com a necessidade de não carregar
dinheiro que ele tinha recebido naquele dia. mágoas pesadas demais do que a de descul-
Quando o bandido saiu da loja, o comercian- par os outros ou nós mesmos.
te correu, gritando: "eu te perdoo!". As pesso- A etimologia da palavra é perdonare que,
as que estavam na ma e assistiram à cena se no latim tardio, tem o significado de doar. "No
espantaram com a urgência do sujeito em fa- fundo, ao fazer isso você doa seu direito de es-
zer aquilo. Sábio que era, o negociante disse: tar ressentido com quem fez a agressão", ex-
"não quero ficar com essa mágoa para ores- plica a psicoterapeuta especializada em rela-
to da minha vida". Apesar de carregada de to- cionamentos familiares Lana Harari. Ou se-
do exagero das parábolas, a historinha mostra ja, abre mão de sentir-se vítima de algum ato
que o perdão é algo que fazemos mais por nós mim. Isso não significa minimizar a tal agres-
mesmos do que pelos outros. são, mas ser capaz de despir-se da camiseta
O entendimento que se tem desse senti- de coitadinho. Talvez esse desapego intrínse-
mento é, muitas vezes, encapado pelos con- co da atitude seja um dos motivos que ator-
ceitos da religião. O Antigo Testamento va- na tão complicada de tomar. Afinal, existe um
loriza o perdão divino - só ele liberta. O Novo pouco de abnegado em quem perdoa já que
Testamento passa a dar importância ao per- o papel de ofendido cai bem na maior par-
dão humano e o Alcorão junta as duas formas. te das situações. Ao mesmo tempo que atrai
Mas o ato tem m ais a ver com a condição de uma certa simpatia, deixa a pessoa livre do ,,
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Podemos optar por perdoar e, assim, cuidar dessas dores que abalam o coração e atrapalham a vida. E isso não significa que estamos
esquecendo o ocorrido, mas que conseguimos olhar para aquilo com mais objetividade e perceber, assim, que as coisas são como são
» erro. Quem agiu de maneira equivocada foi pedia perdão pelos atos cometidos pela enti-
o ofensor, eu sou apenas a vítima. Quer papel dade, no passado, contra negros e indígenas.
mais confortável que esse? Ela não pedia desculpas, mas perdão, o que é
Para perdoar é preciso olhar para den- bem diferente. Ele não exime a culpa. A mãe
tro e correr o risco de, até, perceber que vo- que faz isso em relação a pessoa que atropelou
cê, o ofendido, talvez também tenha alguma e matou seu filho não está retirando das costas
responsabilidade naquele ato. Para os budis- do motorista a responsabilidade pelo ato. Is-
tas, qualquer coisa que aconteça na nossa vi- so também não implica, necessariamente,
da é resultado de uma semente plantada em em retomar uma relação- caso houvesse- da
algum momento. Por isso, uma ofensa de um mesma forma que ela era antes. Você perdoa,
amigo acontece para equilibrar alguma ação mas não faz questão de continuar próximo da-
passada, uma semente de má qualidade. As- quela pessoa, o que reafirma que é um proces-
sim o amigo foi apenas um agente. "Se a pes- so interno. Mas significa, sim, libertar o outro
soa reage mal à agressão, à decepção, com do seu rancor. De nada adia nta fingir que per-
mais mágoa, acaba por plantar outra semen- doa o marido ou a esposa traidores mas conti-
te ruim", explica a monja Kelsang Mudita, do nuar usando o suposto e rro para jogar na ca-
Centro de Meditação Kadampa Brasil. Se, por ra toda vez que aparecer a me nor briguinha.
outro lado, reage bem, ela consegue quebrar o A ação não é completa se você mantém a re-
ciclo. Cria-se uma esfera de paz e de aceitação lação de dominador e de dominado.
que atinge todos que estão por perto. Quem perdoa não esquece. Nelson Man-
dela, ex-presidente da África do Sul, ao dei-
xar o cargo, em junho de 1999, disse: "Os sul-
-africanos devem recordar o passado terrível
A pessoa tem de, aos poucos, ir para que possamos lidar com ele, perdoando,
abandonando o pap el de ofendido para pois o perdão é necessário, mas sem nunca es-
quecer". Se você apaga a lguma coisa da sua
co nsegu ir um necessário afastamento história não pode lidar com e la e, portanto,
em ocion al. E descobrir, assim, o também não dá para perdoar. Além disso, dei-
xa uma brecha para que aquilo volte a aconte-
t empo certo de finalmente perdoar cer. "Perdoar é, ainda que mantendo o fato na
memória, ser capaz de não sofrer, olhar para o
que ocorreu com bastante objetividade e per-
Muitas vezes o ato de perdoar faz par per- ceber que as coisas são como são", diz a filóso-
feito com o de pedir perdão. O h o'oponopono fa e palestrante Dulce Magalhães.
é uma antiga prática havaiana de reconcilia-
ção, praticada em família ou em grupo de pes- Querer não é poder
soas, com o objetivo de restaurar e manter as Sabe quando você deseja tanto uma coisa que
boas relações. A reunião geralmente é con- acaba, finalmente, por con segui-la? Pois é,
duzida pelo membro mais experiente do nú- com o perdão não é assim. Infelizmente, aqui,
cleo. O proble ma é discutido, há espaço para querer não é poder. Se você quer sair do infer-
o silêncio, para compreender o que realmen- no e ir para o céu nesse jogo de amarelinha,
te aconteceu. Mas o centro da prática consiste claro que a primeira casinha é, sim, a vonta-
em repetir, como se fosse um mantra, as fra- de. "O processo exige um investimento inter-
ses: "Eu sinto muito", "Por favor, me perdoe", no", explica a psicoterapeuta e neurocientista
"Eu te amo", "Muito obrigado, sou grato". Ana Paula Cuocolo Machia. Mas fa ltam as ou-
tras nove casinhas. Numa delas está a impor-
Desculpe qualquer coisa tância que se dá ao relacionamento rompido
A Igreja Católica, há pouco mais de 14 anos, e que pode ser reatado com o ato. "Mas impli-
preparou um documento chamado "Men- ca também em uma revisão de valores e, prin-
sagem ao Povo Brasileiro" por meio do qual cipalmente, do posicionamento diante dos >>
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O importante é aprender a dar significado ao que aconteceu, sem se colocar apenas no papel da vítima. E, principalmente, acolher seus
erros e acertos e olhar para si mesmo com mais amor e compaixão, aceitando quem você é de uma maneira mais doce e leve
)) fatos. A pessoa tem de, aos poucos, ir aban- Mais autocompaixão
donando o papel de ofendido para conseguir Caetano Veloso diz na música Drão: "não há
um necessário afastame nto emocional", diz o que perdoar, por isso mesmo é que há de ha-
Ana Paula. É mais ou menos como um insight, ver mais compaixão". Se somos capazes de re-
que acontece quando estamos preparados. "É levar os outros, por que não fazemos isso co-
preciso descobrir o tempo certo de perdoar. nosco? Muitas vezes nos falta a capacidade de
Tudo é mutável, nunca pisamos duas vezes no autocompaixão, de sermos tão legais com a
mesmo rio. A consciência também pode avan- pessoa que habita nosso corpo quanto somos
çar para outras percepções e vemos as coisas com os amigos ou até com estranhos. "É pre-
de outro modo. Então, fica mais fácil conce- ciso entender que em determinado momen-
dê-lo", diz a filósofa Dulce Magalhães. to fizemos o que e ra possível naquela situa-
Existe também a opção por não perdoar. ção. Não podemos julgar se era errado ou não
Por que não? Uma pesquisa realizada na Itália com os olhos de hoje", diz a monja Kelsang
avaliou o que acontecia dentro do cérebro de Mudita. Para isso é preciso ter humildade e
voluntários- por meio de ressonância magné- entender que você não tem sempre o contro-
tica - que seguiam um roteiro através do qual le das emoções. "Se hoje posso me arrepender
eram orientados a pensar em uma ofensa re- de algo e consigo pensar que faria diferente,
cebida e, depois, a perdoá-Ia. Homens e mu- isso significa que evoluí e me tornei algué m
lhe res só conseguiam fazer isso nas situações melhor. Sem o episódio que gera desconfor-
em que se colocavam no lugar do agressor e to, talvez eu não tivesse me transformado",
raciocina Dulce Magalhães.
Aqui, o perdão também não é uma deci-
são a ser tomada. "É preciso aprender a dar
Que ta l ter mai s bondade co nsigo mesmo um significado ao que aconteceu, tirar a cul-
e também mais compaixão com o mundo? pa de si mesma. Isso pode levar anos, ou nun-
ca acontecer. Nesse caso, a pessoa reprime a
Nada em nossa história poderia ser emoção, que vai para a sombra", diz Lana Ha-
descartado para nos tornar quem somos, rari. É bem mais difícil nessa situação virar a
página como quando se nega o perdão ao ou-
sej am os erros, sej am os acertos tro. A culpa contida se manifesta de várias for-
mas, como depressão, cólera. Ou você pega
um desvio que a leva a culpar os outros por tu-
compreendiam os motivos pelos quais ele ha- do o que acontece, como se isso compensasse
via feito aquilo. É um indício de que essa ação a culpa que sente dentro de si.
não depende simplesmente de fatos, mas sim Por isso, mais bondade consigo mesmo,
do julgamento que fazemos das intenções de mais compaixão com o mundo. Nada em nos-
quem nos ofendeu e feriu. sa história poderia ser descartado para nos
No entanto, alguns atos são tão ma rcan- tornarmos quem somos, sejam os erros, se-
tes, magoam tão profundamente, que não é jam os acertos . "Assim, aprender a perdoar
possível passar por cima deles. " Mas se você a si próprio é, antes de tudo, dar-se conta de
opta por não oferecer o perdão, não deve fi- uma lição aprendida e olhar para a experiên-
car ruminando. Melhor romper de vez, cortar cia como algo importante para nos tornarmos
a relação e virar a página", avalia a psicotera- melhores", diz Dulce Magalhães. No mínimo,
peuta Lana Harari. Guardar o rancor dentro você se torna mais iluminado, como o sábio
de si pode trazer consequências bem ruins. "A comerciante do início desse texto. •
pessoa a limenta a raiva, o sofrimento vivido
todo santo d ia. E acaba criando uma autoima-
gem de fraca, de víti ma da situação. E as con- IVONETE LUCIRIO é alguém que perdoa muito
sequências disso podem ser físicas, com insô- mais facilmente os outros do que a si mesma, mas
nia, ansiedade, desânimo", diz Lana Harari. ainda assim está de bem com a vida.
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O que aprendi ao treinar
para uma prova de triatlo
A dedicação aos exercícios físicos pode nos ensinar boas lições sobre
autocontrole, superação e harmo nia do corpo e da mente
TE XTO Fernanda Granato
NUNCA FUI DE CHORAR. E, de repen- Foram 17 semanas de prepara- motivadas, que acorda às cinco da
te, me vi respirando fundo para segu- ção. E, nesse período, milita coisa manhã e sai para correr feliz. Defini-
rar a e moção no meio do restaurante, aconteceu: uma amiga casou, viajei a tivamente esta não sou eu. Sou mais
na sala de espera do aeroporto. Fiquei trabalho, fiquei doente. Teve dia dos igual a todo mundo, que tem que de-
assim depois de completar o Ironman pais, dia de aniversário, de apresenta- cidir se vai pedalar ou fica no sofá.
70.3, também conhecido como meio ção para o chefe, de insônia. Enfim, a Cada treino foi uma escolha. E,
Ironman, uma prova esportiva que vida aconteceu. E, e ntre dormir, tra- cada escolha, uma renúncia: de sair
envolve um trecho de n atação (1,9 balhar e ir aos eventos sociais, trei- do trabalho cansada e ir para casa, de
km), outro de bicicleta (90 km) e, por nei. Fiz isso todos os dias, menos um permanecer na cama até mais tarde,
último, de corrida (21,1 km). Não sou de "descanso", estrategicamente po- de ficar ociosa numa manhã chuvo-
atleta, mas sempre gostei de testar os sicionado para poupar o corpo para os sa de domingo. Eu olhava para o so-
limites do meu corpo-para desespe- longos treinos de final de semana. fá, para a chuva fina e, determinada,
ro da minha mãe e orgulho do meu Foi me dividindo entre os exercí- subia na bicicleta, colocava o tênis de
pai. Já tinha me aventurado a correr cios que apre ndi que a supe ração de corrida e seguia em frente. Adaptei
20 km ou pedalar 8o. Mas participar provas de longa duração está mes- meu corpo a treinar por quatro, cin-
de uma prova assim estava bem além mo é na cabeça. O corpo é uma má- co horas, todos os sábados. E a saber
da minha ousadia. Quem lan çou a quina incrível, que se adapta ao que que, nem por isso, domingo seria dia
ide ia foi meu m arido. E aceitei o d e- for estimulado a fazer- ou a não fa- de descanso. Sou corredora de cora-
safio. No início, achei que a experiên- zer. O treino mais desafiador, m ais ção, ciclista simpatizante e nadadora
cia seria uma superação dos limites difícil e recompensador, é o da men- nas horas vagas. Confesso que ficar
do meu corpo, mas o que aconteceu te. Eu sempre tinha um motivo para três horas na ciclovia indo e voltando,
não foi bem isso. Precisei aprender a não treinar. Algumas pessoas pen- sem musica, com vento, nem sempre
superar os limites da mente. sam que sou daquelas naturalmente e ra meu programa preferido. Meu >>
» marido estava comigo nos treinos do tempo, rezando para o tempo vi- estar logo atrás de alguém, sabendo
longos e, sim, é confo rtante ter uma rar. Não virou: 34°C em pleno inver- que, nos primeiros quilômetros, não
alma amada por perto. Mas é isso. no. E se era esse o teste final da minha corria o risco de errar o caminho.
Casei com uma pessoa naturalmen- mente, que viesse o calor. Os moradores da cidade assis-
te concentrada. Se tivemos mais que A prova começou. Os quase mil tiam da porta de suas casas as bicicle-
cinco minutos de conversa, durante atletas fo ram em direção à represa e tas que passavam. Eles davam muito
a corrida ou a pedalada, já diria que começaram a nada r. Demorei alguns apoio moral. Era uma energia delicio-
estou exagerando. Foi apenas quan- minutos para entender como nadar sa. E entrando n a usina, meu sonho
do entendi que meu grande treino se- sem perder a direção. Cinco braça- começou. Um lugar lindo, grandioso
ria o da mente, que o corpo e a cabe- das normais, uma olhando para fren- e muito diferente. Vivia um momento
ça começaram a entrar em harmonia. te. E, assim, nadei como quem medi- tão incrível, que por alguns segw1dos
Pouco a pouco, passei a me exercitar ta, feliz, muito feliz por estar num lu- esqueci que estava num a prova. Até
mais tranquila, a ouvir menos músi- gar tão aberto e não ter que ir e voltar que umas cinco bicicletas me ultra-
ca correndo e a dar mais espaço para infinitas vezes como se fosse um pei- passaram de uma vez e voltei a mim.
o som do meu corpo, escutar minha xe dentro de um aquário. Ao meu ritmo. Foco.
respiração e o tênis batendo no asfal- Na transição para a etapa da bi- Lembro de ter passado pela mar-
to. Por horas e quilômetros. cicleta, senti que meu corpo tre mia. ca do quilômetro 40 e a felicidade
Não era frio. Não era nervoso. Me tro- que senti por saber que ainda tinham
Chegou o dia quei com calma esperando a ad ren a- mais 50 pela frente. Pedalava sobre a
A prova seria realizada em Foz do lina baixar enquanto os outros atle- gigante barragem, me esticando pa-
Iguaçu, boa parte dentro da Usina de tas entravam e saíam com a pressa ra ver a vista da represa de um lado, e,
ltaipu. Sol, nenhuma nuvem no céu. de uma segunda-feira de manhã. Saí do outro, as centenas de ciclistas que
Passei a semana olhando a previsão para pedalar me sentindo segura por ped alavam desenha ndo o percurso
como se fossem formiguinhas. Me organizavam a prova, dos voluntários Soube que estava bem perto do
sentia tão envolvida com tudo, que que eram incrivelme nte motivado- final quando comecei a escutar a mú-
só fui perceber que tinham subidas res, dos atletas que não conseguiam sica da linha de chegada. O locutor
no caminho na segunda volta. correr e falavam para eu não desistir e narrava cada um que passava. Tinha
Segtmda transição, hora da corri- dos que corriam cansados, pensando de tudo: gente chegando com cara de
da. Logo no início, senti como se es- em parar. Se as pessoas se ajudassem que poderia continuar, gente man-
tivesse caminhando sobre cham as tanto assim na vida real, talvez ainda cando, chorando, gente com os filhos.
porque o asfalto estava muito que n- não tivessem inventado a depressão. E, antes de cruzar a linha de chega-
te. Pensei: por que não coloquei uma Quando faltavam três quilôme- da, vi que meu marido estava lá me
meia mais fina? Percebi que, apesar tros para terminar, começou a ficar esperando. Naquele instante, sabia
de ser o início do percurso, muitas muito difícil conter a emoção. Eu que estava vivendo um dos momen-
pessoas estavam andando- e não cor- me sentia correndo dentro de um so- tos mais incríveis da minha vida. E,
rendo. E foi aí que testemunhei que nho. Na tentativa de segurar o choro, correndo, pulei em seus braços, en-
atleta não se faz com roupa tecnológi- minha respiração ficou tão alta que trelacei m inhas pernas em volta de-
ca e bicicleta especializada, mas com se alguém passasse por perto talvez le e falei que o amava. Por alguns se-
corpo e mente. Só, e tudo isso. iria achar que eu estava te ndo uma gundos, o único mundo que existiu
E, eu, com minha tão básica re- crise de asma. A emoção era muito para mim foi aquele. Só eu, entrela-
gatinha de algod ão e minhas mei- maior do que estar prestes a comple- çada nele. Chorei. •
nhas quentes quaisquer, corri. Ultra- tar a prova. Era por ter feito tantas re-
passei 21 quilômetros, curtindo cada núncias, por ter superado meu corpo
pedacinho do caminho. Alim en tei e enfrentado minha mente, minha FERNANDA GRANATO largou, recen-
minha mente de cada palavra de in- preguiça, meu tédio. A superação é o temente, seu emprego convencional em
centivo que recebi: das pessoas que treino. E a prova, a recompensa. busca de inspirar pessoas.
A moda gourmet
O docinho ganhou roupagem esnobe, assim como os salgados de festa
e os sanduíches. Será que precisamos mesmo de tanta afetação?
Entenda o que transforma a comidinha singela em alimento de grife
TEXTo Rafael Tonon FOTOGRAFIA Dulla
CENOGRAFIA Silvia Moraes (Ate/ier ZigZag)
AO Q.UE TUDO INDICA, este vai ser O ano das movimentos. Na década de 1960, a nouvel-
entradas vegetarianas, das sobremesas para le cuisine veio pregar uma maior valorização
comer numa bocada só, dos cortes de carne dos ingredientes e de sua naturalidade. Na vi-
"diferenciados" e das fusões étnicas de diver- rada do século, os espanhóis trouxeram a co-
sas cozinhas- México e Coréia, por exemplo, zinha tecnológica (ou tecnoemocional) : to-
em uma única receita. Não sou eu que estou do um embasame nto acadêmico-cie ntífico
falando. As tendências da gastronomia para para criar receitas que desafiam a física dos
2015 foram d ivulgadas pela Associação Na- alimentos. Comida do futuro, só que servida
cional dos Restaurantes dos EUA, que pediu hoje. Ou ontem, já que a tendência já perdeu
a 1.300 chefs de todo o país que analisassem força. Agora, parece que uma certa relação
231 itens e os classificassem em três catego- (resgate, dizem) com a natureza vem ditar o
rias: tendência quente, notícias de ontem ou comportamento à mesa. É, os modismos tam-
eterno favorito. Essas tendências indicam o bém chegam às panelas. Mas o que determina
que deve estar nos pratos nos próximos me- uma tendência gastronômica? "Elas surgem
ses. Por isso, pode ir se acostumando também em restaurantes inovadores, que têm à frente
com a presença, nos cardápios, dos rabanetes, chefs influentes e com visão de futuro, geral-
das ovas de truta e dos ovos mexidos. mente nas grandes capitais. Ao longo do tem-
A ga stronomia, tal como outras áre- po, tornam-se mais e mais mainstream, viran-
as como a moda e a literatura, passa por do um clichê nos menus, aparecendo nos res-
transformações, sofre t e ndências, segue taurantes de alta gastronomia das cidades ,,
42 Vidasimples • F E VER E IR O 2 01 5
A pipoca, desde sempre, foi f eita na panela, com óleo q uente e ouvido dos bons para saber o ponto em q ue t odas j á estouraram,
sem deixar nenhum milho queimar. A versão gourmet t em caramelo, chocolate, especiarias e preço bem salgad o
COMER
>> aquisitivo aumentou a possibilidade das base, fazendo das novas receitas sempre pop
pessoas comerem fora - um crescimento de ups passageiros. Mas, felizmente, esse fenô-
mais de 12% em 2013 , segundo a Associação meno pode ser bastante temporário também.
Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasei) -, E, então, as coisas voltem a ser mais simples",
programas culinários pululam nas grades da afirma o chefRaphael Despirite.
televisão, livros de receitas lotam as livrarias A banqueteira e escritora de gastronomia
e, nas redes sociais, como o Instagram, proli- Nina Horta não tem dúvida de que se trata de
feraram o hábito de compartilhar pratos. algo temporário. "Comida tem tanta moda
Há mais dinheiro, existe um maior inte- como bolsa vermelha grande, saia de couro,
resse por comida diferenciada, novos negó- gravata fina, sapato com salto plataforma. Há
cios na área surgem todos os dias, mas ain- um tempo estão em moda os rabanetes, por
da falta informação, uma base cultural sobre exemplo. Voltaram depois de passar uns trinta
a própria alimentação. E o resultado disso é anos no esquecimento", afirma. "Lembram-
que muita gente se tomou refém da gourme- -se do ano inteiro em que comemos tomate
tização turbinada pelo consumismo. "A refe- seco com rúcula? A surpresa do salmão, o car-
rência de alta gastronomia ainda é muito nova paccio com seu molho, o vinagre balsâmico,
por aqui. É natural que apareça gente se apro- os sais coloridos ou o arroz negro", diz Nina.
veitando da falta de parâmetro do comensal Tudo tem seu tempo, e esse parece ser o mo-
médio, com rótulos cretinos, apenas para ga- mento das comidinhas gourmet. Ninguém vai
nhar dinheiro. Mas a absurda velocidade de aguentar isso por muito tempo, como as re-
informação atual fará com que essa onda
passe logo ", acredita Júlio Bernardo, o Jota-
bê, crítico gastronômico (assina o blog Bote- Em vez de criar versões gourmet para tudo,
co do Jotabê) e ferrenho defensor da comida
boa e barata, sem afetações. "Sair pra comer
essa criatividade poderia ser usada para a
deixa de fazer parte do cotidiano para se tor- criação de novos pratos ou receitas. Todo
nar um programa metido a besta", diz.
mundo sairia ganhando, principalmente
É tudo gourmet a gastronomia e seus comensa is
O "gourmet", que antes era uma forma de
convencer clientes incautos a pagar algumas
cifras a mais por uma simples coxinha ou um des sociais já fazem anunciar. "E estou sen-
brigadeiro, já tem virado motivo de deboche tindo os arrepios, só que ainda não consegui
nas redes sociais. "As pessoas perderam a botar o dedo na ferida. Tem a ver com o orgâ-
mão e a coisa começou a ficar caricata", afir- nico, a paisagem dentro da nossa cuia, aque-
ma Despirite. A questão está no esforço para la coisa de olhar pela janela da cozinha, ir lá
dar uma nova cara a coisas que já existem, nu- fora e catar o pinheiro, o musgo e as pedri-
ma tentativa incauta de reinvenção da roda: nhas do caminho, temperar e comer", acre-
pérolas de queijo para traduzir as tradicionais dita a banqueteira. Uma simplicidade parece
bolinhas de queijo, paleta no lugar de picolé, começar a tomar forma nos pratos, uma na-
food truck ao invés de carrinho de comida. Em turalidade tem despertado uma nova (velha?}
vez de criar versões gourmet para tudo, essa relação com a cozinha. Sem ostentação, sem
criatividade poderia ser usada para a criação glamourização e, esperamos, sem nada gour-
de novos pratos ou receitas, segundo o profes- met. "Vem coisa nova por aí", garante Nina.
sor Thiago Marcello Bettin. "Todo mundo sai- Só precisa saber de que panela está saindo ... •
ria ganhando, principalmente a gastronomia
e seus comensais", afirma ele.
"Talvez esse volume enorme de curtas RAFAEL TONON éjornalista e adora tendências
informações esteja formando profissionais de gastronomia, que é o tema de seu blog What
com menos profundidade técnica e menos The Fork (www.whatthefork.com.br).
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Coxinha, um ícone de qualquer boteco de esquina, também gan hou versão metida a besta , com recheio de carne diferenciada ou,
pasmem, doce. Resta saber se o modismo da glamourização dos alimentos vai resistir ao tempo. Provavelmente não
I
I ~
..
Interdependêneias
O q ue faço, digo e como me relaciono com o entorno
é essencial para perceber a vida de m aneira com pleta
PoR Eugenio Mussak
I I
O CORREDOR ERA LONGO naquele Gérard, que voou 120 mil quilôme- e para os países vizinhos. Essa água
prédio imponente em Brasília onde tros com sua mulher Margi, em um vem em forma de umidade e provo-
havia dado uma palestra, e agora ca- avião anfíbio, pousando em rios, la- ca chuvas nessas regiões.
minhava com passos largos. Ao longe gos e represas Brasil afora, é um dos -É por isso que todos devem cui-
vi o homem que iria encontrar. Quan- grandes conhecedores da situação de dar da Amazônia ou vai faltar água,
do nos aproximamos, sorrimos. nossas águas. Fez 1.160 coletas. A es- como já está acontecendo.
Apresentados pelo Júlio, nosso te projeto, chamado Brasil das Águas, -Exatamente, o nível de interde-
amigo comum, eu e o Gérard Moss seguiu-se outro, em que o aviador pendência das regiões brasileiras no
rapidamente nos tornamos íntimos, identificou a origem do vapor d'água, que diz respeito ao clima é imenso.
pois tínhamos interesses e visões de das chuvas e dos rios. Então surgiu o Por isso a informação é fundamen-
mundo parecidas. Além disso, esse conceito dos "rios voadores". tal para aumentar a conscientização.
suíço-inglês naturalizado brasilei- -A umidade gerada pelo oceano Se acabarem os "rios voadores", não
ro, engenheiro mecânico, piloto de Atlântico é trazida para o continente teremos mais reservatórios de água.
avião, pesquisador e defensor da eco- pelos ventos alísios. É atraída pela flo- Entre todas as conversas que ti-
logia, tem uma qualidade que consi- resta Amazônica, que a absorve, fun- ve com pessoas espetaculares sobre
dero imprescindível: o bom humor. cionando com uma bomba de água. as interdependências da n atureza e
Inteligente e de espírito livre, Gé- Depois a umidade passa pelo ciclo da vida humana, esta com o Gérard
rard coleciona aventuras, desde uma da floresta e é propelida em direção à Moss foi uma das mais impactantes.
viagem de mobilete pelos Alpes, cordilheira dos Andes. Talvez porque ele seja um viajante di-
com apenas 13 anos, até duas voltas -A água então cruza a cordilheira ferenciado, que esteve em vários lu-
ao mundo em pequenos aviões. Mas em direção ao Pacífico?- perguntei. gares, que sentiu o gosto das águas
o que eu estava mais interessado em -Só uma parte. Como a cordilhei- e que voou ao sabor dos ventos. Ele
conhecer era sua pesquisa sobre os ra é uma barreira, a maior parte des- insiste no potencial hídrico de nos-
"rios voadores", um ótimo exemplo via para baixo trazendo água para o so país- o m aior e melhor do mun-
de interdependência. centro-oeste, sudeste, sul do Brasil do- mas está preocupado com as mu-
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11
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•••
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danças provocadas pelo desrespeito à Sua obra mais conhecida é O Ponto Terra ao céu e nós ao Universo. Uma
verdade lógica e cristalina de que tu- de Mutação, no qual defende que de- árvore é o h abitat de pássaros, o lar
d o está ligado a tud o. vemos desenvolver um pensamento de insetos. Dos frutos que ela produz,
Outra pessoa especial com quem holístico, em oposição ao pensamen- só um ou dois resultarão em novas ár-
tive o prazer de conviver é o físico to cartesiano, re ducionist a e frag- vores; entretanto, centenas de aves e
austríaco Fritjof Capra. Seus livros, m entário vigente. Nele, três pessoas outros animais sobreviverão graças a
especialmente O Ponto de Mutação e conversam durante uma visita à ilha e les. A árvo re também não sobrevi-
O Tao da Física, estimularam minha de Saint Michel, na França: um sena- ve sozinha. Para tirar água do solo de-
curiosidad e. Es tive m os ju ntos em d or am ericano, uma física nuclear e pende dos fungos que vivem em su-
Berkeley (EUA) e no Mato Grosso, um poeta. O diálogo é m aravilhoso. as raízes. O fungo precisa da raiz e a
quando navegam os pelo rio Cuiabá. Em uma passagem, o senador Jack raiz prec isa do fungo. A isso cham a-
-A falta de percepção das inter-
dependências e stá m atan do nosso
Edwards diz que precisa ver as partes m os de interdependência. ..
para entender o todo, que não conse- De finitivam ente, entende r a teia
planeta - m e d isse ele, que deixa is- gue descrever um a árvore sem fala r da vida, as relações de causalidade, a
so cientificam ente claro em seu liv ro do tronco, dos galhos, raízes e folhas. interdepe ndência d os homens entre
A Teia da Vida. O que me intriga é que É quando a cie ntista Sonia Hoffman si, com a sociedade e com a natureza
ele fala calmo, sorrindo, enquanto m e alega que isso é muito pouco, que é é mais do que cultura ge ral, é cons-
serve vinho no restaurante de tapas melhor ver a árvore em função de su- ciência, abertura de mente e lucidez.
próximo à universidade. Tem um ar as interdependências, sem falar de E é, também, uma questão de sobre-
de condescendência com a ignorân- suas partes. Diz ela: vivência. Para pensar. •
cia, m as não se acomoda. É um pala- - Há trocas sazonais entre a árvo-
d ino da ecological literacy - a alfabe- re e a terra, entre a terra e o céu . Uma
tização eco lógica, a h abilidade para gigantesca respiração que a Terra re- EUGENIO MUSSAKjoi professor de biolo-
ente nde r os fe nô menos naturais da aliza com suas florestas dando-nos gia por 20 anos e costuma colocar em
qua l nós fazem os parte. oxigênio. O sopro da vida, ligando a seus textos a ecologia das relações.
...
- - . ,.·. '
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... 6 ..
••
POR Q_UE os AMORES fracassados, as nhos que tornam-se incompatíveis, olhar vazio aparecer num rosto em
dores de corno, os abandonos, são tão
prolíficos na canção, na poesia, tan-
mas por certo alguma estrada, boa
ou ruim, se percorreu juntos. Aque-
que antes me reconhecia. Sei que to-
do divórcio é de si mesmo. A sensa-
. I
to quanto ou, talvez, tanto mais do le a quem amamos não é uma pessoa ção que o encontro com um ex-amor
que a paixão? Porque o fim do amor imutável, ele também é resultado recente causa é de cair num abismo, é
é traumático. Ex-amantes são peda- do casal que formou. Contemplá-lo, como se o corpo se dissolvesse.
ços perdidos, metades afastadas de agora afastado de nós, é também ver Por um tempo, seremos pesso- ...
nós. Levam consigo um destino que o resultado disso. Se encontrarmos as fantasma, até que um dia, pas-
recusou-se a continuar, partem car- duas pessoas idênticas ao que eram, sando por um espelho, descobrimos
regando em seus braços aqueles que então a suspeita do engano se confir- que nossa imagem voltou a estar lá.
deixamos de ser, aqueles que sonha- ma: não houve relação, apenas ilusão. Vampiros não se enxergam porque
mos juntos em tornar-nos um. Mesmo complicados, os amores perderam todo o sangue próprio.
Ao rever o passado, tendemos a foram escolhas e deixam marcas no É assim que nos sentimos quando se-
sentir-nos trapaceados pelos pró- destino que não podem nem devem parados: esvaziados. Aos poucos, fe-
prios sentimentos. Como foi que me ser apagadas. Há músicas, cheiros, lizmente, a vida começa a pulsar no-
iludi tanto, que escolhi tão mal? Re- fotografias, gestos íntimos, que são vamente e podemos voltar a refletir
pentinamente aquele que se desejou oriundos daquele laço. Tudo o que uma imagem. Só que, agora, marcada
torna-se um estranho e o amor pare- vivemos intensamente nos modifi- pelos traços daquele olhar que uma
ce propaganda enganosa, um feitiço ca; assim, somos filhos dos amores vez escolhemos para nos refletir. Aca-
que se desfez, revelando alguém que que tivemos e deles ficamos órfãos. bou, mas existiu. •
nada vale aos nossos olhos. Pior do que suportar a perda da-
Não creio que nos equivoquemos quilo que se sonhou e viveu juntos
tanto. Por vezes no fim da história é encontrar no lugar do amor que se DIANA CORSO acaba de lançar o livro
não se vive feliz para sempre: a gen- teve um buraco negro que nos traga. Tomo Conta do Mundo- Conficções
te se perde, ou apenas escolhe cami- Já conheci esse desespero, já vi um de uma Psicanalista.
..
-·
Em vez de ceder, podemos f aze r por alegria; em vez J
...."'
-
RECENTEMENTE OFERECI O cur- como você visita seus sogros, como quele momento ela está seguindo
SO ''Resposta Padrão Para Q!.talquer participa da reunião na empresa- se com sua vida. Melhor liberar o outro,
Problema de Relacioname nto", em sente arrastado e sem escolha? dispensá-lo do trabalho de nos fazer
São Paulo. Longe de com portamen- Ceder (no sentido de ignorar nossa feliz. E assim nos desobrigar de fazê-
tos ideais e psicologização das his- liberdade) é quase sinônimo de exi- -lo feliz, intensificando a alegria em
tórias, trabalh amos internamente gir (ignorar a liberdade do outro): a ajudá-lo em seu florescimento, sem a
com práticas de equilíbrio, sabedo- pessoa que mais faz por obrigação é sensação de cobrar ou pagar dívidas.
ria e compaixão. No entanto, somos
apressados, queremos saber logo o
que fazer. Aproveito e ntão para des-
exatamente a pessoa que mais obri-
ga o outro. Exigir é talvez a ação que
mais destrói uma relação. É um tipo
Oferecer é o ato mais revolucioná-
rio, capaz de por fim ao pacto de ca-
rência sob o qual construímos a maio-
-·
crever duas atitudes desnecessárias de violência. Exigimos com o olhar, ria das relações. Quando o outro nos
com o desejo de que possamos aban- com atitudes indiretas, exigimos in- beneficia, sua m ente livre está feliz
doná-las o quanto antes. cessantemente até ao pensar nos ou- apenas em oferecer (ainda que sua
É muito comum ouvir que em tros. Quem somos nós para interrom- mente aflita espere alguma retribui-
uma relação precisamos ceder. Sim, per uma pessoa no meio da rua e for- ção). E quando beneficiamos o outro,
flexibilidade é essencial, mas ela não çá-la em uma direção? E o que muda melhor oferecer por nós, unilateral-
precisa vir com passividade, como se quando essa pessoa vive conosco há mente, como expressão natural de
fizéssemos aquilo pelo outro, como 10 anos? Claro, esperar algo dos ou- nossa presença no mundo, não como
se não estivéssemos escolhendo tros é ok, não há problema algum em algo que estamos fazendo pelo outro.
aquele caminho. Sempre que faço manter expectativas... desde que vo- Estamos quites. Alegria! •
algo por obrigação, sofro e me cê saiba que vai sofrer. É matemático.
torno um cobrador. Porém, assi m Guardem isso no coração: o outro
que me aproprio e danço, brota é livre, o outro é criativo. Antes de li- GUSTAVO G ITT I trabalha em espaços
alegria, junto com a clareza de como gar para a esposa (marido, filha, fun- de transformação coletiva. Seu site é
aproveitar aquele momento. Observe cionário, a miga), lembre-se que na- gustavogitti.com
-
I •
r.
Eterno impermanente
Quando tudo se desfaz, a lucidez e a serenidade nos
libertam d a il usão e do sofrimento
PoR Padma Samten
•
A ME NTE OPERA ACELERADA, saltan- em mais dor ainda? Como a lucidez, nua. O que parece concreto vem e vai,
do entre visões e ideias diferentes o amor, o carinho dão origem a nu- a luminosidade do olhar sustenta os
que surgem com convicção mas que, vens de aflições que não se desfazem? sonhos. A vida no mundo é um flutuar
mais adiante, perdem energia e des- A mente esvoaça culpando e jul- sem fim, de bolha em bolha, colhen-
vanecem como rostos que enxerga- gando, fluindo para a impotência e o do o tumulto da mente. Faz parte.
mos brevemente nas nuvens. Aqui e desânimo, para lentamente trazer as Lucidez é interromper a transmi-
ali surge o orgulho, adiante a dor, de- questões práticas. Respire com mais gração e refugiar-se na realidade cla-
pois inveja e ciúme, que flutuam em certeza. Desfaça a tensão do rosto. ra da mente e energia que não flutu- •
direção à raiva e ao rancor. As deci- Relaxe. Assim, a energia flui nova- am. O rosto se aclara. Não há perdas
sões duras logo atropelam as ima- mente por dentro. Os sons do mun- e nem culpados. Quando tudo se des-
gens boas. Os pensamentos sobre do voltam ao normal: o tic-tac do re- faz, o que se vai são as montanhas da
como manter as coisas práticas fun- lógio, o tráfego, os pássaros. solidez ilusória. Entender que tudo
cionando são substituídos pelo de- Buda nos lembraria que o sofri- muda e aceitar essa verdade pode ser
sânimo diante das tarefas infinitas e mento brota da fixação ao que é im- a chave para livrá-lo do sofrimento.
desarmonias inevitáveis. Então, de- permanente. O que ontem surgiu co- O Buda diria: repouse na nobre-
sabamos na sensação de isolamento mo causa de felicidade, hoje se apre- za e serenidade da mente sábia que 1
e carência. A dúvida retoma: e se for senta como causa de sofrimento. As subjaz ao tumulto das bolhas e apa-
um engano e tudo puder seguir? bolhas, não importa seu conteúdo, rências - o céu além das montanhas
O que faço com a casa, com os li- aparecem e se sustentam na lumino- e nuvens. Seus olhos vertem duas lá-
vros, com as fotos e com as lembran- sidade mágica do nosso olhar. Somos grimas, compaixão e amor. •
ças dos bons tempos? Viver só daqui nós que as alimentamos.
em diante? Hum ... muito triste. Mon- No céu imóvel as montanhas pas-
tar novamente uma relação em que, sam e as nuvens seguem. O espaço PADMA SAMTEN é lama budista. Fundou
ao final, o que foi bom se transforma onde se sucede pensamentos e reali- e dirige o Centro de Estudos Budistas
em dor e o que foi ruim se transforma dades incessantes e infindáveis conti- Bodisatva, em Viamão, RS.
...
. r ..
=
I."
AS TRAVESSIAS OCEÂNICAS sulcam ordinárias de generosid ade e simpa- Muitas d as nuances de observar
rotas em mim, ta nto quanto nos ma- tia e, no outro, pasmo com uma ba- a realidade livre de expectativas ou
res, riscados pela quilha do Santa derna burocrática e o desrespeito aos ideias pré-concebidas ainda me es-
Paz. Nas Ieiras abertas, semeio vaga- direitos do consumidor por parte das capam, mas percebi que aproximar-
lumes, fagulhas que coleto pelas an- companhias aéreas e de telefonia. -me de um problema com o mínimo
danças. Nas horas de silêncio no con- Fomos recebidos nas vilas mais re- de respostas prontas apresenta ângu-
vés, algumas alumiam meu peito. motas, em refeições fartas e incrível los e aberturas inesperados. Um olhar
Nos últimos meses, em que velejei desprendimento. O esforço de obser- arejado perm ite que a realidade nos
entre Fiji e Austrália, fui tomado pe- var e aceitar a realidade sem julga- atinja um pouco como a poesia e nos
lo tema da ingenuidade. A cada milha mento me permitiu desenvolver uma leva a perceber algo conhecido sob
navegada para oeste, a opção por um paciência de Jó do outro lado do pên- uma nova ótica. O príncipe Míchkin,
olhar inocente sobre a realidade, os dulo. Estimo que precisei d e cerca de O Idiota, me voltava todo tempo.
povos e os locais por onde passei des- de 50 ligações para remarcar os voos Idiota não, ingênuo por escolha.
cortinavam novas perspectivas. Se o das meninas. Sustentei uma elegân- Com m en os julgame nto, os e n-
combustível para as epifanias surgia cia surpreendente. Agi como se odes- redos ganham uma luz diferente. As
das expe riências com a gente de Fi- respeito não fosse comigo. Não era. sombras ficam menos tenebrosas e
ji, seus hábitos e costumes, as faís- Tive mos um sem fim de gastos mais aceitas. Aqui me refiro às mi-
cas vinha m das leituras d e O Idiota, abusivos. Deixei o país com o orça- nhas sombras, não às dos demais. O
de Dostoiévski, Duna, de Frank Her- mento rasgado, mas sem vestir a fa n- primeiro julgame nto a cessar é aque-
bert, e do texto "The Unfamiliar Fa- tasia de vítima. Assim é nos rincões: le em que o réu sou eu. •
miliar", do poeta inglês Henry Shuk- a corrupção e o abuso econômico es-
man, sobre d esfamiliarizar-se. correm para a periferia do mundo. Fi-
Em Fiji, vivi um pêndulo de para- ji acaba de sair de um golpe de esta- LUCAS TAUIL DE FR EITAS é casado com
doxo: via-me, em alguns instantes, do, mais um que assola o planeta sem Sandra Chemin epai de júlia e Clara.
perplexo com dem onstrações extra- qualquer reação das Nações Unidas. A família vive no veleiro Santa Paz .
-
.. I •
.
UM ANO E MEIO ATRÁS estreei es- edita com coração, o fantástico Ro- as eleições, que coroaram os ressenti- ~
ta coluna. Minha filhinha Aurora ti- dolfo França, ex-diretor de arte bri- mentos. Os partidos se comportaram
nha acabado de nascer, bem em meio lhante a quem a revista deve tanto de mal, e deixaram o país frustrado.
às manifestações que encheram to- sua alma, e tanta gente mais. Prazer Julguei que era um bom momento
do mundo de esperança. Batizei es- ainda maior vir aqui todo mês conver- para encerrar a coluna. Sigo amando
te humilde espacinho de Auroras, já sar contigo sobre as coisas pequenas Aurora, e sigo empenhado em partici-
que a ideia era falar dos inícios que e as grandes da vida. par da construção de um mundo dig-
se anunciavam então. Tanto o início Sempre soubemos que a coluna no do amor que tenho por ela. Espe-
da vida do meu bebê, quanto o de um não duraria muito. A ideia era apro- ro que este meu papo-furado mensal
jeito novo de pensar as coisas.
De lá p ara cá, foram 20 textos,
veitar a inundação de afeto neste meu
recém-nascido cérebro de pai para
deixe para você alguma inspiração.
Tenho certeza de que voltarei a pas-
•
sempre buscando ser ao mesmo tem- ver se ela me revelava algum insight sear por aqui - talvez numa colabo-
po pessoal e político. Sempre olhan- que valesse a pena compartilhar. Não ração eventual, talvez em outro pro-
do para a minha casa e para o planeta. faria sentido ficar contando sobre Au- jeto de coluna . Por ora me despeço,
Babei baldes pela filho ta e contei his- rora até a adolescência dela. já morrendo de saudades (e de sono,
tórias bobas de deslumbre paterno, Pois bem. Depois de amanhã ela já que Aurorinha não me deixou pre-
para imenso tédio dos leitores sem fi- completa 1 ano e meio, já fa la uma gar os olhos essa noite). E deixo com
lhos, e tentei relacioná-las com as coi- porção de palavras, tem um montão vocês o aprendizado central destes
sas que aconteciam ao redor. de vontades, está cheia de opiniões, 18 meses: o que muda o mundo é o
Foi um prazer enorme toca r esta de gostos, de idiossincrasias. É, sem amor. Caraca, que final mais brega! •
coluna- a segunda que tive por aqui, tirar ne m por, uma pessoa. E a cad a
uma década depois da finada Gam- dia fico mais apaixonado por ela.
biarra. Prazer gigante a companhia Enquanto Aurora cresceu, as espe- DENIS RUSSO BURGIERMAN é diretor das
desse time apaixonado e sensível- a ranças de 2013 murcharam. Depois revistas Superinteressante e Mundo
grande jornalista Ana Holanda, que do sonho degenerar em raiva, vie ram Estranho, ambas da editora Abril.
52 Vida simples • FEVE REIRO 20 15 ' :!é: ~.ui.. a. RETRATO Renato Alarcão
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Para anunciar, ligue: Diretos/Agências SP (11) 5098 1111
~~ro ~:~:~~
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responsabilidades desses serviços são única e exclu sivamente do anunciante. A Editora CARAS não se responsabiliza pelos serviços e produtos anunciados neste espaço.
Achados EDiçÃo Ana Holanda
As novidades
de Tom Zé
Tom Zé é reconhecido
como um bom e criativo
compositor da nossa
música. O baiano de lrará
participou da Tropicália na
década de 1960 e conquis-
tou o IV Festival de Música
Popular Brasileira, da TV
Record, com a canção "São
Paulo, Meu Amor". Mas o
reconhecimento só veio
nos anos 90 - com a ajuda
do cant or David Byrne (ex-
Talking Heads), que lançou
os discos de Tom Zé no
exterior. A partir disso, ele
se tornou referência para
a nova geração da música
nacional, representada
por Criolo, Silva, Rodrigo
der. Aqui, sugerimos dois compositores, Martinho da Vila e Leandro Leh art, ao Papa Francisco. -DAR ~
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z
que fizeram d iscos de Carnaval capazes de durar mais que um mês de folia. z
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BAMBOLEIRAS
www bambolejras.com br
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aventurasnahistoria avhlstoria
ACHADOS
E o Oscar
va1 para...
Fizemos a nossa seleção
dos filmes que mereciam
levar, em algum momento,
a estatueta para casa
-ALEXANDRE CARVALHO
DOS SANTOS
Neste ano, o Oscar, "M UTUM" (2007). inspirado "OS AMIGOS" (2013), de "TODAS AS MULHERES do
premiação do cinema, cai na história de Miguilim, Li na Chamie. Aqui, a ami- Mundo" (1967). Comédia
em 22 de fevereiro. Para personagem de Guimarães zade é o que conforta o ar- romântica sofisticada, com
que você vá entrando no Rosa. No filme, Thiago quiteto Theo (Marco Ricca) diálogos à Woody Allen,
clima da festa, inventamos é um menino pobre de da perda de um amigo de o filme de Domingos de
um Oscar com a cara da 10 anos que vive numa infância. A cumplicidade Oliveira narra os dilemas
revista: o de "cinema dos região isolada de M inas. das confidências com a de Paulo (Paulo José),
afetos". E, nessa categoria, A emoção da história está amiga e as lembranças que tem a vida de eterno
tem muito fi lme brasileiro em como ele enxerga o seu da meninice são tratadas mulherengo abalada pela
com pinta de campeão. microcosmo: as brinca- com delicadeza - e dão descoberta do grande
Conheça nossos preferidos deiras, o pai violento, a vontade de sair do filme amor de sua vida: Maria
de todos os tempos: perda de gente querida. direto para um bate-papo. Alice (Leila Diniz).
Os clássicos
{;\ Até o mais durão dos
\V lutadores de MMA é
capaz de derramar uma lá-
grima diante do drama "Era
uma vez em Tóquio" (1953).
do mestre japonês Yosujiro
Ozu. Um adorável casal
de idosos viaja a Tóquio
para visitar os filhos- que
estão sempre atarefados
para dar atenção a eles.
Mas, à indiferença e ao
egoísmo, os mais velhos
respondem com uma lição
de paciência e sabedoria.
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